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NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Sumário
I - A nulidade da sentença ou do despacho (art.º 613.º, n.º 3 do CPC) por falta de fundamentação (art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC) pressupõe a absoluta ausência de fundamentação, não se bastando com uma fundamentação insuficiente ou desadequada. II - Não padece de tal vício, estando devidamente fundamentado, um despacho em que, além de enunciados os preceitos legais tidos por aplicáveis à solução preconizada, se destaca a questão jurídica de que cumpre conhecer, se convoca o pertinente instituto jurídico e se expõe e desenvolve, com explicitação cabal e sustentada, as razões que justificam a decisão. III - A ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (art.º 186.º, n.º 2, al. a) do CPC) pressupõe a falta absoluta de causa de pedir, não se bastando, por conseguinte, com a simples insuficiência, o desacerto ou a precariedade da sua exposição. IV - Tal vicissitude processual não se verifica num caso em que o autor formula um único pedido e, para sustentá-lo, invoca uma única causa de pedir, ainda que tal causa de pedir não seja a adequada a suportar o pedido formulado, pois que, independentemente dessa desadequação, há, no caso, causa de pedir. V - A ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido (art.º 186.º, n.º 2, al. b) do CPC) pressupõe que entre estes dois elementos interceda um nexo de incompatibilidade absoluta, que um seja a antítese do outro, a ponto de a sua coexistência gerar um paradoxo, não se confundindo, por isso, com a simples “desarmonia” ou “desadequação”. VI.- Uma petição inicial em ação de despejo na qual, como fundamento da cessação do contrato, se invoca factos que integram a caducidade e se pede a resolução do contrato, associada à condenação de entrega do locado, devoluto de pessoas e bens, no estado de conservação à data do arrendamento, não contém uma contradição geradora de ineptidão, mas ‘desarmonia’ ou ‘desadequação’ entre causa de pedir e pedido. VII - Com efeito, caducidade e resolução são ambas causas de extinção do contrato de arrendamento, sendo, por conseguinte, convergente e não dissonante ou sequer antagónico o sentido de ambas no que diz respeito ao fim pretendido com a ação, isto é, a cessação do contrato. VIII - Outrossim, evidenciando o autor que o que pretende é a cessação do contrato de arrendamento, com a consequente entrega do locado pelo réu, a menção que, no pedido, é feita à resolução surge, no contexto da estrutura dada à causa, como expressão do enquadramento jurídico dos factos vertidos na petição inicial e não como formulação de pedido única e exclusivamente direcionado à resolução do contrato, traduzindo, assim, a posição do autor quanto à interpretação e aplicação das regas de direito à qual o tribunal não está vinculado (art.º 5.º, n.º 3 do CPC).
Texto Integral
Processo n.º 537/22.0T8FLG.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de Felgueiras, Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrido: BB
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Sumário
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- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto os Juízes Desembargadores abaixo identificados,
I.- Relatório
- AA instaurou a presente ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que, pela sua procedência:
- se declare resolvido o contrato de arrendamento identificado na petição inicial, condenando-se o Réu a entregar ao Autor o local arrendado, devoluto de pessoas e bens e no exato estado de conservação em que se encontrava à data do arrendamento.
Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte.
Das heranças indivisas e abertas por óbito do pai e da mãe do Autor, falecidos, respetivamente, em 05-06-2006 e em 27-04-2019, das quais o Autor é cabeça de casal, faz parte um prédio urbano composto por três pisos, com partes suscetíveis de utilização independente, sito na Rua ..., da União de freguesias ... (...), ..., ..., ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...69.º.
Por acordo verbal feito entre o pai do Autor e o Réu, mantido após o óbito daquele pela mãe do Autor, foi dado de arrendamento ao Réu, para habitação e contra o pagamento de uma renda por este, a parte do referido prédio correspondente ao primeiro andar/traseiras (1.º T).
Por carta registada com a/r dirigida ao Réu, a falecida mãe do Autor, invocando a sua qualidade de senhoria, comunicou-lhe que, nos termos e ao abrigo do disposto do art.º 30.º do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o contrato de arrendamento transitaria para o NRAU, propondo-lhe um novo valor de renda mensal e que o contrato fosse alterado para termo certo, mais fixando o prazo de 30 dias contado da receção da missiva para que o Réu respondesse.
O Réu, por carta, opôs-se a tal pretensão da senhoria, mas fê-lo sem fundamento, em razão do que, por nova carta registada com a/r de 07-08-2014, comunicou-lhe que o contrato de arrendamento passaria a arrendamento habitacional com a duração de cinco anos, renovável pelo período de dois anos.
No dia 01-02-2021, respeitando, consequentemente, a antecedência de 240 dias prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 1097.º do CC, o Autor, na qualidade de cabeça de casal das heranças dos seus pais, comunicou ao Réu, por carta registada, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento e solicitou-lhe a desocupação do locado, livre de pessoas e bens, no termo do contrato, isto é, em 01-01-2022.
