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INQUÉRITO JUDICIAL
DIREITO À INFORMAÇÃO
SOCIEDADE DOMINANTE
Sumário
I - O inquérito judicial funciona como o meio processual especial, adequado a determinar que a informação seja prestada em caso de recusa expressa ou presumida, ou ainda em caso de prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta, ou não elucidativa, por parte do conselho de administração ou direção da sociedade (art.º 292º, nºs 1, 2 e 6 do Código das Sociedades Comerciais e art.º 1479º e ss. do CPC). II - O Código das Sociedades Comerciais não regulamenta o regime das informações cuja disponibilização fica a cargo das sociedades coligadas, modelo societário que afasta da figura típica da sociedade comercial individual, limitando-se a fornecer alguns elementos literais nas proposições normativos do artigo 290º. III - Esta especial configuração dos grupos de sociedades suscita particulares dificuldades ao nível da concretização do exercício pelos sócios (da sociedade-mãe) do direito à informação sobre o grupo, que não apenas sobre a sociedade-mãe que lhes pertence. IV - No que concerne ao direito de informação aos sócios das sociedades anónimas em relação de grupo, como é o caso dos autos, há antes de mais que considerar: em primeiro lugar se o sócio pode pedir à administração da sociedade de que é sócio, informações sobre as outras sociedades do grupo e, em segundo lugar, se o sócio se pode dirigir diretamente à administração de outra sociedade em relação de grupo com a sua. V - Aos acionistas cujas ações atinjam os 10% do capital social, é conferido também o direito de solicitarem, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade dominante, que lhes sejam prestadas, por escrito, informações sobre assuntos sociais da sociedade dominada. VI - Ponderando a exigência de uma leitura conforme à Constituição, já não se afigura possível, em face da atual redação do CSC, proceder à aplicação da norma do 291º do CSC aos casos em que os pedidos de informação são diretamente dirigidos pelos sócios da sociedade dominante à sociedade dominada, interpretação que consubstanciaria uma interpretação corretiva da lei, proibida e inconstitucional, por violar o princípio estruturante da separação de poderes, o princípio fundamental da obediência do juiz à lei e o artigo 9º do Código Civil. VII - O pedido de informação de que trata o art.º 291º do CSC não está dependente de uma qualquer Assembleia Geral, podendo ser exercido em qualquer momento da vida da sociedade. VIII - Perante o pedido de informações apresentado nos termos do art.º 291º o conselho de administração ou o conselho de administração executivo devem prestar as informações solicitadas, caso não haja motivo de recusa. Se não forem prestadas decorridos 15 dias após a receção do pedido, consideram-se recusadas (art.º 291º, n.º 6).
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório:
A…., casada, residente na Rua…., AA…., casada,…, residente na Praceta…., AN…, casado, …, residente na Rua…, ANN…., solteiro, maior,…, residente na Rua…., ANT…, casado,…, residente na Rua…., ARN…, casado,…, residente na Rua…, JO…., casado,…, residente na Rua…, MA…, casado, …residente na…, R…, casado,…, residente na Rua…, vieram intentar ação especial de Inquérito Judicial contra “VP”, SGPS, S.A., com sede em.., “B”… Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré desde a constituição da sociedade em 27.12.2007, (…), “C”, Vogal do Conselho de Administração da 1ª Ré desde 31.03.2019, “D”, Vogal do Conselho de Administração da 1ª Ré desde 29.07.2022, (…), “GP”, S.A. e “E”, (…) peticionando que se determine inquérito da sociedade, fixando os seguintes pontos para averiguação:
I - Contrato de venda das ações da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, S.A.
- Determinação do valor líquido da alienação efetuada;
- Descrição de todas as condições do aludido negócio;
• Descrição de todos os activos descritos no contrato como estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA;
• Descrição de todos os activos descritos no contrato como não estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA.;
- Informação se o foi ou não associada a esta transacção o negócio pessoal do Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré (negócio W);
II – “BE”, Limited
- Descrição de todos os procedimentos adoptados para transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal, com descrição completa e pormenorizada sobre todos os passos e acções efectuadas para o efeito.
- Descrição completa e pormenorizada sobre o status quo do procedimento e a descrição de todas as acções em falta para a concretização da transferência/redomiciliação;
- Descrição completa e pormenorizada de todos os impedimentos à concretização da transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal com compromisso formal assumido há mais de três anos;
- Informação completa e detalhada sobre as contas da sociedade participada;
- Cálculo integral dos encargos suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nos últimos 5 anos (2018 a 2022) com a aludida participada;
- Informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada;
- Informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada com reflexo directo ou indirecto no valor das acções da “VP”, SGPS, S.A.;
- Descrição de todos os activos da sociedade participada.
IV - Contas das 3 sociedades (“VP”, SGPS, S.A., “BE”, Limited e “GP”, S.A.)
- Informação completa e detalhada sobre os custos suportados pela sociedade “VP”, SGPS, SA, com iniciativas pessoais do Presidente do Conselho de Administração invocando a qualidade de accionista maioritário, nomeadamente:
a) Com a proposta de deliberação em Assembleia Geral de acção de responsabilidade contra o 2º o 3º maiores accionistas, com os custos com a consultoria jurídica e patrocínio judiciário na elaboração das propostas de deliberação e nos processos judiciais de anulação das deliberações ilegais;
b) Com a proposta de deliberação em Assembleia Geral de alteração dos Estatutos, com os custos com a consultoria jurídica e patrocínio judiciário na elaboração das propostas de deliberação e nos processos judiciais de anulação das deliberações ilegais;
c) Suporte a negociações das acções pessoais do accionista maioritário.
VI - Negociações para venda das acções do accionista maioritário e/ou da sua firma pessoal
- Informação se o advogado do PCA integra o Escritório de advogados contratado pelo Conselho de Administração e se os encargos com essas negociações não estão a ser suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nem pelas suas participadas.
VII - Aquisição de acções pelo PCA ou pela sua sociedade.
1. Informação objectiva e detalhada a todas as aquisições de acções pelo accionista maioritário e/ou a sua empresa pessoal – “LO”, Unipessoal, Lda. nos últimos 5 (cinco) anos (2018 a 2022) e ainda em 2023 até à data das respostas a esta carta, tendo em conta que é Presidente do Conselho de Administração.
2. Informação objectiva e detalhada quanto à aquisição das acções de “AL” pelo PCA ou pela sua sociedade e a eventual associação à proposta para Vogal do Conselho de Administração de “JL”.
VIII – Pontos adicionais relativos à participada “GP”, SA
- Informação sobre Despesas da Sociedade nos exercícios 2018 e 2022
(solicita-se informação completa e detalhada de despesas em cada um dos 5 (cinco) anos de 2018 a 2022, cobrindo no mínimo 80% das despesas em cada ano, nomeadamente nas classes:
a) Encargos com os Corpos Sociais
Cobrindo qualquer tipo de encargo (honorários, avenças, deslocações, refeições, …);
b) Encargo com a contabilidade;
c) Encargos com apoio jurídico;
d) Encargos com consultores;
e) Apoio administrativo e similar;
f) Imposto Municipal sobre Imóveis e outros impostos;
g) Outos encargos relevantes para atingir pelo menos os 80% atrás das despesas totais em cada ano.)
- Informação sobre Fluxos financeiros nos exercícios 2018 e 2022 (Solicita-se informação completa e detalhada dos fluxos financeiros entre a “GP”, S.A. e a sua empresa mãe “BE”, Limited bem como os eventuais fluxos directamente entre a primeira sociedade e a “VP”, SGPS, S.A. durante o mesmo período (2018 a 2022).
b) condenar a Ré a prestar as seguintes informações:
I - Contrato de venda das acções da sociedade “VP”, Empreendimentos
Turísticos, S.A.
Consulta/obtenção de cópia do contrato de compra e venda de acções da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA, por forma a conhecer todas as condições do negócio,
III - Valorização dos 2 lotes de terreno (desdobramento de "Terrenos") – artigos matriciais 6714 e 6715, da freguesia de....
1. Informação sobre todas as diligências efetuadas na Câmara Municipal da …. pela participada “GP”, SA.
2. Informação sobre a capacidade construtiva assegurada nos lotes de terreno.
3. Informação sobre os pedidos de informação prévia, efetuados ou não pela aludida sociedade “GP”, SA (sociedade participada através da participação da “BE”, Limited) relativos aos terrenos e a respetiva resposta da Câmara Municipal de …. Caso não tenha sido solicitado qualquer pedido de informação prévia o motivo pelo qual tal solicitação não foi efetuada.
4. Informação sobre avaliações dos aludidos terrenos, facultando cópia ou consulta na sede aos acionistas da respetiva/s avaliação/ões. Caso não existam avaliações, a justificação detalhada por não ter feito quando se considera que as avaliações/ões são imprescindíveis para uma negociação transparente e responsável.
5. Informação sobre capacidade construtiva do loteamento, do limite consagrado no PDM e da necessidade de redução do mesmo.
IV - Contas das 3 sociedades (“VP”, SGPS, S.A., “BE”, Limited e “GP”, S.A.)
1. Facultar cópia do Relatório e Contas, Demonstração de resultados, Relatórios de Gestão, Parecer de Fiscalização e Resultados individualizados das sociedades “BE” Limited e “GP”, SA nos últimos 5 anos (2018 a 2022);
V - Negociações para venda direta ou indireta dos 2 lotes de terreno pela “VP”, SGPS, S.A.
1. Informação sobre a razão por não ter sido dado seguimento à proposta da “RE” Prestige de 27/04/2022 dirigida a todos os acionistas (um grupo de minoritários deu conhecimento ao maioritário em 26/05/2022 o seu acordo quanto à celebração deste contrato em regime de não exclusividade).
2. Informação sobre a situação das negociações que tiveram início em finais de junho início de julho relativa à venda dos terrenos ou alienação das ações.
3. Informação completa e detalhada sobre a informação que foi prestada e transmitida pelo Conselho de Administração aos interessados nos terrenos ou nas ações da sociedade.
4. Informação sobre a atividade da sociedade, nomeadamente informação sobre se o único objetivo do Conselho de Administração, e a razão de existir a “VP”, SGPS, S.A., consiste na venda direta ou indireta dos 2 (dois) lotes de terreno da “GP”, S.A. ou das ações da primeira com o melhor resultado líquido para os acionistas.
VI – Condenar especificamente a 6ª Ré a prestar as seguintes informações:
– Consulta dos Relatórios e Contas dos exercícios 2018 a 2022;
- Informação sobre estratégia para alterar resultados negativos da sociedade;
- Informação sobre a existência e conteúdo das orientações e/ou ordens para promoção ou valorização dos terrenos por parte das sociedades dominantes;
- Informação sobre a existência de procurações, nomeadamente que procurações foram emitidas pela sociedade, sendo facultada cópia das mesmas;
- Informações sobre as negociações para venda dos lotes.
c) Caso não se entenda que os pontos definidos em a), no todo ou em parte, não deverão ser objeto de inquérito através de investigador/perito, deverá a Ré ser condenada a prestar a informação dos pontos neles contida.
Fundamentaram o seu pedido alegando, em síntese, que a primeira Ré é uma sociedade gestora de participações sociais, constituída sob a forma de sociedade anónima, cujo objeto é a “gestão de participações sociais de outras sociedades como forma direta de exercício de atividades económicas, sendo a primeira Ré a titular de 100% do capital social de uma sociedade off-shore, denominada “BE”, Limited, sociedade, que, por sua vez, é detentora de 100% da sociedade comercial anónima “GP”, SA, segunda Ré; que se está perante um grupo com uma relação de domínio total da 1ª Ré sobre as restantes participadas; que, por seu turno, os Autores são acionistas minoritários da Ré “VP”, SGPS, S.A, pois somadas as participações detidas por todos perfazem 6862 (seis mil oitocentas sessenta e duas) que equivalem a 10.60% do capital social da 1ª Ré e o Conselho de Administração da 1ª Ré é composto pelo Presidente do Conselho de Administração, o Senhor “B” e pelos Vogais do Conselho de Administração, os Senhores “C” e “D”; que a Administradora única da Ré GP, SA é “E”.
Invocando a situação de litisconsórcio passivo, dado que o Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré …é, através da sociedade que detém 100% do capital social (“LM”, Unipessoal, Lda.), o acionista maioritário da 1ª Ré, detendo, através da aludida sociedade, uma participação social com 49.085 (quarenta e nove mil oitenta e cinco) ações correspondentes a 75,75% - doc. nº 7.
O Vogal do Conselho de Administração da 1ª Ré “D” detém 1500 (mil e quinhentas) ações que corresponde a 2,31% do capital social da 1ª Ré.
Que o real activo do grupo de sociedades é o direito de propriedade, através da sociedade “GP”, SA, quinta Ré, de dois lotes de terreno na freguesia de …, inscritos na matriz predial urbana sob os números …, descritos na Conservatória do Registo Predial de … sob os números …, da mesma freguesia.
A primeira Ré era detentora de 100% do capital social da sociedade “VP” Empreendimentos Turísticos, SA, que detinha a propriedade dos prédios e direito de exploração do camping de …, ações essas que foram alienadas, na sua totalidade, em finais de 2018.
Que atualmente não explora qualquer negócio operacional, não tem qualquer atividade comercial, nem pretende construir e/ou explorar qualquer negócio pelo que a única razão de ser da sociedade primeira Ré é a venda desses ativos (dois lotes de terreno), seja pela alienação direta dos lotes, via “GP”, SA, seja através da alienação das suas ações, sendo esse a única missão da atividade e existência da sociedade.
Que a gestão executiva da “VP”, SGPS, S.A. tem a obrigação perante todos os acionistas (maioritário e cerca de 30 (trinta) minoritários) empenhar-se com competência e total transparência na única missão em que está investida. Sempre em benefício de todos os acionistas, encontrando-se os 2 (dois) lotes estão total disponíveis para serem direta ou indiretamente transacionáveis há cerca de 10 (dez) anos sem propostas.
Que os AA. enviaram, aos 2.05.2023, missiva à 5ª Ré, “GP”, SA” dirigida á Administradora Única, “E”, através de carta registada com aviso de receção, adiantada por e-mail para …, com o “Assunto: “GP”, S.A. - Direito Coletivo à informação (artigo 219.º do CSC) “, nos termos melhor reproduzidos sob o art.º 189º da PI, a qual foi rececionada em 4-5-2023.
Aludem os AA á realização de várias Assembleias Gerais, entre o mais, de 29-7-2022, e 22-4-2018 que deram origem a ações de anulação; que pediam informações ao CA em 27-4-2020, em 22-3-2023 e em 30-3-2023 rececionada em 24-4-2023, bem como ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral em 8-3-2023, todas sem resposta.
Contudo que receberam e-mail em 16-5-2023 do CA da Ré com informação preparatória sendo a informação fora de prazo, incompleta e enganosa.
Mais elencam os pontos de informação a pedir diretamente á 1.ª Requerida e outros pontos a solicitar ás participadas.
Entre outra prova solicitam perícia conforme al. D) do Ponto III.
*
Citados, contestaram os RR em 14-7-2023, por exceção, arguindo a ilegitimidade passiva da Ré “GP” e da Ré “E” e ainda por impugnação quanto à matéria que como sócios os A têm direito a sindicar, alegando, quanto ao mais que toda a informação foi sendo disponibilizada, não tendo os AA assumido em sede própria qualquer discordância conformando-se com as contas apresentadas e votadas.
Na sequência do despacho 18-1-2024 (Ref. Citius n.º 431843528) os AA apresentaram resposta em 1-2-2024 (Ref. Citius n.º 38346319), pugnando pela improcedência da exceção.
Em 10/04/2024 foi proferida sentença que conheceu da exceção arguida, julgando-a improcedente e considerando que o estado dos autos o permitia julgou a ação improcedente, e consequentemente absolveu os Requeridos dos pedidos formulados.
*
Não se conformando, os requerentes recorreram da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A) No enquadramento que fizeram do seu pedido não restam dúvidas que os requerentes deduziram o seu pedido tendo como ponto central e nevrálgico a violação pelos requeridos do disposto no artigo 291º, nºs 1 e 2, (direito coletivo à informação) do Código das Sociedades Comerciais (cf. artigo 222º e seguintes da petição inicial).
B) Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 291º, nºs 1 e 2, do CSC, os requeridos enviaram aos 1º a 4º requeridos:
- aos 30.03.2023, email e carta que se encontra transcrita no artigo 117º da petição inicial (documento nº 21 junto ao articulado inicial);
C) Ainda ao abrigo do disposto no artigo 291º, nºs 1 e 2, do CSC, enviaram à 5ª e 6ª requeridas:
- aos 02.05.2023, email e carta que se encontra transcrita no artigo 189º da petição inicial (documento nº 15 junto ao articulado inicial).
