ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
CONTITULARIDADE DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS
COMPOSIÇÃO DOS QUINHÕES
VALORES ATUAIS
Sumário


I - A ação de divisão de coisa comum constitui o meio processual que adjetiva o regime substantivo geral do artigo 1412.º, n.º 1, e 1413.º, n. º1, ambos do Código Civil, segundo o qual, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.
II - A subfase de fixação de quinhões ocorre quando, como sucede nos presentes autos, nada obstando à divisão em substância da coisa comum, a contestação tiver sido julgada improcedente na fase declarativa da ação, e tem por finalidade a composição dos quinhões a atribuir aos consortes, em regra, em função das respetivas quotas, devendo então ter lugar a perícia destinada à formação dos quinhões (artigo 927.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), terminando com a decisão do juiz, o qual decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º (cf. o artigo 927.º, n.º3, do CPC).
III - A subsequente subfase da «conferência de interessados» pressupõe que estejam fixados ou formados previamente os quinhões porquanto, tratando-se de coisa divisível, a conferência de interessados visa exclusivamente a intervenção dos consortes para a adjudicação dos quinhões por acordo ou, na falta de acordo, por sorteio, tal como prevê expressamente o artigo 929.º, do CPC.
IV - Por isso, a prévia formação de quinhões revela-se essencial à prossecução das finalidades específicas do processo de divisão de coisa comum na segunda fase, de natureza eminentemente executiva, sem os quais não existe objeto para a decisão de adjudicação.
V - Baseando-se o pedido de divisão na contitularidade de depósitos bancários em numerário, carteiras de títulos e outros valores mobiliários, os quinhões devem ser determinados em função dos valores e ativos efetivamente verificados, ou seja, em função dos valores efetivamente existentes à data da proposição da ação de divisão de coisa comum, atenta a finalidade específica da fase de índole executiva desta ação.
VI - Invocando-se a existência de um impugnado direito de crédito da requerente sobre o requerido, emergente de determinados movimentos/operações alegadamente realizados pelo requerido em datas anteriores à da proposição da ação de divisão de coisa comum, tal controvérsia tem o seu lugar próprio em sede de eventual ação de condenação, no âmbito de uma eventual obrigação decorrente da relação entre os contitulares/comproprietários da(s) conta(s) em referência, a qual extravasa o objeto da presente ação de divisão de coisa comum.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Em 11-10-2016, AA instaurou ação de divisão de coisa comum contra BB, invocando para o efeito a necessidade de pôr termo à indivisão de bens adquiridos em conjunto por ambos na vigência do casamento que mantiveram entre si, em primeiras núpcias dele e segundas núpcias dela, sem processo preliminar de publicações, no regime imperativo da separação de bens, no dia ../../1966, em ..., ..., ..., casamento dissolvido por sentença judicial de 16 de junho de 2011, transitada em julgado em 5 de setembro de 2011, proferida pelo Tribunal Judicial de ...
Sustenta, em síntese, que os bens adquiridos em conjunto pelo casal consideram-se compropriedade de ambos os ex-cônjuges, em partes ou quotas iguais e, por isso, a divisão dos mesmos - que elenca-, deve operar-se por ação de divisão de coisa comum.
Citado, o réu apresentou contestação, excecionando a ineptidão da petição inicial, a incompetência relativa do Tribunal e defendendo que todo o dinheiro existente nas contas em causa lhe pertence em exclusivo, o que afasta a presunção da compropriedade sobre os bens.
Em articulado ulterior a autora efetuou “reformulação/ampliação” do pedido, no sentido de que, no para agora interessa, se reconheça que «todos os depósitos e aplicações financeiras descritos na petição são compropriedade da autora e do réu, fixando-se a quota parte de cada um em metade, procedendo-se à sua divisão, correspondente adjudicação e pagamento de tornas, de conformidade com o exposto nos artigos 27, 28, 29, 30, 36, 37 da petição».
Findos os articulados, foi proferido despacho a determinar que a ação seguisse os termos subsequentes à contestação do processo comum declarativo.
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor da causa e proferido despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as invocadas exceções de incompetência relativa e de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial.

Foi, ainda, proferida sentença, de 07-06-2017 a qual se transcreve, na parte dispositiva:
«Em face do exposto decide-se:
a) Com base na autoridade de caso julgado que decorre da sentença proferida na acção que correu termos na Instância Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de ... (J...) sob o n.º 75/12...., identificada no ponto 8 dos factos provados, julgar a acção parcialmente procedente e considerar que os bens identificados no ponto 3 do mesmo elenco pertencem em compropriedade e em quotas iguais a A. e R., nada obstando à sua divisibilidade em substância;
b) Julgar improcedente o pedido de divisão formulado pela A. quanto aos veículos identificados nos pontos 9 a 11 dos factos provados;
c) Condenar o R. BB como litigante de má fé no pagamento duma multa de 12 (doze) UC.
Registe e notifique.
Custas a cargo de A. e R., fixando-se em 1/10 a responsabilidade da primeira e em 9/10 a do segundo».

Inconformado com o referido saneador-sentença, no que toca ao aí decidido nas alíneas a) e c), o réu interpôs recurso, após o que esta Relação, por acórdão 07-12-2017, julgou improcedente a apelação, exceção feita à condenação do réu como litigante de má-fé, que revogou, confirmando em tudo o mais o saneador-sentença recorrido.
Remetido o processo à 1.ª Instância, foram solicitadas informações bancárias junto das entidades Banco 1... e Banco 2..., após o que foi designada data para a realização da conferência prevista no artigo 929.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
Em sede de conferência de interessados, e não tendo sido possível a obtenção de acordo, veio a autora requerer fossem solicitadas as informações suplementares junto do Banco 1... e Banco 2....
Junta informação pelo Banco 1..., SA (Banco 1...) foi designada nova data para realização da conferência prevista no artigo 929.º, n.º 1, do CPC, na qual se consignou não ter sido possível a obtenção de um consenso para a divisão em causa nos autos.
Foi, então, proferido despacho a 30-10-2020 (Ref.ª...53) com o seguinte teor:
«Conforme decorre da ata que antecede não foi possível a obtenção de acordo, pelo que adjudico metade a cada uma das partes dos montantes depositados nas contas arroladas no Banco 2... e no Banco 1... (identificadas no ponto 3 dos factos provados da sentença proferida nos autos) à data da notificação do arrolamento (24.07.2007) aos referidos bancos, nos termos do artigo 929º, nº1, do Código de Processo Civil.
Notifique».
Após recurso apresentado pelo requerido, este Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 15-04-2021, anulou a decisão recorrida, determinando a remessa dos autos à 1.ª Instância para que fosse retomada a tramitação processual interrompida - e que se revelasse necessária -, com vista à prolação de decisão de fixação/formação dos quinhões a submeter posteriormente à conferência de interessados para então se fazer a adjudicação por acordo dos interessados ou, na falta deste, por sorteio.
Remetido o processo à 1.ª Instância, determinou-se a realização de perícia colegial destinada à formação de quinhões.