Decorrido o referido prazo, contudo, o Réu não o fez, justificando-se o recurso a esta ação para obter a sua condenação a fazê-lo.
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Finda a fase dos articulados e realizada a audiência prévia, pelo tribunal a quo foi suscitada oficiosamente a questão atinente à eventual ineptidão da petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, sendo que, em consequência, foi conferido às partes o prazo de 10 dias para, querendo, exercerem o contraditório.
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Acedendo ao convite do tribunal a quo, o Autor manifestou a posição de que a petição inicial não padecia do vício que lhe fora assacado e que, a existir, sempre poderia ser suprido, ao passo que o Réu vincou a posição de que o articulado inicial era efetivamente inepto.
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Pelo tribunal a quo foi, então, proferido despacho julgando verificada a referida exceção dilatória de nulidade do processo fundada em ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolvendo o Réu da instância.
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Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor interpor o presente recurso, batendo-se pela revogação da decisão recorrida, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se transcrevem:
“1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que declarou a nulidade da petição inicial, por contradição entre o pedido e causa de pedir e bem assim falta da causa de pedir (relativamente ao pedido de resolução) e, em consequência, decidiu absolver o réu BB.
2. Proferida a sentença, verificou-se que salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal, decidindo no sentido da nulidade da petição inicial, não podendo o Recorrente conformar-se com a Douta Sentença, não só pela injustiça que a decisão constitui, mas, também, porque, de facto, não se verifica qualquer nulidade nos presentes autos, tendo o presente recurso por objeto a nulidade da sentença por falta de fundamentação.
3. Nos presentes autos, em sede de audiência prévia, foi suscitada oficiosamente a eventual ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido de resolução em virtude de o pedido ser de resolução do contrato de arrendamento, mas a causa de pedir se estribar exclusivamente na alegação de factos relacionados com a denúncia do contrato com base na oposição à renovação pelo autor.
4. A contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial, só ocorre quando se verifique uma incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico, ou seja, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente.
5. É consensual a nível jurisprudencial e doutrinário que é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada.
6. No caso em concreto, de facto, é alegada factualidade, na p.i, relacionada com a denúncia do contrato com base na oposição à renovação pelo recorrente, tendo sido peticionado a resolução do contrato, sendo que, no entanto, também se peticiona a entrega ao recorrente do local arrendado, devoluto de pessoas e bens e no exato estado de conservação em que se encontrava à data do arrendamento.
7. Não se pode olvidar que o recorrente requereu a ampliação do pedido, através de requerimento datado de 12 de junho de 2023, referência CITIUS 8850666.
8. A referida ampliação de pedido – ou da causa de pedir – fundou-se na pretensão do recorrente em resolver o contrato e receber todos os direitos inerentes a essa resolução, porquanto o Réu deixou de pagar a renda na pendência da presente ação, situação que ainda se verifica.
9. Sublinhe-se que, na falta de acordo, o pedido ou a causa de pedir podem ser alteradas ou ampliadas se estiverem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial, conforme prevê o n.º 1, do art.º 588.º, do Código de Processo Civil.
10. Se é verdade que, na sua parte mais substancial, a petição inicial incide sobre a denúncia do contrato com base na oposição à renovação pelo recorrente, numa leitura mais profunda da alegação contida tanto na p.i como no requerimento de ampliação de pedido suprarreferido, são alegados factos inscritos na matéria da resolução do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1083.º, do Código Civil, sendo que esta dupla causa de pedir está expressa ao longo de ambos os articulados, pelo que não está a petição inicial não está ferida de qualquer exceção ou de vício.
11. Mesmo que não se considerasse a ampliação do pedido, poderá existir um vício ao nível do mesmo, mas não se trata, aqui, da existência de uma contradição insanável entre a causa de pedir e o pedido, pois, na verdade, no caso em concreto estamos perante uma vivência jurídica distinta e que corresponde à eventual incompletude do pedido, pois o recorrente, na sua p.i, não tira consequências relacionais entre a denúncia do contrato de arrendamento e a resolução do mesmo - todavia, a existir algum vício, o mesmo seria sanável
12. No novo regime processual civil, foi reforçada a ideia que sustentava que a atividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de meritis. - nesse sentido, vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17/06/2021, proc.º n.º 112/20.4T8TNV-E1.
13. Mesmo que a parte ativa – neste caso, o recorrente - não tivesse descrito os factos acima convocados, após a mudança de paradigma promovida pela reforma do Código de Processo Civil, na jurisprudência nacional assiste-se a uma inflexão e atualmente é admitida a solução que preconiza que, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 6.º, do referido diploma, o Tribunal deve convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial.
14. A insupribilidade é hoje residual, respeitando tão só àquelas exceções que, pela sua natureza ou via do seu regime, não consentem suprimento, oficioso ou mediante convite às partes, de harmonia com o dever de gestão estatuído no n.º 2, do art.º 6.º, do CPC. - neste sentido, vide, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 623.
