DEPÓSITO BANCÁRIO
BANCO
ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
REPRESENTAÇÃO LEGAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
COMISSÃO
CULPA
Sumário


I. Na execução de contratos de depósito bancários, o banco depositário é responsável perante os depositantes pelos actos dos seus “representantes legais” ou das pessoas que utilize como “auxiliares” para o cumprimento das obrigações contratuais, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor depositário, nos termos do regime da responsabilidade contratual prevista no art. 800º, 1, do CCiv., aqui se incluindo os prestadores de serviços na realização das suas actividades típicas e próprias (fora do âmbito de aplicação do regime de responsabilidade extracontratual objectiva do art. 500º do CCiv.: relação comitente-comissário); estamos perante um efeito de uma obrigação anteriormente constituída na relação bancária entre as partes contratantes, permanecendo a obrigação idêntica, não obstante a modificação do dever de prestar num dever de indemnizar, tendo em conta o recurso do devedor a terceiros para o cumprimento da obrigação.
II. Sendo responsabilidade por incumprimento do depositário, aplica-se a claúsula legal de assunção de risco por conta do adquirente prevista no art. 796º, 1, do CCiv. («Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.»), decorrente da transferência das disponibilidades monetárias depositadas e da obrigação de restituição das quantias depositadas a crédito dos depositantes.
III. A relevância do art. 796º do CCiv. surge em casos equivalentes ao «perecimento» ou «deterioração» dos fundos em depósito bancário, de tal forma que o risco de extravio ou desvio ou dissipação, enquanto causas de perda ou “destruição” (em sentido amplo), das quantias monetárias depositadas nas contas tituladas pelos depositantes, por facto alheio a estes últimos (inimputável, portanto), corre por conta e risco do depositário, banco-proprietário das quantias, independentemente da existência de culpa deste último; logo, a movimentação fraudulenta, em benefício do “gestor”-prestador de serviços do banco depositário, sem conhecimento e contribuição da conduta e vontade dos depositantes, conducente ao incumprimento da obrigação de restituição das quantias provisionadas nas contas bancárias e movimentadas com dissipação ilícita por parte desse “gestor”, constitui um risco inoponível aos depositantes enquanto titulares das contas e dos depósitos bancários.
IV. Sendo indiferente a existência de culpa, ainda que presumida (art. 799º, 1, CCiv.), do banco depositante nesse acto de dissipação fraudulenta e dissimulada, em prejuízo dos depositantes, mesmo que a conseguisse ilidir por qualquer outra justificação indiferente à utilização de representantes legais ou auxiliares, em face do regime sobreponível do risco assumido por força da lei pelo adquirente dos fundos, previsto no art. 796º, 1, do CCiv., uma vez aplicável ao incumprimento do devedor e consequente responsabilidade determinada nos termos do art. 800º, 1, do CCiv., transmuta esta responsabilidade numa responsabilidade objectiva, sendo irrelevante a culpa do devedor depositário para efeitos de responsabilização, nomeadamente na relação com os representantes legais e auxiliares aos quais se deve a convocação do «perecimento» ou «deterioração» da coisa (e desde que não haja causa de imputabilidade aos depositantes nos actos abrangidos pelo art. 796º, 1, do CCiv.).

Texto Integral


Processo n.º 10927/19.0T8PRT.P1.S1

Revista excepcional – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 5.ª Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO

1. AA, BB e «C..., Lda. intentaram acção declarativa sob a forma de processo comum de declaração contra «Banco Best, S.A.» (doravante: «Banco Best») e CC, peticionando a condenação solidária dos Réus a pagarem: “a) à 2.ª autora a importância de €:40.000,00, acrescida de juros comerciais, em vigor em cada momento, desde 16.05.2014 até integral pagamento e que, na presente data de 16.05.2019, ascendem a €:14.057,00; b) Aos 1.os autores a importância de €:54.361,00 (câmbio de 1,1201, do fecho do dia 15.05.2019, aplicado sobre USD 60,890.00) acrescida de juros comerciais, em vigor em cada momento, desde 16.05.2014 até integral pagamento e que, na presente data de 16.05.2019, ascendem a €:19.103,80. Subsidiariamente, c) Devem declarar-se inexistentes, por falta de consciência na declaração, as ordens de transferência de €40.000,00 + € 40.000,00 + USD 60,890.,00 (€:54.361,00, por aplicação do câmbio 1,1201) efetuadas das contas da 2.ª autora e dos 1.os autores, respetivamente, para as contas do 2.º réu, devendo retornar às contas à ordem da 2.ª autora e dos 1.os autores. Sobre os referidos montantes são devidos juros à taxa comercial desde 16.05.2014 até integral reintegração dos montantes na conta de cada um dos autores e que à presente data (16.05.2019), ascendem a €:47.217,80, sendo €:28.114,00 devidos à 2.ª autora e €:19.103,80 devidos aos 1.os autores. d) Se ainda assim se não entender deve declarar-se a anulabilidade por dolo ou erro das ordens de transferência de €:40.000,00 + €:40.000,00 + US: 60.890,00 (€:54.361,00, por aplicação do câmbio 1,1201) efetuadas das contas da 2.ª autora e dos 1.os autores, respetivamente, para as contas do 2.º réu, devendo retornar às contas à ordem da 2.ª autora e dos 1.os autores. Sobre os referidos montantes são devidos juros à taxa comercial desde 16.05.2014 até integral reintegração dos montantes na conta de cada um dos autores e que à presente data (16.05.2019), ascendem a € 47.217,80, sendo €:28.114,00 devidos à 2.ª autora e €:19.103,80 devidos aos 1.os autores” (após rectificação “in fine”).

2. Tramitada a instância, incluindo o pedido dos Autores em litigância de má fé do Réu banco e a rejeição da ampliação do pedido requerida pelos Autores:

2.1. houve prolação de despacho saneador (com definição do objecto do litígio: “averiguação da responsabilidade civil de cada dos um RR derivada da violação do contrato de depósito bancário e apropriação indevida por parte do 2º Réu de saldos de depósitos pertentences aos AA, relação de comissão entre os RR, responsabilidade do 1º Réu por actos dos representantes ou auxiliares, falta de consciência na declaração por parte dos AA, dolo ou erro sobre o objecto do negócio na emissão das transferências bancárias em apreço nestes autos para a conta do 2º Réu, conhecimento da excepção da caducidade com apuramento da data em que os AA tomaram conhecimento dos referidos vícios, taxa de juros aplicável, culpa do lesado e abuso de direito”);

2.2. incluiu o julgamento de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao 2.º Réu CC, em face da respectiva declaração judicial de insolvência, transitada em julgado (arts. 128º, 3, 88º, 1, CIRE; 277º, e), CPC), prosseguindo a instância quanto ao 1.º Réu «Banco Best»;

2.3. culminou com sentença (19/12/2022) proferida pelo Juiz... do Juízo Central Cível ..., na qual se julgou a acção parcialmente procedente e se condenou a Ré «Banco Best, S.A.» a:

“a) entregar aos autores AA e BB a quantia de USD 60,890.00 (sessenta mil oitocentos e noventa dólares norte-americanos) ou o seu contravalor em Euros ao câmbio na data de citação, com o limite do contravalor em Euros ao câmbio em 1 de fevereiro de 2012 e com o limite (do pedido) de €54.361,00, acrescida de juros contados desde a data de citação e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559º do C.C.

b) Entregar à autora C..., Lda. a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros contados desde a data de citação e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559º do C.C.”

Mais se absolveu a Ré sociedade do pedido de litigância de má fé.

3. Interposto recurso de apelação pela Ré condenada «BEST – Banco Electrónico de Serviço Total, S.A.», o Tribunal da Relação do Porto (TRP) proferiu acórdão (22/5/2023), no qual, reapreciando a decisão sobre a matéria de facto, com rejeição, e aplicação do art. 800º do CCiv., se julgou improcedente a apelação e se confirmou a sentença recorrida.

4. Novamente inconformada, a Ré e Apelante interpôs recurso de revista excepcional para o STJ, invocando a al. a) do art. 672º, 1, do CPC, em face da dupla conformidade decisória impeditiva da revista normal (art. 671º, 3, CPC), visando a revogação e absolvição integral dos pedidos, “seja por manifesta inaplicabilidade ao caso do artigo 800.º do CC, seja por falta de preenchimento dos pressupostos de aplicação dos artigos 294.º-C, n.º 1, alínea a), do CdVM e 500.º, n.os 1 e 2, do CC, nem sequer ao abrigo do princípio da tutela da confiança, porquanto a alegada confiança dos Recorridos na lisura da actuação de CC, a ter existido, não foi, nem legítima, nem criada por qualquer acto imputável ao BEST.”

Os Autores apresentaram contra-alegações, sustentando a inadmissibilidade da revista excepcional e, em caso de admissão, a improcedência do recurso.




Remetidos os autos à Formação Especial a que alude o art. 672º, 3, do CPC, foi proferido acórdão de admissão da revista excepcional, delimitando o tema recursivo na “responsabilidade civil objetiva dos bancos por atos praticados por agentes que não dispõem de um vínculo laboral, em relação àquelas instituições”, “no contexto da complexificação dos vínculos estabelecidos entre as instituições bancárias e os seus colaboradores”.



Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir, nos limites da questão de direito identificada pelo acórdão proferido pela Formação aludida.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Factualidade apurada

1.1. Factos provados nas instâncias

1. O autor AA (adiante, AA), nascido em ... de junho de 1956, é médico ... e presta serviços médicos no Hospital Cuf ... onde coordena o Serviço de ..., atuando em nome individual e através da coautora C..., Lda., (adiante, C..., Lda.).

2. A primeira autora, BB (adiante, BB), tem 60 anos e é professora do ensino... (sendo os assuntos bancários geridos pelo autor).

3. A segunda autora, C..., Lda., pertence aos autores e às suas duas filhas, sendo o autor titular de uma quota de 70 %, a autora de 2% e as filhas 14%, cada uma, sendo o autor AA o gerente da sociedade.

4. O réu BEST – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., (adiante, Banco BEST) dedica-se às atividades bancária, de intermediação financeira e de mediação de seguros.

5. Entre 3 de maio de 2004 e 1 de setembro de 2016, o CC (adiante, CC) exerceu funções para o Banco BEST, em regime de prestação de serviços.

