I – A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
II - Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito, o que não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.
IIII - Estando em causa um crime de tráfico internacional de heroína, tendo sido apreendida ao arguido droga com o peso total de 10.914,40 gramas, que daria para, no mínimo, 31153 doses diárias - grau de ilicitude elevadíssimo dentro do crime em apreço – , com dolo direto e intenso, praticado por arguido já anteriormente condenado em duas penas de nove anos de prisão por tráfico de estupefacientes (a 1.ª em cúmulo e a 2.ª por um crime de tráfico agravado), tendo cometido o novo crime durante o período de liberdade condicional, sendo as exigências de prevenção especial, por conseguinte, muitíssimo significativas - arguido com um passado problemático, de dependência de drogas, mas em que o apoio de que beneficia por parte da mãe e do irmão não se tem mostrado suficiente para o afastar da prática do crime de tráfico de estupefacientes -, como também o são as de prevenção geral devido à frequência da prática do crime em causa e aos malefícios e insegurança causados na sociedade civil, considerando a moldura penal abstrata aplicável, não descortinam razões justificativas do exercício de um juízo de discordância quanto à pena de 9 (nove) anos de prisão fixada pela 1.ª instância e que a Relação confirmou.
1. No âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 23/21.6PJAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste/ Juízo Central Criminal de ..., - Juiz ..., foi julgado e condenado, entre outros, o arguido AA, com os sinais dos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa a tal diploma legal, na pena de 9 (nove) anos de prisão.
2. Inconformado com a decisão condenatória, o mencionado arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 01.02.2024, decidiu negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter, relativamente ao recorrente, o acórdão recorrido.
3. O arguido AA interpôs recurso do referido acórdão para este Supremo Tribunal, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
«I
O Arguido foi condenado numa pena de 09 (nove) anos de prisão efetiva.
II
A pena aplicada ao Recorrente viola, no entendimento da defesa, os Princípios da Proporcionalidade e adequação;
III
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada o Arguido cresceu num bairro social, numa família desestruturada, vivendo na Rua, sem escolaridade e doente que, a única coisa que o Estado e a Justiça fizeram por si, ao longo de toda a sua vida, foi aplicar-lhe sucessivas penas de prisão.
IV
O Arguido nunca foi reintegrado e apoiado socialmente, mais do que uma pena, que afinal é aquilo que “leva” do Tribunal, precisava de apoio pessoal, familiar e clínico.
V
Considerando o circunstancialismo em que os factos foram praticados, apurou-se que o Arguido era um simples toxicodependente, que, “como carne para canhão”, se predispôs a efetuar um transporte, a sua postura sempre colaborante perante o órgão de Polícia Criminal, o mesmo não deveria ter sido punido em pena superior a 6 (seis) anos de prisão.
VI
Assim, ao decidir como decidiu o tribunal "a quo" violou, nomeadamente, o artigo 71º do Código Penal, termos em que deve a pena aplicada ser reduzida;
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento.
Assim decidindo farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA
4. O Ministério Público, junto da Relação, respondeu ao recurso, sustentando que o mesmo não merece provimento e concluindo (transcrição das conclusões):
1. O arguido/recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa a tal diploma legal, na pena de 9 (nove) anos de prisão.
2. O arguido transportou de ... para ..., dissimulada nas rodas dianteiras do veículo automóvel que conduzia, 10.424,20 gramas de heroína, correspondente a 29756 doses diárias e detinha na sua residência 496,200 gramas da mesma substância, correspondente a 1397 doses diárias, tudo perfazendo 10.920,40 gramas/30153 doses diárias.
3. O arguido cometeu os factos no decurso do período de liberdade condicional, que lhe foi concedida no âmbito da pena única de 9 anos de prisão em que foi condenado por crimes de tráfico estupefaciente agravado.
4. A pena anteriormente aplicada não foi suficiente para dissuadir o arguido de continuar a traficar substância estupefaciente.
5. O arguido não é um “simples toxicodependente”, “carne para canhão”, mas sim de um dependente de heroína que trafica de forma qualificada, conhecedor que é dos efeitos da dependência de substâncias estupefacientes sobre os consumidores e a sociedade e das exigências de prevenção geral.
6. O arguido/recorrente não confessou os factos nem revelou arrependimento em audiência de julgamento, o que acentua as exigências de prevenção geral e especial.
