ABUSO DE DIREITO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO HABITACIONAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RENDAS
Sumário

I - Ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
II - No caso vertente, não se provou a existência de qualquer comportamento abusivo por parte da Recorrida, mas sim a existência de conduta abusiva do Recorrente, na medida em que há praticamente 5 anos reside num bem imóvel, sem pagar o que quer que seja, e sem qualquer título válido, pelo menos desde 6 de Abril de 2022.”

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:905/22.8T8PVZ.P1






Acordam no Tribunal da Relação do Porto


1. Relatório
A..., S.A., com sede na Avenida ..., ... ... instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra AA, residente na Rua ..., ... ..., onde concluiu pedindo:
a) a entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens;
b) o pagamento do valor de rendas vencidas e não pagas, referentes aos meses de Junho de 2019 até Maio de 2022, que perfazem o montante global de € 227.587,70;
c) o pagamento de indemnização, no valor do dobro da renda mensal, por cada mês de atraso na entrega do locado, nos termos do artigo 1045.º, n.º 2 do Código Civil;
d) o pagamento, sobre o montante estipulado em c), de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde o termo de cada mês e até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que é proprietária do prédio em propriedade total correspondente a edifício de 3 pisos, para habitação, lote ..., sito na Rua ..., ... ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...53, freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...29 da freguesia ....
Acrescentou, que a Autora adquiriu o prédio à anterior proprietária Banco 1..., S.A., através de escritura pública devidamente registada junto do registo predial pela inscrição com a apresentação ...35 de 18/12/2020.
Mais alegou, que entre o Banco 1..., S.A. e o Réu foi celebrado contrato de arrendamento para fins habitacionais, pelo prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, com início a 01/05/2018.
Acrescentou que, no âmbito do mencionado contrato, o Réu obrigou-se a pagar uma renda mensal de € 6.250,00 até ao primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, a qual, em virtude das actualizações anuais com o coeficiente definido pelo Instituto Nacional de Estatística, se cifra actualmente em € 6.321,88.
Mais alegou, que em Outubro de 2019, chegou a ser celebrado entre o Réu e a anterior proprietária um contrato-promessa de compra e venda do prédio, o qual veio a ser incumprido pelo Réu porquanto não compareceu no dia, hora e local indicados para a celebração da escritura, tendo permanecido em vigência o contrato de arrendamento.
Sucede, porém, que desde o mês de Maio de 2019 o Réu não procede ao pagamento de qualquer valor a título de renda, pese embora tenha sido diversas vezes interpelado para o efeito, estando actualmente em dívida o montante de rendas relativas aos meses de Junho de 2019 até Maio de 2022 no montante global de € 227.587,68.
Acrescentou, que com a aquisição da propriedade a Autora sucedeu à anterior proprietária e senhoria nos direitos e obrigações decorrentes do contrato de locação, mormente no direito de receber os valores de renda vencidos.
Mais alegou, que não sendo sua intenção manter o contrato de arrendamento, procedeu à comunicação ao Réu da resolução do mesmo através de contacto pessoal de agente de execução, resolução que se operou a 06/05/2022, porquanto o Réu não colocou fim à mora.
Alegou, ainda, que até à presente data o Réu, em claro incumprimento do estabelecido contratualmente e da notificação de resolução do contrato, não procedeu à entrega voluntária do bem imóvel.

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Citada, a ré contestou, por excepção e impugnação.
Invocou, desde logo, a excepção de ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir.
No demais, impugnou a versão dos factos oferecida pela autora e invocou a existência de abuso de direito na pretensão formulada pela A.
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Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu AA:
a) à entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens, à autora A..., S.A.;
b) ao pagamento à Autora do valor de rendas vencidas e não pagas, referentes aos meses de meses de Fevereiro de 2021 até Maio de 2022, que perfazem o montante global de €100.359,40;
c) ao pagamento à Autora de indemnização, no valor do dobro da renda mensal, correspondente a € 12.643,76, contados desde Junho de 2022 até à entrega do locado;
d) ao pagamento, sobre o montante estipulado em c), de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde o termo de cada mês e até efectivo e integral pagamento, tendo absolvido o réu do demais pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente AA veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I.O Recorrente impugna a matéria de facto dada como não provada, correspondente aos seguintes factos não provados: “O Banco 1... não resolveu o contrato-promessa. Tais propostas de aquisição do imóvel encontravam-se em negociação junto do Banco 1..., S.A até final de 2021, ou seja, já em momento bem posterior à aquisição do imóvel por parte da Autora. O Réu apenas viria a conhecer a identidade da Autora aquando da notificação judicial avulsa comunicada em 06.04.2022. Até esse momento (06.04.2022), o Réu desconhecia inteiramente que o imóvel havia sido alienado à Autora, encontrando-se a negociar junto do Banco 1..., S.A a aquisição da casa. Permanecendo a Réu, como antes, a negociar a compra da casa junto do Banco 1..., S.A, firmemente acreditando que aquele era, ainda, o proprietário do imóvel. Negociando junto do Banco as condições para a aquisição do bem, onde se incluía o “acerto” entre as rendas vencidas e o valor de compra (como, de resto, resulta do contrato - promessa junto aos autos)”.