6. Desde momento anterior a 2010 e até 1 de setembro de 2016, CC geriu as contas dos autores e aconselhava o autor na constituição e na mobilização de aplicações financeiras, sendo o interlocutor dos autores nas suas relações com o Banco BEST.

7. CC exercia funções para o Banco BEST num gabinete de uma agência deste banco, onde dispunha de secretária, computador e documentos com o logotipo do banco, comportando-se como funcionário do Banco BEST.

8. CC circulava livremente pelo espaço da agência bancária onde exercia funções, acedendo aos computadores, impressoras, fotocopiadores e documentação do Banco BEST, consultando livremente as contas dos autores abertas junto deste réu.

9. Os autores estiveram sempre convencidos de que CC exercia funções para o Banco BEST como trabalhador dependente.

10. Se os autores soubessem que CC não tinha a qualidade de trabalhador dependente, subordinado ao Banco BEST, não teriam mantido um relacionamento com o réu e com CC, nos termos em que o fizeram.

2. Conta bancária n.º ...05

2.1. Constituição do saldo da conta n.º ...05

11. Em abril de 2007, o autor AA e DD, em nome da autora C..., Lda., e o réu Banco BEST subscreveram o documento intitulado “CONTA EMPRESA”, cuja cópia se encontra a fls. 77 verso do anexo documental, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONTA EMPRESA
Data
2007.04.16
N.º de Conta DO
...05
(…)
CONTA TRUST TIPO DE FICHA(…)
Abertura  (…)
(…)
CARACTERIZAÇÃO
Designação Social C..., Lda.

12. Em abril de 2007, o autor AA e DD, em nome da autora C..., Lda., subscreveram o documento junto aos autos a fls. 88 do anexo documental, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Tomei (…) conhecimento da integralidade das cláusulas que constituem as presentes Condições Gerais e declaro (…) (i) aceitá-las e (ii) autorizar o tratamento automático dos elementos constantes da ficha de abertura de conta (…). Mais declaro (…) que a Conta DO à qual está associada a Conta VM, nos termos previstos nas presentes Condições Gerais, é individual/colectiva, que somos os únicos titulares da mesma e que a Conta de Valores Mobiliários será movimentada nos mesmos termos e pelas mesmas pessoas indicadas para a Conta DO, a qual tem o n.º (…).

13. Em 27 de abril de 2011, foi creditado na conta bancária nº ...05 o montante de €85 000,00, respeitante ao reembolso antecipado do produto financeiro intitulado Notes ... 18%, subscrito em abril de 2008, acrescido do montante de € 15 300,00, respeitante ao valor líquido dos juros do produto, conforme extrato integrado da referida conta junto como doc. 11 a fls. 160 v. do anexo documental.

2.2. Movimentação da conta bancária nº ...05

14. Em 2 de maio de 2011, o réu Banco BEST executou o pedido constante do documento junto a fls. 290 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

15. Após a execução operação referida no ponto 14 – factos provados –, permaneceu um saldo de €87 565,12 na conta nº ...05, conforme extrato integrado da referida conta junto como doc. 1 a fls. 15 do anexo documental.

16. Em 16 de maio de 2011, o réu Banco BEST executou o pedido constante do documento junto a fls. 293 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

17. A conta de destino (do beneficiário) das duas transferências executadas referidas no ponto 14 – factos provados – e no ponto 16 – factos provados –, com o NIB ...86, encontrava-se aberta no Banco Espírito Santo, S.A. (adiante, BES) em nome de CC e de EE.

18. Nenhum dos autores subscreveu nem entregou ao Banco BEST as ordens de transferência referidas no ponto 14 – factos provados – e no ponto 16 – factos provados.

19. As transferências referidas no ponto 14 – factos provados – e no ponto 16 – factos provados – foram registadas no extrato integrado seguinte emitido pelo Banco BEST (extrato integrado com data de emissão de 01/06/2011, cuja cópia se encontra junta como parte do doc. 2 junto aos autos com o requerimento do réu REFª: ...02 de 07/09/2021, a fls. 357 v. do anexo documental) nos seguintes termos:

DataData ValorDescriçãoDébitoCréditosSaldo (…)
(…)
02/05/1102/05/11TRF TRANSFERÊNCIA P/ AA40.000,00 (…)
(…)
16/05/1116/05/11TRF TRANSFERÊNCIA P/ AA40.000,00 (…)

20. As ordens de transferência referidas no ponto 14 – factos provados – e no ponto 16 – factos provados – foram elaboradas pelo CC.

21. O CC, contra a vontade e sem o conhecimento dos autores, fez suas as quantias referidas no ponto 14 – factos provados – e no ponto 16 – factos provados –, sem prejuízo do referido no ponto 48 – entrega de €40.000,00.

22. CC aconselhou AA a transferir parte do saldo da conta referida no ponto 11 – factos provados – para constituição de depósito a prazo no BES, que fazia parte do mesmo grupo do Banco Best.

23. AA aceitou o conselho e ordenou ao CC que diligenciasse pela realização de duas transferências bancárias, de €40.000,00 cada, para a conta do autor junto do BES e para, subsequentemente, constituir um depósito a prazo, tendo o autor subscrito, para o efeito, os documentos que o CC lhe apresentou.

24. O autor AA estava convencido de que CC era funcionário do Banco BEST e que tinha poderes funcionais para subscrever instrumentos financeiros junto de outras instituições do Grupo BES/Novo Banco, designadamente, para constituir em seu nome depósitos a prazo no Banco Espírito Santo, S.A.

25. O CC não promoveu a realização das duas transferências bancárias, de €40.000,00 cada, para a conta do autor junto do BES, para constituição de depósito a prazo neste Banco.

3. Conta bancária nº ...08

3.1. Constituição do saldo da conta bancária nº ...08

26. Em 31 de maio de 2005, o autor AA e o réu Banco BEST subscreveram o documento intitulado “ABERTURA DE CONTA”, cuja cópia se encontra a fls. 75, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

27. Em 31 de maio de 2005, o autor AA subscreveu o documento junto aos autos a fls. 76, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Tomei (…) conhecimento da integralidade das cláusulas que constituem as presentes Condições Gerais e declaro (…) (i) aceitá-las e (ii) autorizar o tratamento automático dos elementos constantes da ficha de abertura de conta (…). Mais declaro (…) que a Conta DO à qual está associada a Conta VM, nos termos previstos nas presentes Condições Gerais, é individual/colectiva, que somos os únicos titulares da mesma e que a Conta de Valores Mobiliários será movimentada nos mesmos termos e pelas mesmas pessoas indicadas para a Conta DO, a qual tem o n.º ...08.

28. Em julho de 2011, o autor AA depositou na conta nº ...18, de que também era titular junto do Banco BEST, o cheque em dólares norte-americanos no valor de USD 63,703.18, sendo creditada nesta conta a quantia de USD 63.688,22, conforme docs. 12 junto a fls. 21 do anexo documental e Extrato Integrado com data de emissão 01/08/11, constante dos documentos juntos pelo réu em 07/09/2022 (ref. ...02), que se encontra junto a fls. 339 do anexo documental.

29. Em 5 de dezembro de 2011, o réu Banco BEST executou o pedido constante do documento junto a fls. 291 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

30. Após a execução operação referida no ponto 29 – factos provados –, permaneceu um saldo de USD 2.798,22 na conta n.º ...18, sendo creditado na conta ...08 o contravalor em Euros de € 45 071,15, conforme Extrato Integrado com data de emissão 01/01/12, constante dos documentos juntos pelo réu em 07/09/2022 (ref. ...02), que se encontra junto a fls. 346 v.º a fls. 350 do anexo documental.

3.2. Movimentação da conta bancária nº ...08

31. Em 5 de dezembro de 2011, o réu Banco BEST executou o pedido constante do documento junto a fls. 292 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:


PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA OUTRA CONTA À ORDEM

PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA CONTA À ORDEM EM OUTROS BANCOS

Nº Conta D.O.
...08
DATA DA ORDEM
(…)05/12/2011
 INTERNA INTERBANCÁRIA
IDENTIFICAÇÃO DO CLIENTE
Nome: AA
(…)
IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO
Nome: AA
NIB ...86 (…)
Banco: BES
(…)
DETALHE DE ORDENS
Montante: 45000 Moeda EUR
Motivo: Particular
(…)
Data de Assinatura 05/12/2011
(…)

32. Nenhum dos autores subscreveu nem entregou ao Banco BEST as ordens de transferência referidas no ponto 29 – factos provados – e no ponto 31 – factos provados.

33. As ordens de transferência referidas no ponto 29 – factos provados – e no ponto 31 – factos provados – foram elaboradas pelo CC.

34. O CC, contra a vontade e sem o conhecimento dos autores, fez sua a quantia referida no ponto 31 – factos provados.

35. Em dezembro de 2011, CC aconselhou o autor a constituir um depósito a prazo em dólares norte-americanos.

36. O autor acolheu o conselho e deu instruções a CC para constituir um depósito a prazo em dólares norte-americanos com o valor referido no ponto 28 – factos provados.

37. O CC não constituiu um depósito a prazo em dólares norte-americanos em nome dos autores.

38. Em 1 setembro de 2016 CC apresentou ao réu a rescisão, com efeitos imediatos, da prestação de serviços que era efetuada para o Banco BEST nos termos referidos no ponto 5 – factos provados.

39. Tal rescisão foi apresentada na sequência e com o conhecimento pelo referido CC dos resultados de uma auditoria interna realizada pelo BES, que detetou irregularidades na atividade por si desenvolvida no âmbito da prestação de serviços efetuada para o Banco BEST.

40. Após a rescisão supra referida, o Banco réu limitou-se a comunicar aos autores que iam ter um novo gestor, em substituição do CC, que passou a ser, no decurso do ano de 2017, FF.

41. Os autores estavam convencidos que CC continuava a ser funcionário do Banco BEST, tendo apenas mudado de funções e local de trabalho, desconhecendo os factos referidos nos pontos 38 – factos provados − e 39 – factos provados.

42. Em 24 de março de 2017, o autor compareceu, na sequência de solicitação do Banco BEST, numa reunião em que estiveram presentes, pelo menos, GG, quadro diretivo do primeiro réu, e HH “...” responsável pela equipa de que fazia parte o agente responsável pelo acompanhamento dos autores, e o primeiro autor.

