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EMPREITADA
ALTERAÇÕES DA OBRA E RESPETIVOS CUSTOS
Sumário
I - O contrato de empreitada celebrado entre particulares rege-se pelas cláusulas acordadas entre as partes no contrato, desde que não violem normas legais de natureza imperativa (cfr. artigos 405.º, n.º 1, 406.º, n.º 1 e 294.º, do Código Civil), depois pelas disposições legais que especificamente regulam o tipo legal do contrato de empreitada (artigos 1207.º a 1226.º, do Código Civil) e, por fim, pelas normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com ele compatíveis. II - No caso vertente, embora exista, no contrato de empreitada, uma cláusula (5ª) que exija que o dono da obra previamente à execução, aceite por escrito as alterações e o respectivo custo, o certo é que tal não sucedeu, quer quanto à obra em si, que foi objecto de alteração de projecto, quer quanto aos pedidos de alteração de trabalhos a mais, quer por parte do dono da obra e/ou do seu representante.” III - Ou seja, provou-se que o empreiteiro executou os trabalhos a mais sem que tivessem submetido a escrito a validação do solicitado e o respectivo custo, tendo, ainda, do mesmo modo, incorporado na obra materiais escolhidos pelo dono da obra de valor superior ao orçamentado. IV - Além disso, o dono da obra solicitou a execução de trabalhos não orçamentados e constatou, por si ou através do seu representante, a execução dos trabalhos a mais e nunca reclamou ou se insurgiu por não ter aprovado por escrito a realização dos trabalhos a mais e respectivo custo, bem como o custo do diferencial dos materiais por si escolhidos. V - Assim, no referido contexto, o comportamento das partes ao longo da execução das alterações e da obra em geral, é concludente no sentido de aceitação das alterações e dos respectivos custos, devendo ser interpretado nos termos dos artigos 217.º e 236.º do Código Civil, como vontade negocial de tacitamente revogarem a cláusula 5.ª do contrato de empreitada. VI - De resto, ainda que, à luz do estipulado, se admitisse, em abstracto, a existência do direito dos Apelantes, o mesmo teria sempre que ser bloqueado por via do seu exercício abusivo, patenteado no desequilíbrio manifesto entre a sua actuação e os direitos daqueles a quem o direito exercido é oposto e no venire contra factum proprium.
Texto Integral
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:622/20.3T8MCN.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e marido BB, residentes na Avenida ..., ... ..., onde concluiu pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €30.779,23, acrescida de mora vencidos no montante de €251,75 e juros vincendos, à taxa legal para as obrigações comerciais, sobre a importância de €30.527,48 até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que realizou uma obra para os RR. e que estes não a pagaram integralmente, bem como os trabalhos a mais/extra que prestou.
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Citados, contestaram os RR. e apresentaram reconvenção.
Alegaram, em síntese, que a A. não terminou a obra, sendo que o que fez padecia de defeitos pelo que não pagaram a última factura.
Relativamente aos trabalhos a mais, asseveram que não existiram, mas que a existirem não foram reduzidos a escrito e, por isso, não são devidos.
Em sede de reconvenção, alega que as fracções não puderam ser arrendadas como pretendia, pelo que suportaram um prejuízo de €800,00 mensais relativamente a cada uma, que a A. deve suportar.
Concluem pedindo a improcedência da acção, bem como a procedência da reconvenção e, em consequência:
a) a condenação da autora no pagamento aos réus de quantia não inferior a €48.000,00, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção e até efectivo pagamento;
b) caso proceda, total ou parcialmente, o pedido da autora, seja declarado a compensação entre o crédito que vier a ser reconhecido aos réus com o crédito que vier a ser reconhecido à autora, condenando esta no pagamento da parte excedente, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção até efectivo pagamento;
c) a condenação, ainda, da autora no pagamento aos réus da quantia mensal de €1.600,00 enquanto perdurar a não conclusão dos trabalhos da empreitada por parte da autora, desde o mês de Setembro de 2020 até efectiva conclusão dos trabalhos e entrega do imóvel à ré, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção até efectivo pagamento.
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Notificada, replicou a A., mantendo, em síntese, o alegado na petição inicial, nomeadamente, que os trabalhos a mais foram peticionados pelos RR., que a obra terminou sem defeitos e que, caso seja necessária alguma pequena reparação, está disponível a fazê-la. Assevera que as casas se encontram prontas e habitáveis, não tendo havido qualquer responsabilidade da A. por atrasos.
Conclui pedindo a procedência da acção e a improcedência da reconvenção, bem como a condenação dos RR. em multa e indemnização, em decorrência da litigância de má fé.
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Foi admitida a reconvenção, alterado o valor da acção e remetidos os autos para o Juízo Central Cível.
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Realizou-se a audiência prévia e foi proferido despacho saneador, com a fixação do objecto do litígio, bem como a enunciação dos temas da prova.
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Junta aos autos a perícia realizada, designou-se data para uma tentativa de conciliação, desdobrada em várias sessões, que resultou infrutífera.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Entre as diversas sessões da audiência de julgamento foram apresentados, entre outros requerimentos, nomeadamente de junção de documentos, dois requerimentos pelos RR. de ampliação do pedido, impugnados pela A. (que aqui se dão por integralmente reproduzidos, assim como os despachos subsequentes):
a)por requerimento de 23/09/2021 os RR. requereram a ampliação do pedido, passando a constar como pedido d) [e o pedido da al. d), quanto a custas, passaria a e)]: “a condenação da autora na execução dos trabalhos não concluídos ou mal executados, elencados no artigo 70º da contestação/reconvenção, à excepção dos pontos (iv) e (v) que os réus já executaram por se mostrar indispensável à pavimentação e acesso às habitações, ou caso não os execute no prazo de dois meses após decisão nestes autos, condenar-se a autora no pagamento aos réus da quantia que a esse título se vier a liquidar em execução de sentença”.
Tal ampliação do pedido foi admitida como consta do despacho de 30/09/2022 e com as limitações daí decorrentes, ou seja, apenas por referência à fracção A), uma vez que a fracção B) já não pertence aos RR., por ter sido vendida.
b) requerimento apresentado na sessão de audiência de julgamento realizada a 08/01/2024, no qual os RR., além de admitirem parte da matéria da PI e de juntarem novamente documentos, requereram a alteração/ampliação do pedido como segue:
“Ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 265.º do CPC os réus pedem, em face do que alegaram nos pontos 69º e 70º da contestação/reconvenção, a alteração do pedido formulado em a) de forma a que dele conste a condenação da autora na restituição aos réus das quantias que constam dos documentos admitidos pelo despacho de 26/09/2023, ou seja, doc. 1 e doc. 1-A referente a execução de muro para correção de sapata alta na fração B, doc. 2 referente a execução de muro para correção de sapata alta na fração A, doc. 3 relativo a demolição e reboco na fração B, doc. 4 relativo a demolição e reboco na fração A, doc. 5 e 5-A referente a desaterro, doc. 6 referente a divisória/separação tudo no valor global de € 7.546,30.”.
Foi proferido despacho a 19/01/2024, admitindo a junção aos autos dos documentos apresentados, bem como a ampliação do pedido em causa, com os fundamentos aí expostos.
Foi, ainda, em audiência de julgamento (sessão de 26/09/2023) aceite pelos RR. outra parte da matéria da PI, quanto aos trabalhos a mais no muro de betão.
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Após a audiência de julgamento foi proferida sentença que:
- julgou a acção totalmente procedente e condenou os Réus, AA e BB, a pagar à A., A..., Lda., a quantia global de € 30.527,48, acrescida dos juros de mora, à taxa devida para as operações comerciais, desde a data de vencimento de cada uma das facturas até integral e efectivo pagamento;
- julgou a reconvenção/pedidos de ampliação parcialmente procedentes e condenou a A. A..., Lda., em relação à fracção A) dos RR. a corrigir as humidades na casa do gás e a proceder à correcção do muro divisório entre as moradias da fachada principal, na parte que está deslocado do muro da rua, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, absolvendo a A./reconvinda do demais peticionado pelos RR.
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Não se conformando com a decisão proferida, vieram os Réus AA e marido BB interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:
I.Com este recurso, os recorrentes pretendem ver reapreciada a decisão recorrida, seja no que se refere à matéria de facto, seja no que concerne à solução de direito, pelo que, e concretizando, os recorrentes não se conformam com a decisão acerca da factualidade tida por provada nos pontos 2, 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17 e 24 e da factualidade tida por não provada nas alíneas C, G, H, I e M, no sentido infra fundamentado e exposto.
II. Nos termos do disposto nos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que os apelantes a impugnaram, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
III. A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador, e assim se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta, a atividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça (cf. Prof. Antunes Varela na R.L.J. 116/339).
IV. A formação da convicção do juiz e a criação do espírito no julgador de que determinado facto ocorreu e de determinado modo, “se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida.” (cf. neste sentido Manuel Tomé Soares Gomes in “Um Olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no processo Civil”, Revista do C.E.J., Dossier temático Prova, Ciência e Justiça - Estudos Apontamentos, Vida do CEJ, Número 3º, 2º Semestre, 2005, pág.s 158 e 159), como, aliás, ensina o Prof. Castro Mendes “a convicção humana é uma convicção de probabilidade”; de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente“.
V. Os pontos 6º e 14º a fls. 9 e 12 da sentença tidos por provados contradizem o que resulta do acordo das partes que celebraram o contrato de empreitada, assente também por acordo e revelado nos respetivos depoimentos prestados em julgamento, concretamente, AA, cujo depoimento registado na ata de 11-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 56 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 10 minutos, onde na rotação 1:30 à rotação 3:00 a ré explica que, em virtude de o terreno estar “em seu nome”, “tudo” seguiu também em seu nome, mas foi o seu marido que tratou, o que reitera na rotação 6:25 à rotação 13:36, explicitando que nunca contactou ou falou com o técnico do projeto CC e nunca falou ou contactou com órgão social ou empregado da autora, o que foi confirmado por DD, legal representante da autora, cujo depoimento registado na ata de 26-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital da seguinte forma: 16:35:51 – 16:57:51, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, e que na rotação 3:25 à rotação 4:00, explica que nunca falou com a ré AA acerca da empreitada, pois “quem geriu sempre os trabalhos, desde o primeiro até ao último dia, foi o marido”.
VI. Destarte, o ponto 6º deverá ser alterado, sugerindo-se a seguinte formulação:
“6. A autora obrigou-se a executar os trabalhos definidos no contrato e orçamento que foram fiscalizados do réu marido, que acompanhava a obra.”.
Por sua vez, o ponto 14º deverá também ser alterado, para a seguinte redação:
“14. Não obstante no contrato de empreitada figurar como contraente a ré mulher que se obrigou pelo mesmo, o certo é que o mesmo foi negociado pelo réu, tendo as obras decorrido num bem do casal, que ficou valorizado em consequência das mesmas.”.
VII. Quanto aos pontos 2º, 4º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 17º, da sentença e iniciando pelo ponto 17º de fls. 12 da sentença, onde é dito que “Entre a A. e os RR. houve troca de correspondência, como consta dos documentos 8 e 11 a 16 da contestação,...”, comete-se dois erros/lapsos que importa corrigir, a saber (i) Os documentos referidos consubstanciam correspondência trocada entre a A. e a ré AA (não com o R. BB), (ii) os documentos são os documentos 8 e 11 a 13, e não 11 a 16, o que urge corrigir.
VIII. Nos restantes pontos, pede-se a eliminação da referencia à ré AA, as partes acordaram, concretamente nos depoimentos de parte, em que a ré AA teve efetiva intervenção unicamente no contrato de empreitada, apesar de não ter qualquer intervenção nas negociações prévias a esse contrato e em tudo quanto ocorreu durante a execução da obra pela autora, como advém dos depoimentos de AA, cujo depoimento registado na ata de 11-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 56 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 10 minutos, e na rotação 1:30 à rotação 3:00 a ré explica que, em virtude de o terreno estar “em seu nome”, “tudo” seguiu também em seu nome, mas foi o seu marido que tratou, o que reitera na rotação 6:25 à rotação 13:36, explicitando que nunca contactou ou falou com o técnico do projeto CC e nunca falou ou contactou com órgão social ou empregado da autora, confirmado pelo legal representante da autora DD, cujo depoimento registado na ata de 26-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital da seguinte forma: 16:35:51 – 16:57:51, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, e na rotação 3:25 à rotação 4:00, explica que nunca falou com a ré AA acerca da empreitada, pois “quem geriu sempre os trabalhos, desde o primeiro até ao último dia, foi o marido”.
IX. O ponto 2 a fls. 8 da sentença contradiz o acordo das partes que resulta da alegação do artigo 2º da petição conjugado com a aceitação dos RR. constante da ata de 8-1-2024 onde estes declararam que nos termos e para os fins consignados no n.º 2 do art.º 475.º do C. P. Civil declaram aceitar o teor dos pontos 2 a 5 da petição inicial e os documentos n.ºs 1 a 6 e 8 dessa peça inicial.
X. O facto essencial/complementar, que não faz parte do núcleo da previsão que as partes reconhecem, consistente na parte final do ponto 2 impugnado, onde é dito que já contêm e são referentes a alterações efectuadas no decurso da obra, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido deve ser eliminado, pois não foi alegado pela autora, sendo ademais manifestamente contraditório dizer-se que o orçamento para edificação da habitação é convencionado de acordo com os documentos 1 a 6, para depois afirmar-se que as alterações feitas no decurso da obra já estão contidas nos documentos 1 a 6, acréscimo à matéria aceite pelas partes, mas que a altera substancialmente, em violação da lei, pelo que o dito ponto 2 deve passar a ter a seguinte redação:
“2. No exercício dessa sua actividade comercial, a autora foi contactada pelos réus para apresentar orçamento para proceder à construção de uma habitação bifamiliar de rés-do-chão e primeiro andar, em prédio daqueles, sito na Av. Principal ..., ..., ..., que consta dos documentos 1 a 6, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.”.
XI. Relativamente ao teor do ponto 6 a fls. 9 da sentença, assente no depoimento da ré, a saber, AA, cujo depoimento registado na ata de 11-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 56 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 10 minutos, verifica-se que, em circunstância alguma ela indicou o seu marido como a pessoa que, durante a execução da obra, dava as ordens, dirigia e fiscalizava, sendo certo que ao dizer, como disse, “o meu marido chegava a casa muito aborrecido, e eu via e perguntava-lhe, mas isto era com ele, eu tinha a minha vida em casa, não tratava de nada”, tal não significava que a ré AA tivesse designado o réu marido, como seu substituto, como dono da obra, vendo-se que em momento algum do contrato de empreitada, do depoimento da ré, ou de um outro qualquer depoimento, é dito que o réu marido é designado como aquele a quem compete dar ordens, a quem compete a direção e a fiscalização da obra, pelo que o teor do ponto 6 de fls. 9 da sentença deve ser eliminado.
XII. Acerca do ponto 8 a fls. 9 da sentença, resulta da impugnação que os recorrentes infra efetuam dos pontos das alíneas G e H de fls. 14 e 15 da sentença, a autora ainda não executou, ou executou de forma deficiente, essas obras das alíneas G. e H., como determinado positivamente na perícia, da qual a Mª Julgadora não curou de se afastar, e muito menos divergir com fundamentação excecional da eventual divergência, pelo que pede-se que seja eliminado em parte o teor desse ponto 8, passando a constar do mesmo:
“8. A autora deu por concluída a obra e entregue a mesma no início de Maio de 2020”.