II. Entende o Recorrente que o facto dado como não provado traduzido na afirmação “O Banco 1... não resolveu o contrato-promessa. Tais propostas de aquisição do imóvel encontravam-se em negociação junto do Banco 1..., S.A até final de 2021, ou seja, já em momento bem posterior à aquisição do imóvel por parte da Autora” são desmentidos pela prova documental junta à Petição Inicial como Documento n.º 01, 04 e Documento n.º 06.

III. Da análise de tais documentos decorre que o Recorrente esteve em negociações desde 07.10.2019 (doc. 04) a 02.03.2021 (doc. 06), em momento posterior à aquisição do imóvel pela Recorrida, ocorrida a 18.12.2020 (doc. 01).

IV. Mais: nunca podia o Tribunal recorrido dar como não provado que “O Banco 1... não resolveu o contrato-promessa” e, simetricamente, dar como provado, sob o facto provado 17, que “O contrato-promessa foi resolvido pelo anterior proprietário, através de comunicação dirigida ao Réu, datada de 06 de Março de 2020.”

V. Isto porque, da análise do documento 07 junto à Petição Inicial decorre que, a 02.03.2021, a representante do Banco 1... compareceu na escritura, o que torna impossível a afirmação de que o contrato-promessa havia sido resolvido em 06.03.2020.

VI. Acerca do facto traduzido na afirmação “O Réu apenas viria a conhecer a identidade da Autora aquando da notificação judicial avulsa comunicada em 06.04.2022. Até esse momento (06.04.2022), o Réu desconhecia inteiramente que o imóvel havia sido alienado à Autora”, o mesmo decorre da factualidade provada sob o número 13, quando aí se diz que: “Entre 18 de Dezembro de 2020 (data da aquisição do imóvel) e 06.04.2022 (data da comunicação da resolução), a Autora não encetou qualquer diligência destinada a dar a conhecer a sua qualidade de proprietária ao Réu e a reclamar qualquer montante em dívida”.

VII. O Tribunal recorrido reconhece que apenas a 06.04.2022 o Recorrente conheceu a identidade da Recorrida.

VIII. No entanto, entende o Tribunal a quo que “apesar de se ter provado que a autora só com a resolução do contrato é que comunicou essa aquisição ao réu, tal não significa que o réu a desconhecesse”.

IX. A Sentença em crise - ao invés de se ater aos documentos juntos aos autos - onera o Recorrente com a prova de um facto negativo, o que se não pode aceitar.

X. Isto dito, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado: (i) o Banco 1... nunca resolveu o contrato-promessa celebrado junto do Recorrente; (ii) que o Recorrente se encontrou em negociações para compra do imóvel junto do Banco 1... até, pelo menos, 02.03.2021, ou seja, em momento posterior à aquisição do imóvel por parte da Recorrida e (iii) o Recorrente desconhecia a identidade da Recorrida no momento em que se encontrava a negociar o imóvel junto do Banco 1..., apenas tendo efectivo conhecimento de tal identidade aquando da comunicação de resolução do contrato de arrendamento (06.04.2022).

XI. A contrario sensu, devia o Tribunal a quo dar como não provado o facto provado sob o número 17, quando aí se diz: “O contrato-promessa foi resolvido pelo anterior proprietário, através de comunicação dirigida ao Réu, datada de 06 de Março de 2021.”.

XII. Finalmente, sindica o Recorrente o enquadramento jurídico realizado pelo Tribunal recorrido, pugnando pela subsunção à norma do artigo 334.º do Código Civil.