7. A pena aplicada, que se situa pouco acima do limite médio abstrato da pena, mostra-se adequada, proporcional e ajustada em face dos factos provados, das finalidades das penas [art. 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP – prevenção geral e especial, medida da culpa] e dos requisitos de determinação da medida da pena [art. 71.º, do CP – culpa do agente, exigências de prevenção, circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem a favor e contra o agente].
5. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado não provido, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.
6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, o arguido reiterou as razões apresentadas no recurso. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência com a decisão impugnada, a única questão submetida à apreciação deste tribunal é a da determinação da pena aplicada, que o recorrente considera excessiva.
2. Do acórdão recorrido
2.1. O tribunal da condenação considerou provados os seguintes factos (transcrição parcial, no que concerne ao recorrente):
(…)
53) No dia ... de ... de 2021 o Arguido BB deslocou-se, na viatura de marca Fiat, de cor cinza, com a matrícula ..-..-VF, para a Rua ... na ..., entra para o interior do prédio com o n.º 16 e, volvidos alguns minutos, sai do interior de tal prédio, juntamente com 02 (dois) cidadãos de identidade desconhecida, acedendo o Arguido BB posteriormente à sua viatura e abandonando o local em direção a ...;
54) O Arguido BB desloca-se novamente para o parque de estacionamento do supermercado ..., no ..., em ...;
55) Após parquear a sua viatura, saiu para o exterior, momento em que surgiu o Arguido AA, vindo do interior do supermercado ..., em direção ao Arguido BB, acedendo ambos ao interior da viatura Fiat do Arguido BB;
56) Volvidos alguns minutos, o Arguido AA saiu do interior da viatura do Arguido BB e deslocou-se para o interior de uma viatura de marca Hyundai, modelo Getz, de cor azul, com a matrícula ..-..-XP, sendo que o BB regressou novamente à zona da ..., mais propriamente para junto do estabelecimento comercial denominado “...”, sito na Rua..., ...;
(…)
60) No dia ... de ... de 2022 o Arguido BB deslocou-se para um bairro na Costa da Caparica, dirigindo-se às habitações ali existentes;
61) Nessa ocasião o Arguido AA entrou no mesmo bairro, conduzindo a viatura com a matrícula ..-..-XP, aí se encontrando com o Arguido BB;
62) De seguida, o Arguido AA deslocou-se para uma residência, na zona da Quinta ..., sendo que, no mesmo local, se encontrava uma viatura de marca Mercedes, modelo C220, de cor cinza e de matrícula ..-AC-.., pertencente ao próprio;
63) No dia 20 de janeiro de 2022 o Arguido AA deslocou-se a oficina de reparação com a viatura de matrícula ..-AC-.., no sentido de efetuar uma revisão na sua viatura, para ter segurança na viagem que executaria;
64) No dia ... de ... de 2022, o Arguido AA iniciou a viagem em direção à ..., a fim de ali se abastecer de produtos estupefacientes;
(…)
72) No dia ........2022 o Arguido AA iniciou viagem para ..., na viatura da marca Mercedes, modelo C220, de matrícula ..-AC-..;
73) O Arguido AA envolveu os pacotes de heroína em balões de plástico, de modo a ocultar qualquer odor, e colocou os mesmos no interior da carroçaria do veículo que tripulava, nomeadamente no interior de ambas as rodas dianteiras do veículo;
74) O Arguido AA, tripulando a viatura acima descrita, viajou sozinho para ...;
75) No dia ........2022, cerca das 15:16 horas, na auto estrada A2, sentido Sul-Norte, saída n.º 3, o Arguido AA detinha, no interior da cava da roda dianteira direita, 9 embalagens (denominadas “placas”) de heroína e no interior da cava da roda dianteira esquerda 10 embalagens (denominadas “placas”) de heroína, tudo com o peso total líquido de 10.424,20 (dez quilos quatrocentos e vinte e quatro virgula 20 gramas), sendo que as 10 embalagens, com o peso líquido de 4.937,300 g têm um grau de pureza de 28,4% e correspondem a 14.021 doses médias individuais diárias; 6 embalagens, com o peso líquido de 2.998,600 gramas, têm um grau de pureza de 32,3% e correspondem a 9.685 doses médias individuais diárias; 1 embalagem, com o peso líquido de 493,600 gramas tem um grau de pureza de 17,1% e corresponde a 844 doses médias individuais diárias; e 2 embalagens, com o peso líquido de 1.994,700 g têm um grau de pureza de 26,1% e correspondem a 5.206 doses médias individuais diárias;