Os peritos indicados pelo tribunal e pela requerente apresentaram relatório conjunto. Não obstante enunciarem que o valor do património atualizado a considerar ascende atualmente a 275.209,17€, sustentaram que tal valor difere substancialmente daquele que existia à data do arrolamento anteriormente decretado nos autos de providência cautelar de arrolamento com o processo n.º 436/07.6TBVLN-A, o qual estimaram em 639.866,10€, em face do que concluíram que, caso tivesse sido possível formar quinhões e dividir o património em duas partes iguais à data do referido arrolamento, requerente e requerido deveriam então receber 319.933,05€ cada um. Mais ponderaram que, em virtude de diversas ocorrências posteriores - entre as quais, referiram a desvalorização das carteiras de títulos (cuja responsabilidade afirmam não poder atribuir a nenhum dos envolvidos), diversos outros levantamentos (no valor de 17.101,50€), cuja natureza e autoria não esclarecem, e outras operações no valor de 294.299,15€ (referentes a levantamentos e transferências que imputam exclusivamente ao requerido) -, o património  atual não corresponde ao existente à data do arrolamento, concluindo que se tais operações não tivessem existido o património atual seria de 586.609,92€ (valor obtido após dedução do valor das restantes reduções a que aludiram), o que daria 2 quinhões iguais de 293.304,91€ para cada um dos intervenientes. Mesmo admitindo que tal valor não corresponde ao valor atual dos bens existentes em compropriedade entre autora e réu, os peritos que subscreveram o relatório conjunto tomaram este valor como referência para fixar o quinhão de cada um dos intervenientes (requerente e requerido). Para o efeito, consideraram o quinhão do requerido como já preenchido, em face das operações que lhe são imputadas, com um excesso de 994,24€, que, de acordo com o mesmo relatório pericial, deverá entregar à requerente para formação do respetivo quinhão (o qual deverá ainda ser preenchido com a totalidade dos valores efetivamente existentes nas contas de depósito à ordem e a prazo, carteiras de títulos e aplicações financeiras em ações, tudo nos termos que melhor constam dos relatórios juntos aos autos - de 17-01-2022 e 10-07-2023).
Por seu turno, o perito indicado pelo requerido apresentou relatório autónomo, no qual atendeu à data da instauração da ação de divisão de coisa comum como data relevante para efeitos do cálculo/formação dos quinhões e tomando por base os elementos que foram disponibilizados e constam dos extratos/declarações enviados pelas instituições bancárias relativamente aos valores efetivamente existentes em nome dos comproprietários, com referência às datas que deles constam, sustentando, por outro lado, ser de dividir os valores mobiliários cotados em bolsa pela quantidade existente e não pelo seu valor nominal ou de mercado, visto entender que a respetiva valorização é feita ao dia, tudo conforme quadro com indicação dos quinhões de cada um dos intervenientes, apresentado a págs. 6 do relatório de 29-11-2021 (junto aos autos a 02-12-2021).
Foi proferido despacho, de 29-11-2023 (ref. ª ...57) fixando em 293.304,91€ o quinhão de cada um dos intervenientes (autora e réu), com base no laudo constante do relatório conjunto apresentado pelos peritos indicados pelo tribunal e pela requerente, partindo do pressuposto de que o património seria de 586.609,82€ caso não tivessem ocorrido quaisquer operações após a realização do arrolamento. Mais se decidiu que o quinhão da autora deverá ser preenchido pela totalidade dos valores existentes nas contas de depósito à ordem e a prazo, carteiras de títulos e aplicações financeiras em ações, discriminadas no quadro 5.3.1 património atualizado da página 15 do relatório conjunto apresentado pelos peritos indicados pelo tribunal e pela requerente, de 11-01-2022, e ainda com a entrega pelo réu do valor 994,24€, após o que foi designada data para a realização da conferência prevista no artigo 929.º, n.º 1, do CPC.
Em sede de conferência de interessados, realizada em 15-01-2024, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Não sendo possível a obtenção de acordo nos termos do art. 929º, nº 1 do CPC, e sendo a realização de sorteio um ato manifestamente inútil dado que o bem a dividir se trata de um bem fungível (depósitos de dinheiro) e tendo em conta o princípio da boa gestão processual previsto no art. 6º do CPC, importa simplificar e agilizar de forma a que não sejam praticados atos inúteis, pelo que não se irá proceder ao sorteio atenta a sua inutilidade no presente caso.
Assim e tendo em conta que o bem a dividir é fungível, adjudico à requerente o quinhão no valor de 293.304,91€ e ao requerido o quinhão no valor de 293.304,91€, em conformidade com o despacho de 29-11- 2023, nos termos do art. 929º, nº1 do CPC.
Tendo em conta que o quinhão do requerido já se encontra preenchido e realizado, pois já se apropriou do valor de 294.299,15€, com um excesso de 994,24€, ordeno que tal valor seja entregue à requerente, necessário para que esta forme o seu quinhão, como decorre do despacho de 29-11-2023.
Custas a cargo da Requerente e do Requerido, na proporção dos quinhões atribuídos – art. 527º, nº1 do CPC.
Registe e notifique.

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Após trânsito em julgado, comunique às entidades bancárias o teor do presente despacho».

Inconformado com a decisão proferida em ata, de 15-01-2024, o requerido interpôs recurso da mesma, impugnando ainda em tal apelação o despacho de fixação/formação de quinhões (de 29-11-2023).
«A - O presente recurso versa sobre a decisão final/sentença, proferida em ata de conferência de interessados, que decorreu no dia 15 de janeiro de 2024, que determinou o seguinte:
“Não sendo possível obtenção de acordo nos termos do art.º 929, n.º1 do CPC, e sendo a realização de sorteio um ato manifestamente inútil dado que o bem a dividir se trata de um bem fungível (depósitos em dinheiro) e tendo em conta o princípio da boa gestão processual previsto no art.º 6º do CPC, importa agilizar de forma que não sejam praticados atos inúteis, pelo que não se irá proceder ao sorteio atenta a sua inutilidade no presente caso.
Assim e tendo em conta que o bem a dividir é fungível, adjudico à requerente o quinhão no valor de 293.304,91€ e ao requerido o quinhão no valor de 293.304, 91€, em conformidade com o despacho de 29-11-2023, nos termos do art.º 929.º, n.º1 do CPC.
Tendo em conta que o quinhão do requerido já se encontra preenchido e realizado, pois já se apropriou do valor de 294.299,15€, com excesso de 994,24, ordeno que tal valor seja entregue à requerente, necessário para que esta forme o seu quinhão, como decorre do despacho de 29-11-2023.Custas a cargo da Requerente e do Requerido, na proporção dos quinhões atribuídos - art.º 527, n.º1 do CPC”.
B- Não se conformando o apelante com a mesma, nomeadamente com o despacho, que lhe antecede, de 29.11.2023 , onde foi proferida “decisão de fixação/formação dos quinhões”, despacho esse que passa a impugnar (art.º 644 n.º3 do CPC), pois, o mesmo fere a sentença aqui em recurso, que põe termo à causa (art.º 644 n.º 1 do CPC) sendo pressuposto a um desfecho totalmente injusto e ferido de nulidade.    
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Impugnação do despacho de 29.11.2023, onde foi proferida a “decisão de fixação/formação dos quinhões”
C- O despacho, ora impugnado, de 29.11.2023, fixou a composição do quinhão da Requerente AA em 293.304,91€ (50% do valor da coisa) e do quinhão do Requerido BB em 293.304,91€ (50% do valor da coisa).  
D- Tal despacho invoca a sentença de 07.06.2017 que, contrariamente ao aí afirmado, não transitou em julgado integralmente, foi revogada em parte, por douto acórdão da Relação de Guimarães de 07.12.2017, esse sim transitado em julgado, onde os Srs. Juízes Conselheiros acordaram “em julgar improcedente a apelação, exceção feita à condenação do Réu como litigante de má-fé, que se revoga, confirmando em tudo o mais o saneador-sentença recorrido”.  
