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CLÁUSULAS CONTRATUAIS
CONTRATO
MÚTUO BANCÁRIO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAR
REMUNERAÇÃO
INTERPELAÇÃO
LIVRANÇA EM BRANCO
EXEQUIBILIDADE
Sumário
I – Ocorrendo utilização de cláusulas contratuais gerais na outorga de um contrato, em caso de omissão de comunicação ou de devida informação (ou esclarecimento) aos aderentes, por parte do predisponente, tais cláusulas consideram-se excluídas do contrato; II - a violação ou incumprimento daqueles deveres de comunicação e informação, atento o seu conteúdo, deve ser necessariamente alegada pelo aderente, após o que funciona o ónus probatório inscrito no nº. 3, do artº. 5º do DL 446/85, de 25/10, incumbindo ao predisponente contratante provar ter efectuado comunicação, e prestado a devida informação, adequada e efectiva ao aderente, não incumbindo a este, ao invés, provar que não lhe foram concedidas possibilidades de conhecimento ; III – estando-se, em contrato de empréstimo ou mútuo bancário, perante cláusula previsional de juros, com estipulação de critérios de cálculo, definição de revisão anual e concretização da taxa nominal e taxa anual efectiva a vigorar no primeiro ano, sem particular complexidade de apreensão ou compreensão, e perante Executada Avalista que interveio em tal mútuo, para além da qualidade de garante, na qualidade de gerente da empresa mutuária e subscritora das livranças dadas em execução, não é minimamente credível, e escapa a todas as regras de experiência comum que, exercendo tais funções de gerência na empresa comercial mutuária, pelo menos desde há quatro anos, não lograsse fácil percepção e apreensão do clausulado relativamente a juros devidos pelo acordo de mútuo em equação ; IV – ou seja, não estamos perante uma pessoa colocada numa posição comercial especialmente fragilizada, sem quaisquer conhecimentos do trato comercial e financeiro, incapaz de dominar quaisquer conceitos decorrentes de uma normal operação de mútuo contraído junto de instituição bancária, que estivesse sido confrontada com a possibilidade/necessidade de constituir-se como garante de uma operação de crédito bancário, mas antes perante uma pessoa com experiência de trato e gerência comercial, de cujas funções faz normalmente parte todo um relacionamento financeiro com as instituições bancárias e, consequentemente, com os normais instrumentos de obtenção de crédito bancário, dos quais faz necessariamente parte uma estipulação contratual de juros a vencerem sobre o capital mutuado ; V – ademais, ainda que assim não fosse, sempre ter-se-ia que concluir, nomeadamente no que concerne à remuneração estipulada pelo empréstimo que estava a ser contraído pela sociedade que representava, e do qual se iria constituir pessoalmente garante, pela existência de negligência da aderente Embargante em aferir e informar-se acerca dos critérios determinativos daquela remuneração, bem como sobre a sua forma de cálculo ; VI – efectivamente, não é sustentável nem aceitável poder concluir-se que, vinculando-se voluntariamente a constituir-se como garante do cumprimento de um mútuo bancário que era contraído pela empresa da qual era igualmente uma das gerentes, não fosse exigível à aderente que se informasse acerca das condições e critérios de remuneração acordados, ou mesmo do cálculo do valor percentual dos juros contabilizáveis como contrapartida da cedência do capital mutuado, caso entendesse não ser clara ou perceptível a indicação feita constar nos instrumentos contratuais ; VII - estando em equação uma livrança em branco, ainda que tal não decorra do pacto de preenchimento (ou dos contratos de financiamento ou de idêntica natureza celebrados), por ao mesmo não se ter vinculado, o princípio da boa fé impõe a comunicação/interpelação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data de vencimento destas ; VIII - as consequências do não cumprimento daquele dever de interpelação/comunicação, quando tal não conste como dever previsto no pacto de preenchimento em que a avalista seja parte, implica, tão só, que a obrigação apenas se considera vencida relativamente ao executado avalista com a sua citação, na convocação do prescrito nos artigos 610º, nº. 2, alín. b), do Cód. de Processo Civil e 777º, nº. 1, do Cód. Civil ; IX – com efeito, tanto vale como acto de interpelação/comunicação da dívida, a comunicação extrajudicial, como a que ocorre com o acto de citação, na acção onde se pretende fazer valer as consequências advenientes do incumprimento e da decretada resolução contratual ; X – efectivamente, a questão é apenas de interpelação e de exigibilidade, e não de preenchimento abusivo, que não ocorre, pois, ainda que tenha o dever ou o ónus de comunicar ao garante o facto legitimador do preenchimento, a ausência de comunicação não faz com que o preenchimento da livrança seja um preenchimento abusivo ; XI - desta forma, a falta de interpelação/comunicação do embargante avalista tem apenas como consequência que a obrigação que assumiu, nessa qualidade, apenas se torna exigível com a citação para a acção, data a partir da qual são devidos juros, não implicando, ao invés, qualquer extinção da execução ; XII - não sendo, assim, condição de exigibilidade e exequibilidade do título (livrança), salvo se no pacto de preenchimento, o credor, tomador do título, se tenha obrigado a informar o avalista das vicissitudes da relação extracartular, nomeadamente do incumprimento, ou seja, que antes do portador do título o completar tenha que informar/comunicar/interpelar o avalista acerca do incumprimento da relação extracartular. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Texto Integral