15. A admitir-se a existência de qualquer vício, através do recurso aos poderes de gestão, por se tratar de um vício suprível, deveria o Tribunal a quo ter proferido um despacho de aperfeiçoamento da p.i e os presentes autos seguirem os seus termos legais.
16. A ineptidão da petição inicial não poderia proceder, impondo-se a revogação da Douta Sentença, ordenando-se o prosseguimento dos autos para julgamento.
17. A justiça material deve sobrepor-se as razões de ordem formal que apenas servem para, em termos estatísticos, dar baixa dum processo, mas, na verdade, deixam a justiça material por realizar e não resolvem os problemas que as pessoas apresentam ao tribunal e aos quais esperam solução.
18. Estamos perante um caso, dum inquilino que o tribunal sabe não paga renda há meses e que não paga na pendência da presente ação. A presente ação deu entrada no dia 21.04.2022, ou seja, há mais de dois anos, sendo certo que, decorrido todo este tempo e findos os articulados há mais de um ano, apenas foi realizada a uma audiência prévia!
19. A Sentença de que ora se recorre, permitiu e dela resulta que, por meras razões formais, deixar «cair» o processo, permitindo-se que o réu que, sem pagar, continua a ocupar o imóvel, “beneficiando o infrator” em prejuízo da justiça material, o que não é justo, nem legal, pois na última revisão do CPP, teve o legislador a preocupação de evitar a queda de processos que, por razões formais, não serviam a justiça, implicando a instauração de novas ações para resolução do mesmo problema.
20. Desta forma, impõe-se o prosseguimento dos presentes autos, ainda que, se necessário com recurso ao convite ao aperfeiçoamento.
21. Analisando a sentença proferida, é fácil entender que o Tribunal a quo, não fundamentou, devidamente, a sua decisão. No caso em concreto, era obrigação do Tribunal a quo explicar e fundamentar, em concreto, o porquê de considerar que existe uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, geradora da nulidade da petição inicial.
22. No reverso, o Tribunal a quo dedicou meros 3 parágrafos a fundamentar a sua decisão, não conseguindo entender o recorrente o porquê de, em face ao tudo até aqui exposto, mesmo assim, o Tribunal a quo ter decidido que a petição inicial era nula.
23. Labora em erro o Tribunal a quo quando refere que a petição seria igualmente inepta por absoluta falta de alegação de factos para sustentar o pedido de resolução, por o recorrente não ter alegado a violação de quaisquer regras, porquanto o recorrente alegou a aludida factualidade na ampliação do pedido suprarreferida.
24. O Tribunal a quo, em menos de meia página, fundamentou a sua decisão quanto à ampliação do pedido, decidindo que a mesma não era legalmente admissível, quando, na verdade, se exigia uma fundamentação muito mais detalhada e compreensível – bem como uma decisão em contrário.
25. O recorrente não requereu a ampliação do pedido por forma a tentar suprir o lapso na falta de absoluta alegação de factos, mas sim para fazer valer os seus direitos, pois o Réu deixou de pagar as rendas, o que é bastante prejudicial para a saúde financeira do recorrente.
26. O recorrente requereu a ampliação do pedido – recorde-se, 12 de junho de 2023, referência CITIUS 8850666 - antes de ter sido suscitada, oficiosamente, a eventual ineptidão da petição inicial, em sede audiência prévia, que se realizou no dia 28 de fevereiro de 2024, pelo que, novamente, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo.
27. No caso em apreço, é nosso entendimento que ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, com as consequências legais previstas na al. b), do n.º 1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil.“
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O Réu respondeu ao recurso, pugnando por que lhe fosse negado provimento e mantido o despacho recorrido, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões, assim transcritas:
“1- Não assiste qualquer razão ao Recorrente nas suas pretensões, não merecendo a decisão do Tribunal “a quo” qualquer censura ou reparo.
2- O Autor, ora Recorrente, intentou a presente ação alegando que foi celebrado um contrato de arrendamento entre a progenitora do mesmo e com o Réu, ora Recorrido, tendo por objeto um imóvel e que em 2021, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu pai, transmitiu ao Réu a oposição à renovação do contrato de arrendamento, pedindo a resolução do contrato de arrendamento.
3- Perante a factualidade alegada na petição inicial é, de facto, indubitável, conforme entendimento consignado na douta sentença proferida que a causa de pedir se estriba exclusivamente na alegação de factos relacionados apenas com a denúncia do contato de arrendamento com base na oposição à renovação do mesmo, não alegando quaisquer outros factos imputando ao Réu, algum incumprimento contratual. Porém, o pedido do Autor cinge-se apenas a pedir a resolução do contrato de arrendamento.
4- Os factos alegados na presente ação reportam-se exclusivamente à oposição à renovação do contrato de arrendamento, ao abrigo do disposto nos artigos 1096º e 1097 do C.C. e a resolução do contrato de arredamento terá que se cingir aos fundamentos previstos no artigo 1083º do C.C.