E- Assim, dessa sentença e com a posterior confirmação parcial (07.06.2017), a alínea a) da parte decisória ficou inalterada e dela consta que: “com base na autoridade do caso julgado que decorre da sentença proferida na ação que corre termos na Instância Central Cível de ... (J...) sob o n.º 75/12...., identificada no ponto 8 dos fatos provados, julgar a ação parcialmente procedente e considerar que os bens identificados no ponto 3 do mesmo elenco pertencem em compropriedade e em quotas iguais a A. e R., nada obstando à sua divisibilidade em substância;”   
F- As questões relativas à divisibilidade em substância e à posição relativa de cada consorte, “ou volume das respetivas quotas na propriedade de fundos/ativos existentes e dos depositados nas contas bancárias foram definitivamente decididas com força obrigatória dentro do processo, impedindo o tribunal de apreciar novamente as mesmas” vide Acórdão da Relação de Guimarães proferido nestes autos em 15 de abril de 2020, fls. 13.    
G- Os bens identificados no ponto 3 dos fatos, são os seguintes: “(as contas arroladas)”“- todas as contas bancárias, a prazo ou à ordem e/ou quaisquer aplicações financeiras, nomeadamente, carteira de títulos, de que o Requerido (aqui autor) é titular ou co-titular, no Banco 1..., nomeadamente, das contas: ...04; ...10; ...89; ...87; ...43; ...64; ...04; ...62; ...64; ...40; ...87´...67; ...04; ...10; ...07; ...43; ...84; ...33; ...88; ...92; ...80 - Todas as contas bancárias, a prazo ou à ordem e/ou quaisquer aplicações financeiras, nomeadamente, carteira de títulos, de que o Requerido (aqui Autor) é titular ou co-titular, no Banco 2..., nomeadamente as contas: ...64 (descritivo Produto: ME 181ª 366D); ...24; ...24; ...01; ...35; ...00; ...00 - Todas as contas bancárias, a prazo ou à ordem e/ou quaisquer aplicações financeiras, nomeadamente, carteira de títulos, que o Requerido é titular ou cotitular, no Banco 3... (Banco 3...), nomeadamente, da conta:  ...00 - Todas as contas bancárias, a prazo ou à ordem e/quaisquer aplicações financeiras, nomeadamente, carteiras de títulos, de que o Requerido é titular ou cotitular, na Banco 4....”, sendo que todas essas contasa eram administradas em conjunto pelos ex-cônjuges, pois, estavam tituladas por ambos.
H- Essas contas foram arroladas em processo cautelar prévio ao processo de divórcio e no pressuposto errado de que os ex-cônjuges se encontravam casados no regime da comunhão de adquiridos, e que, posteriormente, foi apurado não ser esse o regime de bens do casal, mas sim o regime imperativo da separação de bens, o que a apurar-se ab initio implicaria a nulidade da providência uma vez que não preenche os requisitos do art.º 409 do CPC.
I- O arrolamento foi decretado, em 23.07.2007, posteriormente foi notificado aos bancos para procederem ao arrolamento das contas, tendo sido lavrado o respetivo auto de arrolamento, onde constam os valores efetivamente arrolados .
J- Os valores arrolados pelos bancos, e que constam do auto de arrolamento, mantiveram-se, até hoje, inalterados, encontrando-se devidamente depositados e os títulos continuaram com as mesmas quantidades em termos unitários.  
 K- O despacho de fixação de quinhões, diz que “tendo em conta que a Autora e o R se encontravam casados no regime imperativo da separação de bens, não há lugar a inventário, mas sim ao processo de divisão de coisa comum”.
L- Porém, a divisão só pode operar relativamente aos a valores existentes em compropriedade quando a mesma é instaurada, pois, é aí que se coloca a possibilidade de divisão, ou seja, na data em que ação dá entrada em Tribunal, no caso em a presente ação deu entrada em ../../2016, não tendo qualquer efeito retroativo.
M- É este entendimento que resulta do acórdão proferido no Tribunal da Relação de Guimarães em 15 de abril de 2020, que já transitou em julgado e faz parte dos  presentes autos.  
N- Não é, pois, relevante saber os saldos existentes nas contas, quando foi decretado o arrolamento em 23/07/2007, nem quando foi notificado aos bancos pretensamente no dia seguinte 24/07/2007, nem será relevante se foram ou não levantados, nem quem os levantou (as contas eram administradas por ambos, eram os dois cotitulares), tendo apenas importância os saldos que foram efetivamente arrolados, pois, foram estes que durante 9 anos se mantiveram inalterados até à data da propositura da ação de divisão de coisa comum, ou seja em ../../2016. (Ação interposta cinco anos após o decretamento do divórcio e quase 10 anos após o decretamento do arrolamento!!!).
O- Os quinhões terão de ser formados com os valores efetivamente arrolados, e existentes à data da propositura da presente ação, tal como está demonstrado na página 6 do Relatório de Peritagem apresentado pelo perito do aqui apelante.
P- Não se fazendo “letra morta nem do arrolamento”, da sentença de 07/06/2017, pelo contrário, leva-se em conta aquilo que foi considerado como contas arroladas (conforme auto de arrolamento) e respetivos saldos, que se mantiveram inalterados desde o arrolamento concretizado pelas entidades bancárias até à propositura da presente ação.    
Q- Na presente ação de divisão de coisa comum e atendendo à parte dispositiva da decisão de 07-06-2017, não revogada, só podemos considerar o reconhecimento do direito à divisão das contas bancárias, a prazo ou à ordem e/ou quaisquer aplicações financeiras que surgem identificadas no ponto 3 da matéria de fato “contas arroladas constantes do auto de arrolamento”, ou seja, os saldos ou ativos correspondentes aos concretos valores que as entidades bancárias declararam ou informaram ter arrolado na sequência da notificação judicial relativa ao arrolamento e não a valores que anteriormente teriam existido em tais contas como fez o despacho agora impugnado.
R- Pelo Tribunal a quo, por douto despacho de 03-05-2027 (ref.ª ...26), foi dito que, “ o arrolamento em questão é dependência da ação principal, ou seja, da ação de divórcio, e não da ação de divisão de coisa comum agora em apreço”, e o douto acórdão de 15 de abril de 2020, proferido nos presentes autos e já transitado em julgado, acrescenta: “ do que resulta que nem sequer o respetivo “auto de arrolamento” pode servir de discrição nos presentes autos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 408.º, n.º 2, do CPC, posto que não estamos perante processo de inventário instaurado na sequência do referido divórcio, do qual o arrolamento seja dependência, mas antes de uma ação de divisão de coisa comum”.   
S- Daí concluirmos que, atribuir valor de descrição ao “auto de arrolamento”, como pretende o tribunal a quo no douto despacho/sentença de fixação de quinhões, traduz uma flagrante violação da lei adjetiva, mais concretamente do disposto no artigo 408º, n,.º 2 do CPC, uma vez que, como muito bem refere o douto acórdão, não estamos perante um processo de inventário, mas sim numa ação de divisão de coisa comum.
T- Entendemos, pois, que a data do decretamento do arrolamento, a notificação aos bancos e o arrolamento, não podem relevar na presente ação que é como se vem referindo uma ação de divisão de coisa comum.
U- Não obstante, se aceitar, porque resulta da lei, que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal - art.º 389.º do Código Civil, tal como vem referido pela Ilustre Julgadora a quo no despacho de composição de quinhões, o certo é que que o Relatório da Sra. Perita do Tribunal e do Sr. Perito da Autora não poderiam ser atendidos. 
V- Porque como se vem referindo estamos perante uma ação de divisão de coisa comum e o que tem de ser levado em conta é o que efetivamente foi declarado existir (fase declarativa da ação especial de divisão de coisa comum), ou seja, os valores arrolados (contas arroladas) existentes no momento da instauração da ação de divisão de coisa comum, ou seja em ../../2016.