XIII. Assim paralisando a actuação da Recorrida em virtude de uma conduta ilícita e reprovável.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos

2.1 Factos provados
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1.A Autora é a única e legítima proprietária do prédio em propriedade total correspondente a edifício de 3 pisos, para habitação, lote ..., sito na Rua ..., ... ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...53, freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...29 da freguesia ....
2. A Autora adquiriu o Prédio à anterior proprietária Banco 1..., S.A., através de escritura pública registada junto do registo predial pela inscrição com a apresentação ...35 de 18/12/2020.
3. Entre a Banco 1..., S.A. e o Réu foi celebrado contrato de arrendamento para fins habitacionais, pelo prazo de 1 (um) ano, renovável por iguais períodos, com início a 01/05/2018, conforme Cláusula 3.ª.
4. No âmbito do mencionado contrato, o Réu obrigou-se a pagar uma renda mensal de € 6.250,00 até ao primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, conforme Cláusula 5.ª.
5. A qual, em virtude das atualizações anuais com o coeficiente definido pelo Instituto Nacional de Estatística nos termos dos artigos 24.º e 25.º do NRAU, se cifra atualmente em €6.321,88.
6. Em outubro de 2019, foi celebrado entre o Réu e a anterior proprietária contrato-promessa de compra e venda do Prédio, o qual veio a ser incumprido pelo Réu porquanto não compareceu no dia, hora e local indicados para a celebração da escritura.
7. Tendo permanecido em vigência o contrato de arrendamento.
8. Desde maio de 2019 que o Réu não procede ao pagamento de qualquer valor a título de renda, na sua data de vencimento ou posteriormente, pese embora tenha sido diversas vezes interpelado para o efeito.
9. Estando atualmente em dívida o montante de rendas relativas aos meses de junho de 2019 até maio de 2022.
10. A Autora procedeu à comunicação ao Réu da resolução do contrato de arrendamento através de contacto pessoal de agente de execução, no dia 6/4/2022, com fundamento na falta de pagamento das rendas nos termos dos artigos 1084.º, n. º2 do CC e 9.º, n.º 7, alínea b) do NRAU, conforme Doc. 9 da p.i. que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Nos termos do disposto na Cláusula 10.ª do contrato de arrendamento:
“1. Findo o contrato de arrendamento, por qualquer causa, o Arrendatário:
a) Terá de reparar todas as deteriorações verificadas no Imóvel, que não decorram da sua utilização prudente e normal.
b) Deverá restituir o Imóvel ao Senhorio, de imediato, limpo, livre e devoluto de pessoas e bens e em perfeitas condições de funcionamento, conservação, pintura, segurança e limpeza, bem como à entrega de todas as chaves que tenha em seu poder.
2. Se o imóvel não for total e imediatamente restituído pelo Arrendatário logo que o presente contrato deixe, por qualquer causa, de produzir efeitos, fica o mesmo obrigado a pagar, a título de indemnização, e até ao momento de efetiva restituição, o dobro da renda mensal em vigor nessa data por cada mês ou fração do mês de mora.”
12. Até à presente data, o Réu não procedeu à entrega voluntária do imóvel.
Contestação
13. Entre 18 de Dezembro de 2020 (data da aquisição do imóvel) e 06.04.2022 (data da comunicação da resolução), a Autora não encetou qualquer diligência destinada a dar a conhecer a sua qualidade de proprietária ao Réu e a reclamar qualquer montante em dívida.
Resposta da autora
14. A autora só numa visita ao imóvel em final de 2021 é que soube que estava habitado.
15. A anterior proprietário informou então a Autora que estava em curso uma ação para recuperação dos valores de renda devidos relativos ao contrato de arrendamento objeto dos autos.
16. Só em 2022, quando pressionado pela Autora para informar do estado das diligências, o anterior proprietário informou que, afinal, não havia avançado com nenhuma ação.
17. O contrato-promessa foi resolvido pelo anterior proprietário, através de comunicação dirigida ao Réu, datada de 06 de Março de 2020.
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2.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
- Era do conhecimento de todos os intervenientes - mormente da referida instituição bancária e do Réu - que o contrato de arrendamento celebrado seria um mecanismo temporário destinado a permitir a aquisição futura («compra»), por parte do Réu, do referido imóvel.
- O Banco 1..., S.A. não resolveu o contrato-promessa.
- Ao longo do tempo, o Réu dirigiu-se, por diversas vezes, ao Banco 1..., S.A., fazendo chegar propostas de aquisição do imóvel.
- Tais propostas de aquisição do imóvel encontravam-se em negociação junto do Banco 1..., S.A até final de 2021, ou seja, já em momento bem posterior à aquisição do imóvel por parte da Autora.
- O Réu apenas viria a conhecer a identidade da Autora aquando da notificação judicial avulsa comunicada em 06.04.2022.
- Até esse momento (06.04.2022), o Réu desconhecia inteiramente que o imóvel havia sido alienado à Autora, encontrando-se a negociar junto do Banco 1..., S.A a aquisição da casa.
- Permanecendo a Réu, como antes, a negociar a compra da casa junto do Banco 1..., S.A., firmemente acreditando que aquele era, ainda, o proprietário do imóvel.
- Negociando junto do Banco as condições para a aquisição do bem, onde se incluía o “acerto” entre as rendas vencidas e o valor de compra (como, de resto, resulta do contrato-promessa junto aos autos).
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pelo recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:
- da impugnação da matéria de facto;
- do abuso de direito.
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4. Conhecendo do mérito do recurso

