RESPONSABILIDADE DE SÓCIO
GERENTE
ADMINISTRADOR OU DIRETOR
RESPONSABILIDADE DELITUAL DOS ADMINISTRADORES E GERENTES
ADMINISTRAÇÃO DE UMA SOCIEDADE
DEVERES
DEVER DE DILIGÊNCIA
Sumário

I - Do regime jurídico das sociedades comerciais, designadamente do art. 64º do Código das Sociedades Comerciais que enuncia os deveres fundamentais dos gerentes e administradores da sociedade, decorre que aqueles estão sujeitos aos deveres de cuidado e de diligência correspondentes aos de um gestor criterioso e ordenado e deveres de lealdade, no interesse da sociedade e para proteção de outros sujeitos, como os trabalhadores, clientes e credores.
II - Este dever de diligência deve ser apreciado em cada caso concreto e situa-se acima da exigência prevista para o bonus pater familiae, critério que tem a sua importância para averiguação da responsabilidade civil.
II - Não ocorre violação destes deveres se, aquando da saída da estrutura societária e da gerência de uma das sociedades do grupo, a sociedade Ré procede a pagamentos e recebimento de quantias por serviços contabilisticamente documentados, que efetivamente prestou, que se revelaram necessários ao exercício das suas funções administrativas e de gerência e cujos montantes, foram considerados razoáveis do ponto de vista financeiro, analisados em comparação com os custos de mercado, pelos peritos.

Texto Integral

Proc. n.º 4083/18.9T8VNG.P2

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Ramos Lopes

Anabela Dias Silva

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

A... Lda. (adiante A... Lda. ou Primeira Autora), B... S.L. (adiante B... SL ou Segunda Autora) sociedade de Direito espanhol e C.... (adiante C... ou Terceira Autora), sociedade de Direito Italiano, intentaram AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO sob a forma comum ordinária contra D... S.A. (adiante D... ou Primeira Ré) e AA (Segundo Réu), pedindo para: “serem a Primeira Ré e o Segundo Réu condenados a indemnizar as Autoras no montante de € 191.596,85 acrescido de juros a taxa legal desde 18 de janeiro de 2017 até integral pagamento e que na presente data ascendem a € 7.600,66 no total (capital e juros) de € 199.197,51; subsidiariamente e caso assim não se entenda, devem ser os RR condenados a restituir aos AA a quantia de € 191.596,85 com que se locupletaram (enriquecimento sem causa) quantia essa acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento, juros esses que na presente data ascendem a € 7.600,66 no total (capital e juros), na presente data de € 199.197,51.”

Para tanto e em suma alegaram que, foram designados como gerentes da A... Lda. (Primeira Autora) todas as sócias (Segunda e Terceira Autoras e Primeira Ré) e, nos termos do n.º 2 do artigo 8º do pacto social originário de 30 de outubro de 2006, a sociedade A... Lda. obrigava-se com a assinatura de duas gerentes.

No entanto, o exercício da gerência corrente era exercido de facto pela sócia D... (Primeira Ré), nomeadamente, pagamentos a fornecedores, emissão de faturas, execução da contabilidade, processamento de salários e preenchimento e comunicação das obrigações fiscais e aduaneiras. A contabilidade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) era efetuada pela própria D... (Primeira Ré).

A gerência da A... Lda. (Primeira Autora) era partilhada pela sócia D... (Primeira Ré) e pela sócia B... SL (Segunda Autora).

A sócia D... era responsável pelos aspetos administrativos da gerência, particularmente da contabilidade, das obrigações fiscais e aduaneiras e dos pagamentos.

A sócia B... SL (Segunda Autora) era, por seu lado, responsável pelos aspetos comerciais e operacionais, particularmente das obrigações com a E... e as companhias aéreas.

Pelo exercício dos termos dessa gerência e da contabilidade, foi acordado pelas sócias o pagamento de uma verba (fee) à D... (Primeira Ré). Esse pagamento consistia em € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. (Primeira Autora) tratasse, sendo que o pagamento era concretizado pela própria D....

Ficou, igualmente, acordado pagar à A... SL € 0,03 por quilo de carga que a A... Lda. tratasse e a própria D... (Primeira Ré) debitava, inclusivamente, os custos com comunicações que eram da responsabilidade da A... Lda.(Primeira Autora), mas que, por razões contratuais e comerciais, faziam parte do contrato “geral” da D... com a operadora.

Sucede que, desde 2015 até 2017 (ano da escritura de divisão e cessão da quota da D... (Primeira Ré), as relações entre as sócias agudizaram-se.

E em 2 de fevereiro de 2017, a sócia D... (Primeira Ré) comunicou à A... Lda. (Primeira Autora) de que iria ceder a quota que detinha na própria A... Lda. (Primeira Autora) pelo seu valor de € 15.000,00, o que veio a ocorrer, em 14 de março de 2017, mediante escritura de divisão e cessão da quota que a D... (Primeira Ré) possuía no capital social da A... Lda. (Primeira Autora). Cada uma das duas quotas no valor nominal de € 5.000,00 foi cedida à sócia B... SL (Segunda Autora) e C... (Terceira Autora).

As sócias A... SL (Segunda Autora) e C... (Terceira Autora) obtiveram do Banco 1... o extrato da conta bancária da A... Lda. (Primeira Autora) de Janeiro de 2017, tendo vindo a constatar, da análise desse extrato, que a D..., (Primeira Ré) era a única entidade com acesso à conta bancária do Banco 1... da A... Lda, tendo ordenado as seguintes operações a partir dos fundos dessa conta:

a) A transferência, em 18 de janeiro de 2017, de um montante total de € 191.596,85 para as empresas do Grupo D... (Primeira Ré e sociedades com esta relacionadas);

Mais concretamente:

i. A transferência de € 27.964,53 para a F... S.A. (F...);

ii. A transferência de € 10.064,00 para a G... S.A.(G...);

iii. A transferência de € 153.568,32 para a sociedade D... (D... S.A. (D...)).

b) Em 19 de janeiro de 2017, o pagamento de faturas no valor total de € 97.891,64 à A... SL.

Isto é, segundo as AA, a D... (Primeira Ré) retirou da conta bancária da A... Lda. (Primeira Autora) um total € 191.596,85 para si ou para empresas do seu Grupo e com esse dinheiro (que pertencia à A... Lda. (Primeira Autora)) procedeu ao pagamento da sua própria dívida à sociedade A... Lda. (Primeira Autora) no valor de € 98.909,66 e enquanto gerente e através do seu representante (Segundo Réu) ordenou, ainda, o pagamento da dívida da A... Lda. (Primeira Autora) à sócia B... SL (Segunda Autora) no valor total de € 97.891,64.

A D... (Primeira Ré) pagou a sua dívida de € 98.909,66 à A... Lda. (Primeira Autora) com dinheiro da própria A... Lda. (Primeira Autora) e ainda ficou com o valor de € 92.687,19 (€ 191.596,85 - € 98.909,66).

A Primeira Ré e o Segundo Réu, abusiva e ilicitamente, sem conhecimento das Segunda e Terceira Autoras, imediatamente antes da cessão de quota, debitaram à A... Lda. (Primeira Autora) à data representada nesta matéria exclusivamente pelo Segundo Réu "alegados" serviços operacionais que incluem custos de estrutura (systems costs), processamento de salários (payroll operacional activities) e atividades operacionais financeiras e de auditoria (audit and finance operational activities), serviços operacionais estes reportados ao período decorrido entre 2009 e 2016.

Nunca as sócias da A... Lda. (Primeira Autora) acordaram sobre a necessidade de tais serviços, o débito de tais serviços e muito menos o seu valor.

Já que as sócias e gerentes da A... Lda. (Primeira Autora) apenas acordaram que a D... (Primeira Ré) receberia € 0,02 por cada quilo que a A... Lda. (Primeira Autora) tratasse por contrapartida dos serviços que a D... (Primeira Ré) efetuava e foi esse valor foi faturado mensalmente e pago ao longo do período de atividade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) até 31 de dezembro de 2016.

Assim sendo, a fatura emitida pela Ré, carece de qualquer sentido e fundamento, consubstanciando uma manifestação abusiva, ocultada dos restantes sócios e gerentes, e imediatamente antes da sua saída da estrutura societária e gerência - do poder efetivo e material detido pelos Réus que assim atuaram ilicitamente em seu exclusivo benefício em prejuízo direto das Autoras.

Conclui assim que, para além da ilicitude da atuação das Rés por, sem qualquer fundamento, se terem apropriado, por meios especialmente artificiosos dos aludidos montantes aproveitando a posição de controle absoluto da faturação e dos pagamentos, a conduta da D... (Primeira Ré) violou ainda os deveres de cuidado e lealdade, constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 64º do CSC.

A ação do gerente D... (Primeira Ré), que também é sócio, violou os deveres de cuidado e de lealdade e, por conseguinte, revelou-se ilícita e suscetível de responsabilidade civil para com os demais sócios e a sociedade pelos danos que causaram no exercício das suas funções de gerência (artigos 72º, 78º e 79º, todos do CSC). O facto de a sócia e gerente D... (Primeira Ré) no exercício das suas funções de gerência, ter decidido de forma unilateral remunerar, a si mesma, determinadas funções que alegadamente praticou no período compreendido entre 2009 e 2016, tendo também definido unilateralmente o preço e ter-se pago a si mesma, através de transferência da conta bancária da sociedade, para além da remuneração que lhe já lhe assistia pela administração que tinha sido fixada entre todas as sócias e gerentes, configura uma clara, grave e intolerável violação dos deveres de cuidado e lealdade.

A atuação da gerente D... (Primeira Ré) provocou sérios danos na esfera da sociedade A... Lda. (Primeira Autora).

Com o pagamento ilícito a si própria no valor total de € 191.596,85, a D... (Primeira Ré) e as sociedades do Grupo D... locupletaram-se indevidamente de um montante que não lhes era devido e a sociedade A... Lda. (Primeira Autora) ficou sem esse valor na sua conta bancária. Para além do empobrecimento patrimonial, a A... Lda. (Primeira Autora) ficou com uma situação líquida negativa, afetando a sua solvabilidade financeira.

Que, relativamente aos atos materiais e concretos de exercício do cargo de gerente praticados pelo Segundo Réu (também sócio da Primeira Ré), é este responsável por estes - e pelos respetivos danos - solidariamente com a Primeira Ré sócia (e gerente) que indicou o Segundo Réu para o exercício material de tais funções.

Sendo assim ambos os RR solidariamente responsáveis pelos danos verificados e pelo dever de indemnizar.

Subsidiariamente para o caso de assim se não entender invoca o enriquecimento sem causa.

As Autoras responsabilizam ainda o 2º Réu, solidariamente, pelo prejuízo causado.

Contestaram as Rés, tendo a Ré D..., SA, se defendido por impugnação, impugnando o valor da verba que a Ré teria que receber pelos serviços prestados; alegando ainda que a fatura DP 16/5716000453 titula serviços prestados ao longo dos anos de 2009 a 2016.

Que no momento em que a Ré D... se afastou da gestão executiva da A... cumpriu com os deveres legais e contratuais da boa gestão, pagando a quem a A... deve e cobrando a quem a deve à A..., usando unicamente os recursos disponíveis e os valores em caixa.

Tanto as faturas pagas pela A... às empresas D..., assim como as faturas pagas pela F... à A..., estão devidamente titulados por documentos e, naturalmente, em condições de mercado constituem montantes que devem obrigatoriamente ser pagos e que os pagamentos e recebimentos efetuados em 18 de Janeiro de 2017 são imaculados, respeitam os registos contabilísticos e todas as normas legais aplicáveis, sejam elas de natureza civil, comercial ou fiscal, tudo efetuado no estrito cumprimento dos deveres de gerência, dos quais se destacam os deveres de cuidado e de lealdade referidos nos artigos 89º e seguintes da p.i.

Honestidade que é ainda comprovada pelo facto da D... ter pago integralmente o crédito da segunda autora B... SL, no montante de € 97.891,64 em 18 de Janeiro de 2017, não privilegiando ou prejudicando credores, e tratando a todos por igual.

