I - O crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º do CP, tutela o bem jurídico liberdade de autodeterminação sexual da criança [entendida como o menor de 14 anos de idade], com referência ao livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual.
II - Para efeitos do preenchimento do respectivo tipo, na modalidade prevista na alínea b) do nº 3 do referido art. 171º, não definindo a lei o que deva entender-se por instrumento [conversa, escrito, espectáculo ou objecto] pornográfico, tendo-se por certo que, neste âmbito, não devem estar em causa princípios ou referências da moral social, mas a protecção do bem jurídico que a norma justifica – a liberdade de autodeterminação sexual da criança – deverá ser considerado pornográfico todo o instrumento que represente comportamentos sexuais explícitos e a exibição ou representação de órgãos sexuais, para fins predominantemente sexuais, objectivamente adequados a provocarem a excitação sexual da criança, e cuja intensidade e baixeza sexual sejam aptos a fazer perigar o livre e são desenvolvimento da sua personalidade no campo sexual.
III - O crime de pornografia de menores tutela o bem jurídico liberdade de autodeterminação sexual do menor de 18 anos de idade, com referência ao livre desenvolvimento da sua vida sexual, face a conteúdos pornográficos.
IV - Ao tipo do crime de pornografia de menores é alheio qualquer elemento de reiteração sendo-lhe aplicável a regra geral prevista naquele n.º 1 do art. 30.º do CP, cometendo o arguido tantos crimes, repetidos, quantas as vezes que preencheu, objectiva e subjectivamente, a conduta típica ou seja, à pluralidade de actos corresponde a pluralidade de sentidos de ilicitude típica.
Recorrente: AA.
Recorrido: Ministério Público.
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal de ... – ..., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, dos seguintes crimes:
A) Relativamente à ofendida BB,
- vinte e quatro crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal;
- dois crimes de importunação sexual agravado, p. e p. pelo art. 170º, com referência ao art. 177º, nº 6, ambos do C. Penal; e,
- nove crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, b), com referência ao art. 177º, nº 6, ambos do C. Penal;
B) Relativamente à ofendida CC,
- dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal; e,
- dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, b), com referência ao art. 177º, nº 6, ambos do C. Penal;
C) Relativamente à ofendida DD:
- dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal; e,
- dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, b), com referência ao art. 177º, nº 6, ambos do C. Penal;
D) Relativamente à ofendida EE:
- seis crimes de importunação sexual agravado, p. e p. pelo art. 170º, com referência ao art. 177º, nº 6, ambos do C. Penal;
e ainda,
E) cento e oito crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nºs 1, b) e 5, do C. Penal.
O Ministério Público requereu o arbitramento oficioso de uma quantia às ofendidas, para compensação dos danos sofridos.
Por acórdão de 19 de Janeiro de 2024, foi decidido:
“(…).
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo:
I - Em julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública e, em consequência:
a) Absolvem o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de cento e sete crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº5 do Código Penal, de que vinha acusado;
b) (por convolação dos cento e oito crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 5 do Código Penal, de que vinha acusado), condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 5 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
c) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos (29) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
d) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos (9) crimes de importunação sexual agravados, p. e p. pelo artigo 170º, por referência ao artigo 177º, nº 1, al. c), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão,;
e) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos (9) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº 7, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
f) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos (2) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº 6, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
g) Em cúmulo jurídico das penas fixadas em b) a f), condenam o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
h) Condenam o arguido AA na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 8 (oito) anos;
i) Condenam o arguido AA na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 8 (oito) anos;
- € 5.000,00 (cinco mil euros) a favor da ofendida BB;
- € 3.000,00 (três mil euros) a favor da ofendida CC;
- € 3.000,00 (três mil euros) a favor da assistente DD;
- € 3.000,00 (três mil euros) a favor da ofendida EE.
(…)”.
A. Por acórdão proferida em 1.ª instância nos presentes autos, foi o FF e ora Recorrente julgado autor material de (i) um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº5 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, (ii) vinte e nove crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº1, al. b) do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão, (iii) nove crimes de importunação sexual agravados, p. e p. pelo art. 170º, por referência ao art. 177º, nº1, al. c), ambos do CP, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, (iv) nove crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo art. 176º, nº1, al. b), por referência ao art. 177º, nº7, ambos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão e (v) dois crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo art. 176º, nº1, al. b), por referência ao art. 177º, nº6, ambos do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B. E, consequentemente, condenado à pena única de seis anos de prisão efetiva.
C. Pelo que o presente recurso versa sobre a discordância da qualificação jurídica dos crimes em apreço, mormente dos crimes de abuso sexual de crianças e dos crimes de pornografia de menores, bem como da escolha da pena, máxime a desproporcionalidade da medida e da escolha da pena.
D. Em sede de audiência de julgamento, o FF confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, mostrando arrependimento e vergonha da sua conduta.
E. Facultou ao Tribunal a quo todas as explicações que lhe foram solicitadas, pese embora nem o próprio Recorrente consiga totalmente expressar o desvalor dos seus atos.
F. Por este motivo, o presente recurso versa somente sobre matéria de direito, não se colocando em crise a factualidade dada como provada.
G. Dos vários crimes de que foi o FF condenado, não pode o mesmo partilhar o entendimento do doutro Tribunal a quo ao considerar que incorreu na prática de vinte e nove crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº1, al. b) do CP.
H. De facto, não se nega que o FF proferiu expressões grosseiras e degradantes às ofendidas,
I. Mas não se pode aceitar a presunção de que o FF o tenha feito com o intuito de satisfazer os seus interesses libidinosos, porquanto inexiste nos presentes autos qualquer perícia que sustente esse facto,
J. Nem tampouco que as expressões dirigidas às ofendidas comportam em si uma conotação sexual suficientemente nociva e condicionante da liberdade e da autonomia sexual das ofendidas, obstando ao seu livre desenvolvimento da autodeterminação sexual.
K. Neste sentido, no que respeita aos vinte e nove crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, al. b) do CP, deverá o FF ser absolvido de dezassete crimes, que respeitam aos factos elencados em 12-15, 17, 23, 24-26, 40, 46, 47-48, 53, 55, 62, 72.
L. Por sua vez, no que concerne aos nove crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. b), por referência ao art. 177.º, n.º 7, de que foi o Recorrente condenado, sempre se dirá que os mesmos deveriam ser convolados em três crimes, i.e ., um por cada uma das ofendidas, uma vez que se tratam de crimes de trato sucessivo que pressupõe um único facto criminoso (uma única unidade resolução criminosa) que se desdobra em vários atos semelhantes.
M. Conforme resulta provado, existiu sempre uma homogeneidade na conduta do FF, que acabou por se prolongar no tempo, lesou o mesmo bem jurídico e teve por referência cada uma das menores.
N. A do arguido é fruto de uma unidade resolutiva que abarcou ab initio as circunstância de tempo, modo e lugar em que viriam a ter lugar os vários actos sexuais que praticou, comandados por uma única resolução e lesando o mesmo bem jurídico, constitui um único crime de trato sucessivo
O. Pelo exposto, entende o Recorrente que deve ser absolvido de seis dos nove crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. b), por referência ao art. 177.º, n.º 7 a que foi condenado.
P. Por sua vez, no que respeita à medida da pena, entende o Recorrente que o Tribunal a quo falhou na determinação da medida concreta da pena e, consequentemente, arredou a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão a que foi o FF condenado.
Q. Com efeito, e não obstante a gravidade dos crimes, o FF não tem antecedentes criminais, está inserido social e profissionalmente e a pena de prisão irá resultar numa quebra irreversível que contraria os mais elementares pressupostos de ressocialização.
R. Realçando-se as finalidades subjacentes à aplicação da pena, sem olvidar a gravidade dos factos imputados ao Recorrente, julgamos que a ponderação das suas condições de vida, a sua idade, a sua integração profissional e familiar, a sua conduta anterior e posterior aos factos e a inexistência de antecedentes criminais, permitem concluir que as finalidades da pena serão alcançadas através da fixação de uma pena única de até 5 anos de prisão.
S. Se atendermos aos factos constantes do Relatório Social, que foram dados como provados, verifica-se que existem diversas circunstâncias atenuantes e que deveriam ter sido tidas em consideração para a determinação da medida da pena.
T. Assim, e a título de exemplo, salienta-se que o FF viveu, desde a data em que os factos em apreço tiveram início, uma depressão intensa, que lhe causou isolamento familiar e social.
U. Fruto desta situação, o FF passava os seus tempos livres nas redes sociais e vivia em completo desfasamento da realidade à sua volta.
V. O FF mostra-se como uma pessoa carente e infantil, a qual obteve das ofendidas a atenção e interesse que nunca teve anteriormente por alguém da sua faixa etária.
X. E salvo melhor opinião, este foi o fator essencial que despertou no FF a prática dos crimes em apreço.
Z. Além do exposto, salienta-se que o FF nunca se encontrou presencialmente com as ofendidas, tendo praticado todos os crimes por meio virtual.
AA . Assim, não se nega que os atos praticados pelo Recorrente sejam graves e completamente imorais, mas os mesmos devem ser perspectivados à luz do quadro psicológico vivenciado pelo mesmo.
BB. Atentos os factos elencados, nomeadamente o lamentável e improvável contexto que conduziu à prática dos factos, entende-se que a pena aplicada ao FF deverá ser reduzida para uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão.
CC. Caso a pena a que o FF foi condenado seja reduzida e não ultrapasse os 5 (cinco) anos de prisão, entendemos que a mesmo deverá ser objeto de suspensão da respetiva execução mediante sujeição a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo e duração da suspensão, dos serviços tecnicamente especializados para o efeito , in casu , os Serviços de Reinserção Social, nos termos e para o efeito do art. 53.º, n.º 2 do CP,
DD. Permitindo, assim, alcançar todos os fins subjacentes à aplicação de uma pena e garantindo, de forma cabal, o cumprimento das necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.
EE. A jurisprudência dos Tribunais Portugueses já concedeu, por diversas vezes, a suspensão de pena de prisão relativamente a Arguidos condenados pela prática de crimes de natureza sexual, porquanto se entende que “a censura do facto e a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão constituirão uma suficiente advertência”, permitindo aos Arguidos adotar um comportamento conforme às normas consensualizadas pela comunidade (vg. Ac. STJ de 12/11/2014, Proc. 1287/08.6JDLSB.L1.S1, Ac. TRL de 15/06/2005, Proc. 4604/2005-3 e 11/02/2021, Proc. 1773/19.2T9LSB.L1-9).
FF. Até porque, atendendo ao parecer dos Serviços de Reinserção social, “Face ao exposto, em caso de condenação, considera-se que AA reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, com acompanhamento dos serviços desta DGRSP, orientada para a avaliação/intervenção no âmbito da saúde mental e do
comportamento sexual desviante”.
GG. E, na presente data, o FF encontra-se completamente inserido social e profissionalmente, tem um grupo coeso de amigos, encontra-se num relacionamento amoroso há mais de um ano e tem objetivos e rotinas instituídas no seu quotidiano,
HH. Pelo que a aplicação de uma pena de prisão irá representar uma quebra do esforço reintegrativo que o Recorrente tem feito, sendo o seu efeito completamente nefasto.
II. Por tudo exposto, entende-se que deve o FF ser absolvido de dezassete crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, al. b) do CP e de seis crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. b), por referência ao art. 177.º, n.º 7 a que foi condenado.
JJ. Adicionalmente, entendemos que a pena aplicada ao FF deverá ser reduzida para uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução por igual período, mediante a sujeição a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo e duração da suspensão, dos serviços tecnicamente especializados para o efeito, aceitando o arguido submeter-se a todo e qualquer tipo de tratamento de natureza psicológica e / ou psiquiátrica que vier a ser determinado.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o Acórdão ora recorrido, atento os fundamentos invocados, assim se fazendo condignamente, JUSTIÇA!
*
Nestes termos, e secundando as tomadas de posição do Ministério Público nas instâncias, também se entende dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Cumpre decidir.
*
A) Factos provados
A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:
“(…).