4.1 Da impugnação da matéria de facto
O Apelante, em sede recursiva, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto.
Considera incorrectamente julgados os seguintes factos dados como não provados:
“- O Banco 1..., S.A. não resolveu o contrato-promessa.
- Tais propostas de aquisição do imóvel encontravam-se em negociação junto do Banco 1..., S.A até final de 2021, ou seja, já em momento bem posterior à aquisição do imóvel por parte da Autora.
- O Réu apenas viria a conhecer a identidade da Autora aquando da notificação judicial avulsa comunicada em 06.04.2022.
- Até esse momento (06.04.2022), o Réu desconhecia inteiramente que o imóvel havia sido alienado à Autora, encontrando-se a negociar junto do Banco 1..., S.A. a aquisição da casa.
- Permanecendo o Réu, como antes, a negociar a compra da casa junto do Banco 1..., S.A., firmemente acreditando que aquele era, ainda, o proprietário do imóvel. Negociando junto do Banco as condições para a aquisição do bem, onde se incluía o “acerto” entre as rendas vencidas e o valor de compra (como, de resto, resulta do contrato-promessa junto aos autos)”.
Pugna o Apelante que os mesmos deveriam integrar a matéria de facto provada.
Acrescenta, a contrario sensu, que deveria o Tribunal a quo dar como não provado o facto provado sob o número 17, quando aí se diz: “O contrato-promessa foi resolvido pelo anterior proprietário, através de comunicação dirigida ao Réu, datada de 06 de Março de 2021.”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º, do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.
O Recorrente começa por impugnar a matéria de facto, designadamente a maioria dos factos não provados, elencados na sentença e atrás referidos.
Sustenta o Apelante que:
- O contrato-promessa junto à petição inicial como documento n.º 4 – celebrado entre o Recorrente e o Banco 1... – data de 7 de outubro de 2019;
- A certidão negativa de escritura de compra e venda do imóvel – referente à escritura a realizar pelo Réu e o Banco 1..., S.A. – data de 2 de março de 2021, como resulta do documento n.º 6 junto à petição inicial.
- A aquisição do imóvel por parte da Autora, ora Recorrida, data de 18 de dezembro de 2020, conforme documento n.º 1 junto à petição inicial.
Tudo para concluir que: “Assim, é um dado elementar que o Recorrente – entre Outubro de 2019 e Março de 2021 – esteve efetivamente em negociações com o Banco 1... para aquisição da casa, as quais cessaram aquando da não comparência do Recorrente no ato da escritura”.
Todavia, não podemos acompanhar a referida linha de argumentação do Recorrente.
Com efeito, além de o Apelante não ter produzido prova - nem testemunhal, nem documental - de que até final de 2021 (como invocou na contestação) se encontrava em negociações com o anterior proprietário, Banco 1..., S.A., para aquisição do imóvel, o certo é que o mesmo vem agora alterar a argumentação, confessando que as negociações cessaram aquando da não comparência do Recorrente no acto da escritura pública.
Porém, ao contrário do sustentado pelo Apelante, a certidão negativa é datada de 2 março de 2020 e não de 2 de março de 2021.
Sucede, com efeito, que a não comparência do Recorrente no acto da escritura pública, ocorreu no mês de Março de 2020, como resulta inequivocamente do documento 6 junto à petição inicial.
Sendo que a Recorrida adquiriu o bem imóvel em 18 de Dezembro de 2020, como resulta inequivocamente do documento 1 junto à petição inicial.
Ou seja, deste modo, ao invés do sustentado pelo Recorrente, dos documentos carreados aos autos e sua apreciação, não se poderia, evidentemente, concluir que até final de 2021 o Apelante se encontrava a negociar a aquisição do imóvel (que a essa data era já propriedade da Recorrida) junto do anterior proprietário.
De resto, não é crível que tal tivesse acontecido não só pelas regras da experiência, mas, particularmente, porque não foi produzida qualquer prova testemunhal sobre essa matéria e, igualmente, não foi apresentada qualquer prova documental. Além disso, se negociações haviam junto de um banco, certamente, não seriam verbais.
Sucede que, os meios de prova, designadamente, os documentos carreados nos autos, inequivocamente demonstram a seguinte cronologia fáctica:
- Em 1 de Maio de 2018 foi celebrado contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo entre o Réu e o Banco 1..., S.A., cfr. Documento 3 junto à petição inicial;
- Em 7 de Outubro de 2019 foi celebrado contrato promessa de compra e venda entre o Réu e o Banco 1..., S.A., cfr. Documento 4 junto à petição inicial;