5- Na presente ação não estou alegados quaisquer factos para o Tribunal poder conhecer que existe incumprimento do contrato e consequentemente resolver o mesmo, com base num dos fundamentos previstos no aludido artigo, ou seja, no pedido da ação de resolução do contrato de arrendamento, “o Recorrente não alega absolutamente nenhum facto que possa sustentar o indicado pedido de resolução do contrato de arrendamento, uma vez que se limita a alegar factos atinentes à oposição à renovação,” (ver sentença)
6- É consensual a nível jurisprudencial e doutrinário que é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de CC Advogada ... Tel./ Fax ...32 Edifício ... TLM ...73 ... ... E-mail: ..........@..... indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir e a concreta pretensão jurídica formulada.
7- Na apresente ação não nos parece existir dúvidas que existe uma contradição entre o pedido e a causa de pedir, existindo uma ausência de um nexo lógico entre ambos.
8- Perante o douto entendimento do Tribunal vertido na sentença, que o Recorrido tem de sufragar na íntegra, urge, assim, considerar que o mesmo não poderá ser objeto de qualquer reparo, pois andou bem o Tribunal a quo ao considerar que “no caso dos autos temos que o autor por um lado narra factos únicos e exclusivamente atinentes à oposição à renovação, por via da qual pretende a cessação de um contrato de arrendamento, mas por outro, o único pedido que dirige ao tribunal é que declare a resolução do contrato de arrendamento.” “Ora, se o autor por um lado alega factos respeitantes à oposição à renovação e depois pede a resolução do contrato de arrendamento parece-nos existir um real e efetiva falta de nexo de lógico entre o pedido e a causa de pedir, pois, que, ou o réu cumpre o contrato, mas o autor não quer a sua renovação ou o réu incumpre o contrato e o autor tem o direito a que o mesmo seja resolvido.”
9- Aliás, o Autor na tentativa de sanar essa contradição entre a causa de pedir e o pedido veio através de requerimento autónomo, intitulando-o de ampliação de pedido, alegar factos novos, imputando ao Réu a falta de pagamento de rendas, da qual poderia, com base nestes novos factos, resultar na resolução do contrato de arrendamento por incumprimento. Porém, esse requerimento não resulta numa ampliação de pedido e sim numa ampliação de causa de pedir existe novos factos., que o Réu por requerimento se opôs.
10- Na ampliação do pedido temos que relacionar o mesmo com a causa de pedir, pressupondo que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva do pedido se modifica para mais.
11- No caso dos autos, a ampliação do pedido pretendida não está compreendida na mesma causa de pedir invocada, nem idêntica, pois, os factos ora alegados são totalmente novos CC Advogada ... Tel./ Fax ...32 Edifício ... TLM ...73 ... ... E-mail: ..........@..... e nem estão integrados no mesmo complexo de factos. Estamos perante factos novos- não pagamento de renda- o que implica uma nova causa de pedir, que alteraria a estrutura da ação, materializando um novo pedido e uma nova contestação, com fundamento de oposição totalmente diferentes.
12- Assim, a ampliação do pedido pretendida pelo Autor não constitui uma consequência ou desenvolvimento dos pedidos primitivos deduzidos pelo mesmo e sim num novo pedido, baseado numa nova causa de pedir totalmente diferente da P.I
13- Neste sentido, andou bem o Tribunal “a quo” ao considerar que no caso concreto “face aos que preceitua o artigo 265º do Código processual Civil, efetivamente constata-se que o novo pedido do autor configura uma tentativa de suprir o lapso na falta de absoluta alegação de factos e não constitui uma ampliação do pedido original, mas antes uma forma de suprir aquela falha, configurando assim uma tentativa de enxertar uma nova causa de pedir, a qual não se mostra legalmente admissível atenta a oposição do réu.”
14- Não parece existir, assim, dúvidas que o a petição inicial é inepta, nos termos do artigo 186º n.º2 al. a) e b) do CPC, com fundamento e na contradição entre o pedido e causa de pedir e na falta de alegação de causa de pedir (relativamente ao pedido de resolução) Recorrente ao invocar agora nas suas doutas alegações de recurso o enriquecimento sem causa atua com manifesto abuso de direito, pois exerceu, sem dúvida e ostensivamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económicos do direito. 15- Exceção dilatória insuprível, que implica a nulidade do processo e conduz à absolvição do Réu da instância, nos termos dos artigos 186º n.º 1; 196º; 200º n.º 2; 278 n.º 1 al. b); 576º n.º 1 e 2; 577º al. b) e 578 todos dos CPC.”
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
i.- da nulidade do despacho recorrida por falta de fundamentação;
ii.- na negativa, da ineptidão da petição inicial com que foi introduzida a presente ação em juízo.
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III.- Fundamentação III.I.-Da Fundamentação de facto
- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.