Em reconvenção, pede a condenação da Primeira Autora A... LDA. no pagamento de € 27.488.04, acrescido de juros vincendos a contar da notificação da reconvenção, à taxa legal aplicável para o competente período para os créditos comerciais, quantia que alega ter direito em resultado do facto de, após a cessão de quota da D..., continuaram a existir relações comerciais entre as partes, encontrando-se tais montantes por liquidar.

Na contestação apresentada pelo 2º Réu, AA, este veio defender-se por impugnação, dizendo em suma que, não é nem nunca foi sócio da 1ª Ré, a sociedade “D...”, sendo apenas vogal do Conselho de Administração da “D...” desde julho de 2014, funções que desde então vem acumulando com a administração e gestão de outras sociedades do universo empresarial “D...” e que, em momento algum, movimentou, a débito ou a crédito, a conta bancária da Autora “A...” no Banco 1... melhor identificada na petição inicial.

Tais atos de gestão, foram sempre materializados pelos demais representantes legais da “D...” e bem assim pelos procuradores constituídos pela Autora “A...” através da procuração outorgada a 31 de março de 2007.

Sucedeu que, nas reuniões do Conselho de Administração da “D...” em que o aqui Réu participou, foram apreciadas e deliberadas as medidas a implementar pela sócia-gerente antes de se afastar da gestão da “A...”, mormente, os pagamentos a credores e cobranças aos clientes, de acordo com os critérios e recursos existentes, rejeitando ter praticado qualquer ato, ainda que sob a orientação e em cumprimento estrito das diretrizes que lhe foram dadas pela “D...”, contrário à lei ou aos interesses da Autora “A...” ou das suas sócias. Conclui pela improcedência do pedido contra si formulado.

Em reconvenção, pede para serem as Autoras/ Reconvindas condenadas ao pagamento dos danos não patrimoniais causados ao aqui Réu que se computam na quantia de €3.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de citação, até efetivo e integral pagamento e serem as AA. declaradas litigantes de má-fé e, como tal, condenadas ao pagamento de multa a fixar pelo Tribunal e bem assim em indemnização ao Réu cuja quantificação se relega para momento ulterior à luz do preceituado no artigo 543º nº 3 do CPC.

Replicaram as Autoras, pugnando pela improcedência das Reconvenções, mantendo a posição defendida na p.i.

Veio a ser proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e indicação dos Temas de Prova.

Prosseguiram os autos com a realização da audiência de julgamento e no final, foi proferida sentença que, na sequência do recurso de Apelação apresentado pela Ré D..., SA, veio a ser parcialmente anulada por este Tribunal da Relação (apenas subsistindo a sentença na parte em que apreciou o pedido formulado contra o segundo Réu, e o pedido reconvencional por este deduzido, sendo que a sentença nessa parte, por não ter sido objeto de recurso, transitou em julgado), e reenviou os autos ao tribunal de primeira instância, para que fossem supridas as deficiências apontadas na matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 662º nº 2 al. c) do CPC.

Baixados os autos à primeira instância, foram ouvidas as partes, tendo sido realizadas as diligências probatórias tidas por necessárias, e no final, veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Tudo analisado e sopesado - e como silogístico corolário das supra plasmadas razões - decido julgar a presente ação totalmente improcedente por não provada,com a consequente absolvição das R.R. de todos os pedidos contra estas dirigidas.

Mais julgo a remanescente demanda reconvencional como improcedente por não provada,com a consequente absolvição das reconvindas.

Custas da ação: pelas A.A.

Custas da reconvenção pela A.A.”

Inconformadas, as Autoras A... LDA, A... S.L. e C.... vieram interpor o presente recurso de Apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Mº Juiz “a quo”, pela qual se decidiu a final julgar improcedente o peticionado pelas AA, concretamente de entre o mais que “Visando tal escopo, sou a constatar que - e na relevante essência - o pactuado trato negocial se reconduz à figura do contrato de prestação de serviços (cfr. os arts.1154º e ss. do Código Civil),sendo que como corolário do seu complexo “iter” (e visto o ocaso contratual no entrementes verificado do que penso se poder apodar de uma “joint-venture” em societários termos ), não resultou sedimentado qualquer crédito das A.A. sobre as Rés D... nos termos em que tal veio impetrado, conclusão esta que penso encontrar bom aparo fáctico-jurídico na concatenação B... do acervo factual dado como assente, outrossim sobressaindo (sempre com o maior respeito por divergente ótica ) o bem fundado da faturação questionada nos presentes autos.”

2. Na douta sentença recorrida, refere o Mº Juiz a quo que fundou essencialmente a sua decisão nos factos provados e não provados acima indicados sob os números 1 a 97 e 1 a 8 acima transcritos; (*A numeração é nossa para facilitar a analise na medida em que a mesma não decorre da douta sentença).

3.O Tribunal refere sustentar a sua convicção igualmente, entre o mais, nos depoimentos das testemunhas BB e CC;

4. Reconhece que foram estes depoimentos, até pelas funções que cada um dos depoentes desempenhava, que transportaram para os autos a realidade do funcionamento da A... e em especial o acordo efetuado entre os sócios e a sua remuneração.

5.No entanto, da matéria dada como provada, não só resulta uma manifesta contradição entre diversos factos na parte conclusiva dos mesmos - talvez porque em muitos casos os “factos provados” não passem de reprodução de matéria conclusiva da contestação - como dá como provada matéria em absoluta contradição com o teor do depoimento destas duas essenciais testemunhas.

6.O Tribunal, pela decisão proferida, não alcançou a questão essencial que se coloca nos presentes autos e daí a manifesta contradição.

7.O Tribunal a quo descreve com suficiente rigor – designadamente nos factos dados como provados sob os números 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 supra (*Novamente, a numeração é nossa para facilitar a analise na medida em que a mesma não decorre da douta sentença) - o modo como as sócias D..., S.A. (adiante D...), B... SL (adiante B... SL) e C.... (adiante C...) acordaram o modelo de gestão da A..., a distribuição das funções entre as sócias D... e B... SL, e mais relevante para o que aqui importa, o método de cálculo da remuneração fixada a cada uma das sócias D... e B... SL pelo exercício dessas funções.

8.O Tribunal a quo deu como provado que:

- «o exercício da gerência corrente era exercido de facto pela sócia D... (Primeira Ré), nomeadamente, pagamentos a fornecedores, emissão de faturas, execução da contabilidade, processamento de salários e preenchimento de comunicação das obrigações fiscais e aduaneira»;

- «a contabilidade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) era efetuada pela própria D...;

- Esse pagamento consistia em pelo menos € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. (Primeira Autora) tratasse;

- a D... (Primeira Ré), através dos seus legais Representantes geria os pagamentos da A... Lda. (Primeira Autora) e que movimentava a conta bancária desta sociedade, era ela própria que ordenava os pagamentos para si e para os demais, em particular a sócia B... SL (Segunda Autora) pelos serviços de gerência que também prestava e pelos serviços comerciais que efetuava.

- Ficou, igualmente, acordado pagar à B... SL € 0,03 por quilo de carga que a A... Lda. tratasse».

-«A sócia D... era responsável pelos aspetos administrativos da gerência, particularmente da contabilidade, das obrigações fiscais e aduaneiras e dos pagamentos» (negrito e sublinhado nosso);

-«A sócia B... SL (Segunda Autora) era, por seu lado, responsável pelos aspetos comerciais e operacionais, particularmente das obrigações com a E... e as companhias áreas»;

-«Toda a gestão estratégica e gestão executiva foram sempre exercidas pela D..., na qualidade de gerente, de facto e de direito, nomeado em Portugal».

9. Conforme a Recorrente deixou bem claro na sua petição inicial, resultou da prova junta e produzida nos autos e dado como provado pelo Tribunal a quo – factos 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 (*Novamente, a numeração é nossa para facilitar a analise na medida em que a mesma não decorre da douta sentença), que a sócia D... era a sócia e gerente responsável pelos aspetos administrativos, contabilísticas e financeiros da A... (Primeira Autora), sendo remunerada por essa função em € 0,02 por cada quilo de carga que a A... tratasse, e a sócia B... SL era a sócia e gerente responsável pelos aspetos comerciais e operacionais, sendo remunerada por essa função em € 0,03 por cada quilo de cargo que a A... tratasse.

10.Esse foi o acordo das sócias quanto à repartição e remuneração das funções exercidas por cada uma das sócias e gerentes (a sócia C... não exercia qualquer função de gerência, não sendo por isso remunerada).

11.Nada mais foi acordado entre as sócias.

12.A Recorrente não contesta os factos acima dados como provados e supra indicados sob os números 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18. (*Novamente, a numeração é nossa para facilitar a analise na medida em que a mesma não decorre da douta sentença).

13.A convicção do Tribunal a quo fundou-se nos depoimentos claros e coerentes prestados por BB (Diretor Geral e Administrador da F... e da G..., entre 2002 a 2015, e gerente em representação da D... na A...) e por CC (Colaborador da F... entre 2008 a 2016, responsável dos negócios da A... desde 2006 a 2016 e Diretor da D... Angola durante 3 anos).

14. Como bem decorre do depoimento da testemunha CC prestado em audiência no dia 22.09.2022 das 11.56h às 12.38h e acima transcrito ;

13. Concretamente:

«10:13 a 10:28 DR. DD –(…)

14. E como decorre do depoimento da testemunha BB prestado em audiência das 10.04h a 10.38h e 10.57h a 11.55h do dia 22.09.2022,

15.Concretamente que:

«[12:05 a 12:16] DR. DD (…)

16.Não obstante, o Tribunal a quo deu como provado que - facto numero 69 da douta sentença:(*Novamente, a numeração é nossa para facilitar a analise na medida em que a mesma não decorre da douta sentença) «neste hiato temporal [referindo-se aos anos de 2009 a 2016], em que não foi cobrado qualquer serviço prestado pela D... à A...».

17. Quando deveria dar como provado que a D... faturou os honorários (fees) acordados de € 0,02 por quilo de carga, no período compreendido entre 2009 a 2016,

18.Conforme as faturas juntas pela Recorrente na sua p.i, a título meramente exemplificativo como Docs. 41 a 64 da p.i.

19. E conforme a indicada prova testemunhal produzida nos autos.

20.Concretamente no depoimento da testemunha CC, com depoimento prestado em audiência no dia 22.09.2022 das 11.56h às 12.38h,

21.Referindo que

«19:12 a 19:27 DR. DD (…)

22. Bem como do depoimento da testemunha BB com depoimento prestado em audiência das 10.04h a 10.38h e 10.57h a 11.55h do dia 22.09.2022,

23.Referindo que:

«[22:39 a 22:50] DR. DD (…)

24.Devendo pois o Tribunal ad quem dar como provado, com relevância para os temas da prova aqui em apreço, que as sócias acordaram que a gerência administrativa / financeira seria exercida pela sócia D... mediante a remuneração de € 0,02 por quilo de carga transportada e que a gerência comercial / operacional seria exercida pela sócia B... SL mediante a remuneração de € 0,03 por quilo de carga transportada e que esses serviços foram faturados pela D... e pela B... SL durante o período compreendido entre 2007 a 2016, com exceção de 2008, conforme faturas anexas à p.i. a título exemplificativo Docs. 41 a 88 da p.i.

25. Conforme resulta dos factos dados como provados sob os números 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 (numeração nossa);

26. Com os quais, porem, se encontram em manifesta contradição os factos dados como provados sob os números supra 41 a 63 transcritos supra (numeração nossa) no sentido de os mesmos pretenderem legitimar a emissão da fatura DP 16/5716000453 no valor de 117.918,88, IVA incluído e em manifesta contradição com os depoimentos de BB e CC, únicas testemunhas de depuseram – por serem as únicas com conhecimento –sobre esta matéria;

27. Não podendo ser dado como provado o facto numero 65 supra (por nós numerado)

28. Devendo antes, dar-se como provado que

- A fatura em crise ... no valor de 117.918,88, IVA incluído não é exigível e por isso, o respetivo montante deve ser restituído na medida em que se reporta aos serviços prestados pela D... no âmbito do acordo celebrado entre as partes – cfr.- factos 9 a 18 dados como provados – e já pagos – 0,02€ por kg carga – inexistindo outro acordo entre as partes independentemente de aos serviços, a preços de mercado, poder ser aceitável ou não atribuir outro valor conforme decorre da perícia efetuada.