76) Mais detinha o Arguido AA, no interior da viatura de marca Mercedes com a matrícula ..-AC-..:
- uma Chave da viatura;
- 1 (um) GPS marca TOMTOM no compartimento central de apoio de braço;
- 1 (um) GPS marca TOMTOM nas costas do banco do pendura;
- 1 (um) telemóvel de marca SAMSUNG com IMEI .............38 na zona da bagageira dentro de uma mala de viagem;
- 1 (um) telemóvel de marca IPHONE cor branca, com IMEI .............55, com (2) dois cartões MEO, um inserido e outro na capa;
77) Nesse mesmo dia, no interior da habitação que o Arguido AA utilizava e onde pernoitava, sita na Quinta ..., em ..., este tinha na sua posse:
a. Na sala de estar, no interior de um saco de plástico, em cima de uma mesa, encontrava-se:
- 1 (uma) balança digital da marca KMT STYLE com respetiva caixa com resíduos de heroína;
- 1 (uma) embalagem de Heroína, com o peso líquido de 490.200 gramas, com um grau de pureza de 28,5%, a que correspondem 1.397 doses médias individuais diárias;
- 6 (seis) rolos de fita adesiva juntamente com 1 (um) aplicador;
- 1 (um) rolo de fita filme de cor preta;
- 1 (um) rolo de saco de plásticos;
- 3 (três) balões de plásticos utilizados para acondicionarem produto estupefaciente;
- 1 (um) telemóvel de marca F2 com IMEI .............16 e .............24;
b. No interior de um quarto:
- 1 (uma) prensa hidráulica, de cores azul e preta, normalmente utilizada para prensar;
(…)
107) Com a conduta descrita, o Arguido AA atuou de forma livre, voluntária e consciente, conhecedor das características e natureza do produto que detinha, visando obter com este quantia monetária, bem sabendo que a detenção ou a venda de tais produtos nas circunstâncias relatadas é proibida por lei e criminalmente punida;
(…)
114) O Arguido AA foi condenado na pena única de 9 anos de prisão, por acórdão transitado em julgado no processo n.º 3/11.0..., que correu termos no Juiz ..., do Juízo de Grande Instância Criminal de ..., tendo sido condenado naquela pena pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes agravado, decisão que transitou em julgado no dia 12.10.2012;
115) No processo gracioso de liberdade condicional n.º 3321/10.0..., que corre termos no Juiz 3 do TEP de ..., foi concedida a liberdade condicional ao Arguido AA até ao termo da pena (04.08.2022), por despacho proferido em 03.10.2019, transitado em julgado em 04.11.2019, sendo de imediato ordenada a libertação do Arguido;
116) As finalidades de prevenção, que presidiram à aplicação das penas de prisão aplicadas nos processos acima mencionados não foram atingidas, porquanto não serviram para o Arguido AA de suficiente advertência contra o crime;
117) Em tudo agiram os Arguidos de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
(…)
203) O Arguido AA é o filho mais velho de uma fratria de 2 irmãos;
204) O seu desenvolvimento decorreu no contexto de um bairro conotado com problemáticas delinquenciais e de exclusão social e no seio de uma família de modesta condição socio económica e marcada pela toxicodependência do progenitor;
205) Os pais separaram-se, quando tinha 12 anos, tendo o pai constituído nova família e deixado de dar qualquer tipo de suporte a este agregado, quer a nível afetivo como económico;
206) A mãe ficou com os filhos a cargo, na morada de família, permanecendo a trabalhar numa fábrica de costura e, posteriormente, como auxiliar, num hospital, com algumas dificuldades económicas, que foram pontualmente colmatadas por familiares;
207) Estudou até aos 12 anos, tendo abandonado a escola após completar o 5º ano, sem projetos alternativos;
208) A sua adolescência foi caracterizada por um período marcado pela ausência de regras e limites, devido à ausência da figura paterna e aos horários alargados de trabalho da progenitora, situação que facilitou a convivialidade com grupos de pares problemáticos da zona de residência;