D) Os requeridos não responderam a nenhum dos pedidos de informação;
E) A mui douta sentença recorrida é omissa quanto a determinados pontos essenciais da matéria de facto, a saber os artigos 117º a 132º e 189º a 191º da petição inicial, que traduzem o cerne do exercício do direito coletivo à informação, nos termos do disposto no artigo 291º, nºs 1 e 2, do CSC, violado pelos requeridos, razão de ser do presente inquérito;
F) Impunha-se que tais artigos 117º a 132 e 189º a 191º, todos da petição inicial, fossem dados como provados face à prova documental existente nos autos, a saber, documentos 21, 22, 23, 24, 25 e 26 (artigos 117º a 132º) e 189º a 191º (documento nº 15).
G) A mui douta sentença recorrida deu como provado um facto da contestação que não foi objeto de contraditório (“Nesta sede, os Autores tiveram oportunidade de efetuar todos os esclarecimentos que entenderam convenientes”)
H) Tal facto alegado na contestação dos requeridos, não submetido a contraditório, não poderia, sem produção de prova, ter sido dado como provado, pelo que deverá ser eliminado dos factos dados como provados.
I) O direito coletivo à informação exercido pelos requerentes, pelas suas missivas de 30.03.2023 e 02.05.2023, não visavam a Assembleia de Aprovação de Contas de 2022, mas sim apurar a responsabilidade dos titulares dos órgãos de Administração, razão pela qual “As informações solicitadas são colocadas ao abrigo do disposto no artigo 291º, nº2, do Código das Sociedades Comerciais”
J) É precisamente por esse motivo que o presente processo de inquérito foi também intentado contra os 2º a 4º requeridos e contra a 6ª requerida;
K) Os requerentes tinham direito ao inquérito judicial nos termos do disposto no artigo 292º do CSC por violação do direito coletivo à informação previstos no artigo 291º, nº2 1 e 2, do CSC, direito que haviam exercido máxime nas suas missivas de 30.03.2023, dirigidas aos 1º a 4º requeridos e de 2.05.2023, dirigida à 5º e 6ª requeridas, e que não foram respondidas;
L) A mui douta sentença é totalmente omissa quanto a este fundamento central para a realização do inquérito judicial à sociedade;
M) A omissão de pronúncia da mui douta sentença recorrida sobre estes pontos essenciais na presente ação (violação do direito coletivo à informação nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 291º, nºs 1 e 2, do CSC, por falta de resposta às missivas de 30.03.2023 e 02.05.2023) constituí nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC que aqui se invoca;
N) Quanto ao direito coletivo à informação exercido pela missiva de 2.05.2023, a mui douta sentença fundamentou a sua decisão numa circunstância que não foi objeto nem de alegação, nem de contraditório prévio e que, salvo o devido respeito, não faz sentido;
O) Os requerentes alegaram, no artigo 191º da sua petição inicial, que a carta de 2.05.2023 não foi respondida, não alegaram que não foi respondida até 18 ou 19 de maio, pelo que independentemente de o prazo ser 18 ou 19 de maio, o que é certo é que à data da instauração da ação, a carta não tinha sido respondida (22.05.2023);
P) Não se trata de um trecho da mui douta sentença mui percetível, mas caso se entenda que o Tribunal a quo decidiu que a ação seria extemporânea pelo facto do prazo ainda não ter decorrido, deveria, antes da decisão, ter convidado os requerentes a pronunciar-se sobre os mesmos sob pena de violação do disposto no artigo 3º, nº3, do CPC, que aqui se invoca;
Q) A mui douta sentença recorrida violou, assim, concomitantemente, o disposto nos artigos 291º, nºs 1 e 2, e 292º do CSC e 1048º do CPC;
R) O direito coletivo de informação previsto no artigo 291º, nºs 1 e 2, é autónomo e independente do direito de informação que poderia ser exercido numa Assembleia Geral de acionistas, deve ser pedido por escrito e deve ser prestado por escrito.
Os requeridos contra-alegaram oferecendo o merecimento dos autos, na medida em que das Alegações não resulta qualquer novo argumento ou razão de facto ou direito que influa na posição já assumida em sede de Contestação a fls. e aceite, em parte, na Sentença a fls., com a qual também se concorda.
O recurso foi admitido, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Do Objeto do recurso:
Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes — artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
I – Da nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC, por omissão de pronuncia quanto à matéria de facto alegada pelos recorrentes nos artigos 117º a 132º e 189º a 191º da petição inicial e por omissão de apreciação da falta de resposta dos requeridos às missivas de 30.03.2023 e 02.05.2023.
II – Da reapreciação/alteração da matéria de facto.
III. Da violação do disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC, quanto à questão da tempestividade do exercício do direito pelos autores por falta de decurso do prazo a que alude o artigo 291º do CSC.
IV – Se a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 291º, n.ºs e 2 e 292º ambos do CSC.
V. Da sustentação legal do pedido de inquérito judicial à sociedade ré.
III – Fundamentação
Fundamentação de Facto
A primeira instância fixou a matéria de facto nos seguintes termos:
“Com interesse para a decisão da causa estão provados os seguintes factos:
-Do requerimento inicial:
A primeira Ré é uma sociedade gestora de participações sociais, constituída sob a forma de sociedade anónima, com o capital social integralmente realizado de 324.000,00€ (trezentos e vinte e quatro mil euro), composto por 64.800 acções nominativas, com o valor nominal de 5,00€, matriculada e com o NIPC ___, com sede na …., cujo objeto é a “gestão de participações sociais de outras sociedades como forma directa de exercício de actividades económicas. Sendo a primeira Ré é a titular de 100% do capital social de uma sociedade off-shore, denominada “BE”, Limited, constituída aos 28 de Fevereiro de 2014, registada no …, com o número …, e com sede em … – Docs nºs 3 e 4.
Esta sociedade, por sua vez, é detentora de 100% da sociedade comercial anónima “GP”, SA, segunda Ré, com número de matrícula e NIPC …, sediada na … – Docs. nºs 5 e 6.
Constitui um grupo com uma relação de domínio total da 1ª Ré sobre as restantes participadas.
Nenhuma destas 3 (três) sociedades tem qualquer actividade comercial e não aufere proveitos, para além de eventuais juros de depósitos bancários.
Por seu turno, os Autores são accionistas minoritários da Ré “VP”, SGPS, S.A, a 2ª Autora é dona e legítima titular de 381 (trezentas oitenta e uma) acções com os n.ºs 13.680 a 14.060, correspondentes a 0,6% do capital social.
A 1ª Autora é dona e legítima titular de 163 (cento sessenta e três) acções com os n.ºs 2.307 a 2.469, correspondentes a 0,3% do capital social.
O 5º Autor é dono e legítimo titular de 500 (quinhentas) acções com os n.ºs 21.583 a 22.082, correspondentes a 0,8% do capital social.
O 4º Autor (3º maior accionista da “VP”, SGPS, S.A.) é dono e legítimo titular de 1.800 (mil e oitocentas) acções com os n.ºs 11.880 a 13.679, correspondentes a 2,8% do capital social.
O 3º Autor é dono e legítimo titular de 163 (cento sessenta e três) acções com os n.ºs 20 470 a 20 632, correspondentes a 0,3% do capital social.
O 6º Autor é dono e legítimo titular de 450 (quatrocentas e cinquenta) acções com os n.ºs 20 633 a 21 082, correspondentes a 0,7% do capital social.
O 7º Autor é dono e legítimo titular de 500 (quinhentas) acções com os n.ºs 21 083 a 21 582, correspondentes a 0,8% do capital social.
O 8º Autor é dono e legítimo titular de 150 (cento e cinquenta) acções com os n.ºs 69 497 a 69 646, correspondentes a 0,2% do capital social.
O 9º Autor (2º maior accionista da “VP”, SGPS, S.A.), é dono e legítimo titular de 2755 (duas mil setecentas cinquenta e cinco) acções com os n.ºs 7201 a 9480 (2280 acções), 14 061 a 14 535 (475 acções) e 14 536 a 14 921 (386 acções), no total correspondentes a 4,3% do capital social.
Somadas as participações detidas por todos os Autores, estas perfazem 6862 (seis mil oitocentas sessenta e duas) que equivalem a 10.60% do capital social da 1ª Ré.
Os AA. enviaram, aos 2.05.2023, missiva à 5ª Ré, “GP”, SA” dirigida á Administradora Única, “E”, através de carta registada com aviso de recepção, adiantada por e-mail para: …, com o “Assunto: “GP”, S.A. - Direito Colectivo à informação (artigo 219.º do CSC) “, nos termos melhor reproduzidos sob o art.º 189 da PI, a qual foi recepcionada em 4-5-2023.
Foram realizadas várias Assembleias Gerais da 1.ª Requerida, entre o mais, em 29-7-2022, e 22-4-2018 que foram objecto de impugnação judicial.
Os AA pediram, informações ao CA em 27-4-2020, em 22-3-2023 e em 30-3-2023 recepcionada em 24-4-2023.
Bem como ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral em 8-3-2023.
*
A Assembleia Geral Anual de 2023 foi convocada em 03.03.2023 para ter lugar em 27.05.2023 com a seguinte agenda PONTO PRIMEIRO – Deliberar sobre o Relatório e Contas do exercício de dois mil e vinte e dois; PONTO SEGUNDO - Deliberar sobre a apreciação geral da administração e fiscalização da Sociedade PONTO TERCEIRO - Deliberar sobre a eleição dos órgãos sociais da Sociedade do mandato 2023(2026) PONTO QUARTTO – Informações.
Nesta convocatória está expresso (transcrição): “Os documentos e informações referidos no artigo n.º 289.º do Código das Sociedades Comerciais, normalmente facultados aos Senhores Accionistas serão disponibilizados aos Accionistas por via e-mail no próximo 12 de Maio de 2023” – Doc. nº 36.
Os AA receberam o seguinte e-mail no dia 12.05.2023 às 18:43 horas que se transcreve integralmente:
“De: “VP” SGPS <…>
Enviada: 12 de Maio de 2023 18:43
Para: “VP” SGPS …
Cc: …;
Assunto: Documentos Preparatórios para Assembleia Geral “VP” SGPS
…
Senhores Accionistas,
A pedido do Presidente da Mesa de Assembleia Geral, Dr. "PD", vimos informar que os documentos e informações referidos no artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais, irão ser facultados via email aos Senhores Accionistas na próxima 3ª feira, dia 16 de Maio.
Desde já pedimos desculpa pelo incomodo causado.
Com os melhores cumprimentos
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Os AA receberam e-mail em 16-5-2023 do Conselho de Administração da Ré com informação preparatória, e seguinte teor:
““De: “VP” SGPS <…>
Enviada: 16 de Maio de 2023 19:04
Para: “VP” SGPS <…>
Cc: …
Assunto: Documentos Preparatórios para Assembleia Geral “VP” SGPS
…
Senhores Accionistas,
De acordo com o mencionado na convocatória da Assembleia Geral da sociedade “VP” SGPS, SA de 27/05/2023, vimos por este meio enviar em anexo os documentos e informações referidos no artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais, normalmente facultados à consulta dos Senhores Accionistas.
O Conselho de Administração
“VP” SGPS, SA
…
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Da Certificação legal de contas do Revisor Oficial de Contas eleito, Dr. “MGL”, transcrevem-se as seguintes passagens:
“Bases para opinião com reservas
Por ainda não termos tido acesso às contas da participada a 100% “BE”, Limited, fomos limitados na análise da participação financeira naquela entidade, pelo que não emitimos, quanto ao valor desta participação qualquer opinião.”
“… opinião com reservas”
Doc nº 40.
Do Relatório e Parecer do Fiscal Único do mesmo, Dr. “MGL”, transcreve- se: “4. Dado que a participada “BE”, Limited não nos apresentou contas, não podemos formar uma opinião sobre o valor da participação da sociedade naquela, o que limitou a nossa auditoria e conduziu a uma reserva por limitação de âmbito na CLC.”
PARECER
1º Que sejam aprovados o Relatório, Balanço e Contas referentes ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2022.
2º Que se aprove a aplicação de Resultados proposta pelo Conselho de Administração.
Por fim, o Fiscal Único agradece à Administração e aos serviços da Empresa toda a colaboração prestada.
…, 10 de Maio de 2023”.
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Da contestação:
A Assembleia Geral para aprovação das contas do exercício de 2022 agendada para 27-2-2023 realizou-se e suspendeu-se por acordo após a aprovação do primeiro ponto da ordem de trabalhos.
Nesta sede, os Autores tiveram oportunidade de efectuar todos os esclarecimentos que entenderam por convenientes.
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Da certidão perante da 1.ª Requerida consta averbado o DEP … - PRESTAÇÃO DE CONTAS INDIVIDUAL Ano da Prestação de Contas: 2022 (2022-01-01 a 2022-12-31).”
A Mma. Juiz a quo motivou a decisão de facto nos seguintes termos:
“Motivação
O Tribunal baseou a sua convicção no teor da matéria assente por acordo e confissão bem como no teor dos documentos juntos aos autos, e na consulta oficiosa da certidão permanente da 1.ª Requerida.
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Factos Não provados:
Por ausência de qualquer prova documental bastante:
- a recusa de informação e insuficiência da informação prestada por parte dos RR, alegada ao longo do requerimento inicial.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da invocada nulidade da sentença recorrida
Considera o recorrente ser a sentença nula nos termos previstos pelo artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC. por omissão de pronuncia quanto à matéria de facto alegada pelos recorrentes nos artigos 117º a 132º e 189º a 191º da petição inicial e por violação do disposto nos arts. 291º, n.ºs e 2 e 292º ambos do CSC.
O Tribunal recorrido não se pronunciou quanto às invocadas nulidades, como o impõe o artigo 617.º, n.º 1, do CPC.
Não obstante, considera-se não ser indispensável mandar baixar o processo para esse efeito (como previsto no n.º 5 do referido preceito), razão pela qual das mesmas se conhecerá desde já.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1 que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz, b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e) condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Como se disse, invoca o recorrente a nulidade prevista na al. d), nos termos da qual é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta concreta causa de nulidade consiste no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer.
É posição pacífica na doutrina (cf. entre muitos Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, pág. 143, Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, , 2ª edição pág. 690) a que vai no sentido de relacionar este vício da sentença com o dispositivo do art.º 608º do CPC, designadamente, com o seu nº 2, havendo, assim, de, por ele, ser integrado. Deste modo, a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Porém, não é qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só será, para estes efeitos, relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cf. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Desta forma, a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes. A pronúncia cuja omissão releva incide, assim, sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir) e não aos motivos ou às razões alegadas. Não padece, por isso, de nulidade por omissão de pronúncia a sentença ou o despacho na qual o tribunal não responda, um a um, a todos os argumentos das partes ou que não aprecie questões com conhecimento prejudicado pela solução dada a anterior questão.
Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou se pronunciar sobre qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretende a recorrente.
Relativamente à omissão de pronúncia sobre os factos alegados pelos recorrentes sob os pontos 117 a 132 da PI e 189 a 191 da PI entendemos que não inexiste qualquer omissão de pronúncia, atento a que nela se deu como provado que “os AA pediram, informações ao CA em 27-4-2020, em 22-3-2023 e em 30-3-2023 recepcionada em 24-4-2023.” E ainda que, quanto ao alegado em 189 a 191 da PI que “Os AA. enviaram, aos 2.05.2023, missiva à 5ª Ré, “GP”, SA dirigida á Administradora Única, “E”, através de carta registada com aviso de recepção, adiantada por e-mail para: …, com o “Assunto: “GP”, S.A. - Direito Colectivo à informação (artigo 219.º do CSC) “, nos termos melhor reproduzidos sob o art.º 189 da PI, a qual foi recepcionada em 4-5-2023.”
As informações pedidas ao CA da “VP” SGP, S.A. em 27-04-2020 reportam-se ao alegado pelos recorrentes nos factos 117º (pedido de informações ao Conselho de Administração da “VP” em 30-03-203 e missivas de 27-4-2020, em 22-3-2023. Não se deu, é certo, como reproduzido, na factualidade assente, o teor das referidas missivas, nem as circunstâncias que rodearam a sua receção ou presunção de conhecimento, circunstância que justificará que esta Relação amplie a matéria de facto provada, ampliando-a nos termos do disposto no art.º 662º do CPC, porquanto resultante dos documentos juntos aos autos e não impugnados.
Com efeito, e sob a Epígrafe modalidade da decisão de facto estipula o art.º 662º, nº 1, do CPC que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Sobre esta matéria refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª ed., pág. 333: “Com a redação do art.º 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.