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
I – RELATÓRIO
1 – A................................., Executada, deduziu oposição à execução, mediante embargos, aduzindo, em súmula, o seguinte:
- Ocorre ineptidão do requerimento executivo, atenta a incompatibilidade dos pedidos formulados ;
- Inexiste qualquer incumprimento definitivo dos contratos subjacentes às livranças dadas à execução, por omissão de interpelação admonitória dos devedores ;
- Pois não ocorreu qualquer interpelação do credor aos devedores, capaz de convolar a mora em incumprimento definitivo, de forma a legitimar a resolução contratual ;
- Pelo que, não se verificando qualquer incumprimento definitivo, atenta a ausência de interpelação admonitória aos devedores, jamais poderia o credor resolver o contrato, e exigir a integralidade do montante mutuado, acrescido de juros ;
- Donde, nenhuma responsabilidade pode ser assacada á ora Executada, enquanto garante da dívida, pelo facto da totalidade do crédito constante das livranças dadas à execução não estar vencido e, assim, não serem devidos os valores peticionados ;
- A perda do benefício do prazo de cumprimento da prestação, decorrente da declaração de insolvência da devedora principal, não é extensível em relação à executada/embargante ;
- De forma a permitir-lhe cumprir com o pagamento das alegadas prestações em falta ;
- Assim pondo termo à mora em prazo razoável ;
- Pelo que deve improceder a pretensão do Exequente, por expressa violação do artº. 782º, do Cód. Civil ;
- E, caso assim não se entenda, deve a execução prosseguir para cumprimento, tão-somente, das prestações vencidas e não pagas, até à data da citação, com consequente redução do pedido exequendo ;
- Ocorre, ainda, ineficácia da interpelação para pagamento, pois, conforme se constata pelos avisos de recepção juntos, nenhuma das comunicações chegou ao seu destino ;
- O não recebimento da comunicação remetida pelo Banco Exequente não radica em culpa própria da Embargante ;
- Exigindo-se ao Exequente, por razões de boa fé, que apurasse qual a sua morada actual, pelos meios que lhe estavam à disposição ;
- Por outro lado, ocorre, ainda, violação do dever de boa fé contratual relativamente ao prazo concedido pelo exequente para pagamento da dívida ;
- Pois não é legítimo, razoável e adequado exigir aos Executados o pagamento da totalidade da quantia, no prazo de 10 dias, sob pena de instauração de processo judicial ;
- Assim incorrendo em violação do disposto nos artigos 762º, nº. 2 e 808º, nº. 1, ambos do Cód. Civil ;
- Ocorre, igualmente, nulidade da relação subjacente às livranças dadas à execução por violação dos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais ;
- Pelo que devem tais cláusulas ser excluídas do contrato, declarando-se nulas ;
- O que determina que por força da nulidade da relação subjacente são as livranças dadas á execução nulas, por contágio, não sendo assim certas, líquidas e exigíveis.
Conclui, pelo recebimento, e consequente juízo de procedência dos embargos, e pela suspensão da execução, nos termos do artº. 733º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil.
2 – Admitidos liminarmente os embargos e notificado o Exequente/Embargado BANCO.................................S.A., nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 2 do artº. 732º, do Cód. de Processo Civil, veio apresentar contestação, na qual reiterou os fundamentos da execução, pronunciando-se acerca de cada um dos argumentos dos embargos, no sentido da sua improcedência.
Conclui, assim, pela total improcedência dos embargos deduzidos, devendo a acção executiva prosseguir os seus ulteriores termos até final
3 – Em 16/03/2023, foram prolatados despachos, nos quais:
- Indeferiu-se a requerida suspensão do processo executivo ;
- dispensou-se a realização de audiência prévia ;
- fixou-se o valor processual da causa ;
- proferiu-se saneador, no âmbito do qual:
1. julgou-se improcedente a invocada excepção dilatória de nulidade processual de ineptidão do requerimento executivo inicial ;
2. aferiu-se acerca da existência de nulidades e demais excepções ;
- fixaram-se o objecto do litígio - Da responsabilidade da executada/embargante pelo pagamento da dívida exequenda - e temas da prova – se existe duplicação de valores peticionados pela exequente; se o conteúdo das cláusulas dos acordos escritos subjacentes às livranças dadas à execução foi comunicado e explicado à executada/embargante ;
- apreciaram-se os requerimentos probatórios ;
- designou-se data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
4 – Designada data para a realização de julgamento, veio este a ocorrer conforme acta de 04/05/2023, com observância do legal formalismo.
5 – Após, datada de 09/06/2023, foi proferida SENTENÇA, que terminou com o seguinte dispositivo:
“VI – DECISÃO
Pelo exposto, decide o Tribunal julgar a presente oposição à execução mediante embargos de executado improcedente e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução relativamente à executada A..................................
***
VII - CUSTAS PROCESSUAIS
De acordo com o disposto no artigo 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
O n.º 2 do mesmo preceito legal acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Os embargos de executado improcedem integralmente, pelo que as custas ficam a cargo da executada/embargante (artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Registe e notifique.
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Comunique ao(à) agente de execução”.