XIII. A respeito dos pontos 11, 12 e 13 a fls. 10 e 11 da sentença, os recorrentes insurgem-se contra a matéria de facto tida por provada sob os números 11, 12 e 13, cuja eliminação pedem, porquanto viola o acordo das partes que em na dos depoimentos de parte, a saber, AA, cujo depoimento registado na ata de 11-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 56 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 10 minutos, onde na rotação 6:25 à rotação 13:36 a ré explica que não autorizou trabalhos a mais, nunca contactou ou falou com o técnico do projeto CC e nunca falou ou contactou com órgão social ou empregado da autora, pelo que nunca anuiu mesmo que verbalmente a qualquer trabalho a mais, e legal representante da autora, DD, cujo depoimento registado na ata de 26-09-2023, ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital da seguinte forma: 16:35:51 – 16:57:51, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, onde admite, na rotação 3:25 à rotação 4:00, que não falou com a ré AA acerca de trabalhos a mais.
XIV. Acresce que as partes acordaram na cláusula 5ª do contrato que os trabalhos a mais não são autorizados, exceto se expressamente consentidos por escrito pela ré AA, com fixação imediata e não revisível do preço desses trabalhos a mais, pelo que, para além do escrito consentimento da ré AA, era também necessária a fixação do preço dos trabalhos a mais, para o que se tornava necessária a intervenção da ré na sua fixação, dando o acordo a ele, sem o que os trabalhos a mais não podiam ser executados, pois que o preço não revisível também não estava fixado.
XV. A ré AA e o legal representante da autora, subscritores do contrato de empreitada, confessam que não convencionaram entre si trabalhos a mais para além dos contratados, pelo que, e também na ausência do documento escrito e assinado pela ré AA contendo a descrição dos trabalhos a mais com o preço fixado de forma não revisível, a autora não logra a prova dos factos exarados nesses pontos 11, 12 e 13, quer na vertente da descrição deles, quer na vertente do preço deles que devia ter convencionado com a ré AA e que não acordou, pelo que devem ser tidos por não provados.
XVI. Acerca das quantidades faturadas a mais na fatura provada em 13 da matéria de facto, compulsada a perícia de 5-9-2022, a fls., verifica-se que, a título de fornecimento e aplicação de pedra a mais e de execução de muros de bloco a mais, contem em valor a mais de 2138,88 € a que acresce 492,94 € a título de I.V.A., e assim no montante global a reduzir a essa fatura de 2631,82 €, razão pela qual o valor da fatura há-de ser reduzido para 15938,83 € que já inclui o I.V.A.
XVII. A propósito da execução alteração frente principal da fatura do ponto 13 da sentença, no montante de 1700,00 €, este item deve ser eliminado da fatura, porquanto é ilógico o constante da motivação, ao afirmar-se que as imagens que são os documentos 1 a 6 da petição, aceites pelas partes, já contêm as alterações introduzidas na frente principal da obra, e o orçamento – que é anterior – não conter menção ao custo dessas alterações, sendo certo que o Perito do Tribunal, a págs. 13 da perícia junta aos autos em 5-9-2022 diz claramente que “Confirma-se a construção da referida obra, mas o Perito desconhece se ocorreu demolição de parte existente.”, e, se demolição tivesse ocorrido, o Perito ter-se-ia apercebido pelos sinais que uma demolição sempre deixa, o que conjugado com o depoimento da testemunha mencionada, que logrou convencer o tribunal de facto claramente inverídico, e que sustentou a motivação da Mª Julgadora acerca deste ponto CC, cujo depoimento registado na ata de 15-11-2023, e foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, com início no marcador às 14 horas, 30 minutos e 54 segundos e fim às 14 horas, 46 minutos e 59 segundos, o qual na rotação 09:10 e na rotação 9:15, afirma que os fotogramas 3 D (os documentos 1 a 6) foram apresentados a 18.05.2017 e que somente nesta data a alteração foi decidida, o que contradiz facto aceite pelas partes nos pontos 2 a 5 e documentos n.ºs 1 a 6 e 8 da petição inicial, onde se diz que já o orçamento (doc7 de 21.04.2017) e o contrato de empreitada (doc.8 de 02.05.2017) foram celebrados tendo em atenção esses fotogramas 3 D (os documentos 1 a 6), afirma ainda, na rotação 12:55 que apenas em 28.08.2017 se decidiu a demolição da parte frontal, o que contradiz o que as partes aceitam nos pontos 2 a 5 e documentos n.ºs 1 a 6 e 8 da petição inicial, onde se expressa que o orçamento (doc7 de 21.04.2017) e o contrato de empreitada (doc.8 de 02.05.2017) foram feitos de acordo com os documentos 1 a 8, o que tudo permite concluir pela citada eliminação do item e assim ao valor final da fatura provada no ponto 13 da matéria de facto a fls. é mister retirar o montante inserido de 1700,00 € a que acresce o I.V.A. de 391,00€ a título de execução alteração frente principal, no valor de 2091,00€.
XVIII. Acerca da execução de rebaixamento de terreno atrás da casa e abertura e tapamento de fossas, ainda na perícia junta aos autos em 5-9-2022, a fls. 13 dela, surpreende-se a seguinte resposta, O terreno da casa “A” encontra-se rebaixado na parte de trás da casa. Nesta verifica-se também a existência de uma tampa da fossa, mas não foi possível abrir a mesma para confirmar a existência das argolas.”, mas, compulsado o orçamento que as partes reconhecem ter firmado, vê-se que as partes acordaram, na nota final da página 6 do mesmo (cf. documento 7 junto com a p.i.) que a mão-de-obra de execução dos trabalhos do ponto 16.4 do orçamento está incluída no preço do mesmo, em resultado do que é de concluir pela uma duplicação de preço, ademais com aumento dele, razão pela qual deve ser eliminado da fatura o valor de 885,00 € a que acresce o I.V.A. de 203,55 €, no montante total de 1088,55 €.
XIX. Estas modificações na fatura do ponto 13 da sentença em crise sustentam-se, na essência, nos documentos que as partes aceitam, mas também na perícia de 5-9-2022 mencionada, cuja força probatória das respostas, apesar de apreciada livremente pelo tribunal (cf. artº 389º do Código Civil), vincula o Julgador, pelo que o juízo técnico imanente à perícia presume-se subtraído à livre apreciação do julgador no sentido de que este, sempre que se afastar daquele, deve fundamentar tal divergência através de um acrescido dever de fundamentação, o que no caso não ocorre, pelo que importa corrigir o valor da fatura a que alude o ponto 13 da matéria de facto, no sentido de dela constar o valor de 18570,65 € com IVA, ao qual se devem abater as parcelas de 2631,82 €, que inclui o IVA, a título de montante faturado a mais como fornecimento e aplicação de pedra a mais e de execução de muros de bloco a mais, 2091,00€, que inclui o IVA, como eliminação do item de execução de alteração frente principal e de 1088,55 € que inclui o Iva, a título de eliminação da execução de rebaixamento de terreno atrás da casa e abertura e tapamento de fossas, pelo que a fatura deve ser reduzida para o montante de 12759,28 €.
XX. A respeito do ponto 24 a fls. 13 da sentença, a Mª Julgadora funda-os no documento de fls. 114 e segs. - compra e venda da fração B - e daí extrai que os RR deram a obra por concluída junto da Câmara Municipal ..., sendo certo que essa conclusão não pode ser retirada desse documento, razão pela qual, à falta de prova deste concreto facto, ou seja, à falta de certidão de requerimento dirigido à Camara pela ré AA (o réu nem sequer é parte no processo de licenciamento camarário, pelo que não pode dirigir qualquer pedido à entidade licenciadora) dando por concluída a obra, tal asserção deve ser eliminada do ponto, o qual deve passar a ter a seguinte redação:
“24. Os RR. utilizaram as vivendas, sendo uma delas habitada pela sua filha e seu agregado familiar e tendo vendido a outra habitação, como consta do doc. junto a 09/11/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”.
XXI. Acerca do ponto não provado da alínea C fls. 14 e 15 da sentença, em face do provado no ponto 5. e em face da cláusula terceira desse contrato, deve reformular-se o teor desta alínea de acordo com esse facto, e declarar provado que:
“C. A obra será executada de acordo com o projecto, caderno de encargos e plano de trabalhos entregues à autora.”.
XXII. A respeito dos pontos alíneas G e H de fls. 14 e 15 da sentença, ao invés do que consta da matéria de facto não provada, concretamente dos pontos G. e H. a fls. 14 e 15 da sentença, os autos, concretamente a páginas 14 a 20 da perícia de 5-9-2022, contêm elementos de prova suficiente, pois que não contraditada na sua asserção, designadamente por distinta prova aduzida em motivação pelo julgador.
XXIII. Emerge dos autos, e quanto ao ponto a) - terras a vazadouro – que as terras não foram a vazadouro e estão depositadas em terrenos contíguos, em violação do teor do contrato e orçamento, sendo certo que a ré AA - dona da obra - não autorizou qualquer alteração ao destino a vazadouro dessas terras, e da prova pericial, o Julgador fica vinculado a ela, em face da sua natureza científica e do carácter idóneo e isento inerente à prova através do perito designado exclusivamente pelo julgador, sem interferência das partes, pelo que sempre que se afaste dessa prova, tem o dever especial, adicional e acrescido de fundamentar excecionalmente essa divergência, o que no caso, a Mª Julgadora, s.m.o., não explicou a divergência, tendo optado por desvalorizar unicamente o resultado da perícia na parte acima apontada.
XXIV. Por isso, devem ser modificadas as respostas às ditas alíneas no sentido de se ter por provado o seguinte:
É necessário depositar as terras em vazadouro, colocar nova divisão para separar o balão do local das garrafas de gás, reparar as paredes do local onde se encontra a instalação de gás que possuem patologias de infiltração de água, reparar o muro divisório em blocos que está descolado do muro de betão, colocar a pingadeira na guia de remate da varanda, eliminar os escorridos (carbonatação) na laje da varanda, e reparar a pintura, reparar as pinturas do interior nos remates entre o rodapé-parede, reparar a sapata do muro que possui largura superior à elevação do muro, o que impede o seu recobrimento em cubo de granito, colocando a cota da sapata inferior à atual, de forma a permitir o seu recobrimento com o pavimento em cubos de granito, reparar os locais da cozinha onde o pavimento cerâmico possui deficiente suporte, identificado por um som oco, ao batimento, reparar e corrigir a microfissuração do reboco dos muros de blocos do logradouro posterior.
XXV. Já quanto aos pontos I e M de fls 15 da sentença, há que aceder ao depoimento testemunhal, a saber EE, cujo depoimento registado na ata de 04-12-2023, foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 39 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 59 minutos, e na rotação 0,00 à rotação 6:48, disse que já conhece os RR. há cerca de 15 anos no âmbito da sua profissão de mediadora imobiliária por serem seus clientes, e que intervém sobretudo em arrendamentos, dando exemplo um, de há 2 meses atrás, de uma moradia em ..., e que conhece as duas frações do prédio dos autos, que o Sr. BB queria dar de arrendamento, o que ocorreu em 2018, tendo ocorrido atrasos na obra pelo que somente lá se deslocou em 2020, sendo certo que as moradias estavam “como que prontas, havendo pormenores que faltavam”, tendo descrito o estado das moradias como as viu, estado esse que impedia o arrendamento, também na rotação 6:50 à rotação 7:30 disse que a renda pretendida pelo Sr. BB era de 800,00€/mês por cada moradia, apesar de entender que poder-se-ia obter valor um pouco mais alto, dada a procura que havia.
XXVI. Acerca do depoimento desta testemunha, extrai-se dele que é conforme às regras da experiência comum, mostrando-se perfeitamente plausível que, numa fase inicial da mediação - a 1ª visita para ver o imóvel, não esteja ainda formalizado o contrato de mediação, o qual acaba por não se concretizar em face do estado físico em que os imóveis se mostram que, na formulação técnica de uma mediadora com pelo menos 17 anos de experiência, se mostra insuscetível de ser arrendado, não se entendendo, desta forma, a importância da falta, naquele momento, do contrato escrito, sendo certo que, erradamente, a Mª Julgadora afirma que a testemunha não concretizou qualquer visita ao local, quando, pelo depoimento, se verifica que a testemunha se deslocou ao imóvel, descrevendo-o com clareza até quanto ao seu estado físico.
XXVII. O silogismo motivacional da Mª Julgadora, ao criticar a afirmação da testemunha segundo a qual a existência de humidades na casa das máquinas prejudica a obtenção de interessado no arrendamento, é ele, sim, claramente violador das regras da coerência, lógica e experiência comum, pois que nenhum interessado arrenda uma casa que evidencia humidades (somente no caso pré-pensado, de não querer pagar a renda logo de seguida !!! ), para, de seguida e de igual forma, a Mª Julgadora não cuidar de apreciar o montante indicado pela testemunha como aquele que os RR. pretendiam a título de renda mensal para cada uma das frações, o qual até está aquém daqueles que, por idênticos espaços e em similar localização, surgem evidenciados e anunciados na internet, à qual a Mª Julgadora também pode aceder, em busca desse facto notório, que não carece de prova ao abrigo do que dispõe o nº 1 do artigo 412º do C.P.C., sendo certo que o facto de os RR., de seguida e em face das dificuldades que lhes surgiram motivadas pelas não conclusão e pelas deficiências da obra, terem optado por vender uma das habitações e por ceder outra à sua filha, com o seu agregado familiar, em nada obvia àquela que foi a vontade inicial deles, o que também é consentâneo com as regras da logica e da experiência comum, concluindo-se que sem qualquer motivação coerente e logica, e contra as regras da experiência comum, a Mª Julgadora não atendeu ao depoimento desta testemunha, que se mostra escorreito, explicativo, e não foi contrariado na contradita, o que conduz à modificação da decisão quanto a estas alienas, julgando-se assim provado que:
“I. Os réus sempre destinaram as frações deste imóvel, cuja edificação contrataram à autora, ao mercado de arrendamento.”
E que,
“M. À data de 22-2-2018 e ainda hoje, cada uma das duas frações do imóvel em apreço tem um valor locativo mensal de, pelo menos, €800,00.”.
XXVIII. O contrato de empreitada pressupõe a vinculação do empreiteiro a realizar certa obra, a obter um resultado, mediante o pagamento de um preço, tratando-se de uma modalidade autónoma de prestação de serviço, cujos elementos essenciais são constituídos por (i) o acordo sobre a realização de certa obra (resultado), (ii) mediante um preço, ainda que apenas determinável, e (iii) com autonomia do executante da obra em relação ao dono desta, sendo ainda um contrato sinalagmático e oneroso, de execução instantânea, ainda que prolongada, e não de execução continuada, uma vez que a finalidade dele desejada pelo credor consiste na execução da obra, tornando o tempo um elemento irrelevante, sendo pacifico que à empreitada são aplicáveis as regras especialmente previstas nos artigos 1207º e seguintes do C.C., e as normas gerais relativas ao cumprimento/incumprimento das obrigações que com aquelas não se revelem incompatíveis.