- Em 13 de Janeiro de 2020 foi o Réu interpelado pelo Banco 1..., S.A., para pagamento das rendas em dívida, no âmbito do contrato de arrendamento, cfr. Documento 7 junto à petição inicial;
- Em 13 de Fevereiro de 2020 foi o Réu interpelado pelo Banco 1..., S.A., para pagamento das rendas em dívida, no âmbito do contrato de arrendamento, cfr. Documento 8 junto à petição inicial;
- Em 13 de Fevereiro de 2020, foi o Réu notificado pelo Banco 1..., S.A., do agendamento da escritura pública de compra e venda do imóvel, a realizar no dia 2 de março de 2020, cfr. Documento 5 junto à petição inicial;
- Em 2 de Março de 2020, o Réu não compareceu no acto da escritura pública que se encontrava agendada para esse dia e, como tal, a escritura não se realizou, cfr. Documento 6 junto à petição inicial;
- Em 6 de Março de 2020, o Banco 1..., S.A., comunicou ao Réu o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, por causa exclusivamente imputável ao Réu, procedendo à sua resolução, sendo esta a consequência legal do incumprimento definitivo, cfr. Documento 1 junto com o requerimento com a referência n.º 43710329, junto pela Recorrida em 28 de outubro de 2022;
- Em 18 de Dezembro de 2020 a Recorrida adquiriu ao Banco 1..., S.A., o imóvel objecto do presente litígio, cfr. Documento 1 junto à petição inicial;
- Em 6 de abril de 2022, a Recorrida procedeu à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda (desde maio de 2019 até àquela data), cfr. Documento 9 junto à petição inicial.
Destarte, afigura-se-nos não existirem os apontados erros na apreciação da matéria de facto.
Vejamos detalhadamente,
O Recorrente insurge-se, particularmente, contra três factos considerados não provados:
i) O Banco 1... não resolveu o contrato promessa.
Resulta, todavia, documentalmente provado que o Banco 1..., S.A., procedeu à resolução do contrato promessa de compra e venda, face ao documento 1 junto com o requerimento de 28 de outubro de 2022 (documento, de resto, não impugnado pelo Recorrente).
Além disso, nas palavras do Recorrente - que sobre esta matéria não produziu qualquer prova documental ou testemunhal que impusesse conclusão diversa àquela subsumida pelo tribunal a quo – não poderia considerar-se como não provado que o Banco 1..., S.A., não resolveu o contrato-promessa porque o representante do Banco 1... comparece na escritura em 02.03.2021 (ou seja, em data posterior à aquisição do imóvel pela Recorrida).
Sucede que, com base na mesma data erradamente apontada pelo Apelante, pretende este que dois factos passem a integrar a matéria de facto provada: o ponto i) já acima referido e o ponto ii) que o Recorrente se encontrou em negociações para compra do imóvel junto do Banco 1... até, pelo menos, 02.03.2021, ou seja em momento posterior à aquisição do imóvel por parte da Recorrida.
Sucede que a referida argumentação cai na base, uma vez que a não comparência do Recorrente no acto da escritura pública ocorre em 02.03.2020 e não em 02.03.2021.
Quando do ponto 17 da matéria de facto provada consta que: “O contrato-promessa foi resolvido pelo anterior proprietário, através de comunicação dirigida ao Réu, datada de 06 de Março de 2020.”, o que se encontra, de resto, em sintonia com o documento 1 junto ao requerimento de 28 de outubro de 2022, figurando (e bem) na matéria de facto provada.
Resulta, pois, evidente que nunca poderia dar-se como provado que o Recorrente se encontrou em negociações para compra do imóvel junto do Banco 1... até, pelo menos, 02.03.2021, ou seja, em momento posterior à aquisição do imóvel por parte da Recorrida, devendo, forçosamente, improceder a impugnação da matéria de facto.
Além disso, quanto ao terceiro ponto da matéria de facto não provada que o Recorrente entende que deveria elencar na factualidade provada, iii) O Recorrente desconhecia a identidade da Recorrida no momento em que se encontrava a negociar o imóvel junto do Banco 1..., apenas tendo efetivo conhecimento de tal identidade aquando da comunicação de resolução do contrato de arrendamento (06.04.2022) - deverá, igualmente, improceder a referida pretensão.
Vejamos,
Como vimos, a primeira parte da pretensão do Recorrente não pode dar-se como provada, pois, como o próprio indica as negociações entre o Recorrente e o Banco 1... terão cessado no momento da não comparência do Recorrente à escritura pública de compra e venda, o que ocorre em 02 de março de 2020, tendo a Recorrida adquirido o imóvel a 18 de dezembro de 2020, logo, não pode corresponder à realidade que o Apelante tivesse em negociações com o Banco 1... para aquisição de um imóvel já alienado à Recorrida.