209) Apesar de ter iniciado vida profissional como aprendiz de cortador, num talho de um tio, aos 14 anos, tal atividade veio a revelar-se irregular, devido à convivência com os pares menos normativos, junto dos quais se iniciou no consumo de estupefacientes;
210) Aos 17 anos já consumia heroína, tornando-se dependente desta substância;
211) Não obstante, com cerca de 20 anos de idade, estabeleceu uma relação afetiva de união de facto, da qual nasceram 2 filhos, atualmente com 22 e 24 anos de idade;
212) Após a separação, cerca de 7 anos depois, os filhos permaneceram aos cuidados da progenitora e da avó materna, desvinculando-se AA, do acompanhamento dos descendentes;
213) Durante o período de reclusão anterior à dos autos casou com uma cidadã ..., em 2005, completou o 2º e 3º ciclo, tendo trabalhado igualmente como ..., na ... e no ... da casa de pessoal;
214) Beneficiou de medidas de flexibilização da pena e de RAI com sucesso até sair em liberdade condicional, em 2010;
215) Iniciou vida em comum com a cônjuge, inicialmente junto do agregado da progenitora e, posteriormente, numa habitação arrendada na zona da quinta ..., em ...;
216) Trabalhou de forma irregular como comercial de telecomunicação, compra e venda de viaturas automóveis e a ajudar um tio, num talho;
217) Foi novamente preso preventivamente em 24.02.2011, indiciado por um crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual voltou a ser condenado a 9 anos de prisão, facto que motivou a revogação da sua liberdade Condicional;
218) Durante o cumprimento desta pena, manteve o suporte da mãe e irmão;
219) Concluiu o 12º ano de escolaridade e realizou um curso agrícola entre 2017 e 2018, com objetivo de vir a inserir-se em liberdade, na zona de ..., onde a família dispunha de segunda residência e terrenos agrícolas;
220) Beneficiou de medidas de flexibilização da pena com sucesso, saindo em liberdade condicional em 05.03.2019;
221) Em liberdade, AA reintegrou o agregado familiar de origem, então constituído apenas pela progenitora, ainda profissionalmente ativa;
222) Reatou relacionamento com a companheira, mas permaneceu inicialmente a residir junto da mãe, onde tinha a morada fixada pelo Tribunal;
223) Posteriormente veio a arrendar casa na zona de ..., onde passou a viver com a companheira, de forma autónoma;
224) Integrou-se laboralmente numa ..., propriedade do irmão, onde inicialmente auferia cerca de 600 euros mensais;
225) Devido à redução do trabalho, motivado pela pandemia Covid 19, deixou de ter os mesmos rendimentos e ficou na dependência económica da progenitora;
226) O irmão acabou por fechar a loja definitivamente em outubro de 2021, ficando AA desempregado;
227) A companheira, entretanto, regressou ao ... e o Arguido ficou a viver sozinho na morada de família, sendo as despesas maioritariamente colmatadas pela progenitora ou por ajudas pontuais de outros familiares;
228) Pretendia à data da prisão, juntamente com o irmão, tirar licença de condução de veículos pesados, para começar a trabalhar nesse sector de atividade;
229) A progenitora, já reformada, e o irmão continuam a proporcionar-lhe suporte e a mostrar disponibilidade para o apoiar futuramente, em meio livre;
230) Em meio prisional regista uma conduta ajustada aos normativos institucionais e indicadores de adaptação ao meio prisional;
231) Quando entrou encontrava-se em fase de consumo ativo, mas não solicitou qualquer apoio médico para abandonar novamente os consumos, ainda que tenha solicitado acompanhamento psicológico;
(…)
288) O Arguido AA foi condenado:
a. Por decisão proferida em 24.03.1999, transitada em julgado, proferida no âmbito do Proc. n.º 381/94.3..., do 2º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 28.01.1994, de factos consubstanciadores de um crime de roubo, p. e p. pelos art.ºs 306º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Penal de 1982 e 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204º, n.º 2, al. f), do Código Penal de 1995; na pena de 26 (vinte e seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, sob condição de, em 6 (seis) meses, pagar à lesada a quantia de Esc. 80.000$00 pena essa declarada extinta em 01.02.2002;