XXIX. O contrato de empreitada em discussão nos autos está firmado entre a autora e a ré AA, e não o réu BB e nos termos dele, está acordado que a autora obrigou-se a executar a obra e a ré a pagar a contrapartida do preço global que consta do orçamento emitido pela autora em 21-4-2017, abatido das parcelas excepcionadas nesse orçamento, desde que aceite pela primeira outorgante através da aposição da sua assinatura nesse orçamento, preço esse a que acresce o Iva à taxa legal, o qual abrange todos os requisitos descritos em caderno de encargos e todos os trabalhos necessários à boa execução das artes, a execução da obra de acordo com os desenhos constantes do caderno de encargos ou de outros a fornecer, todos os trabalhos e fornecimentos que, embora não descritos, sejam considerados normais ou necessários à boa execução e conclusão da obra, quer em materiais, quer em mão-de-obra, tendo-se a autora obrigado a dar apoio a todas as artes referentes a trabalhos e materiais acima excepcionados do orçamento até conclusão do edifício, que o preço é fixo, e não é revisível, seja a que título for, e é sem direito a erros de omissões, que a obra é executada de acordo com o projeto, caderno de encargos e plano de trabalhos entregues à autora, que os trabalhos a mais ou a menos, relativamente aos contratados, não são autorizados, salvo expresso e escrito consentimento da ré AA, com fixação imediata e não revisível do preço deles, que o preço é pago de acordo com as medições efetuadas aos trabalhos pela fiscalização da obra que, após permissão da ré AA, emitirá auto de medição, e do valor em dinheiro será paga, de imediato, metade, sendo a restante metade paga trinta dias após a emissão desse auto, que a autora iniciaria a execução dos trabalhos em 2-5-2017 e findaria os mesmos em 22-2-2018, e nesta data seria feito auto de vistoria para receção provisória dos trabalhos desta empreitada, ocorrendo a receção definitiva 5 anos após a receção provisoria, sendo que, na hipótese de ocorrerem períodos de tempo de atraso na execução das obras referentes às demais artes cuja execução não era da obrigação da autora, o prazo contratual estabelecido seria revisto, e aumentado com os períodos de tempo de atraso, e ainda que qualquer alteração ao contrato somente seria válida se celebrada por escrito assinado pelos contraentes.
XXX. Independentemente do mérito ou não da impugnação da decisão acerca da matéria de facto provada e não provada que os recorrentes pedem nesta apelação, a pretensão da autora do pagamento da fatura nº S01/335 de 8-6-2020 no valor de 18570,65 € deve improceder na íntegra, em face do convénio celebrado na cláusula 5ª do contrato, entre a autora e a ré AA, segundo o qual “Os trabalhos a mais ou a menos, relativamente aos contratados, não são autorizados, salvo expresso e escrito consentimento da primeira outorgante, com fixação imediata e não revisível do preço deles”, o que permite concluir que são vedados/proibidos os trabalhos a mais no âmbito do contrato em apreço, salvo expresso e escrito consentimento da ré AA, com fixação imediata e não revisível do preço deles, sendo certo que, resultando da prova - depoimentos de parte de ré AA e de DD, Legal representante da autora - que existe entre ambos acordo no sentido em que a ré nunca falou ou tratou com a autora, e esta nunca falou com a ré AA à exceção da outorga do contrato de empreitada, à mingua da formalidade ad substanciam consistente no documento escrito, mas sendo certo que não se trata da mera falta do escrito de consentimento prestado da ré AA, cuja nulidade por sua omissão daria causa a uma restituição do prestado em valor, mas sim da falta/omissão do consentimento da ré AA
AA para a execução dos falados trabalhos a mais que a autora faz verter na fatura identificada no ponto 13 de fls. 11 da sentença.
XXXI. Mostrando-se irrelevante qualquer anuência à realização desses trabalhos a mais prestada pelo réu marido, que não tem a faculdade de exercer os direitos da ré AA.
XXXII. A condenação da ré, dona da obra, no pagamento da quantia a esse título mostra-se desapoiada no contrato e na lei, porquanto a ré obrigou-se a pagar à autora unicamente o que ela se obrigou a executar no contrato, em resultado do que, inexiste fonte obrigacional invocada pela autora para lograr o pagamento da fatura por parte da ré AA, inexistindo de igual forma fonte obrigacional invocada pela autora que permita uma condenação do réu BB no pagamento da fatura identificada no ponto 13 de fls. 11 da sentença.
XXXIII. Sem prescindir e caso doutamente se não entenda como exposto, certo é que, em face do mérito da impugnação aqui aduzida da decisão acerca da matéria de facto, mister é de concluir que não assiste direito à autora na reclamação da totalidade do valor que fez exarar nessa fatura, importando eliminar os valores das parcelas de 2631,82 €, que inclui o IVA, a título de montante faturado a mais como fornecimento e aplicação de pedra a mais e de execução de muros de bloco a mais, 2091,00 €, que inclui o IVA, como eliminação do item de execução de alteração frente principal e de 1088,55 € que inclui o Iva, a título de eliminação da execução de rebaixamento de terreno atrás da casa e abertura e tapamento de fossas, mas também importa eliminar os valores de rematar os focos do teto no valor de 162,00€, assentar apainelados nos WC no valor de 135,00€, compor azulejo nas zonas das misturadoras que foram alteradas no valor de 40,00 €, o que tudo soma 337,00 € a que acresce o IVA no montante de 77,51 €, tudo no valor a abater de 414,51 €, e eliminar também o valor de colocar alçapões de acesso ao sótão de 117,00 €, de abrir rotas e colocar tubos para o quintal de 126,00€, de fornecimento e aplicação de tela pitonada de 479,75€, de executar bancadas para os recuperadores de calor, incluindo areia, cimento e tijolo de 197,00 €, de fornecimento e aplicação de guias de remate à tijoleira (da varanda) no valor de 1170,00€, do fornecimento de aplicação de pedra, incluindo impermeabilização (executados a mais 77,41 m2 que o orçamentado), no valor de 3716,55€, do fornecimento e aplicação de muros laterais, encher escadas em betão, aplicar pedra e arear espelhos, no valor de 1000,00 €, da execução de muros de bloco (executados a mais 65,90 m2 que o orçamentado) no valor de 790,80 €, na execução areados nas duas faces do muro (executados a mais 64,31 m2 que o orçamentado) no valor de 578,79 €, da execução de sapatas e pilares para muros no valor de 2041,20 € e na execução de muros de betão (frente aos portões da garagem) no valor de 780,00 €, tudo no valor de 10997,00 € a que acresce Iva no montante de €2529,33, e assim no valor global de 13526,33.
XXXIV. Estes trabalhos não constituem inovação à obra que constitui o objeto mediato do contrato de empreitada, pelo que deviam constar expressamente do orçamento contendo os trabalhos, e revisitando o contrato de empreitada, lê-se no paragrafo segundo da cláusula segunda que O preço é fixo, e não é revisível, seja a que título for, e é sem direito a erros de omissões, pelo que não é exigível à ré ou ao réu o pagamento das acima indicadas quantias por trabalhos que resultam de omissões no orçamento.
XXXV. Importa avaliar do direito da autora a receber integralmente o preço da empreitada, por confronto com a exceção de não cumprimento do contrato aduzido pelos RR, face à não conclusão de todos os trabalhos pela A., tratando-se de um entendimento assaz justo (não se deve condenar no pagamento da totalidade em face do que ainda não foi prestado na totalidade), importa reter que os RR sempre disseram que não pagaram porquanto a obra não está concluída e do que está concluído parte está mal executado e outra parte com defeito, o que consubstancia uma implícita e relevante invocação da exceção prevista no artigo 428º, nº 1 do C.C.
XXXVI. No caso dos autos, vê-se que a autora não cumpriu com a obrigação da entrega da obra bem executada, em face do provado quer no atual ponto 25 quer nas alienas G e H cuja alteração para provado se pede, todas da sentença, sendo certo que as faturas em apreço – as faturas dos pontos 10 e 13 provados da sentença - permitem concluir que a que a obrigação de pagamento do preço em causa não é anterior à entrega da obra, sendo de presumir que o pagamento em causa é proporcional à desvalorização da obra causada pela parte não cumprida por não ter sido executada, ou por ter sido mal executada ou executada com defeito, e sendo esta a situação configurada, a sentença deveria ter optado em não atender a pretensão da autora.
XXXVII. Em face da impugnação do conteúdo da obrigação contida nas faturas, no que respeita aos trabalhos, quer no que respeita às quantias, a obrigação não é líquida, mas também não é exigível, razão pela qual o devedor não está em mora, não havendo lugar à condenação no pagamento de juros de mora.
XXXVIII. Como emerge dos autos, e da matéria de facto provada, a autora obrigou-se a entregar a obra concluída à ré AA em 22-2-2018, tendo feito entrega da obra não concluída, mal executada e executada com defeito em Maio de 2020, e por força dessa conduta da autora, os RR viram-se privados de poder usar as frações, usufruindo plenamente delas, incluindo dá-las de arrendamento, pelo que discute-se, pois, tão só a indemnização autónoma correspondente à simples privação do uso das frações dos RR, em consequência da conduta da autora em entregar a obra em Maio de 2020, quando a deveria ter entregado em 22-2-2018.
XXXIX. Independentemente da justeza do valor colhido do depoimento da testemunha EE (mediadora imobiliária), o certo é que a equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio, pelo que a indemnização pelo dano da privação das frações, caso se não apure através de calculo exato quanto ao concreto dano, deve ser fixada equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566º nº 3 do C.C.
XL. Como apurado, entre 22-2-2018 (data contratual para termo e entrega da obra), e 05-2020 (data da entrega da obra não concluída, mal executada e com defeitos), mediaram 26 meses, e tratando-se de duas frações - moradias em banda, cada uma de 3 frentes - com jardins adjacentes, cuja área construtiva e demais elementos integrantes estão nos autos, mostra-se equitativo fixar em 800,00 € por cada moradia, o valor mensal de privação de uso, e assim o valor de 41600,00 € (800,00 + 800,00 x 26 meses), correspondente a um período de 26 meses de paralisação a indemnização por aquele dano da privação do uso das frações.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos 2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a construção de edifícios residenciais e não residenciais; construção de outras obras de engenharia civil; atividades de engenharia e técnicas afins; construção de estradas e pistas de aeroportos; construção de vias férreas; construção de pontes e túneis; construção de redes de transporte de águas, de esgotos e de outros fluídos; construção de redes de transporte e distribuição de eletricidade e redes de telecomunicações; compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim; actividades de Mediação Imobiliária; promoção Imobiliária e desenvolvimento de projetos de edifícios, actividade que exerce de forma sistemática e habitual e com fins lucrativos.
2. No exercício dessa sua actividade comercial, a autora foi contactada pelos réus para apresentar orçamento para proceder à construção de uma habitação bifamiliar de rés-do-chão e primeiro andar, em prédio daqueles, sito na Av. Principal ..., ..., ..., que consta dos documentos 1 a 6, que já contêm e são referentes a alterações efectuadas no decurso da obra, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
3. Em 21.04.2017, a autora apresentou orçamento, com mapa discriminativo dos trabalhos a executar, cujo valor global ascendia a 111.577.71 €, a que acrescia IVA à taxa legal em vigor, conforme documento 7, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
4. Na sequência desse orçamento, os réus pretenderam excluir os trabalhos e materiais discriminados no mesmo nas rubricas 12.1; 12.3; 13.1; 16.1 e 16.2, bem como parte do 12.2 e 16.4, conforme documentos 7 e 8 da PI, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido.
5. Tendo em 02.05.2017 sido celebrado um contrato de empreitada, pelo qual se obrigou à construção da dita habitação bifamiliar, pelo preço global de 95.901,11 €, conforme documento 8, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
6. A autora obrigou-se a executar os trabalhos definidos no contrato e orçamento e sempre sob as ordens, direcção e fiscalização do réu marido, que acompanhava a obra e era quem definia os pormenores construtivos e decidia caso a caso os materiais a utilizar e as obras a executar.
7. A obra sofreu diversos atrasos na construção quer por falta de licença de obras válida, quer por falta de ligação eléctrica, quer por atrasos na concessão de licença para construção de muro a confrontar com a Estrada Nacional e por alterações posteriores introduzidas ao nível da frente e telhados da habitação.
8. A autora executou todas as obras a que estava obrigada pelo contrato e orçamento anexo, tendo concluído e entregue a mesma no início de Maio de 2020.
9. À medida que iam sendo executados os trabalhos, autora e réus procediam à contabilização dos trabalhos executados.
10. Relativamente ao contrato, os réus não liquidaram a última factura, n.º S01/334, datada de 08 de Junho de 2020, no valor de 11.956,83 €, que respeitava a trabalhos de pintura interiores e construção de muros exteriores e se vencia na data da sua emissão, conforme documento 9, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
11. Durante a execução da obra, os réus solicitaram à autora que, além do orçamentado e contratado, fornecesse materiais e executasse os seguintes trabalhos:
- 2 sacos de cimento e areia para aplicação de bases
- 2 sacos de cimento e areia para as caixas do jardim
- 20 sacos de cimento e 1,5 m3 areia para fossas e casas de banho
- 2 tubos pvc para ar condicionado
- Rematar focos tecto
- Colocar alçapões de acesso ao sótão
- Abrir rotas e colocar tubos para o quintal
- Fornecimento e aplicação de tela pitonada
- Executar bancadas para os recuperadores de calor, incluindo areia, cimento e tijolo
- Assentar apainelados nos WC
- Compor azulejos nas zonas das misturadoras (após os terem partido)
- Fornecimento e aplicação de pedras para os passos e patamar e arear espelhos
- Fornecimento e aplicação de guias de remate à tijoleira (da varanda)
- Fornecimento de aplicação de pedra, incluindo impermeabilização (executados a mais 77,41 m2 que o orçamentado)
- Fornecimento e aplicação de muros laterais, encher escadas em betão, aplicar pedra e arear espelhos
- Execução de muros de bloco (executados a mais 65,90 m2 que o orçamentado)
- Execução areados nas duas faces do muro (executados a mais 64,31 m2 que o orçamentado)
- Execução de sapatas e pilares para muros
- Execução de muros de betão (frente aos portões da garagem)
- Demolição de parte existente, construção de pilares, vigas e lage, assentamento de blocos e revestimento em reboco, capoto e pintura
- Execução de rebaixamento do terreno atrás da casa e abertura e tapamento das fossas e colocação de argolas, conforme documento 10, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
12. Os réus solicitavam o fornecimento dos materiais e a execução dos trabalhos, ao que a autora fornecia estimativa de custo e aqueles ordenavam a sua execução.
13. Esses materiais e trabalhos foram facturados através da factura n.º S01/335, de 08.06.2020, no valor de € 18.570,65 com IVA, com vencimento imediato, conforme documento 11, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido, que apesar de solicitado, os RR. não procederam ao seu pagamento.
14. Não obstante no contrato de empreitada figurar como contraente somente a ré mulher, o certo é que o mesmo foi negociado com ambos os réus, que se obrigaram pelo mesmo, sendo o réu marido quem negociava, contratava e pagava, tendo as obras decorrido num bem do casal, que ficou valorizado em consequência das mesmas.
15. O Engenheiro CC auxiliou os RR. na elaboração do último projecto para a obra em causa.
16. A obra teve licença de construção e electricidade em alguns dos períodos da sua execução, como consta dos documentos 4 e 5 a 7 da contestação, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
17. Entre a A. e os RR. houve troca de correspondência, como consta dos documentos 8 e 11 a 16 da contestação, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
18. Dos trabalhos contratados estavam excluídos trabalhos de electricidade, pichelaria, carpintaria e serralharia (alumínios).
19. O carpinteiro e serralheiro só concluíram a sua parte da obra em meados de 2019, o que impediu a R. de concluir de imediato a obra, nomeadamente com aplicação de tijoleiras, pinturas e remates finais.