43. Na reunião referida no ponto 42 – factos provados – foram exibidos ao autor AA os documentos denominados “Património Integrado”, com datas de 24-03-2017, juntos como parte do doc. 10 a fls. 155 verso e 156 frente e a fls. 158 do anexo documental, tendo sido solicitado ao autor que confirmasse tais extratos, face ao que o autor AA assinou abreviadamente os referidos documentos.

44. Nessa reunião, não foi comunicado ao autor AA nem foi o mesmo confrontado com a existência das transferências referidas nos pontos 14 – factos provados −, 16 – factos provados − e 31 – factos provados −, efetuadas para conta bancária titulada pelo CC.

45. Nessa reunião, o AA não denunciou a falta de nenhuma aplicação a prazo.

46. Em maio de 2017, AA contactou telefonicamente CC, informando-o de que precisava de desmobilizar um dos depósitos a prazo de € 40.000,00, porque iria precisar desse dinheiro a curto prazo.

47. O CC tentou dissuadir o autor, afirmando que iria perder dinheiro, por beneficiar de uma taxa de juro que nenhum outro banco oferecia, mas, tendo o autor comunicado que necessitava do dinheiro para uma aquisição de uma moradia em Moledo, o referido CC disse ao autor que ele próprio trataria da movimentação de um dos depósitos a prazo de €40.000,00, para a conta pessoal à ordem junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., com o NIB ...51, conta essa que foi indicada pelo autor nesse telefonema.

48. Na sequência do telefonema referido no ponto 46 – factos provados –, o CC transferiu para a conta do autor AA junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., com o NIB ...51, as seguintes quantias:

##DataDescriçãoValor €)
a)31-05-2017TRF CC5 000,00
b)02-06-2017TRF CC15 000,00
c)02-06-2017TRF CC10 000,00
d)07-06-2017TRF CC10 000,00
Total40 000,00

49. Apenas em dezembro de 2018, os autores tomaram conhecimento do facto descrito no ponto 14 – factos provados –, do facto descrito no ponto 16 – factos provados – e do facto descrito no ponto 37 – não constituição de um depósito a prazo em dólares norte-americanos.

50. E que as transferências referidas em 48 – factos provados − tinham sido efetuadas em parcelas, a partir de conta bancária titulada pelo referido CC.

51. Entre 2007 e 2018, os autores receberam mensalmente, nas moradas por si indicadas, extratos integrados de ambas as contas referidas, com descrição de todos os seus saldos e movimentos, além da composição detalhada do seu património financeiro.

52. Entre os anos 2007 e 2016, nos extratos integrados emitidos pelo Banco BEST e remetidos aos autores, o nome do CC surge no cabeçalho nos moldes constantes do documento 9 junto com a contestação (fls. 144), onde constam os dizeres, para além do mais que aqui se dá por transcrito:

53. A partir de março de 2017, nos extratos integrados emitidos pelo Banco BEST e remetidos aos autores, o nome de FF surge no cabeçalho nos moldes constantes do documento 9 junto com a contestação, onde constam os dizeres, para além do mais que aqui se dá por transcrito:

54. A mobilização antecipada de depósitos a prazo é sempre efetuada pelo Banco BEST por crédito na conta à ordem associada à conta a prazo em causa, e nunca por transferência bancária direta para outra conta.

55. Os documentos juntos com a petição inicial com os nºs 4 a 11, a fls. 17 a 20 do anexo documental, e com os n.os 15 e 16, a fls. 25 verso e 26 do anexo documental, são falsos, tendo sido elaborados por CC e entregues ao autor AA como sendo verdadeiros.

1.2. Factos não provados pelas instâncias

56. AA trabalha, em média, 12 a 14 horas por dia, incluindo, muitas vezes, aos fins de semana e feriados.

57. BB não tratava dos negócios bancários nem das aplicações financeiras do casal.

58. CC exerceu funções para o Banco BEST com a categoria de “agente vinculado”, dedicando-se apenas à prospeção de investidores, sem solicitação prévia destes, fora do estabelecimento do Banco BEST, com o objetivo de captação de clientes para atividades de intermediação financeira do primeiro réu.

59. CC desenvolvia a sua atividade de forma totalmente autónoma e independente, e sem qualquer subordinação ao Banco BEST.

60. As duas ordens de transferência referidas no ponto 14 – factos provados – e no ponto 16 – factos provados – foram preenchidas de acordo com instruções recebidas do autor AA, sendo por este assinadas, em representação da autora C..., Lda..

61. As duas ordens de transferência referidas no ponto 29 – factos provados – e no ponto 31 – factos provados – foram preenchidas de acordo com instruções recebidas do autor AA, sendo por este assinadas.

62. O CC atuou nos termos acima descritos nos factos provados com o conhecimento do Banco BEST.

63. Na reunião referida no ponto 42 – factos provados:

a) O Banco BEST entregou ao autor AA todos os extratos integrados das contas bancárias dos autores;

b) Foram por ambos analisadas todas as movimentações bancárias nas referidas contas, especialmente as que tiveram lugar nos anos de 2011 e 2012;

c) O autor AA confirmou a regularidade de todos os movimentos das referidas contas;

d) AA confirmou o património financeiro dos autores junto do Banco BEST;

e) O autor AA foi informado que CC já não prestava serviços para o Banco BEST.

64. O constante do ponto 54 – factos provados − é do conhecimento dos autores.

2. Objecto do recurso

Confrontadas as Conclusões da revista com o acórdão proferido pela Formação, cinge-se a revista à apreciação da responsabilidade civil da Ré «Banco Best» por actos praticados pelo prestador de serviços CC, para o efeito de ajuizar o pedido de restituição dos montantes de capital depositados e transferidos das contas bancárias dos Autores, sem a sua autorização, devido à actuação desse CC, no contexto de interpretação e aplicação dos regimes dos arts. 500º ou 800º do CCiv.

3. Fundamentação de direito

3.1. Resulta da factualidade provada que o Autor AA, por si, em nome pessoal, e em representação da Autora sociedade «C..., Lda.», depositou quantias em dinheiro junto do Banco réu, transferindo a respectiva propriedade para este último, que delas passou a poder dispor e fruir por conta própria, obrigando-se a restituir o saldo existente ao depositante, quando por ele solicitado. Assim é uma vez que tais operações se basearam na celebração de contratos de depósito bancário pelos Autores com a instituição de crédito Ré (enquanto tal: arts. 3º, 1, a), 4º, 1, a), 8º, 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro: RGICSF).

Por outro lado, em 31 de Maio de 2005, o autor AA e o Réu Banco BEST subscreveram o documento intitulado “Abertura de Conta”, mediante o qual procederam à abertura de conta bancária n.º ...08 – cfr. factos provados 26.-27.

Por seu turno, em Abril de 2007, o autor AA e DD, em representação da sociedade autora «C..., Lda.», e o Réu «Banco Best» subscreveram o documento intitulado “CONTA EMPRESA”, mediante o qual procederam à abertura da conta bancária n.º ...05 – cfr. factos provados 11.-12.

Neste contexto factual, é visível a tradução do princípio geral de que a relação bancária (duradoura, por definição) enquanto tal surge com a celebração do contrato de “abertura de conta” ou de “conta bancária”.




A primazia do contrato de abertura de conta (contrato primogénito e nuclear) como fonte da relação bancária geral subjacente conduz a um quadro para a celebração de diversos outros contratos, vistos como convenções acessórias ou satélites mas autónomas, com carácter necessário (regula a conta-corrente bancária), usual (como a constituição de depósitos bancários que o banqueiro se obriga, desde logo, a receber na conta do titular) e eventual (convenção de cheque, emissão de cartões bancários, concessão de crédito por descobertos em conta, etc.)1.

Ademais, “a relação jurídica entre banco e cliente instituída por aquele contrato nuclear vai-se renovando sucessivamente mediante a movimentação da conta. Com efeito, a dinâmica própria desta relação, e dos sucessivos contratos bancários singulares germinados no seu seio, originará créditos e débitos para ambos os contraentes que terão o seu reflexo contabilístico na conta do cliente, através de um mecanismo de conta-corrente: tal movimentação realiza-se, fundamentalmente, a crédito, mediante a realização de actos de depósito de fundos (v.g., entregas de dinheiro legal ou escritural, transferências, rendimentos líquidos de operações diversas, etc.) e, a débito, mediante actos de disposição de fundos (v.g., levantamentos de caixa, saques de cheques, transferências, pagamentos domiciliados, liquidação de operações cambiais, etc.)”2.




O contrato de depósito bancário, enquanto convenção acessória do contrato de “abertura de conta”, caracteriza-se por dois elementos essenciais: (i) a entrega material ou electrónica pelos depositantes de uma quantia em dinheiro ao banco depositário, que passa a ser titular da propriedade e risco das disponibilidades monetárias depositadas (arts. 1316º e 796º do CCiv.); (ii) a restituição de igual quantia nos termos acordados, usualmente acrescida de juros. Estamos perante negócios reais “quoad constitutionem”, que exigem, além do acordo das partes, um acto material de entrega dos fundos monetários, e “quoad effectum”, pois implicam a transferência da propriedade dos fundos para o banco, ficando o depositante (anterior proprietário dos fundos) na titularidade (por conversão do seu direito real) de um direito de crédito à restituição das quantias depositadas.3

Estes elementos constituem o feixe de direitos e obrigações fundamentados para as partes no contrato celebrado em função da abertura de conta bancária.

Como depósito atípico ou irregular (com aplicação, na medida da compatibilidade, do regime jurídico do mútuo) – arts. 1205º-1206º CCiv. –, aplica-se-lhe os arts. 1144º, 1142º, 1185º e 1187º, als. a) e c), do CCiv.4.

Assim sendo.

De acordo com o disposto no artigo 1185º do Civ., “depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida”.