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III.II.- Do objeto do recurso 1.- Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação
Este recurso incide sobre o despacho proferido pelo tribunal a quo em que este julgou inepta a petição inicial que deu origem à presente ação e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Segundo o Recorrente o despacho padece da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, por não conter a fundamentação de facto e de direito exigida pelos art.ºs 205.º, n.º 1 da CRP e 154.º do CPC.
De acordo com a citada alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
Tal disposição legal, apesar de se referir expressamente aos vícios da sentença, aplica-se, também, aos casos em que, como o dos autos, está em causa um simples despacho, por força da remissão operada pelo art.º 613.º, n.º 3 do CPC.
A nulidade derivada da falta de fundamentação pressupõe a absoluta falta de fundamentação.
Como referem Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio Nora “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 687).
No mesmo sentido apontava Alberto dos Réus, segundo o qual “[o] que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade”, sendo que “[p]or falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Por isso, de acordo com o mesmo, “[s]e a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade” (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, Vol. V, p. 124).
De referir que uma tal posição doutrinal constitui jurisprudência largamente acolhida pelos tribunais superiores, exemplificando-se tal constatação com os Acórdãos do STJ de 09-10-2019, proferido no processo 2123/17.8LRA.C1.S1; de 15-05-2019, proferido no processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1; e de 02-06-2016, proferido no processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1,S1; todos eles enunciados, por seu turno, no Acórdão do mais alto Tribunal de 03-03-2021, proferido no processo 3157/.8T8VFX.L1.S1 (Acórdão(s) disponível(eis) na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). In casu, na ótica do Recorrente o despacho recorrido padeceria do vício invocado pelo facto de a fundamentação que dele consta não ser suficientemente “detalhada” e “compreensível” de modo a permitir aquilatar o “porquê de considerar” a existência de vício gerador de “nulidade da petição inicial”.
Não há, contudo, qualquer vício do despacho recorrido passível de consideração.
Na verdade, está em causa aqui, como se viu já, um despacho por via do qual o tribunal a quo julgou inepta a petição inicial e absolveu o Réu da instância, estribado, designadamente, na contradição entre a causa de pedir e o pedido e, relativamente ao pedido de resolução do contrato de arrendamento dos autos, na falta de causa de pedir.
A este propósito, depois de enunciados os preceitos legais e os argumentos jurídicos tidos por aplicáveis à solução preconizada, escreveu-se no despacho recorrido, para sustentar a decisão tomada, e além do mais, o seguinte:
- “(…) o autor por um lado narra factos única e exclusivamente atinentes à oposição à renovação, por via da qual pretende a cessação de um contrato de arrendamento, mas por outro, o único pedido que dirige ao tribunal é que declare a resolução do contrato de arrendamento. Como é consabido para que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento é mister que exista incumprimento de uma das partes, incumprimento esse que devido à gravidade ou às consequências torne inexigível, à outra parte, a manutenção do arrendamento, sendo reveladores dessa gravidade os comportamentos elencados no artigo 1083.º, n.º 2 do Código Civil. Sucede que apesar deste pedido de resolução do contrato de arrendamento, o autor não alega absolutamente nenhum facto que possa sustentar o indicado pedido de resolução do contrato de arrendamento, uma vez que se limita a alegar factos atinentes à oposição à renovação. Ora se o autor por um lado alega factos respeitantes à oposição à renovação e depois pede a resolução do contrato de arrendamento parece-nos existir uma real e efetiva falta de falta de nexo lógico entre o pedido e a causa de pedir, pois que, ou o réu cumpre o contrato, mas o autor não quer a sua renovação ou o réu incumpre o contrato e o autor tem direito a que o mesmo seja resolvido. Assim, parece-se-nos que, no caso concreto, existe uma verdadeira contradição entre a causa de pedir e o pedido, geradora da nulidade da petição inicial. Mas ainda que assim não se considerasse, a petição seria igualmente inepta por absoluta falta de alegação de factos para sustentar o pedido de resolução, pois que o autor não alega a violação de quaisquer regras, utilização contrária à lei, bons costumes, ordem pública, o uso para fim diverso, o não uso do locado, a cessão do gozo do prédio ou qualquer situação de mora no pagamento das rendas.
(…)
Assim, (…) só nos resta concluir que estamos perante, não só, a contradição entre o pedido e a causa de pedir, como também perante a absoluta falta de alegação de factos essenciais à decisão do litígio (em face do único pedido formulado), o que impede o Tribunal de, através de um raciocínio lógico, apreciar os demais factos e retirar as suas próprias conclusões e, nessa sequência, dirimir o conflito. (…).”
Ora, uma tal argumentação constitui uma cabal e explícita fundamentação da decisão recorrida.
Na verdade, por via dela o tribunal a quo destacou a questão jurídica que, na sua perspetiva, lhe incumbia conhecer, convocou o instituto jurídico que tinha por aplicável ao caso e descreveu as normas legais que sustentavam essa aplicação.