29. E ainda, quanto aos factos supra sob os números 68 e 69 (numeração nossa) ser apenas provado que A fatura DP 16/5716000453 não titula serviços prestados ao longo dos anos pela D... a A... na medida em que a D... cobrou e recebeu, por esses mesmos serviços o valor acordado entre as socias de 0,02€ por kg/carga, único valor acordado para tais serviços e desde a celebração do acordo e constituição da sociedade.

30. E, em consonância com o exposto,

- não ser dado como provado o vertido no facto 86 (por nós numerado) concretamente que d)€ 153.568,32 à D... consoante explicado ao longo da presente contestação

- não serem dados como provados os factos – por nós numerados – sob os números 88, 89, 90 e 94, concretamente que

88-Após todos os pagamentos efetuados, incluindo a outros fornecedores, designadamente à H..., a A... ficou com disponibilidade, em caixa, de € 47.761,46, acrescidos dos € 100.000,00 na conta a prazo, num total de € 147.761,46.

89-Tanto as faturas pagas pela A... às empresas D..., como as faturas pagas pela F... à A..., estão titulados pelos atinentes documentos

90-As faturas em conta corrente estavam vencidas, sem qualquer crédito especial, exceto a boa vontade do fornecedor – neste caso a D... – no suporte da atividade comercial da entidade até então por si participada.

94- o montante de 191.596,85 €, fundamentado em «pagamentos indevido e sem justificação»13, está refletido em faturas emitidas pelas F..., G... e D..., todas elas vencidas muito antes de Janeiro de 2017.

31. É que, a fatura ... no valor de 117.918,88, IVA incluído não corresponde a serviços prestados ou, noutra perspetiva, os serviços aí indicados foram pagos ao longo dos anos por estarem incluídos – sendo os mesmos – no valor de 0,02€ por Kg/carga e,

32. Não se encontram justificadas pela Ré faturas por si emitidas e a si mesmo pagas no montante de € € 36.277,86 sem qualquer substância;

33. Devendo, em consonância, o facto considerado não provado

“2- que os RR devam restituir o montante de € 191.596,85 acrescidos dos respetivos juros vencidos a taxa legal desde a data em que efetuaram as entregas por transferência bancária para as suas próprias contas até integral pagamento e que na presente data ascendem a € 17.600,66 - e juros vencidos à taxa legal.”

33. E dar-se como provado que a Ré deverá restituir as AA o montante de € 36.277,86 e de € 117.918,88, IVA incluído no total de € 154.196,74 acrescidos dos respetivos juros vencidos desde a data em que efetuaram as entregas por transferência bancaria para as suas próprias contas ate integral pagamento.

34.O Tribunal a quo deu, ainda, como provado que «Sem aviso prévio, EE apresenta-se na agência bancária do Banco 1..., em representação da segunda autora e da terceira autora, nesta com uma procuração, peara movimentar a referida conta».

35. Porém, o gerente da B... SL (Segunda Autora) EE, em representação da sócia e gerente B... SL e da sócia e gerente, C..., totalizando 66,66 % do capital social, e com poderes suficientes para o efeito (dois gerentes), apresentou-se na agência bancária do Banco 1... para obter cópia dos extratos bancários da A... (Primeira Autora) e cancelar a conta bancária nesse banco e mudar para outro banco, após ter dado prévio conhecimento à sócia e gerente D... através de email de 13 de janeiro de 2017 (Doc. 120) e conforme Docs. 118 e 119 juntos à p.i.

36. Sendo que os sócios e gerentes B... SL e C... assim atuaram dada a recusa da sócia e gerente D... em prestar os necessários esclarecimentos às duas sócias sobre os montantes que se encontram nas contas bancárias da A... (Primeira Autora).

37. Apesar de se tratar de um facto não essencial para a presente discussão, importa repor a integral verdade dos factos.

38. Devendo ser em consequência considerados como não provados os factos indicados supra sob os números 74, 75 e 76 (numeração nossa ) da douta sentença proferida.

39. Relativamente à questão de saber-se se os pagamentos efetuados pela D... para as sociedades do Grupo D..., com utilização dos fundos existentes na conta do Banco 1... pertencentes à A... (Primeira Autora), foram justificados ou injustificados.

40. Resulta que, conforme melhor descrito no artigo 49 da p.i., os pagamentos efetuados para as sociedades do Grupo D... totalizam € 191.596,85.

41. De entre esses pagamentos constam os relacionados com a fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, aqui em apreço, no valor de € 117.918,88, IVA incluído.

42. Quanto ao valor de € 27.535,11 transferido para a F... e de € 9.865,00 para a G..., foi aceite pela AA, na pendência da ação, que se tratavam de pagamentos devidos a estas sociedades por serviços de transporte justificados.

43.Deste modo está injustificado (i) o valor de € 117.918,88 relativo à fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, que a D... e o Tribunal a quo consideraram devidos para «cobrir os custos da direção executiva da A... Lda. e toda a gama de serviços prestados» pela D... enquanto gerente da A... (Primeira Autora)

44. E (ii) o valor de € 36.277,86, sobre o qual, no fundo, o Tribunal a quo não se pronunciou, tendo “embrulhado” este valor com o da fatura em apreço concretamente:

45.A posição do Tribunal a quo alicerçou-se na convicção de que «o valor faturado não é suficiente para cobrir o custo da direção executiva da A... Lda. e toda a gama de serviços prestados».

46.Desde logo cumpre salientar que tal declaração não constitui um “facto” provado, mas antes um juízo conclusivo que o Tribunal a quo, infundadamente na nossa opinião, retirou do teor do relatório pericial.

47.E desse relatório o Tribunal a quo retirou a conclusão de que o valor faturado em 31 de dezembro de 2016 pela D... no montante de € 117.918,88 pelos serviços prestados durante os anos de 2009 a 2015, foi razoável, sob o ponto de vista financeiro.

48. Porém, o relatório pericial apenas se pronunciou, e de outra forma não poderia ser, sobre a razoabilidade do montante face aos serviços prestados.

49.Mas tal não significa que o relatório pericial se tenha pronunciado sobre a legitimidade de a D... exigir e se fazer pagar tal montante.

50.Nem poderia na medida em que é factualidade insuscetível de ser verificada em sede de perícia ocorrida no decurso dos autos.

51.O relatório pericial não se pronunciou e tão pouco o Tribunal a quo sobre a questão de saber se a D..., na qualidade de sócia e gerente, podia unilateralmente fixar, faturar e fazer-se pagar por um valor diferente daquele que tinha sido acordado entre as sócias, no momento da constituição da A... (Primeira Autora), de € 0,02 por cada quilo de carga transportada pelos serviços de gerência administrativa e financeira.

52.Tal é a vexata quaestio.

53.Ficou indiscutivelmente provado nos autos que as sócias acordaram e fixaram os valores a remunerar a cada sócia e gerente: € 0,02 pelos serviços de gerência administrativa e financeira a prestar pela sócia D... e € 0,03 pelos serviços de gerência comercial e operacional a prestar pela sócia B... SL.

54.Como afirmaram as testemunhas CC e BB, nada mais ficou decidido e nenhuma das sócias manifestou, inclusive, quaisquer reservas sobre tal valor.

55.A este propósito, a testemunha BB com depoimento prestado em audiência das 10.04h a 10.38h e 10.57h a 11.55h do dia 22.09.2022 referiu que:

«[20:35 a 21:00] DR. DD –(…)

56. E a testemunha CC com depoimento prestado em audiência no dia 22.09.2022 das 11.56h às 12.38h referiu que:

«13:04 a 13:30 DR. DD (…)”

57.Deste modo, apenas pode concluir-se que a sócia e gerente D..., unilateralmente e com total desprezo das restantes sócias, fixou e determinou qual seria a sua própria remuneração pelos serviços por si prestados, e, inclusive, com acesso privilegiado à conta bancária da A..., uma vez que era a responsável por realizar os pagamentos da A..., ordenou o pagamento a si mesma com fundos da A....

58.Aliás, este pagamento forçado não foi sequer contemporâneo da prestação dos serviços, pois dizia respeito a serviços prestados no período compreendido entre 2009 a 2015 e foi efetuado quando a relação entre as sócias chegou a um ponto de não retorno (finais de 2016).

59.Tratou-se de um ato violador dos mais básicos deveres de cuidado e lealdade que devem reger as relações entre os sócios e entre o gerente e a sociedade, previsto nos artigos 64º, n.º 1, 72º, 78º e 79º, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), bem como da violação do princípio da boa-fé (artigo 762º, n.º 2 do Código Civil) e do disposto no artº1154 e sgs. Do Código Civil normas que se encontram violadas com a douta sentença proferida. Na realidade, a atuação da sócia e gerente D... não observou o acordado entre as partes e o dever social de agir com a lealdade, a correção, a diligência e a lisura exigíveis a pessoas, no caso concreto aos sócios e gerentes da sociedade devendo, em consequência a douta sentença ser revogada em conformidade com o exposto.

60.Devendo em consequência a sentença ser revogada e ser a ação julgada procedente nos termos expostos.

TERMOS EM QUE deve ser revogada em conformidade a douta decisão recorrida concedendo-se provimento ao presente recurso, com o que se cumprirá a lei e se fará JUSTIÇA.”

A Ré D..., SA, juntou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso são então, é a seguinte:

- ocorrência de erro de julgamento da matéria de facto - modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação.

III-FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença foram julgados provados os seguintes factos[1].

1-A A... Lda. é uma sociedade comercial por quotas fundada em 2006, com o capital social de € 30.000,00, que se dedica à representação comercial de empresas de transporte de carga área, marítima e terrestre.

2- As sócias fundadoras da A... Lda. (Primeira Autora) eram as seguintes: A D..., com uma quota de € 10.000,00 (Primeira Ré); A A... S.L., sociedade de Direito espanhol, com uma quota de € 10.000,00 (Segunda Autora); A C.... (Terceira Autora), sociedade de Direito italiano, com uma quota de € 10.000,00.

3- De acordo com o artigo 8º do pacto social originário, de 30 de outubro de 2006, a gerência da A... Lda. era exercida por todas as sócias.

4- Ora, sendo as sócias pessoas coletivas, ficaram designadas e registadas como gerentes da A... Lda. as seguintes sociedades: D...; C... SRL; A... SL.

5- A sociedade A... Lda. sempre se dedicou à atividade de representação comercial de empresas de transporte de carga área, marítima e terrestre.

6- As sócias fundadoras também eram sociedades que se dedicavam à atividade de transportes e de logística.

7- A A... Lda. (Primeira Autora) funcionaria como um veículo instrumental que, por um lado, adquiria serviços de logística e transporte à sócia B... SL (Segunda Autora) e que, por outro lado, fornecia e adquiria serviços de logística e transporte à sociedade F... S.A., sociedade pertencente ao Grupo da sociedade D... (Primeira Ré).

8- Foram designados como gerentes da A... Lda. (Primeira Autora) todas as sócias (Segunda e Terceira Autoras e Primeira Ré).

9- O exercício da gerência corrente era exercido de facto pela sócia D... (Primeira Ré), nomeadamente, pagamentos a fornecedores, emissão de faturas, execução da contabilidade, processamento de salários e preenchimento e comunicação das obrigações fiscais e aduaneiras.

10- A sócia B... SL (Segunda Autora) era responsável pelos seguintes serviços:

a) Faturação I... (billing I...), metodologia de faturação à E... (E...);

b) Cobrança dos fretes;

c) Serviços financeiros: fixar os fretes das vendas realizadas pela A... Lda.(Primeira Autora) com as companhias aéreas representadas pela A... SL (Segunda Autora);

d) Emitir Cargo Sales Reports (CSR) às companhias aéreas em nome da A... Lda.(Primeira Autora).