Estando em causa o depósito de quantias em dinheiro, ou seja, coisas fungíveis, o art. 1205.º do mesmo Código qualifica-o como “depósito irregular”, ao qual se aplicam, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo (art. 1206.º do CCiv.), ou seja, as normas previstas nos arts. 1142º e ss; salientando-se a transferência da propriedade sobre o dinheiro depositado para o depositário, aquando da sua entrega (art. 1144º), tratando-se, como vimos, de um contrato real, exigindo a sua constituição a entrega de dinheiro, ficando o depositante obrigado a restituir ao depositário outro tanto do mesmo género e qualidade (art. 1142º), colocando este último na titularidade de um direito de crédito sobre o valor equivalente à quantia monetária depositada e aos frutos/juros remuneratórios que tenham sido estipulados (art. 1145.º)5.

Como contrato conexo com a (abertura de) conta bancária (contrato-matriz), beneficia do regime de movimentação acordado para o caso de ser uma conta colectiva (aberta ou ulteriormente colocada no nome de dois ou mais titulares): solidária (livremente movimentada a débito por qualquer um dos titulares), conjunta (apenas movimentada simultaneamente por todos os titulares) ou mista (alguns dos titulares podem movimentar a conta mas apenas em conjunto com outro ou outros dos titulares).

Este regime de movimentação e funcionamento dos débitos em conta6 constitui declaração tácita sobre a solidariedade ou conjunção do direito de crédito à restituição perante o banco proprietário dos fundos depositados (arts. 512º, 1, 2ª parte – «cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles»; 513º – resulte «da vontade das partes» – e 217º; do CCiv.)7.

Em suma.

Os contratos de depósito bancário celebrados entre os Autores e o Réu banco estão, assim, indissociavelmente ligados à abertura de contas bancárias, nas quais se vão registando as entregas feitas pelo cliente, ao abrigo dos referidos contrato de depósito, bem como todos os levantamentos, representando essas contas a expressão contabilística dos depósitos.

Resulta ainda da materialidade apurada como assente que as “contas bancárias” acima indicadas se tratam de “contas à ordem”, também denominadas “contas à vista”, previstas na al. a) do n.º 1 do art. 1º do DL 430/91, de 2 de Novembro; no respectivo n.º 2, prevê-se que os depósitos à ordem são exigíveis a todo o tempo, pelo que a qualquer momento os seus titulares têm a faculdade de exigir do banco o pagamento, total ou parcial, do seu crédito, banco que, por sua vez, é obrigado a ter permanentemente o montante respectivo à disposição do titular8.

3.2. Assim sendo, a 1.ª instância, quanto aos pedidos feitos de restituição das quantias mobilizadas nas contas bancárias, considerou:

“Por força do acordo firmado entre as partes, deveria o banco réu guardar os montantes que recebeu em depósito (art. 1187.º, als. a) e d), do Cód. Civil), restituindo-os a solicitação dos depositantes: a existência de uma causa extintiva da obrigação é matéria de exceção. Traçando o perfil da causa de pedir, distinguindo a matéria de ação da matéria de exceção, cabe aos autores provar que depositaram um determinado valor, cabendo ao réu Banco BEST restituir o montante depositado – ou, melhor, fazer refletir tal depósito na conta corrente bancária – ou alegar e provar que a conta foi movimentada a débito pelo seu titular. O mesmo é dizer que cabe ao réu Banco BEST demonstrar que os movimentos a débito na conta corrente bancária que efetuou procedem de ato do depositante – ainda que se traduzam na mera cobrança de comissões contratadas –, e não aos depositantes provar que tais movimentos não procedem de ato seu.

Emerge com clareza dos factos provados que, uma vez demonstrada a existência dos saldos referidos no ponto 13 – factos provados – e no ponto 28 – factos provados –, o réu Banco BEST não logrou provar que os movimentos a débito por si refletidos nas contas-correntes bancárias dos autores resultam da execução de ordens por estes emitidas. Ou seja, o réu não provou a existência de uma exceção que extinga a sua obrigação de fazer refletir tais saldos nas contas correntes bancárias nem a existência de uma exceção que extinga a sua obrigação de entrega de “outro tanto”, a solicitação dos depositantes.

Não vale aqui dizer que o autor AA também ordenou duas transferências de € 40 000,00, cada. A instrução dada pelo autor AA a CC não é a ordem que foi executada pelo Banco BEST, como é evidente. E é relativamente a esta, isto é, à concreta ordem executada, que tinha o depositário o ónus de provar que provinha do depositante. Não o logrou fazer. Provou-se, ao invés, que não provinha do depositante, tendo sido forjada por CC, preposto do Banco BEST; assim como resulta dos factos provados que foi este a estimular AA a emitir uma instrução que facilitaria a fraude, por retirar dos extratos do Banco BEST a quantia subtraída (40 000,00 + 40 000,00). Idêntico raciocínio pode ser desenvolvido em torno da instrução para movimentação da conta em dólares norte‑americanos, embora aqui, como veremos mais adiante, o esquema adotado por CC para encobrir a sua atuação apresente falhas ostensivas, o que tem implicações em matéria de culpa do lesado (na contenção dos danos provocados).

Em suma, a recusa do réu Banco BEST em fazer refletir as quantias depositadas nas contas-correntes bancárias dos autores constitui um ostensivo ilícito contratual. Se usou ou não de colaboradores, isso é irrelevante (art. 800.º do Cód. Civil) – embora seja até notório que usou, pois trata-se de uma pessoa coletiva. Mostra-se, pois, verificado o pressuposto da ilicitude.”

Por outro lado, argumentou:

“O réu Banco BEST dispensa boa parte dos seus recursos argumentativos em torno de uma questão absolutamente irrelevante: a sua relação com CC. Desta relação parece querer extrair, além do mais, a ausência de culpa sua na execução dos movimentos a débito nas contas-correntes dos autores. Sem razão, manifestamente.

A norma contida no art. 799.º do Cód. Civil impõe que se conclua que sobre a instituição de crédito recai uma presunção de culpa na insatisfação do dever de fazer refletir os ativos depositados na conta-corrente bancária – e de restituir “outro tanto” aos depositantes. O réu Banco BEST não ilidiu esta presunção – pelo contrário –, de nada lhe valendo afirmar que recebeu uma ordem escrita pela mão do seu agente CC. É este um problema interno do réu, nada tendo os autores a ver com ele. De todo o modo, sempre se dirá que, ao contrário de ilidir a presunção de culpa, o comportamento do réu Banco BEST e a natureza do seu relacionamento com CC reforçam o juízo de censura.

O dever de diligência das instituições de crédito encontra-se previsto nos arts. 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), nestes se estabelecendo, por exemplo, que “As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência” (art. 73.º) e que “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral” (art. 75.º). Estas regras são aplicáveis a todas as instituições bancárias – cfr. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 1998, p. 304.

O dever de diligência das instituições bancárias transcende, na sua exigência, o do bom pai de família, constante do artigo 487.º, n.º 2, do Cód. Civil (cfr. o art. 799.º, n.º 2, do Cód. Civil). Vale aqui o paralelismo entre a citada norma enunciada no art. 73.º do RGICSF e a norma descrita no art. 304.º, n.º 2, do CVM – que impõe o respeito dos “ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” – para se poder invocar a doutrina desenvolvida sobre esta, de acordo com a qual ela estabelece “um padrão de diligentissimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam” − cfr. Gonçalo Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 209 e 210. Em conformidade com este padrão, a violação do dever acessório de diligência será afirmada se o agente atuar com um descuido evitável a qualquer instituição bancária que satisfaça o seu dever de adotar os procedimentos básicos próprios da sua atividade (diligentissimus pater famílias), exigidos para a satisfação dos fins tutelados pela norma violada. Afirmando estar a instituição bancária sujeita a um grau de diligência superior ao que é imposto ao “cidadão médio”, diligência ajustada a cada caso e cliente concretos, dado o intuitus personae negocial presente, ver os Acs. do STJ de 16-09-2014 (333/09.0TVLSB.L2.S1), de 05-04-2016 (4640/11.4TBRG.G2..S1), de 18-11-2008 (08B2429), de 05-06-2018 (765/15.5T8LSB.L1.S1), de 06-11-2018 (2468/16.4T8LSB.L1.S1) e de 11-07-2017 (996/13.2TVLSB.L1.S1), do TRP de 14-06-2010 (6474/03.0TVPRT.P1) e do TRC de 15-01-2019 (5600/11.0TBLRA.C1).

Tal como já foi adiantado, exige-se a uma instituição de crédito normalmente diligente que, a jusante, disponha de meios técnicos e funcionários especializados na deteção de irregularidades internas − cfr. o arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro). Exige-se que escolha para seus colaboradores, independentemente do vínculo em que assenta essa colaboração – prestação de serviços; contrato de trabalho −, pessoas especialmente honestas e probas, ainda à luz dos arts. 762.º, n.º 2, do Cód. Civil e 73.º a 75.º do RGICSF. A insatisfação daquelas exigências revela culpa in vigilando; a insatisfação destas representa uma culpa in eligendo. É, manifestamente, o que ocorre no caso dos autos.

Importa repisar que é irrelevante o tipo contratual escolhido pelo réu Banco BEST para recrutar os seus operacionais. Recorde-se que estabelece o art. 248.º do Cód. Comercial que “é gerente de comércio todo aquele que, sob qualquer denominação, consoante os usos comerciais, se acha proposto para tratar do comércio de outrem no lugar onde este o exerce ou noutro qualquer”. Este enunciado oferece, pois, a noção de “gerente de comércio” − que também se denomina proposto ou preposto. Tal noção “não corresponde a um conceito, e muito menos a uma definição. Antes, traduz uma descrição tipológica de uma realidade” – cfr. Pedro L. Pais de Vasconcelos, «A preposição», Revista de Direito Comercial, junho de 2017, p. 181, disponível em revistadedireitocomercial.com; este artigo sumariza a obra do mesmo autor A Preposição – Representação Comercial, Coimbra, Almedina, 2017, à qual devem ser creditadas as considerações dogmáticas que se seguem, sem diferente menção de autoria.