(Constante da acusação pública):
1 - BB nasceu a ...-...-2007;
2 - DD nasceu a ...-...-2008;
3 - CC nasceu a ...-...-2008;
4 - EE nasceu a ...-...-2006;
5 - O arguido AA nasceu a ...-...-1985;
6 - Em data não concretamente apurada, mas antes do dia ... de ... de 2018, o arguido AA estabeleceu um plano com vista a manter contactos, nas redes sociais, com raparigas menores de idade com o propósito de satisfazer os seus intentos libidinosos;
7 - Para o efeito, criou um perfil na rede social ... com a designação «o_tal_boy», posteriormente modificando o nome do perfil para «conta.554877», fazendo-se passar por um rapaz de 14 anos de idade, de nome GG, apresentando uma foto no perfil que não era sua e que retirou de um perfil aleatório daquela rede social;
8 - Através daquele perfil, a partir do dia ... de ... de 2018, começou a conversar com o perfil da mesma rede social com a designação «joaquina.silva.169405», criado por BB;
9 - Por esta o ter interpelado devido ao facto da amiga desta última, de nome HH, lhe ter dito que namorava um rapaz chamado GG com 15 anos de idade e que tinha aquele perfil de ...;
10 - Na altura, BB tinha 11 anos de idade, situação que referiu ao arguido, sendo que o arguido referiu ter 15 anos de idade;
11 - Posteriormente, BB passou a utilizar o perfil de ... «_silva29_»;
12 - No dia ... de ... de 2019, AA, em conversa no ... com BB, referiu «quero te foder», tendo BB referido, num tom jocoso, que iam combinar um dia;
13 - No decurso da conversa, AA referiu ainda «quero te ir ao…Cuuuu», «quero foder ctg», «tenho mesmo vontade»,
14 - tendo BB retorquido que ele o devia fazer com a almofada;
15 - Ainda no seguimento desta conversa, o arguido afirmou que tirava a virgindade a BB;
16 - No dia ... de ... de 2019, durante uma conversa por ..., AA pediu a BB fotos em que estivesse «gostosa», afirmando que não precisava de ser sem roupa;
17 - No dia ... de ... de 2019, durante uma conversa por ..., o arguido refere que “comia” a vítima, bem como tinha vontade de «pinar» com BB;
18 - No dia ... de ... de 2019, durante uma conversa por ..., AA diz a BB que está cheio de vontade e que se encontra a bater uma «punheta» com as fotos da mesma;
19 - No dia ... de ... de 2019, durante uma conversa por ..., o arguido diz que metia a piroca dele dentro de BB;
20 - Ainda durante o mesmo dia, refere àquela «fode cmg», que tinha intenção de introduzir a sua língua na da vítima e que introduziria a sua piroca no «pito» de BB bem fundo, enquanto a beijava e apalpava-lhe os seios;
21 - No dia ... de ... de 2019, durante uma conversa por ..., BB envia uma fotografia completamente nua para o arguido na qual retrata a região mamária e a vagina;
22 - Após receber a mesma, o arguido manifesta contentamento e BB questiona-o como é que aquele pode gostar daquilo, tendo o arguido retorquido, «de que? De pito?», tendo aquela confirmado;
23 - A ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA enviou a BB uma mensagem onde dizia «faz-me um bico» e «dps fodemos», acrescentando ainda «eu Quero Te Foder»;
24 - No dia ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA escreve a BB dizendo que dormiria melhor dentro da ofendida e proferindo a seguinte expressão: «abre que eu fodo te toda»;
25 - Referiu ainda que gostaria que BB se deitasse ao seu lado, que deixasse passar as mãos pelo seu corpo e beijar o seu pescoço, o peito e a barriga;
26 - Que o deixasse deitar em cima dela e enfiar devagarinho;
27 - Dizendo por diversas vezes para BB ir “foder”;
28 - No dia ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., BB questiona AA quanto à data em que aquele faz anos, respondendo aquele que é a ... e acrescentando que vai comemorar, naquela altura, os 16 anos de idade;
29 - No dia ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA pede «nuds» a BB e referiu que tinha vontade de «a foder toda»;
30 - Dizendo ainda que tinha vontade de lhe abrir as pernas e rebentar o “pito” todo, bem como tinha vontade de a beijar toda, com língua e tudo;
31 - Nos dias ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA diz que “fodia” BB toda e que a mesma era uma «gostosa do crlh»;
32 - Bem como gostaria de lhe abrir as pernas para ver como ela gemia e referiu para BB se sentar em cima dele e o deixar beijar o seu corpo nu, deixando-o entrar no seu corpo enquanto lhe beijava o pescoço;
33 - Disse ainda a BB que ia colocar a sua “piroca” no seu “pito”;
34 - Igualmente referiu que pedia «nuds» porque isso o excitava;
35 - No dia ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA insiste com a vítima para realizarem uma chamada de voz, dizendo que queria ouvir a voz daquele e que tinha vontade de a “comer” e de a fazer gemer,
36 - o que aquela recusou realizar por ter vergonha;
37 - Neste contexto, o arguido perguntou porque é que tinha vergonha, uma vez que já lhe viu o “pito”;
38 - Ainda neste dia o arguido voltou a pedir «nudes» a BB, pelo menos 3 e de «corpo todo», referindo que não queria só seios e “pito”, mas o corpo todo, porque era assim que gostava;
39 - Após muita insistência de AA, BB envia duas fotos para o arguido de partes do seu corpo completamente nuas, nomeadamente da região dos seios e da sua vagina, na sequência das quais o mesmo comenta que os seios daquela estão maiores;
40 - No dia ... de ... de 2020 o arguido pede que BB lhe faça «um bico»;
41 - Tendo BB demostrado não saber o que isso significa;
42 - Por esse motivo, o arguido esclarece que se trata de um “broche”, mas não continua a conversação porque BB refere também não saber o significado daquela palavra;
43 - No dia ... de ... de 2020 AA volta a pedir «nuds» a BB referindo que está com saudades;
44 - No seguimento dessa conversa pergunta a BB se esta poderia sair de casa para estar com ele;
45 - No dia ... de ... de 2020 AA revela a BB que não se chama GG, mas sim AA, e que tem 25 anos de idade;
46 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., AA enviou para BB uma mensagem onde dizia «pinava-te toda»;
47 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido escreve para BB «sexo», «tu e eu»;
48 - Ainda no mesmo dia, no seguimento duma conversa sobre o quarto do arguido e o seu nível de desarrumação, BB comentou que não queria entrar dentro do quarto do arguido, o que aquele retorquiu: «mas eu quero entrar dentro de ti»;
49 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido dirige-se a BB e pergunta «queres meter dedos?»;
50 - De seguida a mesma questiona «quem tem dedos?»;
51 - O arguido responde «eu», «meter», «dentro de ti»;
52 - Ainda no mesmo dia, o arguido disse que a “comia”, levantava o vestido e baixava as cuecas, manifestando ter «vontade»;
53 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido enviou uma mensagem referindo «quero pinar» e «anda»;
54 - Ainda no mesmo dia, enviou outra mensagem onde pediu para aquela mandar «nuds», a que aquela se recusou;
55 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido envia uma mensagem a BB a dizer que sonhou com ela e que o sonho era sobre «sexo»;
56 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido envia uma mensagem dizendo que teria dormido melhor se aquela tivesse “pinado” com ele;
57 - Ainda no decurso da mesma conversa, o arguido escreve que tirava a roupa e a virgindade de BB;
58 - Durante o decurso do mesmo dia, o arguido reitera que “pinava” BB e manifestando muito vontade em a “comer”;
59 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., AA voltou a pedir «nudes» a BB;
60 - No seguimento da mesma conversa, pede a BB para colocar a língua de fora, e imaginar estar a “chupar”,
61 - Referindo que ficou “teso” só de imaginar;
62 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido escreve que quer fazer amor com BB;
63 - Tendo aquela retorquido que não era possível porque estavam longe;
64 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., AA volta a pedir a BB para o “mamar” ou para o deixar colocar a sua mão dentro das cuecas daquela;
65 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido volta a insistir para “pinar” com BB, reiterando que a “comia” toda;
66 - Expressando àquela que tinha vontade de a beijar, colocar a mão dentro das suas cuecas, referindo «só quero saber na minha mão no teu pito», «e a minha língua na tua boca»;
67 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., enviou a BB as seguintes expressões: «diz que mamas», «e que chupas»;
68 - Dizendo ainda que ia dormir e sonhar com a sua “piroca” dentro da boca daquela;
69 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., AA revela que tem 35 anos de idade a BB;
70 - As conversações entre AA e BB cessaram no dia ... de ... de 2021 devido ao facto de aquela ter percebido que o arguido mentiu acerca da sua idade;
71 - Contudo, no dia ... de ... de 2021 retomaram as conversações;
72 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido escreveu as seguintes expressões «diz que mamas», «e que me chupas todo»;
73 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., BB disse ao arguido já ter 14 anos de idade;
74 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., AA escreve uma mensagem a BB dizendo «diz que mamas», «e que engoles», «leitinho»;
75 - Referindo ainda «tá bem», «podes cuspir», «mas tens de mamar»;
76 - No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido refere «que gosta de sexo bruto» «e que te quer comer o cu»;
77 - Retorquindo aquela para que o arguido a deixasse em paz, o que aquele respondeu «deixo quanto estiver aqui sentado na minha rola»;
78 - Ainda no mesmo dia, dirigiu as seguintes mensagens à BB «anda foder anda», «SEXOOOOO», «tu de 4 e eu a enfiar com força», «a agarrar os teus cabelos e dar chapadas no rabo»;
79 - E perante a resposta de BB a dizer que não se imaginava a ter relações sexuais, o arguido referiu «eu tiro-te a vergonha», «tiro-te a roupa», «a virgindade», «tiro tudo», «chupa quininha chupa», e «gostosa do crlh»;
80 - Pedindo àquela para lhe enviar um vídeo a chupar o dedo, e para lhe enviar «ft da raba para ficar melhor», «e da teta», pedindo ainda «nudes»;
81 - Ademais, através da rede social ... e da aplicação ..., o arguido enviou para BB um número concretamente não apurado de ficheiros de imagem e vídeo representativos do seu pénis;
82 - Também em data não concretamente apurada, mas entre os anos de ... e ..., AA, através do perfil de ... «o tal boy», começou a conversar com o perfil de ... «marianasofiadias», pertencente a CC;
83 - No seguimento das conversações o arguido solicitava fotos de parte do corpo completamente nu de CC, da zona dos seios, da barriga e dos órgãos sexuais;
84 - O que aquela enviou em número não concretamente apurado;
85 - Ademais, AA enviou um número de fotografias, não concretamente apurado, mostrando o seu pénis;
86 - De igual forma, chegou a enviar vários vídeos, em número não concretamente apurado, em que aparecia a masturbar-se;
87 - CC, entre o final de 2019 ou início de 2020, terminou a conversação com o arguido, quando o seu irmão mais velho teve conhecimento do teor daquelas conversações;
88 - AA, através da rede social ..., iniciou. a ... de ... de 2019, uma conversação com o perfil «a_tal_miuda» pertencente a DD;
89 - No dia ... de ... de 2019, através do ..., o arguido referiu que tinha 14 anos de idade e DD disse que tinha 10 anos de idade;
90 - No dia ... de ... de 2019, através do ..., AA e DD estavam a conversar sobre quem “mandava”, momento em que o arguido escreve: «a única coisa que tu mandas são nudes…não…nem isso mandas»;
91 - Neste contexto, DD questiona se o arguido pretende «nudes», tendo aquele respondido prontamente que sim, e para aquela as enviar;
92 - Contudo, DD refere que não enviará esses ficheiros;
93 - Na continuação dessa conversa, DD diz que não é a CC, dando a entender que esta enviava «nudes», ao contrário de si;
94 - O que levou o arguido a comentar: «eu sei que não. Mas é pena. És mais bonita que ela… se fosses safada… mds» (…) «tu um dia vais mandar nudes… Toda a gente manda. Só vai ser qd não tiveres vergonha»;
95 - No dia ... de ... de 2019, através do ..., o arguido pergunta a DD «queres pinar?», «responde santinha responde. Anda Tu e eu numa cama. Sem roupa»;
96 - No dia ... de ... de 2019 AA pede «nudes» a DD, tendo esta retorquido que não as enviaria;
97 - Em data não concretamente apurada, mas entre os anos de ... e inícios de 2021, o arguido, numa chamada por voz a DD e BB, disse que queria ter relações sexuais a “três” com aquelas;
98 - Em data não concretamente apurada, mas no ano de ..., AA, através do perfil de ... «o tal boy», começou a conversar com o perfil «BeatrizBarradas735_» criado por EE;
99 - Durante as conversas o arguido chegou a referir a marcação de dois encontros presenciais com EE, que, no entanto, não aconteceram porque aquela morava no ... e o arguido em ...;
100 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., o arguido enviou uma mensagem a EE referindo «tona gostava» e acrescentando «pinava-te toda»;
101 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., o arguido diz a «EE» que «já te vi a enfiares uma escova no pito»;
102 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., o arguido diz a «EE» para sonhar com ele, acrescentando «e mete esse dedo no cu»;
103 - Como EE se recusou, o arguido referiu para aquela «mete no pito então»;
104 - Novamente perante a recusa daquele, o arguido referiu «ou queres eu meta?»;
105 - De seguida disse: «sonha comigo», «sem roupa»;
106 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., «EE» apercebeu-se que o arguido mentiu sobre a idade que lhe disse ter;
107 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., o arguido envia uma mensagem dizendo «tu aqui com esse vestido…toda envergonhada. Eu a olhar para ti com aquela cara de “não te resisto”. Ir direto a ti e encostar-te a parede, dar-te um beijo gostoso. Meter a minha mão na tua perna e ir subindo por dentro do vestido. Arrastar a cuequinha pro lado e só meter a mão»;
108 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., refere o arguido: «apetece-me pinar-te»;
109 - Tendo EE retorquido que se pagasse €10 ela ia;
110 - E o arguido referiu prontamente que pagava;
111 - Ainda no mesmo dia, cerca de duas horas depois, AA volta a insistir e envia uma mensagem dizendo «pina comigo»;
112 - No dia ... de ... de 2021, através da plataforma ..., referiu o arguido para EE: «anda foder anda»;
113 - O arguido, em data não concretamente apurada, mas a partir do final do ano de ... até ..., solicitou a EE para que aquela tirasse fotografias ou gravasse vídeos em poses lascivas e as partilhasse consigo para sua gratificação sexual;
114 - Assim, por solicitação do arguido, EE tirou várias fotografias a partes do seu corpo e enviou ao arguido;
115 - Para além disso, a pedido do arguido, EE enviou cinco ficheiros de vídeo onde retratam zonas íntimas do corpo de EE (ficheiros 1, 3, 4 e 7 com data de criação de ... de ... de 2021, e o ficheiro 14, com data de criação de ... de ... de 2021):
- O ficheiro n.º 1, com a designação ..., trata-se de um ficheiro de vídeo, com quatro segundos de duração, em que se vê uma jovem do sexo feminino a apalpar uma mama;
- O ficheiro n.º 3, com a designação ... trata-se de um ficheiro de vídeo, com vinte e dois segundos de duração, em que se visualiza uma mão a acariciar o exterior de uma vagina e, seguidamente, um dedo, e depois dois dedos, a serem introduzidos na mesma vagina; ~
- O ficheiro n.º 4, com a designação ..., trata-se de um ficheiro de vídeo, com quatro segundos de duração, em que se visualiza uma mão a acariciar o exterior de uma vagina; ~
- O ficheiro n.º 7, com a designação ..., trata-se de um ficheiro de vídeo, com onze segundos de duração, em que se visualiza uma mão a acariciar o exterior de uma vagina;
- O ficheiro n.º 14, com a designação VID-..., trata-se de um ficheiro de vídeo, com a duração de 43 segundos, em que se visualizar o cabo de uma escova de cabelo a ser introduzidos no interior de uma vagina, assim como movimentos de vai e vêm, repetidas vezes;
116 - Após terem cessado as conversações, no dia ... de ... de 2022, EE recebeu uma chamada de um número que no seu perfil de ... tem a fotografia do arguido;
117 - No interior dum disco SSD NVMe M.2 da marca Toshiba, modelo KGB30ZMV256G com o número de série Y82PD1LCP12P, e dum disco de marca Toshiba, modelo DT01ACA100, com o número YS8LVN3SM, propriedade do arguido e que foram apreendidos, aquele guardava 108 ficheiros multimédia contendo pornografia de menores, sendo que destes 103 correspondem a ficheiros de vídeo e 5 a ficheiros de imagem;
118 - Com o objetivo de satisfazer os seus institutos lascivos, o arguido criou um perfil falso de ..., no qual se apresentava como sendo um rapaz adolescente, através do qual iniciava e mantinha conversações com adolescentes, estando ciente que se tratavam de menores de idade porque as mesmas sempre lhe referiram a sua idade;
119 - O arguido atuou com o intuito de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, fazendo-as crer que ele próprio era um adolescente, tal como se apresentava nas suas fotografias de perfil, para que interagissem com ele;
120 - e mantendo conversações de cariz sexual com as menores de idade, dizendo-lhes que pretendia ter relações sexuais com aquelas, e remetendo-lhes ficheiros contendo a fotografia do seu órgão genital bem como cenas em que se masturbava;
121 - Atuava desta forma para assim persuadir as menores a facultarem-lhe fotografias completamente nuas, especialmente da zona dos seios e da vagina, e a enviarem-lhe os respetivos ficheiros, através do ... ou do ..., para satisfazer os seus instintos libidinosos;
122 - O arguido, ao solicitar o envio de fotografias íntimas às menores, aproveitou-se da incapacidade das mesmas para avaliar o significado daquelas condutas que se descreveram e de medir as consequências de tais comportamentos, incapacidade decorrente da idade, que era do conhecimento do arguido e de que este se aproveitou.
123 - Durante tais conversações, o arguido, com o propósito de convencer as menores a aceder às suas solicitações e para sua própria gratificação sexual, enviou-lhes diversas fotografias e vídeos da sua zona genital masculina;
124 - Em relação a BB e EE, o arguido, conhecendo que as jovens já tinham mais de 14 anos nas datas acima referidas, quis dirigir-lhe expressões de natureza sexual que sabia ser humilhantes e degradantes para aquelas;
125 - O arguido quis receber e guardar nos referidos equipamentos informáticos os ficheiros de imagem e vídeo supra aludidos;
126 - Sabendo que tais ficheiros eram relativos a crianças/jovens em poses lascivas ou envolvidos em atos sexuais, bem sabendo que a sua aquisição ou descarregamento informático eram proibidas;
127 - O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente,
128 - sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
(Constante do relatório social):
129 - À data dos factos pelos quais vem acusado, AA residia com a progenitora numa moradia de tipologia 2+1, habitação própria que foi construída e melhorada gradualmente pelos pais. O divórcio dos progenitores, ocorrido em 2007, foi conturbado e constituiu um marco na vida do arguido. O progenitor emigrou para o ..., onde se mantém, e os contactos entre este e o filho são esporádicos. A irmã, três anos mais velha, pouco tempo depois do divórcio dos progenitores também emigrou, mantendo-se atualmente a residir nos .... O irmão, quatro anos mais velho, descrito como tendo problemas de consumo de álcool e de saúde mental, vai alternando períodos autónomos, com outros em que integra o agregado do arguido e da mãe. Esta, pensionista desde 2014, encontra-se num quadro clínico associado a sintomatologia depressiva com comprometimento do autocuidado, que a impedirá de sair de casa e, inclusivamente, participar em qualquer tarefa/decisão relacionada com as questões domésticas.
No final de 2018, AA foi diagnosticado com tuberculose, o que o obrigou a permanecer acamado, agudizando a sintomatologia ansiosa/depressiva que, segundo refere, vinha sentindo espaçadamente ao longo do seu percurso de vida. Designadamente a perturbação do sono, levou-o a pedir ajuda à sua médica de família, que por sua vez o reencaminhou para a especialidade de psiquiatria. Beneficiou de acompanhamento com terapêutica medicamentosa (venlafaxina e mirtazipina) que ainda mantém no presente, pese embora atualmente seja prescrita pela médica de família em virtude de o psiquiatra ter avaliado como desnecessária a continuidade da consulta nessa especialidade, encaminhando-o para consulta de psicologia na unidade local de saúde. Esse acompanhamento, por sua vez, foi rejeitado sob o argumento de que não seria o adequado à problemática, decisão que o arguido lamenta por considerar que as consultas de psicologia seriam benéficas, mostrando-se disponível para aderir a uma intervenção nesse âmbito, à qual afirma ainda não ter recorrido a expensas próprias por dificuldades económicas.
Habilitado com o 12º ano de escolaridade através de um curso profissional de Técnico de Informática Aplicada, AA apresenta um percurso profissional marcado pelo desempenho de funções indiferenciadas, pela precariedade e por sucessivos períodos de desemprego. Após cerca de cinco anos a trabalhar sazonalmente, em ... celebrou contrato de trabalho como operador de um posto de combustíveis, passando a trabalhar em full time, sem quebra do vínculo contratual até ao presente.