11- A contabilidade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) era efetuada pela própria D... .

12- Esse pagamento consistia em pelo menos € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. (primeira Autora) tratasse.

13- A D... (Primeira Ré), através dos seus legais Representantes geria os pagamentos da A... Lda. (Primeira Autora) e que movimentava a conta bancária dessa sociedade, era ela própria que ordenava os pagamentos para si e para os demais, em particular a sócia B... SL (Segunda Autora) pelos serviços de gerência que também prestava e pelos serviços comerciais que efetuava.

14- Ficou, igualmente, acordado pagar à A... SL € 0,03 por quilo de carga que a A... Lda. tratasse.

15- A própria D... (Primeira Ré) debitava, inclusivamente, os custos com comunicações que eram da responsabilidade da A... Lda. (Primeira Autora), mas que, por razões contratuais e comerciais, faziam parte do contrato “geral” da D... com a operadora.

16- A gerência da A... Lda. (Primeira Autora) era partilhada pela sócia D... (Primeira Ré) e pela sócia B... SL (Segunda Autora).

17- A sócia D... era responsável pelos aspetos administrativos da gerência, particularmente da contabilidade, das obrigações fiscais e aduaneiras e dos pagamentos.

18- A sócia B... SL (Segunda Autora) era, por seu lado, responsável pelos aspetos comerciais e operacionais, particularmente das obrigações com a E... e as companhias aéreas.

19- Desde 2015 até 2017 (ano da escritura de divisão e cessão da quota da D... (Primeira Ré)), as relações entre as sócias agudizaram-se.

20- Entre as razões de tal situação, tal motivou a dívida da A... Lda. (Primeira Autora) à sócia B... SL (Segunda Autora) que, em dezembro de 2016 totalizava € 256.451,79 .

21- Cuja tentativa de regularização foi comunicada, em 11 de janeiro de 2017, pela sócia credora B... SL (Segunda Autora) à D... (Primeira Ré) que assumia, recorde-se, à data a responsabilidade por realizar os pagamentos da sociedade devedora A... Lda. (Primeira Autora).

22-Visto tal, a sócia D... (Primeira Ré) informou a A... Lda. (Primeira Autora) por carta entregue em mão em 31 de janeiro de 2017, da renúncia à gerência da sociedade (Primeira Autora), cujo cargo vinha sendo exercido na pessoa do administrador da D... (Primeira Ré), AA, aqui Segundo

23- A renúncia à gerência foi apresentada a registo, pela D..., com o n.º ....

24-Por carta registada com aviso de receção, de 2 de fevereiro de 2017, a sócia D... (Primeira Ré) comunicou à A... Lda. (Primeira Autora) de que iria ceder a quota que detinha na própria A... Lda. (Primeira Autora) pelo seu valor de € 15.000,00 e que iria aguardar pelo consentimento da sociedade ou pelo exercício do direito de preferência da sociedade ou dos sócios.

25- A primeira autora, A..., Ldª foi constituída, no ano de 2006, por convite e solicitação de duas pessoas: EE e FF, respetivamente, sócios e gerentes das duas autoras A... SL e C....

26- A J..., Inc., não tendo estabelecimento em Portugal enquanto Companhia de Aérea, era representada, na qualidade de sua K... no território português, pela F....

27- Toda a carga de transitário da J..., Inc., em Portugal, era agenciada pela F....

28- Que teve por objetivo incorporar a qualidade de K... da J..., Inc. e constituir uma nova sociedade de direito português que absorvesse toda a carga proveniente do contrato que a sociedade do Grupo D..., F..., detinha com a J..., Inc..

29- Em vez de comprar espaço de carga nas aeronaves a outras companhias, a F... cederia a sua posição contratual no contrato com a J..., Inc.à nova sociedade, comprando esse mesmo espaço de carga a essa nova sociedade.

30- A F... é uma sociedade operativa, que se encontra numa relação de domínio ou de grupo com a D..., primeira ré, integrando um grupo económico de logística e transportes, denominado Grupo D....

31- A D... é uma sociedade comercial, com o objeto social de «investimentos logísticos, podendo dedicar-se a investimentos em transportes e trânsitos, nacionais e internacionais, investimentos, arrendamentos e promoção imobiliários, prestação de serviços administrativos e apoio às empresas, nomeadamente consultoria e manutenção de gestão de empresas e de sistemas informáticos.

32 -Todos os serviços de faturação, todos os serviços de cobrança e todos os serviços financeiros eram prestados pela D.... Além do I..., a faturação não I... era emitida no sistema SAP da D....

33 -Os fretes I... eram pagos diretamente, sem qualquer intervenção de terceiros, pela primeira autora A... Lda., incluindo às Companhias Aéreas.

34 - Os fretes não I... eram cobrados diretamente pela primeira autora A... Lda., mediante a posição que decorria das contas correntes elaboradas e controladas pela D....

35 -Toda a gestão estratégica e gestão executiva foram sempre exercidas pela D..., na qualidade de gerente, de facto e de direito, nomeado em Portugal.

36- Esses gerentes foram BB, Diretor Geral e Administrador da F..., até meados de 2015, posteriormente CC, com idênticas funções e vínculo, e, finalmente, AA, administrador da D....

37-Todos esses gerentes prestavam serviços à primeira autora, A... Lda., a partir do seu local de trabalho, sito na sede da D....

38 - Exerciam as suas funções a partir da D..., ocupando parcialmente o seu tempo na administração, gestão e representação executivas da primeira ré, A..., Lda..

39- O mesmo acontecendo com os procuradores da sociedade, mediante mandato conferido pela A..., também representada pela B... SL e pelo seu gerente EE, a favor de GG e CC

40 -Esses procuradores eram, à época, funcionários da D..., vinculados por contratos de trabalho.

-Do Racional Económico da fatura em crise DP 16/5716000453

41 -A fatura foi elaborada a título de “2009/2016 - Operational Charges”, ou seja, encargos operacionais.

42- No anexo da fatura constando que foram excluídos, por já se encontrarem faturados anteriormente, os “Admnistration Fee” e “Comunication Costs”.

43-Mais se refere que os “Administration Fee” cobrem: “Inputed cost of Executive Management, Finance, HR & General Managers Oversight”, ou seja, Custos imputados da Administração Executiva, Financeira, Recursos Humanos e de supervisão dos Diretores Gerais.

44-É ainda detalhado na fatura tipologia e racional dos encargos operacionais.

45-Utilização do ERP SAP, Sistema de contabilidade, faturação e processamento de salários.

46-O software SAP e todos os sistemas de informação têm um custo de licenciamento, gestão e implementação, que é suportado pela D... e ulteriormente disponibilizado às sociedades dominadas, sendo faturado de acordo com o seu racional de utilização efetiva

47-O valor base, determinado pela utilização efetiva dos sistemas por parte da A..., foi de € 126 mensais.

48-A A... Lda., primeira autora, usufruiu desse software, desde 2009, até Fevereiro de 2017, pois, para emitir faturas, necessitava de um programa certificado de faturação, de acordo com as regras do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

O valor foi assim calculado:

1)* Fee, utitlization of SAP ERP System. Actual accounting, Invoicing and Payroll System. 126 € Monthly Fee ERP July 2009 to December 2016, 90 Month * 126 € 11.340,00 Ajustement May 2009 (126 €) 84,33 Ajuste June 2009 (126 €) 67,68

Total 11.492,01

49-Até 2009, data de introdução do SAP, o sistema de contabilidade em uso foi UBS.

50-O pagamento do custo de manutenção do sistema UBS é obrigatório, para manter os arquivos da entidade A..., Lda. de acordo com as normas fiscais de manutenção e preservação dos livros e registos contabilísticos.

51-No entanto, não tinham sido faturados os anos de 2009, 2010, 2011 e 2016.

2)* Manutention cost of UBS System (Old Accounting Sistem). Required to hold Accounting registers prior to SAP. Annual

UBS Year 2009 100

Year 2010 100

Year 2011 100

Year 2016 100

Total 400,00

52-O exercício da atividade da A... Lda. abrangia um conjunto de responsabilidades regulares mensais obrigatórias, tais como o cálculo dos salários, emissão de recibos de vencimento, verificação de férias e respetivos créditos salariais, cumprimento de declarações contributivas perante a Segurança Social.

53-Para o exercício dessa atividade, a D... dedicou um recurso a tempo inteiro, estimando-se que 5% do seu tempo tenha sido alocado a A... Lda.

54-As restantes atividades de recrutamento e gestão de pessoal foram desenvolvidas por outros funcionários especializados do departamento de recursos humanos da D....

55-Por isso, foi alocado um custo para os processos de entradas e saídas de funcionários, ocorridas desde 2006, até 2017, correspondente a um valor anual de € 1020, ou mensal de € 85, nos seguintes termos:

3 )* Payroll, Layoff & Recruiting - Payroll Processing -

Payroll, Social Security Reports, Payment, Allowances, Vacations (5% FTE). Annual Cost 21150 €. 8 Years

(2009-2016) 8.460,00

Layoff/Exits 4 Processes. Extra processing, Compliance etc. 3 hours per process. 11 per hour 132,00 Recruiting 7 Processes. CV Selection&Screening, Interviews with Candidates. 25 Hours per process. 15 € per hour 2.625,00

Total 11.217,00

56-Em 2016 foi solicitada uma auditoria às contas da A..., referentes ao ano de 2015.

57-Essa Auditoria foi realizada com recurso aos técnicos internos da D.... Foi elaborado um relatório, entregue em reunião pessoal às Autoras, obtido num esforço de 2 semanas de trabalho de um auditor júnior e 1 semana de auditor sénior, com o custo assim determinado:

4 )* 2015 Internal Audit Report for Shareholders

2015 Audit Junior Auditor (10 Work days). 12000 Anual Cost / 2 Weeks 500 Senior Auditor (5 Work days). 44000 Anual Cost / 1 Week 916

Total 1.416,00

58-Ao longo de todos os anos de atividade da A..., a D..., recorrendo ao staff do seu departamento financeiro, prestou serviços:

a) de Tesouraria (gestão dos pagamentos a clientes e fornecedores, validações, etc.), correspondente a uma carga de 1 dia de trabalho de um tesoureiro por mês.

b) Controlo de gestão (envio de relatórios, análise de desvios, revisão as contas), correspondente a uma carga de 1 dia de trabalho de um controler de gestão por mês;

c) Atividades de contabilidade corrente (contabilização, análise de regularidade fiscal, declarações mensais), correspondente a uma carga de 25% da alocação de uma contabilista certificada;

d) Atividade de contabilidade anual (relatórios e contas, Modelo 22, IES), correspondentes a uma carga de 2 semana de trabalho por ano.

59-Os custos daí resultantes estão calculados da seguinte forma:

5 )* Finance Assistance

Treasury - Supplier Payments Validation & Processing / Queries (1 Work Day FTE per Month) 2009-2016.

16000 Anual Cost FTE = 67 € per day * 96 Month 6.432,00

Controlling Reports - 2009 2016 (1 Work Day FTE per Month). 21000 Anual Cost = 88 € per day 8.448,00

Accounting & Tax Compliance - Monthly 25% Time Cost of Certified Accountant. 24200 Anual Cost *

0,25. 8 years 48.400,00

Accounting - Year End Closing. Annual Taxation. One off Cost. 2 Week of Certified Accountant. 24200

Anual Cost / 2 Weeks. 8 Years 8.064,00

Total 71.344,00

60-Os custos da gestão e administração executiva da A... Lda., suportados pela D..., correspondem, na essência, aos custos dos gerentes BB e CC, descritos pelos seguintes valores: ANO Custo Anual

2009 (Junho a Dezembro) 78.919,62

2010 124.696,18

2011 144.720,39

2012 154.276,00

2013 131.058,92

2014 144.006,61

2015 93.976,92

2016 112.145,87

61-Aplicando uma dedicação correspondente a 15% do seu tempo de trabalho à A... Lda., o valor dos serviços efetivamente prestados foram superiores aos valores faturados, conforme o quadro comparativo seguinte: ANO Custo Anual % Tempo

78.919,62 15 11.837,94 970,71 10.867,23

124.696,18 15 18.704,43 -0,01 18.704,44

144.720,39 15 21.708,06 7.467,90 14.240,16

2012 154.276,00 15 23.141,40 9.783,86 13.357,54

2013 131.058,92 15 19.658,84 6.292,59 13.366,25

2014 144.006,61 15 21.600,99 6.319,96 15.281,03

2015 93.976,92 15 14.096,54 6.759,54 7.337,00

2016 112.145,87 15 16.821,88 6.725,46 10.096,42

147.570,08 44.320,01 103.250,07

62- uma alocação mínima de 5% do seu tempo, teríamos um custo de 49.190 €.

