PATRIMÓNIO COMUM DO CASAL
CÔNJUGES
ACORDO
DIVISÃO
RENDIMENTO
IMÓVEIS
Sumário

I - A norma imperativa do art.º 1730º, nº1 do Código Civil só é aplicável na fase da partilha do património comum do casal.
II - Por ser assim a mesma não se aplica à hipótese em que os cônjuges ainda antes da dissolução do casamento, decidem subscrever um acordo no qual concordam em repartir os rendimentos provenientes dos seus bens imóveis comuns.

Texto Integral

Apelação nº12082/23.2T8PRT.P1

Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto



Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Ana Luísa Loureiro
Paulo Duarte Teixeira







Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório:

AA, residente na Rua ..., ... PORTO, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum BB, com domicílio na Rua .... Fr., ... ..., ..., pedindo a condenação do Réu a cumprir o acordo outorgado entre A. e R. e, em consequência: a) a entregar à A. a quantia global de € 8.825,99, bem assim como o correspondente a 40% de todos os montantes que vierem a ser pagos a partir da distribuição da presente acção, relativamente às rendas que vierem a ser recebidas do estabelecimento referido na al. b) do art.º 2º, a) do art.º 6º e art.º 10º. - restaurante sito na Rua ..., ... ..., prédio com o artigo matricial ...28 -, todos do presente articulado; b) a entregar à A. a quantia de € 17.214,94, correspondentes a 50% dos valores recebidos pelo R. relativamente à actividade de alojamento local desenvolvida no imóvel referido na al. b) do art.º 2º, art.º 7º e art.º 16º., do presente articulado, entre 26 de Julho de 2021 e 18 de Abril de 2023, bem assim como 50% das verbas recebidas pelo R., em resultado da mesma actividade, desde 18 de Abril de 2023 e enquanto as receber; c) a entregar à A. a quantia de € 1.319,99 relativos a 50% das rendas recebidas pelo R. relativamente ao 2º andar do prédio identificado na al. a) do art.º 2º dado de arrendamento a CC, recebidas pelo R. e correspondentes ao período de Abril de 2021 assim como em 50% das rendas que o mesmo receber desde a data da distribuição da presente acção; d) a entregar à A. 25% dos lucros e outras verbas distribuídas entre os sócios da sociedade A..., Ld.ª, relativos à quota detida naquela sociedade, correspondente a 33,33333334% do capital, conforme acordo.
Condenar o R. em Juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, sobre todos os montantes que se apurarem como devidos.

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Citado, o Réu contestou a acção pugnando pela improcedência e a absolvição do pedido.
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Os autos prosseguiram os seus termos, considerando o Tribunal “a quo” o processo continha todos os elementos necessários para que fosse proferida uma decisão de mérito, razão pela qual passou de imediato à sua apreciação.
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Proferiu então decisão sobre a matéria de facto e em face da mesma julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido formulado pela Autora.
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A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
O Réu não respondeu.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como sendo o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
È consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
A) Entendeu o Meritíssimo Tribunal que se está perante uma partilha de património comum – rendas, dividendos societários – auferidos na pendência do casamento – e que apenas ocorrerá após trânsito em julgado da sentença que decretar a separação de bens ou divórcio, sendo o meio processual próprio para tal o processo de inventário para separação de meações;