Em ..., um processo de insolvência em nome da progenitora culminou na penhora da moradia onde residiam e o agregado viu-se forçado a passar para uma habitação arrendada, de tipologia 2, sita na ... ...., .... Deste modo, a partir dessa altura, o agregado viu-se obrigado a contemplar a despesa com a renda na gestão orçamental. Foram apresentados comprovativos de um total de 1020 euros em gastos mensais, dos quais 865 euros se reportam à habitação (renda, consumos domésticos e comunicações), 55 euros a um crédito pessoal e cerca de 100 euros mensais em medicação. Do lado da receita, o agregado conta com o vencimento do arguido, de 790 euros e com a pensão da progenitora, fixada nos 779 euros.
AA reporta-se negativamente à ocupação do dia a dia no período anterior a meados de 2022, aludindo a um estado permanente de desgaste, cansaço e incapacidade face à responsabilidade e exigência da gestão doméstica. Descreve uma gestão do quotidiano centrada essencialmente nessas tarefas, ocupando os tempos livres com atividades no domicílio, como a visualização de filmes e a utilização do computador. Mais recentemente, apesar do desgaste inerente à gestão doméstica se manter, o arguido refere que tem usufruído de oportunidades de socialização junto dos amigos e estabeleceu relação de namoro há cerca de um ano, o que estará a contribuir para uma maior estabilidade emocional.
AA não regista qualquer contacto anterior com o sistema da justiça penal.
Assinala como consequência imediata do presente processo, a cessação da atividade laboral que se encontrava a desempenhar, quando teve conhecimento do mesmo no próprio local de trabalho, por ter experienciado sentimento de vergonha. Reporta ainda o impacto significativo na estabilidade emocional da sua mãe por altura da notificação do processo e mostra-se apreensivo face a uma eventual decisão condenatória e às eventuais implicações na gestão do quotidiano, pela situação de dependência em que ela se encontra.
No demais, não identifica preocupações em particular, tendo mantido uma comunicação aberta e colaborante perante este serviço, denotando capacidade e disponibilidade para se adequar ao que vier a ser determinado por esse Tribunal.
AA vive há sensivelmente uma década num contexto familiar marcado pela fragilidade do quadro clínico da mãe, cabendo-lhe a si a responsabilidade pela gestão da organização doméstica. No âmbito da saúde, o arguido destaca o impacto do diagnóstico de tuberculose no final de 2018 e a sensação de desgaste relativamente permanente, como aspetos que estiveram na base da procura por acompanhamento psiquiátrico, reconhecendo ainda que beneficiaria com um acompanhamento regular na área da saúde mental.
Aos 38 anos de idade, AA apresenta uma trajetória profissional precária e indiferenciada, mantendo vínculo laboral de forma consistente apenas desde outubro de 2022, na qualidade de operador de um posto de combustíveis. Desde maio de 2023, o agregado reside em apartamento com recurso ao arrendamento, que se encontra a ser suportado com o vencimento do próprio e a pensão da mãe.
Prossegue um quotidiano estruturado em função da atividade laboral e das responsabilidades domésticas, ocupando o tempo livre que lhe resta com a namorada e em contextos sociais com os amigos.
Face ao exposto, em caso de condenação, considera-se que AA reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, com acompanhamento dos serviços desta DGRSP, orientada para a avaliação/intervenção no âmbito da saúde mental e do comportamento sexual desviante. Sugere-se ainda que o eventual acompanhamento tenha em consideração a necessidade de promoção de competências sociais.
(Resultante do CRC):
130 – Do CRC do arguido nada consta.
(Resultante da audiência de julgamento):
131 – Após a produção da totalidade da prova, o arguido confessou integralmente os factos vertidos na acusação e verbalizou arrependimento.
(…)”.
B) Factos não provados
“(…).
a) As ofendidas, estando conscientes do que estavam a fazer, alimentaram e deram azo a que as conversas se fossem mantendo, atingindo as proporções das trocas de mensagens de cariz sexual;
b) O arguido nunca teve qualquer intenção de tornar realidade o teor das conversas que ocorriam nas redes sociais;
c) Nem enviou fotos e/ou vídeos sem que os mesmos tenham sido solicitados pelas ofendidas;
d) Todas as fotos e vídeos enviados foram sempre a solicitação das mesmas e nunca por vontade do arguido;
e) Em momento algum houve por parte do arguido alguma ameaça de exposição pública das fotos e vídeos;
f) O arguido encerrou a sua conta de ..., apagando e eliminando todas as fotos e vídeos existentes.
(…)”.
C) Fundamentação relativa à qualificação jurídico-penal dos factos [na parte relevante]
“(…).
III. 1. Dos crimes de abuso sexual de crianças:
Vem o arguido AA acusado da prática, em autoria material e concurso real, de diversos crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º nº3, al. b) do Código Penal, tendo por vítimas as ofendidas BB, CC e DD.
Dispõe o artigo 171º do Código Penal, sob a epígrafe “Abuso sexual de crianças”:
“1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais;
é punido com pena de prisão até três anos.
4 - Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
5 - A tentativa é punível.”.
Neste tipo legal de crime o bem jurídico tutelado é a liberdade e autodeterminação sexual a que qualquer pessoa tem direito, mas, por se tratar de vítimas menores, a relevância incide imediatamente na protecção da sexualidade durante a infância e o começo da adolescência e na preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento.
O crime em análise constitui um crime de perigo abstracto na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique afastada.
O elemento objectivo que caracteriza, por excelência, o tipo de ilícito previsto no nº1 do preceito citado é constituído pelo “acto sexual de relevo” praticado com ou em menor de 14 anos de idade. O que quer dizer que: a) a conduta tem de ter cariz sexual, que este acto tem que assumir significado de relevo; b) que a vontade da vítima não é elemento do tipo pois que o mesmo completa-se independentemente da existência ou não do consentimento da criança se menor de 14 anos. Na verdade, o legislador presume “iure de iure” que qualquer conduta sexual que envolva menores com idade inferior a 14 anos “prejudica gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade caso seja levada a cabo por pessoa maior de 16 anos” . Assim é que o menor com idade inferior a 14 anos está em fase de estruturação da personalidade, pelo que não tem capacidade para, de forma livre e consciente, se decidir em termos de relacionamento sexual, o que impede também que o seu consentimento ou acordo tenham relevância jurídica.
O elemento subjectivo revela-se na consciência e vontade de praticar o acto abusivo, com conhecimento da idade da pessoa ofendida, ou seja, basta-se o dolo genérico, em qualquer das três modalidades definidas no artigo 14º do Código Penal: realização voluntária do facto típico com conhecimento ou representando como possível a idade do menor inferior a 14 anos.
Especificamente acerca das condutas típicas previstas na alínea b) no nº3 do preceito citado , escreve Mouraz Lopes que as mesmas deverão conter o elemento comum de “actividades ou comportamentos sexuais explícitos” e a exibição ou representação de órgãos sexuais com fins predominantemente sexuais, citando, a propósito, Figueiredo Dias: “Assim, as conversas, escrito, espectáculo ou objecto pornográfico deverão conjugar essas características. Pelo menos nestes casos reconhece-se uma “natureza e intensidade pesada e baixamente sexuais” idónea a prejudicar um livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual.”. Tal significa que “… a conversa ou escrito, presencial ou através de meios de comunicação (telemóvel, SMS, Faceboock, etc.) deve aludir a comportamentos sexuais ou consistir em envio de fotografias ou vídeos de atividades sexuais ou órgãos genitais, incluindo-se ainda tal no conceito de conversa (que pode ser oral, escrita, gestual ou visual)”.
Postas estas breves considerações teóricas e reportando-nos ao caso em apreço, do quadro factual acima apurado constata-se que o arguido AA estabeleceu um plano com vista a manter contactos nas redes sociais com raparigas menores de idade com o propósito de satisfazer os seus intentos libidinosos. Para o efeito, criou um perfil na rede social ... com a designação «o_tal_boy» , fazendo-se passar por um rapaz de 14 anos de idade, de nome GG, apresentando uma foto no perfil que não era sua e que retirou dum perfil aleatório daquela rede social. Através daquele perfil, manteve conversas de cariz marcadamente sexual com os perfis daquela rede social criados pela ora assistente DD e pelas demais ofendidas BB, CC e EE, todas elas menores de idade e as três primeiras com idade inferior a 14 anos à data da prática dos factos.
Efectivamente, as inúmeras conversas que o arguido manteve com ofendida BB e em que lhe dirigiu expressões como: “quero te foder”, “quero te ir ao cu”, “pinava-te toda”, “faz-me um bico”; “abre que eu fodo te toda”, “queres meter dedos?”; dizendo-lhe que a queria “comer” e “pinar” com ela; que estava a “bater uma punheta” com fotos dela; que metia a “piroca bem fundo” no “pito” dela; que introduziria a sua língua na da vítima; que a beijava e lhe apalpava os seios; que a deixasse passar as mãos pelo seu corpo e beijar o seu pescoço, peito e barriga; que tinha vontade de a “foder toda”, “lhe abrir as pernas e rebentar o pito” e de a fazer gemer; que a “comia”, levantava o vestido e baixava as cuecas; que a mesma era uma “gostosa do crlh”; que colocasse a língua de fora e imaginar estar a “chupar” e que ficava “teso” só de imaginar; pedindo-lhe para o “mamar” ou para deixar colocar-lhe a mão dentro das cuecas dela; “diz que mamas e que chupas”, entre muitas outras; bem como mantendo com ela uma conversa por chamada de voz em que lhe disse que queria ter relações sexuais “a três” , são claramente subsumíveis ao conceito de “conversas pornográficas” previstas na alínea b) do nº3 do artigo 171.º do Código Penal, pois que assumem um significado relacionado com a esfera da sexualidade e com a liberdade de determinação sexual das menores.
E o mesmo se diga em relação à menor aqui assistente DD, a quem o arguido dirigiu as seguintes expressões: “Queres pinar?”, “Anda Tu e eu numa cama. Sem roupa”, bem como manteve com ela uma conversa numa chamada por voz em que lhe disse que queria ter relações sexuais “a três” com ela.
Também em relação à menor CC, o arguido actuou sobre a mesma por meio de conversa e objecto pornográficos posto que vem demonstrado que entre os anos de ... e ..., através do mesmo perfil de ..., o arguido começou a conversar com o perfil de ... «marianasofiadias», pertencente a CC e, nesse seguimento, solicitou-lhe fotos de partes do corpo dela completamente nus (da zona dos seios, da barriga e dos órgãos sexuais), o que aquela enviou em número não concretamente apurado; para além disso, o arguido enviou a esta menor fotografias, mostrando o seu pénis, e vários vídeos em que aparecia a masturbar-se.
O arguido também pediu às ofendidas BB e DD fotografias delas nuas , tendo conseguido que a primeira lhe enviasse 3 fotos completamente nua.
As expressões dirigidas pelo arguido às menores BB e DD são, inequívoca e objectivamente, expressões conotadas com a sexualidade das pessoas, o que representa um perigo óbvio e claro para a autodeterminação sexual das ofendidas, com menos de 14 anos de idade à data da prática destes factos. As referidas expressões e as sobreditas imagens (em que se visualiza o pénis do arguido e este a masturbar-se, bem como a zona dos seios e da vagina das menores BB e CC), ao aludirem e apelarem directamente aos órgãos sexuais das ofendidas e do arguido e referindo-se de forma explícita (e até grosseira) a actos sexuais, ainda para mais de inegável relevo (como a cópula, o coito anal, o coito oral, a introdução vaginal e anal de partes do corpo e objectos, a masturbação), são objectivamente adequadas – para qualquer homem médio - a por em causa a autodeterminação sexual das vítimas BB, CC e DD e o seu normal desenvolvimento fisiológico e psicológico dada a sua imaturidade.
Tendo presentes estes factos e o enquadramento em que os mesmos ocorreram, é evidente que estamos perante actos que atentam contra os normais sentimentos de pudor, timidez e vergonha comuns à generalidade das pessoas, intoleráveis numa sociedade civilizada e, por isso, actos que comportam em si mesmos uma conotação sexual suficientemente ofensiva e condicionante da liberdade e da autonomia sexual a que as menores BB, CC e DD têm pleno direito.
Recorde-se que é ainda e tão só a autodeterminação sexual, como bem jurídico, que aqui está em causa e é isso que importa tutelar - e não qualquer moral pública – e por isso os “objectos pornográficos” previstos na norma da alínea b) do nº3 do CP deverão, por um lado, ser “susceptíveis de provocar excitação sexual a terceiros e, por outro, ser idóneos a produzir dano no desenvolvimento fisiológico ou psicológico de pessoas imaturas.”.
No caso em apreço, dúvidas não subsistem de que o arguido AA manteve aquelas conversações e enviou e recebeu aquelas imagens - em ambos os casos de conteúdo fortemente pornográfico - com o único propósito de satisfazer os seus intentos lascivos e libidinosos. E fê-lo de forma ardilosa, criando um perfil falso de ..., no qual se apresentava como sendo um rapaz adolescente, através do qual iniciava e mantinha conversações com adolescentes, estando ciente de que se tratavam de menores de idade porque as mesmas sempre lhe referiram a sua idade.
Tais actos, objetivamente considerados, têm um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade, forçoso sendo assim de concluir que estamos perante práticas que se revelaram sexualmente significativas para as vítimas, com claro prejuízo para o seu desenvolvimento integral.
É, pois, indubitável que o ora arguido actuou sobre as ofendidas BB, CC e DD, todas com idade inferior a 14 anos à data dos factos, por meio de conversa e imagens pornográficas aludidos no já citado artigo 171º, nº3, al. b) do Código Penal.
Verifica-se, assim, que os elementos objectivos do crime em apreço se mostram preenchidos.
Por outro lado, face à natureza destes mesmos factos, não temos dúvidas de que também o elemento subjectivo do tipo legal em análise se mostra verificado.
Com efeito, o arguido actuou com o intuito de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, fazendo crer às ofendidas que ele próprio era um adolescente - para as levar a que interagissem com ele -, mantendo conversações de cariz sexual com as mesmas - dizendo-lhes que pretendia ter relações sexuais com elas - e remetendo-lhes ficheiros contendo a fotografia do seu órgão genital, bem como cenas em que se masturbava, tudo para sua própria gratificação sexual.
Mais ainda: ao solicitar o envio de fotografias íntimas às menores, aproveitou-se da incapacidade das mesmas (decorrente da idade) para avaliarem o significado daquelas condutas e de medirem as consequências de tais comportamentos, o que era do seu perfeito conhecimento.
O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
Estão, pois, perfectibilizados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em análise, pelo que, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deve o arguido ser condenado pela sua prática.
(…).
III. 3. Dos crimes de pornografia de menores agravados:
O arguido AA está ainda acusado da prática, em autoria material e concurso real, de diversos crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º nº1, al. b), com referência ao artigo 177º, nº6, ambos do Código Penal, tendo por vítimas as ofendidas BB, CC e DD.
Dispõe o artigo 176º do Código Penal, sob a epígrafe “Pornografia de menores” :
“1 - Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos.
7 - Quem praticar os atos descritos nos n.os 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.
8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
9 - A tentativa é punível.”.
Por sua vez, estabelece o citado artigo 177º do Código Penal que “1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou
b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.
c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.
2 - As agravações previstas no número anterior não são aplicáveis nos casos da alínea c) do n.º2 do artigo 169.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 175.º
3 - As penas previstas nos artigos 163.º a 167.º e 171.º a 174.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível.
4 - As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 175.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 176.º e no artigo 176.º-A são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o crime for cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas.
5 - As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 174.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima.
6 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 16 anos;
7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.
8 - Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena.”.
As Nações Unidas definem “pornografia infantil” como sendo qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou qualquer representação das partes sexuais , donde resulta que o conceito de “pornografia infantil” é amplo, inexistindo, pois, qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual.
No que toca às faixas etária abrangidas, cumpre sublinhar que “O limite etário dos 14 anos é normalmente entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência. Citando II, JJ e KK, referindo que os tipos de experiências sexuais que uma pessoa tem, especialmente durante a adolescência, são importantes na direção ou reforço do fluxo da sua preferência sexual, sendo por sobremaneira um desenvolvimento adequado da sexualidade, no sentido de proteger a liberdade do menor no futuro, para que decida, em liberdade, o seu comportamento sexual.”. Neste sentido, também Teresa Beleza considera que “…já não é o pudor do jovem ou da criança (...) que está em causa (...), mas a convicção legal de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de autodeterminação, a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual”. Na mesma esteira, defende o Prof. Costa Andrade que “até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais. A lei presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais. O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei. Em jeito de conclusão, dir-se-ia que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminar nesta vertente.”.