b. Por decisão proferida em 03.08.2000, transitada em julgado em 01.10.2000, proferida no âmbito do Proc. n.º 270/00.4..., do 2º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 29.07.2000, de factos consubstanciadores de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292º e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de €2,49, num total de €149,64, e na pena acessória de 1 (um) mês de inibição de conduzir, pena essa declarada extinta em 26.09.2008;
c. Por decisão proferida em 04.06.2007, transitada em julgado em 21.06.2007, proferida no âmbito do Proc. n.º 52/08.5..., da 2ª Vara Criminal de ..., pela prática, em 01.08.2002, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão;
d. Por decisão proferida em 14.12.2007, transitada em julgado em 07.01.2008, proferida no âmbito do Proc. n.º 18/04.4..., do 2º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 08.08.2005, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
Por Acórdão cumulatório proferido nestes autos, que cumulou as penas neste aplicada e a aplicada no Proc. n.º 52/08.5..., da 2ª Vara Criminal de ..., foi o Arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
Por decisão proferida em 14.04.2016 foi concedida liberdade definitiva ao Arguido e declarada extinta a pena que nestes autos lhe foi aplicada
e. Por decisão proferida em 09.06.2008, transitada em julgado em 30.06.2008, proferida no âmbito do Proc. n.º 697/06.8..., do 3º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 04.08.2005, de factos consubstanciadores de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.º 6º da Lei n.º 22/97, de 27.06, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco Euros), num total de €750,00 (setecentos e cinquenta Euros), pena essa declarada extinta em 26.05.2009;
f. Por decisão proferida em 13.02.2012, transitada em julgado em 12.10.2012, proferida no âmbito do Proc. n.º 3/11.0..., do Juiz ... do Juízo de Grande Instância Criminal de ..., pela prática, em 18.01.2011, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.ºs 21º, n.º 1, e 24º, al. c), do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 9 (nove) anos de prisão, tendo-lhe sido concedida por decisão proferida em 03.10.2019, transitada em julgado em 04.11.2019, liberdade condicional até ao termo da pena, ou seja 04.08.2022;
(…)
3.2. Matéria de facto não provada
A – Do despacho de Pronúncia
dd) Que em data não concretamente apurada, mas anterior a 26.01.2022, o Arguido BB tenha encetado conversações com o Arguido AA, para que este se deslocasse à ... de carro, de modo a transportar heroína desse país para Portugal;
ee) Que, para tanto, o Arguido BB tenha dito ao Arguido AA que lhe entregaria a quantia de €5.000,00 (cinco mil Euros) pela viagem e transporte de heroína, e que este tenha aceite tal proposta;
ff) Que o Arguido AA se tenha encontrado com o Arguido BB em ...;
gg) Que, de seguida, o Arguido BB tenha seguido com o Arguido AA, na viatura da marca Mercedes, modelo C220, de matrícula ..-AC-.., para a ..., e aí tenham entregue quantia em dinheiro pela compra de heroína;
hh) Que o Arguido AA tenha transportado o Arguido BB da ... para ...;
ii) Que a embalagem com o peso bruto de 243,34 gramas, o saco plástico com peso bruto de 122,69 gramas encontrados na habitação sita na Quinta da ..., nas circunstâncias descritas no ponto 77) dos Factos Provados, contivessem heroína, e que os sacos plásticos aí apreendidos tivessem resíduos de heroína;
(…)
2.2. No recurso para a Relação, o ora recorrente suscitou, para além da questão do alegado erro de julgamento relativamente aos pontos 63, 64, 72, 73, 74, 75 e 75 dos factos provados, a questão da medida concreta da pena.
Quanto a esta última questão, disse a Relação:
« Por fim insurge-se ainda o arguido/recorrente quanto à medida concreta da pena aplicada, que reputa de excessiva, considerando que o Tribunal não sopesou correctamente o percurso de vida do arguido (ter crescido num bairro social, numa família desestruturada), ser um simples correio de droga, ser toxicodependente e ter sido colaborante perante o órgão de polícia criminal.