20. Para executar o muro que confrontava com a Estrada Nacional (ponto 15.3 do orçamento) era necessária a autorização/licença das Infraestruturas de Portugal, sendo que a sua obtenção competia aos RR., que só a obtiveram em 13/12/2019, conforme doc. 1 da réplica, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido e só a partir dessa data a A. poderia construir esse muro e o lateral que rematava com o mesmo.
21. Foram introduzidas alterações ao nível da parte frontal da habitação e telhados, com alteração do projecto, que implicou a demolição do já construído.
22. As terras sobrantes foram depositadas em terrenos dos RR. por ordem e indicação do R..
23. Os armários em chapa e divisão de depósito não estavam incluídos no contrato.
24. Os RR. deram a obra por concluída junto da Câmara Municipal ..., utilizaram as vivendas, sendo uma delas habitada pela sua filha e seu agregado familiar e tendo vendido a outra habitação, como consta do doc. junto a 09/11/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
25. Dos trabalhos realizados pela A. é necessário corrigir as humidades na casa do gás da fracção A e proceder à correcção do muro divisório entre as moradias da fachada principal, na parte que está deslocado do muro da rua.
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2.2. Factos Não Provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
A. O engenheiro CC tinha na sua posse o contrato e os valores acordados entre as partes.
B. Os muros contratados são os que constam da planta de implantação junta como doc. 1 da contestação e doc. junto em acta de 15/11/2023.
C. Previamente à outorga do contrato, a R. fez a entrega à A. de todos os documentos relativos à obra, designadamente, cópia integral do projecto aprovado e especialidades para execução dessa obra.
D. A R. não procedeu ao pagamento da factura S01/334, porque a A. não concluiu os trabalhos, nem corrigiu os defeitos na sapata, em parte demasiado alta, bem como no muro de vedação em betão a vista de dupla face, que teria de ser rebocado.
E. O muro a confrontar com a EN foi objecto de um outro contrato de empreitada e não existiram alterações ao nível da frente e telhados da habitação.
F. Os RR. não autorizaram verbalmente os trabalhos a mais que, de qualquer forma, estão contidos no orçamento.
G. Ainda hoje a autora não findou os trabalhos de execução da empreitada, designadamente (a) as terras sobrantes não foram a vazadouro, pois estão depositadas em terrenos contíguos à obra donde devem ser retiradas, e (b) a colocação de armários em chapa (exterior) e a divisão do depósito das garrafas com o balão, que eram atos de execução de empreitada que competiam à autora dentro do ponto 14.1 do orçamento, não estão executados.
H. Existem trabalhos mal executados que importam: a retificação das pinturas exteriores das moradias, ao nível do 1º andar, e as interiores ao nível do r/c e 1º andar, por se mostrarem danificadas; a execução de um muro lateral às sapatas para corrigir o desnível relativamente à zona de pavimentação; a demolição, nas partes salientes, das sapatas das moradias na zona dos logradouros, com reboco das paredes afetadas pela intervenção; a execução dos remates de todos os cerâmicos aplicados nas moradias; a correção das fissuras existentes nos muros traseiros/posteriores das moradias, o que a autora não fez até hoje e impedem a conclusão da obra.
I. Os réus sempre destinaram as frações deste imóvel, cuja edificação contrataram à autora, ao mercado de arrendamento, com vista a angariarem rendimentos que melhorem a sua qualidade de vida na velhice.
J. A fim de obviar à vandalização da obra abandonada e inacabada pela autora, a ré viu-se na necessidade de pedir à sua filha que estabelecesse temporariamente residência dela e do agregado familiar dela numa das frações do imóvel, para o que ela teve que abandonar a sua residência habitual, com os inerentes prejuízos a reclamar em ação própria.
K. Por força da actuação da A., os réus ficaram impossibilitados de dar de arrendamento a terceiro as duas habitações do imóvel, e com isso auferir da contrapartida da cedência desse uso, gozo e fruição, o que acontece desde 22-2-2018 e até hoje.
L. As frações não estão concluídas nesta data e não têm licença de utilização.
M. À data de 22-2-2018 e ainda hoje, cada uma das duas frações do imóvel em apreço tem um valor locativo mensal de, pelo menos, €800,00.
N. Os trabalhos/materiais referidos nos documentos juntos a 21/08/2023 e 29/01/2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, eram da responsabilidade da A. e estavam incluídos no orçamento/contrato.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso: 4.1. Da impugnação da Matéria de facto
Os apelantes, em sede recursiva, manifestam-se discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto tida por provada nos pontos 2, 4, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17 e 24 e da factualidade tida por não provada nas alíneas C), G), H), I) e M).
Consta dos referidos pontos da factualidade tida por provada a seguinte factualidade: “(…) 2. No exercício dessa sua actividade comercial, a autora foi contactada pelos réus para apresentar orçamento para proceder à construção de uma habitação bifamiliar de rés-do-chão e primeiro andar, em prédio daqueles, sito na Av. Principal ..., ..., ..., que consta dos documentos 1 a 6, que já contêm e são referentes a alterações efectuadas no decurso da obra, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido. 4. Na sequência desse orçamento, os réus pretenderam excluir os trabalhos e materiais discriminados no mesmo nas rubricas 12.1; 12.3; 13.1; 16.1 e 16.2, bem como parte do 12.2 e 16.4, conforme documentos 7 e 8 da PI, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido. 6. A autora obrigou-se a executar os trabalhos definidos no contrato e orçamento e sempre sob as ordens, direcção e fiscalização do réu marido, que acompanhava a obra e era quem definia os pormenores construtivos e decidia caso a caso os materiais a utilizar e as obras a executar. 8. A autora executou todas as obras a que estava obrigada pelo contrato e orçamento anexo, tendo concluído e entregue a mesma no início de Maio de 2020. 9. À medida que iam sendo executados os trabalhos, autora e réus procediam à contabilização dos trabalhos executados. 10. Relativamente ao contrato, os réus não liquidaram a última factura, n.º S01/334, datada de 08 de Junho de 2020, no valor de 11.956,83 €, que respeitava a trabalhos de pintura interiores e construção de muros exteriores e se vencia na data da sua emissão, conforme documento 9, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido. 11. Durante a execução da obra, os réus solicitaram à autora que, além do orçamentado e contratado, fornecesse materiais e executasse os seguintes trabalhos: - 2 sacos de cimento e areia para aplicação de bases - 2 sacos de cimento e areia para as caixas do jardim - 20 sacos de cimento e 1,5 m3 areia para fossas e casas de banho - 2 tubos pvc para ar condicionado - Rematar focos tecto - Colocar alçapões de acesso ao sótão - Abrir rotas e colocar tubos para o quintal - Fornecimento e aplicação de tela pitonada - Executar bancadas para os recuperadores de calor, incluindo areia, cimento e tijolo - Assentar apainelados nos WC - Compor azulejos nas zonas das misturadoras (após os terem partido) - Fornecimento e aplicação de pedras para os passos e patamar e arear espelhos - Fornecimento e aplicação de guias de remate à tijoleira (da varanda) - Fornecimento de aplicação de pedra, incluindo impermeabilização (executados a mais 77,41 m2 que o orçamentado) - Fornecimento e aplicação de muros laterais, encher escadas em betão, aplicar pedra e arear espelhos - Execução de muros de bloco (executados a mais 65,90 m2 que o orçamentado) - Execução areados nas duas faces do muro (executados a mais 64,31 m2 que o orçamentado) - Execução de sapatas e pilares para muros - Execução de muros de betão (frente aos portões da garagem) - Demolição de parte existente, construção de pilares, vigas e lage, assentamento de blocos e revestimento em reboco, capoto e pintura - Execução de rebaixamento do terreno atrás da casa e abertura e tapamento das fossas e colocação de argolas, conforme documento 10, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido. 12. Os réus solicitavam o fornecimento dos materiais e a execução dos trabalhos, ao que a autora fornecia estimativa de custo e aqueles ordenavam a sua execução. 13. Esses materiais e trabalhos foram facturados através da factura n.º S01/335, de 08.06.2020, no valor de € 18.570,65 com IVA, com vencimento imediato, conforme documento 11, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido, que apesar de solicitado, os RR. não procederam ao seu pagamento. 14. Não obstante no contrato de empreitada figurar como contraente somente a ré mulher, o certo é que o mesmo foi negociado com ambos os réus, que se obrigaram pelo mesmo, sendo o réu marido quem negociava, contratava e pagava, tendo as obras decorrido num bem do casal, que ficou valorizado em consequência das mesmas. 15. O Engenheiro CC auxiliou os RR. na elaboração do último projecto para a obra em causa. 17. Entre a A. e os RR. houve troca de correspondência, como consta dos documentos 8 e 11 a 16 da contestação, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido. 24. Os RR. deram a obra por concluída junto da Câmara Municipal ..., utilizaram as vivendas, sendo uma delas habitada pela sua filha e seu agregado familiar e tendo vendido a outra habitação, como consta do doc. junto a 09/11/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”
Consta das referidas alíneas dos factos não provados a seguinte factualidade: “C. Previamente à outorga do contrato, a R. fez a entrega à A. de todos os documentos relativos à obra, designadamente, cópia integral do projecto aprovado e especialidades para execução dessa obra. G. Ainda hoje a autora não findou os trabalhos de execução da empreitada, designadamente (a) as terras sobrantes não foram a vazadouro, pois estão depositadas em terrenos contíguos à obra donde devem ser retiradas, e (b) a colocação de armários em chapa (exterior) e a divisão do depósito das garrafas com o balão, que eram atos de execução de empreitada que competiam à autora dentro do ponto 14.1 do orçamento, não estão executados. H. Existem trabalhos mal executados que importam: a retificação das pinturas exteriores das moradias, ao nível do 1º andar, e as interiores ao nível do r/c e 1º andar, por se mostrarem danificadas; a execução de um muro lateral às sapatas para corrigir o desnível relativamente à zona de pavimentação; a demolição, nas partes salientes, das sapatas das moradias na zona dos logradouros, com reboco das paredes afetadas pela intervenção; a execução dos remates de todos os cerâmicos aplicados nas moradias; a correção das fissuras existentes nos muros traseiros/posteriores das moradias, o que a autora não fez até hoje e impedem a conclusão da obra. I. Os réus sempre destinaram as frações deste imóvel, cuja edificação contrataram à autora, ao mercado de arrendamento, com vista a angariarem rendimentos que melhorem a sua qualidade de vida na velhice. M. À data de 22-2-2018 e ainda hoje, cada uma das duas frações do imóvel em apreço tem um valor locativo mensal de, pelo menos, €800,00.” Pugnam os Apelantes que o ponto 6º seja alterado para a seguinte redacção: “6. A autora obrigou-se a executar os trabalhos definidos no contrato e orçamento que foram fiscalizados do réu marido, que acompanhava a obra.”. Defendem, ainda, que o ponto 14º seja, também, alterado para a redacção seguinte: “14. Não obstante no contrato de empreitada figurar como contraente a ré mulher que se obrigou pelo mesmo, o certo é que o mesmo foi negociado pelo réu, tendo as obras decorrido num bem do casal, que ficou valorizado em consequência das mesmas.”.
No que tange aos pontos 2º, 4º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º e 17º referem que relativamente ao ponto 17º, onde é dito que “Entre a A. e os RR. houve troca de correspondência, como consta dos documentos 8 e 11 a 16 da contestação, (...)”, constam dois lapsos que devem ser rectificados, ou seja:
(i)os documentos referidos consubstanciam correspondência trocada entre a A. e a ré AA (não com o R. BB),
(ii) os documentos são os documentos 8 e 11 a 13, e não 11 a 16. Rogam, ainda, a eliminação da referência à ré AA.
Pugnam, também, que o ponto 2 passe a ter a seguinte redacção: “2. No exercício dessa sua actividade comercial, a autora foi contactada pelos réus para apresentar orçamento para proceder à construção de uma habitação bifamiliar de rés-do-chão e primeiro andar, em prédio daqueles, sito na Av. Principal ..., ..., ..., que consta dos documentos 1 a 6, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.”.
Solicitam, igualmente, que seja eliminado em parte o teor do ponto 8º, passando a ter a seguinte redacção: “8. A autora deu por concluída a obra e entregue a mesma no início de Maio de 2020”.
Defendem, ainda, a eliminação dos factos que constam dos números 11, 12 e 13.
Pugnam, também, que o ponto 24.º passe a ter a seguinte redacção: “24. Os RR. utilizaram as vivendas, sendo uma delas habitada pela sua filha e seu agregado familiar e tendo vendido a outra habitação, como consta do doc. junto a 09/11/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”.
Defendem, ainda, que a alínea C) dos factos não provados passe a ter a seguinte redacção: “C. A obra será executada de acordo com o projecto, caderno de encargos e plano de trabalhos entregues à autora.”.
Relativamente à factualidade que consta das alíneas G) e H), pugnam que sejam modificadas as respostas dadas às referidas alíneas, de forma a ter-se por provado que: “É necessário depositar as terras em vazadouro, colocar nova divisão para separar o balão do local das garrafas de gás, reparar as paredes do local onde se encontra a instalação de gás que possuem patologias de infiltração de água, reparar o muro divisório em blocos que está descolado do muro de betão, colocar a pingadeira na guia de remate da varanda, eliminar os escorridos (carbonatação) na laje da varanda, e reparar a pintura, reparar as pinturas do interior nos remates entre o rodapé-parede, reparar a sapata do muro que possui largura superior à elevação do muro, o que impede o seu recobrimento em cubo de granito, colocando a cota da sapata inferior à atual, de forma a permitir o seu recobrimento com o pavimento em cubos de granito, reparar os locais da cozinha onde o pavimento cerâmico possui deficiente suporte, identificado por um som oco, ao batimento, reparar e corrigir a microfissuração do reboco dos muros de blocos do logradouro posterior.”.
Relativamente às alíneas I) e M), defendem que seja dado como provado que: “I. Os réus sempre destinaram as frações deste imóvel, cuja edificação contrataram à autora, ao mercado de arrendamento.”