6 - Inconformada com o decidido, a Executada/Embargante interpôs recurso de apelação, em 04/09/2023, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“a) O tribunal recorrido, na sua sentença de fls., deu como provado (pontos 9 e 10 da matéria de facto dada como provada) que o banco exequente enviou duas cartas registadas com aviso de recepção à sociedade J...................Lda., em 09 de Abril de 2021;
b) Para tanto, baseou-se nos documentos (1 e 2) juntos pelo banco recorrido na sua contestação de fls.
c) Os referidos documentos não dispõem de qualquer elemento que indicie que tenham sido remetidos à referida sociedade supra.
d) Além disso, o tribunal deu como provado (ponto 11.) que o banco exequente remeteu interpelação à ora recorrente.
e) Todavia, como resulta do documento que o tribunal utilizou para formular a sua convicção, a dita interpelação foi remetida para morada estranha ao contrato e acordo em crise.
f) Face aos elementos disponíveis, entende o recorrente que os referidos pontos foram mal julgados;
g) Pelo que devem ser dados como não provados, com as demais consequências legais.
h) O tribunal recorrido deu razão à recorrente, ao afirmar que o banco recorrido não cumpriu com os deveres de informação e comunicação a que estava adstrito.
i) Porém, faz limitar as consequências desse incumprimento ao disposto na cláusula 9.ª e 11.ª, respectivamente, do contrato e do acordo de regularização de responsabilidades.
j) A lei, por sua vez, prescreve que devem ser excluídas as cláusulas não comunicadas e as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação.
l) Tendo o tribunal concluído que o banco exequente não cumpriu, integralmente, com os referidos deveres, devem ser excluídas todas as cláusulas passíveis de oposição à ora recorrente e que constam do contrato de empréstimo celebrado em 16 de março de 2016 e do acordo de regularização de responsabilidades celebrado em 13 de agosto de 2020.
m) Violou, a decisão recorrida, o disposto nos artigos 5; 6 e 8, alíns. a) e b) do DL 446/85, de 25 de Outubro.
n) Entende, o tribunal a quo, que a declaração de insolvência da sociedade J...................Lda. acarretou o vencimento de todas as obrigações que sobre ela impendiam.
o) Todavia, tal facto não determina a perda do benefício do prazo remanescente da ora recorrente. p) Nem tão pouco o facto de a recorrente ter sido gerente da insolvente pode afastar tal condição.
q) Nessa medida, a obrigação não se encontra vencida para a ora recorrente.
r) Violou, o tribunal, o artigo 782 do Código Civil.
s) No contrato e acordo celebrado entre exequente e executados ficou prevista a forma e os domicílios para efeito de comunicações entre as partes.
t) Para efeito de comunicação por via postal, ficou convencionado o domicílio da ora recorrente como sendo: Rua.................., n.º 3 – 6º, 1750-129 Lisboa.
u) Resulta, dos elementos probatórios junto pelo exequente aos autos, que a dita interpelação foi feita para morada estranha ao contrato, (i.e. Rua.................., 36 A, em Lisboa);
v) Razão pela qual jamais poderia ter chegado ao conhecimento da ora recorrente.
x) Nessa medida, porque que a dívida não se encontra vencida por falta de interpelação da ora recorrente, deva a presente acção executiva improceder”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso.
7 – O Recorrido/Exequente/Embargado apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
“A. O Recorrido juntou com o Requerimento Executivo como Documento n.º 3 as Cartas de Resolução do Contrato remetidas aos Executados, bem como os avisos de receção e como Documentos n.º 1 e 2 da Contestação as Cartas de Vencimento Antecipado das Obrigações da Insolvente.
B. As referidas cartas foram remitidas com aviso de receção para a morada indicada pelos Executados aquando da celebração dos contratos e que nunca vieram a solicitar qualquer tipo de alteração.
C. Sem prejuízo de terem sido devolvidas com a indicação de “objeto não reclamado”, o Exequente tomou todas as devidas providências para a interpelação dos ora Executados, pelo meio próprio e para a morada que os próprios indicaram nos Contratos celebrados, cumprindo o Exequente com todos os seus deveres e agindo diligentemente.
D. As referidas Cartas só não foram recebidas pela Embargante/Recorrente pois este não as reclamou junto dos serviços postais, apesar de notificado para o efeito. No que a isto concerne, diz-nos o n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil: “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”
E. Enquanto, Gerência da Empresa Mutuária, foram os Executados os primeiros a saber do incumprimento das suas obrigações, e a consequente, Declaração de Insolvência, tanto mais que esta não fora requerida por Credores, mas sim peticionada pela própria Sociedade J...................Lda., em 25 de março 2021.
F. Ademais, os Créditos peticionados na ora Execução, foram reclamados e reconhecidos na Insolvência da Pessoa Coletiva mutuária destes.
G. De 25 de Março de 2021 (declaração de insolvência da Sociedade Mutuária) a 05 de outubro de 2021 (entrada o requerimento executivo), volveram seis meses, e os Sócios Gerentes da Sociedade Insolvente e avalistas do contrato de empréstimo, Executados/Embargantes nos presentes autos, plenamente conscientes do compromisso que haviam assumido com o Banco Exequente, nunca tentaram honrá-lo.
H. Nunca foi, nesse lapso temporal, o Banco Exequente contactado pelos Executados, para cumprirem com a obrigação que assumiram.
I. Diz a Recorrente que se limitou a subscrever os contratos, sem que alegadamente lhe tenham sido comunicados e explicados, detalhadamente pelo Recorrido o conteúdo de cada cláusula que os compõem, pelo que, na sua tese, teria sido violado o dever de comunicação e informação previstos no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
J. Não se pode concluir que foi violado o dever de informação, se a Embargante, podendo pedir os esclarecimentos de que carecia, antes da outorga dos contratos, não o fez.