Vejamos:
(…)
Como resulta da decisão recorrida, na determinação da medida da pena aplicada ao recorrente o Tribunal a quo ponderou as necessidades de prevenção geral, que considerou [elevadas, atenta a frequência, impacto social e alarme social que o crime de tráfico de estupefacientes provoca na comunidade], o grau de ilicitude [elevadíssimo dentro do crime em apreço – tráfico internacional e respeitante a 10,424,20 Kg de heroína], o dolo directo e de intensidade muito significativa, as elevadíssimas exigências de prevenção especial decorrentes dos seus antecedentes criminais [já cumpriu penas de prisão pela prática do crime de estupefacientes e terem os factos dos autos sido cometidos em período em que o arguido se encontrava em liberdade condicional] e as condições pessoais deste [beneficiar do apoio da mãe e do irmão, ainda que insuficiente para afastar o arguido da prática do crime, e a sua adição], estas como atenuantes.
Em função da ponderação de tais elementos, aplicou a pena de 9 (nove) anos, com a qual concordamos inteiramente por se afigurar adequada e proporcional às elevadas exigências de prevenção geral e elevadíssimas exigências de prevenção especial que o caso requer, não ultrapassando de forma alguma a medida da culpa, que nada tem de diminuta.
Atenta a quantidade de produto estupefaciente que o arguido detinha, a natureza da substância em causa, e o fim a que se destinada [entrar no circuito da distribuição e venda ao consumidor], e os antecedentes criminais por crime de igual natureza, de todo não se vê, na ponderação e conjugação dos vários valores e princípios que concorrem na operação de determinação concreta da pena, que o tribunal recorrido tenha revelado desproporção ou inadequação.
Não vemos fundamento para divergir do juízo expresso em 1.ª instância, que observou as regras legais atinentes à determinação concreta da pena.
O recurso, improcede na totalidade.»
No acórdão do tribunal de 1.ª instância já se tinha assinalado:
«Atenta a quantidade de estupefaciente que o Arguido AA transportava (10.424,20 gramas de heroína), o número de doses médias individuais diárias correspondentes àquela quantidade (14.021, 9.685, 844 e 5.206 doses médias individuais diárias, respetivamente), a qualidade de tal estupefaciente (4.937,300 g com um grau de pureza de 28,4%, 2.998,600 gramas com um grau de pureza de 32,3%, 493,600 gramas com um grau de pureza de 17,1% e 1.994,700 g com um grau de pureza de 26,1%), o facto de se tratar de um transporte internacional (vindo da ...) e forma como o produto estupefaciente vinha acondicionado (na cava da roda, o que já denota alguma experiência neste tipo de atividade) não se pode igualmente afirmar quanto a este Arguido que se mostra consideravelmente diminuída a ilicitude da atividade de tráfico pelo mesmo desenvolvida.
Conhecendo o Arguido AA as características psicotrópicas das substâncias que detinha, tendo este agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a respetiva detenção de estupefaciente o fazia incorrer em responsabilidade criminal, dúvidas não temos que com a conduta descrita o Arguido AA preencheu igualmente os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabelas I-A anexa ao mesmo diploma legal.
Face ao exposto, e inexistindo causa que exclua a ilicitude ou dirima a respetiva responsabilidade deste Arguido (cfr. art.ºs 31º a 39º do Código Penal), com a conduta descrita, o Arguido AA incorreu na prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelos art.ºs 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa a tal diploma legal, por cuja prática vai condenado.
Deverá, no entanto, ser absolvido da prática, em coautoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo disposto nos art.ºs 21º, n.º 1, e 24º, al. c), do DL 15/93 de 22.01, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, por que vinha pronunciado.
(…)
O crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I a III, anexas ao mesmo diploma legal, é punido com pena de prisão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
(…)
Quanto à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no artigo 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Haverá que ter em conta, sendo caso disso, o disposto no art.º 70º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação àquelas detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
De acordo como disposto no art.º 71º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal).
Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (art.º 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial.
Isto é, a determinação da pena concreta fixar-se-á em função:
- da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do principio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.ºs 1º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);
- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites – neste sentido v.g. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 213 e ss..
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do art.º 71º do Código Penal:
- a ilicitude do facto;
- o modo de execução e suas consequências;
- grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- o grau de intensidade do dolo;
- as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, nomeadamente, os fins ou motivos que o determinaram e a sua reiteração no tempo;
- condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o art.º 71º, n.º 2, al. a).
A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (art.º 40º, n.º 2), fornecendo a prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”) o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada.