Quanto ao facto de o Recorrente invocar que apenas teve efectivo conhecimento da identidade da Recorrida aquando da comunicação de resolução do contrato de arrendamento (06.04.2022), há, uma vez mais, que salientar que o Recorrente não produziu qualquer prova que sustentasse essa alegação e, como tal, a mesma ter-se-á de considerar como não provada.
Aliás, como bem refere o Tribunal a quo “E, apesar de se ter provado que a autora só com a resolução do contrato de arrendamento é que comunicou essa aquisição ao Réu, tal não significa que o Réu a desconhecesse”.
Assim, não existe qualquer contradição entre a matéria de facto provada e não provada, pelo seguinte:
Resulta da matéria de facto provada que,
- 10 - A Autora procedeu à comunicação ao Réu da resolução do contrato de arrendamento através de contacto pessoal de agente de execução, no dia 6/4/2022, com fundamento na falta de pagamento das rendas nos termos dos artigos 1084.º, n.º 2 do CC e 9.º, n.º 7, alínea b) do NRAU, conforme Doc. 9 da p.i. que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
- 13 - Entre 18 de Dezembro de 2020 (data da aquisição do imóvel) e 06.04.2022 (data da comunicação da resolução), a Autora não encetou qualquer diligência destinada a dar a conhecer a sua qualidade de proprietária ao Réu e a reclamar qualquer montante em dívida.
- 14 - A autora só numa visita ao imóvel em final de 2021 é que soube que estava habitado.
- 15 - A anterior proprietária informou então a Autora que estava em curso uma ação para recuperação dos valores de renda devidos relativos ao contrato de arrendamento objeto dos autos.
- 16 - Só em 2022, quando pressionado pela Autora para informar do estado das diligências, o anterior proprietário informou que, afinal, não havia avançado com nenhuma ação.
De resto, nos termos da sentença: Não há controvérsia, e estão comprovados pelos documentos juntos à p.i., o registo de aquisição do imóvel a favor da autora, o contrato de arrendamento, o contrato-promessa, a falta de comparência do réu à escritura, as cartas para interpelação do réu para pagar as rendas em mora e a resolução do contrato de arredamento.
Por falta de impugnação, as partes estão de acordo quanto ao não pagamento das rendas e ao seu valor em 2022.
Bem como é admitido pela autora que a primeira comunicação que faz ao réu é a da resolução do contrato de arrendamento.
De resto, explicou a testemunha BB, funcionário da autora, que só souberam que o imóvel estava habitado numa visita em Novembro de 2021, o que foi confirmado pela testemunha CC.
Continuou BB, que contactaram então o Banco 1... que lhes referiu a existência de uma acção contra o réu e para não fazerem nada e aguardar o seu desenrolar. Só mais tarde souberam que não havia acção nenhuma. Aí, a autora avançou com a resolução.
De resto, a prova de que o contrato promessa foi resolvido resulta do documento junto com o requerimento de 22/10/2022.
Assim, não há prova de que o contrato de arrendamento era um mecanismo temporário destinado a permitir a aquisição futura do imóvel.
Nem prova nenhuma foi produzida sobre alegadas negociações do réu com o Banco 1... posteriores à aquisição do imóvel pela autora.
Afigura-se-nos, por isso, que andou bem a sentença na sua análise, pois a mesma espelha, precisamente e integralmente, a produção de prova.
De facto, como a testemunha BB aludiu no seu depoimento a Recorrida adquiriu de uma só vez um extenso conjunto de imóveis ao Banco 1..., pelo que, desconhecia em absoluto que o imóvel em apreço estivesse ocupado ou onerado com um contrato de arrendamento.
Não obstante, o arrendamento sempre acompanharia o imóvel e, se o Recorrente cumprisse a obrigação de pagamento da renda junto do Banco 1..., após a transmissão à Recorrida, caberia ao Banco 1... entregar tal quantia à Recorrida, o que não aconteceu, pois como já acima referido, o Recorrente desde o mês de Maio de 2019 que não pagava qualquer quantia a título de renda.
Entendemos, assim, que o Senhor Juiz a quo fundamentou a sua decisão de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo.
Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que os elementos dos autos lhe revela.
Assim, não merece crítica as respostas à matéria de facto provada, improcedendo, por isso, a impugnação apresentada.
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim fixada em 1ª instância.
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4.2 Do abuso de direito