W- Contrariamente ao referido no despacho de fixação de quinhões, que diz que “inexiste qualquer fundamento para discordar das conclusões” que se extraem do relatório apresentado pelos Srs. Peritos do Tribunal e da Autora, tal relatório, de forma flagrante, parte de pressupostos errados, que o Tribunal não pode considerar, nem tampouco as suas demonstrações poderão ter aceitação como tiveram no despacho ora impugnado neste recurso.
X- Tais conclusões estão em manifesta contradição, como se vem expondo, com as decisões proferidas nos autos, nomeadamente com a parte que não foi revogada do despacho-saneador/sentença de 07/06/2017 e do douto acórdão de 15 de abril de 2020. 
Y- Os cálculos indicados nas conclusões, por aqueles Srs. Peritos, e aos quais o despacho aderiu para proceder à fixação/formação destes tinham imperativamente de partir das reais existências em compropriedade do apelante e da apelada à data da propositura da presente ação, que são nada mais e nada menos que os saldos efetivamente arrolados pelos bancos, pois, estes mantiveram-se inalterados e em compropriedade, desde o arrolamento até à propositura da presente ação.
Z- Os movimentos bancários anteriores ao decretamento do arrolamento, nas contas arroladas, ou contemporâneos, nunca poderão ser levados em conta porque são quase 10 anos anteriores a data da propositura da presente ação e até poderiam ter ocorrido no interesse comum dos ex-cônjuges uma vez que continuaram casados mais 5 anos, e ambos tinham a administração das contas pois eram cotitulares das mesmas. 
AA- Por isso, é que a Autora/Apelada sempre se conformou com tal situação, na verdade, foi ela quem requereu o arrolamento, foi devidamente notificada do auto de arrolamento, inclusivamente juntou-o aos presentes autos e nunca reagiu de forma discordante com o mesmo, só o fazendo quase 10 anos após ter sido notificada do mesmo (!!!).
BB- Assim, os quinhões deveriam ser compostos em conformidade com o disposto na página 6 do Relatório Pericial apresentado pelo Perito do Autor, pois, aí vem refletidos os valores arrolados e existentes à data da propositura da presente ação, de acordo com as pertinentes informações bancárias, bem como é feita uma divisão dos títulos por unidades uma vez que dada a volatilidade do mercado bolsista é impossível atribuir um valor certo e seguro, como fizeram (mal) os Srs. Peritos do Tribunal e da Autora e a que incompreensivelmente o Tribunal aderiu.
CC- O despacho que fixa os quinhões, não atende a que nada se encontra provado nos autos relativamente às contas à data da notificação do arrolamento 24/07/2007 aos referidos bancos, vide os 11 fatos dados como provados na sentença de 07/06/2017, agindo, pois, com excesso de pronúncia, o que gera a nulidade do despacho, pois, conhece de questões que não podia tomar conhecimento.
DD- Tal despacho não pode vir afirmar que “Não há quaisquer dúvidas do que se pretende dividir são as referidas contas arroladas, ou seja os valores constantes em tais contas quando foi feito o arrolamento (24.07.2007)”, pois tal fato repete-se não consta da matéria provada (11 fatos), nem do auto de arrolamento, provocando, assim, uma nulidade que se encontra prevista na alínea d) do art.º 615º do CPC e que expressamente se invoca. 
EE- A questão dos “valores constantes em tais contas quando foi efetuado o seu arrolamento (24.07.2007), é uma questão que integra a matéria decisória e contrariando tudo quanto para trás está dado como provado e assente nos autos, gerando uma nulidade. Vide Ac. do STJ de 16-02-2005, in www.dgsi.pt. “a nulidade do acórdão, por oposição entre fundamentos e a decisão, (que) só acontece quando os fundamentos conduzirem logicamente a uma decisão diferente”.
FF- O despacho, ora impugnado viola o caso julgado (alínea a) do n.º2 do art.º 629º do CPC), pois, conflitua diretamente com fatos que já foram julgados e transitados em julgado.
GG- O Tribunal, não pode agir “oficiosamente” contrariando fatos provados ou decidir sobre aquilo que não lhe foi pedido (aliás, curiosamente, o pedido da Autora, nesta ação nunca existiu e a “ampliação” não foi admitida (não se pode ampliar o que não existe)) e decidir pronunciar-se sobre questões que não lhe foram solicitadas, excedendo-se na pronúncia face aos fatos já provados. 
HH- Viola, ainda, o despacho impugnado, o artigo 3º do CPC, uma vez que não está provado, qualquer fato que diga que existiam mais valores nas contas no dia em que os bancos foram notificados do arrolamento; viola, o princípio da igualdade e da proporcionalidade entre as partes, pois há uma diferenciação entre o tratamento dado ao apelante e apelada, beneficiando esta em prejuízo daquele (vide art.º 13 e n.º 2 do art.º18 da CRP).
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Quanto à sentença de adjudicação que põe final à causa, de 15-01-2024, aqui em recurso.
II- A subfase processual e incidental destinada à fixação dos quinhões encontra-se inquinada tendo reflexo necessário e direto na decisão de mérito (adjudicação) proferida, que é nula, nos termos da alínea c) e d) do art.615º do CPC. Nulidade que para os devidos e pertinentes efeitos se invoca.
JJ- Pois, na fixação prévia de quinhões, o Tribunal a quo, não atendeu a que estávamos perante uma ação de divisão de coisa comum.  
KK- Não levou em conta que o arrolamento correu por apenso à ação de divórcio ......, que foi declarada improcedente por sentença transitada em julgado, o que, necessariamente, implicaria a caducidade do arrolamento, sendo que o divórcio entre o Recorrente e a Recorrida só veio a ser declarado por sentença transitada em 16 de junho de 2011, mas nos autos 218/09..... 
LL- A Recorrida foi notificada do auto de arrolamento de todo o seu teor, tendo conhecimento do mesmo pelo menos desde ../../2007, vide fls. 25 da certidão do arrolamento.   
MM- O Julgador, a quo, não podia adjudicar “à requerente o quinhão no valor de 293.304,91€ e ao requerido o quinhão no valor de 293.304, 91€, em conformidade com o despacho de 29-11-2023, nos termos do art.º 929.º, n.º1 do CPC”. Nem podia ordenar que “Tendo em conta que o quinhão do requerido já se encontra preenchido e realizado, pois já se apropriou do valor de 294.299,15€, com excesso de 994,24€, ordeno que tal valor seja entregue à requerente, necessário para que esta forme o seu quinhão, como decorre do despacho de 29-11-2023”.
NN- É nula tal decisão, pois, os quinhões deveriam ter sido fixados iguais para ambos os cônjuges e compostos pelos valores que realmente existem e existiam à data da propositura da presente ação em compropriedade entre os dois ex-cônjuges, e não por valores que hipoteticamente teriam existido nas contas antes do arrolamento, ou contemporâneos ao seu decretamento ou notificação aos bancos.
OO- Havendo erro nas premissas (despacho de fixação e composição de quinhões) a conclusão, decisão final aqui em recurso não pode estar certa, correta ou justa. 
PP- Sendo, pois, uma decisão nula, violando, além do mais já enunciado, nomeadamente a alínea d) do art.º 615º do CPC, pois, nos seus pressupostos o Julgador, a quo, não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, especialmente quando proferiu despacho para fixação e composição dos quinhões.
Pelo exposto deverá ser procedente a impugnação do despacho de fixação e composição de quinhões de 29.11.2023, com as legais consequências, nomeadamente, fixando quinhões iguais para ambos os o ex-cônjuges (Apelante e Apelada) compostos pelos valores que, realmente, existiam à data da propositura da presente ação de divisão de coisa comum,
E, consequentemente,
a decisão final de adjudicação, de 15.01.2024, ser revogada e substituída por outra que divida o bem fungível (depósitos bancários), adjudicando em partes iguais ao Apelante e à Apelada os valores que realmente existem e existiam à data da propositura da presente ação em compropriedade entre os dois ex-cônjuges.