Igual entendimento vem perfilhado no acórdão do STJ de 05-09-2007 , onde se escreveu: “(…). O tipo legal de pornografia de menores pode revestir, no que ora releva, qualquer acto que se enquadre nas quatro modalidades caracterizadoras, correspondentes às diferentes alíneas do n.º 1 do art. 176.º, em que transparece uma escala de valoração, embora punível de forma idêntica, desde a utilização de menor à detenção de materiais pornográficos com propósito legalmente definido. Denota o objectivo do legislador de tutela antecipada do bem jurídico protegido, tratando-se de crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), conforme Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 487, sendo que a utilização de material pornográfico com representação realista de menor e a mera detenção de materiais pornográficos merecem atenção punitiva. De modo tendencialmente rigoroso e compatível com a intervenção do direito penal, o bem jurídico reside mais directamente na protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas (sobre o assunto, Pedro Soares de Albergaria/Pedro Mendes Lima, in “O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução?” e Maria João Antunes, in “Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores”, na Revista Julgar, Especial, n.º 12, Set./Dez.2010)”.
Reportando-nos ao caso em apreço e tal como acima já assinalado a propósito do tipo de crime de abuso sexual de crianças, constata-se que, sob identidade falsa e mentindo acerca da idade, recorrendo, inclusive, a fotografia alheia, o arguido AA iniciou com as ofendidas um relacionamento com conversas de cariz marcadamente sexual, ainda que apenas com contacto virtual (através da rede social ... e da aplicação ...), com o único intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos. Sabia o arguido quais as verdadeiras idades das menores e, ainda assim, manteve com as mesmas as mencionadas conversas.
Mas, para além dessas conversas, o arguido solicitou por diversas vezes às menores BB, CC, DD e EE que lhe enviassem fotos dos seus corpos nus e em poses lascivas e, no caso das ofendidas BB e EE, pediu ainda que a primeira lhe enviasse um vídeo a chupar o dedo e que a última gravasse e lhe enviasse vídeos em poses lascivas.
Mercê dessa insistência, a ofendida BB enviou ao aqui arguido três fotos: no dia .../.../2019, uma foto completamente nua, onde está retratada a sua região mamária e a vagina, e no dia .../.../2020 enviou-lhe duas fotografias de partes do seu corpo (região dos seios e vagina) desnudadas. Para além disso, o arguido enviou à menor BB, através da rede social ... e da aplicação ..., número não concretamente apurado de ficheiros de imagem e vídeo representativos do seu pénis.
Também solicitou à menor CC, em datas não apuradas dos anos de ... e ..., fotos de partes do corpo desta desnudadas (seios, barriga e órgãos sexuais), o que esta enviou em número não concretamente apurado; o arguido, por sua vez, enviou-lhe várias fotografias mostrando o seu pénis e diversos vídeos em que aparecia a masturbar-se.
À menor DD o arguido pediu para lhe enviar fotos nua nos dias .../.../2019 e .../.../2019, não tendo, no entanto, esta menor remetido ao arguido qualquer foto ou vídeo desse teor.
Por fim, entre final do ano de ... e até ..., o arguido pediu à menor EE fotografias ou vídeos dela em poses lascivas, tendo a mesma enviado ao arguido várias fotografias de parte do seu corpo e cinco ficheiros de vídeo onde são visíveis zonas íntimas do corpo daquela (num deles, vê-se uma jovem a apalpar uma mama; noutro, uma mão a acariciar o exterior duma vagina e depois a introdução de dedos na mesma; noutros dois, uma mão a acariciar o exterior duma vagina; noutro, visualiza-se o cabo duma escova de cabelo a ser introduzido no interior duma vagina, em movimentos de vai e vêm, repetidas vezes).
Daqui resulta que, a par das conversas de cariz sexual acima reproduzias, o arguido ainda aliciou as menores BB, CC, DD e EE a exporem a sua nudez, nomeadamente a zona mamária e genital, através de fotografia e/ou vídeos, tendo as ofendidas BB, CC e EE acedido a tal pedido.
Como se expressa no acórdão do STJ de .../.../2020, "A parte final da alínea b) do n.º 1 do art-º 176º do Cod. Penal prevê e pune o que na terminologia anglo-saxónica se designa por «sexting» (de sex e tenting) de adulto com menor/es, consistente em estabelecer contacto à distância e manter conversação com crianças, através da internet, do telemóvel, ou de qualquer outra tecnologia da informação e da comunicação, para, abusando da sua inexperiência sexual, a aliciar a enviar fotografias, filmes ou gravações pornográficas dela própria ou de outras crianças.
O aliciamento ali previsto é uma modalidade de ação que, em substância, configura uma tentativa do crime de pornografia de menores tipificado na primeira parte da alínea b) em apreço. Consequentemente, nesta situação de aliciamento, a tentativa de utilizar a criança em fotografia ou vídeo pornográfico perfeciona o crime. O que bem se compreende porquanto o aliciamento em si mesmo constitui um perigo real e muito sério para o bem- estar psíquico, o desenvolvimento equilibrado e formação harmoniosa do menor. A criança, na sua inocência e inexperiência, quase nunca se apercebe de que está a ser aliciada para enviar “selfies” e vídeos eróticos, sensuais ou pornográficos seus, das suas amigas ou amigos e, pelo outro lado, não está capacitada para resistir, particularmente em situações de alguma proximidade vivencial com o aliciador.
O sexting, vezes sem conta, é o primeiro passo, a fase preliminar e preparatória daquilo que, regra geral. o agente criminoso adulto tem em mente: - ganhar a confiança da/o/as/os menor/es aliciada/o/s a fim de obter desta/e/s conteúdos pornográficos com atos sexuais explícitos e, seguidamente, concertar encontros para obter concessões de índole sexual. (…).
Nas conversações mantidas através da internet ou das redes sociais ou de comunicação móvel, o adulto, quase sempre sob um perfil falso, tem como primeiro objetivo obter fotografias e/ou vídeos eróticos. Logo que ganha a confiança da/o menor e este lhe faculta ou comparte imagens com atos de conteúdo erótico, o «groomer» pressiona-a/o a enviar-lhe mais e mais e com atos sexuais explícitos ou dos órgãos genitais ou erógenos, e/ou pressiona-a/o um encontro físico e, se a/o menor não acede começa a chantagea-la/o, ameaçando-a/o com publicar as fotografias e os vídeos. Quando se produzem esses encontros forçados, o desenlace traduz-se quase sempre em abusos sexuais, não raro em violação, algumas vezes em desaparecimento e, até homicídio.
Presumindo-se que a formação e desenvolvimento da personalidade global dos menores é colocada em perigo pela pornografia infantil, o legislador decidiu adiantar as barreiras da proteção contra essas práticas altamente lesivas de acontecimentos que “roubam” ou traumatizam gravemente a infância ou a adolescência dos menores, perturbando um desenvolvimento harmonioso da personalidade a todos os níveis. De modo que na al.ª b), se adiantou de tal modo que se incrimina o aliciamento da utilização de fotografias, filmes ou gravações pornográficas, a tentativa de obtenção destas modalidades de pornografia infantil.
(…). Como se referiu, tanto a Constituição da República, como os instrumentos internacionais universais e europeus, e igualmente o direito derivado da UE, definem o que, na interpretação dos seus preceitos, deve considerar-se pornografia infantil e que, resumidamente e para o que aqui releva, intercedem com “imagens ou representações de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos” ou imagens ou representações “dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais”.
Todavia, a qualificação de uma fotografia “como pornográfica deve exprimir, segundo o seu conteúdo objetivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstrato, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor. É deste modo ainda (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico”. Porém “uma restrição do objetivismo das conversas obscenas e das maquinações pornográficas conduziria a desproteger o menor perante situações absolutamente análogas, do ponto de vista do bem jurídico, às incriminadas”.
No caso, o arguido atuou sobre a menor CC, de 10/11 anos (repete-se, no dia em que completava 11 anos de idade), por meio de conversa à distância, através da rede social facebook, tentando convence-la e pressionando-a, isto é, aliciando-a a se autofotografar com o telemóvel, na casa de banho, quando acabava de tomar banho, estando apenas em cuecas, insistindo persistentemente em que a “selfie” a enviar era “em cuecas”. Não lhe enviando a menor fotografia apenas com essa roupa interior reduzida, pressionou-a a tirar “selfie” ao “corpo todo”, “agora ao rabo” “ao rabo XD”. Nota-se ainda que a conversação rematou com o arguido a perguntar à menor CC “hoje vens cá?”
Pelo contexto concreto, pela natural retração da menor a autofotografar-se em cuecas, o seu “corpo todo”, apenas em “cuecas” e também ao “rabo”, pela objetividade, pelo sentido comum, pela ausência de uma justificação plausivelmente aceitável por parte do arguido, pela sua conduta criminosa certificada no acórdão recorrido (especialmente a que está narrada nos pontos 21/22, 35 e 39/40), mas sobretudo e decisivamente em razão do bem jurídico protegido, as fotografias que o arguido pretendia obter, utilizando a menor, têm, sem dúvida, expressão e conteúdo pornográfico, e integram o conceito de pornografia de menores.
Inexistem quaisquer motivos que pudessem legitimar ou que possam racionalmente aceitar-se que o arguido, um adulto que até vivia em união de facto com uma tia da menor, ademais, pedófilo, pudesse utilizar fotografias da CC, uma criança com 10/11 anos de idade, retratando-se após o banho, apenas vestida com cuecas, ou também uma fotografia do corpo todo e ainda do «rabo». É, pois, essa conversação e seriam aquelas, sem dúvida, fotografias pornográficas, que o arguido pretendia da menor CC. Dito de outra maneira, o arguido aliciou e pressionou (acossou), através daquela conversação na rede social ..., a menor CC para que elaborasse fotografias com imagens pornográficas dela mesma, visando utiliza-las com fins pornográficos.
O elemento finalístico e subjetivo da infração está assente nos pontos 64 e 65 dos factos provados.
Assim, a concreta atuação do arguido de aliciar a menor CC a autorretratar-se e enviar-lhe fotografias digitalizadas do seu corpo em roupa interior reduzida (em cuecas), na casa de banho, depois de banhar-se, e bem assim logo de seguida a autorretratar-se exibindo o “corpo todo” e o «rabo», coloca em perigo o desenvolvimento integral da menor e, consequentemente, ofende o bem jurídico individual e plurisubjetivo protegido pela incriminação da pornografia de menores na modalidade do aliciamento para a utilização de crianças em fotografias pornográficas – art. 176º n.º 1 al.ª b) do Cód. Penal.
Crime que é agravado em razão da idade infantil - menos de 14 anos -, da menor CC – art.º 177º n.º 7 do Cód, Penal. (…)”.
Tal como no caso tratado no aresto acabado de transcrever, também no nosso caso a conduta do arguido AA configura a referida prática de “sexting”, já que o arguido, um adulto de 35 anos de idade, mentindo sobre a sua identidade, procurou estabelecer contactos à distância e manter conversação com as aqui ofendidas, na altura crianças com 10 e 11 anos de idade, através da rede social ..., para, abusando da sua inexperiência sexual fruto da sua idade infantil, as aliciar a enviar fotografias, filmes ou gravações pornográficas de partes dos seus corpos.
Donde, pelo concreto contexto em que tal ocorreu (no âmbito de conversas mantidas ao longo do tempo entre o arguido e as ofendidas, também elas de carácter pornográfico); pelo sentido comummente associado a este tipo de imagens (retratando crianças desnudadas e em poses lascivas); pela intenção prosseguida pelo arguido com tais solicitações (satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos) e em razão do bem jurídico protegido, as fotografias e vídeos que o arguido pretendia obter – e no caso das menores BB, CC e EE conseguiu -, têm, sem dúvida, expressão e conteúdo pornográficos e integram o conceito de “pornografia de menores”.
Resultou, ainda, demonstrado que o arguido, ao solicitar o envio de fotografias íntimas às menores, actuou com o intuito de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, fazendo-as crer que ele próprio era um adolescente, aproveitando-se da incapacidade das mesmas para avaliar o significado daquelas condutas e de medir as consequências de tais comportamentos, incapacidade decorrente da idade, que era do conhecimento daquele.
Agiu, ainda, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
Mostram-se, assim, preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b) do Código Penal , o qual, in casu, é agravado em razão da idade das vítimas – artigo 177º, nºs 6 e 7 do CP.
Constata-se, na verdade, que a ofendida BB tinha idade inferior a 14 anos nas datas de .../.../2019, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2021 e .../.../2021, em que o arguido lhe solicitou o envio de fotos/vídeos, e idade inferior a 16 anos na data de .../.../2021, em que o mesmo lhe pediu para lhe enviar um vídeo a “chupar o dedo” e para lhe enviar «ft da raba para ficar melhor», «e da teta», pedindo ainda «nudes».
Dessa forma, é aplicável aos episódios ocorridos nos dias .../.../2019, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2021 e .../.../2021 a agravação prevista no nº7 do artigo 177º do CP (agravação de metade nos limites mínimos e máximos da pena aplicável ao crime de pornografia de menores do artigo 176º, nº1, al. b) do CP quando a vítima é menor de 14 anos) e a agravação prevista no nº6 do artigo 177º do CP (agravação de um terço nos limites mínimos e máximos da pena aplicável ao crime de pornografia de menores do artigo 176º, nº1, al. b) do CP quando a vítima é menor de 16 anos) ao episódio ocorrido no dia .../.../2021.
Quanto aos actos de aliciamento da menor EE para o envio ao arguido de fotos e vídeos representativas de partes do seu corpo desnudadas, situando-se tal conduta entre final de ... e ... e tendo a ofendida EE completado 14 anos de idade a .../.../2020, por apelo ao princípio in dubio pro reo, na dúvida, deverá considerar-se que o envio daquele material pornográfico não teve lugar antes de ... e, por isso, numa altura em que a ofendida EE já contava com 14 anos mas ainda não tinha completado 16 anos de idade. Pelo que é de aplicar, neste conspecto, a agravação contida no nº6 do artigo 177º do CP.
Quanto à menor CC, verifica-se que a troca de fotos de partes do corpo nus entre ela e o arguido e o envio por este de vídeos em que aparecia a masturbar-se ocorreram entre os anos de ... e ..., tendo a ofendida, em qualquer caso, idade inferior a 14 anos.
E o mesmo se diga relativamente à assistente DD, posto que os actos de aliciamento em questão ocorrem nos dias 17 e .../.../2019 e a menor só completaria 14 anos de idade no dia .../.../2022.
Destarte, é aplicável, no caso destas duas ofendidas, a agravação contida no nº7 do artigo 177º do CP.
(…).
III. 4. Da unidade/pluralidade de crimes:
Procedendo a acusação no que toca ao preenchimento dos tipos legais dos crimes de abuso sexual de criança, pornografia de menores e importunação sexual, importa agora analisar a perspectiva da unidade ou pluralidade da conduta criminosa levada a cabo pelo arguido.
A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é determinante para as consequências jurídicas do facto, ou seja, para a punição do agente. A regra é a de que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objecto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes (artigo 30º, nº1 do CP). Esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente ou nas formas de unificação de condutas como crime continuado, como um único crime ou como crime de trato sucessivo.
A doutrina e a jurisprudência têm divergido na abordagem à questão da contagem do número de crimes quando estão em causa crimes do tipo dos ora tratados, falando-se nalguns sectores em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há um só crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave (no quadro da sua moldura penal) quanto mais repetido.
Adere este Tribunal Coletivo à perspectiva defendida pela Exma. Sr.ª Juíza Conselheira Dra. Helena Moniz quando refere: “ainda que se possa considerar que um possível crime de abuso poderia integrar diversos atos, verificamos, todavia, que o tipo pune a conduta não de abuso, enquanto integrante de múltiplos atos, mas cada ato individualmente considerado. Na verdade, olhando, por exemplo, para o disposto no art. 171.º, do CP, é punido todo aquele que pratica ato sexual de relevo com menor, e logo que pratica cada ato, e em cada ato que pratica. É o ato ainda isolado que já constitui um caso de abuso.” Nesta senda, defende a mesma autora que “…deve afirmar-se que haverá concurso efetivo de crimes sempre que o contexto espácio-temporal seja distinto, bastando para tanto que aqueles atos sejam realizados em momentos temporais distintos…”para concluir que “Excluindo o entendimento de que os crimes como o de abuso sexual de menor ou o crime de violação sejam crimes de múltiplos atos, excluindo que sejam crimes de atentado ou empreendimento (em que há uma equiparação entre a tentativa e a consumação), excluindo que haja lugar a uma unificação das diversas resoluções numa unidade resolutiva, excluindo que possam ser subsumidos à figura do crime continuado, fica apenas a possibilidade da punição de cada ato sexual de relevo realizado, com todas as dificuldades que se possam encontrar, nomeadamente, de prova….”.