Resulta dos autos que entre o Banco 1..., S.A. e o réu, aqui Apelante, foi celebrado um contrato de arrendamento de um imóvel com fim habitacional, pelo prazo de um ano, a começar em 1/5/2018.
Por sua vez, a autora adquiriu a propriedade do imóvel ao Banco 1..., pelo que lhe sucedeu na qualidade de senhoria em 18/12/2020, sendo que o réu, aqui Apelante deixou de pagar as rendas em Maio de 2019, o que conferiu ao autor o direito de resolver o contrato de arrendamento, ao abrigo do disposto no artigo 1083º, 3, do Código Civil, o que este fez por comunicação efectuada por contacto de agente de execução.
O Apelante continua a defender, porém, que existe abuso de direito, pois, alegadamente, mantinha as negociações com o Banco 1... para aquisição do imóvel, quando foi surpreendido com a resolução do contrato de arredamento pela ré, desconhecendo que esta adquirira o imóvel.
Como é sabido, o abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (artigo 334º do Código Civil).
A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstractas.
Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
Há neste exercício um desvio flagrante e ostentatório entre a dimensão do direito tutelado e compressão de um outro estado ou situação jurídica, que não estando salvaguardado pela ordem jurídica, terá obtido pela permanência na esfera jurídica de um outro sujeito, um estádio de quase direito que a consciência jurídica, numa assumpção de pré-juridicidade ou juridicidade fáctica, deve tutelar, ou pelo menos, obstar que seja desfeiteado pelo direito validamente constituído.
Menezes Cordeiro, em “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, Livª Almedina, págs. 249-269, sintetiza em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias nos permitem, igualmente, enquadrar parâmetros de actuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito.
As referidas tipologias são as seguintes: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
Em primeiro lugar, a exceptio doli traduzia-se numa actuação dolosa do titular na formação da sua situação jurídica ou no momento da própria discussão da causa.
Em segundo lugar, no venire contra factum proprium está em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado.
Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra.
Em terceiro lugar, verifica-se uma inalegabilidade formal quando alguém alega de forma desconforme com a boa-fé, designadamente por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio.
Em quarto lugar, referem-se a supressio e a surrectio que são figuras baseadas nos mesmos fenómenos - decurso do tempo, boa-fé e tutela da confiança - mas de sentido inverso.
No primeiro caso, o decurso de um longo período de tempo sem o exercício de um direito faz com que o seu titular perca a faculdade do seu exercício.
No segundo caso, a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria.
Em quinto lugar, o tu quoque traduz-se na inadmissibilidade do titular do direito aproveitar-se de uma violação de uma norma jurídica exigindo a outrem que actue em consonância com as consequências resultantes dessa violação.
Por fim, em sexto lugar, temos o desequilíbrio, ou seja, o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).
Reportando-nos ao caso vertente, verificando-se que não existia qualquer acção judicial em curso intentada pelo Banco 1... e que desde maio de 2019 o Recorrente não pagava qualquer quantia a título de renda, a Recorrida avançou com a resolução do contrato de arrendamento.
Afigura-se-nos, no referido circunstancialismo, que não houve qualquer comportamento abusivo por parte da Recorrida, nem a resolução do contrato de arrendamento excedeu os limites impostos pela boa-fé ou pelos costumes, não se verificando qualquer abuso de direito por parte da Recorrida.