Fazendo-se assim Justiça».
A recorrida/autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata e efeito suspensivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) impugnação do despacho de fixação/formação de quinhões (de 29-11-2023):
i) se a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia;
ii) aferir se a decisão incorreu em erro no apuramento dos valores relevantes para efeitos de divisão e formação dos respetivos quinhões.
B) reapreciação do mérito do despacho de adjudicação de quinhões (de 15-01-2024) em face do invocado erro nas premissas (despacho prévio de fixação e composição de quinhões).
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. As ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, atendendo a que o Tribunal de 1.ª instância não especificou qualquer matéria de facto provada nas decisões recorridas.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso.
2.1. impugnação do despacho de fixação/formação de quinhões (de 29-11-2023).
2.1.1. O recorrente suscita a nulidade da decisão recorrida, alegando, no essencial, que o despacho que fixa os quinhões não atende a que nada se encontra provado nos autos relativamente às contas à data da notificação do arrolamento 24-07-2007 aos referidos bancos, vide os 11 fatos dados como provados na sentença de 07-06-2017, agindo, pois, com excesso de pronúncia, o que gera a nulidade do despacho, pois, conhece de questões que não podia tomar.
Invoca o apelante a nulidade decorrente de o juiz apreciar ou conhecer questões de que não podia tomar conhecimento, vulgarmente denominada como excesso de pronúncia.
A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do CPC deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, onde se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Deste modo, «[o] excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso»[1].
No âmbito da ação de divisão de coisa comum, em causa nos presentes autos, a subfase de composição ou fixação de quinhões inicia-se logo após a decisão proferida na fase declarativa, devendo então, de acordo com a tramitação legal aplicável, ter lugar a perícia destinada à formação dos quinhões (artigo 927.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), terminando com a decisão do juiz, o qual decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º (cf. o artigo 927.º, n.º 3, do CPC).
No caso vertente, a decisão recorrida foi proferida em face dos relatórios periciais juntos aos autos, no âmbito da subfase de fixação de quinhões, entendendo aquela decisão ser de atender ao teor do relatório pericial apresentados pelos peritos que subscreveram o relatório conjunto, designadamente no que concerne ao momento relevante para o apuramento dos valores dos ativos a dividir e aos correspondentes valores que naquele relatório foram considerados.
Ora, tais questões inserem-se indiscutivelmente nos poderes de cognição do tribunal, pelo que não ocorre qualquer vício formal da sentença recorrida, consistente no invocado excesso de pronúncia.
Também eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, considerando que «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)»[2].
Neste quadro, resulta manifesto que a situação invocada pelo recorrente não permite preencher a invocada causa de nulidade da sentença, antes se constatando que os fundamentos agora invocados pelo recorrente em sede de apelação traduzem a respetiva discordância quanto ao mérito da decisão proferida.
Improcede, assim, a suscitada nulidade da decisão recorrida.
2.1.2. Aferir se a decisão incorreu em erro no apuramento dos valores relevantes para efeitos de divisão e formação dos respetivos quinhões.
O despacho de 29-11-2023 fixou em 293.304,91€ o quinhão de cada um dos intervenientes (autora e réu).
Analisando a decisão recorrida, verifica-se que a 1.ª Instância seguiu de perto o laudo constante do relatório conjunto apresentado pelos peritos indicados pelo tribunal e pela requerente.
Não obstante consignarem que o valor dos bens em compropriedade ascende atualmente a 275.209,17€ (relatório apresentado a 10-07-2023), os peritos que subscreveram o relatório conjunto fixaram o quinhão de cada um dos intervenientes (requerente e requerido) com base no valor referencial de 586.609,82€ que justificam corresponder ao património que existiria caso não tivessem ocorrido quaisquer operações após a realização do arrolamento.
Para o efeito, consideraram o quinhão do requerido como já preenchido em face das operações que lhe imputaram em exclusivo, com um excesso de 994,24€, que, de acordo com o mesmo relatório pericial, deverá o requerido entregar à requerente para formação do respetivo quinhão (o qual deverá ainda ser preenchido com a totalidade dos valores efetivamente existentes nas contas de depósito à ordem e a prazo, carteiras de títulos e aplicações financeiras em ações, tudo nos termos que melhor constam dos relatórios juntos aos autos - de 17-01-2022 e 10-07-2023).
Como pressuposto essencial da adesão ao laudo apresentado pelos peritos que subscreveram o relatório conjunto, o Tribunal recorrido sustentou que os dinheiros e valores a considerar na presente ação de divisão de coisa comum devem ser os que constavam das aludidas contas quando foi efetuado o arrolamento (24-07-2007) e não, como pretende o requerido, os valores efetivamente existentes em 10-10-2016 (data da instauração da presente ação de divisão de coisa comum).
Para o efeito, a 1.ª Instância entendeu, por um lado, que nada obstava, no caso, à aplicação do disposto no artigo 408.º, n.º 2 do CPC[3], mesmo reconhecendo não haver lugar a processo de inventário, mas sim a processo de divisão de coisa comum[4] e, por outro, que as referências constantes do ponto 3.º da matéria de facto elencada na decisão proferida nos presentes autos (de 07-12-2017) - devidamente transitada em julgado - permitem concluir que os valores a dividir são os que constam das contas aí referidas quando foi efetuado o seu arrolamento (24-07-2007).
Contra este entendimento insurge-se o ora recorrente.
Sustenta, entre o mais, que, tratando-se de ação de divisão de coisa comum, a divisão só pode operar relativamente aos valores existentes em compropriedade quando a mesma é instaurada, pois é aí que se coloca a possibilidade de divisão, ou seja, na data em que a presente ação de divisão de coisa comum dá entrada em Tribunal (../../2016), não tendo qualquer efeito retroativo, sendo irrelevante saber quais os saldos existentes nas contas, quando foi decretado o arrolamento em 23-07-2007, ou quando foi notificado aos bancos pretensamente no dia seguinte 24-07-2007, nem será relevante se foram ou não levantados, nem quem os levantou (as contas eram administradas por ambos, eram os dois cotitulares). Alega ainda o recorrente que os cálculos indicados nas conclusões pelos peritos, aos quais o despacho aderiu para proceder à fixação/formação dos quinhões, tinham imperativamente de partir das reais existências em compropriedade do apelante e da apelada à data da propositura da presente ação, que são os saldos efetivamente arrolados pelos bancos, pois, estes mantiveram-se inalterados e em compropriedade, desde o arrolamento até à propositura da presente ação, sendo que os movimentos bancários anteriores nunca poderão ser levados em conta porque são quase 10 anos anteriores a data da propositura da presente ação e até poderiam ter ocorrido no interesse comum dos ex-cônjuges uma vez que continuaram casados mais 5 anos, e ambos tinham a administração das contas pois eram cotitulares das mesmas, motivo pelo qual a autora/apelada sempre se conformou com tal situação, na verdade, foi ela quem requereu o arrolamento, foi devidamente notificada do auto de arrolamento, inclusivamente juntou-o aos presentes autos e nunca reagiu de forma discordante com o mesmo, só o fazendo quase 10 anos após ter sido notificada do mesmo.
Apreciando, cumpre salientar que, no caso, não estamos perante processo de inventário instaurado na sequência de processo de divórcio, do qual o aludido arrolamento seja dependência, mas antes em face de ação de divisão de coisa comum.