O mesmo entendimento é seguido por Mouraz Lopes , o qual refere, a propósito do concurso de crimes de abuso sexual de crianças, o seguinte: “A prática de diversos actos enquadráveis nos nºs 1, 2 e 3, no decurso de uma única resolução criminosa do agente, no mesmo contexto situação, espacial e temporal, deverá ser punida, em regra, por um só crime, relevando o número e intensidade dos atos praticados no doseamento da pena, aplicando-se a punição mais gravosa. Nestes casos, há uma única ação que se desmultiplica em diversos atos subsumíveis nos nºs 1, 2, e/ou 3. (…). Mas pode suceder que um dos atos adquira uma valoração autónoma pela gravidade do comportamento ou por não poder ser perspectivado como fazendo parte integrante do mesmo conjunto de atos cuja valoração é una. (…). Por outro lado, existindo uma descontinuidade temporal suficiente para reconhecer um novo impulso criminoso, já não poderão os atos subsequentes a esta rutura temporal ser agregados no primeiro crime, autonomizando-se do mesmo. (…). Em relação à pluralidade de ações que se prolongam no tempo deverá ressaltar-se que a prática de vários abusos sexuais de forma essencialmente homogénea, no mesmo contexto situacional, no quadro de uma mesma solicitação exterior, nunca poderá constituir um crime continuado, por tal ser vedado por lei (art. 30º, nº3 do CP). Em regra, existirá uma renovação das resoluções criminosas quando os abusos ocorrerem em momentos temporais distintos.”. Considera, ainda, que os casos que poderão configurar uma única resolução criminosa “serão casos excecionalíssimos e residuais a que alguma jurisprudência tem apelado nos casos de impossibilidade de definição, de forma circunstanciada, de cada abuso sexual.”.
Certo é que o Supremo Tribunal de Justiça publicou já um conjunto significativo de arestos que cristalizam o entendimento da mais recente jurisprudência – que acompanhamos – a qual vai no sentido de que, nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, não têm cabimento categorias doutrinárias como o denominado crime prolongado, crime exaurido ou crime de trato sucessivo, figuras nas quais se convenciona (ficciona) que há só um crime, apesar de se desdobrar em várias condutas que, cada uma, em si mesma, isoladamente preenche todos os elementos constitutivos da infração.
Afigura-se-nos, assim, que estamos perante diversas resoluções criminosas por parte do arguido relativamente a cada uma das situações em causa (a cada um dos actos descritos na acusação consubstanciadores dos crimes de abuso sexual de crianças, importunação sexual e pornografia de menores, este último da previsão do artigo 176º, nº1, al. b) do CP), sendo estes actos passíveis de diferentes juízos de censura jurídico-penal por afectarem de forma autónoma, em cada um dos momentos em que sucederam, o bem jurídico que a norma visa proteger.
Doutra banda e quanto ao concurso efectivo ou aparente entre os crimes de abuso sexual de crianças, pornografia de menores e importunação sexual, concorda-se igualmente com a imputação efectuada na acusação pública, de concurso real ou efectivo entre os referidos tipos legais.
Já quanto aos cento e oito crimes de detenção de pornografia de menores, subsumíveis ao tipo legal do artigo 176º, nº5 do CP, apesar do número (108) de ficheiros contendo pornografia de menores que foram apreendidos na posse do arguido, entendemos que esta sua conduta configura um único crime.
Com efeito, escreve, a propósito, Mouraz Lopes “No que concerne às condutas descritas nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 176º do CP existe uma violação directa do bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual, o que implica que por cada menor utilizado ou aliciado para efeitos de espectáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas se consuma um crime. Assim, o número de crimes coincide com o número de vítimas usadas ou aliciadas. Por seu turno, as alíneas c) e d) do nº1, os nºs 4, 5 e 6 do art. 176º do CP reconduzem a atuação ilícita à produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição, cedência, aquisição, detenção, acesso, obtenção e facilitação de acesso aos materiais pornográficos. A utilização no plural (materiais), aliado ao facto de que estas atividades são uma forma de tutela indireta da liberdade e autodeterminação sexual, determinam que se conclua que o número de materiais pornográficos em causa releva para a escolha e medida da pena, mas não para a individualização de crimes consumados. Assim, existirá um só crime, independentemente do número de fotografias, filmes ou gravações. Não obstante, está sempre presente no crime de pornografia de menores uma tutela da imagem do menor, que se vê gravemente afetada, atento o elevado grau de disseminação e a quase impossibilidade prática de apagar totalmente o “rasto” digital na internet e, principalmente, .... Bem como o objectivo de reduzir o “consumo” de pornografia infantil, já que propicia uma crescente procura de imagens e filmes de pornografia infantil, de diversa índole. Em suma, não existe uma coincidência absoluta na tutela de bem jurídico, com os crimes de abusos sexuais dos arts. 171º, e 172º, atos sexuais com adolescentes do art. 173º, recurso à prostituição do art. 174º ou lenocínio do art. 175º. Significa que estamos perante uma situação de concurso efetivo. (…).”.
Igual entendimento, quanto à detenção de diversos materiais pornográficos, encontra-se plasmado no acórdão do STJ de .../.../2017, assim sumariado: “A conduta do arguido que importou, partilhou e detinha com vista à partilha de 4349 ficheiros de conteúdo pornográfico de menores com idades inferiores a 16 e 14 anos de idade integra a prática pelo arguido de um único crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, als. c) e d) e art. 177.º, n.º 6 e 7, do CP, atenta a natureza do bem jurídico violado, na medida em que não é imediatamente a liberdade e autodeterminação sexual ou interesses exclusivamente pessoais que estão em causa na ilicitude em questão, mas um bem jurídico supra individual, de interesse público, de protecção e defesa da dignidade de menores, na produção de conteúdos pornográficos e divulgação ou circulação destes pela comunidade.”.
Temos, assim, que quanto aos factos relativos à detenção de material pornográfico (da previsão do artigo 176º, nº5 do CP) o aqui arguido cometeu um só crime e, quanto aos demais ilícitos imputados, cometeu tantos crimes consoante os actos praticados sobre cada uma das menores, em número que a seguir se indica por referência a cada uma das ofendidas.
Destarte, face aos considerandos expendidos e à factualidade provada, será o arguido AA condenado, em relação à ofendida BB:
- pela prática de 24 (vinte e quatro) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº3, al. b) do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados aos dias .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2020, 17 e .../.../2020, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021 e início de 2021. ;
- pela prática de 3 (três) crimes de importunação sexual agravados, p. e p. pelo artigo 170º, por referência ao artigo 177º, nº1, al. c), ambos do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados aos dias .../.../2021, .../.../2021 e .../.../2021;
- pela prática de 7 (sete) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº6 e 7, ambos do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados aos dias .../.../2019, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2020, .../.../2021, .../.../2021 e .../.../2021.
Relativamente à ofendida CC:
- pela prática de 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº3, al. b) do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados aos factos nºs (83./84.), (85.) e (86.) acima dados como provados;
- pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº7, ambos do CP, reportado ao facto nº (83./84.) acima dado como provado.
Relativamente à assistente DD:
- pela prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº3, al. b) do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados ao dia .../.../2019 e entre ... e inícios de 2021 ;
- pela prática de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº7, ambos do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados aos dias .../.../2019 e .../.../2019.
No que concerne à ofendida EE:
- pela prática de 6 (seis) crimes de importunação sexual agravados, p. e p. pelo artigo 170º, por referência ao artigo 177º, nº1, al. c), ambos do CP, correspondentes a tantos actos praticados pelo arguido sobre esta ofendida e reportados aos dias .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021, .../.../2021 e .../.../2021;
- pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº6, ambos do CP, reportado aos factos provados supra descritos em 113., 114. e 115.
(…)”.
D) Fundamentação da medida concreta das penas
“(…).
III. 5. 1. Da escolha e da medida concreta das penas:
A compreensão dos fundamentos, do sentido e dos limites das penas deve partir duma concepção de prevenção geral de integração (a pena só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos – artigo 40º, nº 1, do CP –, visando uma estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada e em que a intimidação só actua dentro do campo marcado por certas orientações culturais, por modelos ético-sociais de comportamento que a pena visa reforçar), ligada institucionalmente a uma pena da culpa (a pena deve supor sempre e sem alternativa um elemento ético de censura pessoal do facto ao seu agente, por exigência constitucional de respeito da dignidade da pessoa humana, revelando a personalidade do agente para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico perpetrado; a culpa constitui ainda o limite inultrapassável da pena – artigo 40º, nº 2, do CP, a ser executada com um sentido predominante de (re)socialização do delinquente (trata-se de oferecer ou de proporcionar ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o ordenamento jurídico-penal – artigo 40º, nº 1 do CP).
Traçadas as coordenadas básicas do sistema penal português no que às reacções criminais concerne, importa agora proceder à determinação da natureza e medida das sanções a aplicar, tendo em conta o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal.
- A moldura penal abstracta de cada um dos crimes de abuso sexual de crianças praticados pelo arguido é a de prisão até 3 anos – artigo 171º, nº3, al. b) do CP;
- A moldura penal abstracta de cada um dos crimes de importunação sexual praticados pelo arguido é a de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias – artigo 170º do CP; sendo que no caso dos autos a pena é agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo atenta a particular vulnerabilidade das vítimas em razão da idade (artigo 177º, nº1. al. c) do CP). Assim sendo, a moldura penal abstracta passa a ser de 40 dias (limite mínimo) a 1 ano e 4 meses de prisão (limite máximo) e 13 dias (limite mínimo) a 160 dias (limite máximo) de multa.
- A moldura penal abstracta de cada um dos crimes de pornografia de menores praticados pelo arguido é a de prisão de 1 a 5 anos – artigo 176º, nº1, al. b) do CP; sendo que no caso dos autos a pena é agravada de metade nos seus limites mínimo e máximo quanto aos factos praticados sobre as vítimas menores de 14 anos – o que configura um limite mínimo de 1 ano e 6 meses de prisão e um limite máximo de 7 anos e 6 meses prisão - e agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo quanto aos factos praticados sobre as vítimas menores de 16 anos (artigo 177º, nºs. 6 e 7 do CP) - o que configura um limite mínimo de 1 ano e 4 meses de prisão e um limite máximo de 6 anos e 8 meses prisão.
- A moldura penal abstracta do crime de pornografia de menores praticado pelo arguido é a de prisão até 2 anos – artigo 176º, nº5 do CP.
Indicadas as molduras penais abstractas dos crimes em presença, cabe agora fixar a medida concreta das penas de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 71º do CP.
O critério e as circunstâncias enunciadas no artigo 71º do CP são contributo, quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente.
As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada. Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.
Desta forma e analisando as circunstâncias previstas artigo 71º do CP (gravidade do ilícito, culpabilidade, personalidade do arguido e condutas do mesmo anterior e posterior aos factos) que militam contra e a favor do arguido, é de assinalar, em seu desabono:
- o dolo, que é de considerar intenso, pois existiu na modalidade de dolo directo, revelando o arguido forte resolução criminosa em todas as situações descritas;
- a ilicitude dos factos, a situar-se também num plano elevado, consideradas as concretas condutas praticadas pelo arguido e a forma ardilosa como ludibriou as quatro menores para assim conseguir que as mesmas interagirem consigo nas redes sociais, quer através de conversas, quer através do envio de fotos e vídeos, em qualquer dos casos de conteúdo fortemente pornográfico;
- o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, igualmente elevado, pois que se tratava dum homem adulto de 35 anos de idade a actuar sobre crianças muito novas, (à data, com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos de idade) e, por isso, altamente influenciáveis e impressionáveis, o que as tornava “presas fáceis” das investidas do mesmo;
- o período de tempo, também significativo (desde ... até ...), em que perdurou a conduta delituosa do arguido, em especial no que toca à menor BB, atento o elevado número de episódios ocorridos com esta ofendida;
- o facto de se tratar de situações que deixam sempre sequelas nas vítimas ao nível emocional e psicológico, como se demonstrou no caso concreto: a actuação do arguido levou a que as menores BB, DD e CC tivessem necessidade de recorrer a ajuda especializada (psiquiátrica no caso da menor BB e psicológica no caso das menores CC e DD) para tentarem ultrapassar o trauma , sendo que no caso da menor BB a gravidade da situação foi ao ponto de a mesma ter ideações suicidas ;
- o elevado número (108) de ficheiros contendo pornografia de menores que foram apreendidos na posse do arguido;
- as elevadíssimas exigências de prevenção geral, quer na sua vertente positiva, quer na sua vertente negativa, considerando os factos em causa, que mexem com a própria intimidade das pessoas, e as especiais vítimas (crianças) deste tipo de crimes, existindo um sentimento generalizado na comunidade de grande alarme social e de repugnância pelos indivíduos que cometem este tipo de actos;
- quanto à personalidade do arguido AA, os factos cometidos denotam uma personalidade altamente desvaliosa, mal formada e distanciada do dever ser jurídico-penal.
A este nível, destaca-se, ainda, a circunstância de apenas ter admitido os factos já após a produção de toda a prova e, ainda assim, sem revelar qualquer juízo crítico acerca da sua conduta. Com efeito, e tal como fez verter na contestação que deduziu, tentou “justificar” os seus actos com a sua alegada situação de doença e de isolamento social em que se encontraria na altura, para além de imputar às ora ofendidas a responsabilidade por não terem cessado as conversações que com ele mantiveram, não o terem bloqueado nas redes sociais e não o terem denunciado às autoridades (!).
Mais ainda: contra a prova “esmagadora” e irrefutável contida nos autos , afirmou reiteradamente que foram as ofendidas quem lhe enviaram, por livre iniciativa, as fotos e vídeos de teor sexual e que não pretendia manter com elas qualquer tipo de interacção sexual, mas apenas sentir-se “querido” e “desejado”. Daqui se extraem sinais muito preocupantes da total ausência de auto crítica por parte do arguido quanto à consciência do desvalor deste tipo de condutas a apontarem para um risco muito elevado de reincidência.
A acrescer a tudo isto, releva a circunstância de, até à data, o arguido não ter procurado qualquer tipo de ajuda médica, psicológica ou psiquiátrica para esta sua compulsão sexual.
Em abono do arguido e ao nível da prevenção especial, releva a circunstância de não apresentar antecedentes criminais nem registar condenações posteriores aos factos ajuizados.
Também no que concerne às suas condições pessoais, plasmadas no respectivo relatório social junto aos autos, é de realçar, a favor do arguido, a sua inserção laboral (em Outubro de 2022 celebrou contrato de trabalho como operador dum posto de combustíveis, passando a trabalhar em full time, sem quebra do vínculo contratual até ao presente), familiar e afectiva (vive com a mãe, doente com sintomatologia depressiva, sendo o arguido a tratar das questões domésticas, tendo estabelecido relação de namoro há cerca de um ano, o que estará a contribuir para uma maior estabilidade emocional) e social (prossegue um quotidiano estruturado em função da atividade laboral e das responsabilidades domésticas, ocupando o tempo livre que lhe resta com a namorada e em contextos sociais com os amigos).
Ora, tendo em conta todo o circunstancionalismo que rodeou a prática dos factos em questão nos autos, analisado no seu conjunto e já acima evidenciado, bem como as elevadíssimas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, também atrás destacadas, afigura-se-nos ser de afastar a aplicação de pena de multa para cada um dos crimes de importunação sexual em causa, já que a aplicação deste tipo de penas não seria suficiente para evitar a prática de novos ilícitos penais por parte do arguido nem para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Neste conspecto, tendo presente a moldura penal abstracta dos crimes em presença e ponderando todos factores que militam a favor e contra o arguido, acima assinalados, afigura-se-nos ajustado fixar as seguintes penas parcelares:
- 7 (sete) meses de prisão por cada um dos crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº3, al. b) do CP ;
- 5 (cinco) meses de prisão por cada um dos crimes de importunação sexual agravados, p. e p. pelo artigo 170º, por referência ao artigo 177º, nº1, al. c) do CP ;
- 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão por cada um dos crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº7 do CP ;
- 2 (dois) anos de prisão por cada um dos crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo artigo 176º, nº1, al. b), por referência ao artigo 177º, nº6 do CP ;
- 1 (um) ano de prisão pelo crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº5 do CP.