K. Porém, o Tribunal a quo, vem considerar que ficou por demonstrar que o Exequente tenha cumprido cabalmente os seus deveres de informação, pelo que ao abrigo do artigo 8.º do referido Decreto-Lei vem a considerar que devem ser excluídas a Cláusula 9.ª do contrato de empréstimo celebrado em 16 de março de 2016 e a Cláusula 11.ª do acordo de regularização de responsabilidades celebrado em 13 de agosto de 2020.
L. Tal exclusão em nada implica a nulidade do contrato, aplicando-se aos temas das Cláusulas excluídas o regime normativo supletivo, à luz do artigo 9º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
M. O contrato celebrado, bem como a livrança dada como título à Execução continuam a produzir plenos efeitos quanto aos Avalistas, pelo que os Créditos peticionados são devidos e da inteira responsabilidade destes.
N. A Recorrente, enquanto avalista, comprometeu-se com o Recorrido, a título pessoal.
O. O aval desencadeia uma obrigação independente e autónoma, tendo por conteúdo uma promessa de pagar o título de crédito e por função a garantia desse pagamento.
P. A Embargante/Recorrente é responsável/devedora pela globalidade dos valores em divida para com o Embargado/Exequente, solidária e subsidiariamente aos outros intervenientes, uma vez que assumiu a posição de avalista dos créditos peticionados.
Q. Foi ainda concedido o prazo de 10 dias, os imediatamente anteriores ao vencimento da livrança, à Recorrente para o cumprimento da obrigação que havia assumido.
R. Não podendo nunca a Recorrente vir alegar má-fé do Exequente, uma vez que este lhe concedeu prazo mais do que razoável para assumir as suas obrigações ou tão-só vir a contacto com o ora Recorrido para saber as possibilidades de pagamento.
S. Não ocorreu a perda do beneficio do prazo da prestação aquando da Insolvência da Empresa Mutuária.
T. As responsabilidades em execução já se encontravam em incumprimento em data anterior à declaração de insolvência.
U. Fácil é de compreender que as obrigações que se vencessem em data posterior à declaração de insolvência da mutuária veem esse vencimento antecipado, operando de forma automática e sem necessidade de interpelação dos restantes mutuários e/ou avalistas, ainda que tal tenha sido amplamente acautelado pelo Exequente/Recorrido (artigo 91.º do CIRE).
V. Além disso, o artigo 781.º do Código Civil estatuí: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”
W. Agiu o Exequente em conformidade com o estatuído no referido preceito legal, concedendo ao Credor a possibilidade de exigir antecipadamente da Devedora, a realização do pagamento das prestações vencidas e das prestações vincendas, bastando para tal, i) a possibilidade de a obrigação ser liquidada em duas ou mais prestações e, ii) a falta de realização de, no mínimo, uma delas”.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.
8 – O recurso foi admitido por despacho datado de 07/11/2023, como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
9 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Embargante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se, fundamentalmente, no seguinte:
1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência à pretensão de que os factos provados 9 a 11 sejam dados como não provados, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA – Conclusões a) a g) ;
2. Seguidamente, tendo por pressuposto a pretendida alteração da matéria de facto a figurar como provada, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA, no qual se aferirá acerca:
2.1 Do alegado não cumprimento, por parte do Embargado, dos deveres de comunicação e informação, previstos, respectivamente, nos artigos 5º e 6º, do DL nº. 446/85, de 25/10, e da necessária exclusão de todas as cláusulas passíveis de oposição à Embargante/Executada, constantes do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016 e do Acordo de Regularização de Responsabilidades de 13/08/2020, designadamente das de “difícil interpretação para um homem médio sem especiais conhecimentos financeiros”, de que é exemplo a Cláusula 3ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016, no que respeita aos critérios de fixação de juros - Conclusões h) a m) ;
2.2 Do incumprimento definitivo e da perda do benefício do prazo ; da circunstância da perda do benefício do prazo da sociedade mutuária, decorrente da sua insolvência, não determinar o vencimento imediato e integral das obrigações da Embargante/Executada, decorrentes do contrato de mútuo - Conclusões n) a r) ;
2.3 Da existência de falta de interpelação da Embargante/Executada da resolução do contrato, determinante do não vencimento da dívida - Conclusões s) a x).
O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
- Da natureza jurídica e função do aval ;
- Da (não) interpelação da embargante/executada avalista, ou (in)eficácia de tal interpelação, e respectivo ónus probatório, prévia ao preenchimento da livrança.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença apelada foi CONSIDERADAPROVADA a seguinte matéria de facto:
1. O exequente BANCO.................................S.A. instaurou a ação executiva para pagamento de quantia certa sob a forma de processo ordinária a que coube o n.º 22874/21.1T8LSB, da qual os presentes autos constituem apenso, contra a executada A................................., ora embargante, pedindo o pagamento da quantia de 16.339,31 € e apresentando como título executivo:
i) uma livrança de que é portadora onde se inscreve a frase “no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao BANCO.................................S.A. ou à sua ordem, a quantia de catorze mil, seiscentos cinquenta e três euros e trinta e oito cêntimos”, com a “importância (em euros)” de 14.653,38 €, com data de “emissão” de 2016.03.16 e de “vencimento” a 2021.07.08;
ii) uma livrança de que é portadora onde se inscreve a frase “no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao BANCO.................................S.A. ou à sua ordem, a quantia de mil quinhentos e quarenta e nove euros e vinte e um cêntimos”, com a “importância (em euros)” de 1.549,21 €, com data de “emissão” de 2020.08.13 e de “vencimento” a 2021.07.08;
2. As livranças referidas em 1. mostram-se assinadas por dois gerentes da subscritora J...................Lda., com o respetivo carimbo da sociedade no campo destinado às assinaturas dos subscritores.