Assim, como bem salientou o Tribunal recorrido na decisão agora em análise, autora e réu foram casados no regime imperativo da separação de bens.
Sobre esta matéria, cita-se, pela sua relevância, o acórdão desta Relação de 22-02-2024[5]:«(…) no regime da separação de bens não há património comum, nem bens do casal, no sentido de propriedade colectiva ou de “mão comum”.
O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de “o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito), que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário.
(…)
Assim, na partilha dos bens subsequente à dissolução da comunhão ou destinada a pôr-lhe fim, os contitulares têm apenas direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
Já na compropriedade, tal como previsto no art.º 1403.º, n.º 1, do CC, dois ou mais sujeitos participam no direito de propriedade sobre bem certo e determinado, sendo que a divisão se faz por acordo ou nos termos do processo especial de divisão de coisa comum.
(…)
Não restam assim dúvidas de que a divisão dos bens adquiridos em conjunto por Autor e Ré, ou que como tal se presume (bens móveis), se efectua extrajudicialmente, v. g. por escritura pública de divisão de coisa comum ou, na falta de acordo, por acção de divisão de coisa comum, seguindo o processo especial previsto nos art.ºs 925º e seguintes do CPC, e não por meio de inventário, como foi entendido na decisão recorrida».
Conforme já fez notar - e bem - o Tribunal a quo em despacho proferido nos autos - a 03-05-2017 (ref.ª ...26) -, «o arrolamento em questão é dependência da ação principal, ou seja, da ação de divórcio, e não da ação de divisão de coisa comum agora em apreço».
Nestes termos, não existe qualquer relação de dependência e de instrumentalidade entre os autos de providência cautelar de arrolamento com o n.º 436/07.6TBVLN-A e a presente ação, do que resulta que o respetivo «auto de arrolamento» não pode servir de descrição nos presentes autos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 408.º, n.º 2 do CPC, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida.
Por outro lado, também não se verificam os pressupostos necessários de que depende a vinculatividade própria do instituto do caso julgado, conforme resulta designadamente do disposto no artigo 364.º, n.º 4 do CPC, posto que a decisão que decretou o arrolamento no processo 436/07.6TBVLN-A configura uma decisão meramente provisória.
Como tal, não existe fundamento legal para estender a eficácia do arrolamento oportunamente decretado em processo autónomo aos eventuais interesses dos comproprietários a operar em sede de ação de divisão de coisa comum, como sucede nos presentes autos.
Por outro lado, «[a]purar do desrespeito do caso julgado duma decisão impõe se aprecie do respectivo objecto - a contraditoriedade entre decisões, traduzindo um desrespeito da decisão posterior pela decisão anterior, supõe (pressuposto nuclear necessário) que tenham por objecto a mesma questão (a identidade de objectos), pois que os efeitos processuais do trânsito em julgado, aportando valor de imutabilidade ao decidido, circunscrevem-se a esse objecto (a proibição de reapreciação e a vinculação ao apreciado reportam-se à questão já decidida, protegendo a continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos[6].
Na ação de divisão de coisa comum em análise mostra-se ultrapassada - há muito - a primeira fase processual própria desta ação, a qual decorreu desde a sua dedução até à decisão de 07-06-2017.
 Tal decisão veio a ser confirmada, na parte que agora releva, por acórdão desta Relação - de 07-12-2017.
Ora, visto o dispositivo da sentença proferida a 07-06-2017, observa-se que tal segmento decisório se limita a considerar que os bens identificados no ponto 3 do mesmo elenco pertencem em compropriedade e em quotas iguais a A. e R., nada obstando à sua divisibilidade em substância.
Por outro lado, da análise da correspondente fundamentação verifica-se que na mesma decisão não é dado como provado ou feita qualquer referência a concretos valores compreendidos em tais contas nem sequer à data relevante para o respetivo apuramento.
Com efeito, da interpretação da sentença proferida a 07-06-2017 não resulta suficientemente evidenciado, ainda que de forma implícita, que os valores a considerar na divisão a operar na presente ação sejam os constantes de tais contas à data da notificação do arrolamento aos referidos bancos (24-07-2007) ou aqueles que as entidades bancárias declararam ou informaram que existiam nas referidas contas na sequência da notificação judicial relativa ao arrolamento oportunamente decretado, e não outros.
Deste modo, a ponderação e interpretação conjunta da fundamentação e da parte dispositiva da decisão de 07-06-2017 somente permite circunscrever o âmbito decisório daquela sentença ao reconhecimento do direito à divisão das contas bancárias, a prazo ou à ordem e/ou quaisquer aplicações financeiras que surgem identificadas no correspondente ponto 3.º da matéria de facto, com referência às entidades bancárias respetivas e aos respetivos números.
Como tal, apenas as questões atinentes à divisibilidade em substância e à posição relativa de cada consorte, ou volume das respetivas quotas na propriedade dos atinentes fundos/ativos foram definitivamente decididas com força obrigatória dentro do processo, impedindo o tribunal de apreciar novamente as mesmas.
Assim sendo, contrariamente ao entendimento vertido na fundamentação da decisão recorrida, julgamos que a simples referência às «contas arroladas» que consta do referido ponto da matéria de facto não permite alargar os efeitos do juízo positivo formulado sentença proferida a 07-06-2017 às questões relativas ao apuramento dos valores efetivamente existentes nas contas bancárias em causa ou à data relevante para o apuramento de tais valores, para efeitos de divisão ulterior.
Pelo exposto, em face do teor da decisão de 07-06-2017, entendemos que não se coloca relevantemente a questão dos limites do caso julgado quanto à data relevante para o apuramento dos valores existentes nas contas bancárias em causa, importando assim apreciar tal questão à luz da natureza e das finalidades da ação de divisão de coisa comum.
Tal como prevê o artigo 925.º do CPC, todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.
Neste enquadramento, a ação de divisão de coisa comum constitui o meio processual que adjetiva o regime substantivo geral do artigo 1412.º, n.º1, e 1413.º, n.º1, ambos do Código Civil (CC)[7], segundo o qual, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.
Por outro lado, ainda que o citado artigo 925.º do CPC se reporte à divisão de “coisa comum” revela-se pacífico o entendimento que o meio processual em referência abrange tanto a divisão de uma coisa como de um direito, podendo ser impulsionada, por exemplo, pelo coarrendatário, contitular de quota social, de depósito bancário ou de valor mobiliário[8].
Processualmente a tramitação da ação de divisão de coisa comum encontra-se regulada nos artigos 926.º a 929.º do CPC.
Conforme elucidam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[9], a propósito da tramitação do processo em referência, «o processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: uma, de natureza declarativa, que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado, a qual só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do réu for inoperante (art. 926º, n º2); outra, de índole executiva, em que se materializa, fundamentalmente por meio de perícia, o direito já definido na fase declarativa ou afirmado, sem contestação, pelo autor.
(…) Nesta fase, nos casos de seccionamento da coisa, procede-se à sua divisão mediante a formação de quinhões, em conformidade com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação de tais quinhões. Aos casos de indivisibilidade ajusta-se a adjudicação da coisa a um dos consortes, preenchendo as quotas dos demais com dinheiro, ou à venda executiva, com a repartição do produto da venda pelos interessados na proporção das respetivas quotas».
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2021[10], «[a] finalidade do processo de divisão de coisa comum cinge-se a três possíveis resultados: a divisão em substância da coisa, a sua adjudicação a um dos comproprietários ou a sua venda, com repartição do respectivo valor.