Os crimes que o arguido AA cometeu encontram-se numa relação de concurso real e efectivo de infracções. Sobre esta matéria rege o artigo 77º, nº1 do Código Penal, nos termos do qual “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”.
De acordo com o disposto no nº2 do citado artigo 77º do CP, a moldura penal do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas em concurso (a mais alta das penas parcelares) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Assim, é a seguinte a moldura do concurso de crimes: limite mínimo: 2 anos e 5 meses de prisão; limite máximo: 25 anos de prisão.
Nos termos do artigo 77º, nº1 do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena única deverá ter em consideração, de forma conjugada, os factos apreciados e a personalidade do agente.
Nesta matéria, como explicita Figueiredo Dias , “Tudo deve passar-se […] como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Com efeito, “Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.”.
Desta forma, do que se trata agora é de ver os factos concorrentes no seu conjunto e detectar a possível conexão e o tipo de conexão que os liga, tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido por forma a possibilitar uma avaliação da gravidade do ilícito global perpetrado e a “culpa pelos factos em relação”.
No caso concreto está em causa a aplicação ao arguido AA duma pena única correspondente à prática de diversos crimes de abuso sexual de crianças, importunação sexual e pornografia de menores.
Conforme acima visto, a gravidade dos ilícitos perpetrados pelo arguido, plasmada no grau de ilicitude dos factos e no modo de execução destes é muito elevada. Os bens ou valores jurídicos lesados são comunitariamente muito relevantes, a que acresce o enorme alarme social e o sentimento de insegurança associado a este tipo de crimes. No que respeita à culpabilidade do arguido, importa reiterar a intensidade do dolo com que actuou, sendo que a censurabilidade da conduta do arguido já foi acima suficientemente salientada.
A favor do arguido AA milita a circunstância de contar com bom comportamento anterior e posterior aos factos e encontrar-se bem inserido familiar, social e laboralmente.
Nessa medida e sopesando todas estas circunstâncias, considera-se ajustada a condenação do arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
(…)”.
*
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:
- A incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos;
- A incorrecta determinação da medida concreta da pena única de prisão;
- A de saber se pode e deve ser substituída a pena de prisão.
Na resposta ao recurso, veio a Digna Magistrada do Ministério Público alertar para a circunstância de existir um manifesto lapso de escrita no Dispositivo do acórdão recorrido, no segmento onde condena o arguido pela prática de vinte e nove crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1, b), do C. Penal, decorrendo da globalidade da decisão que a norma em causa é a do art. 171º, nº 3, b), do C. Penal.
Vejamos.
Dispõe a alínea b) do nº 1 do art. 380º do C. Processo Penal que o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando esta contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. Por sua vez, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que, se a sentença já tiver subido em recurso, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
Na acusação (referência ...) os crimes de abuso sexual de crianças imputados ao arguido mostram-se qualificados pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal.
No Relatório do acórdão recorrido são referidos tais crimes como sendo p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal.
Na fundamentação de direito, no segmento relativo à qualificação jurídico-penal dos factos, o tribunal colectivo discorreu especificamente sobre as condutas típicas previstas na alínea b) do nº 3 do art. 171º do C. Penal, no segmento relativo à unidade/pluralidade de infracções, o tribunal colectivo concluiu ter o arguido praticado 29 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal, e no segmento da determinação da medida da pena o tribunal colectivo identificou a moldura penal abstracta da pena para cada um dos crimes de abuso sexual de crianças como sendo a prevista no art. 171º, nº 3, b), do C. Penal. A tudo isto acresce a circunstância de o nº 1 do artigo em referência não ter alíneas.
Resta, pois, concluir pela manifesta existência de um lapso de escrita no Dispositivo do acórdão recorrido, cuja correcção não importa modificação, e muito menos, essencial, do decidido.
Assim, procedendo à eliminação do identificado lapso, onde em I – c) do Dispositivo do acórdão recorrido se lê, «Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos (29) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;», deverá ler-se, «Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de cada um dos (29) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, al. b) do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;».
Após baixa dos autos, a 1ª instância diligenciará pela realização do averbamento devido, no lugar respectivo.
*
1. Alega o arguido – conclusões D e F a K – que não questiona a factualidade dada como provada, até porque a confessou integralmente, mostrando arrependimento e vergonha, mas que não pode concordar com a sua condenação pela prática de vinte e nove crimes de abuso sexual de crianças, pois, não negando ter proferido às ofendidas expressões grosseiras e degradantes, não aceita a presunção de que o tenha feito com o intuito de satisfazer os seus interesses libidinosos pois não existe perícia feita nos autos que o ateste, como também não aceita que tais expressões comportem uma conotação sexual suficientemente danosa e condicionante da liberdade e autonomia sexual daquelas, capazes de obstarem ao livre desenvolvimento da sua autodeterminação sexual, pelo que, deverá ser absolvido da prática de dezassete crimes, a que correspondem os pontos 12-15, 17, 23, 24-26, 40, 46, 47-48, 53, 55, 62 e 72 dos factos provados.
E, continua o arguido – conclusões L a O –, já numa distinta perspectiva, no que respeita à sua condenação por nove crimes de pornografia de menores agravado, devem os mesmos ser convolados para três crimes, um por cada ofendida, dada a sua natureza de crimes de trato sucessivo, a que corresponde um único facto criminoso, sob a mesma unidade resolutiva que abarcou os vários actos idênticos praticados ao longo do tempo, pelo que se impõe a sua absolvição relativamente a seis dos crimes.
Vejamos.
a. O arguido foi condenado nos autos pela prática, em autoria material, de vinte e nove crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. art. 171º, nº 3, b) do C. Penal [após eliminação do lapso de escrita verificado, nos termos sobreditos], tendo vinte e quatro, por ofendida, BB [nascida a ... de ... de 2007], três, a ofendida CC [nascida a ... de ... de 2008] e dois, a ofendida DD [nascida a ... de ... de 2008].
Dispõe este artigo, número e alínea que, quem actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos, é punido com pena de prisão até três anos.
O crime de abuso sexual de crianças tutela o bem jurídico liberdade de autodeterminação sexual da criança [entendida como o menor de 14 anos de idade], com referência ao livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, Coimbra Editora, págs. 711 e seguintes e 834 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª Edição Actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 683).
Trata-se de um crime comum e de perigo abstracto que, na modalidade de que cuidamos, tem como elementos constitutivos do respectivo tipo (art. 171º, nº 3, b) do C. Penal):
[Tipo de ilícito objectivo]
- A acção típica, i.e., que o agente actue sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
[Tipo de ilícito subjectivo]
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal;
[Tipo de culpa]
- A realização do facto típico com culpa dolosa enquanto atitude contrária ou indiferente à violação do bem jurídico, pressuposta a consciência da ilicitude da conduta.
O completo entendimento do tipo de ilícito objectivo, sem prejuízo da brevidade imposta, recomenda duas explicações.
Em primeiro lugar, actuar sobre o menor não exige o contacto físico entre o agente e a vítima. O sentido da norma é o de que o agente actua sobre o menor quando satisfaz ou tenta satisfazer, com ele ou por intermédio dele, através de processos de características sexuais, interesses ou impulsos de relevo, tenham ou não, natureza sexual (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, págs. 839-840).
Em segundo lugar, a lei não define o conceito de instrumento [conversa, escrito, espectáculo ou objecto] pornográfico, apresentando a doutrina algumas variações. Assim, para Figueiredo Dias (op. cit., pág. 838), terá tal qualidade o instrumento que seja idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, violando por isso os limites exigidos por um desenvolvimento livre e sem entraves da personalidade do menor na esfera sexual. Já Paulo Pinto de Albuquerque (op. cit., pág. 685) qualifica como pornográficos, a conversa, o escrito, o espectáculo ou o instrumento que representem uma ou mais pessoas em comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou os órgãos sexuais de uma pessoa para fins predominantemente sexuais. Para Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro (Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, 4ª Edição, 2023, Almedina, pág. 197 e seguintes) são instrumentos pornográficos os que são capazes de provocar excitação sexual a terceiros e (…) idóneos a produzir dano no desenvolvimento fisiológico ou psicológico de pessoas imaturas.
Tendo-se por seguro que, neste âmbito, não devem estar em causa princípios ou referências da moral social, mas a protecção do bem jurídico que a norma justifica – a liberdade de autodeterminação sexual da criança – deverá ser considerado pornográfico todo o instrumento que represente comportamentos sexuais explícitos e a exibição ou representação de órgãos sexuais, para fins predominantemente sexuais, objectivamente adequados a provocarem a excitação sexual da criança, e cuja intensidade e baixeza sexual sejam aptos a fazer perigar o livre e são desenvolvimento da sua personalidade no campo sexual.
b. Não obstante a afirmação de que não pretende sindicar a matéria de facto dada como provada, certo é que dela discorda o arguido, designadamente, quanto a ter agido com o intuito de satisfazer os seus interesses libidinosos, dizendo que não aceita a presunção de que o tenha feito por tal motivo, quando nem sequer perícia que o demonstre, devendo por isso, com referências aos pontos 12-15, 17, 23, 24-26, 40, 46, 47-48, 53, 55, 62 e 72 dos factos provados, ser absolvido da prática de dezassete crimes de abuso sexual de crianças.
Cumpre, antes de mais, referir que o arguido incorreu em lapso quando incluiu nos dezassete crimes de abuso sexual de crianças de cuja prática entende dever ser absolvido, o que tem por suporte factual o ponto 72 dos factos provados do acórdão recorrido [No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido escreveu as seguintes expressões «diz que mamas», «e que me chupas todo»], pois que, tendo a ofendida BB nascido a ... de ... de 2007 [ponto 1 dos factos provados], na data dos factos já havia completado 14 anos de idade e por isso, coerentemente, o tribunal a quo qualificou tal factualidade como a prática de um crime de importunação sexual agravado, p. e p. pelos arts. 170º e 177º, nº 1, c), ambos do C. Penal.
Quanto ao mais.
i) Diz o arguido – ponto 17º do corpo da motivação – que o tribunal a quo não logrou provar que, ao dirigir às ofendidas as expressões de cariz sexual que constam dos factos provados, estava a satisfazer os seus interesses libidinosos, fazendo constar da conclusão I que não pode aceitar a presunção de que tenha assim actuado com o propósito de satisfazer aqueles seus interesses, porque não existe perícia nos autos que sustente o facto.
Com ressalva do respeito devido, não se compreende a afirmação, que, em todo o caso, carece de fundamento. Explicando.
Do despacho de acusação de ... de ... de 2023, na parte em que agora releva, os artigos 118 a 121 têm a seguinte redacção:
- [118] Com o objetivo de satisfazer os seus institutos lascivos, o arguido criou um perfil falso de ..., no qual se apresentava como sendo um rapaz adolescente, através do qual iniciava e mantinha conversações com adolescentes, estando ciente que se tratavam de menores de idade, porque as mesmas sempre lhe referiram a sua idade;
- [119] O arguido atuou assim com o intuito de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, fazendo-as crer que ele próprio era um adolescente, tal como se apresentava nas suas fotografias de perfil, para que interagissem com ele;
- [120] e mantendo conversações de cariz sexual com as menores de idade, dizendo-lhes que pretendia ter relações sexuais com aquelas, e remetendo-lhes ficheiros contendo a fotografia do seu órgão genital bem como cenas em que se masturbava;
- [121] Atuava desta forma para assim persuadir as menores a facultarem-lhe fotografias completamente nuas, especialmente da zona dos seios e da vagina, e a enviarem-lhe os respetivos ficheiros, através do ... ou do ..., para satisfazer os seus instintos libidinosos.
Esta factualidade passou, ipsis verbis, para os pontos 118 a 121 dos factos provados.
Reportando-se a factos subjectivos, portanto, a factos da vida interior do agente, mais concretamente, ao dolo e ao móbil do crime, não sendo os mesmos directamente apreensíveis pelos sentidos de terceiros, a sua evidenciação probatória, sobretudo quando não exista confissão, não podendo ser feita através de meios de prova directa, v.g., prova testemunhal, sê-lo-á por inferência ou prova indirecta, isto é, através da conjugação da prova de factos objectivos, em especial, dos que integram o tipo de ilícito objectivo, com as regras da normalidade e da experiência comum.
Resulta com clareza da leitura da motivação de facto do acórdão recorrido, que os Mmos. Juízes que integraram o tribunal colectivo formaram a sua convicção quanto aos questionados factos, respeitando o padrão acabado de definir ou seja, fixados os factos objectivos provados – as conversas e os escritos com os conteúdos apurados, com base na confissão, na prova por declarações e na prova documental produzidas –, da sua conjugação com as regras da experiência e da normalidade, inferiram a prova dos factos subjectivos.
Trata-se, portanto, do simples funcionamento da prova indirecta, indiciária ou por presunções portanto, da prova que se refere a factos distintos do tema da prova os quais, de acordo e conjugadamente com as regras da lógica e da experiência, permitem inferir aqueles outros (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição Revista e Actualizada, 2002, Editorial Verbo, pág. 100). Dito de outro modo, é a prova de um facto, através da prova de outro ou de outros factos com aquele logicamente relacionados, segundo critérios de experiência, e não contraditados por outras provas, de modo que a prova deste ou destes factos determina a prova daquele outro (Climent Durán, La Prueba Penal, Tomo I, 2ª Edición, 2005, Tirant Lo Blanch, pág. 869).
Ora, sendo o arguido um adulto de 35/36 anos que actuou junto de menores de 11/13 anos [ofendida BB] e de 10/11 anos [ofendidas CC e DD], mediante, como se provou, expressões, conversas, fotografias e vídeos de cunho, expressivo e fotograficamente, sexual, e para fins exclusivamente sexuais, como nos parece óbvio, deste modo, e por um lado, se afasta, sob pena de erro notório na apreciação da prova, como móbil, a realização de fins científicos, académicos, didácticos ou lúdicos, e por outro, se considera lógica, razoável e observadora das regras da normalidade, a inferência de que, ao agir como agiu, pretendeu o arguido satisfazer o seu desejo sexual e portanto, os seus interesses libidinosos.
Do que fica dito resulta a falta de fundamento da, pelo arguido pretendida, prova pericial, para a demonstração de ter actuado com o propósito de satisfazer a sua líbido.
Com efeito, atento o circunstancialismo factual que integra o objecto dos autos, dado como provado no acórdão recorrido, numa envolvência de crimes sexuais, não se descortina a necessidade de prova pericial, a qual, como é sabido, tem lugar quando percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (art. 151º do C. Processo Penal), para ‘certificar’ que a motivação da conduta foi a satisfação dos interesses libidinosos do arguido.
Acresce que este, não tendo suscitado a questão na contestação apresentada, embora alegue em sede de recurso – 18º e 19º do corpo da motivação – que, dada a natureza dos crimes em causa, competia ao tribunal ter ordenado a realização de perícia psicológica/psiquiátrica para aferir se padece de alguma perversão ou parafilia traduzida numa atracção erótica, compulsiva e exclusiva, por crianças, logo, e de forma contraditória, afirma – 20º do corpo da motivação – que não se inclui no conceito de pedófilo.
Ora, se o próprio arguido entende que não se inclui no conceito de pedófilo e por isso, que não padece qualquer perversão ou parafilia, envolvendo atracção erótica por crianças, não se vê como possa considerar imprescindível a pretendida prova pericial.
ii) Diz o arguido – 23º e 24º do corpo da motivação – que as expressões que constam dos pontos 12-15, 17, 23, 24-26, 40, 46, 47-48, 53, 55 e 62 dos factos provados, sendo, embora, grosseiras, não são susceptíveis de satisfazer qualquer interesse de relevo ou de prejudicar o livre desenvolvimento das menores, o que impõe a sua absolvição quanto a dezasseis crimes de abuso sexual de crianças [e não, dezassete crimes, pois, como já dito, o ponto 72, igualmente indicado, reporta-se a crime diferente].