B) Daí ter fixado como OBJETO DO PROCESSO que se consubstancia no seguinte: “nos presentes autos, as questões a apreciar e decidir prendem-se com a (in)validade do “acordo” celebrado entre Autora e Réu”.
C) Ora, A. e R. não cessaram, ainda, as suas relações patrimoniais, nem sequer as relações matrimoniais, apesar de estar pendente em juízo um processo de divórcio requerido pelo R., sem consentimento do outro cônjuge, em momento posterior á presente acção.
D) Com o acordo celebrado entre ambos os cônjuges, ambos entenderam, por razões pessoais, estabelecer em separado a sua residência e a repartir entre si, mensalmente, o rendimento do seu património imobiliário - o que não significa a cessação das relações patrimoniais, para que ambos pudessem prover á sua subsistência.
E) O acordo constante dos Autos não viola qualquer regra imperativa – nem isso foi alegado -, não tendo sido beliscada a regra da metade constante do artº. 1730º do Código Civil, nem sequer tendo sido invocado por quaisquer dos cônjuges.
F) De resto, a distribuição dos rendimentos e despesas, tal como se mostra configurada na redacção do acordo celebrado entre ambos, resulta que a mesma é equitativa, continuando os aludidos bens a ser comuns até á correspondente partilha;
G) A celebração do acordo constante dos presentes Autos, não importava nem importou qualquer alteração ao regime de bens do casamento, porquanto deixa incólume o princípio da imutabilidade, nem sequer tendo sido violada a regra da metade estabelecida no nº1 do art.º 1730º do C.C., não constituindo qualquer obstáculo ao inventário judicial, não lhe retirando razão de ser.
H) O acordo celebrado entre ambos, apenas se limita a estabelecer a forma de distribuição do rendimento entre A. e R. enquanto não ocorrer um inventário judicial que envolva a generalidade do respectivo património, aí sim, após cessação da relação conjugal.
I) É verdade que a comunhão e adquiridos é composta por todo o acervo de bens e direitos de natureza patrimonial que se encontrem afectos ao gozo comum co casal.
J) Cessadas as relações patrimoniais, cada um dos cônjuges tem o direito de exigir a partilha dos bens comuns, mantendo, porém, o direito de permanecer na indivisão e, por isso, por maioria de razão, poderão proceder à partilha parcial, salvo opinião em contrário.
K) O R. não invocou a nulidade do acordo e, se o tivesse feito, competia-lhe fazer prova dos respectivos factos (art.º 342º, nº. 2 do CC), pelo que, salvo melhor opinião, está vedado ao Tribunal a quo apreciar tal matéria.
L) Ao terem celebrado o acordo em causa nos Autos, os cônjuges nem alteram as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, nem modificam as normas aplicáveis à comunhão (contra o artigo 1714º nº. 1 do CC); e também não modificam o estatuto de qualquer bem concreto (contra o artigo 1714º nº. 2 do CC) e, contra um entendimento amplo do princípio da imutabilidade.
M) Da leitura do acordo constata-se que, “todos os bens comuns do casal continuam bens comuns” e “todos os bens próprios de cada cônjuge continuam como dantes”, nenhuma das massas patrimoniais do casal sofrendo alteração.
N) Apenas muda – e mesmo assim no respeito pelo princípio da meação – o rendimento de tais bens, que entenderam distribuir, enquanto se mantêm na indivisão.
O) Se assim não for, resultará, no caso dos Autos, que o Réu se aproprie com a totalidade do produto das rendas do património comum do casal, em prejuízo da Autora, que nada recebe a tal propósito, o que determinará, aí sim, a violação da regra da imutabilidade, bem assim com a regra da metade a que alude o artº. 1730º do CC.
P) O Tribunal “a quo” não se pronunciou, em concreto, pela nulidade do acordo celebrado entre A. e R., pelo que a decisão proferida não se mostra fundamentada.
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Perante o acabado de expor, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no presente recurso:
A revogação da decisão proferida por incorrecta aplicação ao caso concreto do regime previsto no art.º 1730º do Código Civil.
Como antes já vimos, neste seu recurso a autora/apelante AA requer a revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra que faça prosseguir os autos para julgamento.
E com inteira razão como já de seguida veremos.
Na decisão que proferiu o Tribunal “a quo” teve em conta a seguinte “fundamentação de facto”:
1. Autora e Réu contraíram casamento católico entre si no dia 27 de Outubro de 1979, sem convecção antenupcial.
2. Pela apresentação 9 de 1977/12/07 encontra-se registada a aquisição a favor do Réu do prédio sito na Rua ..., ..., no Porto, Inscrito na matriz predial sob o nº. ...39 (urbano) da Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...82, composto por casa rés-do-chão, loja e três andares.
3. Existe o prédio urbano sito na Rua ..., ... ..., com o artigo matricial ...28.
4. Existe a sociedade A..., Ld.ª., constituída na constância do casamento de Autora e Réu.
5. Autora e Réu residem em locais separados desde Abril de 2021.
6. Corre termos sob o n.º ... no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia - Juiz 3 - Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge em que é Autor BB e Ré AA.
Ora dos autos resulta com clareza dos autos que o pedido formulado pela autora na sua petição inicial tem por base o acordo celebrado entre Autora e Réu em 19 de Maio de 2021 e que foi ao processo com a petição inicial (Doc.8).
E do seu conteúdo o que resulta, manifestamente, é uma repartição do rendimento mensal resultante do património imobiliário da Autora e do Réu.
É verdade que no mesmo foi feito constar ser “intenção dos outorgantes acordar sobre a partilha mensal dos rendimentos (rendas) auferidos pelo património do casal” (cf. alínea b) do mesmo Acordo).
A ser assim o que os seus subscritores quiseram com este acordo não foi dividir o seu património mas sim repartir os rendimentos provenientes dos bens imóveis pertença do casal enquanto o casamento de ambos não for dissolvido e então sim partilhados todos os bens do casal.
Nestes termos, tem pois razão a autora/apelante AA quando afirma nas suas alegações que “ao terem celebrado o acordo em causa, os cônjuges não alteram as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, nem modificam as normas aplicáveis à comunhão (contra o artigo 1714º, nº1 do CC); e também não modificam o estatuto de qualquer bem concreto (contra o artigo 1714º, nº2 do CC).”
Em suma, não estamos no âmbito da partilha do património comum do casal mas sim de um acordo quanto à divisão de rendimentos provenientes dos bens imóveis que integram o património do casal e que permanece comum até à dissolução do casamento e à subsequente partilha.
Por ser assim e por ser aplicável só na fase da partilha, o art.º 1730º do Código Civil não é aplicável no caso dos autos.
Perante o exposto, impõe-se pois concluir que não andou bem o Tribunal “a quo” quando sem mais, julgou a acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, revoga-se a decisão proferida, determinando-se que a mesma seja substituída por outra que faça prosseguir os autos para julgamento.
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Custas do recurso pela parte vencida a final.
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Notifique.





Porto, 26 de Setembro de 2024
Carlos Portela
Ana Luísa Loureiro
Paulo Duarte Teixeira