E que, “M. À data de 22-2-2018 e ainda hoje, cada uma das duas frações do imóvel em apreço tem um valor locativo mensal de, pelo menos, €800,00.”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos recorrentes e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que a Senhora Juiz a quo motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova: “Para dar como provada a matéria supra referida o Tribunal considerou os factos não impugnados e aceites pelas partes e provados documentalmente, aqui dados como provados de 1º a 5º, 17º e 18º (no segmento aceite pelas partes), designadamente, quanto ao orçamento e contrato de empreitada celebrado, correspondência trocada e trabalhos excluídos. Considerou-se, também, a prova documental junta aos autos, designadamente: • O processo apenso da Câmara Municipal ..., com as alterações surgidas no projecto inicial e as datas em que ocorreram, o que também se pôde aferir pelos demais documentos juntos aos autos (cfr., por exemplo, o doc. 4 da contestação). • As imagens juntas como docs. 1 a 6 da PI, sendo certo que as mesmas dizem respeito a uma altura da obra posterior à inicial, como referido pela testemunha CC, já com as alterações introduzidas na obra (facto 2º dado como provado). • O orçamento junto como documentos 7 da PI e 3 da contestação que, como explicado em audiência de julgamento, não só pelo legal representante da A., como pela testemunha CC, foi elaborado a mando do R., que o entregou à A., que só colocou os valores (factos 3º, 4º, 11º, 18º, 21º, 23º dados como provados e als. B), E), F), N) dos factos não provados). • O contrato de empreitada celebrado entre as partes, junto como doc. 8 da PI e doc. 2 da contestação, para prova de parte dos factos 5º, 11º, 18º, 21º, 23º dados como provados e als. B), E), F), N) dos factos não provados (designadamente quanto ao que estava ou não incluído no contrato). • A factura junta como doc. 9 da PI, relativamente a parte da obra realizada no âmbito do contrato e que os RR. não pagaram (facto 10º dado como provado). • A carta e factura juntas como documentos 10 e 11 da PI, relativamente aos trabalhos extra peticionados verbalmente pelos RR. e que não pagaram (factos 11º a 13º dados como provados). • O documento 4 da contestação, quanto ao alvará de licença de construção, com as respectivas prorrogações de prazo, assim como os docs. 5 a 7 da contestação, relativamente à EDP, todos para prova do facto 16º dado como provado e que comprovam, no fundo, que parte dos atrasos na obra disseram efectivamente respeito aos RR. e são da sua responsabilidade, desde as licenças que atrasaram ou que caducaram, devido a situações criadas pelos RR., nomeadamente quanto à falta de regularização atempada, o que foi necessário corrigir através da intervenção do engenheiro CC, tentando fazer ‘renascer’ um projecto que estava praticamente sem efeito, o que levou, também, a que muitas das vezes houvesse cortes de electricidade, precisamente pela falta dessas licenças (tudo para prova, também, de parte das alíneas D), L) dos factos não provados). • Os documentos 8 e 11 a 16, relativamente à correspondência trocada entre as partes, numa fase de discordância, afastando sempre a A. quer os defeitos invocados, quer a alegada resolução contratual dos RR. sem motivação efectiva (facto 17º dado como provado). • O documento junto com a réplica em relação às Infraestruturas de Portugal e à necessária licença, que era da responsabilidade dos RR. e que afasta qualquer responsabilidade da A. em atrasos na realização e conclusão do muro frontal, que também fazia parte do orçamento (facto 20º dado como provado). • O documento de compra e venda da fracção B junto a fls. 114 e ss., com recurso a empréstimo bancário, para prova do facto 24º e als. D), G), E), K), L) dos factos não provados. • O relatório pericial junto aos autos a fls. 144 e ss. e os esclarecimentos de fls. 163 e ss. (para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 11º, 13º, 18º a 25º e als. B), G), H), K), L), N) dos factos não provados), que foi posteriormente confirmado e explicado em audiência de julgamento pelo sr. perito, de onde é possível aferir, designadamente, os trabalhos realizados a mais, por confronto entre o que não estava previsto no orçamento e o que consta no local (o que foi bem explicitado no relatório, em esclarecimentos pelo sr. perito, pelas testemunhas trabalhadores da A., além do seu legal representante e da testemunha comum, engenheiro CC, comprovando-se integralmente o facto 11º dado como provado), com excepção de algumas partes que não conseguiu ver, mas que se admitem tecnicamente, como as sapatas e outras como argolas nas fossas (por estarem fechadas) e se houve necessidade de alguma demolição (por a ela não ter assistido), mas que foram elementos confirmados por outras testemunhas (tal como referido), além de algumas das medidas efectuadas irem além do peticionado na factura dos trabalhos extra, mas que não invalida, como é óbvio (e antes pelo contrário), a realização dos mesmos (designadamente quanto aos areados e considerando que quanto a parte do muro em betão, em frente às garagens, tal medida e trabalho extra foi mesmo aceite pelos RR. em audiência de julgamento de 26/09/2023). Explicou-se, ainda, que os trabalhos das especialidades condicionam o trabalho do empreiteiro, nomeadamente quanto à finalização da obra, como as pinturas e remates finais. Quanto às deficiências imputáveis ao empreiteiro, confirmou as infiltrações de água nas paredes do local da instalação do gás, assim como a deslocação do muro divisório do de betão da parte da frente. No mais, quanto aos remates de pintura, não foi possível aferir se eram contemporâneos do termo da obra ou ocorridos posteriormente (não só pelo que consta das fotografias em causa, mas também porque aquando da recepção da obra nada se alegou) e, da mesma forma, as microfissuras dos muros não podem ser consideradas como defeito de obra ou má execução da mesma, quer pela explicação que deu em julgamento, quer pelo que é considerado pelas legis artis, devendo-se, designadamente, ao processo natural de secagem dos produtos e que faz parte da sua posterior manutenção. Da mesma forma, não tendo sido contratada a colocação de pingadeira na parte exterior da varanda, os escorridos são algo de ocorrência habitual, quando se opta por esta técnica construtiva. E quanto ao murete/muro de granito junto do muro de vedação, não sendo da responsabilidade da A. a alteração das cotas, também não poderá ser responsável pelo seu pagamento (conforme se afere do depoimento esclarecedor e isento do engenheiro CC, que acompanhou a obra e tem boa relação quer com a A., quer com os RR., quando refere que as cotas não estavam definidas). No que respeita aos remates do cerâmico, o sr. perito não detectou defeitos, que era a única matéria peticionada quanto aos mesmos (nos remates e não na parte que refere que alguns soam a oco), além de que quanto à falta de limpeza de alguns, também não foi possível aferir se isso se deveu à sua aplicação, ou às restantes artes que lá operaram (daí essa parte da matéria dada como não provada). • As facturas de carpintaria e serralharia, juntas pelos RR. a 17/09/2023, comprovam também a versão da A., de que essas especialidades se atrasaram e que sem elas não era possível concluir a obra, pois só depois disso é possível fazer certos serviços, nomeadamente as pinturas finais interiores (como é das legis artis e foi confirmado pelo sr. perito e testemunhas trabalhadores da A. e também pelo engenheiro CC) - tudo para prova de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 7º, 8º, 18º, 19º. • O livro de obra, cujas cópias foram juntas a 18/10/2023, com termo de encerramento e assinado pela R. e pelo legal representante da A., confirmando a conclusão das obras (com qualidade satisfatória, sem indicação de qualquer problema), além de conter a sua evolução (nomeadamente quanto à serralharia e carpintaria e sua entrada em obra, esta última, por exemplo, em 18/02/2019), sendo certo que com pedidos de alteração/aditamento de obras/licença em Fevereiro de 2018 e com aprovação em data posterior, não seria, como é óbvio, possível a conclusão da obra em Fevereiro de 2018 (como consta do contrato), não sendo imputáveis à A. essas alterações solicitadas, nem os respectivos atrasos (parte dos factos provados 2º a 5º, 7º, 8º, 11º, e das als. D), G), H), J), K), L) dos factos não provados). A planta junta como doc. 1 da contestação assim como o doc. junto (planta) na audiência de julgamento de 15/11/2023, não reflectem a versão final do projecto que foi apresentado na Câmara, tal como referiu o engenheiro CC, pelo que existiram alterações e extras que a A. teve de contabilizar. Também os documentos 9 e 10 da contestação quanto ao muro e os docs. juntos a 21/08/2023 (facturas e cheques) e os que foram juntos em 29/01/2024, não comprovam qualquer responsabilidade da A., quer na correcção da sapata (até porque quando realizou o muro não havia definições de cotas), nem relativamente a qualquer reboco ou à separação do local do gás (porque o contratado não foi qualquer caixa em chapa, que naturalmente teria de ser especificada, ao contrário do habitual em alvenaria, tal como adiantado também pela testemunha FF) - factos 2º a 5º, 23º dados como provados e al. N) dos factos não provados. Os documentos juntos pelas partes a 03 e 16/12/2020 dizem respeito a outro serviço realizado pela A., relativamente à parte exterior de outros terrenos que o os RR. têm no mesmo local, existência confirmada por diversas testemunhas, designadamente GG e HH (genro dos RR.). Os documentos das sucessivas ligações/cortes de electricidade, não são incompatíveis entre si e apenas traduzem o constante ligar/desligar de tal instalação, como consta de fls. 92, 95 e 108, o que constituiu tudo causa de atrasos, em conjunto com outros factores já enumerados, designadamente, de alterações a pedido dos RR., do atraso nas licenças e de atrasos nas concretização das especialidades, que levaram a que a A. não pudesse concluir os seus trabalhos no prazo acordado (as facturas juntas na audiência de 08/01/2024 reflectem tal realidade, não imputável à A.). Em esclarecimentos, o sr. perito, II (para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 11º, 13º, 18º a 25º e als. B), G), H), K), L), N) dos factos não provados), engenheiro civil, teve um depoimento esclarecedor, com conhecimentos técnicos adequados, tendo realizado a análise do primeiro projecto e do posterior e daquilo que encontrou na obra, confirmando (parte dos trabalhos a mais, cujo preço foi explicado pelo legal representante da A. e pela testemunha sua funcionária, JJ, quanto à forma como são realizados os orçamentos/facturas): as alterações ao nível do alçado frontal (depois peticionado como extra, tendo, aliás, as testemunhas funcionários da A., assim como o engenheiro CC, confirmado a parte da obra que teve de ser demolida, e a que os RR., como é óbvio, não podiam ser alheios); assim como a inexistência de referência a cotas do terreno; que no projecto não constavam os muros que se fizeram dentro do terreno (sem ser os muros delimitadores da propriedade) e as escadas, e que esse muro tem de ter fundações (embora não estejam visíveis), senão estaria com fissuras (porque quando referiu microfissuras era do reboco, o que é diferente de uma fissura); quanto à tela pitonada no tardoz dos muros de aterro diz que tem; que há muros areados das duas faces e um deles só por um lado (no que se pode ver); muros de betão em frente à garagem das casas (que é diferente do muro para a rua), que não constavam do projecto inicial (acabando depois o R., em julgamento, por aceitar a parte desse muro em betão que foi construída a mais e consta da factura S01/335: 13 metros a € 60,00 a que acresce o IVA; na verdade, os trabalhos a mais que, como se verá, foram solicitados pelos RR., não estavam nem no mapa de quantidades ou orçamento, porque nem sequer havia o projecto dessa parte, como confirmado pela testemunha CC). No mais, o sr. perito confirmou o relatório pericial por si apresentado. No que se refere aos depoimentos de parte, a R. AA (para prova de parte dos factos 6º e 14º dados como provados), acabou por confirmar que era o marido que tratava de tudo e que os papéis constam em nome dela, porque o terreno estava em nome dela. Quanto ao mais, não adiantou pormenores, ‘desresponsabilizando-se’ em relação à situação, referindo nada saber. Quanto ao R. marido, BB (parte dos factos provados 2º a 11º, 14º, 18º a 22º, 25º), teve um depoimento incoerente e pouco consentâneo com a realidade, desde logo quando afirma que o empreiteiro fez algumas coisas porque quis, designadamente ao colocar materiais mais caros e ao decidir questões que só ao dono da obra competem e que se veio a verificar que foi o próprio que pediu (conforme depoimento da testemunha CC e das testemunhas trabalhadores da A., bem como depoimento de parte do legal representante da A., tudo como infra se analisará) e não porque o empreiteiro que ‘se lembrou de fazer’ (até porque foi referido por várias testemunhas que o R. era uma pessoa muito presente na obra, que a acompanhava e ‘dirigia’ activamente na parte que lhe competia, como dono da obra que era). Quanto aos alegados atrasos na obra, referiu que houve atrasos por causa de ‘licenças interrompidas’ que aceita que são da responsabilidade dos RR., mas que terá havido atrasos do empreiteiro, sem, contudo, saber especificar os mesmos (e que não se comprovaram). No que concerne a hipotéticos defeitos, foi referindo a sua opinião sobre o que faltaria, o que não foi confirmado nesses termos pela restante prova (designadamente a pericial, que só confirmou uma parte). Relativamente a hipotético arrendamento das fracções, nem sequer tem conhecimento do mercado de arrendamento, nunca tendo chegado a arrendar tais habitações. Acabou por confirmar que foi ele que negociou o orçamento e o contrato de empreitada, bem como a alteração que houve ao projecto, uma vez que o inicial era de 2009, referindo que era um ‘aditamento’, o que, no decurso do julgamento se verificou, nomeadamente através do depoimento da testemunha CC (engenheiro que acompanhou a obra e que teve um depoimento completamente desinteressado e isento), é que os RR. tinham uma licença ‘caducada’ e que pretenderam ‘dar andamento’ à mesma. Precisamente em relação aos trabalhos a mais, o seu depoimento é disperso e incoerente, nomeadamente quanto às bancadas dos recuperadores de calor, querendo fazer crer que a A. teria de as fazer, mesmo que não estivesse no projecto, mas quando olhamos para as imagens verificamos que não são umas bancadas quaisquer, pois têm um efeito estético, não contratado inicialmente (como referiu a testemunha CC, além do legal representante da A.) e cujo custo, naturalmente, o empreiteiro não é obrigado a suportar, nem é obrigado a realizar a abertura de um alçapão, pois há casas que têm e outras que não têm (referindo quanto ao alçapão ‘não estava previsto, mas o sr. DD fez porque quis e porque ele próprio sr. DD precisava de lá ir’, algo que não foi confirmado por quem quer que seja). E o mesmo se diga em relação à pedra aplicada nas escadas que o R. não quis pagar, alegando que não encomendou nada, mas confirma que a pedra está lá, assim como as guias de remate à tijoleira, dizendo sempre que não encomendou nada (‘ele ia-me dizendo que havia uma série de coisas, mas eu não sabia o que era’), o que foi contrariado pela restante prova, não só pelo engenheiro CC e demais testemunhas, ao referirem como funcionam os remates à tijoleira (que é feito com a própria tijoleira), como pelo legal representante da A., ao referir que lá colocou o remate em pedra, mais caro, porque o R. lhe pediu, por ficar melhor. Confirmou que o empreiteiro acabou por compor azulejos de uma casa de banho, face à alteração da misturadora, o que, como é evidente, não tem de ser suportado pelo empreiteiro, que não deu causa a tal situação. Mais referiu, que parte dos muros divisórios não estavam previstos no orçamento, nem o frontal, que dependia de autorização das Infraestruturas de Portugal (que demorou), algo que não resultou da restante prova produzida, nomeadamente do engenheiro CC. Acabou por confirmar que ficou, pelo menos, um mês ou dois sem licença e que nesses casos a EDP corta a luz e sem a electricidade a obra teve de parar (confirmando, assim, atrasos não imputáveis ao empreiteiro). Quanto às especialidades, atestou que as mesmas não estavam incluídas no orçamento, designadamente, de carpintaria e serralharia e que concluíram a sua parte ‘quando puderam’ (mais ou menos em meados de 2019), sendo certo que é da experiência comum a questão levantada pelos problemas de dispersão em obra das diversas especialidades, não só porque ‘uns ficam à espera dos outros’, como também porque ‘empurram as responsabilidades para cima dos outros’ quando há atrasos ou defeitos. No que se refere ao muro, diz que a tela pitonada não estava prevista, mas que também não era necessária e as guias de remate em granito não estavam previstas e a pedra para a fachada foi a A. que a forneceu. Quanto ao portão e à cota do terreno e da implantação, foi referindo que tiveram de alterar e que a responsabilidade era da A., contudo, confirmou que a cota não constava do projecto, logo, a A. não podia obedecer a algo que não conhecia, que não tinha e que não lhe foi adjudicado. Por outro lado, a forma de funcionamento do