Assim, do confronto da matéria alegada com os documentos juntos aos autos entende-se ampliar a matéria de facto provada, expurgando o que de natureza conclusiva ali é alegado, nos seguintes termos:
- Em 30 de Março de 2023 os AA., representando 12,00% do capital social da empresa e com vista ao exercício do direito coletivo à informação, dirigiram ao Conselho de Administração da Ré “VP” SGPS, S.A. Carta registada com aviso de recepção Adiantada por e-mail para: …;.com o seguinte teor:
Assunto: Direito Colectivo à informação (artigo 219.º do CSC)
Lisboa, 30 de Março de 2023
Exmos. Senhores Administradores,
Na sociedade “VP”, SGPS, S.A. o Conselho de Administração tem pautado a sua actuação pela acentuada falta de transparência não respeitando os legítimos interesses e direitos dos acionistas minoritários. Esta situação está agravando-se neste caso concreto pois:
• Tem sido vedada a possibilidade em Assembleias Gerais serem debatidas as opções estratégicas da sociedade (cabendo ao Conselho de Administração o poder executivo):
• O Presidente do Conselho de Administração ser o representante do acionista maioritário da sua firma pessoal (“LM”, Unipessoal, Lda);
• Em Assembleia Geral, o acionista maioritário referir-se aos acionistas minoritários várias vezes por "vocês" e declarar que se "recusa" a falar com estes (ver transcrição notarial de 16/12/2022 referente à Assembleia Geral de 29/07/2022);
• O Conselho de Administração nunca ter respondido a cartas que lhe foram dirigidas, nomeadamente a de 13/04/2020 (assinada por acionistas minoritários com mais de 10% do capital social);
• O Presidente do Conselho de Administração nunca ter aceite os inúmeros convites para dialogar com acionistas minoritários assegurando negociações transparentes quando os Investidores pretendem adquirir pelo menos 90% das acções da “VP”, SGPS, S.A..
Os subscritores desta carta dirigem-se ao Conselho de Administração da “VP”, SGPS, SA, ao abrigo do disposto no artigo 2919 do Código das Sociedades Comerciais, porquanto possuem, em conjunto, acções representativas de mais de 10% do capital social.
Assim, solicitamos que nos sejam enviadas, por escrito, as informações, algumas sob a forma de declarações, infra descritas e permitidas as consultas também infra solicitadas, tudo cumprindo os prazos legais em vigor.
1 - Contrato de venda das acções da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, S.A.
1. Requerem a Consulta/obtenção de cópia do contrato de compra e venda de acções da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA, por forma a conhecer todas as condições do negócio, bem como determinar o valor líquido da alienação efectuada;
Preferencialmente o resultado líquido deverá estar auditado pelos 2 (dois) Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente;
2. Requerem informação completa e detalhada sobre:
• todas as condições do negócio;
• todos os activos descritos no contrato como estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, S.A.;
• todos os activos descritos no contrato como não estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, S.A.;
• Informação completa e detalhada de todos os administradores informando se no negócio foi au não associada a esta transação o negócio “W”
II – “BE”, Limited
Os acionistas minoritários requerem informação completa e detalhada sobre:
1. Todos os procedimentos adoptados para transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal, com descrição completa e pormenorizada sobre todos os passos e acções efectuadas para o efeito.
2. Descrição completa e pormenorizada sobre o status quo do procedimento e a descrição de todas as acções em falta para a concretização da transferência/redomiciliação;
3. Descrição completa e pormenorizada de todos os impedimentos à concretização da transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal com compromisso formal assumido há mais de três anos;
4. Prestação de informação completa e detalhada sobre as contas da sociedade participada incluindo o cálculo integral dos encargos suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nos últimos 5 anos (2018 a 2022);
Preferencialmente, estos contas deverão estar auditadas pelos 2 (dois) Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente;
5. Prestação de informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada;
6. Prestação de informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada com reflexo directo ou indirecto no valor das acções da “VP”, SGPS, S.A.;
7. Descrição de todos os activos da sociedade participada.
III - Valorização dos 2 lotes de terreno (desdobramento de "Terrenos") – artigos matriciais … e …, da freguesia de ....
Os acionistas minoritários pretendem de forma objectiva e detalhada:
1. Informação sobre todas as diligências efectuadas na Câmara Municipal de … pela participada “GP”, SA.
2. Informação sobre a capacidade construtiva assegurada.
3. Informação sobre os pedidos de informação prévia, efectuados ou não pela aludida sociedade “GP”, SA (sociedade participada através da participação da “BE”, Limited) relativos aos terrenos e a respectiva resposta da Câmara Municipal de…. Caso não tenha sido solicitado qualquer pedido de informação prévia o motivo pelo qual tal solicitação não foi efectuada.
4. informação sobre avaliações dos aludidos terrenos, facultando cópia ou consulta na sede aos acionistas da respectiva/s avaliação/ões. Caso não existam avaliações, a justificação detalhada por não ter feito quando se considera que a/s avaliação/ões são imprescindíveis para uma negociação transparente e responsável.
5. Informação sobre capacidade construtiva do loteamento, do limite consagrado no PDM e da necessidade de redução do mesmo.
IV - Contas das 3 sociedades (“VP”, SGPS, S.A., “BE”, Limited e “GP”, S.A.).
Os acionistas minoritários pretendem que lhes seja facultada informação completa e detalhadas nos seguintes termos:
1. Facultar cópia ou consulta na sede da sociedade do Relatório e Contas, Demonstração de resultados, Relatórios de Gestão, Parecer de Fiscalização e Resultados individualizados das sociedades “BE” Limited e “GP”, SA nos últimos 5 anos (2018 a 2022);
2. Informação completa e detalhada sobre os custos suportados pela sociedade “VP”, SGPS, SA, com iniciativas pessoais do Presidente do Conselho de Administração invocando a qualidade de acionista maioritário, nomeadamente:
a) Com a proposta de deliberação em Assembleia Geral de acção de responsabilidade contra o 29 o 38 maiores acionistas, com os custos com a consultoria jurídica e patrocínio judiciário na elaboração das propostas de deliberação e nos processos judiciais de anulação das deliberações ilegais;
b) Com a proposta de deliberação em Assembleia Geral de alteração dos Estatutos, com os custos com a consultoria jurídica e patrocínio judiciário na elaboração das propostas de deliberação e nos processos judiciais de anulação das deliberações ilegais;
c) Suporte a negociações das acções pessoais do acionista maioritário.
V - Negociações para venda directa ou indireta dos 2 lotes de terreno pela “VP”, SGPS, S.A..
Os acionistas minoritários pretendem informação objectiva e detalhada:
1. Sobre a razão por não ter sido dado seguimento à proposta da “RE” Prestige de 27/04/2022 dirigida a todos os acionistas (um grupo de minoritários deu conhecimento ao maioritário em 26/05/2022 o seu acordo quanto à celebração deste contrato em regime de não exclusividade).
2. Situação das negociações que tiveram início em finais de Junho início de Julho relativa à venda dos terrenos ou alienação das acções.
3. informação completa e detalhada sobre a informação que foi prestada e transmitida pelo Conselho de Administração aos interessados nos terrenos ou nas acções da sociedade.
4. Informação sobre a atividade da sociedade, nomeadamente informação sobre se o único objectivo do Conselho de Administração, e a razão de existir a “VP”, SGPS, S.A., consiste na venda directa ou indirecta dos 2 (dois) lotes de terreno da “GP”, S.A. ou das acções da primeira com o melhor resultado líquido para os acionistas.
VI - Negociações para venda das acções do acionista maioritário e/ou da sua firma pessoal
Os acionistas minoritários pretendem informação se o advogado do PCA integra o Escritório de advogados contratado pelo Conselho de Administração e se os encargos com essas negociações não estão a ser suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nem pelas suas participadas.
VII - Aquisição de acções pelo PCA ou pela sua sociedade.
Os acionistas minoritários pretendem:
1. Informação objectiva e detalhada a todas as aquisições de acções pelo acionista maioritário e/ou a sua empresa pessoal – “LM”, Unipessoal, Lda. nos últimos 5 (cinco) anos (2018 a 2022) e ainda em 2023 até à data das respostas a esta carta, tendo em conta que é Presidente do Conselho de Administração.
2. Informação objectiva e detalhada quanto à aquisição das acções de “AL” pelo PCA ou pela sua sociedade e a eventual associação à proposta para Vogal do Conselho de Administração de “D”.
As informações solicitadas são colocadas ao abrigo do disposto no artigo 291, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Os acionistas minoritários:
(assinaturas)”.
- A referida carta datada de 30.03.2023 foi enviada para a Rua …, e veio a ser devolvida pelos CTT.
- Esta carta foi adiantada via e-mail para todos os membros do Conselho de Administração, e com conhecimento a;
• Presidente da Mesa da Assembleia Geral (2 endereços)
• Secretário da Mesa da Assembleia Geral
• Revisor Oficial de Contas eleito
• Revisor Oficial de Contas nomeado judicialmente -
- Referente às cartas datadas de 22.02.2023 e 30.03.2023, o Autor "R...", por si e em representação dos demais sócios minoritários signatários do pedido de informação, enviou um e-mail dirigido ao Conselho de Administração, questionando os endereços da sociedade:
“De: “R…”
Enviada: 5 de abril de 2023 17:31
Para: “B”; “C”; “D”
CC: “VP”, SGPS, S.A.; “PD”; “ANN”
Assunto: “VP”, SGPS, S.A. - Endereço Postal ....
Ao Conselho de Administração e a cada Administrador
Agradecemos ser informados sobre qual é a morada formal da Sociedade para envio de correspondência pelos accionistas minoritários
• A que consta na última convocatória da Assembleia Geral Anual de 25/05/2023 Rua … (embora deturpada)
…
Em devido tempo comunicada aos accionistas
- • Outra
Onde está formalmente definida?
Com os nossos cumprimentos,
“R…”
Por accionistas minoritários
Em resposta, o autor R… recebeu, em 6 de abril de 2023 e-mail com o seguinte teor:
De: “VP” SGPS …
Enviada: 6 de abril de 2023 17:43
Para: “R…”
Cc: “PD”; “C”; “D”
Assunto: RE: “VP”, SGPS, S.A. - Endereço Postal
Sr. Eng. "R…",
A sede da empresa e a morada do apartado para onde deve ser enviada a correspondência mantêm-se inalteradas nos últimos anos. De resto, o Sr. Eng. tem enviado, normalmente, a sua correspondência para esse Apartado.
Com os melhores cumprimentos
“SC”
“VP” SGPS, SA
…
Email: … Doc nº 24
- Em 10 de abril de 2023 o autor R… enviou missiva ao Conselho de Administração da ré “VP”, SGPS, S.A. com o seguinte teor:
“De: “R…”
Enviada: 10 de abril de 2023 14:15
Para: “B”; “C”; “D”
Ao Conselho de Administração e a cada um dos seus membros
Em seguimento do no e-mail do passado dia 5 de Abril sobre esta assunto estamos a solicitar directamente do Conselho de Administração aos acionistas (como é curial numa relação societária salutar) a indicação qual o endereço postal que estes devem usar em permanência até indicação formal que o altere pois:
• A carta de 22/02/2023 com 11 pág. dirigida ao endereço postal …
Esta carta veio devolvida
Motivo: O envio não foi levantado
Em anexo a este email
▪ Anexo 1 - Cópia do talão de aceitação
▪ Anexo 2 – Cópia do envelope devolvido (frente e verso)
▪ Anexo 3 – Siga dos CTT
• A carta de 30/03/2023 com pág., dirigida ao endereço postal
…
Esta carta veio devolvida
Motivo: (os CTT ainda não identificaram)
Em anexo a este email
▪ Anexo 4 - Cópia do talão de aceitação
▪ Anexo 5 – Cópia do envelope devolvido (frente e verso)
▪ Anexo 5 – Siga dos CTT
Link com os 6 anexos válido até 30/04/2023 (…)
Consideramos esta situação totalmente anómala pelo que carece o já solicitado esclarecimento.
Notamos que ambas as cartas supra citadas foram adiantadas por e-mail nas respectivas datas (22/02/2023 e 30/03/2023) pelo que todos os prazos legais são contados a partir destas datas
(…)”.
NB: O e-mail do Secretariado do Conselho de Administração de 6 de Abril pp está mal endereçado (devia ser endereço ao accionista) e em nada corresponde à operacionalidade dos endereços postais aí focados.
Perante as devoluções das duas cartas, certamente este e-mail não teria sido enviado –
- Em 11 de abril de 2023 o Presidente do Conselho de Administração, “B”, dirigiu ao autor R…, missiva com o seguinte teor:
“De: "VP" SGPS…
Enviada: 11 de abril de 2023 17:17
Para: “R…”
Cc: “C”; “D”; “PD”; “AEV”; “MEL”; “ANN”
Assunto: RE: “VP”, SGPS, S.A…
Caro Acionista,
Em resposta ao seu email, contactamos a Estação dos CTT onde está sediado o nosso apartado. Devo esclarecer que pelo mesmo período também não foi colocado no apartado uma carta dirigida à “VP” SGPS que também devolvida o remetente.
Fomos esclarecidos que ter eventualmente um erro humano. Pese esta justificação não deixamos de protestar por escrito conforme anexo que juntamos. Esperamos que esta situação não volte a acontecer pese embora sermos totalmente alheios a este lapso.
Relativamente à sede da empresa (Rua …, conforme certidão da empresa) como é do conhecimento de todos os senhores acionistas, nessas instalações só muito ocasionalmente se encontra lá qualquer pessoa sendo alta a probabilidade de a correspondência registada ser devolvida. Por este motivo os senhores acionistas foram informados em assembleia geral para usarem sempre a morada do Apartado para a toda correspondência escrita.
Com os melhores cumprimentos
“B”
Presidente do Conselho de Administração
“VP” SGPS, SA
…
(cfr. Doc nº 26)
*
Quanto aos factos alegados pelos recorrentes sob os artigos 189º a 191º da PI reportam-se aos pedidos de esclarecimentos enviados ao Conselho de Administração da “GP”, SA em 22-05-2023, missiva que se mostra plasmada na matéria de facto dada como provada (Os AA. enviaram, aos 2.05.2023, missiva à 5ª Ré, “GP”, SA” dirigida á Administradora Única, “E”, através de carta registada com aviso de recepção, adiantada por e-mail para: …, com o “Assunto: “GP”, S.A. - Direito Colectivo à informação (artigo 219.º do CSC) “, nos termos melhor reproduzidos sob o art.º 189 da PI, a qual foi recepcionada em 4-5-2023).
Não existiu, pois, omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto à factualidade alegada pelos recorrentes relativos aos pedidos de esclarecimento dirigidos ao Conselho de Administração “GP”, SA em 22-05-2023, não se verificando a arguida nulidade, pese embora, o conteúdo daquela missiva ali conste como reproduzida por remissão para o teor dos documentos juntos com a petição inicial.
Ora, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2024, Relator Ramalho Pinto, proferido no processo n.º 22913/20.3T8LSB.L1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt.: “Os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos, constituindo, portanto, prática incorrecta, na decisão sobre a matéria de facto, remeter para o teor de documentos. Dar por reproduzidos documentos ou o seu conteúdo é bem diferente de dizer qual ou quais os factos que, deles constando, se consideram provados - provados quer por força do próprio documento em si, quer por outra causa (v.g. acordo sobre um facto nele indicado, embora o documento não gozasse de força suficiente para o dar como provado)- Ac. do STJ de 25-03-2010, processo n.º 186/1999.P1.S1. Em lugar da mera remissão para os documentos incorporados nos autos, o juiz deve enunciar os factos que com base nos documentos (e outros meios de prova) considera provados, explicitando suficientemente o seu conteúdo fundamental - Ac. do STJ de 22-04-2015, processo n.º 2663/10.0TTLSB.L1.S1”
Impõem-se, assim, também neste conspeto aditar à matéria de facto provada o conteúdo dos documentos, mas apenas este, que constam enunciados por remissão na sentença recorrida, nos seguintes termos:
Os AA. enviaram, aos 2.05.2023, a seguinte missiva à 5ª Ré:
“GP”, SA
À Administradora Única
“E”
Rua ....
Carta registada com aviso de receção
Adiantada por e-mail para: …
Assunto: “GP”, S.A. - Direito Colectivo à informação (artigo 219.º do CSC)
…, 2 de Maio de 2023
Exma. Senhora Administradora,
Os subscritores desta carta são todos acionistas minoritários da sociedade comercial anónima “VP”, SGPS, SA, ao abrigo do disposto no artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais, detendo, em conjunto, ações representativas de mais de 10% do capital social, estando entre estes o 2.º e o 3.º maiores accionistas da Sociedade.
Como sabe, a sociedade de que é Administradora Única, é detida a 100% pela sociedade “BE”, Limited sediada em … que, por sua vez, é detida a 100% pela sociedade “VP”, SGPS, S.A..
Estão, assim, estas sociedades em relação de domínio absoluto.
Sendo certo que quer a sociedade “BE”, Limited quer a sociedade “GP”, SA são puramente instrumentais da “VP” SGPS, SA não detendo nem autonomia financeira nem capacidade de decisão fora do controlo e direcção da SGPS e do seu Presidente do Conselho de Administração …, também ele, através da sua unipessoal, acionista maioritário da SGPS.