Assim, tal acção tem como pressuposto a compropriedade e como objectivo a efectivação do direito à divisão, sendo considerada uma acção de natureza real, que se integra na categoria das acções declarativas constitutivas referidas no art. 10º, n.ºs 1, 2 e 3, c) do CPC, pois que visa a modificação subjectiva e objectiva do direito de compropriedade implicando uma mudança na ordem jurídica existente.
A compropriedade constitui, pois, a causa de pedir na acção de divisão de coisa comum».
Como tal, o escopo e o pedido da ação de divisão de coisa comum é, tão só, a divisão da coisa comum, com exclusão de qualquer outro pedido que não este[11].
Em decorrência de tal regime, mostra-se ademais consensual na jurisprudência dos tribunais superiores que o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se à situação presente e real em que se encontra a coisa quando a questão é apreciada (requisito da atualidade)[12].
Assim, «o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida»[13].
Conforme se elucida no citado acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 29-09-2022, «[o] requisito da atualidade é discernível na circunstância de o nº 1 do artigo 929º, nº 1, do CPC, aplicável no caso de a coisa ser divisível, determinar a imediata realização da conferência de interessados, após a fixação dos quinhões, com a expressa finalidade de se fazer a adjudicação, sendo que na falta de acordo tem lugar a realização de sorteio. Portanto, a divisibilidade tem de se verificar nesse momento, ou seja, ser atual, para permitir logo a adjudicação das frações em que se dividiu a coisa até então una. Constitui, assim, uma verdadeira condição de procedência da pretensão, pois a divisibilidade tem de se mostrar demonstrada até ao momento em que o tribunal deve conhecer dessa questão».
De forma idêntica, julgamos que o juízo relativo ao apuramento dos valores efetivamente existentes nas contas bancárias em causa nos presentes autos, a realizar em sede de fixação prévia de quinhões, deve reportar-se à situação presente e real em que as mesmas se encontram quando a questão é apreciada, devendo assim coincidir com o momento em que a divisão é requerida.
Com efeito, a subfase de composição ou fixação de quinhões inicia-se logo após a decisão proferida na fase declarativa[14], devendo então, de acordo com a tramitação legal aplicável, ter lugar a perícia destinada à formação dos quinhões (artigo 927.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), terminando com a decisão do juiz, o qual decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º (cf. o artigo 927.º, n.º3, do CPC).
Sendo assim, «o juiz decidirá sobre a formação dos quinhões com base nos resultados da perícia e após a realização das diligências necessárias que seja permitido às partes requerer ou que sejam ordenadas pelo juiz, com observância do formalismo simplificado previsto nos arts. 294º e 295º (nº3)»[15].
Desta forma, a decisão de fixação/formação dos quinhões deve preceder a conferência de interessados[16] e não pode ser omitida na fase eminentemente executiva da ação de divisão de coisa comum.

Efetivamente, a subsequente subfase da «conferência de interessados» pressupõe que estejam fixados ou formados previamente os quinhões porquanto, tratando-se de coisa divisível, a conferência de interessados visa exclusivamente a intervenção dos consortes para a adjudicação dos quinhões por acordo ou, na falta de acordo, por sorteio, tal como prevê expressamente o artigo 929.º, do CPC ao dispor o seguinte:

«Conferência de interessados
1 - Fixados os quinhões, realiza-se conferência de interessados para se fazer a adjudicação; na falta de acordo entre os interessados presentes, a adjudicação é feita por sorteio.
2 - Sendo a coisa indivisível, a conferência tem em vista o acordo dos interessados na respetiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda.
3 - Se houver interessados incapazes ou ausentes, o acordo tem de ser autorizado judicialmente, ouvido o Ministério Público.
4 - O acordo dos interessados presentes obriga os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido notificados, devendo sê-lo. Na notificação das pessoas convocadas faz-se menção do objeto da conferência
5 - Reclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que haja de as pagar, para as depositar.
6 - Não sendo efetuado o depósito, pode o reclamante pedir que a coisa lhes seja adjudicada, contanto que deposite imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenha de pagar.
7 - Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, aplica-se o disposto na segunda parte do n.º 1.
8 - Pode também o reclamante pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda da coisa.
9 - Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença e os credores podem registar hipoteca legal sobre a coisa».
E compreende-se que assim seja, porquanto não basta definir, em abstrato e de forma genérica, a quota de cada um dos interessados nos bens ou direitos em causa[17], importando, ao invés, definir e precisar em concreto quais os valores e ativos existentes e a dividir, enquanto operação prévia à necessária conformação dos específicos quinhões que posteriormente deverão ser adjudicados aos interessados.
Por isso, tais quinhões devem ser determinados em função dos valores e ativos efetivamente verificados, ou seja, em função dos valores efetivamente existentes à data da proposição da ação de divisão de coisa comum, atenta a finalidade específica da fase de índole executiva desta ação.
Como se viu, na formação dos quinhões, a 1.ª Instância seguiu de perto o laudo constante do relatório conjunto apresentado pelos peritos indicados pelo tribunal e pela requerente que, não obstante consignarem que o valor dos bens em compropriedade ascende atualmente a 275.209,17€ (relatório apresentado a 10-07-2023), fixaram o quinhão de cada um dos intervenientes (requerente e requerido) com base no valor referencial de 586.609,82€ que justificam corresponder ao património que existiria caso não tivessem ocorrido quaisquer operações após a realização do arrolamento[18].
Para o efeito, consideraram o quinhão do requerido como já preenchido em face das operações bancárias que lhe imputaram em exclusivo, com um excesso de 994,24€, que, de acordo com o mesmo relatório pericial, deverá o requerido entregar à requerente para formação do respetivo quinhão (o qual deverá ainda ser preenchido com a totalidade dos valores efetivamente existentes nas contas de depósito à ordem e a prazo, carteiras de títulos e aplicações financeiras em ações, tudo nos termos que melhor constam dos relatórios juntos aos autos - de 17-01-2022 e 10-07-2023).
Resulta do exposto que os quinhões não foram fixados em função de valores e ativos efetivamente verificados, ou seja, em face de valores efetivamente existentes à data da proposição da ação de divisão de coisa comum, antes resultando da ponderação que os peritos subscritores do relatório conjunto fizeram acerca da existência de um suposto direito de crédito da requerente sobre o requerido (emergente de invocados movimentos/operações realizadas pelo requerido nas contas bancárias em situação de compropriedade e anteriores à data da proposição da presente ação), que afirmaram dever ser reconhecido mas que se mostra controvertido nos autos.
Ora, como se concluiu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-05-2024[19], «a causa de pedir da acção de divisão de coisa comum não é um direito de crédito. Estamos perante uma acção real, que visa pôr termo a uma situação de compropriedade. A causa de pedir consiste nesta situação, à qual o autor, exercendo o direito potestativo que o n.º 1 do artigo 1412.º do CC, pretende pôr termo. Repetimos, o autor não pretende exercer qualquer direito de crédito através da acção de divisão de coisa comum».
Deste modo, invocando-se a existência de um impugnado direito de crédito da requerente sobre o requerido, emergente de determinados movimentos/operações alegadamente realizados pelo requerido em datas anteriores à da proposição da ação de divisão de coisa comum, tal controvérsia tem o seu lugar próprio em sede de eventual ação de condenação, no âmbito de uma eventual obrigação decorrente da relação entre os contitulares/comproprietários da(s) conta(s) em referência, a qual extravasa o objeto da presente ação de divisão de coisa comum.
Devendo a prova pericial, em processo civil, ser apreciada livremente pelo tribunal (artigo 389.º do CC), resulta indiscutível que este deve ponderar as conclusões indicadas pelos peritos como resultado da perícia, bem como os demais elementos constantes do relatório pericial, de modo a poder atribuir-lhe relevância ou a divergir da análise plasmada no juízo técnico inerente à perícia.