63- o valor faturado não é suficiente para cobrir o custo da direção executiva da A... Lda. e toda a gama de serviços prestados.

64-A este valor de custo, ainda se somariam os custos com o Diretor Financeiro, Diretor de Recursos Humanos, Diretor de Informática, Diretor do Controlo de Gestão e Administrador Corporativo, que a D... efetivamente suportou e incluiu, apesar de com prejuízo seu, na fatura do Administration Fee e que se destinava a pagar, apenas, esta parcela dos serviços prestados.

65-O que justifica a fatura em crise DP 16/5716000453,resultando que a sua emissão constitui uma obrigação legal da D....

66-O valor de Administration Fee faturado de 2009 a final de 2016 foi de 44.320,01 € sem IVA.

67-O que corresponde a um valor médio mensal de € 410 por todos os serviços prestados pela D... à A... no mesmo período.

68- A fatura DP 16/5716000453 titula serviços prestados ao longo dos anos de 2009 a 2016.

69-Neste hiato temporal, em que não foi cobrado qualquer serviço prestado pela D... à A....

70-A A... Lda. foi constituída com um propósito específico, de utilizar a necessidade de carga em avião que a F... possuía por força do contrato com a J... e a respetiva qualidade de K....

71-Foram os sócios EE e FF que procuraram HH, através de um amigo comum e representante da J... na Europa de nome II.

72-No segundo semestre de 2016, a D... envia informação contabilística e financeira para os demais sócios, da qual resulta o saldo bancário de € 170.000,00, que se encontra disponível na conta da A..., no Banco 1..., identificada na p.i..

73-Pela primeira vez, manifestam-se divergências entre os sócios, quanto ao destino do referido saldo bancário.

74-Sem aviso prévio, EE apresenta-se na agência bancária do Banco 1..., em representação da segunda autora e da terceira autora, nesta com uma procuração, para movimentar a referida conta.

75-Esta atitude não foi precedida de qualquer comunicação prévia com a D..., nem da discussão do assunto nos órgãos próprios da A..., fosse ele a Gerência ou a Assembleia Geral

76 - Daí a vontade da D... ceder a sua participação na A..., momento em que decorre todo o período negocial que se estabelece entre as partes, para cessão da quota da D... aos demais sócios.

77- O entendimento das autoras, revelado no email de EE, de 20 de Setembro de 2016 – A A... tinha dívidas a fornecedores, dos quais se destacavam a B... SL, a F..., a G... e a aqui autora D....

78 -Em 31 de Dezembro de 2016, a A... tinha, em caixa, em saldo bancário, na conta nº ..., do Banco 1..., a importância à ordem de € 123.146,90, e, a prazo, de € 100.000,00, num total de € 223.146,90.

79-Tinha a receber de clientes a importância de € 232.168,00.

80- Nesses clientes incluía-se, também, a F..., que devia a importância de € 99.139,66.

81-O pagamento a favor da F..., em 18.01.2017, está justificado por 94 faturas, correspondentes à prestação de serviços transitários, solicitados, caso a caso, pela A..., que se encontravam por pagar à F....

82-Estes valores correspondem a faturas que a F... se tinha abstido de cobrar desde 2012 e que se encontravam lançados e contabilizados em conta-corrente, desde essa data.

83-Como a F... tinha uma posição devedora em conta-corrente, só se efetivou o encontro de contas na data de 18 de Janeiro de 2017, tendo a F... liquidado integralmente a sua dívida à A... pela transferência de € 27.964,53.

84-No que se refere à G..., o pagamento de 18.01.2017, está justificado por 28 faturas, correspondentes à prestação de serviços transitários, solicitados, caso a caso, pela A..., que se encontravam por pagar à G..., devidamente lançadas e contabilizadas em conta-corrente

85-Estes valores correspondem a faturas que a G... se tinha abstido de cobrar desde 2015 e que se encontravam lançados e contabilizados em conta-corrente, desde essa data.

86- a D... começa por pagar aos fornecedores, efetuando os pagamentos de:

a) € 81.743,35 à A... SL, segunda autora;

b) € 27.964,53 à F..., consoante explicado supra;

c) € 10.064,00 à G..., consoante explicado supra;

d) € 153.568,32 à D..., consoante explicado ao longo da presente contestação.

87- E, de seguida, cobra as importâncias em dívida, recebendo € 98.909,66 da F....

88- Após todos os pagamentos efetuados, incluindo a outros fornecedores, designadamente à H..., a A... ficou com disponibilidade, em caixa, de € 47.761,46, acrescidos dos € 100.000,00 na conta a prazo, num total de € 147.761,46.

89-Tanto as faturas pagas pela A... às empresas D..., como as faturas pagas pela F... à A..., estão titulados pelos atinentes documentos

90-As faturas em conta corrente estavam vencidas, sem qualquer crédito especial, exceto a boa vontade do fornecedor – neste caso a D... – no suporte da atividade comercial da entidade até então por si participada.

91-Essa gerência, consubstanciada em atos concretos de gestão e representação da A..., foi ainda exercida com recurso direto a procuradores, com poderes de representação atribuídos através da Procuração outorgada também pelos Autores.

92-Os procuradores eram, e são, quadros superiores da D..., ligados por contrato de trabalho .

93-Ora, até Setembro de 2016, nunca alguma das autoras questionou a competência ou o rigor da representação exercida pelos quadros da D.... as autoras aceitaram, validaram e comprometeram-se com a gestão em representação da A....

94- O montante de 191.596,85 €, fundamentado em «pagamentos indevido e sem justificação», está refletido em faturas emitidas pelas F..., G... e D..., todas elas vencidas muito antes de Janeiro de 2017.

95-A fatura contém um valor de 22.049,87 de IVA.

96-Esse IVA é dedutível pela A... Lda. e recuperável, quer por via de reembolso, quer por inclusão na respetiva declaração periódica.

97-A mesma fatura foi aceite em sede IRC, concorrendo para o abate ao lucro tributável ou reporte de prejuízos em anos futuros.”

No que se refere aos factos não provados, julgou o Tribunal que não se provou que:

1- que seja devido por parte das A.A. à D.... S.A . a importância de € 21.000,00 .

2- que os RR devam restituir o montante de € 191.596,85 acrescidos dos respetivos juros vencidos a taxa legal desde a data em que efetuaram as entregas por transferência bancária para as suas próprias contas até integral pagamento e que na presente data ascendem a € 17.600,66 - e juros vencidos à taxa legal.

3-que a Primeira Ré se locupletou do montante de € 191.596,85 sem qualquer titulo ou justificação que o sustentasse.

4-que a D... tenha pago a Segurança Social da A..., referente ao mês de Dezembro de 2016, vencida em Janeiro de 2017, no montante de € 1.427,02.

5- que a D... tenha pago à Autoridade Tributária, referente ao mês de Dezembro de 2016, os impostos retidos na fonte, no montante de € 746,00.

6- que a D... tenha suportado os custos de comunicações da A..., desde Janeiro de 2017e até Agosto de 2017, no montante de € 1.269,61.

7-que a D... não recebeu os valores de Administration Fees, referente a Janeiro de 2017, no montante de € 1.618,02.

8-que a D... não recebeu os valores referentes a operational charges ou encargos operacionais, referentes ao mês de Janeiro de 2017, no montante de € 1.084,39.”

IV-DAS CONTRADIÇÕES:

As Apelantes invocam a existência de contradições entre factos provados e contradição entre os factos e a prova produzida.

Decorre do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea c), do CP Civil que a sentença é nula, entre o mais, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Concretizando, ocorre uma situação de nulidade quando os fundamentos de facto e/ou de direito, de forma clara e evidente, não são passíveis de logicamente conduzir à decisão concreta escolhida.

Como é sabido, os vícios determinantes da nulidade da sentença (decisão) correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.[2]

Os vícios determinantes da nulidade da sentença (elencados no art. 615º do CPC) correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Porém, na situação em apreço, as Apelantes não vêm invocar este vício, limitando-se a apontar contradições entre os factos entre si, ou entre os factos provados e a prova testemunhal.

Há assim que distinguir as situações: aquela acabada de referir conducente à nulidade da sentença e estoutra que se traduz na invocação de erro de julgamento.

Com efeito, não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual). As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à autenticidade, à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade da decisão ou do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por ser destituída de mérito jurídico (ilegal).

Neste sentido, o Prof. Antunes Varela salienta que “…não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário …”.[3]

O que se mostra invocado pelas Apelantes é a ocorrência de erro de julgamento na matéria de facto, por ocorrerem contradições entre os factos julgados provados entre si, ou entre os factos provados e a prova produzida.

Desta forma, a apreciação da eventual ocorrência de contradições será analisada, aquando da apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, a que procederemos de seguida.

V-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO:

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa" (sublinhado nosso).

A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”.

Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação.

Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.

Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pelos apelantes, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição[4], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo recorrente, pelo que neste âmbito a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos fatores da imediação e da oralidade.

No sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[5].

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Importa, porém, não esquecer, porém que se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetivado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Haverá ainda que ter presente que não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.

Como refere Manuel de Andrade,[6] a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”.

Por último, há que atender ainda na tarefa de reapreciação da prova produzida que, a apreciação da modificabilidade da decisão de facto é atividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objeto incida sobre factualidade que extravase o objeto do processo – sendo propósito precípuo da impugnação da decisão de facto, o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto à interferência na solução do caso, ou seja, fica a impugnação limitada àquela cuja alteração/modificação se mostre relevante para a decisão a proferir.

Assim sendo, sob pena de estar a levar a cabo atividade inútil, infrutífera, vã e estéril, deve a Relação abster-se de apreciar da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto relativamente a factualidade que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação.[7]

No caso em apreço, tal como as Apelantes reconhecem nas suas alegações de recurso, a impugnação que fazem dos factos provados 74, 75 e 76, não têm interesse para a decisão da causa (os apelantes apelidam-nos até de “factos colaterais”), pelo que, por tais razões não serão objeto de apreciação neste recurso.

É que a reapreciação da matéria de facto apenas se justifica quando, se for alterada, essa alteração tiver incidência na questão de direito; se assim não suceder, não tem o Tribunal da Relação de proceder à análise do material probatório tendo em vista saber se a prova produzida justifica ou não justifica que determinado quesito seja dado como provado integralmente

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe inútil.

Quanto aos demais, à luz dos destas considerações e princípios, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que se mostram impugnados.

São os seguintes[8]:

65-O justifica a fatura em crise DP ...,resultando que a sua emissão constitui uma obrigação legal da D....

68- A fatura DP ... titula serviços prestados ao longo dos anos de 2009 a 2016.

69-Neste hiato temporal, em que não foi cobrado qualquer serviço prestado pela D... à A....

86- a D... começa por pagar aos fornecedores, efetuando os pagamentos de:

(…)

d) € 153.568,32 à D..., consoante explicado ao longo da presente contestação.

88- Após todos os pagamentos efetuados, incluindo a outros fornecedores, designadamente à H..., a A... ficou com disponibilidade, em caixa, de € 47.761,46, acrescidos dos € 100.000,00 na conta a prazo, num total de € 147.761,46.

89-Tanto as faturas pagas pela A... às empresas D..., como as faturas pagas pela F... à A..., estão titulados pelos atinentes documentos

90-As faturas em conta corrente estavam vencidas, sem qualquer crédito especial, exceto a boa vontade do fornecedor – neste caso a D... – no suporte da atividade comercial da entidade até então por si participada.