De contrário, poderá concluir-se pela conduta abusiva do Recorrente, na medida em que há praticamente 5 anos reside num imóvel, sem pagar o que quer que seja, e sem qualquer título válido, pelo menos desde 6 de Abril de 2022.
E apesar de a Recorrida ter admitido que a primeira comunicação que fez ao Recorrente é a da resolução do contrato de arrendamento, tal não significa, efectivamente, que o Réu desconhecesse tal realidade.
Insurge-se o Recorrente contra esta conclusão do tribunal a quo, invocando que o tribunal o onerou com a prova de um facto negativo impossível de concretizar, mas não tem qualquer fundamento a alegação do Recorrente por várias razões.
Com efeito, o Recorrente não logrou provar quaisquer negociações com o anterior proprietário para aquisição do bem imóvel após 2 de março de 2020 (data em que deliberadamente não compareceu à escritura de compra e venda, incumprindo em definitivo o contrato-promessa), logo foi incapaz de demonstrar que continuou a negociar após essa data e após a aquisição do imóvel pela Recorrida junto do anterior proprietário.
Além disso, não é plausível que desde 2 de março de 2020 até à comunicação para resolução do contrato de arrendamento (06.04.2022), o Apelante não tivesse obtido qualquer informação do Banco 1... sobre a alienação do imóvel à Recorrida, ainda que informal.
Com efeito, não é crível que continuasse a residir no bem imóvel sem pagar o que quer que fosse, durante tal hiato temporal, sem se inteirar ou ser inteirado da realidade do imóvel.
Ademais, mesmo que fosse verdade que o Recorrente apenas tivesse tido conhecimento efectivo de que a Recorrida era a atual proprietária do imóvel em 6 de Abril de 2022, tal não constituiria razão para alterar a decisão recorrida, porquanto o Apelante admitiu, por acordo, que desde Maio de 2019 não cumpriu a obrigação de pagamento da renda.
Assim, o motivo que subjaz à resolução (falta de pagamento de renda) é válido e justifica a resolução do arrendamento; admitindo igualmente que após 6 de abril de 2022 nada liquidou a título de indemnização à Recorrida pela ocupação do imóvel.
Além disso, com a comunicação para resolução do arrendamento, foi conferido ao Apelante o prazo de 30 dias para pagamento das rendas em dívida, acrescida da mora correspondente a 20% das rendas em dívida, logo, caso o Recorrente tivesse regularizado a dívida no prazo legal, a resolução não operaria, e manter-se-ia o arrendamento, o que não sucedeu.
Assim, o Recorrente não viu diminuídos os seus direitos e garantias legais por alegadamente desconhecer a nova identidade do actual proprietário.
Diz, ainda, o Apelante que não se compreende - à luz da boa-fé - que a Autora tenha demorado praticamente 2 anos (quando na verdade, se trata de 1 ano e 4 meses, tendo tal retardamento sido perfeitamente justificado através da prova produzida em audiência) para reclamar as rendas vencidas.
Todavia, o que não é aceitável - à luz do princípio da boa-fé - é que o Recorrente tenha estado praticamente 3 anos (até receber a aludida comunicação de 6 de abril de 2022) sem pagar qualquer quantia a título de renda.
Será forçoso concluir que quem age com incúria e falta de diligência é o Recorrente e não a Recorrida.
Assim, conforme bem argumenta a Apelada, a subsumir algum comportamento à norma do artigo 334.º do Código Civil sempre seria o comportamento do Recorrente e não da Recorrida.
Impõe-se, por isso, o não provimento do recurso de apelação interposto pelo Réu.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso interposto pelo réu, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo do apelante.
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Notifique.




Porto, 26 de Setembro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Isabel Peixoto Pereira
2.º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira






(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)