Assim, encontrando-se a sociedade que formalmente representa em relação de domínio absoluto com a SGPS, não tendo qualquer autonomia nem financeira nem de direcção, sendo um veículo puramente instrumental da SGPS, os accionistas minoritários têm direito à informação por parte da “GP”, S.A. nos mesmos termos que têm relativamente à sociedade mãe (SGPS).
Pelo exposto, solicitamos que nos sejam enviadas, por escrito no prazo legal, as informações completas, algumas sob a forma de declarações, infra descritas e permitidas as consultas também infra solicitadas, tudo cumprindo os prazos legais em vigor.
I – Confirmação da sua identificação/Atos de Administração
Solicitamos que nos sejam confirmadas ou indicadas as devidas alterações relativamente à sua identificação e actividade tendo em conta o registo no Portal da Justiça de 14/03/2016, o Relatório completo da INFORMA (…) de 20/04/2023 e a Certidão Permanente de
1. Nome completo: “E”
2. NIF …
3. Foi designada como Administradora Única da “GP”, S.A. para o quadriénio 2016-2019. Entretanto decorreram 4 anos. Continua hoje em funções? Há alguma deliberação tomada em Assembleia Geral de Acionistas que não tenha sido objeto de registo? Se sim porque motivo?
4. Residência: Rua …
Notamos que esta morada é a dos escritórios da “IP” –, LDA.
Em média qual é a sua permanência anual em Portugal?
5. Detém a quota de 15% na sociedade “IP” –, LDA. na qual “B” detém a quota de 55%
6. Tem outro relacionamento profissional com “B” na “GP”, SA e na “IP” - LDA.?
Se sim, qual/ais?
Anexo 1 – Portal da Justiça de 14/03/2016
Anexo 2 – Relatório completo da INFORMA sobre a “IP” de 20/04/2023
Anexo 3 – Certidão Permanente de 28/04/2023
I – Que procurações ou instrumentos de representação foram emitidos pela sociedade e se algum deles se mantém válido?
Solicitam-se cópias das procurações actualmente válidas.
II - Valorização dos 2 lotes de terreno (desdobramento de "Terrenos") – artigos matriciais … e …, da freguesia de ….
Os accionistas minoritários pretendem de forma objectiva e detalhada:
1. Informação sobre todas as diligências efectuadas na Câmara Municipal de … pela participada “GP”, SA..
a) Pedido de Informação Prévia de 23/12/2019
Nomeadamente qual foi a despesa total suportada pela “GP” com o PIP (Pedido de Informação Prévia) n.º … apresentado sem sucesso que deu entrada na Câmara Municipal de … em 23/12/2019 e com ofício desfavorável dirigido ao Administrador da “GP”, S.A. datado de 25/08/2020.
Anexo 4 – Recibo de apresentação de Requerimento de 23/12/2019
Anexo 5 – Ofício do Presidente da CM… de 28/08/2020
b) Confirma que a carta datada de 13/05/2020 foi por si assinada?
Anexo 6 – Carta da “GP”, SA ao Presidente da CM… de 13/05/2020
2. Uso e capacidade construtiva dos 2 (lotes) de terreno da Sociedade
Solicita-se a Declaração da CM… que a Sociedade tem apresentado aos Investidores interessados na aquisição dos 2 (dois) lotes de terreno sitos na … que comprove o uso e a capacidade construtiva formalmente autorizados de cada um dos dois lotes de terreno.
3. Outros Pedidos de Informação Prévia
Informação sobre outros pedidos de informação prévia, efectuados ou não pela aludida sociedade “GP”, SA (sociedade participada através da participação da “BE”, Limited) relativos aos terrenos e a respectiva resposta da Câmara Municipal de...
Caso não tenha sido solicitado qualquer outro pedido de informação prévia o motivo pelo qual tal solicitação não foi efectuada.
4. Avaliação dos 2 (dos) lotes de terreno
Informação sobre avaliações dos aludidos terrenos, facultando cópia ou consulta na sede aos accionistas da respectiva/s avaliação/ões. Caso não existam avaliações, a justificação fundamentada e detalhada por não terem sido feita/s quando se considera que a/s avaliação/ões são imprescindíveis para uma negociação transparente e responsável.
5. Riscos associados à capacidade construtiva
Informação sobre capacidade construtiva do loteamento, do limite consagrado no PDM e da possibilidade de redução do mesmo.
Sendo perfeitamente do conhecimento de especialistas no âmbito do urbanismo, estão bem identificados pelo menos dois riscos de redução da capacidade construtiva aprovada no loteamento n.º ....
Solicita-se que seja transmitido aos subscritores desta carta o entendimento da Administradora Única sobre este assunto que se revela da maior acuidade.
III - Situação económica e financeira da “GP”, S.A.
Os acionistas minoritários pretendem que lhes seja facultada informação completa e detalhadas nos seguintes termos:
1. Relatórios e Contas dos exercícios 2018 a 2022
Facultar cópia (preferencialmente) ou consulta na sede da sociedade (se justificado) do Relatório e Contas, Demonstração de resultados, Relatórios de Gestão, Certificação legal de contas Parecer de Fiscalização e Resultados individualizados da sociedade “GP”, SA nos últimos 5 anos (2018 a 2022);
2. Despesas da Sociedade nos exercícios 2018 e 2022
Tendo em conta que a “GP”, SA não tem qualquer actividade comercial e que os seus resultados inevitavelmente negativos são suportados pela “VP”, SGPS, S.A. (leia-se, pelos accionistas desta) reveste-se de especial acuidade a contenção de despesas.
Neste contexto, solicita-se informação completa e detalhada de despesas em cada um dos 5 (cinco) anos de 2018 a 2022, cobrindo no mínimo 80% das despesas em cada ano, nomeadamente nas classes:
a) Encargos com os Corpos Sociais
Cobrindo qualquer tipo de encargo (honorários, avenças,deslocações, refeições, …);
b) Encargo com a contabilidade;
c) Encargos com apoio jurídico;
d) Encargos com consultores;
e) Apoio administrativo e similar;
f) Imposto Municipal sobre Imóveis e outros impostos;
g) Outos encargos relevantes para atingir pelo menos os 80% atrás das despesas totais em cada ano.
Nota: Preferencialmente, a resposta a esta questão deverá ser confirmada pelo Revisor Oficial de Contas.
3. Resultados sistematicamente negativos
a) Como Administradora Única como encara a situação da Sociedade apresentar resultados negativos sem qualquer objectivo alcançado até esta data?
b) Que previsão tem para que esta situação se altere em benefício das Sociedades que detém a “GP”, S.A.?
4. Fluxos financeiros nos exercícios 2018 e 2022
Solicita-se informação completa e detalhada dos fluxos financeiros entre a “GP”, S.A. e a sua empresa mãe “BE”, Limited bem como os eventuais fluxos directamente entre a primeira sociedade e a “VP”, SGPS, S.A. durante o mesmo período (2018 a 2022).
Nota: Preferencialmente, a resposta a esta questão deverá ser confirmada pelo
Revisor Oficial de Contas.
III - Negociações para venda direta dos 2 lotes de terreno
Os accionistas minoritários pretendem informação objectiva e detalhada sobre
1. Orientações sobre a valorização dos 2 (dois) lotes de terreno
Como Administradora única com plenos poderes para responsabilizar a “GP”, S.A. recebeu orientações verbais ou escritas da “BE”, Limited e/ou da “VP”, SGPS, S.A. no âmbito da valorização dos 2 (dois) lotes de terreno de sua propriedade?
Se sim quais?
2. Orientações sobre a promoção para venda dos 2 (dois) lotes de terreno
Idem.
Nota: Os Relatórios da INFORMA (...) foram consultados 66 (sessenta e seis) vezes nos últimos 12 (doze) meses revelando um grande interesse pelo património desta Sociedade.
Anexo 7 – Relatório completo da INFORMA sobre a “GP” de 20/04/2023
3. Procurações
Passou procuração/ões a entidade e/ou personalidade delegando na totalidade ou parcialmente as suas competências?
Se sim a quem? e que competências? E solicita-se cópia/s da/s respectiva/s procuração/ões.
4. Declarações de “B” em AG da “VP”, SGPS, S.A.
Teve conhecimento prévio das declarações de “B” na Assembleia Geral Anual de 29/07/2022, independentemente da qualidade em que proferiu, as seguintes palavras que a seguir se transcrevem?
“eu sou contra a venda dos terrenos por si só, e se quiserem podemos ir a uma votação”
(ver pág. 28 da transcrição notarial da AG de 29/07/2022)
Anexo 8 – Transcrição notarial de sessão de AG de 16/12/2022
5. Envolvimento directo em negociação com investidores
Participou alguma vez presencialmente em negociações com Investidores ou seus representantes, incluindo Mediadores, interessados na aquisição directa ou indirecta nos 2 (dois) lotes de terreno de sua propriedade?
Se sim, quando e com que Investidores ou seus representantes?
IV – Reunião com accionistas minoritários da “VP”, SGPS, S.A.
A Administradora única da “GP”, S.A. está disponível para reunir com dois ou três representantes dos accionistas minoritários subscritores desta carta em local/data/hora a acordar?
A reunião proposta poderá decorrer em França se for considerado o local mais conveniente.
Salientamos que as informações solicitadas são colocadas ao abrigo do disposto no artigo 291.º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Os acionistas minoritários da “VP”, SGPS, SA:
ÍNDICE DE ANEXOS:
Anexo 1 – Portal da Justiça de 14/03/2016
Anexo 2 – Relatório completo da INFORMA sobre a "IP" de 20/04/2023
Anexo 3 – Certidão Permanente de 28/04/2023
Anexo 4 – Recibo de apresentação de Requerimento de 23/12/2019
Anexo 5 – Ofício do Presidente da CM… de 28/08/2020
Anexo 6 – Carta da “GP”, SA ao Presidente da CM… de 13/05/2020
Anexo 7 – Relatório completo da INFORMA sobre a “GP” de 20/04/2023
Anexo 8 – Transcrição notarial de sessão de AG de 16/12/2022
(realces no original).
- A carta referida supra foi rececionada aos 4 de maio de 2023.
*
Da nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC, por omissão de pronúncia quanto à violação do direito de informação prescrito nos arts. 291º, n.ºs 1 e 2 e 292º ambos do CSC.
Apreciando a sentença proferida que julgou improcedente o pedido de inquérito judicial e no que diz respeito ao fundamento invocado pelos recorrentes e que constituía a causa de pedir da ação – a violação do direito coletivo à informação aos acionistas consagrado no art.º 291º do CSC constata-se que ali se escreveu que: “Gizado o quadro teórico, cumpre agora apreciar se no caso vertente estão verificados os pressupostos da realização do inquérito. Apurou-se que os Requerentes são sócios da 1.ª Requerida, bem como a estrutura da sociedade da qual a %.ª é participada, pelo que nessa qualidade têm direito à prestação de informações sobre a gestão da sociedade. Determinado que os Requerentes têm direito à informação, cumpre aferir se esse direito foi violado, i.e. se os Requerentes têm direito às informações que pretendem e indicam, e, em caso afirmativo, se a mesma lhe foi recusada injustificadamente”, concluindo-se, negativamente pelos fundamentos expostos, nomeadamente que: que a informação solicitada, tendo por vista permitir aos Requerentes exercer o seu direito, não o tenha sido para esse mesmo fim: tomar posição da AG para deliberar as contas do exercício de 2022; que, como sócios e nessa qualidade, não podem ter acesso á totalidade da informação a que a administração acede. Por razões da natureza da respectiva intervenção na vida da sociedade; que discordando do teor das matérias votadas em Assembleias Gerais têm ao seu dispor mecanismos legais para exercer os respectivos direitos; Não demonstraram que legitimamente têm direito à informação em cascata que pretendem, apenas lhe assistindo todos os esclarecimentos legais no âmbito do seu direito de informação e no contexto das Assembleias Gerais, não tendo ficado demonstrado, nem tão pouco alegado com sustento, que algum desses direitos sido coarctado pela primeira Requerida.”
A Mma. Juiz a quo pronunciou-se sobre o exercício do direito coletivo à informação dos acionistas, apreciou os seus pressupostos e analisou-os quanto ao caso concreto em face dos factos que deu como provados.
Se o decidido foi ou não o mais acertado será já outra questão, mas que não se confunde com o vício apontado pelo apelante (a nulidade da decisão traduz um vício intrínseco da mesma, que em nada se confunde, como já mencionamos, com qualquer eventual erro de julgamento).
Improcede, também, nesta parte, a pretensão da apelante.
*
II - Da reapreciação/alteração da matéria de facto.
A este propósito sustentam os recorrentes que, do ponto da matéria de facto dada como provada, a sentença recorrida enferma de errado julgamento da matéria de facto, relativa à alegada na contestação que se transcreve. “Nesta sede, os Autores tiveram oportunidade de efetuar todos os esclarecimentos que entenderam convenientes”.
Este facto, que assim foi dado como provado, surge relacionado com o anterior alegado na contestação, e que foi plasmado na sentença recorrida nos seguintes termos: “A Assembleia Geral para aprovação das contas do exercício de 2022 agendada para 27-2-2023 realizou-se e suspendeu-se por acordo após a aprovação do primeiro ponto da ordem de trabalhos.” Foi o mesmo alegado pelas requeridas na contestação, especificamente no ponto 13 da Contestação onde se pode ler que: «Por outro lado, a Assembleia Geral para aprovação das contas do exercício de 2022 foi agendada, realizou-se e suspendeu-se por acordo após a aprovação do primeiro ponto da ordem de trabalhos. Nesta sede, os Autores tiveram oportunidade de efectuar todos os esclarecimentos que entenderam por convenientes.»
Do ponto de vista dos recorrentes, este facto não foi submetido a contraditório, de modo que não poderia ter sido dado como provado sem produção de prova, devendo ser eliminado dos factos dados como provados.
Tal como a ação foi configurada pelos apelantes, a causa de pedir do presente inquérito judicial radica no disposto nos arts. 291º e 292º do Código das Sociedades Comerciais por violação do direito coletivo à informação.
Nos termos prescritos nos artºs 21º, nº1, alínea c), 288º,nº1, alínea a) e 291º, nº1, todos do CSC, e estando os dois últimos integrados no respetivo titulo IV, o qual tem por objeto, especificamente, as Sociedades Anónimas - que são as cujo capital é dividido em ações e cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das ações que subscreveu, cfr. art.º 271º - respetivamente:
- Todo o sócio tem direito, “A obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”;
- Qualquer acionista que possua ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social pode consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade: a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei ;
- Os acionistas cujas ações atinjam 10% do capital social podem solicitar, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo que lhes sejam prestadas, também por escrito, informações sobre assuntos sociais.
Por seu turno, o inquérito judicial constitui-se como o meio processual especial, adequado a determinar que a informação seja prestada em caso de recusa expressa ou presumida, ou ainda em caso de prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta, ou não elucidativa, por parte do conselho de administração ou direção da sociedade (art.º 292º, nºs 1, 2 e 6 do CSC e art.º 1479º e ss. do CPC). É uma forma de processo de jurisdição voluntária (art.ºs 1409º e ss. do CPC) que visa garantir e tornar efetivo o direito dos sócios à informação que está consagrado nos art.º 21º, nº 1, al. c) e 288º e ss. no que concerne às sociedades anónimas.
Este processo especial comporta duas fases: a primeira, em que se situam os presentes autos, destina-se à apreciação pelo juiz dos fundamentos invocados pelo requerente e, haja ou não resposta dos requeridos, decide se há motivos para proceder ao inquérito (art.º 1480º, nº 1). Assim, numa primeira fase do processo, após o contraditório, o juiz decide se há motivos para proceder ao inquérito, optando pela sua negação ou pela ordem da sua realização nos termos do art.º 1480º do Código de Processo Civil. A segunda, se for ordenada a realização do inquérito, o juiz fixa os pontos que a diligência deve abranger, nomeando perito ou peritos que deverão realizar a investigação, aplicando-se o disposto quanto à prova pericial e, depois de concluído, fixa a matéria de facto e decide sobre as providências requeridas (art.ºs 1480º, nº 2, e 1482º, nº 1 do CPC).
Em conformidade, cabe ao sócio requerente do inquérito judicial, a prova da sua qualidade de sócio, da recusa da prestação da informação pedida ou da prestação de informação falsa, incompleta ou não elucidativa, enquanto a sociedade recusante deve provar a factualidade de que se possa retirar a licitude da recusa, enquanto facto impeditivo do direito do autor (cf. Acórdão do Tribunal de Lisboa de 12/10/2017, Relator António Santos, proferido no processo n.º 969/09.0TYLSB.L1-6; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/11/2023, Relator Filipe Caroço, proferido no processo n.º 287/12.6TBAMR.G1 ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt). Não demonstrando a parte o facto que lhe aproveita (art.º 342º, nº 1, do Código Civil), o juiz não pode deixar de o considerar como não existente.