94- O montante de 191.596,85 €, fundamentado em «pagamentos indevido e sem justificação»13, está refletido em faturas emitidas pelas F..., G... e D..., todas elas vencidas muito antes de Janeiro de 2017.

E o facto não provado:

2- que os RR devam restituir o montante de € 191.596,85 acrescidos dos respetivos juros vencidos a taxa legal desde a data em que efetuaram as entregas por transferência bancária para as suas próprias contas até integral pagamento e que na presente data ascendem a € 17.600,66 - e juros vencidos à taxa legal.

Antes de procedermos à análise crítica da prova produzida tendo em consideração a impugnação feita, importa, para melhor compreensão daquela factualidade, proceder a uma breve resenha das duas versões das partes, que se encontram em confronto nesta ação.

A presente ação funda-se na responsabilidade do gerente, com fundamento nos artigos 64º e ss. do CSC, imputando as Autoras tal responsabilidade à então sua sócia e gerente, a aqui primeira Ré, D..., LDA por violação dos deveres enquanto gerente, imputando àquela sua sócia e gerente D... um comportamento ilícito, gerador de responsabilidade civil, causador de prejuízos, de que pretendem ser ressarcidas.

Esse comportamento consistiu essencialmente no seguinte, segundo alegam: Antes da Ré D... (que era a única entidade com acesso à conta bancária do Banco 1... da A... Lda, aqui primeira Autora) renunciar à gerência daquela sociedade e ceder a totalidade das quotas que detinha na mesma, (o que ocorreu em 14.3.2017), abusiva e ilicitamente, sem conhecimento das Segunda e Terceira Autoras e, aproveitando a posição de controle absoluto da faturação e dos pagamentos, ordenou as seguintes operações a partir dos fundos dessa conta:

a) A transferência, em 18 de janeiro de 2017, de um montante total de € 191.596,85 para as empresas do Grupo D... (Primeira Ré e sociedades com esta relacionadas);

Mais concretamente:

i. A transferência de € 27.964,53 para a F... S.A. (F...);

ii. A transferência de € 10.064,00 para a G... S.A.(G...);

iii. A transferência de € 153.568,32 para a sociedade D... (D... S.A. (D...)).

b) Em 19 de janeiro de 2017, o pagamento de faturas no valor total de € 97.891,64 à A... SL.

Contabilizam o prejuízo sofrido, no valor retirado da conta de €191.596,85 euros.

Isto é, concluem as AA que a D... (Primeira Ré) retirou indevidamente da conta bancária da A... Lda. (Primeira Autora) um total € 191.596,85 para si ou para empresas do seu Grupo.

A matéria de facto impugnada neste recurso, versa quase exclusivamente sobre uma parcela deste valor, valor esse correspondente ao pagamento da fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, no valor global de € 117.918,88,

Dizemos quase exclusivamente porque, apesar de admitirem que no demais, os pagamentos foram devidos e justificados, existe ainda um valor de € 36.277,86, sobre o qual, alegam que o Tribunal a quo não se pronunciou, que é o valor que resulta da operação matemática a que procedem constante do quadro indicado no ponto 44 das suas alegações de recurso.

Alegam as Apelantes que a fatura n.º ..., de 31 de dezembro de 2016, no montante total de € 117.918,88, carece de qualquer fundamento e constitui uma apropriação ilícita parte da sócia e gerente D... (Primeira Ré).

Tal fatura, segundo as Autoras pretende debitar alegados serviços operacionais (operational charges) prestados pela D... (Primeira Ré), na qualidade de gerente, à A... Lda. (Primeira Autora) entre 2009 e 2016, debitando-lhe "alegados" serviços operacionais que incluem custos de estrutura (systems costs), processamento de salários (payroll operacional activities) e atividades operacionais financeiras e de auditoria (audit and finance operational activities).

Alegam que nunca as sócias da A... Lda. (Primeira Autora) acordaram sobre a necessidade de tais serviços, o débito de tais serviços e muito menos o seu valor.

As sócias e gerentes da A... Lda. (Primeira Autora) apenas acordaram que a D... (Primeira Ré) receberia € 0,02 por cada quilo que a A... Lda. (Primeira Autora) tratasse por contrapartida dos serviços que a D... (Primeira Ré) efetuava.

E esse valor foi faturado mensalmente e pago ao longo do período de atividade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) até 31 de dezembro de 2016.

E o facto dos peritos dizerem que o valor faturado corresponde a efetivos serviços prestados pela D... à A... Lda, não invalida a posição das autoras porque os mesmos serviços têm de ser considerados pagos, através do pagamento do fee previamente acordado de €0,02 por cada quilo de carga que a A... Lda tratasse, que foi feito, nomeadamente ao longo daqueles anos de 2009 a 2016.

Concluem desta forma que, a fatura aqui em crise, carece de qualquer sentido e fundamento consubstanciando uma manifestação abusiva, ocultada dos restantes sócios e gerentes, e imediatamente antes da sua saída da estrutura societária e gerência - do poder efetivo e material detido pelos Réus que assim atuaram ilicitamente em seu exclusivo beneficio em prejuízo direto das Autoras.

Já a Ré D... ora Apelada, arroga-se com direito ao pagamento daquele valor (a que procedeu, enquanto gerente e com os poderes que lhe foram conferidos pela A... Lda), porque, segundo alega, os mesmos correspondem a serviços que efetivamente lhe prestou, serviços todos documentados na sua contabilidade e que foram objeto de exaustiva análise pelos peritos, que concluíram que existe razoabilidade e necessidade dos montantes apurados e debitados, que se mostram assim justificados, alegando ainda que os mesmos não estavam incluídos no fee acordado de €0,02 por cada quilo de carga que a A... Lda tratasse, quantia que se revela manifestamente insuficiente para custear aqueles serviços.

Uma vez que o relatório pericial é claro nesta questão e que as próprias AA aceitam que os serviços constantes da fatura lhe foram prestados, temos para nós claro que, o que divide as partes, assenta essencialmente na questão de saber se, tendo sido acordado aquele fee de €0,02 por cada quilo de carga (facto que as partes não discutem entre si), o mesmo destinava-se a pagar todos os custos operacionais da autora, como defende a Apelante, sendo pois ilícita a cobrança de qualquer outra quantia pela Ré, ou se, tal fee de gestão não era suficiente e havia outros custos a serem debitados separadamente, nomeadamente os operacional charges, que se encontram indicados na fatura em causa.

Importa ainda ter presente que ficou provado (factos não impugnados), com interesse para a questão a apreciar que:

A Autora A... Lda. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à representação comercial de empresas de transporte de carga área, marítima e terrestre, cujas sócias eram a Ré D..., com uma quota de € 10.000,00 (Primeira Ré); a 2ª Autora A... S.L., sociedade de Direito espanhol, com uma quota de € 10.000,00 e a 3ª Autora C.... sociedade de Direito italiano, com uma quota de € 10.000,00.

Foram designados como gerentes da A... Lda. (Primeira Autora) todas as sócias (Segunda e Terceira Autoras e Primeira Ré).

O exercício da gerência corrente era exercido de facto pela sócia D... (Primeira Ré), nomeadamente, pagamentos a fornecedores, emissão de faturas, execução da contabilidade, processamento de salários e preenchimento e comunicação das obrigações fiscais e aduaneiras.

A contabilidade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) era efetuada pela própria D....

A D... (Primeira Ré), através dos seus legais Representantes geria os pagamentos da A... Lda. (Primeira Autora) e que movimentava a conta bancária dessa sociedade, era ela própria que ordenava os pagamentos para si e para os demais, em particular a sócia B... SL (Segunda Autora) pelos serviços de gerência que também prestava e pelos serviços comerciais que efetuava.

A sócia D... era responsável pelos aspetos administrativos da gerência, particularmente da contabilidade, das obrigações fiscais e aduaneiras e dos pagamentos.

Relativamente à remuneração, também todas as partes estão de acordo que ficou acordado pelas sócias o pagamento à Ré D... de € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. (primeira Autora) tratasse.

Ficou provado nesta matéria, com relevância para as questões em apreciação o seguinte facto (não impugnado neste recurso):

12- Esse pagamento consistia em pelo menos € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. (primeira Autora) tratasse.

Haverá pois que apreciar a prova produzida em ordem a apurar se o pagamento da fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, com o valor total de €117.918,88 euros, correspondendo €95.869,01 a “2209/2016 Operacional charges (conforme detalhe anexo à fatura)” e €22.049,87 e o IVA a 23%, em primeiro lugar tem correspondência com serviços que efetivamente tenham sido prestados, num primeiro momento e depois saber se é devido ou não tal pagamento, questão que por ser de natureza jurídica terá de ser apreciada apenas no local próprio, ou seja na operação de subsunção dos factos provados ao direito.

No que à reapreciação da factualidade provada respeita, considerando a invocação de erro de julgamento pelas apelantes, importará desde já realçar a importância no desfecho da ação, do resultado da prova pericial realizada nestes autos, reconhecendo-se desde já que os senhores peritos efetuaram um meritório, minucioso e exaustivo trabalho, fundamental para a apreciação e decisão da causa.

Considerando, com efeito, as questões técnicas e complexas em apreço – apurar a correspondência dos custos operacionais duma empresa num período temporal de 7 anos – de 2009 a 2016 – aos serviços realizados, o relatório pericial, mostra-se fundamental para a decisão a proferir, visto o tribunal não dispor de conhecimentos técnicos para esse efeito.

Com efeito, dispõe o art.º 388.º do CCiv. que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.

Diz ainda a lei que a força probatória das respostas deles é fixada livremente pelo tribunal (artigos 389º do CC e 489º do CPC).

Se a vocação da prova pericial é, precisamente, a de apreciar a tecnicidade alheia ao conhecimento do julgador, é natural que presuntivamente, e salvo algum indício concludente que o faça preterir, seja o juízo pericial o acolhido; exigindo-se, assim, para aquela preterição, ao menos, um outro ou semelhante parecer que, no universo da técnica em questão, induza a resultados ou conclusões diversos, de igual maneira, sustentados em argumentos ou razões lógicas e aceitáveis[9].
Por outro lado, se na primitiva sentença a factualidade referente a estas questões se mostrou insuficiente (tendo determinando a sua anulação), a ampliação da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo supriu as deficiências apontadas, inexistindo desta forma impedimentos do ponto de vista formal e material para ser proferida decisão final.

Isto posto, analisemos agora os factos concretamente impugnados sob os nºs 65, 68 e 69.

São os seguintes:

65-O justifica a fatura em crise DP 16/5716000453,resultando que a sua emissão constitui uma obrigação legal da D....

68- A fatura DP 16/5716000453 titula serviços prestados ao longo dos anos de 2009 a 2016.

69-Neste hiato temporal, em que não foi cobrado qualquer serviço prestado pela D... à A....

Comecemos pelo facto 68, que a nosso ver não pode subsistir, tal como defendem as apelantes.

Com efeito, tal facto mostra-se contrariado pela prova produzida, no sentido que, naquele hiato temporal (de 2009 e 2016), ficou provado que foi sempre pago o fee de €0,02 por quilo de mercadoria tratada.

É o que resulta da documentação junta aos autos que foi indicada pelas apelantes (documentos 41 a 64 juntos com a pi) e das declarações prestadas por BB (Diretor Geral e Administrador da F... e da G..., entre 2002 a 2015, e gerente em representação da D... na A...) e por CC (Colaborador da F... entre 2008 a 2016, responsável dos negócios da A... desde 2006 a 2016.

Apenas foi referido por aqueles ter havido um ano em que, excecionalmente e por acordo das partes, por dificuldades financeiras da empresa, não foi exigida nem cobrada tal quantia.

Aliás nem se compreenderia o contrário, isto é que a D..., credora desse valores e que era quem processava os pagamentos da A..., LDA, não tivesse o cuidado de proceder aos pagamentos daquilo que era a si própria, devido.

Assim, procede relativamente a este facto a impugnação feita, impondo-se, em face da prova produzida a alteração deste facto que passará a ter a seguinte redação:

69-A D... faturou os honorários (fees) acordados de € 0,02 por quilo de carga, no período compreendido entre 2009 a 2016.