Os pontos de facto provados em causa, todos relativos à ofendida BB, têm a seguinte redacção:
- [12] No dia ... de ... de 2019, AA, em conversa no ... com BB, referiu «quero te foder», tendo BB referido, num tom jocoso, que iam combinar um dia; [13] No decurso da conversa, AA referiu ainda «quero te ir ao…Cuuuu», «quero foder ctg», «tenho mesmo vontade», [14] tendo BB retorquido que ele o devia fazer com a almofada;
- [15] Ainda no seguimento desta conversa, o arguido afirmou que tirava a virgindade a BB;
- [17] No dia ... de ... de 2019, durante uma conversa por ..., o arguido refere que “comia” a vítima, bem como tinha vontade de «pinar» com BB;
- [23] A ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA enviou a BB uma mensagem onde dizia «faz-me um bico» e «dps fodemos», acrescentando ainda «eu Quero Te Foder»;
- [24] No dia ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., AA escreve a BB dizendo que dormiria melhor dentro da ofendida e proferindo a seguinte expressão: «abre que eu fodo te toda»; [25] Referiu ainda que gostaria que BB se deitasse ao seu lado, que deixasse passar as mãos pelo seu corpo e beijar o seu pescoço, o peito e a barriga; [26] Que o deixasse deitar em cima dela e enfiar devagarinho;
- [40] No dia ... de ... de 2020 o arguido pede que BB lhe faça «um bico»;
- [46] No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., AA enviou para BB uma mensagem onde dizia «pinava-te toda»;
- [47] No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido escreve para BB «sexo», «tu e eu»; [48] Ainda no mesmo dia, no seguimento duma conversa sobre o quarto do arguido e o seu nível de desarrumação, BB comentou que não queria entrar dentro do quarto do arguido, o que aquele retorquiu: «mas eu quero entrar dentro de ti»;
- [53] No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido enviou uma mensagem referindo «quero pinar» e «anda»;
- [55] No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido envia uma mensagem a BB a dizer que sonhou com ela e que o sonho era sobre «sexo»;
- [62] No dia ... de ... de 2021, através da aplicação ..., o arguido escreve que quer fazer amor com BB.
Como nota prévia, cumpre dizer que, respeitado na transcrição, o agrupamento factual efectuado pelo arguido, verificamos a existência de dez distintas condutas [aqui se não incluindo a referente ao ponto 72 dos factos provados, pelas razões já referidas], não se percebendo, pois, a razão de o recorrente pretender a absolvição de dezasseis crimes [não se inclui, conforme dito, o referente ao ponto 72].
Comum à generalidade destas condutas, ocorridas entre ... e ..., é a utilização pelo arguido, nas expressões dirigidas à ofendida, na maioria dos casos, de calão, e com referência a relações sexuais [vaginais, anais e orais].
As expressões utilizadas denotam, como reconhece o arguido, um claro desfasamento das regras da convivência em sociedade e um vocabulário grosseiro.
Quanto à susceptibilidade de satisfazerem, ou não, o interesses libidinosos do arguido, nada mais há a acrescentar, para além do que se deixou dito em i) que antecede, para onde remetemos, a fim de evitar desnecessárias repetições.
Para além disto, as expressões em causa, supra reproduzidas, referidas sempre a relações sexuais, as mais das vezes, nomeadas e narradas em termos descritivamente intensos e baixos, dirigidas a uma menor de 12/13 anos, por um homem adulto de 34/35 anos, idade que àquela escondeu [pontos 45 e 69 dos factos provados], são idóneas, por um lado, a causar excitação sexual na ofendida e, por outro, a colocar em perigo o livre e são desenvolvimento da sua personalidade no campo sexual, devendo, por isso, ser qualificadas como conversas e escritos pornográficos.
Só assim não acontece relativamente ao ponto 28 dos factos provados [No dia ... de ... de 2020, durante uma conversa por ..., BB questiona AA quanto à data em que aquele faz anos, respondendo aquele que é a ... e acrescentando que vai comemorar, naquela altura, os 16 anos de idade], uma vez que a conversa nele narrada não versa matéria de natureza sexual, sendo, pois, atípica, quando referida ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Processo Penal.
Contudo, resulta de fls. 47 do acórdão recorrido, integrada no título III.4. Da unidade/pluralidade de crimes, que a conduta levada ao ponto 28 dos factos provados, por referência à respectiva data de ocorrência, foi qualificada pela 1ª instância como crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal, praticados pelo arguido.
Embora o arguido não tenha sindicado a qualificação jurídica desta concreta conduta, a qualificação jurídica dos factos é matéria de conhecimento oficioso (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2009, processo nº 09P0097, in www.dgsi.pt).
Em suma, a considerada atipicidade da identificada conduta determina a necessária absolvição do arguido quanto a um crime de abuso sexual de crianças.
iii) Conforme já dito, o agrupamento factual cuja qualificação jurídica contesta o arguido, respeita a dez distintas condutas [e não a dezassete, como aquele pretende].
Embora não lhe assista razão em nenhuma das dez distintas condutas que identificou, uma conduta existe, não sindicada pelo arguido, que é atípica [a que respeita ao ponto 28 dos factos provados].
Em conclusão, deve o arguido ser absolvido da prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal [tendo por objecto a matéria do ponto 28 dos factos provados].
c. Relativamente aos crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, b) e 177º, nº 7, ambos do C. Penal, entende o arguido, como vimos já, que estando em causa um crime prolongado ou de trato sucessivo, em que existe unidade resolutiva, conexão temporal e o mesmo processo de motivação, quanto aos actos praticados relativamente a cada uma das três ofendidas, BB, DD e CC, só deve ser condenado pela prática de três crimes, um por cada ofendida, devendo ser absolvido da prática de seis.
Vejamos.
O arguido foi condenado nos autos pela prática, em autoria material, de onze crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, b) e 177º, nºs 6 e 7, ambos do C. Penal, sendo sete relativos à ofendida BB, um relativo à ofendida CC, dois relativos à ofendida DD e um relativo à ofendida EE.
O arguido só coloca a questão da unidade ou pluralidade de infracções quanto ao crime em causa, relativamente às condutas a que é aplicável a circunstância agravante prevista no nº 7 do art. 177º do C. Penal portanto, às condutas em que a vítima tem menos de 14 anos de idade.
Tendo a ofendida BB nascido a ... de ... de 2007, a circunstância agravante só é aplicável a seis dos crimes de que é vítima.
A ofendida DD nasceu a ... de ... de 2008 e a ofendida CC a ... de ... de 2008 pelo que, a circunstância agravante é aplicável a todos os crimes de que são vítimas.
A ofendida EE nasceu a ... de ... de 2006 pelo que, a circunstância agravante não é aplicável ao crime de é vítima.
Ficam, assim, determinados os nove crimes que o arguido pretende ver reduzidos a três.
Dispõe o art. 176º do C. Penal, com a epígrafe «Pornografia de menores», na parte em que agora releva:
1 – Quem:
(…);
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
(…);
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
(…).
O crime de pornografia de menores tutela – sem prejuízo de algumas reservas – o bem jurídico liberdade de autodeterminação sexual do menor de 18 anos de idade, com referência ao livre desenvolvimento da sua vida sexual, face a conteúdos pornográficos (Maria João Antunes e Cláudia Santos, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 880 e Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 701).
Trata-se de um crime comum e de perigo abstracto que, na modalidade de que cuidamos, tem como elementos constitutivos do respectivo tipo (art. 176º, nº 1, b) do C. Penal):
[Tipo de ilícito objectivo]
- A acção típica, i.e., que o agente utilize menor de 18 anos em fotografia, filme ou gravação pornográficos, ou o alicie para esse fim;
[Tipo de ilícito subjectivo]
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal;
[Tipo de culpa]
- A realização do facto típico com culpa dolosa enquanto atitude contrária ou indiferente à violação do bem jurídico, pressuposta a consciência da ilicitude da conduta.
A utilização do menor significa determiná-lo a participar como modelo ou actor, em fotografia, filme ou gravação pornográficos, participação que veio a ocorrer, enquanto, o aliciamento do menor, significa seduzi-lo, angariá-lo para esse fim, independentemente de vir a ocorrer o fim visado, ocorrendo aqui uma antecipação da tutela do bem jurídico (Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 701-702 e Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, op. cit., pág. 271).
À natureza pornográfica da fotografia, filme e gravação são aplicáveis as considerações feitas em a., que antecede, e aqui damos por reproduzidas, a fim de evitar desnecessárias repetições.
i) Não se suscitam dúvidas quanto a preencher a provada conduta do arguido os elementos constitutivos do tipo do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, b), do C. Penal, questionando aquele, apenas, o número de vezes em que esse preenchimento se verifica.
Colocada a questão nestes termos, ela subsiste apenas relativamente às condutas que têm por vítimas as ofendidas BB e DD pois, relativamente à ofendida CC, está apenas em causa uma conduta e um crime.
ii) No concurso de crimes podemos distinguir entre o concurso legal, aparente ou impuro e o concurso efectivo, verdadeiro ou puro. No primeiro, embora a conduta do agente preencha, formalmente, vários tipos, substancialmente, ela é esgotada pela aplicação de um só deles, ficando os demais arredados, pelo que, em rigor, o que existe é antes um concurso de normas, resolvido pelas relações que entre elas se estabelecem, sejam de especialidade, de consunção ou de subsidiariedade. No segundo, as diversas normas abstractamente preenchidas e, por isso, aplicáveis, concorrem, paralelamente, na aplicação ao caso concreto (sendo o agente punido nos termos prescritos no art. 77º, nºs 1 e 2 do C. Penal), podendo aqui distinguir-se entre concurso ideal, quando através de uma só conduta são preenchidos diversos tipos (concurso ideal heterogéneo), ou se preenche vária vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo), e concurso real, quando através de uma pluralidade de condutas é preenchida uma pluralidade de tipos.
Na questão invocada pelo arguido está apenas em causa a existência, ou não, de um concurso efectivo, verdadeiro ou puro.
Estabelece o nº 1 do art. 30º do C. Penal que, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente. Assim, quando o agente, com a sua conduta, preenche mais do que um tipo de crime, ou preenche o mesmo tipo de crime várias vezes, estamos perante um concurso de crimes.
Resulta evidente que a norma transcrita disciplina o concurso efectivo de crimes, equiparando o concurso ideal ao concurso real.
O arguido convoca a figura do crime prolongado, exaurido ou de trato sucessivo para suportar a sua pretensão.
O crime de trato sucessivo não é uma categoria legal, mas um conceito elaborado pela doutrina e pela jurisprudência, e de que esta lançou mão para, em casos de dificuldade de prova causadas pelo elevado número de condutas repetidas, designadamente, no âmbito de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, ficcionar a existência de um crime único, com culpa agravada pela reiteração (entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012, processo nº 862/11.6TAPFR.S1), ficção esta de algum modo suportada na posição de Eduardo Correia segundo a qual, existirá pluralidade de crimes quando o agente se tornou passível de vários juízos de censura da culpa e, portanto, quando ocorra uma pluralidade de resoluções do projecto criminoso, sendo, no entanto, esta pluralidade de resoluções de excluir, sempre que exista uma conexão temporal entre os vários momentos da conduta do agente, de tal modo que, de acordo com as regras da experiência psicológica, seja aceitável admitir que aquele executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação (Direito Criminal, II, Reimpressão, 1971, Almedina, págs. 200 e seguintes).
Sucede, porém, que é hoje jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal o afastamento da figura do crime de trato sucessivo no âmbito dos crimes sexuais (entre outros, acórdãos de 9 de Maio de 2024, processo nº 1392/22.6JACBR.C1.S1, de 11 de Maio de 2023, processo nº 334/21.0GBCTX.L1.S1, de 14 de Julho de 2022, processo nº 42/19.2JAPTM.E1.S1, de 24 de Março de 2022, processo nº 500/21.9PKLSB.L1.S1, de 23 de Novembro de 2022, processo nº 754/20.8JABRG.G1.S1, de 12 de Janeiro de 2022, processo nº 427/18.1JACBR.C1.S1, de 28 de Janeiro de 2021, processo nº 53/17.2JABRG.G1.S1, e de 1 de Outubro de 2020, processo nº 308/18.9GACVD.L1.S1).
Com efeito, a regra que resulta do nº 1 do art. 30º do C. Penal é a de que existem tantos crimes quantas as vezes que o mesmo tipo legal foi preenchido pela conduta do agente.
Ao tipo do crime de pornografia de menores em causa é alheio qualquer elemento de reiteração pelo que, é aplicável a regra geral prevista naquele nº 1, cometendo o arguido tantos crimes, repetidos, quantas as vezes que preencheu, objectiva e subjectivamente, a conduta típica ou seja, à pluralidade de actos corresponde a pluralidade de sentidos de ilicitude típica (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 988 e seguintes).
Aliás, a lei aponta, indirectamente, é certo, no sentido da inadmissibilidade da unificação da conduta através do crime de trato sucessivo. É que o nº 3 do art. 30º do C. Penal afasta a possibilidade de existir continuação criminosa relativamente aos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais – nos quais se incluem, necessariamente, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual –, quando o crime continuado – contrariamente ao crime de trato sucessivo –, tem um estatuto legal que se caracteriza, além do mais, por um abrandamento da moldura penal (art. 79º do C. Penal) pelo que, por maioria de razão, nenhum sentido faria a unificação de condutas relativamente às quais não se verificam os pressupostos da continuação criminosa.
Acresce, numa outra perspectiva, que, face à factualidade provada, não se vê que seja possível estabelecer qualquer conexão temporal relevante, no sentido supra exposto, quando as sete condutas relativas à ofendida BB tiveram lugar entre ... e ... e as duas condutas relativas à ofendida DD tiveram lugar em 17 e ... de ... de 2019.
iii) Em suma, pelas sobreditas razões, não merece censura a considerada pluralidade de infracções quanto aos crimes de pornografia de menores agravado, de que foram vítimas as ofendidas BB (sete crimes) e DD (dois crimes), fixada no acórdão recorrido que, por isso, deve ser mantida.
2. Alega o arguido – conclusões P a JJ – que, não obstante a gravidade dos crimes praticados, não tendo antecedentes criminais, estando inserido social e profissionalmente, tendo vivido desde o início da prática dos factos uma depressão intensa causadora de isolamento social e familiar que o levou a passar o tempo nas redes sociais, completamente desfasado da realidade, sendo um indivíduo carente e infantil que obteve das ofendidas a atenção que nunca teve de pessoas da sua faixa etária, o que o despertou para a prática dos crimes, nunca se tendo encontrado com as ofendidas, tendo um relacionamento afectivo há mais de um ano, e tendo apoio de amigos, a pena aplicada deve ser reduzida para pena não superior a 5 anos de prisão, e suspensa na respectiva execução com sujeição a regime de prova, que pode incluir o tratamento psicológico e/ou psiquiátrico considerado adequado, de modo a assegurar os fins de ressocialização, sendo certo que os tribunais superiores vêm aplicando esta pena de substituição em sede de crimes sexuais.
O arguido ocupa os pontos 35º a 69º do corpo da motivação com a questão da medida da pena. Aqui, invocou a confissão integral, o crescimento em família desestruturada, residindo apernas com a mãe que, desde 2014, se encontra reformada, sendo portadora de um quadro de sintomatologia depressiva que a leva a não conviver consigo, a depressão de que padece que se agravou severamente a partir de 2018, quando lhe foi diagnosticada tuberculose, determinante do seu acompanhamento em consultas de psiquiatria e de terapêutica medicamentosa, a circunstância de ter sido neste período temporal, em que passou longos períodos de isolamento, em casa, sob a referida depressão, que praticou os factos objecto dos autos, sendo este o factor que o levou a contactar as menores, e não, qualquer motivação de índole sexual, antes se tendo deixado levar pelo convívio estabelecido, assim incorrendo na prática de actos grosseiros e reprováveis, a que, contudo, foram alheios quaisquer motivos de ímpeto sexual, e a circunstância de nunca ter estado na presença das menores.
Seguidamente, discorrendo sobre as molduras penais aplicáveis aos crimes praticados, considerou que as finalidades da punição seriam asseguradas com a aplicação de pena de multa aos crimes de importunação sexual agravados, e considerou excessiva a pena de 7 meses de prisão aplicada por cada crime de abuso sexual de crianças [nada adiantando, quanto aos crimes de pornografia de menores agravado, dada a, com ressalva do respeito devido, equívoca alegação levada aos artigos 65º a 67º], e concluiu [artigos 68º e 69º] que a pena conjunta de 4 anos e 5 meses de prisão é desproporcional, face aos crimes em causa, devendo, por isso, ser reduzida [é manifesto o lapso quanto à pena única, pois a 1ª instância impôs a pena de 6 anos de prisão].
Já dissemos que o papel assinalado pelo nº 1 do art. 412º do C. Processo Penal às conclusões, impõe que entre elas e os fundamentos do recurso exista congruência, além do mais, no sentido de que as questões levadas ao corpo da motivação – enquanto fundamentos do recurso –, só possam ser conhecidas se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões, devendo, quando assim não aconteça, considerar-se que o recorrente restringiu, tacitamente, o objecto do recurso.