Enunciou, depois, os argumentos e formulou o raciocínio que, na sua perspetiva, conduziam à subsunção da realidade processual com foi confrontado à questão jurídica que havia traçado.
Fê-lo, outrossim, de forma sustentada e cabal, com explicitação das razões que o levaram a concluir no sentido em que concluiu, e compreensível, permitindo a qualquer das partes no processo que com o despacho se confrontaram perceber a razão pela qual se decidiu como se decidiu à luz do direito tido por aplicável.
A aplicação do direito contida no despacho recorrido está, pois, substanciada em factos e em argumentos concretos e determinados que evidenciam o silogismo judiciário pressuposto numa decisão judicial, o mesmo é dizer que está devidamente fundamentado.
Pode-se discordar da fundamentação utilizada e da decisão tomada, mas que se trata de decisão suportada num conteúdo substancial relevante é um dado indesmentível.
Não há, pois, nulidade atendível do despacho recorrido, improcedendo, consequentemente, a pretensão do Recorrente em análise.
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2.- Da ineptidão da petição inicial
- Subjacente a este recurso está a decisão do tribunal de 1.ª instância que julgou inepta a petição inicial com que foi introduzida a presente ação em juízo e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Segundo o tribunal a quo a ineptidão da petição inicial derivaria do seguinte: (i) contradição entre a causa de pedir e o pedido, pelo facto de o Autor, pretendendo a cessação de um contrato de arrendamento, alegar factos exclusivamente atinentes a uma “oposição à renovação”, mas pedir unicamente a “resolução” do contrato; (ii) falta de causa de pedir no que diz respeito ao pedido de resolução do contrato, por não terem sido alegados quaisquer factos que materializassem o incumprimento contratual do Réu, conducentes àquela resolução.
Analisemos, pois, se assim é.
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Dispõe o art.º 186.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante, CPC) que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
A nulidade de todo o processo, por seu turno, é, nos termos da alínea b) do art.º 577.º do CPC, uma exceção dilatória que, sendo, inclusive, de conhecimento oficioso (art.º 578.º do CPC), obsta, nos termos do n.º 2 do art.º 576.º do CPC, a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância.
Tratando-se de vício gerador de nulidade de todo o processo e, por conseguinte, de absolvição do réu da instância, constitui o mesmo um vício especialmente grave, com cuja previsão se pretende, de acordo com António Santos Abrantes Geraldes, “estabelecer a segurança jurídica quanto ao objeto do processo conformado pelo pedido e pela causa de pedir”, estribando-se, pois, em “interesses de ordem pública e não em simples interesses do autor ou do réu (in Temas da Reforma do Processo Civil, Coimbra, 1997, p. 29, nota 16).
Há ineptidão da petição inicial, de acordo com o n.º 2 do citado art.º 186.º do CPC, nos seguintes casos:
a) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Neste recurso, interessa-nos as hipóteses previstas nas alíneas a) e b), que radicam, como decorre da sua leitura, e no que ao caso importa, na falta de causa de pedir e na incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido.
A propósito da alínea a), referia José Alberto dos Reis que “o autor não pode limitar-se a formular, na petição inicial, o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer”, sendo que, pelo contrário, “tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou acto de que, no seu entender, o direito procede”.
Ou seja, segundo o Autor, “o que interessa, no ponto de vista da apresentação da causa de pedir, é que o acto ou facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição”.
Não o fazendo, isto é, sendo a petição totalmente omissa na indicação do fundamento de que o pedido procede, tal conduzirá à ineptidão da petição inicial, “porque não pode saber-se qual a causa de pedir”.
Saliente-se, contudo, ainda de acordo com o mesmo Autor, que uma coisa é a petição inepta por nela não vir especificada a causa de pedir e outra é a petição “deficiente”, isto é, quando a mesma, apesar de ser “clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor”; nestes casos, a petição não pode ser qualificada como inepta, sendo que “o que então sucede é que a acção naufraga” (in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra, 1945, p. 371 e 372).
A propósito da alínea b), e recorrendo novamente a José Alberto dos Reis, referia o Autor que “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão”
Com efeito, “o pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é (…) uma das premissas em que assenta a conclusão”; assim, “entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão”.
Acrescentava o Autor que “é da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas”, pelo que, “se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada”.
Donde, “se o autor formula um pedido que, longe de ter a sua justificação na causa de pedir, está em flagrante oposição com ela, a inépcia é manifesta” (ibidem, p. 381 e 382).
Note-se, contudo, que a anomalia da petição inicial em apreço pressupõe uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, ou seja, pressupõe que entre um e outro interceda um nexo de incompatibilidade absoluta, que um seja a antítese do outro, a ponto de a sua coexistência gerar um paradoxo.
A contradição pressuposta na alínea em apreço não se confunde, assim, como refere Antunes Varela, com “uma simples desarmonia, pressupondo antes uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto… uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu” (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 121.º, p. 122).