portão foi mudada (porque é diferente ser a abrir um pouco para cima, do que ser a abrir sem elevação), pelo que é natural que o chão não pudesse ficar da mesma forma, mas essa alteração não pode ser imputada à A.. No que respeita às terras retiradas, refere que foram deitadas nos terrenos que também são seus, embora refira que era para ir para vazadouro, versão completamente contrariada pela testemunha GG, que refere que foram colocadas onde o R. indicou, e até pela testemunha HH, genro dos RR., que sempre foi adiantando ‘sei que o meu sogro aproveita muita terra para outras coisas’. Acresce que o R. nunca chegou a explicar bem a situação do primeiro projecto em 2009 e depois um aditamento em 2017 (o que só se percebeu com a prova testemunhal, nomeadamente, o depoimento do engenheiro CC), fazendo umas tentativas de explicações parcelares, que ficaram longe da realidade. Acresce que, todos os trabalhos a mais, além do material que foi aplicado a mais, também tem de ser contabilizado, pois ainda que pareça que ‘é pouca coisa’, ‘é uma pequena mudança’, o certo é que é um extra que tem de ser pago. Além do mais, tais trabalhos nunca poderiam considerar-se incluídos nos ‘trabalhos necessários à boa execução da obra’, até porque não são trabalhos incluídos nos já contratados, em que o empreiteiro apenas tem de os fazer bem, e nem se diga que o empreiteiro teria de os fazer porque do contrato consta que tem de fazer os trabalhos necessários à boa execução das artes, porque isso tem a ver com a parte da obra que é da responsabilidade do empreiteiro e não de outrem. O legal representante da A., DD (parte dos factos 1º a 14º, 18º a 24º dados como provados e als. B) a H), L), N) dos factos não provados), teve um depoimento escorreito (bem como os esclarecimentos prestados posteriormente), consentâneo com a demais prova, pericial e testemunhal que se indicará de seguida. Confirmou que não estava prevista a colocação de qualquer divisória ou chapa na parte do gás (‘só estava contratado a caixa do gás’), que as terras colocaram onde o R. determinou, sendo que este acompanhou sempre a obra e queria que aquilo ficasse ‘direitinho’. Foi explicando os alertas que fez ao R., relativamente à casa das máquinas e que na junção de muros é natural estalar, negando o demais quanto às alegadas deficiências. Explicou, também, que todos os extras que apareceram foram pedidos pelo R. e que os preços eram os que já estavam a ser praticados (extras relativos quer a alterar um tubo do ar condicionado; abrir rotas, tendo em consideração que embora a mão de obra pudesse estar incluída, o preço da máquina não estava [o que, diga-se, acontece em quase todas as obras]; remates de focos embutidos, quando a obra já tinha gesso; colocação de alçapão; tela pitonada; bancada para os fogões de sala, bem maiores do que o apoio que estava previsto fazer; os apainelados do WC eram para a carpintaria, que não era da responsabilidade da A., mas o R. pediu para pôr em pedra; compôs azulejos que o R. partiu ao alterar as misturadoras; pedra para as escadas e para a casa, o que não estava previsto nessa parte; e guias de remate; escadas para o jardim e muros atrás e rebaixamento do terreno, que também não estava previsto; alteração da frente das casas, porque antes era para levar telhado e depois foi alterado pelo R. e a A. teve de demolir uma parte). Referiu, ainda, que tentou várias vezes, no final da obra, que o R. pagasse o valor dos trabalhos extra (e o restante em falta), tentou marcar um dia para irem ao local e acertar as contas, mas que o R. começou a ‘fugir’, ‘bloqueou o meu número’ e que teve de passar a factura (‘mandei-lhe as contas, porque ele não se resolvia a ir lá comigo’), que têm um desfasamento temporal (essas facturas) em relação às outras, porque esteve à espera que ele fizesse contas com ele e pagasse. Mais esclareceu que da sua parte nunca houve atrasos na obra e que a colocação dos azulejos e tijoleira só pôde ser realizada quando o R. lhe forneceu esse material e que também teve de esperar pela colocação do alumínio (só a partir de a obra estar fechada é que podem fazer certos trabalhos, designadamente pinturas) e a pichelaria e electricidade também tinham de estar feitas (especialidades que não lhe pertenciam), antes de ele fazer a regularização do chão. Acresce que a calendarização da obra com o plano remetido para a Câmara Municipal (cfr. fls. 219 do apenso do projecto camarário) em Fevereiro de 2018, estava sujeito, ainda, a aprovação e não contemplava os atrasos das especialidades, não imputáveis à A.. Em esclarecimentos ainda referiu que o orçamento que deu, foi antes de qualquer alteração, através de mapas de quantidades e não por qualquer planta. O Tribunal apreciou, ainda, para prova da matéria de facto dada como provada e não provada, o depoimento das testemunhas como a seguir se refere. Assim, quanto às testemunhas inquiridas, a testemunha JJ (para prova, nomeadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 10º e 13º), funcionária de escritório da A., depôs com credibilidade e conhecimento directo sobre a matéria em causa (de que depôs) e no âmbito das suas funções, esclarecendo que emitiu as facturas dos autos (que ainda não estão pagas), que são posteriormente confirmadas pelo legal representante da A. e que procede à facturação sempre com base nos valores constantes no contrato/orçamento (e que mesmo no caso de trabalhos a mais, o valor é sempre calculado com base no valor inicial e unitário que havia sido acordado, havendo elementos para o efeito). Também a testemunha HH (para prova, nomeadamente, de parte dos factos 4º, 6º, 11º, 14º, 18º, 19º e als. D) a H), N) dos factos não provados), trolha/pedreiro que trabalha para a A., depôs de forma credível, confirmando os trabalhos que realizou na obra dos RR. (conhecendo tanto a R. como o R. que mais frequentemente ia à obra), designadamente, quanto à colocação de tubo de PVC para o ar condicionado, sapatas para os muros e construção dos mesmos, escadas, demolição parcial da parte da frente, abertura de rotas e colocação de tubos no quintal (em conjugação com os colegas), e outras obras que viu realizadas e outras que viu a serem realizadas por colegas, trabalhadores da A., a que ele assistiu a fazer, como fazer bancadas para os fogões de sala e o material que usaram para o fazer, colocar alçapões, aplicações de pedra, compor azulejos do WC, e que certos trabalhos não lhes estavam adjudicados (de outras artes/especialidades). A testemunha FF (para prova, nomeadamente, de parte dos factos 4º, 6º, 11º, 14º, 18º, 19º e als. D) a H), N) dos factos não provados), prestou serviços para a A. e, apesar de ser filho do legal representante da A., teve um depoimento coerente e consentâneo com a demais prova produzida, incluindo a pericial, depondo apenas sobre aquilo que tinha conhecimento (uma vez que na parte dos acabamentos finais não esteve sempre presente), tendo confirmado trabalhos de pintura, de muros (uns alteados; outros atrás com sapata e pilares; areados pelos dois lados; e que para o muro da frente não tiveram logo autorização para o fazer, daí o atraso na obra, que também ocorreu porque ‘não houve luz, não houve licença…’), caixas, com tubos, cimentos e areia, uso de máquina para abrir buracos, tubos para o ar condicionado, colocação de alçapões, colocação de guias de remate à tijoleira, escadas, terreno rebaixado atrás da casa, referindo, ainda, que o R. pediu a colocação da pedra e que o R. acompanhava a obra, nada se fazendo sem o mesmo saber. A testemunha GG (para prova de parte dos factos provados 6º e 22º), condutor manobrador, depôs de forma credível e isenta, tendo realizado trabalhos numa primeira fase e numa fase posterior, retirando terra para o terreno ao lado, a pedido do R. e sob as instruções deste. A testemunha CC, engenheiro civil (para prova, nomeadamente, de parte dos factos 2º a 15º, 18º a 25º e als. A) a H), L), N) dos factos não provados), teve um depoimento coerente, isento (sendo amigo de ambas as partes, o que não foi contrariado em audiência de julgamento) e conhecedor da matéria, em termos técnicos e factuais. Confirmou que a obra teve um primeiro licenciamento e foi preciso articular com a Câmara e com os RR. para que se pudesse prosseguir, sendo sempre o R. que falava com ele, apesar de como cliente constar a esposa. No entanto, a testemunha não aceitou que se mantivesse o projecto anterior, que não era dele, havendo direitos de quem o tinha realizado. Confirmou (tal como o legal representante da A.) que elaborou no seu escritório o mapa de trabalhos e quantidades para o R. pedir o orçamento à A. e confirmou, ainda (ao contrário do R.), que a obra foi concluída, fez vistoria e passou termo de responsabilidade para ter a licença de utilização. Atestou, também, que o R. ia acompanhando a evolução da obra, até porque estava a fazer a administração directa da obra quanto às especialidades (carpintaria, serralharia, electricidade, etc.), que numa determinada altura até levantou a questão relativamente ao pedido da A. quanto a uns trabalhos, mas que verificaram que o pedido da A. estava correcto e a obra prosseguiu (passando a ideia que era uma pessoa atenta e que acompanhava todas as matérias). Quanto aos atrasos na obra, foi referindo que houve atrasos quanto ao licenciamento da entrada e para colocação dos portões, que era necessário ter autorização das Infraestruturas de Portugal, assim como a necessidade de gerir todas as especialidades (por parte dos RR.), o que também atrasou a obra (designadamente de carpintaria, tudo da responsabilidade do R.). Mais confirmou as alterações (em obra, que não estavam previstas antes) na parte da frente das habitações e telhado e que houve necessidade de destruírem uma parte (trabalho extra, que a A. naturalmente está a peticionar). Referiu, também, os materiais necessários para a prestação de determinados serviços e que normalmente ‘o custo das máquinas não entra’ (‘o fornecimento de mão-de-obra normalmente não inclui a máquina’, decorrendo das regras da experiência comum que o custo do ‘trabalho de um homem, com e sem máquina’, é completamente diferente). No que respeita aos focos, refere que os mesmos já estavam previstos no mapa de quantidades que fez, mas os remates não estavam especificados (além de que, o legal representante da A. referiu que só após o serviço dos tectos estar realizado, o A. decidiu colocar mais focos, o que implicou trabalho extra). Referiu, também, que a quantidade de 100 pontos de luz não diz respeito só a focos, mas a tomadas e interruptores. Mais referiu que os alçapões não estavam previstos no mapa de quantidades, nem a tela pitonada, nem a pedra para as escadas, nem as rotas e tubos para o quintal, nem as guias de remate à tijoleira das varandas frontais, nem havia cotas definidas, pelo que houve alterações no decurso da obra, designadamente, nos muros (alguns novos, outros alteados), nas escadas (umas em que ‘foi trabalho que surgiu a mais’ e outras escadas que foram alteradas), tendo, ainda existido alterações quanto ao ‘apoio’ dos fogões de sala (‘houve alteração quanto a isso no decorrer da obra, o sr. BB queria uma coisa diferente’, anteriormente não tinha bancada como agora e não foi orçamentado [e não se confunde com o desenho que aparece uma planta, referente a um móvel de TV]). Confirmou, ainda, as alterações ocorridas nos muros e nas escadas (e quando fala em alterações, fala sempre no acordo quanto às mesmas, por decisão conjunta com o R., em obra). Atestou, também, que em relação à pedra, tinham dado mal a contagem (‘só medimos de um lado’), pelo que houve necessidade de mais metros de pedra. Confirmou que os muros da parte de trás têm de ter sapatas e pilares e que, muito embora não tenha visto a fazer, refere que, se não tivessem, os muros já tinham caído (aliás, como referido por outras testemunhas). No que respeita às cotas, como já referido, tendo em conta que houve a implantação da casa sem o projecto que apresentou estar aprovado, elas não estavam definidas (e nem no inicial estavam, pois mesmo o portão de abrir estava definido para cima, o que não implicava ‘rebaixamento’ das cotas). Mais referiu que quando o calceteiro pretendeu fazer a calçada, queria mexer com as sapatas da casa, mas a testemunha não concordou e saiu da reunião, muito embora se saiba que o R. (de motu próprio) acabou por mexer nessa parte das sapatas (e na do muro). Esclareceu que quando começou o projecto com o R. não tinha qualquer relação laboral com a A., o que só veio a ocorrer posteriormente e não afectou o seu trabalho, nem antes, nem depois. Explicou que no início, o mapa de quantidades não reflectia as alterações que foram sendo realizadas e que só em 2018 é que houve uma versão definitiva do projecto (que iniciou com um projecto de outra pessoa e ele fez as alterações dele, daí a diferença nos trabalhos a mais, e também porque no decurso da obra foram surgindo alterações, mesmo em relação a plantas e mapa de quantidades já entregues) e que mesmo assim, mesmo depois do projecto ser apresentado em 19/02/2018, ainda houve várias alterações em obra. Referiu, ainda, que o mapa de quantidades foi entregue ao R. para entregar à A. antes dos ‘desenhos’ apresentados como docs. 1 a 6 da PI (e de outras plantas que ainda não eram definitivas). A testemunha KK, empreiteiro reformado, pouco ou nada de relevante sabia quanto à obra dos autos e ao acordo das partes. Confirmou apenas que realizou, a pedido do R., um muro baixo em pedra, porque quando retiraram a terra o outro muro que estava construído ‘ficou no ar’, contudo não sabia qual era a cota que estava definida ou se existia alguma definição quanto a essa matéria, referindo que o R. é que disse que queria um portão de abrir e não de correr, e que por isso a testemunha fez a calçada e que chegou a picar a sapata da própria casa... (diga-se, contra a posição do engenheiro do projecto, da A. e das legis artis). Na verdade, de acordo com o contrato/orçamento e plantas, não estava definida qualquer cota, pelo que a A. não será responsável pela mudança que o R. pretendeu realizar, quer da cota, quer da forma de abertura do portão. A testemunha LL teve, também, um depoimento irrelevante para a matéria dos autos, com um discurso inseguro, ‘monocórdico’ quanto a datas e ‘debitando’ uma história quanto a pedir terra ao R. e este lhe dizer que não era dele, mas que não se compreende, tendo em consideração que a terra foi tirada do terreno dos RR. e mesmo que fosse para levar para vazadouro (que não se provou), não implicaria essa impossibilidade de a testemunha lá ir retirar terra. MM, electricista (parte dos factos provados 7º e 11º), referiu que fez a parte de electricidade e pré-instalação de ar condicionado, o que não contraria sequer o que se provou quanto aos tubos de ar condicionado, uma vez que não se nega a pré-instalação, mas apenas que o R. depois pretendia colocar (posteriormente) os aparelhos de ar condicionado mais longe da zona das janelas para não haver tanto barulho e para isso foi necessário pôr mais tubo (e esta parte a própria testemunha diz que não colocou). Mais adiantou que poderá ter entrado em obra em 2017/2018, mas que só terminou dois anos depois, o que é consentâneo com a ausência de atrasos por parte do empreiteiro. A testemunha EE, mediadora imobiliária, teve um discurso inverosímil, que o Tribunal não valorou (até porque quando confrontada com a existência de contrato escrito relativamente à mediação imobiliária, referiu que não possuía, não concretizando qualquer visita ou qualquer intervenção), sendo desfasado da realidade quando refere que não iria conseguir arrendar por haver humidades na casa das máquinas… e que não chegou a tratar da parte das vendas… (chegando a afirmar que o cliente do arrendamento é mais exigente que o cliente que quer comprar…). Mas o que é certo é que os RR. venderam mesmo uma das habitações e que na outra está a morar a sua filha com o seu agregado familiar… HH, genro dos RR. (parte dos factos provados 6º, 22º, 24º e das alíneas D) a L), N) dos factos não provados), teve um depoimento parcelar e disperso, fazendo muita confusão em relação às datas e referindo muitas das vezes o que lhe tinha sido transmitido pelo sogro (R.). Confirmou apenas que foi habitar para uma das casas, porque o apartamento onde vivia teve um problema de infiltrações. Foi referindo que pouco ia à obra (‘eu não conheço a obra de raiz’, ‘não tenho grande intervenção nos assuntos de família’), mas que chegou a encomendar uns materiais de construção…, o que não se percebe muito bem porquê, se nem sequer acompanhou a obra nessa altura e não sabendo especificar concretamente os materiais e para que serviriam. Refere que no final da obra os carros não entravam e que como tinha sido projectista fez um desenho para entrar ali e que o muro em pedra foi uma solução ‘arranjada por ele’ e que o sr. DD (legal representante da A.) já tinha saído da obra nesta altura. Relativamente à terra que saiu do terreno, a testemunha sempre foi dizendo que ‘o sogro aproveita muita terra para outras coisas’, o que aconteceu quer no terreno ao lado, quer no terreno em frente, tudo terrenos do sogro (referindo mesmo ‘o terreno de frente tem um declive grande, ainda lá tem parte da terra, no da frente até teria interesse em ficar com a terra’, sendo que a restante terra já foi espalhada no terreno ao lado e que o sogro estava lá todos os dias e via, com certeza, onde foi depositada a terra).