Embora o arguido tenha, no corpo da motivação, questionado o acerto da escolha da pena de prisão para sancionar os crimes de importunação sexual agravados, pretendendo que tal sancionamento deveria ter sido feito através da aplicação de pena de multa, e qualificado de excessiva a pena de 7 meses de prisão aplicada a cada crime de abuso sexual de crianças praticado, pretendendo, naturalmente, a redução destas penas, certo é que nas conclusões formuladas apenas questionou a adequação da pena única de 6 anos de prisão, pretendendo que a mesma seja fixada em quantum não superior a 5 anos de prisão.
Não existindo, pois, congruência, entre as conclusões formuladas e os fundamentos do recurso, quanto à questão da escolha da pena principal quanto aos crimes de importunação sexual agravados e quanto à medida da pena de prisão quanto aos crimes de abuso sexual de crianças, pelo que supra se deixou dito, haverá apenas que conhecer, nesta sede, da correcção ou não, da determinação da medida da pena única de prisão [sem prejuízo do que infra, sobre esta questão, brevemente se referirá].
Vejamos, então.
a. A discordância do arguido quanto à medida concreta da pena única de prisão – 6 anos – que lhe foi imposta pela 1ª instância, remete-nos para a problemática da determinação da pena no caso de concurso de crimes.
O art. 77º do C. Penal, com a epígrafe «Regras da punição do concurso», dispõe na 1ª parte do seu nº 1 que, [q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
É, assim, pressuposto da aplicação deste critério especial de determinação da medida da pena, que o agente tenha praticado uma pluralidade de crimes constitutiva de um concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, distinguindo este elemento temporal os casos de concurso, dos casos de reincidência.
Verificado este pressuposto, o agente é condenado numa pena única. Com efeito, estabelece o nº 2 do art. 77º do C. Penal que, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, assim afastando o sistema da acumulação material de penas, antes optando pela instituição de um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2013, Coimbra Editora, pág. 56 e seguintes).
O procedimento a observar na determinação da medida concreta da pena única a aplicar ao concurso de crimes integra diversos passos.
Em primeiro lugar, há que determinar a medida concreta da pena de cada crime que integra o concurso, de acordo com o critério geral previsto no art. 71º do C. Penal.
O segundo passo consiste na fixação da moldura penal do concurso, nos termos previstos no nº 2 do art.77º do C. Penal.
A terceira tarefa – que é a verdadeira operação de concretização da pena única – tem por objecto a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da respectiva moldura penal, em função dos critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do mesmo código, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A derradeira tarefa – eventual – traduz-se na substituição da pena conjunta por pena de substituição, de acordo com o critério geral de escolha da pena, previsto no art. 70º do C. Penal, quando disso seja caso.
A ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, enquanto factor preponderante deste critério especial de determinação da pena conjunta, aconselha uma sucinta explicação.
Assim, o conjunta dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante, para a sua fixação, a conexão existente entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá aferir se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. Neste âmbito é igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes). Na verdade, e como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Fevereiro de 2013 (processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt), «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».
Aqui chegados.
O arguido foi condenado pela 1ª instância em vinte e nove penas de 7 meses de prisão, pela prática de outros tantos crimes de abuso sexual de crianças, nove penas de 5 meses de prisão, pela prática de outros tantos crimes de importunação sexual, nove penas de 2 anos e 5 meses de prisão, pela prática de outros tantos crimes de pornografia de menores (arts. 176º, nº 1, b) e 177º, nº 7, ambos do C. Penal), duas penas de 2 anos de prisão, pela prática de outros tantos crimes de pornografia de menores (arts. 176º, nº 1, b) e 177º, nº 6, ambos do C. Penal) e uma pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de pornografia de menores (arts. 176º, nº 5 do C. Penal). A moldura penal abstracta decorrente desta condenação e aplicável ao concurso é, face ao disposto no art. 77º, nº 2 do C. Penal, a de 2 anos e 5 meses de prisão a 25 anos de prisão.
Não obstante a necessária absolvição do arguido quanto a um dos crimes de abuso sexual de crianças, pelas razões que, supra, se deixaram expostas, por força do disposto no art. 77º, nº 2 do C. Penal, a moldura penal abstracta aplicável ao concurso mantem-se inalterada, sendo, portanto, a de 2 anos e 5 meses de prisão a 25 anos de prisão.
b. Constituindo os factores enunciados no art. 71º do C. Penal, globalmente considerados, guia para a determinação da medida concreta da pena única, atentemos no que a 1ª instância relevou, nesta operação.
Como circunstâncias agravantes ponderou:
- A elevada ilicitude dos factos, quer pelo modo ardiloso como enganou as menores, quer pelo conteúdo fortemente pornográfico das suas acções, quer pelo tempo significativo da conduta, em especial, relativamente à ofendida BB, quer pelas consequências das suas acções a nível emocional e psicológico das ofendidas, que levaram a menor BB a procurar ajuda psiquiátrica e as menores CC e DD a procurar ajuda psicológica, para ultrapassarem o trauma e, quanto ao crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 5 do C. Penal, o relevante número (108) de ficheiros detidos;
- A elevada intensidade do dolo do arguido, que foi dolo directo, revelador de forte resolução criminosa;
- O elevado grau de violação dos deveres impostos ao arguido, sendo um adulto de 35 anos actuando sobre meninas com idades entre os 10 e os 14 anos, altamente influenciáveis e impressionáveis.
Como circunstâncias atenuantes, ponderou:
- A inexistência de antecedentes criminais;
- A inserção laboral, familiar, afectiva e social do arguido.
Ponderou ainda as muito elevadas exigências de prevenção geral, positiva e negativa por, face à natureza dos factos praticados, serem os mesmos causadores de sentimento comunitário de alarme social e de aversão pelos respectivos agentes.
Ponderou também denotar o arguido ser portador de uma personalidade mal formada, desvaliosa e arredada do direito que, não obstante a confissão feita, depois de produzida toda a prova, não revelou juízo crítico sobre a conduta praticada, que justificou pela doença e isolamento social, e desvalorizou, atribuindo responsabilidade às ofendidas ao não terem posto termo às conversações, e ao enviarem-lhe, por livre iniciativa, fotos e vídeos de teor sexual, tudo apontando para risco elevado de reincidência, até porque não procurou ajuda médica.
É entendimento do arguido que a 1ª instância não valorou, ou não valorou com a intensidade por si pretendida, algumas circunstâncias que, a tê-lo sido, poderiam diminuir o quantum da pena única decretada.
Vejamos.
A inexistência de antecedentes criminais foi relevada pelo tribunal a quo, como o foram também, a inserção laboral, familiar, afectiva e social do arguido, naturalmente, nos termos em que constam dos factos provados, portanto, uma inserção familiar marcada pela fragilidade psicológica da mãe, com quem vive, e consequente responsabilidade da organização da vida doméstica, uma inserção laboral pouco consistente, com uma trajectória precária e indiferenciada, que apenas ganhou alguma estabilidade a partir de Outubro de 2022, como operador de posto de combustíveis, um relacionamento de namoro com cerca de um ano, que tem contribuído para a sua estabilização emocional, e uma inserção social traduzida no convívio com amigos, elementos que lhe permitiram emergir do isolamento e clima depressivo causados pelo diagnóstico de tuberculose em 2018 e pelo desgaste e pelo desgaste provocado pela problemática situação familiar.
Também a confissão foi ponderada pelo tribunal a quo, se bem que, sem o relevo pretendido pelo arguido, mas por fundamentadas razões. Com efeito, podendo a confissão, sobretudo, quando integral e sem reservas, constituir um relevante indicador da intensidade das necessidades de prevenção, certo é que a produzida nos autos não teve aquelas duas características, quer porque, dado o momento em que foi produzida, pouco relevante foi, em termos de prova, quer porque, como se pode ler na motivação de facto do acórdão recorrido, os seus aspectos positivos foram quase que eliminados pela posição assumida pelo arguido no sentido de se auto-desculpabilizar, responsabilizando as próprias menores pela sua conduta.
Já quanto a ser o arguido um indivíduo carente e infantil que obteve das ofendidas a atenção que nunca teve de pessoas da sua faixa etária, são características pessoais e circunstância que, independentemente da sua relevância, não foram contempladas nos factos provados, sendo, por isso, inatendíveis nesta sede.
Não sendo procedentes as críticas feitas pelo arguido à ponderação das circunstâncias feita pela 1ª instância, não deixa a mesma de merecer alguns reparos.
Assim, em primeiro lugar, cumpre notar que estando em causa crimes de natureza sexual – abuso sexual de menores na modalidade de actuação sobre a vítima com instrumentos pornográficos, e pornografia de menores – o conteúdo pornográfico da acção já integra os tipos em causa.
Em segundo lugar, sabendo-se que este tipo de crimes é susceptível de causar nas vítimas [menores] danos emocionais e psicológicos, quando se provem, devem os mesmos ser levados aos factos provados, para efeitos de a sua maior ou menor gravidade poder relevar na determinação da medida concreta da pena, o que não aconteceu, pois não consta dos factos provados qualquer referência a danos e às condutas tomadas para os minimizar.
Em terceiro lugar, os crimes praticados pelo arguido que têm por vítimas as quatro menores foram todos agravados pela qualidade destas [enquanto menores] e por isso, altamente influenciáveis e impressionáveis, não se vendo, pois, que o arguido , enquanto agente dos crimes, tivesse violado, para além do bem jurídico por eles tutelado, qualquer dever que lhe fosse imposto pelo ordenamento jurídico, v.g., de ordem familiar ou relacionado com o exercício de determinada profissão (Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, Coimbra Editora, pág. 664).
Por último, relativamente às exigência de prevenção especial, ponderou o tribunal a quo o perigo de reincidência, convocando a circunstância de o arguido não ter procurado ajuda [psicológica e/ou psiquiátrica] para a sua compulsão sexual, quando também não consta dos factos provados qualquer referência a esta compulsão.
No mais, concordamos com o acórdão em crise quanto a ser elevada a intensidade do dolo com que o arguido actuou, quanto a serem muito elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que continuam a ser praticados crimes sexuais contra menores, e não serem de descurar, não obstante a inexistência de antecedentes criminais e a confissão, as exigências de prevenção especial, dada a natureza dos crimes praticados, o circunstancialismo da sua prática, a não assunção plena, pelo arguido, do desvalor das condutas por si actuadas, com o inerente risco da sua repetição, e os traços de personalidade deficientemente formada que o mesmo aparenta.
Na decorrência do que antecede, feita a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes e das exigências de prevenção, não obstante o que se deixou dito em 2., que antecede, quanto à imprescindível congruência entre as conclusões formuladas e os fundamentos do recurso [que retirou do âmbito deste, as questões da escolha da pena principal quanto aos crimes de importunação sexual agravados e da medida da pena de prisão quanto aos crimes de abuso sexual de crianças], sempre acrescentaremos não ser de censurar a opção feita pela 1ª instância pela pena privativa da liberdade para sancionar os crimes de importunação sexual e a fixação da pena de 7 meses de prisão para sancionar cada um dos crimes de abuso sexual de menores.
c. Atentando agora no critério previsto na segunda parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal, no que respeita à gravidade do ilícito global, considerando o que se deixou dito em b., que antecede, referido agora ao conjunto dos factos, porque estamos perante crimes de natureza sexual, qualificáveis por três distintas espécies, com maior frequência no crime de abuso sexual de menores, com identidade de execução – na qual merece destaque a circunstância de não ter existido contacto físico entre o arguido e as vítimas – e relativa proximidade temporal – ainda que, relativamente à ofendida BB, se anote uma interrupção na frequência verificada, no período de Abril de 2020 a Janeiro de 2021, quanto aos crimes de abuso sexual de menores e de pornografia de menores –, temos como evidente a estreita conexão entre todos os ilícitos típicos, apontando, no seu conjunto, para uma ilicitude global de grau médio.
Por outro lado, no que à personalidade unitária do arguido concerne, a duração das condutas repetidas, a pluralidade de ofendidas, o recurso ao engano e a não assunção pelo mesmo da integral responsabilidade dos actos por si praticados [procurando reparti-la com as ofendidas], conduz-nos a uma personalidade mal formada, pouco sensível aos valores tutelados pelas normas violadas e orientada para a satisfação dos interesses imediatos do próprio. Não nos parece, contudo, que possa desde já ter-se por segura a existência de uma carreira criminosa fundada nestes traços de personalidade.
Assim, pelo que fica dito, não deve o concurso de crimes funcionar como factor agravante, na determinação da pena conjunta.
Já sabemos que a moldura penal abstracta aplicável ao concurso de crimes é a de 2 anos e 5 meses de prisão a 25 anos de prisão.
Considerando a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do arguido nos exactos termos que se deixaram referidos, tendo em conta, designadamente, a inexistência de contacto físico entre o arguido e as menores, e a absolvição daquele, pela via do presente recurso, relativamente a um dos crimes de abuso sexual de crianças por cuja prática foi condenado nos autos, entendemos que a medida concreta da pena única de prisão pode admitir uma redução, ainda que ligeira, sem que dela resulte prejuízo para a adequada e suficiente realização das exigências de prevenção, afigurando-se-nos mais proporcionada ao caso concreto e plenamente suportada pela medida da culpa do arguido, a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
3. A pedra angular do recurso interposto pelo arguido – conclusões P, CC, DD, FF, GG, HH e JJ – é a redução da pena única de prisão imposta pela 1ª instância para medida não superior a 5 anos de prisão e a sua substituição pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, suportando a pretensão na sua inserção social, familiar e laboral, no seu relacionamento afectivo, no parecer dos serviços de reinserção social que considera existirem condições para a execução da pena em comunidade com acompanhamento, condições que permitem alcançar os fins das penas sem quebra do seu esforço reintegrativo, aceitando submeter-se a qualquer tratamento que venha a ser determinado.
Fixada a pena única de prisão, pela via do presente recurso, em 5 anos e 6 meses de prisão, frustrou-se a pretensão do arguido.
Com efeito, dispõe o art. 50º do C. Penal, no seu nº 1 que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
São, pois, dois, os pressupostos de cuja verificação, faz a lei depender a aplicação desta pena de substituição.
Um, de natureza formal, tem por objecto a medida concreta da pena principal a substituir, que não pode ser superior a cinco anos de prisão.
Outro, de natureza material, traduz-se na necessidade de formulação pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão darão adequada e suficiente realização às finalidades da punição. Sendo estas finalidades a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal), são as exigências de prevenção geral e especial o suporte desta pena de substituição.
Decretada, como dissemos, a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, inverificado se mostra o referido pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
Ainda que assim não fosse, tão-pouco haveria lugar à pretendida substituição da pena única de prisão.
É que, independentemente da verificação, ou não, também, do seu pressuposto material, não basta a formulação de um juízo de prognose favorável para que, sem mais, seja decretada a suspensão da execução da prisão. Na verdade, o juízo de prognose positivo tem por exclusivo fundamento considerações de prevenção especial de socialização, mas sucede que a lei, para além desta, exige que à suspensão da execução da prisão não se oponham as exigências de prevenção e reprovação do crime, portanto, as exigências de prevenção geral, pelo que, quando exista esta oposição, deve ser negada a substituição da pena de prisão.
Como ensina Figueiredo Dias, a prevenção geral “deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (op. cit., pág. 333).
Ora, tendo em consideração a natureza dos crimes praticados pelo arguido, a frequência com se vêm verificando, a duração temporal das condutas criminosas e a pluralidade de ofendidas, cremos que a comunidade esperaria dos órgãos judiciais uma reacção severa, sem deixar de ser proporcionada, não atribuindo à substituição da pena de prisão, nas concretas circunstâncias dos autos, aptidão para restaurar a necessária confiança e validação comunitária das normas infringidas.
Queremos com isto significar que sempre as exigências de prevenção geral presentes no caso concreto se oporiam à substituição da pena única de prisão pela suspensão da respectiva execução.
Em suma, improcede esta pretensão do recorrente.
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Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidem:
A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 3, b), do C. Penal [referido ao ponto 28 dos factos provados].
C) Condenar o arguido AA – pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 5, do C. Penal, de vinte e oito crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1, b), do C. Penal, de nove crimes de importunação sexual agravados, p. e p. pelo art. 170º, com referência ao art. 177º, nº 1, c), ambos do C. Penal, e de nove crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelo 176º, nº 1, b), com referência ao art. 177º, nº 6, ambos do C. Penal – na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Vasques Osório (Relator)
Albertina Pereira (1ª Adjunta)
Jorge Gonçalves (2º Adjunto)