Analisemos agora os factos 65 e 68.

65-O que justifica a fatura em crise DP 16/5716000453,resultando que a sua emissão constitui uma obrigação legal da D....

68- A fatura DP 16/5716000453 titula serviços prestados ao longo dos anos de 2009 a 2016.

Dizem as apelantes que a fatura em crise ... no valor de 117.918,88, IVA incluído não é exigível e por isso, o respetivo montante deve ser restituído na medida em que se reporta aos serviços prestados pela D... no âmbito do acordo celebrado entre as partes – cfr.- factos 9 a 18 dados como provados – e já pagos – 0,02€ por kg carga – inexistindo outro acordo entre as partes independentemente de aos serviços, a preços de mercado, poder ser aceitável ou não atribuir outro valor conforme decorre da perícia efetuada.

E que deve ser apenas provado que a fatura DP 16/5716000453 não titula serviços prestados ao longo dos anos pela D... a A... na medida em que a D... cobrou e recebeu, por esses mesmos serviços o valor acordado entre as socias de 0,02€ por kg/carga, único valor acordado para tais serviços e desde a celebração do acordo e constituição da sociedade.

Relativamente ao facto 65, diremos o seguinte.

Os factos 41 e ss, que antecedem este facto 65, aos quais alude na utilização da expressão o que justifica a fatura em crise DP 16/5716000453, têm suporte na análise contabilística feita no relatório pericial, onde os senhores peritos fizeram uma análise detalhada da atividade realizada pela D..., tendo relativamente aos custos operacionais mencionados na referida fatura, procedido á sua divisão, atendendo á sua natureza, nos seguintes, blocos:

1-Fees ERP

2-Fees UBS

3-Payroll, Layoff & Recruting

4-Interval Audit

5-Finance assistance.

Relativamente ao primeiro bloco concluíram[10]: “Existe razoabilidade e necessidade dos montantes apurados e debitados, constituindo um redebito de custos diretamente associados à utilização de software para fins de contabilidade, faturação e processamento de salários da A..., LDA”.

Ao bloco 2 afirmaram: “Confirma-se assim a correção dos montantes apurados na fatura n.º ... de 31 de dezembro de 2016 (emitida pela D.... Ldº), constituindo um redébito de custos diretamente associados à utilização de software para fins de contabilidade, faturação e processamento de salários A..., LDA utilizado até 2009 e relevante para manter acesso a informação histórica e obrigatória manter para efeitos comercias e fiscais”

No Bloco 3: Os valores apresentados foram considerados como razoáveis face ao mercado e experiencia dos peritos.

No Bolco 4: “pela experiência dos peritos, e existindo relatório de 43 paginas, entende-se razoável e de mercado o preço fixado face ao conteúdo e perfil do Relatório de Auditoria que consta como anexo III

E no Bloco 5: “Considerando a sistematização da informação realizada, entende-se como razoável e de mercado o valor apurado da afetação dos recursos da D... para o desemprenho das referidas tarefas durante 96 meses, equivalente a uma média anual de cerca de € 743,17 euros.

Para concluírem ser razoável e a preços de mercado os valores indicados na fatura n.º ..., para além dos serviços terem correspondência com a documentação existente nas duas sociedades.

E os peritos foram até mais longe, procedendo ainda à comparação dos valores faturados versus o volume de negócios das sociedade do grupo D...; concluindo “(…)como razoável (até mesmo insuficiente quando comparável á politica de distribuição de custos aplicável pela D...) o montante do valor apurado e debitado pela D... à A..., LDA”.

Com base no relatório pericial, a emissão da fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016 mostra-se cabalmente justificada em face dos serviços prestados pela Ré à ora Apelante, no âmbito da atividade de gerência que lhe cabia, que cobri os aspetos administrativos, contabilísticos e financeiros da sociedade gerida A..., LDA

É o que resulta de forma inequívoca do relatório pericial.

Mas não confundimos esta questão com aqueloutra de saber se, não obstante o que acabamos de dizer, o pagamento da fatura não deveria ter sido efetuado, porque, tal como defende a Apelante, o pagamento daqueles serviços já estava incluído no pagamento do fee acordado pelas partes, o que constitui uma questão de direito, que por isso será apreciada mais à frente, aquando da subsunção dos factos ao direito.

Daí que se não verifique as contradições apontadas pelas Apelantes.

É que não tendo ficado provada a existência de qualquer outro acordo para além do pagamento do fee correspondente a pago o fee de €0,02 por quilo de mercadoria tratada, (como não ficou), a questão de saber se o pagamento dos serviços que foram prestados pela ré constantes da identificada fatura como “custos operacionais” deviam ou não ser pagos, constitui já uma questão de direito, a apreciar no local próprio.

Desta forma inexiste fundamento para alteração do facto 65 e 68.

Prejudicada fica consequentemente a impugnação dos factos 86, 88, 89, 90 e 94, que “em consequência da procedência da alteração dos factos 68 e 69), as apelantes pretendiam ver efetuada.

Também em consequência, não lhe assiste a pretensão de ver alterado o facto 2 dos factos não provados.

Porém, relativamente a este facto, que tem a seguinte redação:

2- que os RR devam restituir o montante de € 191.596,85 acrescidos dos respetivos juros vencidos a taxa legal desde a data em que efetuaram as entregas por transferência bancária para as suas próprias contas até integral pagamento e que na presente data ascendem a € 17.600,66 - e juros vencidos à taxa legal.

Entendemos que deve ser eliminado do elenco, visto o mesmo conter em si um juízo conclusivo.

Nos termos do disposto no art. 607º nº 4 do CPC, o tribunal, na sentença, “declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados”, pelo que, desta seleção devem ser expurgados todos os que constituem matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos.

Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor.

Importará apenas por ultimo eliminar do facto 86º al d9 a expressão que por lapso aí ficou a constar “consoante explicado ao longo da presente contestação”.

Desta forma procede apenas a impugnação da matéria de facto relativamente ao facto 69, improcedendo no demais.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Com relevo para a questão a decidir, provaram-se os seguintes factos que retratam o relacionamento entre as Autoras, ora Apelantes (A... Lda. (Primeira Autora), A... S.L., sociedade de Direito espanhol, e C... e a R, aqui Apelada, D.... LDA.

Assim, a A... Lda. é uma sociedade comercial por quotas fundada em 2006, com o capital social de € 30.000,00, que se dedica à representação comercial de empresas de transporte de carga área, marítima e terrestre.

As sócias fundadoras da A... Lda. (Primeira Autora) eram as seguintes: A D..., com uma quota de € 10.000,00 (Primeira Ré); A A... S.L., sociedade de Direito espanhol, com uma quota de € 10.000,00 (Segunda Autora); A C.... (Terceira Autora), sociedade de Direito italiano, com uma quota de € 10.000,00.

De acordo com o artigo 8º do pacto social originário, de 30 de outubro de 2006, a gerência da A... Lda. era exercida por todas as sócias.

A sociedade A... Lda. sempre se dedicou à atividade de representação comercial de empresas de transporte de carga área, marítima e terrestre e as sócias fundadoras também eram sociedades que se dedicavam à atividade de transportes e de logística.

A A... Lda. (Primeira Autora) funcionaria como um veículo instrumental que, por um lado, adquiria serviços de logística e transporte à sócia B... SL (Segunda Autora) e que, por outro lado, fornecia e adquiria serviços de logística e transporte à sociedade F... S.A., sociedade pertencente ao Grupo da sociedade D... (Primeira Ré).

Apesar da gerência pertencer às três sócias, provou-se que, o exercício da gerência corrente era exercido de facto pela sócia D... (Primeira Ré), nomeadamente, pagamentos a fornecedores, emissão de faturas, execução da contabilidade, processamento de salários e preenchimento e comunicação das obrigações fiscais e aduaneiras.

Na verdade, apurou-se que lhe cabiam as seguintes funções:

A contabilidade da sociedade A... Lda. (Primeira Autora) era efetuada pela própria D... .

A D... (Primeira Ré), através dos seus legais Representantes geria os pagamentos da A... Lda. (Primeira Autora) e que movimentava a conta bancária dessa sociedade, era ela própria que ordenava os pagamentos para si e para os demais, em particular a sócia B... SL (Segunda Autora) pelos serviços de gerência que também prestava e pelos serviços comerciais que efetuava.

A sócia D... era responsável pelos aspetos administrativos da gerência, particularmente da contabilidade, das obrigações fiscais e aduaneiras e dos pagamentos.

Toda a gestão estratégica e gestão executiva foram sempre exercidas pela D..., na qualidade de gerente, de facto e de direito, nomeado em Portugal.

Esses gerentes foram BB, Diretor Geral e Administrador da F..., até meados de 2015, posteriormente CC, com idênticas funções e vínculo, e, finalmente, AA, administrador da D....

Todos esses gerentes prestavam serviços à primeira autora, A... Lda., a partir do seu local de trabalho, sito na sede da D....

Exerciam as suas funções a partir da D..., ocupando parcialmente o seu tempo na administração, gestão e representação executivas da primeira ré, A..., Lda..

Também se provou que, sendo a gerência exercida pela Ré repartida com a A..., SL (sociedade de direito espanhol), esta ficara com a gerência comercial e operacional da A..., Ldª.

Assim, a Ré D... exercia a gerência na vertente dos aspetos administrativos, contabilísticos e financeiros, por oposição à A..., SL, a quem competia a gerência comercial e operacional da A...,LDA.

E o acordo, tal como emergiu provado é que a remuneração da Ré, seria através do pagamento, de pelos menos do fee de €0,02 por quilo de mercadoria tratada, e a remuneração da espanhola A..., SL seria através do pagamento do fee de €0.03 por quilo de mercadoria tratada.

Isto posto, o presente litígio ocorre no âmbito de sociedades comerciais coligadas.

O Código das Sociedades Comerciais regula a matéria das sociedades coligadas nos artigos 481º e 482º.

O artigo 482º do CSC considera sociedades coligadas:
a) As sociedades em relação de simples participação;
b) As sociedades em relação de participações recíprocas;
c) As sociedades em relação de domínio;
d) As sociedades em relação de grupo.

Nesta estrutura organizativa societária a sócia D... LDa, exercia funções de gerência da A..., LDA, que abrangia, como vimos, os aspetos administrativos, contabilísticos e financeiros.

Acontece que a sociedade D... LDA renunciou à gerência, - ato registado sob o nº 36/20170201e desvinculando-se ainda daquela estrutura organizativa societária, cedendo a quota que detinha na A..., LDA.

Aquando da sua saída da estrutura societária e da gerência, a Ré D..., procedeu a diversos pagamentos, em 18.1.2017, através da conta nº ... Banco 1... da 1ª autora, para a qual tinha poderes de movimentação, enquanto gerente daquela, do montante B... de € 191.596,85, pagamentos esse feitos, a si própria D... ou sociedades com esta relacionadas.

Mais concretamente:

i. A transferência de € 27.964,53 para a F... S.A. (F...);

ii. A transferência de € 10.064,00 para a G... S.A.(G...);

iii. A transferência de € 153.568,32 para a sociedade D... (D... S.A. (D...)).

b) Em 19 de janeiro de 2017, o pagamento de faturas no valor total de € 97.891,64 à A... SL.

Defendem as Apelantes que tais pagamentos foram injustificados e indevidos, traduzindo-se num prejuízo sofrido, correspondente ao valor retirado da conta de €191.596,85 euros.

Responsabiliza assim a Ré, enquanto gerente, por violação dos seus deveres, enquanto tal, pelo prejuízo sofrido.

Já a Ré veio defender-se dizendo que os pagamentos e recebimentos efetuados em 18 de Janeiro de 2017 respeitam os registos contabilísticos e todas as normas legais aplicáveis, sejam elas de natureza civil, comercial ou fiscal, tendo sido feitos no estrito cumprimento dos deveres de gerência.