Prosseguindo, vejamos se deve ser dado como não provado o facto constante do segmento impugnado pelos recorrentes.
Consideram os recorrentes que tal facto não foi objeto de contraditório, porquanto, quanto a ele, não tiveram a possibilidade de se pronunciar em sede de resposta.
De harmonia com o disposto no artigo 5.º, nºs 1 e 2, als. a), b) e c) do CPC, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”, sendo que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciarem; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Assim, podem ser considerados na decisão final os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
Por seu turno, a contestação-defesa pode revestir duas modalidades: defesa por impugnação, direta ou indireta, e defesa por exceção (574º, n.º 2 do CPC).
A impugnação é direta quando o réu contradiz os factos alegados pelo autor e é indireta ou motivada quando o réu afirma que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica (a este propósito cf. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, Edição da AAFDL, pág. 552).
Feitos estes considerandos a fim de enquadrar a questão em apreço, ao contrário do invocado pelos recorrentes, não se vislumbra existir alguma pertinência para a apreciação da causa no facto dado como provado e aqui sob escrutínio, e isto porque, nos autos, não está em causa saber se os recorrentes, na Assembleia Geral para aprovação das contas do exercício de 2022 agendada para 27-2-2023, tiveram oportunidade de efetuar todos os esclarecimentos que entenderam por convenientes. O eixo da ação consiste, antes, em saber se os recorrentes tinham direito à informação pedida ao abrigo do disposto no art.º 291º do CSC e, assistindo-lhes esse direito, se existiu recusa da informação pelos réus quanto aos pedidos de informação dirigidos aos respetivos Conselhos de Administração ao abrigo do disposto no art.º 291º. Se assim é como se expôs, a modificação da decisão de facto no segmento impugnado pelos apelantes é totalmente irrelevante.
Com efeito, como se tem vindo a ser amplamente defendido na jurisprudência (cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2020, proferido no processo nº 287/11, do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/12/2016, Relatora Maria João Matos, proferido no processo n.º 86/14.0T8AMR.G1, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/09/2019, Relator Carlos Castelo Branco, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/05/2014, Relator Moreira do Carmo, proferido no processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1 disponíveis para consulta in www.dgsi.pt) e na doutrina António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, pág. 334, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no art.º 662º do CPC, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Assim sendo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Cf. o Acórdão da Relação de Coimbra de 27.05.2014, supra citado).
No caso dos autos, a apreciação da matéria em causa, no confronto com a outra dada como provada e que diz respeito às interpelações por missiva ao abrigo do disposto no art.º 291º do CSC, não releva, como se disse, para a decisão do mérito da ação, não podendo conduzir à conclusão de que tendo os recorrentes tido a oportunidade de efetuar todos os esclarecimentos que entenderam por convenientes em Assembleia Geral, tais esclarecimentos lhes tenham sido efetivamente prestados.
Não obstante a conclusão supra quanto à inutilidade para a decisão de mérito a proferir, o que conduz, neste segmento, à improcedência da impugnação quanto à decisão da matéria de facto, a formulação dada pelo Tribunal a quo, ao afirmar que “Nesta sede, os Autores tiveram oportunidade de efetuar todos os esclarecimentos que entenderam convenientes”, é conclusiva, porquanto, a ser relevante, teriam que ter sido apurados os concretos esclarecimentos solicitados, a fim de aferir da sua eventual relação com os pedidos de informação formulados nos termos do art.º 291º do CSC. No elenco dos factos provados são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual e que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica. Embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art.º 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art.º 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados. (assim cf. entre muitos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/2017, proferido no proc. nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, de 12/04/2024, Relator Mário Belo Morgado, processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, e de 14/07/2021, Relator Júlio Gomes, processo nº. 19035/17.8T8PRT.P1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/2021 (Arlindo Crua, processo n.º 1102/09.3TVLSB.L1-2, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
Como vem sendo sustentado pela jurisprudência, deve tal facto ser considerado como não escrito.
***
III - Da violação do disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC, quanto à questão da tempestividade do exercício do direito pelos autores por falta de decurso do prazo a que alude o artigo 291º do CSC.
Defendem também os recorrentes que a sentença recorrida violou o disposto no art.º 3º, n.º 3 do CPC, decidindo questão que não foi objeto nem de alegação, nem de contraditório prévio, com a seguinte fundamentação que para facilidade de compreensão se transcreve: Refere a mui douta sentença recorrida “Por último, a presente acção entrou em 22-5-2023, referindo os Requerentes que o prazo para resposta à ultima missiva terminava em 18-5-2023. Mas não é assim, dado que o prazo de 15 dias a contar de dia 4-5-2023 terminaria no dia seguinte em 19-5-2023 (15º dia)” Refira-se, antes de mais, que, quando instauraram a ação, os requerentes alegaram que a carta de 2.05.2023 não foi respondida (cfr. artigo 191º da petição inicial). Não alegaram que a carta não foi respondida até 18.05.2023 ou 19.05.2023. Não foi respondida. Sendo certo que a 22.05.2023 não tinha sido respondida. Pelo que, independentemente do prazo ser 18 ou 19 de maio, o que é certo é que à data da instauração da ação, a carta não tinha sido respondida (22.05.2023). Não se trata de um trecho da mui douta sentença mui percetível, mas caso se entenda que o Tribunal a quo decidiu que a ação seria extemporânea pelo facto do prazo ainda não ter decorrido, deveria, antes da decisão, ter convidado os requerentes a pronunciar-se sobre os mesmos sob pena de violação do disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC, que aqui se invoca.”
O artigo 3º, n.º 3 do CPC dispõe que «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
A este propósito escrevem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Almedina, p. 7) que este preceito legal consagra o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão-surpresa, acrescentando que «não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito de fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão».
O princípio do contraditório – que é uma decorrência do princípio do processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição – exige, assim, que antes da apreciação final do(s) pedidos, o tribunal permita às partes que se pronunciem sobre os fundamentos de facto provados e não provados e de exporem os últimos argumentos de direito convocáveis para fundamentar as suas pretensões. Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar. Como ensinam os citados autores (in Ob. Cit.), o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao nível da prova, quer ao nível do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição. Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.
No que diz respeito à decisão de mérito, dispõe o nº 3 do art.º 3º que é, também, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes. Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida.
Como refere Carlos Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I., pág. 32 a regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº 3, do art.º 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar.
Como se escreveu a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/12/2019, Relatora Eugénia Cunha, proferida no processo n.º 14227/19.T8PRT.P1, disponível para consulta in www.dgsi.pt: “A lei não quis excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico. O princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.”
Em conclusão, concluindo-se como no Acórdão da Relação de Coimbra de 20/9/2016, proferido no processo 1215/14.0TBPBL-B.C1, Relator Jorge Manuel Loureiro, disponível para consulta in www.dgsi.pt: “Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”.
Tecidas estas considerações e revertendo ao caso dos autos, diz a Mma. Juiz a quo o seguinte: “por último, a presente ação entrou em 22-5-2023, referindo os Requerentes que o prazo para resposta à última missiva terminava em 18-5-2023. Mas não é assim, dado que o prazo de 15 dias a contar de dia 4-5-2023 terminaria no dia seguinte em 19-5-2023 (15º dia). Daí que quanto ao leque de questões que requerem sejam objecto de inquérito judicial e se mostram quanto ás consequências, respaldadas na deliberação de aprovação das contas do exercício de 2022 a que respeitava a ordem de trabalhos da assembleia geral de 27-5-2023, única abrangida pela invocada falta de informação, prévia e necessária, não se encontra justificada.”
Concorda-se com o recorrente quando refere que o segmento da decisão em causa é pouco percetível, mas por interpretação da mesma, cremos que o que ali se quis significar foi que as questões que os apelantes requerem que sejam objeto de inquérito se mostram aprovadas na deliberação de aprovação das contas do exercício de 2022 a que respeitava a ordem de trabalhos da assembleia geral de 27-5-2023, concluindo-se, por isso, que o pedido de informação dos sócios não é justificado.
Ao contrário do que foi entendido pelo apelante, a sentença recorrida não se pronunciou quanto à eventual intempestividade da ação, de resto, não há qualquer referência a ela no decurso da mesma ou na sua conclusão. Não se verifica, assim, a arguida violação do artigo 3º, n.º 3 do CPC e por via dela a arguida nulidade da sentença recorrida.
*
Da existência de fundamento para inquérito judicial à sociedade por violação do direito à informação dos sócios.
A divergência dos apelantes relativamente à decisão recorrida baseia-se no alegado erro do tribunal na aplicação do direito relativamente ao fundamento da ação. Na sua perspetiva, o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu os R.R. por, indevidamente, ter considerado não haver violação do dever de informação ao sócio e, por consequência, indeferiu o pedido de inquérito judicial.
Como se referiu supra a propósito do processo especial de inquérito judicial consagrado no art.º 291º do CSC de que os autores lançaram mão, o inquérito judicial funciona como o meio processual especial, adequado a determinar que a informação seja prestada em caso de recusa expressa ou presumida, ou ainda em caso de prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta, ou não elucidativa, por parte do conselho de administração ou direção da sociedade (art.º 292º, nºs 1, 2 e 6 do Código das Sociedades Comerciais e art.º 1479º e ss. do CPC). É uma forma de processo de jurisdição voluntária (arts. 1409º e ss. do Código de Processo Civil), destinado a garantir e tornar efetivo o direito dos sócios à informação que está consagrado nos art.º 21º, nº 1, al. c) e 288º e ss. no que concerne às sociedades anónimas, e comporta duas fases, sendo a primeira, em que se situam os autos, destinada à apreciação pelo juiz dos fundamentos invocados pelo requerente e, haja ou não resposta dos requeridos, decide se há motivos para proceder ao inquérito (arte.º 1480º, nº 1).
Quantos ao fundamento, invocam os requerentes a violação do direito coletivo à informação previsto no art.º 291º do CSC.
Vejamos, assim, se ocorreu a violação do direito invocado por parte das rés.
Dispõem o art.º 291º, n.º 1 do CSC que “os accionistas cujas acções atinjam 10% do capital social podem solicitar, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo que lhes sejam prestadas, também por escrito, informações sobre assuntos sociais.”
Quanto ao que se deva entender por “assuntos sociais” refere Alexandre Soveral Martins, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, Vol. V, pág. 218, que as informações que os acionistas podem solicitar ao abrigo deste preceito são as que dizem respeito aos assuntos sociais, não estando abrangidos assuntos extrassociais que não tenham relação com os assuntos sociais. Além disso, a obtenção de informações sobre assuntos sociais não se confunde com a consulta da “escrituração, livros e documentos” da sociedade, distinção que resulta claramente do art.º 214º do CSC.
Elucida o mesmo autor (In Ob. Cit., Loc. Cit.) que o sentido a dar ao conceito de assuntos sociais” abrangerá os assuntos relativos à gestão da sociedade, tanto internos como externos e podem estar em causa aspetos económicos ou financeiros, questões jurídicas ou atos materiais, compreendendo que assim seja porquanto o CSC não contém um regime pra exoneração do acionista. E por isso o acionista deve poder obter informações sobre assuntos sociais para, conhecendo a situação da sociedade, decidir se permanece na sociedade ou se aliena as suas ações. Porém, é necessário que os assuntos sejam sociais.
O CSC não regulamenta o regime das informações cuja disponibilização fica a cargo das sociedades coligadas, limitando-se a fornecer alguns (poucos) elementos literais nas proposições normativos do artigo 290.º
E isto releva para o caso, porquanto os requerentes são sócios minoritários da requerida “VP”, SGPS, S.A e detêm, em conjunto, 10,60% do capital social desta.
Esta sociedade, por seu turno, constituída segundo o tipo de sociedade anónima, detém a 100% o capital social de duas sociedades participadas, a “BE”, Limited e a “GP”, SA – sendo esta última por via indireta – seguindo, pois, o regime jurídico definido pelo Dec. Lei 495/88 de 30-12.
Nos termos do art.º 1.º, nº 1 deste diploma, as sociedades gestoras de participação social “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.
Refere Engrácia Antunes, in Grupos de Sociedades, 1993, pág. 61/63 que sendo doutrinalmente impreciso, o conceito de holding vem sendo genericamente empregue para designar aquelas sociedades que têm por objeto a gestão de uma carteira de títulos. Dentro deste setor geral das sociedades com um objeto financeiro, há que distinguir dois tipos fundamentais consoante a finalidade subjacente a tal gestão: por um lado, sociedades existem que têm por objeto a gestão de uma carteira de participações com uma simples finalidade de rentabilização dos capitais investidos (por vezes designadas sociedades financeiras ou sociedades de investimento; por outro lado, sociedades há que têm por objeto a gestão de participações sociais com o objetivo de, detido através do exercício ativo dos direitos sociais inerentes ao capital detido (máxime direito de voto), adquirir o controlo das sociedades participadas, sendo para este último tipo de sociedades que se costuma reservar o designativo de sociedades holding. Este último tipo de sociedades, disciplinado em várias ordens jurídicas com conteúdos normativos algo díspares, encontra-se de há muito também regulado entre nós, sob a designação de sociedade gestora de participações (DL 494/88, de 30/12). Instrumento valioso de reorganização dos grupos societários, pelas suas vantagens organizativas e fiscais, a holding não se pode confundir, porém, com o próprio grupo, pois que se constitui tão somente uma das modalidades jurídico-societárias possíveis que pode revestir a sociedade mãe de um grupo. A adoção de forma de holding (rectius SGPS) por uma determinada sociedade constitui forte indicio da existência de um grupo societário, já que o seu objeto contratual – constituído como é obrigatoriamente pela administração de participações sociais “como forma indireta de exercício de atividades económicas” (art.º 1º, n.º 1 do DL 495/88) – está particularmente vocacionada organizar o exercício da direção económica unitária da sociedade sobre as participadas.
Assim sendo, e vertendo ao caso dos autos, tendo a requerida “VP” SGPS, S.A. o domínio total das participadas, encontra-se especialmente vocacionada para exercer uma direção económica unitária que, no entanto, é exercida relativamente a entidades juridicamente distintas, não podendo legalmente configurar-se uma intervenção direta da SGPS na gestão das participadas.
Ora, este modelo societário afasta-se da figura típica da sociedade comercial individual. Como refere José A. Engrácia Antunes, in Ob. Cit., pág. 95 “a vida e o funcionamento de uma sociedade pertencente a um grupo societário pouco ou mesmo nada tem que ver com aquele modelo clássico.(…) As consequências desta crise – que representam simultaneamente lacunas normativas a integrar por um futuro direito dos grupos de sociedades – analisam-se, quer ao nível da sociedade-filha, quer ao nível da sociedade-mãe, quer finalmente ao nível do próprio grupo como tal, coloca algumas questões a que o regime legal não dá resposta cabal”.
Nomeadamente, esta especial configuração dos grupos de sociedades suscita particulares dificuldades ao nível da concretização do exercício pelos sócios (da sociedade-mãe) do direito à informação sobre o grupo, que não apenas sobre a sociedade-mãe que lhes pertence.
Relativamente ao direito à informação resulta do art.º 21º, nº 1, al. c), do CSC, genericamente, que “todo o sócio tem direito (…) a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.
Trata-se de um direito instrumental, instituído na perspetiva da sua essencialidade para garantir o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente o direito aos lucros, de voto, de impugnação de deliberações sociais, de ação de responsabilidade contra os administradores, etc.). Por isso é tido como um direito geralmente qualificado como um direito extrapatrimonial do sócio para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extrapatrimoniais (Cf. Raul Ventura, In Sociedades por quotas, Vol. I, 2ª dição, pág. 282).
No que diz respeito às sociedades anónimas, o direito à informação está previsto nos arts. 288º a 291º do CSC, dividindo-se em “direito mínimo à informação” que se concretiza pelo exercício do direito de consulta na sede da empresa ou pela exigência de que se facultem ao acionista os elementos constantes dos arts. 288º, nº 1, “informações preparatórias da assembleia geral” ou informação intercalar (art.º 289º), “informações em assembleia geral” (art.º 290º) e “direito coletivo à informação” (art.º 291º).
O direito potestativo à informação a que se reportam estes normativos legais é considerado nas palavras de António Menezes Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 2011, pág. 144, como um “elemento estrutural do status do sócio, qual direito instrumental, instituído na perspectiva da sua essencialidade para garantir o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente o direito aos lucros, de voto, de impugnação de deliberações sociais, de acção de responsabilidade contra os administradores, etc.)”.
O conteúdo do direito à informação, não é semelhante para a generalidade das sociedades comerciais, variando consoante o tipo societário adotado, v.g. nas sociedades em nome coletivo e devido à responsabilidade ilimitada dos sócios, é pleno e ilimitado (artigo 181º do CSC), podendo qualquer sócio solicitar a consulta, na sede social, da respetiva escrituração, livros e documentos.