3. As livranças referidas em 1. estão assinadas pela executada/embargante nos respetivos versos e sob os dizeres escritos “Bom para aval ao subscritor” e “Bom por aval à empresa subscritora”, respetivamente.
4. Subjacente à livrança referida em 1. i) está um acordo escrito denominado “Contrato de Empréstimo” datado de 16 de março de 2016, mediante o qual o exequente concedeu à sociedade J...................Lda. um empréstimo no montante de 57.992,15 €, e que se rege pelas seguintes cláusulas:
5. A executada/embargante interveio no acordo escrito referido em 4., na qualidade de gerente da subscritora J...................Lda. e na qualidade de “Garante”.
6. Subjacente à livrança referida em 1. ii) está um acordo escrito denominado “Acordo de Regularização de Responsabilidades” datado de 13 de agosto de 2020, celebrado entre o exequente e a sociedade J...................Lda., e que se rege pelas seguintes cláusulas:
7. A executada/embargante interveio no acordo escrito referido em 6. na qualidade de gerente da subscritora J...................Lda. e na qualidade de “Garante”.
8. A sociedade J...................Lda. foi declarada insolvente no dia 24 de março de 2021 no âmbito do processo n.º 6972/21.4T8LSB que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 1.
9. O exequente/embargado enviou à sociedade J...................Lda. uma carta registada com aviso de receção datada de 9 de abril de 2021, da qual consta o seguinte:
10. O exequente/embargado enviou à sociedade J...................Lda. uma carta registada com aviso de receção datada de 9 de abril de 2021, da qual consta o seguinte:
11. O exequente/embargado enviou à executada/embargante A................................. uma carta registada com aviso de receção datada de 8 de julho de 2021, da qual consta o seguinte:
12. A carta referida em 11. foi devolvida ao remetente, por não ter sido reclamada pela executada/embargante, com a menção “Não atendeu”.
13. A executada/embargante foi gerente da sociedade J...................Lda..
14. As livranças referidas em 1. não foram pagas na data do respetivo vencimento.
15. O exequente alega no requerimento executivo o seguinte: “Factos: A) Contrato n.º 0003.10217163096: 1. No exercício da sua actividade e na sequência de um contrato de empréstimo, que ora se junta como doc. 1, a Exequente é dona e legítima portadora de uma livrança subscrita pela sociedade J...................Lda., declarada insolvente no âmbito do processo n.º 6972/21.4T8LSB que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa- Juiz 1, e avalizada por A................................. e N..................., ora Executados, no valor de € 14.653,38 (catorze mil, seiscentos e cinquenta e três euros e trinta e oito cêntimos), emitida em 16/03/2016 e com vencimento em 08/07/2021, cfr. livrança que se junta como doc. 2 e que constitui título executivo. 2. Apresentada a pagamento, a referida livrança não foi paga na data do vencimento (08/07/2021) nem posteriormente, pelos Executados, apesar de instados a fazê-lo, cfr. doc. 3 que ora se junta. 3. Assim, atento o disposto nos artigos 28.º, 48.º, 77.º e 78.º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças e artigo 4.º do D.L. 262/83, de 16 de Junho, são os ora Executados responsáveis elo pagamento à Exequente, não só do valor da Livrança (€ 14.653,38) mas também dos juros de mora legais, calculados à taxa de 4%, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento e que na presente data ascendem a € 123,65 (cento e vinte e três euros e sessenta e cinco cêntimos). 4. Assim, relativamente a este financiamento, encontra-se em dívida perante a Exequente a quantia total de € 14.777,03 (catorze mil, setecentos e setenta e sete euros e três cêntimos), a que acrescem os juros de mora que se vencerem desde esta data até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa de 4,00%, sobre o valor de € 14.653,38. B) Contrato n.º 0003.23630024096: 5. Acresce que, também no exercício da sua actividade e na sequência de um acordo de regularização de responsabilidades que se junta como doc. 4, a Exequente é dona e legítima portadora de outra livrança subscrita pela sociedade J...................Lda., e avalizada pelos Executados, no valor de € 1.549,21 (mil quinhentos e quarenta e nove euros e vinte e um cêntimos), emitida em 13/08/2020 e com vencimento em 08/07/2021, cfr. livrança que se junta como doc. 5 e que, igualmente, constitui título executivo. 6. Apresentada a pagamento, a referida livrança não foi paga na data do vencimento (08/07/2021) nem posteriormente, pelos Executados, apesar de instados a fazê-lo, vide Doc. 3 junto. 7. Assim, atento o disposto nos artigos 28.º, 48.º, 77.º e 78.º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças e artigo 4.º do D.L. 262/83, de 16 de Junho, são os ora Executados responsáveis elo pagamento à Exequente, não só do valor da Livrança (€ 1.549,21) mas também dos juros de mora legais, calculados à taxa de 4%, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento e que na presente data ascendem a € 13,07 (treze euros e sete cêntimos). 8. Assim, relativamente a este financiamento, encontra-se em dívida perante a Exequente a quantia total de € 1.562,28 (mil quinhentos e sessenta e dois euros e cinte e oito cêntimos), a que acrescem os juros de mora que se vencerem desde esta data até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa de 4,00%, sobre o valor de € 1.549,21. 9. Destarte, relativamente aos dois financiamentos em execução os Executados são devedores da quantia total de € 16.339,31 (dezasseis mil, trezentos e trinta e nove euros e trinta e um cêntimos), a que acrescem os respectivos juros vincendos.”.