Sobre a instituição do gerente de comércio, sustentava Adriano Anthero que, “quando a gerência resulta de contracto, pode ser estabelecida por contracto expresso ou por contracto tácito; por exemplo, neste último caso, quando o (…) dono de algum estabelecimento commercial põe qualquer pessoa á testa d’elle, sem contracto escripto” – cfr. Adriano Anthero, Comentário ao Código Commercial Portuguez, Vol. II, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1930 (?), pp. 48 a 50. Ou seja, preposto (na terminologia de L. Pais de Vasconcelos) acaba assim por ser qualquer pessoa que surja pública e estavelmente à frente (na “boca de cena”) da atividade própria desenvolvida por uma empresa comercial. Tal como enfatiza L. Pais de Vasconcelos, o facto de o preposto ser um trabalhador ou um mandatário do comerciante não carateriza, nem descaracteriza, a preposição, já que qualquer relação que atribua o papel público e estável de interlocutor do negócio do preponente com o mercado – máxime, numa interação com clientes − pode constituir a relação subjacente à preposição. Deste modo, o regime do arts. 248.º e segs. do Cód. Comercial opera uma abstração da relação externa face à relação interna, de tal modo que esta deixa de ser oponível perante terceiros, tornando-se juridicamente irrelevante para saber se o comerciante fica, ou não, vinculado e se é responsável pela atuação do seu preposto.

Decorre do regime traçado no art. 248.º e segs. do Cód. Comercial que, na preposição, a lei associa um poder de representação ao desempenho de determinada função social típica, que abrange todos os atos praticados no âmbito dessa função. A esta modalidade de representação, a doutrina (L. Pais de Vasconcelos) dá o nome de representação institória (p. 207 e segs.). Quando uma pessoa exerce uma ocupação socialmente típica no seio de uma estrutura empresarial, surgindo como representante da empresa, com a (pelo menos) tolerância do comerciante, a lei associa à sua atuação a existência dos inerentes poderes de representação, independentemente do que decorre da relação subjacente. Na representação institória, os poderes de representação que relevam, como regra, são os poderes que decorrem do status externo do agente (conteúdo identitário da ocupação socialmente típica), e não da relação (interna) que o liga ao titular da empresa. Por esta razão, em regra será irrelevante que a relação interna – por exemplo, o contrato de trabalho – compreenda, ou não, a estipulação de uma procuração (o que explica, aliás, o regime previsto no art. 409.º do Cód. Soc. Comerciais).

No domínio das relações meramente civis, apenas há representação se o representante agir declaradamente em nome alheio (em nome do dominus). Diferentemente, no âmbito das normais relações comerciais não é invocada a razão social do dono do negócio. Apenas se atuasse por conta alheia, somente se invocando, quando muito, uma marca ou um outro sinal substancialmente distintivo do Comércio. “O critério operacional na preposição é a atuação por conta alheia, e não a atuação em nome alheio” (L. Pais de Vasconcelos).

CC era um preposto do réu Banco BEST. Veja-se que até no cabeçalho dos extratos emitidos pelo banco constava o nome daquele funcionário: cfr. o facto 52 – nada acrescentando a pomposa indicação de um título em língua estrangeira (sendo certo que os clientes não são obrigados, sequer, a saber falar inglês). Os riscos da atuação de CC recaem sobre o Banco BEST, e não sobre os seus clientes.

De todo o modo, como já foi abundantemente sublinhado, é ao devedor, Banco BEST, que cabe alegar e provar, em ordem a justificar a sua atuação, que movimentou a conta-corrente a débito licitamente, isto é, que CC atuou por conta, no interesse e seguindo as instruções dos depositários; não é aos autores que cabe alegar e provar que CC não atuou por sua conta e interesse, e seguindo as suas instruções. Tal ónus não foi satisfeito pelo devedor da obrigação de inscrever os valores depositados a crédito na conta-corrente.

Resulta do raciocínio expendido que a conduta do Banco BEST não satisfez os elevados padrões de diligência a que estava sujeito. A violação do padrão de diligência imposto ao réu para além de violar normas legais – revelando ilicitude –, e dado que poderia ter atuado de modo diferente no recrutamento e na vigilância dos seus colaboradores, merece censura ética, sendo, pois, a sua conduta culposa.

Resta acrescentar que o réu Banco BEST acaba por admitir que o “acompanhamento dos autores” era por si realizado através de CC e, após a cessação de funções, e nos mesmos exatos termos, pelo seu sucessor (cfr., por exemplo, o art. 55.º da contestação; ver ainda os pontos 40 – factos provados – e 53 – factos provados), pelo que a tentativa de alijar as suas responsabilidades (invocando a suposta tessitura da relação interna) raia a litigância de má-fé.”

E ainda mais:

“Alega o réu Banco BEST no art. 211.º da contestação: “Não é de excluir a hipótese, que aliás se afigura plausível em face das alegações dos autores e da documentação ora junta aos autos, de os Autores terem perfeito conhecimento do destino de todas as transferências que agora impugnam à data da emissão das ordens”. Como se vê, o réu não alega um facto, limitando-se a desenvolver um raciocínio sobre uma hipótese (conjetura). Podemos, pois, terminar por aqui a apreciação desta linha defensiva.

Cautelarmente, é de referir que o único dever violado pelos autores é o de controlo da conta-corrente, mediante a análise cuidada dos movimentos registados nos extratos bancários integrados que lhes foram fornecidos. Está-se aqui no âmbito da culpa do lesado (art. 570.º do Cód. Civil).

A não satisfação deste último dever, embora não exonere o depositário do cumprimento dos seus deveres, tende a atenuar o grau de diligência exigível. Por exemplo, se o banco paga cheques contendo assinaturas falsas, mês após mês, e o depositante, também mês após mês, recebe em sua casa os extratos descrevendo estes levantamentos, pode aceitar-se que sai reforçada a convicção do banco de estar perante uma assinatura genuína, quando, ulteriormente, um novo cheque é apresentado a pagamento, tendo aposta uma assinatura também não idêntica à assinatura do titular da conta. De algum modo, a conduta omissiva do lesado facilita a atividade ilícita da falsificação e atenua a responsabilidade do depositário relativamente aos movimentos subsequentes (não quanto ao primeiro) − Ac. do TRP de 15-10-2010 (4222/09.0TBVNG.P1).

Importa, ainda, aqui notar que a atenção dispensada pelo depositante aos extratos recebidos, ou a desatenção pela sua não receção, assume relevância diferente em razão da função da conta. Se estivermos perante uma conta que não é usada com frequência, designadamente para efetuar os pagamentos correntes da vida do depositário, mas apenas para poupança e, extraordinariamente, para efetuar aplicações financeiras, é normal que o depositante não esteja tão atento aos (inexistentes) movimentos.

Ora, no caso dos autos, da análise dos extratos emitidos pelo Banco BEST os autores não poderiam concluir pela ocorrência de uma fraude, em ordem a evitar fraudes ulteriores nem a minorar os efeitos danosos de fraudes pretéritas. A primeira fraude (de maio de 2011) traduz-se na transferência de fundos para outra instituição de crédito – descrita erradamente no extrato subsequente como “TRF TRANSFERÊNCIA P/ AA” –, pelo que os autores não podiam estranhar que tais fundos não continuassem refletidos nos extratos ulteriormente emitido pelo banco réu. A segunda fraude (de dezembro de 2011), ainda que tivesse sido detetada nos extratos subsequentes, não teria sido evitada, pelo que o dano não se pode ter por produzido em resultado da conduta dos autores.

Cumpre aqui abrir uma ressalva para o problema do agravamento do dano, no que respeita ao depósito em moeda estrangeira. Até agora, demos especial relevância ao movimento descrito no ponto 29 – factos provados, já que ela não representa uma diminuição do património do depositante, não representando o concreto dano invocado pelos autores, pois a conta creditada pertence aos mesmos titulares. No entanto, este movimento assume alguma relevância, embora apendicular, no contexto que agora nos ocupa, pois marca o início do dano resultante da alteração da moeda do depósito (dado que o dólar norte-americano valorizou desde então) – ver o ponto 30 – factos provados.

Sobre esta questão, é de considerar que não só os autores podiam ter detetado a falta de um depósito em USD nos extratos de janeiro de 2012 em diante, como a falsificação do documento 15 junto com a petição é − como já foi referido na motivação − verdadeiramente grosseira. Afigura-se, pois, que os autores são responsáveis pelo agravamento do dano a partir de 1 de fevereiro de 2012. O mesmo é dizer que o Banco BEST deve entregar aos autores a quantia de USD 60,890.00 ou o seu contravalor em Euros ao câmbio da data de citação, dado que não resultou provada diferente concreta data de indiscutível interpelação, mas com o limite do contravalor em Euros ao câmbio em 1 de fevereiro de 2012 e com o limite (do pedido) de € 54.361,00 – só tendo os primeiros autores direito ao mais pequeno destes três valores.”

Concluiu-se que deverá o Réu banco entregar aos Autores as quantias reclamadas tal como configuradas no pedido constante da petição inicial e respectivas causas de pedir (arts. 3º, 1, 5º, 1 e 2, 552º, d) e e), CPC).

3.3. Chegado o caso à Relação por força da Apelação da Ré, o segundo grau afinou pelo mesmo diapasão:

“Alega a recorrente Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., que a aplicabilidade do disposto no artigo 800º do C.C. não depende apenas de os factos em discussão terem sido praticados por um representante (ou por um preposto, na linguagem do Código Comercial), mas também, e fundamentalmente, da circunstância de esse ser utilizado pelo devedor (no caso, o Best) no cumprimento da obrigação que considera incumprida (neste caso, a de restituição de valor equivalente ao depositado).

E é precisamente por isso que a natureza das funções de agente vinculado que CC desempenhava releva para esta discussão, uma vez que o artigo 294º-C, n.º 1, alínea a), do CdVM, estabelece um regime específico de responsabilidade dos intermediários financeiros dessa categoria de profissionais.

No entanto, crê-se que a invocação pela recorrente da figura do agente vinculado prevista no CVM não tem fundamento.

É que não se está a discutir a comercialização de instrumentos financeiros, por um agente vinculado, mas um ato estritamente bancário, sem ligação à atividade de intermediação financeira.

Mas, a recorrente também invoca que os autores tinham obrigação de saber que CC não dispunha de poderes para constituir depósitos a prazo junto do BES, especialmente quando defendem a sua convicção de que aquele era trabalhador do Best.

A alegação da recorrente esbarra, desde logo, com aquilo que se encontra provado no ponto 24 – o autor AA estava convencido de que CC era funcionário do Banco Best e que tinha poderes funcionais para subscrever instrumentos financeiros junto de outras instituições do Grupo BES/Novo Banco, designadamente, para constituir em seu nome depósitos a prazo no Banco Espírito Santo, S.A.