Tal como refere Luís Filipe Pires de Sousa[20], «a prova pericial tem que ser apreciada pelo julgador a três níveis: (i) quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal); (ii) quanto à base de facto pressuposta na perícia (iii) e quanto à própria conclusão da perícia.
(…)
Quanto à base de facto - cuja perceção e/ou apreciação não exija especiais conhecimentos - pressuposta na perícia, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, porque não é posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria. Ou seja, o Tribunal mantém a liberdade de apreciação da prova se a divergência se confinar aos factos em que se apoia o juízo pericial».
Ora, tendo-se já concluído que os quinhões devem traduzir necessariamente uma expressão real, que deve ser determinada em função dos valores e ativos efetivamente verificados, ou seja, em função dos valores efetivamente existentes à data da proposição da ação de divisão de coisa comum, resulta manifesto que a conclusão extraída pelos peritos que subscreveram o relatório conjunto não se revela adequada para a determinação dos quinhões, o que afasta necessariamente o entendimento adotado pelo Tribunal a quo no despacho de 29-11-2023.
Aqui chegados, verificamos que o perito indicado pelo requerido foi o único que atendeu à data da instauração da presente ação de divisão de coisa comum como data relevante para efeitos do cálculo/formação dos quinhões, tomando por base os elementos que foram disponibilizados e constam dos extratos/declarações enviados pelas instituições bancárias relativamente aos valores efetivamente existentes em nome dos comproprietários, com referência às datas que deles constam - cf. relatório de 29-11-2021 (junto aos autos a 02-12-2021).
Por outro lado, atenta a natureza infungível do objeto dos depósitos de carteiras de títulos e outros valores[21], também não vemos fundamento para divergir do juízo pericial formulado pelo perito indicado pelo requerido, ao propor a divisão dos valores mobiliários cotados em bolsa (contas “títulos”) pela quantidade existente e não pelo seu valor nominal ou de mercado (por entender que a respetiva valorização é feita ao dia), diversamente do que propôs relativamente aos depósitos em numerário.
Nestes termos, cumpre atender ao relatório subscrito pelo perito indicado pelo requerido, pelo que os quinhões a submeter à adjudicação das partes na conferência de interessados devem ser fixados de acordo com o quadro com indicação dos quinhões, apresentado a págs. 6 do relatório de 29-11-2021 (junto aos autos a 02-12-2021), com ressalva da referência/indicação da parte a que cada um deles se destina, atento o disposto no artigo 929.º, n.º 1 do CPC.
Procede, assim, a impugnação deduzida pelo apelante relativamente à decisão interlocutória de fixação/formação de quinhões, com a consequente revogação do despacho de 29-11-2023, o qual deve ser substituído por outro que atenda ao relatório subscrito pelo perito indicado pelo requerido, fixando os quinhões de acordo com o quadro apresentado a págs. 6 do relatório de 29-11-2021 (junto aos autos a 02-12-2021), com ressalva da referência/indicação da parte a que cada um deles se destina, após o que deve ser designada nova data para realização de conferência de interessados para se fazer a adjudicação ou, na falta de acordo entre os interessados, o correspondente sorteio, tudo em conformidade com o disposto no artigo 929.º, n.º 1 do CPC.
2.2. O recorrente vem ainda impugnar na presente apelação o despacho de adjudicação de quinhões (de 15-01-2024).
 Ora, a revogação do despacho de fixação e composição de quinhões, já decidida em 2.1.2. supra, afeta necessariamente a decisão subsequente de adjudicação de quinhões, a qual não pode manter-se, pois assentava em pressupostos que dependiam da manutenção/confirmação do despacho prévio de fixação e composição de quinhões.
Pelo exposto, não pode prevalecer o despacho de fixação e composição de quinhões e, por consequência, a respetiva sentença de adjudicação, que se revogam, devendo proceder-se à fixação dos quinhões de acordo com o quadro apresentado a págs. 6 do relatório de 29-11-2021 (junto aos autos a 02-12-2021), com ressalva da referência/indicação da parte a que cada um deles se destina, após o que deve ser designada nova data para realização de conferência de interessados para se fazer a adjudicação ou, na falta de acordo entre os interessados, o correspondente sorteio, tudo em conformidade com o disposto no artigo 929.º, n.º 1 do CPC.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrida, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam o despacho de fixação/composição de quinhões e a respetiva sentença de adjudicação, determinando que se proceda à fixação dos quinhões de acordo com o quadro apresentado a págs. 6 do relatório de 29-11-2021 (junto aos autos a 02-12-2021), com ressalva da referência/indicação da parte a que cada um deles se destina, após o que deve ser designada nova data para realização de conferência de interessados para se fazer a adjudicação ou, na falta de acordo entre os interessados, o correspondente sorteio, tudo em conformidade com o disposto no artigo 929.º, n.º 1 do CPC.
Custas da apelação pela recorrida.
Guimarães, 26 de setembro de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Maria Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)


[1] Cf. o Ac. do STJ de 30-09-2010 (relator: Álvaro Rodrigues), p. 341/08.9TCGMR.G1. S2, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pg. 734.
[3] Nos termos de tal preceito, «O auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se».
[4]Sustentando ocorrer situação igualmente merecedora de tutela especial, visto que a finalidade do arrolamento não se esgota na ação de divórcio, mas mantém-se e só assume plena eficácia após ser efetuada a partilha, divisão, permanecendo até lá o perigo de dissipação e extravio dos bens.
[5] Relatora Eva Almeida; p. 2509/22.6T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cf. Ac.  TRG de 18-03-2021 (relator: Ramos Lopes), p. 381/08.8TBPTL-I. G1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Cf., a propósito, o Ac. TRC de 03-12-2013 (relator: Sílvia Pires), p. 86/11.2TBVZL-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, p. 363.
[9] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 364.
[10] Relatora Micaela Sousa, p. 284/18.8T8LSBB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cf. o Ac. TRL de 11-01-2018 (relatora: Carla Mendes), p. 386/15.2T8MFR.L2-8, disponível em www.dgsi.pt.
[12]  Neste sentido, cf., por todos, os Acs. TRP de 13-10- 2022 (relatora: Judite Pires), p. 17/18.9T8VLC.P1; TRG de 29-09-2022 (relator: Joaquim Boavida), p. 367/21.7T8MNC.G1; TRC de 24-10-2006 (relator: Jorge Arcanjo), p. 40012-A/1985.C1; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[13] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Acções especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, 1.ª edição, pg. 29.
[14] No caso, a sentença de 07-06-2017 onde se decidiu julgar a ação parcialmente procedente e considerar que os bens identificados no ponto 3 do elenco dos factos ali dados como provados pertencem em compropriedade e em quotas iguais a A. e R., nada obstando à sua divisibilidade em substância.
[15] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 368.
[16] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada - p. 103.
[17] O que, aliás, já foi declarado na fase declarativa do processo (cf. sentença de 07-12-2017).
[18] Não obstante, estimaram em 639.866,10€ o valor do património que existia à data do arrolamento anteriormente decretado nos autos de providência cautelar de arrolamento com o processo n.º 436/07.6TBVLN-A, referindo que, caso tivesse sido possível formar quinhões e dividir o património em duas partes iguais à data do referido arrolamento, requerente e requerido deveriam então receber 319.933,05€ cada um.
[19] Relator Vítor Sequinho dos Santos, p. 6713/22.9T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão, p. 355.
[21] Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 12-01-2022 (relatora: Maria da Graça Trigo), p. 2919/19.6T8LRA.C1. S1, disponível em www.dgsi.pt.