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E foi considerado NÃO PROVADO o seguinte:
1. O crédito reclamado resultante do acordo escrito denominado “Acordo de Regularização de Responsabilidades” datado de 13 de agosto de 2020, está incluído no crédito reclamado resultante do acordo escrito denominado “Contrato de Empréstimo” datado de 16 de março de 2016.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. Todavia, no que a esta concerne, a Recorrente/Apelante Embargante não a indicou como fundamento da impugnação apresentada, pelo que, logicamente, não mencionou quaisquer meios probatórios gravados a equacionar na presente sede recursória.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [2].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [3] (sublinhado nosso).
- Da pretendida alteração dos factos provados 9. e 10.
Aduz a Apelante que através dos factos 9 e 10 a sentença deu como provado que o banco exequente enviou, em 09 de Abril de 2021, duas cartas registadas com aviso de recepção à sociedade J...................Lda., tendo-se baseado nos documentos nºs. 1 e 2, juntos pelo mesmo Banco Recorrido, na contestação aos embargos.
Acrescenta que, todavia, tais documentos não dispõem de qualquer elemento que indicie que tenham sido efectivamente remetidos à enunciada sociedade, pelo que entende que, face aos elementos disponíveis, tais factos foram mal julgados, devendo-se antes considerar como não provados.
Na fundamentação/motivação aposta na sentença apelada, consignou-se que tais factos foram julgados como provados tendo-se em consideração o teor dos documentos nºs. 1 e 2 juntos com a contestação apresentada na presente sede de embargos, que não foram impugnados. Decidindo:
Através dos factos em equação consignou-se ter o Exequente/Embargado enviado à sociedade J...................Lda., cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 09 de Abril de 2021, das quais consta o teor transcrito em tais pontos factuais.
Analisado o teor da prova documental considerada como fundante de tais pontos factuais – documentos nºs. 1 e 2, juntos pelo Embargado/Exequente na contestação aos embargos -, constata-se estarmos perante cópias das cartas em referência, das quais consta a menção de “registada C/Aviso de Recepção”, não merecendo o conteúdo das mesmas qualquer contestação.
Ora, tal prova documental não logrou qualquer impugnação por parte da Embargante/Executada, sendo certo, ainda, que a mesma não é contraditada pelo teor da oposição deduzida, na qual a ausência de notificação é aduzida por referência aos executados garantes, e não por referência à sociedade subscritora/mutuária.
Assim, ainda que não tenha sido junta aos autos prova documental do referenciado envio de tais missivas, a existência daquelas cartas (não objecto de impugnação), a anotação das mesmas constantes da insolvência da destinatária (o que mereceu comprovativo respaldo nos autos mediante outra prova documental junta) e os ulteriores actos praticados pela credora junto dos garantes, permite, concluir, por presunção natural ou de facto, no sentido daquele concreto envio, pois, para além do mais, sempre seria incompreensível a sua mera elaboração, sem a sua consequente remessa à sociedade devedora insolvente.
Donde, sem outras delongas, conclui-se pela manutenção de tal factualidade na elencagem provada, improcedendo, nesta parte, a impugnação apresentada e, consequentemente, a vertente recursória sob apreciação.
- D
a pretendida alteração do facto provado 11.
Relativamente ao presente ponto factual, aduz a Impugnante que no acordo de regularização de responsabilidades celebrado entre as partes ficou convencionado que as comunicações atinentes aos contratos seriam efectuadas para os domicílios das partes, ali melhor identificados.
Acrescenta que a sua morada ali aposta é “Rua.................., nº. 3 – 6º, 1750-129 Lisboa”, mas que compulsadas as cartas que alegadamente lhe foram enviadas pelo Recorrido Banco, constata-se terem sido enviadas para o seguinte endereço: “Rua.................., 36 A, em Lisboa”.
Desta forma, adita, tais cartas não foram remetidas para o domicílio convencionado para a Executada, pelo que jamais poderiam ter chegado ao seu conhecimento, e jamais poderia o Tribunal ter dado como provado que a Recorrente foi interpelada.
Donde, consequentemente, deve ser considerado como não provado o constante do facto 11.
Em sede contra-alegacional, referencia o Recorrido terem tais cartas sido remetidas “com aviso de receção para a morada indicada pelos Executados aquando da celebração dos contratos e que nunca vieram a solicitar qualquer tipo de alteração”.
Acrescenta que sem prejuízo de terem sido devolvidas com a menção de “objecto não reclamado”, tomou todas as providências para a interpelação dos Executados, “pelo meio próprio e para a morada que os próprios indicaram nos Contratos celebrados, cumprindo o Exequente com todos os seus deveres e agindo diligentemente”.
Assim, aduz, só não foram tais cartas recebidas pela Embargante/Executada, em virtude desta não as ter reclamado junto dos serviços postais, apesar de notificada para o efeito, sendo assim aplicável o estatuído no n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil, ou seja, que “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
Na motivação/fundamentação da sentença recorrida consta que relativamente ao facto provado em equação “teve-se em consideração o documento 3 junto com o requerimento executivo (cartas e suporte documental atinente ao seu envio e receção), não impugnado”. Decidindo:
Compulsado o referenciado doc. nº. 3, junto com o requerimento executivo (na parte que ora releva), constata-se o seguinte:
- São duas as comunicações escritas em equação, datadas de 08/07/2021, tendo como emitente o Exequente/Embargado, e como destinatária a Embargante/Executada ;
- Tais comunicações escritas reportam-se a alegada “resolução contratual e interpelação para pagamento de dívida(s)/livrança(s)”, nos termos expostos no facto 11. provado, tendo por base os mútuos subjacentes ao Contrato de Empréstimo identificado no facto 4. provado e o Acordo de Regularização de Responsabilidades” descrito no facto 6. provado ;
- No rosto das comunicações escritas, para além do nome da destinatária (ora Embargante/Executada), constam as seguintes moradas:
- Na relativa ao Contrato de Empréstimo (1ª transcrita no facto 11. provado): “Rua.................., 36 A 1750-129 Lisboa” ;
- Na relativa ao Acordo de Regularização de Responsabilidades (2ª transcrita no facto 11. provado): “Rua.................., 36 - A 1750-129 Lisboa” ;
- Tais comunicações escritas foram remetidas apenas numa única carta registada, em cujo registo consta a morada “36-A” (registo com o nº. RG330003114PT), constando da parte frontal do envelope remetido “36 A”.
Em acréscimo ao exposto, constata-se, ainda, o seguinte:
- no cabeçalho do Contrato de Empréstimo, datado de 16/03/2016, transcrito no facto 4. provado, consta como morada da garante A................................. (ora Embargante/Executada) “Rua.................., nº. 3 – 6º” ;
- enquanto que no Acordo de Regularização de Responsabilidades, datado de 18/08/2020, transcrito no facto 6. Provado, consta da cláusula 12ª, como morada da mesma garante, “Rua.................. 3 6 A”.
Consta do facto impugnado encontrar-se provado que “o exequente/embargado enviou à executada/embargante A................................. uma carta registada com aviso de receção datada de 8 de julho de 2021, da qual consta o seguinte: (…)”, seguindo-se a transcrição das referenciadas duas comunicações escritas de “resolução contratual e interpelação para pagamento de dívida(s)/livrança(s)”.
Questiona a Impugnante que tal carta lhe tenha sido efectivamente remetida, pois alega não o ter sido para o domicílio convencionado, quer no Contrato de Empréstimo, quer no posteriormente celebrado Acordo de Regularização de Responsabilidades.
Todavia, conforme resulta da exposição supra exposta, carece a mesma de razão.
Com efeito, na única carta registada remetida, da qual constavam as duas comunicações, foi aposto no talão de registo a morada de “36-A”, figurando no rosto do envelope remetido “36 A”. O que, com clareza, corresponde a menção idêntica, insusceptível de qualquer erro ou indicação de morada contraditória.
Por outro lado, tal morada corresponde, com efectividade, ao domicílio convencionado da Garante A................................., conforme resulta da cláusula 12ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades, datado de 13/08/2020 – cf., o ponto 6. provado.
É certo que no cabeçalho do Contrato de Empréstimo, datado de 16/03/2016, relativamente à mesma Garante, havia sido convencionado o domicílio como sendo “nº. 3 - 6º”.
Todavia, sendo de posterior datação aquele Acordo de Regularização de Responsabilidades, não poderia o mesmo deixar de ser entendido como de actualização daquela morada, a merecer a necessária relevância na efectivação da notificação. E isto, para além da evidente similitude entre ambas as moradas, a sugestionar eventual lapso na sua anotação, o que não resultou minimamente provado (e nem sequer foi alegado).
Desta forma, não corresponde à verdade o alegado pela Impugnante de que naqueles dois documentos - Contrato de Empréstimo e Acordo de Regularização de Responsabilidades –o domicílio convencionado fosse o de Rua.................., “nº. 3 - 6º”, pois tal menção apenas é correcta relativamente ao primeiro (Contrato de Empréstimo), e não já relativamente ao segundo (Acordo de Regularização de Responsabilidades).
Como, ainda, não é susceptível de corroboração a sua afirmação de que a carta enviada (a mesma alude, no plural, a cartas, ainda, conforme constatámos, de forma indevida) não foi remetida para o seu domicílio convencionado, pois, tal missiva foi efectivamente remetida para o domicílio da Garante, convencionalmente estipulado no segundo dos instrumentos de mútuo outorgados.
Donde, igualmente no que concerne ao presente ponto factual, improcede a pretensão impugnatória apresentada, com falência do recursoriamente pretendido, o que determina a manutenção do ponto factual 11. na elencagem da factualidade provada.
II) Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA
- Do alegado não cumprimento, por parte do Embargado, dos deveres de comunicação e informação, previstos, respectivamente, nos artigos 5º e 6º, do DL nº. 446/85, de 25/10, e da necessária exclusão de todas as cláusulas passíveis de oposição à Embargante/Executada, constantes do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016 e do Acordo de Regularização de Responsabilidades de 13/08/2020
Referencia a Recorrente Embargante que o Tribunal Recorrido deu-lhe razão, ao afirmar que o Banco Recorrido não cumpriu com os deveres de informação e comunicação a que estava adstrito.