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No que respeita à matéria dada como não provada, além da matéria não considerada por se tratar de matéria conclusiva ou de Direito, em parte não foi feita qualquer prova, nem existe prova documental idónea para dar tal matéria como provada. Dá-se aqui por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, toda a fundamentação supra exposta, na vertente de fundamentação também dos factos não provados. Assim, quanto ao facto A) simplesmente não se fez prova, nem a testemunha CC confirmou que tivesse acesso ao contrato ou aos valores contratados, nem qualquer outra testemunha o confirmou. No que diz respeito aos factos B) e C), ninguém confirmou tal matéria com credibilidade, resultando provada matéria oposta, pois na verdade, a própria testemunha CC explicou que a obra iniciou ainda sem muitas das alterações que realizou ao projecto, porque importava acautelar a emissão/renovação da licença que já tinha expirado. Acresce que, a referida testemunha também explicou que só posteriormente à contratualização do mapa de quantidades é que surgiram alguns dos documentos que foram depois fornecidos à A.. No que concerne às alíneas D) e E), também não se fez prova da não conclusão da obra, que além de constar matéria oposta no livro de obra, o próprio facto de os RR. terem a filha e seu agregado familiar a viver numa das casas (como o referiu a testemunha HH, genro dos RR., e por conveniência dos próprios), além de terem vendido outra das moradias, através de contrato de compra e venda, com recurso a mútuo bancário (sabendo-se das exigências legais em tais contratos, nomeadamente quanto à legalização e avaliação dos imóveis), levam precisamente à constatação contrária, ou seja, de que as moradias, na verdade, estavam terminadas e em condições para serem habitadas, como de facto estão, inexistindo correspondência entre as correcções que a A. terá de fazer e a falta de pagamento por parte dos RR.. Por outro lado, aquando da contratação a cota não estava definida, como se afere quer pelos documentos juntos aos autos, quer pelo relatório pericial e esclarecimentos do perito, quer do depoimento das testemunhas da A. e também da testemunha comum CC. Também quanto ao muro a confrontar com a EN se provou que faziam parte deste orçamento/mapa de quantidades (designadamente ponto 15.3, pelo que também o valor da factura 334 é devido), como referido pela testemunha CC (apurando-se que houve outras obras exteriores, mas constantes de outro contrato, referentes aos terrenos próximos dos RR., como de afere dos docs. juntos a 03 e 16/12/2020 já citados). Por outro aldo, não há dúvidas que a obra foi alterada na parte da frente e telhado, como testemunhado pelo engenheiro CC e devidamente explicado, pois ele não podia aceitar ser responsável por uma obra cujo projecto inicial (de 2009) não era da sua autoria. Relativamente à alínea F), também já expusemos abundantemente que além dos trabalhos a mais/extra não constarem do orçamento (não se enquadrando na sua interpretação ainda que mais extensiva, como já foi abordado supra), os mesmos foram solicitados e aprovados pelos RR., mormente pelo R. marido que dirigia esta parte da obra (o que não foi contrariado pela R., que imputou ao R. marido a condução da obra), matéria que foi confirmada não só pelos trabalhadores da A., como pela testemunha engenheiro CC, já que grande parte dos trabalhos foram discutidos consigo, como engenheiro. Em relação à alínea G) e aos alegados trabalhos não realizados, também nenhuma prova se produziu nesse sentido, tendo resultado provada matéria diversa. Na verdade, provou-se que o R. sempre pretendeu as terras no sítio onde elas foram colocadas, em terrenos seus, para as aproveitar, o que resulta do depoimento quer da testemunha GG (que lá colocou as terras), quer da testemunha HH (genro dos RR.). E da mesma forma, não se pode considerar que a A. se obrigou à colocação de armários em chapa, pelo que se os RR. optaram por outra forma de colocação relativamente ao gás, não podem imputar à A. tal matéria. Quanto aos alegados defeitos da alínea H), os mesmos não foram comprovados nem pela prova testemunhal, nem pela prova documental ou pericial junta aos autos, como já foi explicitado. Das pinturas exteriores não consta que fosse obrigatória a colocação de pingadeira, não se considerando defeito outra opção de construção como a usada, assim como em relação às pinturas interiores, não se podendo confirmar que existisse qualquer falha (nomeadamente aquando da finalização da obra, como consta do livro de obra, pelo que qualquer ocorrência posterior e esse nível, numa parte de remate com o rodapé e que pode sofrer alterações/danos com o tempo, não pode ser imputado à A.). Relativamente à questão das sapatas, também já foi referido, que a A. fez o muro de acordo com o que foi ordenado e não havendo cotas definidas, e se depois os RR. as pretenderam alterar e com isso ‘destapar’ as sapatas, não pode tal matéria ser imputada à A., nem a mesma ser responsável por qualquer rectificação efectuada ou a efectuar a esse nível (cfr., nomeadamente, o relatório pericial e o depoimento da testemunha CC). Também quanto aos cerâmicos das moradias, não foi encontrado qualquer problema ao nível dos remates (a única matéria requerida pelos RR.), pelo que nada há a alterar e, quanto às microfissuras não são consideradas deficiências decorrentes da execução, mas do desgaste natural do tempo e da forma como os materiais reagem e ‘trabalham’ (tal como já referido supra). No que respeita às alíneas I) e M), não mereceu credibilidade o depoimento da testemunha EE, como já referido, não sendo suficiente a alegação de que queriam arrendar e que a renda até seria de € 800,00, sem qualquer outra prova fidedigna. E, de qualquer forma, também não se fez prova da matéria das alíneas J), K), L), pois não só a filha dos RR. e respectivo agregado familiar foram morar para uma das habitações porque assim quiseram, como nunca estiveram os RR. impedidos do que quer que fosse em relação às moradias, tendo mesmo vendido a outra das moradias a um terceiro, que terá recorrido a crédito bancário (estando certamente as moradias acabadas e devidamente legalizadas para o efeito, tal como também se constatou dos autos, da demais prova produzida, como depoimentos, prova pericial, testemunhal e documental). Acresce que, no que concerne à alínea N), já foi referido que os trabalhos extra não estavam incluídos no orçamento e contrato inicial, nem quanto às cotas, nem quanto a divisórias para o gás, o que originou a que as alterações que os RR. fizeram, nomeadamente quanto às sapatas, correcções e rebocos inerentes, demolições, desaterro, separadores/divisórias para o gás, materiais e mão-de-obra inerentes, fossem considerados da exclusiva responsabilidade dos RR., não podendo ser imputados à A.. Daí a matéria dada, assim, como não provada.”.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos Réus/reconvintes apelantes.
Insurgem-se os Recorrentes contra tal decisão por entenderem que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa.
Entendemos, porém, que a Senhora Juiz a quo fundamentou a sua decisão de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo, sendo de salientar a forma exaustiva com que a analisa e fundamenta a sua convicção.
De resto, ouvida a prova, afigura-se-nos que a sua apreciação, efectivada no contexto da imediação da prova, surge-nos como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando, por isso, a respectiva alteração, excepto relativamente a um pequeno lapso que merece rectificação.
Com efeito, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
Conforme atrás referimos, no caso ajuizado, a Apelante pretende que a matéria de facto seja alterada nos pontos atrás referidos, que vamos iniciar por analisar nos seus grupos essenciais.
Assim, pretendem os Apelantes a alteração da redacção dos pontos 6 e 14 dos factos provados conforme atrás referido.
A este respeito, impõe-se referir que não se encontra em sintonia, com as regras da lógica e da experiência comum, a argumentação dos Recorrentes na parte em que procuram fazer crer que os Réus, um casal unido pelo matrimónio e em plena comunhão de vida, vivem como estranhos entre si e obrigam-se de forma perfeitamente autónoma. Além disso, tratando-se da construção de duas moradias bifamiliares, em terreno que era da Ré, com o destino que alegavam pretender conferir-lhes, afigura-se-nos mais estranho que, no referido contexto, a Ré se mantivesse completamente alheia ao evoluir dos trabalhos.
Ademais, os Apelantes fundam o pedido de alteração da matéria de facto, em trechos isolados dos depoimentos da Recorrente AA e do legal representante da Recorrida DD, que transcrevem, sendo certo que a formação da convicção não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida e do teor integral de cada depoimento.
Como atrás referimos, a análise da prova impõe uma análise crítica de todos os elementos probatórios produzidos nos autos e a sua apreciação e valorização de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.
Ora, da audição integral das declarações da Recorrente AA, conclui-se que a convicção do Tribunal se mostra adequada e correcta, devendo manter-se a resposta dada aos referidos pontos da matéria de facto.
Sucede, ainda, que, na sequência do anteriormente exposto, também a pretensa alteração do ponto 17 dos factos provados carece de razão, impondo-se, apenas, rectificar o referido ponto no que tange aos documentos aí mencionados, que são os documentos “8 e 11 a 13”, e não “11 a 16” como, por lapso, se refere.
Além disso, da análise global da prova conclui-se que a troca de correspondência se verificou com os Apelantes. Ou seja, as cartas eram assinadas pela Recorrente/mulher, a resposta era endereçada e recebida pela Apelante/mulher e era o Recorrente/marido quem promovia a resposta. Assim, não vislumbramos, a esta luz, igualmente fundamento para eliminar a referência à Ré AA nos pontos 4, 9, 10 e 15 dos factos dados como provados.
Aliás, idêntica aquilatação se impõe quanto ao ponto 2 dos factos dados como provados.
Com efeito, em nenhum momento a Apelada confessou ou admitiu que os fotogramas juntos sob os n.ºs 1 a 6 e 8 correspondam à versão para a qual apresentou orçamento, antes afirma que o orçamento era para proceder à construção da habitação bifamiliar, cujo projecto foi objecto de alterações no decurso da obra.
De resto, a resposta dada ao referido ponto da matéria de facto encontra-se em sintonia com o livro de obra junto pela Câmara Municipal em 18-10-2023, com o processo de obras anexo aos autos, do qual resulta que o aditamento ao processo de obras data de 02-02-2018, bem como com o depoimento prestado pela testemunha CC.
Ademais, também não acompanhamos os Apelantes na sua discordância relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 11, 12 e 13, cuja eliminação pretendem.
Com efeito, resulta de forma patente dos autos que a Apelada orçamentou a obra no dia 21 de Abril de 2017 e firmou o contrato com os Recorrentes em 02 de Maio de 2017.
De resto, o projecto existente e aprovado pela Câmara Municipal ... foi profundamente alterado e o aditamento ao projecto data de 02-02-2018, tendo sido aprovado em 24-05-2018.
Assim, resulta para nós claro que existiram alterações ao projecto, promovidas pelos Apelantes e que implicavam necessariamente trabalhos não orçamentados.
De resto, o livro de obras junto aos autos em 18-10-2023, preenchido e assinado também pela recorrente mulher, leva-nos também a extrair idêntica conclusão.
Com efeito, do mesmo constam os seguintes extractos, que pela sua especial acutilância aqui se dão por reproduzidos: “20.06.2017 - Na presente data encontram-se a decorrer os trabalhos de execução das alvenarias exteriores da habitação. A obra apresenta qualidade satisfatória. Em reunião de obra com todas as partes envolvidas no processo foram definidas algumas alterações sendo que irá haver lugar a um aditamento ao projeto, e por essa razão as alvenarias e trabalhos a seguir identificados vão ser executados tendo em conta essas alterações aprovadas pelo dono da obra e pelos técnicos responsáveis autores dos projetos. 08.01.2018 - À data houve reunião da obra para planeamento dos trabalhos em falta. Como estamos perto da data de termino do alvará de obras, o dono da obra decidiu avançar com o aditamento das obras junto da Câmara Municipal, pelo que a obra irá ficar parada aguardando pela nova licença de obra. 24.07.2018 - Reunião em obra com todos os intervenientes. Dono de obra, fiscalização e empreiteiro. Após diferimento do projeto de aditamento junto da Câmara Municipal e emissão do alvará de obras de construção - Aditamento n.º 108/2018, os trabalhos irão retomar no início do próximo mês de Agosto de 2018.”
Ou seja, a alegação dos Apelantes é, assim, contrariada pelos documentos juntos aos autos, sendo certo que o orçamento é prévio à alteração dos projectos num período temporal que excede os 6 meses.
Além disso, também perece razão aos Apelantes na pretensa alteração da redacção da alínea C) dos factos não provados.
Na realidade, não poderiam os Apelantes, previamente à outorga do contrato de empreitada (02-05-2017), ter entregue a cópia integral do projecto aprovado e especialidades para execução da obra, uma vez que os projectos de arquitectura e especialidades só foram elaborados a partir de 08-01-2018 e apenas foram submetidos a licenciamento em 02-02-2018.
É certo que os Recorrentes sustentam, ainda, que a Recorrida não concluiu as obras, mas consta do livro de obras, assinado pela Apelante, que em 12.07.2019 a obra foi concluída.
Com efeito, na referida data foi lavrado termo de encerramento - assinado pela Recorrente - em que consta que “À data, a habitação encontra-se concluída, estando executada de acordo com os projectos aprovados com as condições impostas pelo licenciamento e com o uso previsto na licença de construção”.
Acresce que, consta do licenciamento municipal anexo ao processo, que os Apelantes
solicitaram a emissão de licença de habitabilidade, considerando a obra concluída, sendo, ainda, certo que os Recorrentes alienaram uma das habitações.
De resto, quanto à questão dos atrasos e à responsabilidade da recorrida pelos mesmos, os recorrentes alegam que a obra deveria estar concluída em 22-02-2018.
Resulta, porém, dos documentos que a este respeito instruíram os autos, que, apenas no mês de Janeiro de 2018 os Recorrentes decidiram apresentar um aditamento ao processo de licenciamento, o que sucedeu em 02-02-2018, tendo o mesmo sido deferido em 17-07-2018.
De resto, mediante análise comparativa do projecto inicial e do aditamento apresentado conclui-se que os mesmos são distintos, sendo que o aditamento só foi aprovado em 24.05.2018 e o alvará emitido em 17.07.2018.
Assim, impõe-se concluir que os Apelantes pretendiam que a Recorrida concluísse uma obra ainda antes da mesma estar idealizada, projectada e licenciada, o que não se mostra realista e em sintonia com a prova documental.
De resto, à luz da referida prova e do atrás referido, também não se vislumbra qualquer fundamento probatório que justifique a alteração/rectificação das respostas dadas aos pontos 8º e 24º dos factos provados.