Alegou ainda que todos os pagamentos efetuados através dos fundos disponíveis da conta da primeira Autora se mostram justificados, sendo que, tanto as faturas pagas pela A... às empresas D..., como as faturas pagas pela F... à A..., estão devidamente titulados por documentos e, naturalmente, em condições de mercado constituem montantes que devem obrigatoriamente ser pagos e que os pagamentos e recebimentos efetuados em 18 de Janeiro de 2017 respeitam os registos contabilísticos e todas as normas legais aplicáveis, sejam elas de natureza civil, comercial ou fiscal, tudo efetuado no estrito cumprimento dos deveres de gerência, dos quais se destacam os deveres de cuidado e de lealdade referidos nos artigos 89º e seguintes da p.i.

De referir que em causa neste recurso, dos pagamentos efetuados, estão apenas em discussão os seguintes valores:

- € 117.918,88 (constante da fatura n.º ..., de 31 de dezembro de 2016) e,

-€36.277,86 euros, que segundo as apelantes permanece injustificado.

Em face do que dissemos, a presente ação apresenta-se como uma ação fundada na responsabilidade do gerente, com fundamento nos arts. 64º e ss do CSC, imputando as Autoras tal responsabilidade à então sua sócia e gerente, a aqui primeira Ré e Apelada.

Do regime jurídico das sociedades comerciais, designadamente do art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que enuncia os deveres fundamentais dos gerentes e administradores da sociedade decorre que aqueles estão sujeitos aos deveres de cuidado e de diligência correspondentes aos de um gestor criterioso e ordenado e deveres de lealdade, no interesse da sociedade e para proteção de outros sujeitos, como os trabalhadores, clientes e credores.

Tais deveres encontram a devida concretização, designadamente nos arts. 65º e ss.do C.S.C, a respeito do dever de relatórios de gestão e de apresentação de contas, assim como no art. 254º nº 1 do CSC, nos termos do qual, os gerentes de sociedades por quotas não podem exercer, por conta própria ou alheia, atividade concorrente, devendo abster-se de atuar em conflito de interesses ou obter vantagens para si mesmo em prejuízo da sociedade.

Os efeitos do incumprimento de tais deveres são descritos nos arts. 71º e ss., sobressaindo o art. 72º nº 1, do CSC, segundo o qual os gerentes respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticadas com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa sua ou se, agindo livre de qualquer interesse pessoal, o fizerem sob critérios de racionalidade económica.

De qualquer forma o sentido a extrair do art. 64º do CSC é o de que, na sua atuação, o gerente ou o administrador tem de agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. Trata-se, em suma, «do interesse coletivo ou comum dos sócios, quer no interesse dos sócios como sócios, quer o resultado da solidariedade de quaisquer interesses individuais dos sócios»[11].

Por sua vez, o dever de diligência deve ser apreciado em cada caso concreto e situa-se acima da exigência prevista para o bonus pater familiae, critério que tem a sua importância para averiguação da responsabilidade civil.

Havia assim que apurar desde logo se os pagamentos e recebimentos feitos pela Ré, em 18 de Janeiro de 2018 se traduziram na prática de atos prejudiciais às APELANTES, concretamente à sociedade A..., LDA, titular da conta no Banco 1... donde foram retiradas as quantias em causa.

Prescreve o artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais que os gerentes e administradores “respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções”.

Cabia assim às Autoras demonstrar que a Ré, que através dos seus legais Representantes geria os pagamentos da A... Lda. (Primeira Autora) e que movimentava a conta bancária desta sociedade, sendo ela própria quem ordenava os pagamentos para si e para os demais, em particular a sócia B... SL (Segunda Autora) pelos serviços de gerência que também prestava e pelos serviços comerciais que efetuava, ao proceder á movimentação da conta bancária da primeira autora, antes da renúncia á gerência e da cessão de quotas efetuada, procedeu a pagamentos indevidos e injustificados, que lhes causaram prejuízo.

Podemos afirmar que, sem prejuízo do que a seguir se dirá mais detalhadamente, relativamente à questão jurídica que urge apreciar neste recurso, de saber se relativamente ao pagamento feito pela Ré, enquanto gerente da A... LDª, à própria ré, constante da fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, o relatório pericial[12] apresenta-se como “demolidor” da versão das Autoras, já que, após exaustiva e minuciosa análise à contabilidade e documentação da Ré, os senhores peritos concluíram que todos os pagamentos e recebimentos efetuados em 18.1.2017 se mostram documentalmente justificados, foram efetivamente realizados, mostrando-se legalmente registados, nomeadamente na contabilidade da A..., LDA.

Afirmam os peritos que[13], “decorrentes das diligâncias realizadas em conjunto, concluíram os peritos que, estando reconhecidas na escritura comercial e respeitando o processo de conferência e validação, as mesmas devem ser liquidadas”.

Tanto bastaria para julgar improcedente a ação, no caso confirmando-se a sentença recorrida.

Porém relativamente ao concreto pagamento feito à Ré D..., LDA, (pela própria, enquanto gerente da A..., LDA), para pagamento de serviços efetuados por aquela Ré D..., no âmbito da gestão e administração da A..., LDA nos anos de 2009 a 2016, importará ainda determinar se, tendo sido realizados aqueles serviços, o pagamento era ou não devido, ou se se encontrava incluído no pagamento do fee de €0.02 acordado.

Impõe-se dar resposta à questão de saber se aquele valor faturado e pago de €95.869,01 acrescido de IVA de €22.049,87, num total de €117.918,88 €, a que se refere a fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, apesar de se ter provado corresponder a efetivos serviços prestados pela Ré àquela, deveria ou não ser objeto de pagamento autónomo, porquanto o acordo das partes era no sentido do pagamento consistir apenas no pagamento de um fee no valor de € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. tratasse, o que foi pago, ou se se trata de pagamento de serviços não abrangidos nesse acordo, que se mostraram necessários realizar no âmbito da atividade de gestão levada a cabo pela Ré.

Pois bem, resulta da prova produzida que se mostra provado o seguinte facto (não impugnado neste recurso):

12- Esse pagamento consistia em pelo menos € 0,02 por quilo de carga que a A... Lda. (primeira Autora) tratasse. (sublinhado nosso).

Provou-se assim que, pelo menos, aquele era o valor acordado e que foi sendo pago ao longo dos anos.

Porém, como a ré assinalou oportunamente na sua contestação, as próprias Autoras reconheceram na p.i, que a D... debitava outros custos, para além do fee dos € 0,02/kg, designadamente «os custos com comunicações...» e «...aluguer com a viatura da responsabilidade da A......

Isto é demonstrativo na perspetiva da Ré de que o fee acordado era insuficiente para remunerar a totalidade dos efetivos e concretos serviços prestados, que se mostrassem necessários realizar.

Acontece que, também não se provou a existência de qualquer acordo das partes para remuneração dos serviços para além daquele concreto fee, apesar da autora ao longo do relacionamento comercial ter admitido a existência de custos que deviam ser suportados separadamente.

No entanto, tal como resulta do relatório pericial, tratam-se de serviços necessários, cuja realização se encontra devidamente documentada e cujo valor cobrado se mostra razoável.

Porque do pagamento de serviços se trata, temos de convocar o regime jurídico do contrato de prestação de serviços.

Contrato de prestação de serviços é «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» - art. 1154º do Cód. Civil.

Ao contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente são aplicáveis as disposições relativas ao contrato de mandato, por força do disposto no art. 1157º do Cód. Civil.

Nos termos dessas disposições, o contrato de prestação de serviços tem como efeitos essenciais a obrigação de praticar os atos compreendidos no contrato, por parte de quem presta os serviços, e a obrigação de pagar a retribuição acordada, por parte de quem os recebe (arts. 1161º e 1167º Cód. Civil).

Para além daquele fee de €0,02 as partes não acordaram préviamente o valor dos múltiplos serviços administrativos e de gestão que foram prestados pela Ré e que que A...; Ldª aceitou.

Mas não estaremos perante uma situação de mandato gratuito, já que de sociedades comerciais, que visam o lucro aqui tratamos.

Dispõe o artigo 1158º nº 2 do Código Civil que: Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

No caso em apreço, com base no relatório pericial, apurou-se até que a remuneração dos serviços administrativos e de gerência prestados, pela Ré ficam aquém dos custos efetivos e valores habitualmente praticados. (ver facto 63).

No demais, aqueles peritos afirmaram a razoabilidade financeira dos valores cobrados, analisados em comparação com os custos de mercado e com a sua experiência profissional.

Desta forma, estamos em crer que, o pagamento e recebimento pela ré D..., aquando da sua saída da estrutura societária que integrava e da gerência da sociedade A..., dos custos operacionais, mostra-se justificado, em face dos concretos serviços prestados, mostrando-se o seu valor adequado e conforme aos usos profissionais praticados.

Daí que o seu pagamento tenha de ser enquadrado no âmbito do cumprimento dos deveres de gerência.

Como ensinam Raul Ventura e Luís Brito Correia[14], “o administrador tem, para com a sociedade, o dever de cumprir todas as obrigações da sociedade para com terceiros, contraídas por qualquer das fontes admissíveis”

E acrescentam “o referido dever não é uma obrigação pessoal, mas um dever funcional do administrador. O dever de cumprir uma dívida da sociedade não constitui um encargo para o património pessoal do administrador. O administrador tem, apesar disso, o dever de a cumprir — embora por conta, ou à custa, da sociedade”. “Quer isto dizer que o administrador deve cumprir com os meios sociais de que dispuser, consoante a natureza da obrigação da sociedade (dinheiro, crédito, coisas, meios de ação...), e que tal dever cessa, caso a sociedade não disponha de meios que possibilitem ao administrador tal cumprimento”.

Concluímos assim que, o pagamento efetuado pela gerente D... contante da fatura n.º DP 16/5716000453, de 31 de dezembro de 2016, mostra-se conforme às regras de direito, tendo aquela Ré atuado, não em beneficio próprio, mas no cumprimento dos seus deveres de gerente.

Provou-se, na verdade que os serviços cobrados e pagos foram efetivamente prestados, e tal como se pode ler no relatório pericial,[15]estão devidamente titulados por documentos e, naturalmente, em condições de mercado constituem montantes que devem obrigatoriamente ser pagos”.

Relativamente ao valor de € 36.277,86 euros mencionado nas alegações de recurso, do relatório pericial não resulta o pagamento injustificado de qualquer valor, sendo que às Autoras competia o ónus da prova de tal facto.

Em face do exposto falecem igualmente os requisitos do enriquecimento sem causa, invocado subsidiariamente.

Desta forma, terá que ser julgado improcedente o recurso interposto.

Uma vez que a Ré não recorreu na parte que lhe foi desfavorável (reconvenção), nada mais há a apreciar, restando confirmar a sentença recorrida que absolveu a Ré do pedido contra ela formulado.

VI-DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelas Apelantes.


Porto, 24 de setembro de 2024
Alexandra Pelayo
João Ramos Lopes
Anabela Dias Silva
______________
[1] Seguimos a numeração constante das alegações de recurso, que seguiu a ordem numérica considerando a ordem dos factos elencados na sentença, uma vez que a indicação constante da sentença, não se mostra precedida de numeração.
[2] V. ac. da RP 19.5.2014 (relator: Manuel Fernandes), in dgsi.pt.
[3] In “Manual de Processo Civil”, pg. 686.
[4] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação atua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
[5] Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
[6] Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191.
[7] Neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes) e os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), todos in www.dgsi.pt.
[8] Uma vez que na sentença se omitiu a numeração dos factos provados e não provados, seguiremos a numeração dos mesmos feita nas alegações de recurso das AA, que seguiu a ordem numérica com que os mesmos constam da sentença.
[9] Vide, neste sentido, AC RP de 11.03.2013 (relator Luís Lameiras), in dgsi.pt.
[10] Referimo-nos à opinião técnica maioritária expressa no relatório pericial.
[11] Raúl Ventura e Brito Correia, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas, Suplemento aos BMJ n.os 192.º a 195.º, p. 101
[12] Que se mostra acolhido na factualidade julgada provada.
[13] Pg 25 do relatório pericial.
[14] In Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas”, Boletim do Ministério da Justiça, n.os 192 a 195, a pág. 109 e ss. do tomo 192.
[15] Pg. 25 do relatório.