Nas sociedades por quotas (art.º 214º, nº 1 do CSC), o exercício pelo sócio do direito à informação assume a abrangência do conferido aos sócios das sociedades em nome coletivo, sem prejuízo porém do contrato de sociedade poder regulamentá-lo estabelecendo v.g. alguns limites desde que não se impeça o seu exercício efetivo ou limite injustificadamente o seu âmbito - cf. artigo 214º, nº2 -, e sem prejuízo de a consulta poder ser recusada quando seja de recear que o sócio a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros - cfr. artigo 215º, do CSC.
Diversamente, como se anota no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/10/2017, proferido no processo n.º 969/09.0TYLSB.L1-6, disponível para consulta in www.dgsi.pt, nas sociedades anónimas, o direito à informação não é pleno em razão da dispersão do capital social existente neste tipo societário, e ao consequente maior afastamento existente entre o acionista e os negócios da sociedade, bem como pela necessidade de acautelar, neste tipo de sociedade em que o anonimato dos sócios pode atingir um sentido integral, a privacidade dos negócios sociais, variando consoante a percentagem de capital detido. Assim, apenas aos acionistas que possuam pelo menos 1% de capital e desde que aleguem motivo justificado, é assegurado um direito mínimo à informação (art.º 288º), que compreendendo apenas a consulta pessoal de certos elementos/documentos expressamente enunciados nas diversas alíneas do nº1, do artigo 288º - no essencial, o mínimo de informação, nas sociedades anónimas, traduz-se assim no direito de consulta.
Aos acionistas cujas ações atinjam os 10% do capital social, é conferido também o direito de solicitarem, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo, que lhes sejam prestadas, por escrito, informações sobre assuntos sociais - artigo 291º, nº 1, do CSC - , ficando as informações prestadas à disposição dos outros acionistas na sede da sociedade – art.º 291º, nº 7, do CSC.
O legislador estabeleceu, assim, dois tipos de limitações ao exercício do direito à informação no caso das sociedades anónimas: em determinados casos, faz depender o acesso à informação da titularidade de determinado número de ações representativas do capital social – cf. os arts. 288.º, nº1 e 291.º, nº1 –, noutros, delimitou o objeto da informação, restringindo-o apenas a algumas matérias, com a finalidade evitar a devassa da vida interna da sociedade, como se conclui da leitura do preâmbulo do Dec. Lei n.º 280/87 de 08-07 que alterou o CSC, preocupação que se coloca de forma muito particular nas sociedades anónimas, atenta a relativa facilidade de transmissão das ações, mormente por confronto com as sociedades por quotas e o consequente risco acrescido de utilização indevida da informação (cf. Acórdão desta 1ª secção da Relação de Lisboa de 9/11/2022, Relatora: Isabel Fonseca, proferido no processo n.º 21929/18.4T8SNT.L1-1).
No que concerne ao direito de informação aos sócios das sociedades anónimas em relação de grupo, como é o caso dos autos, há antes de mais que considerar: em primeiro lugar se o sócio pode pedir à administração da sociedade de que é sócio, informações sobre as outras sociedades do grupo e, em segundo lugar, se o sócio se pode dirigir diretamente à administração de outra sociedade em relação de grupo com a sua.
O CSC não regulamenta este específico problema e apenas se lhe refere nos nºs 1 e 2 do art.º 292º do CSC, que relativo, como vimos, ao exercício do direito à informação em assembleia geral, estabelece no n.º1 que o dever de informação abrange as relações entre a sociedade e outras sociedades com ela coligadas e, no n.º 2 que as informações abrangidas pelo número anterior devem ser prestadas pelo órgão da sociedade que para tal esteja habilitado e só podem ser recusadas se a sua prestação puder ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra sociedade com ela coligada. Já o artigo 291º - direito mínimo à informação, nada menciona, tal como nenhuma regulação sobre a matéria encontramos nos arts. 488º e seguintes do CSC.
Daí que, a tal propósito, tenham surgido soluções divergentes.
Segundo Raul Ventura, in Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Novos Estudos sobre Sociedades Anónimas e Sociedades em Nome Coletivo, Livraria Almedina, 1994, pág. 145., as informações a que os sócios têm direito, nesse âmbito, “não respeitam a assuntos internos das outras sociedades (nas quais os mesmos não têm participação social), mas apenas às relações entre a sociedade cuja assembleia está reunida, e outras, e só sociedades coligadas com aquela, segundo a respetiva definição legal”. No mesmo sentido João Labareda, Direito à Informação, in Problemas do Direito das Sociedades, Livraria Almedina, Julho de 2002, pág. 148, quando afirma que, nos pertinentes preceitos legais, a este respeito, “não há nenhum elemento que permita fundar a ideia de que os sócios de uma certa sociedade podem, por via dela, aceder também ao conhecimento de factos próprios de outras sociedades com ela coligadas, ou, se se preferir, de assuntos internos destas (…)”.
Debruçando-se, igualmente, sobre o tema Ana Perestrelo de Oliveira, (in Informação nos Grupos de Sociedades, págs. 126 e ss.) defendendo que a ausência de regulamentação expressa do direito à informação no direito positivo português – diferentemente de outros ordenamentos como o alemão – não significa que ele não exista e não deva ser exercido, encontrando no dever de lealdade e nas funções do direito à informação, autónoma e instrumental, fundamentação para tal.
Refere aquela autora, (In Ob. Cit., págs. 128 e ss.) que no contexto das relações de grupo por domínio total, “não há, materialmente, uma separação entre a sociedade totalmente dominante e a sua dominada” e convocando o regime que emerge dos arts. 491.º, 493.º e 501º a 504.º, conclui, aludindo à sociedade-mãe, que o “sócio da sociedade responsável tem de ter acesso a toda a informação relativa a aspectos com potencial impacto na responsabilidade da mesma, o que envolve, necessariamente, uma máxima extensão do direito à informação”. Considera a autora: “No caso do domínio total, a atividade de direção dos administradores da sociedade-mãe atinge a sua máxima amplitude e com ela o direito à informação. Mas, mais do que isso, recuperando o ponto central, a separação jurídica de entidades não tem correspondência material. Assim sendo, o acesso aos factos relativos ao grupo não pode manter-se formalmente circunscrito à esfera da sociedade-mãe quando esta e a filial formam uma unidade material, com o impacto que já vimos e que transforma o grupo numa comunidade de proveitos e riscos. Se necessário fosse, neste tipo de casos, seria ainda invocável a insusceptibilidade de o novo ente personalizado ser utilizado (objetiva ou subjetivamente) para atentar contra direitos dos sócios. A lógica é simples: se está em causa informação a que o sócio tinha direito na ausência de relação de grupo, i.e., caso a atividade fosse diretamente prosseguida pela “sua” sociedade, não pode o facto de essa atividade ser prosseguida com a interposição de novo ente societário especificadamente criado para o efeito- ainda que legitimamente – servir para reduzir os direitos e garantias de que dispõe. Está em causa, pois, o apelo para o instituto do abuso de direito, que aqui se traduz numa forma de levantamento da personalidade jurídica, na medida em que reclama que se atenda à materialidade económica mais do que à forma jurídica”.
No mesmo sentido, Rui Cardona Ferreira, in O Direito dos Acionista à Informação nos Grupos de Sociedades (disponível para consulta in https://www.servulo.com/xms/files/00_SITE_NOVO/01_CONHECIMENTO/01_PUBLICACOES_SERVULO/2017/Momentum/Momentum_RCF_Comercial_e_Societario_O_direito_dos_acionistas_a_informacao_nos_grupos_de_sociedades.pdf).
Na jurisprudência, versando sobre uma situação em que os acionistas minoritários de uma SGPS, em preparação da respetiva assembleia geral anual de prestação de contas pediram informações sobre as participadas e receberam os IES daquelas, tendo considerado tal informação insuficiente e impugnado a deliberação que aprovou as contas da SGPS, pronunciou-se o Acórdão já supra referido desta 1ª secção da Relação de Lisboa de 9/11/2021, Relatora: Isabel Fonseca, proferido no processo n.º 21929/18.4T8SNT.L1-1),
Naquele aresto, tirado por unanimidade e no qual foi primeira adjunta a aqui segunda adjunta, refere-se que: «A conciliação dos vários interesses em jogo – do acionista e da sociedade – coloca maiores dificuldades no caso de grupos de empresas. Efetivamente, quanto às informações a prestar durante a assembleia, o sócio da sociedade-mãe estaria adstrito a pedir esclarecimentos exclusivamente quanto a matérias que, inserindo-se no contexto dos assuntos sujeitos a deliberação, se reportem à sociedade-mãe e/ou às “relações entre a sociedades e outras com ela coligadas”: é isso que decorre da literalidade do referido art.º 290.º, nº 1. O que acarretaria a legitimidade da recusa de informação sempre que o órgão de administração entendesse, de forma sustentada, que a informação pedida quanto à sociedade extravasava o estrito âmbito delimitado pelo legislador, isto é, o das “relações” entre a sociedade e as participadas, circunscrevendo-se do domínio da vida interna das outras sociedades. Coloca-se, então, uma questão de índole interpretativa, impondo-se a densificação daquele conceito, para o que relevam um conjunto de elementos a que a doutrina tem feito referência, ainda que chegando a conclusões não coincidentes. Não se discute que, em primeira linha, o reporte deva ser feito para as relações contratuais que se tenham estabelecido, no período relevante, entre a SGPS e as participadas. Estamos perante sociedades coligadas (cfr. o art.º 11.º, nº 1 do Dec. Lei nº 495/88), podendo a SGPS celebrar com as participadas, contratos de diferente tipologia mormente contratos de prestação de serviços (art.º 4.º do mesmo diploma) e operações de concessão de crédito, no condicionalismo a que alude o art.º 5.º nº 1, alínea c) e nºs 2 a 4 do referido Dec. Lei. Também é de admitir que nos casos em que estamos perante grupos de sociedades que devem apresentar contas consolidadas, relativamente às entidades pertencentes ao grupo, que estejam incluídas na consolidação, o direito à informação se estenda a assuntos dessas sociedades, em ordem a que seja transmitido ao sócio, na assembleia geral da sociedade mãe, uma imagem verdadeira e adequada da situação económica e financeira do grupo.
Optou-se ali por não adotar uma interpretação corretiva do preceito, mas ainda assim, atender ao contexto do mesmo, lendo-o conjuntamente com as demais normas relativas aos grupos de sociedades e concluindo que:
«10.– Justificando-se concluir, com base naquele elemento literal e neste elemento sistemático, e ponderando a exigência de uma leitura conforme à Constituição, que a amplitude do direito à informação do sócio da sociedade-mãe, a exercer em assembleia geral, tendo em vista os assuntos sujeitos a deliberação, nos termos regulados no art.º 290.º, relativamente às sociedades participadas, não pode ser fixada aprioristicamente, de forma rígida e em abstrato; ao invés, envolve alguma elasticidade, não podendo excluir-se que, em determinadas situações, em face das circunstâncias próprias do caso, na concretização desse direito, o sócio da SGPS possa formular pedido de esclarecimento que incida sobre matérias ou factos específicos alusivos estritamente às sociedades participadas. Impõe-se raciocínio similar, por identidade de razões, no que concerne às informações preparatórias da assembleia geral (art.º 289.º do CSC).
11.– Em face do pedido de informações e/ou de consulta de elementos alusivos às sociedades que integram o grupo, comprovada a legitimidade substantiva do sócio para a formulação do pedido perante a sociedade-mãe e a recusa de satisfação dessa pretensão ou a resposta insuficiente desta – cujo ónus de alegação e prova impende sobre o demandante (art.º 342.º, nº 1 do Cód. Civil) –, compete à sociedade-mãe alegar e provar a licitude da recusa (art.º 342.º, nº 2 do Cód. Civil), até porque, sendo a única entidade que domina a informação relativa ao grupo, por via do conselho de administração, está em melhores condições para sustentar essa sua posição, fazendo-a valer em tribunal, se necessário.»
Adotou-se esta visão abstrata-concreta, que desde logo estendeu aos demais casos de prestação de informação, não negando aprioristicamente a extensão do direito à informação, mas analisando a informação pretendida e a respetiva importância e utilidade no contexto da deliberação a tomar e concluiu que, no caso concreto, se justificava a extensão do direito à informação – anulando, consequentemente, a deliberação. Mediante esta aproximação flexível e casuística, permitiu-se a concretização necessária do direito à informação, sempre que concretamente justificado.
Decidindo-se sobre o pedido de informação nos termos do art.º 291º do CSC, versou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/09/2023, Relator João Diogo Rodrigues, proferido no processo n.º 1144/21.0T8AVR.P1, disponível para consulta in www.dgsi.pt, o qual seguindo a linha de jurisprudência do Acórdão desta 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/11/2021 decidiu que:
«I - Nos grupos de sociedades comerciais em regime de domínio total, os acionistas da sociedade dominante que sejam titulares de 10% ou mais do respetivo capital social têm o direito, por regra, a ser informados não só sobre a vida dessa sociedade e as suas relações com as sociedades por ela dominadas, como também sobre a vida interna destas últimas. II - Só assim não será quando for patente, pelo conteúdo do pedido ou por outras circunstâncias, que o fim visado não é, como invocado, responsabilizar os membros do conselho de administração, do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão ou ainda se estiverem em causa informações secretas. III - Compete à sociedade dominante alegar e provar a factualidade que é suscetível de integrar alguma destas exceções. IV - A informação pode ser disponibilizada também através da entrega de documentos.»
Sobre este recaiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/2024, Relator Luís Correia de Mendonça, processo n.º 1144/21.0T8AVR.P1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt, que o confirmou decidindo que: «I - O direito à informação dos accionistas não é ilimitado. II - Este direito tem limites extrínsecos, que resultam da restrição subjectiva dos sócios que podem solicitar as informações, e intrínsecos, que visam acautelar os riscos de uma utilização abusiva da informação para a sociedade ou para algum dos accionistas. III - Tendo um accionista, com acções correspondentes a 12,73% do capital social da sociedade principal, solicitado informações e documentos para apurar a responsabilidade de membros da administração das sociedades coligadas, não se devem criar outros limites ao seu direito à informação, além dos previstos no ordenamento ou no contrato, sob pena de denegação funcional do próprio direito. IV - Os administradores de direito da sociedade dominante são administradores de facto por reconhecimento legal das sociedades dominadas no domínio total, sem necessidade de averiguação e preenchimento dos requisitos de legitimação para ser administrador de facto reconhecido. V - Tão relevante é para os sócios o sucesso da actividade desenvolvida pela sua sociedade como pela sociedade que esta detém a 100%.»
Analisada a questão e considerando os argumentos vertidos pela jurisprudência dos Tribunais nesta matéria, nomeadamente a constante do aresto do STJ citado, tendemos a partilhar, por princípio, a posição nos arestos enunciados considerando, por um lado, os limites extrínsecos e intrínsecos ao direito à informação dos acionistas nas sociedades anónimas, ou seja, a restrição subjetiva dos sócios que podem solicitar as informações (artigos 288.º, 1 e 291.º, 1) e os limites intrínsecos, que visam acautelar os riscos de uma utilização abusiva da informação para a sociedade e para os acionistas, em particular, que são os que resultam da tipicidade das circunstâncias que legitimam a recusa feita pelo artigo 291.º, 4, a saber:
i) Quando for de recear (simples receio) que o acionista utiliza a informação para fins estranhos à sociedade e cumulativamente com prejuízo desta ou de algum acionista;
ii) Quando a divulgação, embora sem os fins referidos no número anterior, seja suscetível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os acionistas;
iii) Quando provoque violação de segredo imposto por lei.
Como surge explicitado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que vimos seguindo de perto: “Salvo o limite sistémico, com origem na cláusula geral de boa fé (artigo 344.º CC), não parece que se devam erguer mais barreiras ao exercício do direito à informação dos sócios, designadamente a suspeita de irregularidades praticadas pelos administradores da sociedades inquiridas. (…) A amplitude da informação requerida em inquérito e a viabilização de o sócio chegar à informação da sociedade dominada, pode ainda ser vista à luz de um outro argumento retirado da tese de Ricardo Costa: os administradores de direito da sociedade dominante são administradores de facto por reconhecimento legal das sociedades dominadas no domínio total (artigo 504º, 1 e 2), sem necessidade de averiguação e preenchimento dos requisitos de legitimação para ser administrador de facto reconhecido. Logo, sendo de equiparar aos administradores de direito (redefinição extensiva do conceito), quando se referem no artigo 291º, n.º 1, os membros do conselho de administração da dominante, também podem ser interpelados na condição de administradores de facto ope legis da dominada, devedores nesta veste de informação relativa à «vida interna» e «assuntos sociais» dessa dominada; tanto mais que, para cumprir a diligência do artigo 504º, 1, terão que ter acesso à informação que está ao alcance dos administradores de direito das sociedades dominadas ou que se informem dos assuntos que se colocam na gestão das dominadas (Os administradores de facto das sociedades comerciais, 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2024: 289-303, 643-646 e 988).”
Aqui chegados, e na esteira no decidido neste aresto do Supremo Tribunal de Justiça, retiramos duas conclusões que relevam para o caso dos autos, na medida em que o objeto da ação se cinge ás informações dirigidas pelos requerentes ao Conselho de Administração da “VP”, SGPS, (carta de 30 de março de 2023), quer ao Conselho de Administração da “GP”,S.A (carta de 2 de maio de 2023):
- o sócio pode pedir à administração da sociedade de que é sócio, informações sobre as outras sociedades do grupo;
Mas poderá dirigir diretamente pedido de informações à administração de outra sociedade em relação de grupo com a sua?
A resposta a esta questão não é clara. Embora o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra referido pareça indicar essa conclusão, certo é que se pronunciou quanto aos casos em que pedido de inquérito se destina à obtenção de elementos para responsabilizar os membros do conselho de administração, do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, a que alude o número 2 do artigo 291º, situação que não ocorre nos autos, a qual, de resto, sequer foi alegada.
Pedro Barrambana Santos, in o Direito do accionista à informação nas sociedades em relação de domínio total – A posição dos sócios da sociedade-mãe, RDS VI (2014), 1, (151-212), pp. 210-212, disponível in http://www.revistadedireitodassociedades.pt/files/RDS%202014-01%20(151-212)%20-%20Doutrina%20-%20Pedro%20Barrambana diz que: “No nosso entender, pese a circunstância de não ser atribuído ao accionista da sociedade-mãe essa qualidade face à sociedade--filha, teremos de buscar a resposta na materialidade e no regime previsto para as relações de domínio total as eventuais características que permitam fundar um raciocínio de analogia. Sendo o elemento central do quadro que descrevemos o risco assumido pelo accionista por uma gestão que este não efectua no âmbito da sociedade anónima individualmente considerada, a interposição de uma sociedade totalmente dominada pela administração, constituindo com a mesma uma relação de domínio total, não destrói o referido raciocínio: o accionista investidor será afectado, mediatamente por via da sociedade dominante, pelas decisões tomadas pela sociedade totalmente dominada em função do regime previsto nos artigos 501.º a 504.º ex vi 491.º, todos do Código das Sociedades Comerciais, numa lógica que associa responsabilidade sem que seja atribuída a possibilidade de fiscalizar directamente.
Todavia não olvidamos que a sociedade dominante enquanto pessoa colectiva juridicamente autónoma poderá exercer o controlo da sociedade dominada em virtude do exercício dos poderes associados às participações sociais detidas. Porém, não podemos omitir que o exercício do direito à informação é direccionado face aos titulares da gestão societária pelos efectivos titulares do risco. Ora, sendo a analogia jurídica um raciocínio axiológico e não meramente factual, a existência de uma pessoa patrimonial e juridicamente autónoma in medio não deverá conduzir imediatamente à exclusão do raciocínio analógico em função da materialidade em que assentam as construções jurídicas demonstradas. Recorrendo à terminologia utilizada pela Lei Brasileira das Sociedades Anónimas a subsidiária integral – ou seja, uma sociedade cujas participações sociais são integralmente detidas por outra sociedade – corresponde a um veículo para a realização da actividade económica da sociedade-mãe. Ora, a eventual atribuição de um direito ao accionista da sociedade-mãe para que este requeira informação sobre o desenvolvimento de um sector da actividade económica que se encontra afecto à sociedade dominada não repugna ao ordenamento jurídico considerado na sua globalidade bem como ao direito societário”. Conclui, então, este autor pela aplicação analógica do artigo 291º do CSC aos acionistas da sociedade dominante considerando que estes poderão requerer da sociedade dominada em situação de domínio total, a prestação de informações nos exatos termos que poderiam requerer à sociedade dominante da qual são titulares de participações sociais.
Em idêntico sentido, Ana Perestrelo de Oliveira in Ob. Cit. Loc Cit.
Não consideramos, porém, sufragando assim tese exposta no Acórdão desta 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 0/11/2021, que a interpretação dos arts. 290º e 291º do CSC comporte tal sentido, “tão abrangente que, no limite, consubstanciaria o resultado de uma interpretação corretiva, traduzida no afastamento ou desconsideração da norma porque injusta ou inoportuna e “contrária a interesses que se pretendem preponderantes” sabendo-se que se trata de uma modalidade de interpretação não consentida pela lei portuguesa (cfr. os arts. 8.º, nº 2 e 9.º do Cód. Civil)” a qual apenas é concebível em casos extremos, nomeadamente em casos de contradição intra-sistemática inultrapassável, situação que nos parece não ser o que se verifica no que respeita ao exercício do direito à informação do sócio da sociedade dominante por interpelação direta à sociedade dominada.
Interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, págs. 21 a 26). Ou como dizem Pires de Lima e A. Varela (in Noções Fundamentais de Direito Civil, pág. 130) "interpretar uma lei consiste, portanto, em fixar o sentido e alcance com que ela deve valer".
No caso, a interpretação da letra da lei, por apelo aos seus elementos gramatical, lógico e sistemático (em que a interpretação gramatical é o ponto de partida, e a interpretação lógica o ponto de chegada, impondo-se no estudo do elemento lógico atender aos outros elementos, que incluem o elemento racional, o elemento sistemático e o elemento histórico - cf. Luís Cabral Moncada in Lições de Direito Civil, 4ª edição, Almedina, p. 145) permite, como se disse, a obtenção dessas mesmas informações por via da interpelação à sociedade dominante.
Ponderando a exigência de uma leitura conforme à Constituição (Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, Coimbra: Almedina, p. 384), não se afigura possível, em face da atual redação do CSC, proceder à aplicação da norma do 291º do CSC aos casos em que os pedidos de informação são diretamente dirigidos pelos sócios da sociedade dominante à sociedade dominada, interpretação que consubstanciaria uma interpretação corretiva da lei (procedimento pelo qual o resultado da interpretação é afastado ou modificado pelo intérprete com fundamento em injustiça, inoportunidade ou inconveniência), proibida e inconstitucional, por violar o princípio estruturante da separação de poderes, o princípio fundamental da obediência do juiz à lei e o artigo 9º do CC.
Em conclusão, o pedido de informação dirigido pelos requerentes ao Conselho de Administração da requerida “GP”, S.A., não tem fundamento no art.º 291º do CSC nem em outro qualquer preceito do Código das Sociedades Comerciais, cabendo apenas apreciar como fundamento do pedido de inquérito aquele que foi dirigido pelos autores ao Conselho de Administração da Ré “VP”, SGPS.
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Alcançada esta conclusão, analisar-se-á, de seguida, o concreto pedido de informações dirigidos pelos requerentes ao Conselho de Administração da requerida “VP”, SGPS e o seu fundamento ao abrigo do disposto no art.º 291º do CSC.
Resulta dos factos dados como provados que em 30 de março de 2023 os AA., dirigiram missiva ao Conselho de Administração da Ré ““VP” SGPS, SA” Carta pedindo as seguintes informações:
1 - Contrato de venda das acções da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, S.A. requerendo a consulta/obtenção de cópia do contrato de compra e venda de acções da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA, por forma a conhecer todas as condições do negócio, bem como determinar o valor líquido da alienação efectuada;
Preferencialmente o resultado líquido deverá estar auditado pelos 2 (dois) Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente;
2. Informação completa e detalhada sobre:
• todas as condições do negócio;
• todos os activos descritos no contrato como estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos SA;
• todos os activos descritos no contrato como não estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos SA.;
• Informação completa e detalhada de todos os administradores informando se no negócio foi ou não associada a esta transação o negócio “W”.
II – Relativamente à sociedade participada “BE”, Limited, informação completa e detalhada sobre:
1. Todos os procedimentos adoptados para transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal, com descrição completa e pormenorizada sobre todos os passos e acções efectuadas para o efeito.
2. Descrição completa e pormenorizada sobre o status quo do procedimento e a descrição de todas as acções em falta para a concretização da transferência/redomiciliação;
3. Descrição completa e pormenorizada de todos os impedimentos à concretização da transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal com compromisso formal assumido há mais de três anos;
4. Prestação de informação completa e detalhada sobre as contas da sociedade participada incluindo o cálculo integral dos encargos suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nos últimos 5 anos (2018 a 2022);
Preferencialmente, estas contas deverão estar auditadas pelos 2 (dois) Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente;
5. Prestação de informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada;
6. Prestação de informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada com reflexo directo ou indirecto no valor das acções da “VP”, SGPS, S.A.;
7. Descrição de todos os activos da sociedade participada.
III - Valorização dos 2 lotes de terreno (desdobramento de "Terrenos") – artigos matriciais … e …, da freguesia de ....
Os acionistas minoritários pretendem de forma objectiva e detalhada:
1. Informação sobre todas as diligências efectuadas na Câmara Municipal de …pela participada “GP”, SA..
2. Informação sobre a capacidade construtiva assegurada.
3. Informação sobre os pedidos de informação prévia, efectuados ou não pela aludida sociedade “GP”, SA (sociedade participada através da participação da “BE”, Limited) relativos aos terrenos e a respectiva resposta da Câmara Municipal de ... Caso não tenha sido solicitado qualquer pedido de informação prévia o motivo pelo qual tal solicitação não foi efectuada.
4. informação sobre avaliações dos aludidos terrenos, facultando cópia ou consulta na sede aos acionistas da respectiva/s avaliação/ões. Caso não existam avaliações, a justificação detalhada por não ter feito quando se considera que a/s avaliação/ões são imprescindíveis para uma negociação transparente e responsável.
5. Informação sobre capacidade construtiva do loteamento, do limite consagrado no PDM e da necessidade de redução do mesmo.
IV - Contas das 3 sociedades (“VP”, SGPS, S.A., “BE”, Limited e “GP”, S.A.
Os acionistas minoritários pretendem que lhes seja facultada informação completa e detalhadas nos seguintes termos:
1. Facultar cópia ou consulta na sede da sociedade do Relatório e Contas, Demonstração de resultados, Relatórios de Gestão, Parecer de Fiscalização e Resultados individualizados das sociedades “BE” Limited e “GP”, SA nos últimos 5 anos (2018 a 2022);
2. Informação completa e detalhada sobre os custos suportados pela sociedade “VP”, SGPS, SA, com iniciativas pessoais do Presidente do Conselho de Administração invocando a qualidade de acionista maioritário, nomeadamente:
a) Com a proposta de deliberação em Assembleia Geral de acção de responsabilidade contra o 29 o 38 maiores acionistas, com os custos com a consultoria jurídica e patrocínio judiciário na elaboração das propostas de deliberação e nos processos judiciais de anulação das deliberações ilegais;
b) Com a proposta de deliberação em Assembleia Geral de alteração dos Estatutos, com os custos com a consultoria jurídica e patrocínio judiciário na elaboração das propostas de deliberação e nos processos judiciais de anulação das deliberações ilegais;
c) Suporte a negociações das acções pessoais do acionista maioritário.
V - Negociações para venda directa ou indireta dos 2 lotes de terreno pela “VP”, SGPS, S.A.
Os acionistas minoritários pretendem informação objectiva e detalhada:
1. Sobre a razão por não ter sido dado seguimento à proposta da “RE” Prestige de 27/04/2022 dirigida a todos os acionistas (um grupo de minoritários deu conhecimento ao maioritário em 26/05/2022 o seu acordo quanto à celebração deste contrato em regime de não exclusividade).
2. Situação das negociações que tiveram início em finais de Junho início de Julho relativa à venda dos terrenos ou alienação das acções.
3. informação completa e detalhada sobre a informação que foi prestada e transmitida pelo Conselho de Administração aos interessados nos terrenos ou nas acções da sociedade.
4. Informação sobre a atividade da sociedade, nomeadamente informação sobre se o único objectivo do Conselho de Administração, e a razão de existir a “VP”, SGPS, S.A., consiste na venda directa ou indirecta dos 2 (dois) lotes de terreno da “GP”, S.A. ou das acções da primeira com o melhor resultado líquido para os acionistas.
VI - Negociações para venda das acções do acionista maioritário e/ou da sua firma pessoal
Os acionistas minoritários pretendem informação se o advogado do PCA integra o Escritório de advogados contratado pelo Conselho de Administração e se os encargos com essas negociações não estão a ser suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nem pelas suas participadas.
VII - Aquisição de acções pelo PCA ou pela sua sociedade.
Os acionistas minoritários pretendem:
1. Informação objectiva e detalhada a todas as aquisições de acções pelo acionista maioritário e/ou a sua empresa pessoal – “LM”, Unipessoal, Lda. nos últimos 5 (cinco) anos (2018 a 2022) e ainda em 2023 até à data das respostas a esta carta, tendo em conta que é Presidente do Conselho de Administração.
2. Informação objectiva e detalhada quanto à aquisição das acções de “AL” pelo PCA ou pela sua sociedade e a eventual associação à proposta para Vogal do Conselho de Administração de “D”.
Principiando pela tarefa de analisar cada um dos pedidos formulados, cumpre determinar como se disse, se são legítimos, nomeadamente, por se referirem a assuntos da sociedade, no conceito supra explicitado de assuntos externos e internos, aspetos económicos ou financeiros, questões jurídicas ou atos materiais.
Nas palavras do Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2023, citando Rui Polónia, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, pág. 334 e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I Volume, Almedina, 2004, pág. 597 “do que se trata é de um direito de informação mais amplo capaz de abarcar todos os assuntos não compreendidos no direito mínimo à informação e no direito à informação com vista à preparação da assembleia geral ou do que nesta pode ser exercido (artigos 289.º e 290.º, do CSC) e que, ainda assim, digam respeito à vida da sociedade. Trata-se, em suma, de uma informação qualificada que apenas assiste aos sócios que sejam titulares de posições mais relevantes no capital da sociedade dominante e que, por isso mesmo, têm direito a conhecer mais a fundo a vida dela.
Numa outra formulação exemplificativa, utilizada por António Menezes Cordeiro e Madalena Perestrelo de Oliveira (ob. cit., pág. 1011 e 1012) , a informação em causa pode dizer respeito a “factos relativos ao funcionamento interno da sociedade, à sua posição financeira, às relações com clientes e fornecedores ou ainda, factos relativos aos membros dos órgãos sociais, como processos crime que corram contra eles, na medida em que possam vir a transformar em assuntos relevantes para a vida social”. O que é importante é que estejam em causa assuntos sociais. E neles, como sublinham os mesmos Autores, estão necessariamente compreendidos os “assuntos relativos a sociedades coligadas ou relações contratuais com outras sociedades mesmo que não coligadas, desde que relacionados com a sociedade em causa”.
No mesmo sentido exemplificativo Ana Perestrelo de Oliveira, in Ob. Cit. Loc. Cit. dizendo que nele se compreende “tudo o que respeita ao património e à gestão da empresa, os factos fundamentais para a determinação e repartição dos bens, mas ainda as relações internas e externas da sociedade ou no confronto com terceiros”. Exemplos dados são v.g. o emprego do ativo patrimonial, os programas de aquisição e alienação, as relações comerciais, todas as relações contratuais, a concessão de empréstimos e garantias, as remunerações e “tudo o que possa ser relevante para o controlo do sócio”: o caráter absoluto do direito de informação baseia-se na “ideia de que não subsista algum segredo entre a sociedade e os seus sócios”. Há, na verdade, consenso na doutrina de que a mera referência à gestão da sociedade (sem mais delimitações) confere ao sócio uma ampla margem de atuação no que toca aos assuntos relativamente aos quais pode pedir informação: “ao sócio, no fundo, é permitido o pedido de informação sobre a gestão que compete ao órgão em questão”. Tal inclui “os mais diversos elementos que integram a empresa social”, “desde informações relativamente a trabalhadores, credores, operações em curso, financiamentos, entre outros exemplos”.
No entanto, este direito encontra limites no seu exercício. O sócio deve abster-se de uma ingerência na atividade social maior do que aquela que haja legitimamente razões para exercer tendo em vista a efetiva tutela do interesse protegido. Essencial é, portanto, que o exercício do direito a ser informado não constitua uma mera perturbação da atividade de gestão dos administradores. Por outro lado, trata-se do direito “a obter informações detalhadas sobre as operações sociais individuais” e não em termos globais: a conceção é analítica e não sintética (cf. Ana Perestrelo de Oliveira, in Ob. Cit. Loc. Cit.).
Como decorre do n.º 4, as informações solicitadas nos termos do n.º 1 podem dizer respeito a factos já praticados. Mas se estiver em causa o apuramento de responsabilidades de membros do Conselho de Administração, as informações pedidas podem dizer respeito a factos já praticados como a atos cuja prática seja esperada (cf. Alexandre Soveral Martins, in Ob. Cit., pág. 219.)
Vejamos, então.
Quanto ao primeiro ponto – contrato de venda de ações da sociedade “VP”, Empreendimentos Turísticos, S.A., (participada a 100% pela “VP”, SGPS) pretendem os requerentes a consulta/obtenção de cópia do contrato de compra e venda de ações daquela sociedade, por forma a conhecer todas as condições do negócio, bem como determinar o valor líquido da alienação efetuada, preferencialmente o resultado líquido deverá estar auditado pelos 2 (dois) Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente.
Ora, este pedido - de disponibilização do contrato -, não cabe no âmbito do exercício do direito à informação, por ter a ver com relações com terceiros alheios à sociedade. De igual modo, não se compreende também no conceito de informação sobre os assuntos sociais o pedido de apuramento do resultado líquido auditado pelos dois Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente.
Já às restantes informações pedidas - informação completa e detalhada sobre: as condições do negócio; os ativos descritos no contrato como estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA; todos os ativos descritos no contrato como não estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA.; Informação completa e detalhada de todos os administradores informando se no negócio foi ou não associada a esta transação o negócio “W”, são legitimas ao abrigo do disposto no art.º 291º, por se referirem aos atos materiais do negócio e condições financeiras do negócio, por dizerem respeito ao contrato propriamente dito.
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De igual modo, as informações pedidas relativamente à sociedade participada “BE”, Limited, descritas em 1, 2, e 3 do pedido de informação dizem respeito à gestão da mesma, desde logo, e quanto à transferência da sede para Portugal, quais os procedimentos efetuados e sua situação atual e da existência de eventuais impedimentos à concretização da transferência/redomiciliação da sociedade para Portugal, por se referirem a operações em curso.
Já a prestação de informação completa e detalhada sobre as contas da sociedade participada incluindo o cálculo integral dos encargos suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nos últimos 5 anos (2018 a 2022) a serem preferencialmente, estas contas deverão estar auditadas pelos 2 (dois) Revisores Oficiais de Contas, eleito e nomeado judicialmente, não cabem no âmbito deste pedido. É que, não só não cabe no âmbito do pedido de informação formulado ao abrigo do disposto no art.º 291º do CSC o pedido de auditoria às contas da sociedade, como as suas contas e bem assim o cálculo integral dos encargos suportados pela “VP”, SGPS, S.A. nos últimos 5 anos (2018 a 2022), devem estar refletidas nas contas desta última, já apresentadas em Assembleia Geral Ordinária para aprovação de contas, sendo possível aos sócios como resulta do disposto no artigo 288.º, n.ºs 3 e 4, do CSC, além da consulta direta (por si ou através de representante) aí prevista, o acesso aos elementos aí referenciados, por outros meios. Refere o n.º 4 que: se não for proibido pelos estatutos, tais elementos “são enviados, por correio eletrónico, aos acionistas nas condições ali previstas que o requeiram ou, se a sociedade tiver sítio na Internet, divulgados no respetivo sítio na Internet”. O que quer dizer que “[o] esquema tradicional da consulta, acompanhada por especialistas, perde sentido prático, perante o 288.º, n.º 4. Salvo proibição estatutária, o que raramente sucederá, a generalidade dos elementos consultáveis (todos, menos o documento do registo de ações) são remetidos por correio eletrónico, aos acionistas que reúnam as condições do 288.º, n.º 1. Além disso, podem simplesmente ser divulgados no sítio da sociedade na internet: o que é hoje regra, nas grandes sociedades anónimas, sendo obrigatório nas sociedades abertas e ficando o “direito mínimo” acessível a qualquer interessado” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/09/2023), conclusão que vale, de idêntica forma e com os mesmos fundamentos, para o pedido de informação formulado no IV - Contas das 3 sociedades (“VP”, SGPS, S.A., “BE”, Limited e “GP”, S.A.
Os pedido de prestação de informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada e de prestação de informação completa e detalhada sobre os ónus, encargos, obrigações e compromissos da sociedade participada com reflexo direto ou indireto no valor das ações da “VP”, SGPS, S.A., contendo o segundo (n.º 6), no primeiro (n.º 5), é genérico, o que dificulta a compreensão do seu real sentido e alcance, apenas a ser alcançado, cremos, por via de uma auditoria às contas da sociedade participada, que não é o objeto do inquérito judicial e muito menos do âmbito do exercício do direito coletivo à informação.
As informações insertas sob o ponto III e que dizem respeito à valorização dos dois lotes de terreno (desdobramento de "Terrenos") – artigos matriciais … e …, da freguesia de … são relativas aos assuntos da sociedade, assim como as pedidas sob o ponto IV, n.ºs 2, relativas a custas processuais com ações judiciais, consultadoria jurídica e patrocínio judiciário, incluindo as negociações para venda das ações pessoais do acionista maioritário.
Sob o ponto V, os requerentes pedem informações sobre as negociações para venda direta ou indireta dos lotes de terreno pela requerida “VP”, SGPS, SA. as quais, apelando, mais uma vez, ao conceito de assuntos sociais explicitado, cabem no âmbito do art.º 291º do CSC, por dizerem igualmente respeito a operações em curso.
É assim o caso das enunciadas sob os pontos 1 e 2. No entanto, a enunciada sob o n.º3 – informação completa sobre a informação que foi prestada e transmitida pelo Conselho de Administração aos interessados nos terrenos ou nas ações da sociedade diz respeito a comunicações entre o Conselho de Administração e terceiros e a enunciada sob o n.º 4 – informação sobre a atividade da sociedade, nomeadamente informação sobre se o único objetivo do Conselho de Administração, e a razão de existir a “VP”, SGPS, S.A., consiste na venda direta ou indireta dos dois lotes de terreno da “GP”, S.A, ou das ações da primeira com o melhor resultado liquido para os acionista - é manifestamente genérico quanto à “informação sobre a atividade da sociedade”, e conclusivo, porquanto parece ser a conclusão que os apelantes pretendem alcançar por via do inquérito judicial interposto, - não cabem no âmbito do direito à informação a exercer nos termos do disposto no art.º 291º do CSC.
Ao invés, cabem neste âmbito as informações enunciadas sob os pontos VI – negociações para venda das ações do acionista maioritário e a aquisição das ações pelo Presidente do Conselho de Administração elencadas sob os pontos VI e VII, com exceção da enunciada sob o n.º2 do ponto VII – informação objetiva e detalhada quanto à aquisição das ações de “AL” pelo PCA ou pela sua sociedade e a eventual associação à proposta para Vogal do Conselho de Administração de “D”, que estranhas à “gestão da sociedade” pois dizem respeito, a última, ao sentido de voto em Assembleia Geral e a primeira ao negócio individual de compra de ações pelo Presidente do Conselho de Administração.
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Concluindo, as informações solicitadas à requerida “VP” SGPS, S.A:, por referência às delimitações supra enunciadas, tinham por objeto aspetos e matérias da vida interna das sociedades dominante e das participadas, configurando, um pedido de informação relativo à atividade económica desenvolvida pela sociedade dominante e pela participada, às quais a ré não podia ter deixado de responder, a menos que se verificasse algum dos pressupostos de legitimidade da recusa prevista no art.º 291º, n.º 4, als. a) a c), ou seja, a) quando for de recear que o accionista a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista; b) Quando a divulgação, embora sem os fins referidos na alínea anterior, seja susceptível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas; c) Quando ocasione violação de segredo imposto por lei.
Quanto à questão da recusa das informações pelas Rés escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
“Factos Não provados:
Por ausência de qualquer prova documental bastante:
- a recusa de informação e insuficiência da informação prestada por parte dos RR, alegada ao longo do requerimento inicial.”
Relativamente à decisão sobre a matéria de facto prescreve o art.º 607º, n.º 4 que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…).
Ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 2ª edição, pág. 312 que a matéria de facto dada como provada, não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.
Assim, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes e Paulo Pimenta, in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Vol. I, pág. 772, tanto na exposição dos factos que julgue provados como daqueles que considere não provados, o juiz não deve orientar-se por um preconcebida solução jurídica do caso, antes deve assegurar escolher de todos os factos que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Neste âmbito, esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1/10/2019, proferido no processo n.º 109/17.1T8ACB.C1:S1, citando os Acórdãos desse Tribunal, proferidos nos processos n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 e 761/13.7TVPRT.P1.S1 que saber se um facto concreto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida.
Não está em causa determinar se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, “sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se a matéria considerada como um facto provado reflete, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica. Sendo assim, pode o Tribunal de Recurso ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art.º 662º do C.P.Civil avaliar se determinado facto julgado provado pelo Tribunal de 1ª Instância contém ou não matéria conclusiva, e, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados” (cf. o Acórdão da Relação de Guimarães de 9/11/2023, proferido no processo n.º 2275/\14.9T8VNF-B.G1).
A Mmª Juiz a quo deu como não provada “a recusa de informação e insuficiência da informação prestada por parte dos RR, alegada ao longo do requerimento inicial”. Usou uma expressão técnico jurídica – recusa da informação e insuficiência de informação, que constitui o thema decidedum da ação, porquanto, e como tivemos ocasião de referir supra, para demonstrar a violação do direito coletivo à informação prevista no art.º 291º do CSC, que serve de fundamento ao pedido de inquérito judicial, compete ao requerente a prova de que solicitou a informação e que que ela lhe foi recusada.
Subscrevendo a tese do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2018, proferido no processo n.º 338/17.8YRPRT, disponível para consulta in www.dgsi.pt: “Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Este mesmo entendimento foi defendido no Acórdão da Relação de Guimarães de 30/09/2021, proferido no processo nº 899/19.7T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Considerando o objeto do litígio, é inequívoco que, na formulação do ponto de facto correspondente ao facto não provado em apreço, o Tribunal a quo integrou matéria que assume uma natureza totalmente jurídico-conclusiva, diretamente relacionada com o thema decidendum, ou seja, o objeto da ação está dependente do significado real da expressão técnico-jurídica «recusa da informação e insuficiência de informação». Ou seja, haveria que apurar e consignar na matéria de facto não provada quais foram os concretos atos de recusa ou insuficiência de informação que não foram demonstrados pelos autores para que a partir dessa realidade fática ficasse demonstrada ou não demonstrada, e ser extraída a conclusão jurídica sobre a ausência de demonstração de recusa ou de prestação de informação suficiente.
Em conclusão, o facto não provado em apreço tem um conteúdo absolutamente jurídico-conclusivo, correspondendo ao juízo de direito que representa a própria solução jurídica de uma das questões fundamentais a decidir na presente ação e, por via disso, não pode constar da decisão de facto (isto é, não pode integrar nem a factualidade provada nem a factualidade não provada), sendo a sua consequência a eliminação da decisão de facto (designadamente do ponto dos factos não provados em causa), o que se deve determinar de forma oficiosa. Neste sentido os já citados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/2017, proferido no proc. nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, de 12/04/2024, Relator Mário Belo Morgado, processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, e de 14/07/2021, Relator Júlio Gomes, processo nº. 19035/17.8T8PRT.P1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/2021 (Arlindo Crua, processo n.º 1102/09.3TVLSB.L1-2, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).), onde se decidiu que, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art.º 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua estar-se perante um facto conclusivo ou que encerra em si um conceito de direito, deve eliminá-lo do elenco dos factos provados.
Assim, em linha com esse entendimento, decide-se eliminar da matéria de facto não provada o seguinte segmento: “Factos Não provados: Por ausência de qualquer prova documental bastante: - a recusa de informação e insuficiência da informação prestada por parte dos RR, alegada ao longo do requerimento inicial.”
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Isto posto, e prosseguindo caminho, que dizer quanto à demonstração deste pressuposto – recusa da informação - do exercício do direito coletivo à informação? Estará ele ou não verificado?
Os réus, na sua contestação alegaram que os esclarecimentos pedidos foram prestados em sede de Assembleia Geral, tese que, ainda que de forma pouca clara, parece ter sido a acolhida na sentença recorrida.
Porém, e como sustentam os recorrentes nas suas conclusões de recurso, o pedido de informação de que trata o art.º 291º não está dependente de uma qualquer Assembleia Geral, podendo ser exercido em qualquer momento da vida da sociedade. Perante o pedido de informações apresentado nos termos do art.º 291º o conselho de administração ou o conselho de administração executivo devem prestar as informações solicitadas, caso não haja motivo de recusa (cf. Alexandre Soveral Martins, in Ob. Cit., pág. 219). Assim, se era objetivamente possível fornecer as informações solicitadas no prazo em causa, se não forem prestadas decorridos 15 dias após a receção do pedido, consideram-se recusadas (art.º 291º, n.º 6).
Volvendo ao caso dos autos, dissecado o que foi alegado na contestação dos réus relativamente às informações pedidas ao CA da ré “VP”, S.A e relativas a esta e à participada “BE”, Limited, demonstrado que está a recepção das missivas, facto que, de resto, não foi impugnado pelos réus na contestação, alegaram tão só que “os Autores sempre efetuaram todos os pedidos de esclarecimentos que entenderam em sede de Assembleia Geral, nunca tendo impugnado as deliberações ou os esclarecimentos prestados em sede de Assembleia Geral.” (cf. art.º 11); que “os Autores não têm direito de aceder a todos os actos diários praticados pelo Conselho de Administração” (art.º 12), que na “Assembleia Geral para aprovação das contas do exercício de 2022 os Autores tiveram oportunidade de efectuar todos os esclarecimentos que entenderam por convenientes (art.º 13º).
Recorda-se que, como resulta expressamente do CSC, as informações a solicitar, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo, devem ser prestadas, também por escrito.
A prestação de informações em sede de assembleia geral não é o meio idóneo e legal de satisfazer um pedido de informação solicitado ao abrigo do artigo 291º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
Ou seja, os réus não alegaram e, por isso, não demonstraram como lhes impunham as regras de repartição do ónus da prova (art.º 242º, n.º 2 do Cód. Civil) que as informações pedidas foram prestadas, por escrito, como exige a lei.
Também não alegaram recusa fundamentada à prestação de informação sustentada em qualquer dos circunstancialismos previstos nas als. a) a c) do n.º 4 do art.º 291º do CSC, circunscrevendo a sua defesa na ilegitimidade da obtenção de alguma da informação pedida, como é o caso: (i) da disponibilização do contrato de compra e venda de ações, (ii) do acesso às contas da participada “BE”, Limited (iii) da aquisição de ações da ré pelo Presidente do CA (que subscrevemos pelas razões já avançadas), (iv) na ausência de impugnação de deliberação social relativa ao referido contrato, (v) na evidencia nas contas dos custos judiciais com ações e com utilização de fundos próprios da sociedade Ré para liquidação de despesas próprias do acionista maioritário da sociedade (que não se constituem como fundamento de recusa).
Acresce que, a factualidade assente não é minimamente elucidativa a ponto de se justificar a conclusão de que, a pretensão dos AA, ainda que ancorada indubitavelmente em normativo legal de direito substantivo, pode e deve ser qualificada como traduzindo o exercício abusivo do direito à informação, porque exercido em termos clamorosamente ofensivos dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito ( cfr. art.º 334º, do CC ).
Dito de uma outra forma, não nos revela do conjunto dos factos alegados e provados que o direito social e fundamental à informação que assiste aos autores, pretenda pelos mesmos ser exercido de uma tal forma que ofenda clamorosamente o sentimento jurídico dominante.
E, assim sendo, afigura-se-nos inevitável concluir pela procedência da apelação, ainda que parcial, devendo proceder-se ao inquérito atento o disposto no art.º 292º do CSC - o acionista a quem tenha sido recusada informação pedida ao abrigo dos artigos 288.º e 291.º ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.
Os pontos de facto a abranger no inquérito serão determinados pelo Tribunal recorrido (atento a que, nesta sede, nos situamos ainda na primeira fase daquele processo), devendo ter em conta na sua fixação o supra decidido quanto à abrangência das informações pedidas pelos autores ao CA da “VP” SGPS, S.A, na missiva de 30/03/2023, a saber - informação completa e detalhada sobre: as condições do negócio; os ativos descritos no contrato como estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA; todos os ativos descritos no contrato como não estando incluídos no património da “VP”, Empreendimentos Turísticos, SA.; Informação completa e detalhada de todos os administradores informando se no negócio foi ou não associada a esta transação o negócio “W”, - informações relativas à sociedade participada “BE”, Limited, descritas em 1, 2, e 3 do pedido de informação; informações pedidas sob o ponto III e sob o ponto IV, n.ºs 2, - sob o ponto V, 1 e 2 e sob os pontos VI – negociações para venda das ações do acionista maioritário e a aquisição das ações pelo Presidente do Conselho de Administração elencadas sob os pontos VI e VII, com exceção da enunciada sob o n.º 2 do ponto VII.
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Decisão:
Perante o exposto, acordam as Juízas da 1ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência,
- Revogar a decisão recorrida;
- Determinar o prosseguimento do Inquérito, devendo o Tribunal a quo fixar os concretos pontos para averiguação de acordo com o decidido.
Custas pelos apelados – artigo 527.º, n.º 2 do CPC.
Registe e notifique.
Lisboa, 01-10-2024
Susana Santos Silva
Manuela Espadaneira
Fátima Reis Silva