A relação de grupo entre BES/NB e o Best gerou nos autores a ideia de que este era uma extensão daquele, sendo essa aparência que criou as condições para que a pessoa escolhida para interagir com o autor se aproveitasse dessa circunstância para usar o nome do BES e aconselhar a transferir o dinheiro que os autores tinham no Best para o BES/NB, para serem constituídos depósitos a prazo.

E o banco não informou os autores de que não estavam a relacionar-se consigo, através de um funcionário bancário, mas com alguém sem vínculo laboral ao Best.

A lei permite ao devedor a utilização de auxiliares no cumprimento da obrigação. No entanto, de acordo com o disposto no 800º, nº 1, do C.C., «o devedor que confiou ao auxiliar a realização da prestação responde pela falta de cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso da obrigação nos mesmos termos em que responderia se, em vez do auxiliar, fosse ele devedor, quem deixou de cumprir ou cumpriu defeituosamente». A. Varela, RLJ, 119º, 125.

Resulta que, uma vez demonstrada a existência dos saldos referidos nos pontos 13 e 28, o réu não conseguiu provar que os movimentos a débito por si refletidos nas contas-correntes bancárias dos autores resultam da execução de ordens emitidas por estes.

Daí que, como se refere na sentença recorrida, a recusa do réu Banco Best em fazer refletir as quantias depositadas nas contas-correntes bancárias dos autores constitui um ostensivo ilícito contratual. Se usou, ou não, de colaboradores, isso é irrelevante (artigo 800º do C.C.), embora seja notório que usou, pois, trata-se de uma pessoa coletiva. Mostra-se, pois, verificado o pressuposto da ilicitude.

Finalmente, a recorrente vem defender que, ao abrigo do disposto no artigo 570º do C.C., seria sempre de atribuir a negligência, pelo menos, metade da causalidade relativamente ao dano aqui alegado, com a concomitante e correspondente absolvição do Best do pedido.

Face à relação de grupo, à não informação de que o CC não era funcionário do Banco Best, aos depósitos no Best efetuados aos balcões do BES/NB, bem como a outros factos provados, não pode, de forma alguma, ser imputada aos autores uma concorrência de culpas nos termos em que a recorrente defende.

Na verdade, como vem referido na sentença, da análise dos extratos emitidos pelo Banco Best, os autores não poderiam concluir pela ocorrência de uma fraude, em ordem a evitar fraudes ulteriores nem a minorar os efeitos danosos de fraudes pretéritas. A primeira fraude (de maio de 2011) traduz-se na transferência de fundos para outra instituição de crédito – descrita erradamente no extrato subsequente como “TRF Transferência p/ AA” –, pelo que os autores não podiam estranhar que tais fundos não continuassem refletidos nos extratos ulteriormente emitido pelo banco réu. A segunda fraude (de dezembro de 2011), ainda que tivesse sido detetada nos extratos subsequentes, não teria sido evitada, pelo que, o dano não se pode ter por produzido em resultado da conduta dos autores.

Crê-se, por isso, que a contribuição dos autores, tal como se decidiu, se fica pela agravação do dano, a partir de 1 de fevereiro de 2012, no que respeita ao depósito em moeda estrangeira.”

3.4. Como se vê, as instâncias fundaram a solução do caso na responsabilidade contratual do Banco réu fundada no regime do art. 800º do CCiv. e da irrelevância da qualidade de CC para colocar em causa essa responsabilidade.

Merecem ser sufragadas as decisões conformes de primeiro e segundo grau, com fundamentação diferenciada e adicional (art. 5º, 3, CPC), incidindo apenas e só sobre a questão decidenda e delimitada nesta revista.

3.4.1. Desde logo, é de sublinhar a responsabilidade do Réu banco como contratual, nos termos gerais dos arts. 798º e 799º do CCiv., enquanto decorrente do não cumprimento dos deveres específicos da relação negocial estabelecida com os Autores9; em especial, no âmbito do contrato de depósito bancário, os deveres de constar da conta-corrente bancária os activos depositados e transferidos pelos titulares e de restituir o equivalente aos depositantes credores dessa restituição, por força das “aberturas de conta”, pessoal e empresarial.

Em consequência, o Réu banco, no cosmos de actuação dos contratos celebrados, é responsável nos termos gerais do art. 800º, 1, do CCiv. pelos actos dos seus «representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor»10, como é próprio de uma responsabilidade obrigacional, resultante do não cumprimento, relativa ao vínculo existente entre os credores e devedores considerados11. Isto é, surge aqui uma responsabilidade do devedor pelos actos dos representantes legais ou auxiliares que utilize para o cumprimento da obrigação devida e, na perspectiva do credor, sendo tal utilização indiferente para a responsabilidade do devedor perante o credor, pois é como se fosse o devedor a praticar o facto ilícito e presumidamente culposo.

Ainda que possa ser uma responsabilidade subjectiva nos termos comuns, onerada com presunção de culpa, o certo é que a culpa não pode ser ilidida pelo devedor com base na presença e na actuação dos representantes legais e auxiliares – nesta vertente, é uma “espécie de responsabilidade pelo risco inerente à colaboração dessas pessoas”12, “na medida em que para ela se não exige culpa do devedor (na escolha das pessoas, nas instruções para a sua colaboração ou na fiscalização da sua actividade)”13, sem prejuízo – assim julgamos – da culpa presumida do devedor poder ser afastada com base em outra justificação para o incumprimento ou na própria actuação sem culpa dos representantes legais ou auxiliares (pois é a sua actuação que se projecta directamente na esfera obrigacional do devedor como se fosse este a actuar).

Na verdade, este é o caso, uma vez que é claro que foi no contexto de actuação do prestador de serviços CC, em funções exercidas como “auxiliar” do e para o exercício da actividade do «Banco Best» – cfr. factos provados 5. a 9., 11. a 13., 22., 23., 24., 38., 39., 40., 41., 51. e 52.(neste facto surge a identificação de CC como “PFA – Personal Financial Advisor”), assim como os factos não provados 56. e 58. –, que os Autores procederam às aberturas e gestão das respectivas contas bancárias, seus saldos e movimentação.

3.4.2. De todo o modo, para a aplicação do art. 800º, 1, do CCiv, não é relevante o tipo e a intensidade da relação existente entre o «Banco Best» e o (inicialmente réu) CC, no sentido que lhe é dado pela Recorrente: não lhe seriam imputáveis as transferências monetárias que, por iniciativa e em proveito de CC, originaram o dano dos Autores, discorrendo sobre a amplitude do disposto no art. 500º, 1 e 2, do CCiv., e a inexistência de responsabilidade civil objectiva por actos praticados por um agente que não dispunha de um vínculo em relação a si que fosse habilitante para o exercício de funções junto dos Autores, no âmbito de uma “relação de comissão”.

Com efeito, não é de ponderar a aplicação do regime de responsabilidade civil objectiva (pelo risco, de acordo com a lei) do art. 500º do CCiv.: aqui estamos perante uma fonte de obrigações, enquanto modalidade de responsabilidade extracontratual ou aquiliana, por actos praticados no âmbito de uma relação de comissão; enquanto isso, no nosso caso, isto é, no âmbito do art. 800º do CCiv., estamos perante um efeito de uma obrigação anteriormente constituída na relação bancária entre os Autores e o banco Réu, permanecendo a obrigação idêntica, não obstante a modificação do dever de prestar num dever de indemnizar14, tendo em conta o recurso do devedor a terceiros para o cumprimento da obrigação.

Por outro lado, em face da materialidade apurada e já descrita, relativa à prestação de serviço como “gestor de conta” de CC (cfr. facto provado 6.), não logramos obter no processo a demonstração de uma relação de subordinação ou dependência de CC enquanto “comissário” (para efeitos do art. 500º do CCiv.), no sentido de que o “comitente” “possua o direito, não só de dar-lhe ordens ou instruções precisas sobre a finalidade e os meios de execução da comissão, mas também de fiscalizar directamente o seu desempenho” como “colaborador” (em sentido legal) do banco15.

As diferentes modalidades de “prestação de serviço” (arts. 1154º e 1156º do CCiv.) são justamente hipóteses reconhecidas de inexistência de “comissão”, “na medida em que aquele que efectua o serviço tenha o domínio ou o poder de determinação sobre o modo de execução”16.

Estamos perante uma responsabilidade subjectiva própria do devedor banco e não perante a responsabilidade objectiva que se impõe ao comitente por mor da actuação ilícita de um comissário.

3.4.3. Por outro lado, sendo responsabilidade por incumprimento do banco Réu, proprietário dos fundos como depositário, na restituição de quantias depositadas a crédito dos Autores, temos que aplicar – como vimos no âmbito do “depósito bancário” – o regime do art. 796º do CCiv. para os contratos com eficácia real – a saber,

«Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente

Tal significa que “o risco do que possa suceder na conta do cliente, quanto não haja culpa deste, cabe ao banqueiro”17.

Como se sintetiza no mais recente Ac. do STJ de 13/4/202318, a relevância do art. 796º do CCiv. surge em casos equivalentes ao «perecimento» ou «deterioração» dos fundos em depósito bancário: “[a]o confiarem ao depositário a guarda do dinheiro, o depositante aceita transferir para a esfera de domínio daquele o risco sobre a gestão da quantia que lhe transferiu, alheando-se, a partir de então, do seu uso e fruição, mas também da responsabilidade pelo risco do seu extravio, que passa a recair sobre o depositário até ao momento em que a restituição é exigível, e daí que, nesse interregno, a movimentação fraudulenta por terceiro, mormente um seu funcionário, de um depósito bancário, não é oponível ao depositante, independentemente de culpa do depositário nessa movimentação” (sublinhado nosso)19.

Ou seja: o risco de extravio ou desvio ou dissipação, enquanto causas de perda ou “destruição” (em sentido amplo), das quantias monetárias depositadas nas contas à ordem tituladas pelos Autores, por facto alheio a estes últimos (inimputável, portanto), corre por conta e risco do depositário, banco-proprietário das quantias, independentemente da existência de culpa deste último (a não ser, portanto, que haja culpa relevante dos depositantes, que se sobreponha ou anule a assunção-regra do risco).