Por fim, é dentro desses limites que devem atuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, Ob. Cit., págs. 227 e seguintes; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e seguintes; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1994, in B.M.J. 441º, pág. 145).
Relativamente aos elementos elencados no art.º 71º, n.º 2 do Código Penal, há que considerar, in casu:
(…)
- relativamente ao Arguido AA:
A intensidade do ilícito, dentro do crime em apreço, é elevadíssima.
Estamos perante um tráfico internacional e respeitante a 10.424,20 (Dez quilos, quatrocentos e vinte e quatro virgula 20 gramas) de heroína.
O dolo é quanto a este Arguido direto e de intensidade muito significativa.
As exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso em apreço são elevadas, atenta a frequência, impacto social e alarme social que o crime de tráfico de estupefacientes provoca na comunidade.
As exigências de prevenção especial relativamente a este Arguido são elevadíssimas, tendo este já cumprido penas de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefaciente, e tendo os factos dos autos sido cometidos em período em que este Arguido se encontrava em período de liberdade condicional.
Em favor deste Arguido não podemos deixar de atender às suas condições pessoais e ao apoio de que beneficia por parte da mãe e do irmão, que, ainda assim, não se têm mostrado suficientes para afastar este Arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes, para o que, por certo, terão contribuído os hábitos aditivos que lhe são conhecidos.
Posto isto, atenta a moldura penal aplicável ao ilícito criminal em apreço e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação do Arguido AA na pena de 9 (nove) anos de prisão pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa a tal diploma legal;
(…).»
3.1. Estabelece o artigo 400.º, n.º1, alíneas e) e f), do CPP:
«1 - Não é admissível recurso:
(…)
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;
(…).»
O segmento final da transcrita alínea e) resulta da redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21/12, que para o caso não importa.
Por sua vez, dispõe o artigo 432.º, do CPP, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”:
« 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».
Finalmente, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, preceitua que «O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º», resultando o segmento final da redação dada pela Lei n.º 94/2021.
Da conjugação destas disposições resulta, numa formulação sintética, que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem:
- penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme;
- penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.
Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico (cf., entre muitos arestos que estão disponíveis para consulta, os acórdãos do STJ: de 11.03.2021, Proc. 809/19.1T9VFX.E1.S1; 02.12.2021, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1; 12.01.2022, Proc. 89/14.5T9LOU.P1.S1; 20.10.2022, Proc. 1991/18.0GLSNT.L1.S1; 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).
No caso em apreço, está em causa decisão confirmatória da Relação relativa a pena superior a 8 anos de prisão, pelo que tal decisão é recorrível para o STJ, nos termos dos artigos 400.º, n.º1, alínea f), a contrario, e 432.º, n.º1, alínea b), do CPP.
De acordo com o supra transcrito artigo 434.º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, pelo que o conhecimento das questões em matéria de facto esgota-se nos tribunais da relação, que conhecem de facto e de direito (artigo 428.º do CPP).
Tratando-se de um recurso de acórdão da Relação proferido em recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP], não é admissível recurso para o STJ «com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas (aditamento do artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), o que, todavia, não prejudica os poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença – o que não se verifica, no caso em apreço - e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito.
3.2. No caso em apreço, o recorrente limita-se a manifestar o seu inconformismo quanto à medida da pena concreta, que considera excessiva, recuperando, essencialmente, as mesmas razões que apresentou no seu recurso para a Relação de Lisboa. Alega, em suma, ter crescido num bairro social, numa família desestruturada, vivendo na rua, sem escolaridade e doente, e que “a única coisa que o Estado e a Justiça fizeram por si, ao longo de toda a sua vida, foi aplicar-lhe sucessivas penas de prisão”.
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).
Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.
Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e ss.).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»
De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e bem assim as relevantes no plano da prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial.
Na determinação da pena concreta foi ponderada a intensidade do ilícito, dentro do crime em apreço, tida como “elevadíssima”.