Além disso, também não nos merece credibilidade o depoimento da testemunha EE quanto à factualidade vertida nas alíneas I) e M), pelo que na ausência de prova se deve quedar por não provada. De resto, não só a filha dos Apelantes e respectivo agregado familiar foram morar para uma das habitações porque assim quiseram, como nunca estiveram os Recorrentes impedidos do que quer que fosse em relação às moradias, tendo mesmo vendido a um terceiro a outra moradia.
Por fim, relativamente aos pontos impugnados da factualidade provada e não provada, designadamente G) e H), a que, ainda, não havíamos feito referência expressa, não podemos deixar de reproduzir o seguinte extracto da convicção do Tribunal relativamente à prova pericial e aos esclarecimentos do Sr. Perito, que acompanhamos na íntegra e que pela sua especial acutilância aqui se dá, de novo, por reproduzido:
“O relatório pericial junto aos autos a fls. 144 e ss. e os esclarecimentos de fls. 163 e ss. (para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 11º, 13º, 18º a 25º e als. B), G), H), K), L), N) dos factos não provados), que foi posteriormente confirmado e explicado em audiência de julgamento pelo sr. perito, de onde é possível aferir, designadamente, os trabalhos realizados a mais, por confronto entre o que não estava previsto no orçamento e o que consta no local (o que foi bem explicitado no relatório, em esclarecimentos pelo sr. perito, pelas testemunhas trabalhadores da A., além do seu legal representante e da testemunha comum, engenheiro CC, comprovando-se integralmente o facto 11º dado como provado), com excepção de algumas partes que não conseguiu ver, mas que se admitem tecnicamente, como as sapatas e outras como argolas nas fossas (por estarem fechadas) e se houve necessidade de alguma demolição (por a ela não ter assistido), mas que foram elementos confirmados por outras testemunhas (tal como referido), além de algumas das medidas efectuadas irem além do peticionado na factura dos trabalhos extra, mas que não invalida, como é óbvio (e antes pelo contrário), a realização dos mesmos (designadamente quanto aos areados e considerando que quanto a parte do muro em betão, em frente às garagens, tal medida e trabalho extra foi mesmo aceite pelos RR. em audiência de julgamento de 26/09/2023). Explicou-se, ainda, que os trabalhos das especialidades condicionam o trabalho do empreiteiro, nomeadamente quanto à finalização da obra, como as pinturas e remates finais.
Quanto às deficiências imputáveis ao empreiteiro, confirmou as infiltrações de água nas paredes do local da instalação do gás, assim como a deslocação do muro divisório do de betão da parte da frente.
No mais, quanto aos remates de pintura, não foi possível aferir se eram contemporâneos do termo da obra ou ocorridos posteriormente (não só pelo que consta das fotografias em causa, mas também porque aquando da recepção da obra nada se alegou) e, da mesma forma, as microfissuras dos muros não podem ser consideradas como defeito de obra ou má execução da mesma, quer pela explicação que deu em julgamento, quer pelo que é considerado pelas legis artis, devendo-se, designadamente, ao processo natural de secagem dos produtos e que faz parte da sua posterior manutenção.
Da mesma forma, não tendo sido contratada a colocação de pingadeira na parte exterior da varanda, os escorridos são algo de ocorrência habitual, quando se opta por esta técnica construtiva. E quanto ao murete/muro de granito junto do muro de vedação, não sendo da responsabilidade da A. a alteração das cotas, também não poderá ser responsável pelo seu pagamento (conforme se afere do depoimento esclarecedor e isento do engenheiro CC, que acompanhou a obra e tem boa relação quer com a A., quer com os RR., quando refere que as cotas não estavam definidas).
No que respeita aos remates do cerâmico, o sr. perito não detectou defeitos, que era a única matéria peticionada quanto aos mesmos (nos remates e não na parte que refere que alguns soam a oco), além de que quanto à falta de limpeza de alguns, também não foi possível aferir se isso se deveu à sua aplicação, ou às restantes artes que lá operaram (daí essa parte da matéria dada como não provada).
(…)
Em esclarecimentos, o sr. perito, II (para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 11º, 13º, 18º a 25º e als. B), G), H), K), L), N) dos factos não provados), engenheiro civil, teve um depoimento esclarecedor, com conhecimentos técnicos adequados, tendo realizado a análise do primeiro projecto e do posterior e daquilo que encontrou na obra, confirmando (parte dos trabalhos a mais, cujo preço foi explicado pelo legal representante da A. e pela testemunha sua funcionária, JJ, quanto à forma como são realizados os orçamentos/facturas): as alterações ao nível do alçado frontal (depois peticionado como extra, tendo, aliás, as testemunhas funcionários da A., assim como o engenheiro CC, confirmado a parte da obra que teve de ser demolida, e a que os RR., como é óbvio, não podiam ser alheios); assim como a inexistência de referência a cotas do terreno; que no projecto não constavam os muros que se fizeram dentro do terreno (sem ser os muros delimitadores da propriedade) e as escadas, e que esse muro tem de ter fundações (embora não estejam visíveis), senão estaria com fissuras (porque quando referiu microfissuras era do reboco, o que é diferente de uma fissura); quanto à tela pitonada no tardoz dos muros de aterro diz que tem; que há muros areados das duas faces e um deles só por um lado (no que se pode ver); muros de betão em frente à garagem das casas (que é diferente do muro para a rua), que não constavam do projecto inicial (acabando depois o R., em julgamento, por aceitar a parte desse muro em betão que foi construída a mais e consta da factura S01/335: 13 metros a € 60,00 a que acresce o IVA; na verdade, os trabalhos a mais que, como se verá, foram solicitados pelos RR., não estavam nem no mapa de quantidades ou orçamento, porque nem sequer havia o projecto dessa parte, como confirmado pela testemunha CC).
No mais, o sr. perito confirmou o relatório pericial por si apresentado.”.
Ora, como é sabido, a perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
No caso vertente, o rigor do relatório pericial junto aos autos pelo Sr. Perito, elogiado por ambas as partes, conforme resulta da audição das alegações de recurso, leva-nos, igualmente, a concluir pela bondade da apreciação da prova realizada pela Sr.ª Juiz a quo, que, aliás, fundamentou devidamente a sua convicção nos pontos que não foram percepcionados pelo Sr. Perito.
Além disso, analisou devidamente e com rigor a extensa prova documental junta aos autos e expressou devidamente a sua convicção relativamente aos factos provados e não provados, que extraiu dos diversos meios de prova produzidos, pelo que não nos merece reparo, excepto quanto ao lapso a retificar referente ao ponto 17.º.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto, sendo rectificado o lapso que consta do ponto 17º nos termos atrás assinalados.
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4.2. Do mérito da decisão.
Os Réus/Reconvintes/Apelantes clamam pela revogação da sentença de que recorrem nos pontos que assinalam.
Sustentam, desde logo, a referida pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclamam.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Com efeito, de acordo como a definição estabelecida no artigo 1207º do Código Civil “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Daqui resulta, pois, que são três os elementos do contrato de empreitada: os sujeitos, a realização de uma obra e o pagamento do preço.
Por sua vez, decorre dos artigos 1207º e 1208º, do Código Civil que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, visto que se encontra adstrito a uma obrigação de resultado, sendo defeituoso o cumprimento quando a obra foi realizada com deformidades ou com vícios.
Ora, no caso vertente mostra-se incontrovertida a qualificação do contrato como contrato de empreitada, não restando dúvidas que os recorrentes, na qualidade de donos da obra, e a recorrida, na qualidade de empreiteira, celebraram um contrato de empreitada.
Em sede de alegações, defendem, desde logo, os Apelantes que a Recorrida não concluiu a obra, invocando a excepção de não cumprimento.
Provou-se, todavia, que a Apelada executou todas as obras a que estava obrigada pelo contrato e orçamento anexo.
Argumentam, ainda, os Apelantes que a obra deveria estar concluída em 22 de Fevereiro de 2018, o que efectivamente não sucedeu.
Com efeito, resulta dos autos que, apenas, no mês de Janeiro de 2018 os Recorrentes decidiram apresentar um aditamento ao processo de licenciamento, sendo que apresentaram o mesmo em 02.02.2018, tendo o mesmo sido deferido em 17.07.2018.
Assim, dado que o referido aditamento só foi aprovado em 24.05.2018, bem como o alvará emitido em 17.07.2018, não podem os Apelantes pretender que a obra estivesse concluída antes da mesma estar idealizada, projectada e licenciada.
Ademais, como é sabido, o contrato de empreitada celebrado entre particulares rege-se pelas cláusulas acordadas entre as partes no contrato, desde que não violem normas legais de natureza imperativa (cfr. artigos 405.º, n.º 1, 406.º, n.º 1 e 294.º, do Código Civil), depois pelas disposições legais que especificamente regulam o tipo legal do contrato de empreitada (artigos 1207.º a 1226.º, do Código Civil) e, por fim, pelas normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com ele compatíveis.
Na situação vertente, o preço da empreitada foi fixado, por comum acordo das partes, na modalidade de preço unitário, com base em unidades de serviço e itens específicos da obra, sendo que as alterações ao plano convencionado decorreram de exigências do dono da obra.
Assim, pese embora exista uma cláusula que exija que o dono da obra previamente à execução, aceite por escrito as alterações e o respectivo custo, o certo é que o que ficou escrito no contrato não foi o que sucedeu na realidade, quer quanto à obra em si, que foi objecto de alteração de projecto, quer quanto aos pedidos de alteração de trabalhos a mais, quer por parte do dono da obra e/ou do seu representante.
Ou seja, provou-se que o empreiteiro executou os trabalhos a mais sem que tivessem submetido a escrito a validação do solicitado e o respectivo custo, tendo, ainda, do mesmo modo, incorporado na obra materiais escolhidos pelo dono da obra de valor superior ao orçamentado.
Além disso, o dono da obra solicitou a execução de trabalhos não orçamentados e constatou, por si ou através do seu representante, a execução dos trabalhos a mais e nunca reclamou ou se insurgiu por não ter aprovado por escrito a realização dos trabalhos a mais e respectivo custo, bem como o custo do diferencial dos materiais por si escolhidos.
Na realidade, a preocupação do dono da obra era a execução da obra, nunca tendo colocado em causa a execução dos trabalhos a mais e o seu custo, nem a alteração do valor dos materiais aplicados, durante a execução da obra.
De resto, o dono da obra foi pedindo e exigindo ao longo da execução da obra várias e substanciais alterações em relação ao orçamento original, por si ou por intermédio do seu engenheiro e representante na obra, as quais sempre foram previamente comunicadas e discutidas com os recorrentes.
Como é sabido, as partes não podem socorrer-se do contratualizado apenas e quando tal lhes é conveniente.
Com efeito, o princípio da boa-fé contraria esse tipo de comportamento negocial, pois a boa-fé exige lisura e coerência das partes ao longo do cumprimento do programa contratual (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil).
Acresce que as declarações negociais das partes vertidas por escrito no que concerne ao modo de aprovação/aceitação das alterações e do seu preço foram tacitamente alteradas pelo comportamento das mesmas durante a execução da obra.
Como é sabido, a declaração expressa e tácita encontra-se prevista no artigo 217.º do Código Civil, como modalidades da declaração negocial.
Estipula o preceito que a expressa é feita por “por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação de vontade” e a tácita “deduz-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”.
Sucede que, os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos.
Ora, os factos provados evidenciam que os donos da obra efectuaram alterações ao projecto, quiseram e aceitaram as alterações necessárias, bem como as ordenaram directa ou indirectamente, incluindo o custo das mesmas, e que ao longo da execução das alterações nunca questionaram o preço das mesmas, nem o impacto que as mesmas tinham no preço final da empreitada, sendo que também o empreiteiro nunca suscitou a necessidade de aprovar por escrito o preço das mesmas previamente à sua execução.
De resto, os donos da obra estavam sempre a par do andamento dos trabalhos por os terem acompanhado directamente e através do seu representante na obra.
Sucede, ainda, que as alterações assim introduzidas na obra - os trabalhos a mais - foram necessárias à boa execução da mesma e pedidas pelo dono da obra, com aceitação tácita do respectivo custo, e executadas pelo empreiteiro sem as sujeitar a prévia aprovação por escrito do dono da obra quanto ao aumento do preço da empreitada, pelo que o comportamento das partes ao longo da execução das alterações e da obra em geral, é concludente no sentido de aceitação das alterações e dos respectivos custos, devendo ser interpretado nos termos dos artigos 217.º e 236.º do Código Civil, como vontade negocial de tacitamente revogarem a cláusula 5.ª do contrato de empreitada.
Assim, ainda que, à luz do estipulado, se admitisse a existência do direito dos Apelantes, o mesmo teria de ser bloqueado por via do seu exercício abusivo, patenteado no desequilíbrio manifesto entre a sua actuação e os direitos daqueles a quem o direito exercido é oposto e no venire contra factum proprium.
Como é sabido, o abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (artigo 334.º do Código Civil).
Por sua vez, o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas – sendo que a tutela da confiança só tem razão de ser quando a conduta contrária à fides causar ou for susceptível de causar danos a outrem, factor indispensável ao surgimento de responsabilidade” - Cf. Acórdão de 19/1/2023, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 3244/19.8T8STB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt..
No caso vertente, a invocação do disposto na atrás mencionada cláusula contratual constitui abuso de direito por parte dos Réus, na modalidade de venire contra factum próprio, pois foram os Recorrentes que requereram à Recorrida a realização de tais alterações.
Como é sabido, o abuso de direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (Cf. artigo 334º do Código Civil)
Não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha consciência de que, ao exceder o direito está a exceder os limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, baste que objectivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente (Cf. Pires de Lina e Antunes Varela, in Código Civil anotado, vol. I, pág. 217).
O conceito de boa-fé do artigo 334º, do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, para com a outra, respeitando expectativas dos sujeitos jurídicos (Cf. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., págs. 104 e 105).
De resto, o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas – sendo que a tutela da confiança só tem razão de ser quando a conduta contrária à fides causar ou for susceptível de causar danos a outrem, factor indispensável ao surgimento de responsabilidade – Cf. Acórdão de 19/1/2023, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 3244/19.8T8STB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt..
No caso vertente, estamos, sem dúvida, perante uma situação de “venire contra factum proprium”, que é uma modalidade de abuso de direito e que consiste no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Baptista Machado ensina que a essência do venire contra factum proprium é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira” (in Obra Dispersa, 1, pág. 415).
No caso, foram os Apelantes que requereram à Apelada as modificações referidas, criando, pois, nele a convicção que posteriormente não viriam invocar que as modificações teriam que ser acordadas por escrito para serem válidas.
Perante o que se encontra atrás exposto, temos de concluir que o comportamento dos Apelantes integra, sem dúvida, um venire contra factum proprium, proibido pelo artigo 334º do Código Civil.
Por fim, não lograram os Réus/reconvintes provar qualquer dano autónomo por privação do uso das moradias em consequência da entrega da obra em Maio de 2020, facto que nem sequer é imputável à Autora, pelo que não lhe pode ser arbitrada qualquer quantia a título de indemnização. De resto, não só a filha dos RR. e respectivo agregado familiar foram morar para uma das habitações porque assim quiseram, como nunca estiveram os RR. impedidos do que quer que fosse em relação às moradias, tendo mesmo vendido a outra das moradias a um terceiro, que terá recorrido a crédito bancário.
Afigura-se-nos, assim, não merecer censura a sentença proferida pelo Tribunal recorrido.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Notifique.
Porto, 26 de Setembro de 2024
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Isabel Ferreira
2.º Adjunto: José Manuel Correia
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem).