I. Se, no âmbito da tramitação da apelação, a Relação oferece às partes o contraditório previsto no art. 665º, 3, do CPC, para audição sobre o “objecto da apelação”, fica a resposta do recorrente apelante limitada à produção de alegações complementares sobre a questão recursiva, sem legitimidade para extravasar ou ampliar o âmbito do recurso definido nas alegações originais.
II. Se, na resposta do apelante, foi reiterado o objecto recursivo, repetidas as alegações anteriores e subsidiariamente acrescido que, no objecto recursivo delimitado – a competência absoluta em razão da hierarquia do tribunal de 1.ª instância para apreciar do recurso de revisão, tendo em conta o art. 697º, 1, do CPC –, a não ser concedido provimento à apelação, o tribunal determinado como competente em alternativa ao escolhido pelo recorrente fosse objecto da remessa do processo, se aplicável determinado regime jurídico, temos uma questão sequencial e esgotante da questão de competência submetida originariamente à sindicação da Relação; neste sentido, uma questão de direito conexa com a questão recursiva (arts. 105º, 3, 278º, 2, e 576º, 2, CPC), legitimamente levantada para efeitos do dever de apreciação do art. 608º, 2, do CPC (aplicável por força do art. 663º, 2, do CPC).
III. A omissão de pronúncia no acórdão da Relação sobre tal questão conexa e integrante do objecto do recurso (art. 635º, 2 a 4, CPC) é sancionada com a nulidade da decisão prevista no art. 615º, 1, d), 1.ª parte, do CPC (aplicável por força do art. 666º, 1, do CPC), e motiva a devolução dos autos à Relação, nos termos do art. 684º, 2, do CPC, para suprimento do vício e prolação de nova decisão reformada.
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Évora, 2.ª Secção
1. No âmbito do processo em que foi decretada a insolvência da sociedade «Hortas do Ribatejo – Produtos Agrícolas, Lda.» (sentença proferida em 25/11/2020, transitada em julgado), foi intentada acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pela «Massa Insolvente de Hortas do Ribatejo – Produtos Agrícolas, LDA.» contra AA e BB, ... da sociedade declarada insolvente, finalizando com os seguintes pedidos:
“a) Serem os Réus condenados, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 13.469,85€ (treze mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondente ao prejuízo que teve derivado da indevida utilização de verbas pertencentes à massa insolvente e destinada a posterior rateio pelos credores em seu proveito pessoal;
b) Serem os Réus condenados, solidariamente, a pagar à Autora juros vencidos e vincendos sobre a quantia peticionada, desde a citação até efetivo e integral pagamento”.
Nos autos desse apenso (“I”) foi proferida sentença a absolver a Ré BB dos pedidos formulados e a condenar o Réu AA a pagar à Autora a quantia de 13.469,85€ (treze mil quatrocentos e sessenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, julgando ainda procedente, por provado, o incidente de litigância de má fé deduzido pela Autora e, em consequência, condenando o Réu em multa processual de 5 (cinco) UCs e em indemnização a fixar em despacho complementar, após ser dado cumprimento ao disposto no art. 543.º, n.º 2, do NCPC.
2. O Réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), conduzindo a ser proferido acórdão (2/3/2023), que julgou o recurso totalmente improcedente e confirmou a decisão recorrida em todos os segmentos decisórios descritos, aresto transitado em julgado em 21/3/2023.
3. Veio o Réu e Apelante, em 19/10/2023, interpor recurso de revisão desse acórdão transitado, tendo por fundamento os arts. 696º, alínea c), e 697º, 1, do CPC, junto do Juízo de Comércio de... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., contra a «Massa Insolvente», pedindo a revogação da sentença e acórdão proferidos.
Foi de imediato proferida decisão pelo Juiz ... do Juízo de Comércio:
“Veio o recorrente interpor recurso extraordinário de revisão da decisão proferida no Apenso I.
Nos termos do disposto no art.696.º, n.º1 do NCPC, a decisão transitada em julgado apenas pode ser objecto de revisão quando:
“a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.”
Os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais que visam a sua reforma, através de um novo exame da causa por parte de um órgão jurisdicional hierarquicamente superior, enquanto os recursos extraordinários são julgados pelo próprio tribunal que proferiu a sentença ou acórdão, mas já transitados.
Dispõe o art.697.º, n.º1 do NCPC que o recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 19.10.2017, Proc. n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “Tendo a sentença proferida em 1ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (art. 697º, n. 1, do CPC).”
Com efeito, tendo existido recurso, a decisão a rever é um acórdão da Relação ou do STJ, não cabendo na lógica do direito dos recursos que um acórdão da Relação ou do STJ (transitado em julgado) seja revogado por uma decisão da primeira instância.
No caso dos autos, no respectivo apenso I foi proferida decisão por este tribunal que, posteriormente, foi objecto de recurso, tendo sido proferida decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, que transitou em julgado.
Assim, o presente tribunal é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso por ser competente o Tribunal da Relação de Évora.
A incompetência absoluta em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso, podendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa – cfr. arts. 96.º, alínea a), 97.º, n.º1 e 578.º, todos do NCPC.
Pelo exposto e com os fundamentos que antecedem, por se verificar a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, deste tribunal para apreciar o presente pedido de revisão, indefiro liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, nos termos dos arts. 96.º, alínea a), 97.º, n.º1, 99.º, n.º1 e 578.º, todos do NCPC.”
4. Inconformado com a decisão de 1.ª instância, veio o Réu no apenso “I” interpor recurso de apelação para o TRE, que, uma vez identificada a questão decidenda – “apurar se ocorre erro de direito na decisão que considerou a 1ª instância incompetente em razão da hierarquia, para conhecer de um recurso de revisão que incide sobre decisão proferida pela 2ª instância, em recurso de apelação” –, conduziu a ser proferido acórdão, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão recorrida.
5. Uma vez mais sem se conformar, o Réu veio interpor recurso de revista, normal a título principal, nos termos dos arts. 629º, 2, a), e 671º, 2, a), do CPC – Conclusões 5) a 68) –, e excepcional a título subsidiário, nos termos do art. 672º, 1, a), do CPC – Conclusões 69) a 74; nele arguiu-se a nulidade do acórdão recorrido, tendo por base o art. 615º, 1, d) – Conclusões 75) a 81), por um lado, – e, noutro bloco, b), c) e d) – Conclusões 82) a 89) –, do CPC.
Foi admitida pelo tribunal recorrido como revista normal nos termos do fundamento do art. 629º, 2, a), do CPC.
Acresce como relevante.
6. Na apelação, o Réu invocou a nulidade da decisão de 1.ª instância, por consubstanciar decisão-surpresa, invocando o art. 195º, 1, em conjugação com o art. 3º, 3, do CPC, assim como os arts. 13º, 20º, 266º, 2 e 268º, 3, da CRP, e nulidades consubstanciadas nas als. b), c) e d) do art. 615º, 1, do CPC (em relação essencialmente com o dever de fundamentação e disciplina subjacente da art. 205º da CRP).
No exercício do art. 617º, 1, do CPC, foi proferido despacho de indeferimento das nulidades do art. 615º, 1, do CPC e de indeferimento da nulidade processual, por intempestividade da reclamação devida para o tribunal de 1.ª instância, mantendo-se a decisão nos seus precisos termos.
Admitido o recurso de apelação e subidos os autos à Relação, antes de prolatado o acórdão referido supra, no ponto 4., foi proferido despacho de declaração de nulidade (processual) da decisão proferida em 1.ª instância (art. 195º, 1, CPC) e, aplicando-se o art. 665º, 1 e 3, do CPC, de audição das partes “sobre o objeto da apelação, sem prejuízo de se colherem os fundamentos do litígio das alegações e contra-alegações anteriormente apresentadas” (sublinhado nosso).
Respondeu o Réu e o Recorrente: (i) reiterou as alegações e conclusões antes apresentadas, nomeadamente quanto às nulidades invocadas do art. 615º, 1, b), c) e d), do CPC, sendo de revogar a decisão e substituí-la por outra que receba o requerimento de interposição do recurso de revisão e ordene a notificação da Recorrida para apresentar Resposta, nos termos do art. 699º, 2, do CPC, prosseguindo o processo; subsidiariamente, (ii) requereu a remessa do recurso de revisão para o tribunal que fosse declarado competente, se se decidisse pela confirmação da decisão de 1.ª instância, verificadas as condições do art. 105º, 3, do CPC, ou seja, o TRE, acompanhado dos autos principais (cfr. ponto 28.º e al. b) do ponto 29.º).
II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS
1. Admissibilidade e objecto do recurso
1.1. As decisões das instâncias revelam coincidência de julgados sobre a questão relativa ao indeferimento da petição-requerimento, consistente na incompetência absoluta do tribunal da 1.ª instância, em razão da hierarquia, para a apreciação do recurso de revisão, ao abrigo do art. 697º, 1, do CPC – arts. 96º, a), 97º, 1, 99º, 1 («indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar»)1, 577º, a), 590º, 1, e 699º, 1 («Sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 641º, o tribunal a que for dirigido o requerimento [de recurso de revisão] indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quanto reconheça de imeditato que não há motivo para revisão.»), do CPC –, com coincidência de fundamentação e sem voto de vencido.
O acórdão da Relação, reapreciando a decisão da 1.ª instância em apelação (cfr. art. 644º, 2, b), CPC), confirmou a decisão proferida em 1.º grau que pôs termo ao processo em despacho liminar previsto na lei, determinando a extinção da instância por forma diversa da absolvição – é, pois, susceptível de revista nos termos (extensivamente interpretados) do art. 671º, 1, do CPC («que ponha termo ao processo»)2.
1.2. Porém, a revista normal ficaria impedida pelo impedimento da “dupla conformidade” – art. 671º, 3, do CPC.
Sem prejuízo, tal impedimento é afastado se o recorrente fizer uso das impugnações em que o recurso é sempre admissível, de acordo com a 1.ª parte desse art. 671º, 3 – ou seja, das situações de revista extraordinária do art. 629º, 2, do CPC («independentemente do valor da causa e da sucumbência»).
O Recorrente lançou mão do al. a) do art. 629º, 2, do CPC, que salvaguarda tal revista com fundamento na violação das regas de competência em razão da hierarquia – neste caso, a regra constante do art. 697º, 1, do CPC –, que permite em concreto a admissão do recurso como revista extraordinária, usando da convolação permitida pelos arts. 6º, 2, 193º, 3, e 547º do CPC – o que se decreta para a prossecução da instância em revista.
1.3. Esta matéria de competência absoluta é a questão principal que, em conformidade, delimita o objecto do recurso.
Assim sendo, são também de admitir no objecto do recurso as nulidades arguidas pelo recorrente ao abrigo do art. 615º, 1, b), c) e d), do CPC, enquanto seu fundamento acessório e dependente – arts. 615º, 4, 2.ª parte, 666º, 1 e 2, e 674º, 1, c), do CPC –, com prioridade no conhecimento pela sua lógica de precedência cognitiva no objecto recursivo.
2. Factualidade relevante
Releva o que consta do Relatório.
3. Nulidades arguidas
3.1. O acórdão recorrido não se pronuncia sobre nenhuma das nulidades do art. 615º, 1, arguidas na apelação, nos termos das Conclusões 20) a 23) das respectivas alegações de recurso.
Porém, o Recorrente, agora em revista, não vem arguir essa omissão; antes ataca as nulidades fundadas nas als. b), c) e d) do art. 615º, 1, para o próprio acórdão aqui recorrido, quanto à fundamentação e “totalidade das questões” que alegadamente necessitaria ter conhecido – em referência às Conclusões 82) a 88) da revista – e não procede à arguição da nulidade relativa à omissão dessa pronúncia da Relação quando reaprecia a decisão de 1.ª instância.
Ao invés e antes dessa apreciação das nulidades arguidas em revista.
3.2. O Recorrente invoca sim a omissão de pronúncia sobre o pedido subsidiário feito no âmbito da resposta oferecida depois de proferido o despacho na Relação para exercício do contraditório (nos termos invocados do art. 655º, 1 e 3, do CPC).
Vejamos.
O acórdão recorrido, uma vez dada a pronúncia das partes pela Senhora Juíza Relatora no âmbito de aplicação desse art. 665º, 1 e 3 do CPC, após declaração da nulidade nos termos do art. 195º do CPC – bem ou mal aplicados tais normativos, não interessa aqui agora discutir –, não se pronunciou igualmente sobre o pedido do Recorrente sobre a remessa do processo ao tribunal que se considerasse competente pela Relação, se decidisse confirmar a decisão de 1.ª instância, como confirmou.
Tal pronúncia justificou-se pela circunstância de, reconhecida a nulidade processual decorrente da violação do art. 3º, 3, do CPC pela decisão de 1.ª instância, a Senhora Juíza Relatora ter considerado, preliminarmente, dar o contraditório às partes sobre o objecto da apelação, isto é, sobre a esfera de cognição da Relação. Depois, uma vez reiterado o objecto da apelação e feito um pedido subsidiário de remessa do processo para o tribunal que se considerasse competente em caso de perda de causa, julgamos que a Relação, a confirmar a decisão, como confirmou, teria que se pronunciar sobre a bondade do pedido inscrito na apelação pelo recorrente nessa resposta, ou seja, sobre a consequência processual de determinação de um tribunal competente distinto do considerado como tal pelo recorrente aquando da interposição do recurso de revisão.
Na verdade, não podemos olvidar que o contraditório plasmado no art. 655º, 3, do CPC – mesmo que possa ter sido desacertadamente configurado no caso (foi invocada a articulação com o n.º 1) –, está claramente pensado para que as partes possam “produzir alegações complementares sobre as questões, não decididas pelo tribunal recorrido, que a Relação irá apreciar”3. Logo, não nos podemos abstrair da sua função e da correspondente natureza da resposta: complementar as alegações de recurso, sem extravasar ou alargar o seu âmbito. Se assim é, mesmo que gizado na lei para outro efeito (v. o n.º 2 do art. 655º do CPC), podemos ver nessa pronúncia uma espécie de resposta a um convite para completar ou concretizar as conclusões da alegação de recurso, de acordo com o art. 639º, 3, do CPC, sem que nele se possa desrespeitar o objecto do recurso que fica definido nas alegações originais4.
E assim foi no caso.
Quando o Recorrente Apelante responde ao aludido despacho para contraditório, o certo é que não foi ampliado o objecto do recurso – tal seria ilícito processualmente (art. 635º, 2 a 4, CPC) e deveria ser rejeitado na esfera de conhecimento do tribunal de recurso.
Ao invés.
Foi reiterado o objecto recursivo, repetidas as alegações anteriores e subsidiariamente acrescido – é o que agora importa salientar – que, no objecto recursivo delimitado – a competência absoluta em razão da hierarquia do tribunal de 1.ª instância para apreciar do recurso de revisão –, a não ser concedido provimento à apelação, o tribunal determinado como competente em alternativa ao escolhido pelo recorrente fosse objecto da remessa do processo, se aplicável determinado regime jurídico. Logo, materialmente, não temos aqui uma questão que tenha sido ilegitimamente adicionada e cujo conhecimento possa ser precludida; antes uma questão que resulta como – na perspectiva do alegado pelo Recorrente – sequencial e esgotante da questão de competência submetida à sindicação da Relação.
Além do mais, tal visão no processo em concreto decorre de uma extrapolação do princípio inerente ao art. 7º, 2, do CPC – «O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.» –, pois deste irradia uma inequívoca tutela da confiança das partes ouvidas quanto à obtenção de decisão das questões levantadas nessa pronúncia e desde que legitimamente levantadas para efeitos do dever de apreciação do art. 608º, 2, do CPC (aplicável por força do art. 663º, 2, do CPC).
Assim, julgamos que a Relação se deveria ter pronunciado sobre tal pedido, a título subsidiário formulado, uma vez que tal surgiu como complemento de regime do dispositivo decisório em sede de recurso e, ademais e acima de tudo, como questão de direito conexa com a questão recursiva, relativa à aplicação ou não do art. 105º, 3, às situações previstas nos arts. 278º, 2, e 576º, 2, do CPC – assim incorrendo o acórdão recorrido em “omissão de pronúncia”, que urge reparar na instância própria.
Logo, é de deferir esta nulidade relativa a questão não apreciada, por aplicação do art. 615º, 1, d), 1.ª parte, ex vi art. 666º, 1, do CPC, merendo provimento as Conclusões 75) a 81).
3.3. Uma vez julgada procedente a nulidade baseada em “omissão de pronúncia”, nos termos vistos, aplica-se o art. 684º, 2, do CPC, mandando-se assim baixar o processo para se proceder à reforma da decisão afectada.
Note-se que o art. 679º não permite, em coerência, a aplicação do art. 665º do CPC.
4. Uma vez assim decidida previamente a questão da nulidade arguida pelo Recorrente no sentido predito, e aplicado o regime subsequente de reforma da decisão anulada, fica prejudicado o conhecimento das demais questões recursivas, nos termos do art. 608º, 2, 2.ª parte, ex vi arts. 663º, 2, e 679º, do CPC, a começar pelas nulidades referidas supra, em 3.1.
III) DECISÃO
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a revista, ordenando-se a devolução dos autos à Relação, para suprimento do acórdão recorrido mediante decisão da questão invocada pelo Apelante em face da improcedência da apelação, proferindo-se nova decisão reformada, pelos mesmos juízes se possível.
Custas pela Recorrida em face do decaimento nesta instância, ademais expresso nas suas contra-alegações (art. 527º, 1 e 2, CPC).
STJ/Lisboa, 1/10/2024
Ricardo Costa (Relator)
Luís Correia de Mendonça (Com declaração de voto.)
Luís Espírito Santo
Não acompanho a totalidade da fundamentação, porquanto:
1. No recurso de apelação interposto, em lado nenhum o recorrente pede a remessa do processo para o Tribunal da Relação, em caso de improcedência. As suas alegações terminam assim: «Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V.Exas. assim se requer a REVOGAÇÃO do Despacho recorrido determinando-se o prosseguimento do processo, com todas as consequências daí resultantes, fazendo-se assim a costumada Justiça!».
2. A Sra. Desembargadora proferiu um despacho, ao abrigo do artigo 665.º, 1 e 3, com a seguinte parte decisória: «Deverão as partes ser ouvidas sobre o objecto da apelação, sem prejuízo de se colherem os fundamentos dos litígios das alegações e contra-alegações anteriormente apresentadas».
3. Foi este o exacto teor do que foi notificado às partes.
4. Ou seja: fez-se expressa e inequívoca referência a que as partes se podiam pronunciar, no âmbito das alegações e contra-alegações, sobre a questão de saber qual era o tribunal competente para a tramitação do recurso de revisão, se o segundo grau, como foi decidido na 1.ª instância, ou se esta mesma instância, como pretendia o recorrente.
5. O recorrente aproveitou a notificação para pedir que os autos fossem remetidos para o tribunal competente, caso a decisão recorrida fosse confirmada.
6. Penso que o recorrente não podia acrescentar às alegações este pedido dirigido ao segundo grau.
6.1. O recorrente sabia, ou devia saber, que não estava em causa qualquer questão que tivesse ficado prejudicada pela solução dada a outras.
6.2. O perímetro da sua pronúncia foi o indicado na notificação acima referida.
6.3. Porém, aproveitou a ocasião para deduzir o referido pedido.
6.4. O nosso processo civil é preclusivo. A inobservância dos ónus que impendem sobre as partes dá lugar a preclusões.
6.5. As conclusões de recurso delimitam-no objectivamente (artigo 635.º, 2 a 5).
6.6. Estando pendente o recurso podem ocorrer alterações do seu objecto.
6.7 Não se prevê que tal possa acontecer quanto ao pedido, salvo acordo das partes (artigo 264.º).
Lisboa, 1.10.2024
Luís Correia de Mendonça
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
_____________________________________________
2. Para esta interpretação extensiva do art. 671º, 1, do CPC, no que toca a esse segmento normativo de admissibilidade da revista, v. ABRANTES GERALDES, “Artigo 671º”, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, págs. 353 e ss.↩︎
3. Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 655º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 185.↩︎
4. Como assim é quanto ao conteúdo lícito da peça correspondente ao aperfeiçoamento: por todos, ABRANTES GERALDES, “Artigo 639º”, Recursos cit., pág. 158.↩︎