Dito de outro modo, segundo Castro Mendes, a contradição aqui em causa pressupõe “um verdadeiro antagonismo entre o pedido e a causa de pedir e não de uma mera desadequação entre uma coisa e outra” (in Direito Processual Civil, Vol. III, p. 49, apud António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2022, p. 244).
Será esse o caso de escola em que, na petição inicial, se invoca a nulidade de um negócio jurídico e se conclui pedindo a condenação do réu a efetuar uma prestação com base na existência e na validade do negócio que se rotulou de inválido.
Nestes casos, o fundamento invocado afasta por si só o pedido nele estribado, a premissa está numa relação de incompatibilidade com a conclusão, são ambos a antítese um do outro, não podendo, por isso, sob pena de se viabilizar um paradoxo, coexistir e, por conseguinte, de se apreciar sequer a questão suscitada.
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Reportando-nos ao caso em apreço, cumpre começar por dizer que, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, não há ineptidão da petição inicial por falta absoluta de causa de pedir, fundada na alínea a) do preceito supra transcrito.
Com efeito, o Autor/Recorrente, na petição inicial, formula um único pedido – ‘resolução’ do contrato de arrendamento e consequente ‘entrega do locado’ pelo Réu – e, para sustentar esse pedido, invoca uma única causa de pedir – extinção do contrato por ‘oposição à sua renovação’.
Ou seja, entre o pedido efetivamente formulado pelo Autor/Recorrente e entre a causa de pedir por ele invocada existe uma relação de causa/efeito ou de dependência que não permite outra conclusão que não a de que o pedido foi deduzido em função daquela concreta causa de pedir.
Assim, se, para sustentar o pedido formulado, foi invocada uma específica causa de pedir, forçoso é concluir que a petição inicial não é omissa quanto à mesma; isto é, da petição inicial consta efetivamente uma causa de pedir.
Essa causa de pedir, do ponto de vista do direito aplicável, até pode não ser a adequada para sustentar o pedido que, estribado nela, foi deduzido, ou, no limite, ser antagónica com ele; mas que há causa de pedir é uma realidade incontornável.
De resto, afirmar-se, como se fez no despacho recorrido, que, relativamente ao pedido de resolução do contrato, não há causa de pedir, é contraditório com a afirmação, que nele também foi feita, de que há contradição entre a causa de pedir e o pedido, na certeza de que, pela própria natureza das coisas, só se pode perspetivar uma contradição entre… duas realidades existentes.
Temos, pois, e em suma, que a petição inicial com que foi introduzida a presente ação em juízo não padece do vício que lhe foi assacado no despacho recorrido, atinente à total falta de causa de pedir.
Não havendo ineptidão da petição inicial fundada na alínea a) do n.º 2 do art.º 186.º do CPC, cumpre dizer que também não há ineptidão fundada na alínea b), referente à contradição entre a causa de pedir e o pedido.
Vejamos porquê.
Pela presente ação pretende o Autor/Recorrente obter a extinção de um contrato de arrendamento para habitação, em que o Réu/Recorrido figura como arrendatário, tendo por objeto parte de um prédio urbano que integra as duas heranças abertas por óbito dos pais do primeiro, de que é cabeça de casal, com a consequente entrega do locado pelo segundo.
Trata-se, assim, de uma típica ação de despejo.
Para sustentar tal pretensão, invocou o Autor/Recorrente como causa de pedir que a sua falecida mãe, na qualidade de senhoria, comunicou ao Réu, por carta registada com a/r, que, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 30.º do NRAU, o contrato de arrendamento transitaria para o NRAU e que, além do mais, lhe propôs que o contrato fosse alterado para termo certo.
Acrescentou que o Réu, por carta, opôs-se a tal pretensão, mas fê-lo sem fundamento, em razão do que, por nova carta registada com a/r de 07-08-2014, comunicou-lhe que o contrato de arrendamento passaria a arrendamento habitacional com a duração de cinco anos, renovável pelo período de dois anos.
E finalizou dizendo que no dia 01-02-2021, respeitando, consequentemente, a antecedência de 240 dias prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 1097.º do CC, o próprio Autor, na qualidade de cabeça de casal das heranças dos seus pais, comunicou ao Réu, por carta registada, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento e solicitou-lhe a desocupação do locado, livre de pessoas e bens, no termo do contrato, isto é, em 01-01-2022.
Ora, uma tal estrutura da causa de pedir remete-nos para o instituto jurídico da caducidade enquanto causa de extinção do contrato de arrendamento, isto é, na extinção desse contrato fundada no mero decurso do prazo nele estipulado, depois de o senhorio impedir a sua renovação automática por comunicação adrede efetuada salvaguardando a antecedência mínima que reputou ser a legalmente adequada.
Isto é, a causa de cessação do contrato de arrendamento que decorre dos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1094.º, 1095.º, 1096.º e 1097.º do Código Civil.