Com efeito, o arguido/recorrente, no dia ........2022, deslocou-se a ... no veiculo de marca Mercedes, modelo C220, de matrícula ..-AC-.. [facto provado 72], com o qual regressou a Portugal, no dia .../.../2022, depois de esconder “no interior da cava da roda dianteira direita, 9 embalagens (denominadas “placas”) de heroína e no interior da cava da roda dianteira esquerda 10 embalagens (denominadas “placas”) de heroína, tudo com o peso total líquido de 10.424,20 g (dez quilos quatrocentos e vinte e quatro virgula vinte gramas), sendo que as 10 embalagens, com o peso líquido de 4.937,300 g têm um grau de pureza de 28,4% e correspondem a 14.021 doses médias individuais diárias; 6 embalagens, com o peso líquido de 2.998,600 gramas, têm um grau de pureza de 32,3% e correspondem a 9.685 doses médias individuais diárias; 1 embalagem, com o peso líquido de 493,600 gramas tem um grau de pureza de 17,1% e corresponde a 844 doses médias individuais diárias; e 2 embalagens, com o peso líquido de 1.994,700 g têm um grau de pureza de 26,1% e correspondem a 5.206 doses médias individuais diárias;” [Facto provado 75].
Para além disso, ao arguido/recorrente, no mesmo dia, e na sua residência, foram apreendidos instrumentos e materiais utilizados na pesagem, prensagem e embalamento de produto estupefaciente e uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 490.200 gramas, com um grau de pureza de 28,5%, a que correspondem 1.397 doses médias individuais diárias [Facto provado 77].
Desta forma, a heroína apreendida ao arguido/recorrente, com o peso total de 10.914,40 gramas, daria para, no mínimo, 31153 doses diárias.
Para além do grau de ilicitude [como já se disse, elevadíssimo dentro do crime em apreço – tráfico internacional de estupefacientes – heroína], foi ainda ponderado o dolo direto e de intensidade muito significativa e as também muito elevadas exigências de prevenção especial.
Importa reter que o arguido regista diversas condenações anteriores, devendo ser destacadas duas condenações por crimes de tráfico de estupefacientes, por que foi condenado nas penas de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão e de 7 (sete) anos de prisão, que foram cumuladas numa pena conjunta de 9 anos de prisão; mais uma condenação na pena de 9 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes agravado, tendo-lhe sido concedida, por decisão proferida em 03.10.2019, transitada em julgado em 04.11.2019, liberdade condicional até ao termo da pena, ou seja 04.08.2022.
Foi dentro desse período de liberdade condicional – uma oportunidade que o arguido desaproveitou - que o ora recorrente cometeu os factos a que se reportam os presentes autos – um novo crime de tráfico de estupefacientes.
As exigências de prevenção especial são, por conseguinte, muitíssimo significativas, pois nem mesmo condenações a expressivas penas de prisão têm logrado afastar o arguido da criminalidade.
O arguido tem um passado problemático. Ainda que dependente da heroína, cujo consumo iniciou aos 17 anos de idade, constituiu família, tem apoio familiar, obteve trabalho por diversas ocasiões, tinha um projeto de trabalho quando foi detido, residia em casa da família, completou o 12.º ano de escolaridade e tem um comportamento prisional ajustado.
Certo é que o apoio de que beneficia por parte da mãe e do irmão não se tem mostrado suficiente para afastar o arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas devido à frequência da prática do crime em causa e aos malefícios e insegurança causados na sociedade civil.
Mostrando-se prementes as exigências de prevenção geral, sendo elevadíssima a ilicitude do facto praticado, ilustrada pela significativa quantidade e pela qualidade de estupefaciente apreendido, o dolo direto e intenso e as também muito assinaláveis exigências de prevenção especial – condenações anteriores e prática dos factos no período de liberdade condicional -, considerando a moldura penal abstrata aplicável, não descortinamos razões justificativas do exercício de um juízo de discordância quanto à pena de 9 (nove) anos de prisão fixada pela 1.ª instância e que a Relação confirmou.
Com efeito, tendo em vista a jurisprudência deste STJ, considerando a moldura penal abstrata aplicável, na ponderação dos fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, julgamos a pena concretamente aplicada, atento o circunstancialismo dos autos e pelas sobreditas razões, ajustada às necessidades de prevenção - geral e especial - e suportada pela culpa do arguido.
O recurso não merece, pois, provimento.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cf. artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa).
Supremo Tribunal de Justiça, 26 de setembro de 2024
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Jorge Gonçalves (Relator)
Agostinho Torres (1.º Adjunto)
Jorge Reis Bravo (2.º Adjunto)