E decorre claramente da factualidade provada que – condição essencial para a convocação do art. 796º, 1, do CCiv. – os eventos relativos às referidas quantias monetárias retiradas das contas em benefício do “gestor”-prestador de serviços do banco Réu foram totalmente alheios à conduta e vontade dos Autores enquanto depositantes; assentou na realização de operações fraudulentas, com base em documentos forjados por parte do “gestor” do banco Réu, em prejuízo dos seus clientes, aqui Autores, fazendo ademais suas importâncias transferidas ilicitamente das contas dos Autores para conta por si titulada (cfr. ainda o facto provado 55.).

Senão vejamos.

Em primeiro lugar: a conta empresarial.

Na conta bancária n.º ...05, titulada pela sociedade Autora «C..., Lda.», em 2 de maio de 2011, o réu «Banco Best» executou o pedido de transferência da quantia de € 40.000,00, constante do documento junto a fls. 290 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto (ponto 14. dos factos provados).

Na mesma conta bancária, em 16 de maio de 2011, o réu «Banco Best» executou o pedido de transferência da quantia de € 40.000,00, constante do documento junto a fls. 293 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto (ponto 16. dos factos provados).

Resultou provado que a conta de destino (do beneficiário) das duas transferências acima referidas, com o NIB ...86, encontrava-se aberta na «Banco Espírito Santo, S.A.» em nome de CC e de EE (ponto 17. dos factos provados).

Resultou igualmente provado que nenhum dos Autores (neste caso, os representantes da Autora sociedade) subscreveu nem entregou ao «Banco Best» as ordens de transferência acima referidas e que as mesmas foram elaboradas por CC, contra a vontade e sem o conhecimento dos Autores, tendo este prestador de serviços do Réu banco feito suas as referidas quantias monetárias, através de transferência para conta bancária por si co-titulada – cfr. factos provados 18., 19., 20., 21. e 44. –, sem prejuízo do referido nos pontos 46. a 48. e 50. dos factos provados (transferência de €40.000,00 para outra conta do Autor AA pelo CC, já depois de cessada a relação com o «Banco Best»).

Em segundo lugar: a conta pessoal.

Provou-se que, em 5 de Dezembro de 2011, o Réu «Banco Best» executou o pedido constante do documento junto a fls. 291 do anexo documental, de transferência da quantia de 60.890,00 dólares norte-americanos da conta bancária n.º ...18 para a conta bancária n.º ...08, tituladas pelo Autor AA, baseado num formulário por si predisposto (ponto 29. dos factos provados, em conjugação com o facto provado 28.). Em consequência, foi creditado na conta destinatária da transferência interna o contravalor de € 45.071,15 (facto provado 30.).

Na mesma data e na mesma conta bancária n.º ...08, titulada pelo Autor AA, o réu «Banco Best» executou o pedido de transferência da quantia de € 45.000,00, constante do documento junto a fls. 292 do anexo documental, baseado num formulário por si predisposto, para a mesma conta de destino com o NIB ...86, aberta na «Banco Espírito Santo, S.A.» em nome de CC e de EE (pontos 31. e 17. dos factos provados).

Sucede que se provou que o Autor AA não subscreveu nem entregou ao «Banco Best» as ordens de transferência referidas nos factos provados 29. e 31., as quais foram também elaboradas pelo CC, o qual, contra a vontade e sem o conhecimento do Autor AA, fez sua a quantia referida no ponto 31. dos factos provados (€ 45.000,00), através de transferência para conta bancária por si titulada – cfr. factos provados 32. a 34. e 44.

Logo.

A “saída” referida das quantias monetárias depositadas nas contas bancárias tituladas pelos Autores – pessoas singulares e sociedade comercial por quotas – aconteceu por factos totalmente indiferentes à sua vontade, uma vez que as referidas transferências resultaram do cumprimento de ordens tituladas por documentos forjados por CC, que se apropriou depois das quantias indicadas, sem o conhecimento e o consentimento dos Autores.

Daí resultou o incumprimento da obrigação de restituição das quantias provisionadas nas contas bancárias e movimentadas com dissipação ilícita por parte do “gestor de conta” CC.

Logo, o risco de tal evento imputável exclusivamente ao “gestor de conta” do «Banco Best» é inoponível aos Autores enquanto titulares das contas e dos depósitos bancários.

Logo, é indiferente a existência de culpa, ainda que presumida, do Réu Banco, mesmo que a conseguisse ilidir por qualquer outra justificação indiferente à utilização de representantes legais ou auxiliares, em face do regime sobreponível do risco assumido por força da lei pelo adquirente dos fundos.

Em suma, o regime de assunção do risco pelo adquirente previsto no art. 796º, 1, do CCiv., uma vez aplicável ao incumprimento do devedor e consequente responsabilidade determinada nos termos do art. 800º, 1, do CCiv., transmuta esta responsabilidade numa responsabilidade objectiva, sendo irrelevante a conduta do devedor para efeitos de responsabilização, nomeadamente na relação com os representantes legais e auxiliares aos quais se deve a convocação do «perecimento» ou «deterioração» da coisa (nomeadamente a título de culpa in eligendo e in vigilando, se tal fosse de exigir na relação existente de “prestação de serviço”: arts. 73º a 75º do RGICSG, 762º, 2, CCiv.);

3.4.4. Não releva aqui o facto de o Autor AA ter ordenado a CC, no que toca à conta empresarial, a realização de duas transferências de € 40 000,00, cada (pontos 22. e 23. dos factos provados), nem de ter dado instruções a CC para constituir um depósito a prazo em dólares norte-americanos com o valor referido no ponto 28. dos factos provados (pontos 35. a 37 dos factos provados).

Como foi salientado na sentença de 1.ª instância, as instruções dadas pelo Autor AA a CC não foram as ordens que foram executadas pelo «Banco Best». O referido Autor deu instruções para a realização de transferências para contas bancárias e constituição de um depósito a prazo que tinham como beneficiário um dos Autores e não o próprio CC ou qualquer outra pessoa. São as concretas operações bancárias realizadas pelo réu «Banco Best» que estão aqui em causa e o que releva é que as mesmas foram feitas totalmente contra a vontade dos Autores e sem o seu conhecimento, pelo que tinha o aqui recorrente «Banco Best» o ónus de provar que tais operações bancárias provinham dos depositantes, tornando a conduta imputável para efeitos da não aplicação do art. 796º, 1, do CCiv.; não só não o logrou fazer como se provou o facto contrário, ou seja, que a transferência dos valores monetários não foi ordenada pelos Autores e sim por um terceiro, prestador de serviços-“gestor de conta” do réu «Banco Best», através de documentos forjados e dissimulados por este último como se fossem operações dos Autores depositários.

Também não releva uma eventual negligência dos Autores na análise dos extractos bancários de todas as suas contas pois, ainda que os mesmos tivessem diligenciado por essa análise cuidada e verificado que as transferências tiveram como beneficiário uma terceira pessoa, tal não iria impedir a realização da “fraude”. Ou seja, os Autores poderiam apenas ter verificado atempadamente a existência desse extravio, mas nunca poderiam tê-lo evitado atenta a factualidade provada, pois as operações bancárias foram realizadas com documentos forjados à revelia da vontade e do conhecimento dos Autores.

Pelo que, estando em discussão no presente recurso de revista apenas e só a responsabilidade pela restituição dos montantes de capital transferidos das contas bancárias dos Autores, sem a sua autorização, devido à actuação de um terceiro, o referido CC, o risco da perda desses montantes monetários, cuja propriedade se transferiu para o domínio do réu «Banco Best», nos termos acima expostos, corre por conta deste último, estando o mesmo obrigado a restituir tais montantes aos autores, independentemente da relação que esse Banco mantinha com o referido CC, nos termos de uma responsabilidade objectiva, no campo contratual, decorrente da aplicação conjugada dos arts. 800º, 1, e 796º, 1, do CCiv.

De todo o modo.

3.4.5. Carece de fundamento a alegação de que o Réu CC seria apenas agente vinculado do Réu «Banco Best» e que não recorreu aos seus serviços como representante ou auxiliar no cumprimento das obrigações principais que decorriam do contrato de abertura de conta e de depósito bancário celebrado com os Autores.

Alega o Banco recorrente que os serviços prestados por CC estavam limitados, como decorre do contrato, à promoção de produtos – instrumentos financeiros ou não – comercializados pelo «Banco Best», pelo que a sua responsabilidade se restringe ao regime previsto no artigo 294º-C, 1, a), do CVM, estando excluída por estar a sua actuação fora das funções confiadas.

Estando o Banco réu, enquanto instituição de crédito autorizada a exercer a atividade de intermediação financeira (artigo 293º, 1, a), CVM), nos termos do disposto no art. 294º-A do mesmo CVM, o referido Réu pode ser representado por “agente vinculado” na prestação dos serviços elencados no n.º 1 desse preceito legal, designadamente na prospecção e captação de clientes para a actividade de intermediação financeira e na recepção e transmissão de ordens.

Como se definiu no Ac. do STJ de 20/9/202320, “o agente vinculado é a pessoa singular ou coletiva que, sob a responsabilidade de uma empresa de investimento em cujo nome atua, promove serviços de investimento e ou serviços auxiliares junto de clientes ou clientes potenciais, recebe e transmite instruções ou ordens de clientes relativamente a serviços de investimento ou instrumentos financeiros, coloca instrumentos financeiros e ou presta um aconselhamento aos clientes ou clientes potenciais relativamente a esses instrumentos financeiros ou serviços.”

No caso dos autos, a factualidade provada demonstra claramente que as funções exercidas por CC ao serviço do Banco réu não se limitavam às de um agente vinculado, desempenhando outras funções típicas da actividade bancária (v. art. 4º do RGICSF), como “gestor de conta” do Banco réu, desde logo ao nível da mobilização dos depósitos e movimentação das contas bancárias dos clientes por parte de clientes, como sucedeu em relação aos Autores.

Vejamos.

Provou-se que entre 3 de Maio de 2004 e 1 de Setembro de 2016, CC exerceu funções para o «Banco Best», em regime de prestação de serviços (ponto 5. dos factos provados) e, por isso, desde momento anterior a 2010 e até 1 de setembro de 2016, CC geriu as contas dos Autores e aconselhava na constituição e na mobilização de aplicações financeiras, sendo o interlocutor dos Autores nas suas relações com o «Banco Best» (ponto 6. dos factos provados)

Mais se provou que CC exercia funções para o «Banco Best» num gabinete de uma agência deste banco, onde dispunha de secretária, computador e documentos com o logótipo do banco, comportando-se como funcionário do «Banco Best» (ponto 7. dos factos provados) e circulava livremente pelo espaço da agência bancária onde exercia funções, acedendo aos computadores, impressoras, fotocopiadores e documentação do «Banco Best, consultando livremente as contas dos autores abertas junto deste réu (ponto 8. dos factos provados).

Mais: não se provou (ponto 58.) que fosse funcionalmente adstrito à categoria de “agente vinculado”, “dedicando-se apenas à prospeção de investidores, sem solicitação prévia destes, fora do estabelecimento do Banco BEST, com o objetivo de captação de clientes para atividades de intermediação financeira do primeiro réu”.

É, assim, evidente que ao contrário do que é alegado pelo réu recorrente, CC, podendo exercer ou ter exercido funções de agente vinculado ao nível da promoção de produtos financeiros comercializados pelo Banco réu, era mais do que isso enquanto prestador de serviços no exercício da actividade bancária, pois estava incumbido de gerir as contas bancárias dos Autores, o que necessariamente incluía, como “gestor” das contas, a realização de operações bancárias como recepção de depósitos e a realização de transferências de valores monetários depositados nessas contas para outras contas do mesmo réu ou de outro banco, a pedido dos Autores.

Também carece de sentido a alegação do recorrente de que CC não prestava qualquer serviço, nem dispunha dos meios para o fazer, de constituição de depósitos a prazo, muito menos noutra instituição bancária, estando contratualmente proibido de o fazer. Tal alegação é irrelevante para o caso dos autos pois CC não procedeu a qualquer constituição de depósito a prazo em outra instituição bancária em benefício de algum ou de ambos os Autores. O que releva são as operações bancárias efectivamente realizadas por CC e o que ele fez foi transferir quantias monetárias depositadas em contas tituladas pelos Autores para outras contas bancárias, nomeadamente a de que ele próprio era beneficiário, sem o consentimento e conhecimento dos Autores. E sendo o mesmo “gestor” das contas bancárias dos Autores, como efectivamente resultou provado, a realização de tais operações bancárias estava incluída nas suas funções no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado com o aqui réu «Banco Best» (e extinto em Setembro de 2016 – cfr. factos provados 38., 39. e 40.).

3.4.6. Estando em causa nos presente autos o incumprimento pelo Banco réu da sua obrigação contratual de pagar aos Autores os montantes monetários equivalentes aos por eles depositados nas contas bancárias identificadas nos factos provados e constantes dos respectivos “saldos” a crédito (v. ainda os pontos 13. e 30. dos factos provados), julgamos ser de convocar sem reservas o regime do art. 800º, 1, do CCiv.:

«O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.»

E conjugá-lo com a cláusula geral de assunção do risco do art. 796º, 1, do CCiv.

Aplicando:

i. o Réu banco, na qualidade de depositário, é responsável perante os Autores, na qualidade de depositantes, pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize como “auxiliares” para o cumprimento das obrigações, como se tais actos fossem praticados pelo próprio Banco réu – aqui se incluem os “prestadores de serviços” no âmbito da realização das suas actividades bancárias típicas e próprias, sob a forma de “gestor” de contas;

ii. a responsabilidade decreta-se em razão de CC desempenhar funções de “gestor” das contas bancárias tituladas pelos Autores, sendo, como prestador de serviços ao Réu banco, o intermediário entre os mesmos e o «Banco Best» nas relações jurídicas contratuais estabelecidas – abertura de conta e depósito bancário – e sujeito relacionado com o cumprimento das obrigações principais desse Banco perante os aqui Autores no âmbito dos contratos de depósito bancário celebrados;

iii. a responsabilidade decretada é indiferente à existência de culpa dessa instituição de crédito, pela via da sobreposição e conjugação do art. 796º, 1, com o regime do art. 800º-799º do CCiv. em sede de culpa-pressuposto da responsabilidade civil, não havendo causa de imputabilidade aos depositantes, aqui Autores – configura-se como uma responsabilidade contratual de natureza objectiva em face da assunção legal de risco pelo banco depositário e proprietário dos fundos depositados;

iv. a responsabilidade contratual decretada afasta a aplicação do regime de responsabilidade civil extracontratual objectiva do art. 500º do CCiv. (relação comitente-comissário), tanto mais que esta relação não se aplica às modalidades contratuais de “prestação de serviço”.

III) DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação própria nesta instância.

Custas pela Recorrente como vencida.

STJ/Lisboa, 01/10/2024

Ricardo Costa (Relator)

Leonel Serôdio

Graça Amaral

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CCiv.)

___________________________________________________________________


1. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário, 6.ª ed., com a colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 286 e ss. Nesta senda, v. Ac. do STJ de 19/12/2006, processo n.º 3629/06, in www.dgsi.pt: “A abertura de uma conta é, normalmente, a génese da relação bancária complexa entre o banqueiro e o seu cliente, traçando o “cenário” factual e legal do seu relacionamento, o qual se deve pautar por deveres de conduta, derivados da boa fé, dos usos bancários ou dos acordos particulares que celebrarem, à luz do princípio da liberdade contratual.” (ponto I. do Sumário).↩︎

2. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 487-488.↩︎

3. V. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais cit., pág. 493 e nt. 937, págs. 495-496; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral do direito civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 447.↩︎

4. CALVÃO DA SILVA, Direito bancário, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 347-349.↩︎

5. Na jurisprudência do STJ, exemplarmente, o Ac. de 10/11/2011, processo n.º 1182/09, que determinou os elementos constituintes do contrato de depósito bancário: “1) a transferência/depósito pelo tradens de uma coisa fungível (determinada quantia em dinheiro); 2) a radicação/inclusão da quantia transferida/depositada na esfera de dominialidade (propriedade) do accipens; 3) a disponibilidade, uso e fruição da coisa entregue/depositada por parte do depositário; 4) o dever de restituir por parte do depositário, quando solicitado pelo depositante, a quantia correspondente ao saldo existente.” Mais recentemente, os Acs. de 14/1/2021, processo n.º 17878/16, e de 5/7/2022, processo n.º 400/18; sempre in www.dgsi.pt.↩︎

6. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., pág. 604.↩︎

7. V. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., págs. 550-551, para esta conexão entre o regime de movimentação da conta e o regime de atribuição do saldo da conta. Sobre a solidariedade convencional por manifestação tácita de vontade, v. por todos ALMEIDA DA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 668.↩︎

8. V. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., pág. 623; Ac. do STJ de 3/3/2005, processo n.º 4249/04, in www.dgsi.pt.↩︎

9. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., págs. 420-421, 435, 443-444.↩︎

10. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., pág. 444 (“O banqueiro é, ainda e nos termos gerais, responsável pelos atos dos seus empregados, particularmente do trabalhador infiel que faça suas as importâncias recebidas do cliente.”).↩︎

11. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 800º”, Código Civil comentado. II. Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 1028 e 1029 (“O 800.º/1 apenas dispõe que a intermeação de um representante legal ou de um auxiliar não justifica um não-cumprimento. A responsabilidade resultante do 800.º/1 é, nesse sentido, comum. O devedor não é atingido por esse preceito, mas pelo artigo 799.º/1. Cabe-lhe ilidir a presunção de “culpa” dele resultante, recorrendo a qualquer outro esquema que não o da presença de representantes legais e auxiliares.”).↩︎

12. ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 1038-1039.↩︎

13. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997 (reimp.: 2009), págs. 103-104.↩︎

14. V. CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, nt. 371 – pág. 322; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 800º”, ob. cit., pág. 1027.↩︎

15. Neste sentido, ALMEIDA COSTA, ob. cit., págs. 545, 616-617 (onde se encontra a transcrição), nt. 3 – pág. 1038.

Note-se que, de acordo com o Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2022, regulamentando o art. 94º da L 83/2017, de 18 de Agosto, o respectivo art. 2º, 1, d), define «colaborador» de entidade financeira (v. art. 3º, 1, a), dessa lei e art. 3º, a), do RGICSF) «qualquer pessoa singular que, em nome ou no interesse da entidade financeira e sob a sua autoridade ou na sua dependência, participe na execução de quaisquer operações, atos ou procedimentos próprios da atividade prosseguida por aquela, independentemente de ter com a mesma um vínculo de natureza laboral (colaborador interno) ou não (colaborador externo)». Acrescenta a al. e) que será «colaborador relevante» «qualquer colaborador, interno ou externo, da entidade financeira, que preencha, pelo menos, uma das seguintes condições: Exercer funções que impliquem o contacto direto, presencial ou à distância, com os clientes da entidade financeira».↩︎

16. Assim defendia RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações, FDUC, Coimbra, 1983, págs. 298-299.↩︎

17. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., págs. 623-624 (também pág. 449: “o banqueiro, como titular dos fundos, corre, em geral, o risco das falsificações que possam ocorrer”); ID., “Artigo 796º”, Código Civil comentado cit., pág. 1018 e nt. 6 (“em aplicação desta regra, o risco no depósito bancário, que sendo um depósito irregular implica transferência da coisa para o depositário, corre por este”).↩︎

18. Processo n.º 12968/16, in www.dgsi.pt, ponto III. do Sumário.↩︎

19. V., no mesmo sentido, entre outros, a linha consensualmente seguida pelos Acs. do STJ de 12/2/2009, processo n.º 3714/08, 10/11/2011, processo n.º 1182/09 (“(…) através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição. (…) é ao depositário, enquanto proprietário da coisa (fungível) entregue que cabe responder pelos desvios que possam ocorrer na gestão do depósito, nomeadamente, no caso de depósito bancário, pela depreciação do quantitativo em depósito.”), 8/3/2012, processo n.º 500/08, 15/11/2012, processo n.º 246/10, 30/4/2019, processo n.º 17566/16 (inspirador mais directo do Ac. citado), e de 14/1/2021, processo n.º 17878/16; sempre in www.dgsi.pt.↩︎

20. Processo n.º 7253/19, in www.dgsi.pt.↩︎