O Autor, contudo, apesar de invocar a caducidade do contrato de arrendamento para obter o despejo do locado, pediu, a final, a resolução do contrato de arrendamento, que, como é consabido, constitui uma diversa causa de extinção do contrato, fundada, no essencial, no incumprimento contratual da outra parte (v. art.º 1083.º do Código Civil).
A questão que aqui se coloca é, pois, a de saber se entre a invocação da caducidade para sustentar a sua pretensão e a formulação do pedido de resolução do contrato traz ínsita uma contradição suscetível de, como concluiu o tribunal a quo, gerar o vício da ineptidão da petição inicial.
E o certo é que se entende que uma tal contradição não existe.
Não há dúvida de que o Autor, ao pedir a resolução do contrato de arrendamento e a condenação do Réu a entregar-lhe o locado livre e desocupado, depois de invocar factos que materializavam a caducidade como causa de extinção do contrato, não foi rigoroso na forma como exprimiu a sua pretensão de tutela jurisdicional; é claro que se o contrato cessara por caducidade, o que deveria ter pedido era a extinção do contrato com esse fundamento e não a sua resolução.
O certo é que uma coisa é a falta de rigor e outra a conclusão de que essa vicissitude encerra uma contradição de tal modo grave e insanável que acarrete a nulidade de todo o processo e o fim deste, com a absolvição do Réu da instância, o que, quanto a nós, se não verifica.
Na verdade, caducidade e resolução são duas causas de cessação do contrato de arrendamento, pelo que a invocação de uma ou de outra aponta num sentido convergente quanto ao principal efeito a retirar da sua verificação e não num sentido dissonante ou sequer antagónico.
Ou seja, o Autor, na forma como descreve a causa de pedir, invoca factos que apontam para a extinção do contrato e formula um pedido exatamente na mesma direção, isto é, o da extinção do contrato alegado.
No caso dos autos não há, assim, o nexo de incompatibilidade lógica e absoluta entre causa de pedir e pedido, ou a relação de antítese entre uma e outro, pressupostos na contradição geradora de ineptidão inicial.
Acresce que aquilo que o Autor/Recorrente, com a presente ação, verdadeiramente pretende é a cessação do contrato de arrendamento, com a consequente entrega do locado pelo Réu/Recorrido.
Que assim é, exprime-o no próprio pedido formulado, ao bater-se expressamente por que o Réu seja condenado a entregar-lhe o local arrendado, devoluto de pessoas e bens e no exato estado de conservação em que se encontrava à data do arrendamento.
Neste pressuposto, a menção que, no pedido, é feita à resolução do contrato surge, no contexto da estrutura dada à causa pelo Autor, mais como expressão do enquadramento jurídico que aquele fez dos factos que verteu na petição inicial, do que propriamente com a formulação de um pedido única e especificamente direcionado à obtenção da resolução do contrato.
A menção à resolução que é feita no pedido consubstancia, por conseguinte, a expressão de uma alegação do Autor no tocante à interpretação e aplicação das regas de direito à qual o tribunal, de acordo com o disposto no art.º 5.º, n.º 3 do CPC, não está vinculado.
De resto, o pedido do Autor/Recorrente, tal como se mostra formulado, designadamente, ao aludir à pretensão de entrega do locado devoluto de pessoas e bens e no estado de conservação à data do arrendamento, contém o conteúdo mínimo essencial para que seja apreciado enquanto pedido de extinção do contrato, tendo por fundamento a causa que o tribunal tenha por adequada à luz do direito aplicável.
Temos, pois, tudo conjugado, que o pedido efetivamente formulado pelo Autor/Recorrente, ainda que imperfeitamente expresso e primando pela falta de rigor, não está, relativamente aos fundamentos que invocou para suportá-lo, numa relação de antagonismo que materialize a contradição pressuposta na modalidade de ineptidão da petição inicial aqui em apreço.
Pelo contrário, o pedido em causa mais não representa do que “desarmonia” ou “desadequação” com a causa de pedir invocada, o que, sendo diferente da “contradição” pressuposta na alínea b) do n.º 2 do citado art.º 186.º do CPC, não é geradora de ineptidão da petição inicial e é passível de consideração em sede de sentença final, em sede de subsunção dos factos ao direito aplicável - o que, de resto, e em caso de procedência da ação, sempre estará contido nos limites do art.º 608.º, n.º 1 do CPC, pois declarar-se a extinção do contrato de arrendamento sempre estará em sintonia com o objeto daquilo que foi pedido.
Em suma, não há, no caso, ineptidão da petição inicial revelante, pelo que merecerá o recurso pleno provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida e o normal prosseguimento dos autos.
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Porque único vencido no recurso, suportará o Réu/Recorrido as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV - Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando-se que o processo não padece de nulidade fundada em ineptidão da petição inicial, devendo, por conseguinte, prosseguir os seus termos normais.
Custas da apelação pelo Réu/Recorrido.
Notifique.
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Porto, 26-09-2024
José Manuel Correia
Aristides Rodrigues de Almeida
Judite Pires