Todavia, acrescenta, a decisão apelada fez limitar as consequências desse incumprimento ao disposto na cláusula 9ª do Contrato de Empréstimo e à cláusula 11ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades.
Ora, de acordo com o legalmente prescrito, devem ser excluídas as cláusulas não comunicadas e as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, pelo que, tendo em atenção o reconhecido incumprimento do Banco Exequente, devem ser excluídas todas as cláusulas passíveis de oposição à ora Recorrente, quer as que constam do contrato de empréstimo celebrado em 16 de Março de 2016, quer as constantes do Acordo de Regularização de Responsabilidades celebrado em 13 de agosto de 2020.
Nomeadamente, concretiza, “as que se afigurem de difícil interpretação para um homem médio sem especiais conhecimentos financeiros (…)”, exemplificando com a cláusula 3ª do Contrato de Empréstimo celebrado em 16/03/2016, no que respeita aos critérios de fixação de juros.
Em sede de resposta alegacional, aduziu o Apelado Banco não se poder concluir pela violação do dever de informação se a Embargante, podendo pedir os esclarecimentos de que carecia, antes da outorga dos contratos, não o fez.
Acrescenta que o Tribunal a quo considerou ter ficado por demonstrar que o Banco Exequente tenha cumprido cabalmente os seus deveres de informação, pelo que, nos termos do artº. 8º, do DL nº. 446/85, de 25/10, entendeu deverem ser excluídas as enunciadas Cláusula 9.ª do Contrato de Empréstimo celebrado em 16 de Março de 2016 e Cláusula 11.ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades, celebrado em 13 de Agosto de 2020.
Todavia, defende, tal exclusão em nada implica a nulidade dos contratos, antes se aplicando no âmbito das cláusulas excluídas o regime normativo supletivo inscrito no artº. 9º, nº. 1, do mesmo diploma.
Assim, quer os contratos outorgados, quer as livranças dadas à execução, continuam a produzir plenos efeitos quanto aos avalistas, sendo os créditos peticionados devidos e da sua inteira responsabilidade.
Concretizando, a Embargante Recorrente, enquanto avalista, comprometeu-se com o Banco Recorrido, desencadeando o aval uma obrigação independente e autónoma, a qual tem por conteúdo uma promessa de pagar o título de crédito e, por função, a garantia desse pagamento.
Desta forma, conclui, é a Embargante Recorrente “responsável/devedora pela globalidade dos valores em divida para com o Embargado/Exequente, solidária e subsidiariamente aos outros intervenientes, uma vez que assumiu a posição de avalista dos créditos peticionados”.
No que se reporta à controvérsia em equação, a sentença sob sindicância decidiu nos seguintes termos:
- Urge saber se a Exequente observou os deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais constantes dos contratos subjacentes às livranças dadas à execução ;
- Na negativa, impõe-se determinar quais as consequências da inobservância daqueles deveres relativamente à Executada/Embargante, atenta a sua qualidade de avalista ;
- Nomeadamente, no aferir se a Exequente tinha fundamento para preencher as livranças dadas em execução ;
- Alega a Embargante que as cláusulas dos acordos escritos subjacentes às livranças dadas à execução, não tendo sido negociadas entre as partes intervenientes, não lhe foram comunicadas ou explicadas, pelo que deverão ser excluídas, na decorrência do regime das cláusulas contratuais gerais, consagrado no DL nº. 446/85, de 25/10 ;
- Pelo que importa apreciar se foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação e, na negativa, determinar quais as consequências dessa omissão no que respeita ao aval prestado pela Executada/Embargante ;
- Conforme decorre do artº. 5º, nºs. 1 e 2, do DL nº. 446/85, de 25/10, pretendendo proceder ao controlo da inclusão das referidas cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares, com vista à tutela do aderente, a lei exige o cumprimento dos deveres de comunicação e informação das mesmas perante aquele aderente ;
- Por sua vez, o ónus probatório dessa comunicação adequada e efectiva incumbe ao predisponente das cláusulas contratuais gerais – o nº. 3, do mesmo artº. 5º, do DL nº. 446/85, de 25/10 ;
- Conforme decorre do artº. 8º, referente às cláusulas excluídas dos contratos singulares, em tais situações, os contratos singulares mantêm-se, vigorando, na parte afectada, as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos – o artº. 9º, nº. 1, do DL nº. 446/85 ;
- In casu, o predisponente (Exequente) não demonstrou que tinha cumprido o dever da adequada e oportuna comunicação ao aderente (a Executada/Embargante) do teor do conteúdo dos acordos escritos subjacentes às livranças dadas à execução ;
- Com efeito, ficou por demonstrar que o Exequente tenha efectuado a comunicação e prestado a devida informação, adequada e efectiva, à Executada/Embargante, no que concerne ao teor das cláusulas acordadas, inseridas nos acordos escritos subjacentes às livranças dadas em execução ;
- Sendo que tais deveres competiam-lhe, conforme decorre dos enunciados artigos 5º e 6º, do DL nº. 446/85, de 25/10 ;
- Pelo que devem ter-se por excluídas dos acordos escritos, subjacentes às livranças dadas em execução, pelo menos, no que ora particularmente releva, as cláusulas respeitantes ao preenchimento das livranças avalizadas, nomeadamente, a cláusula 9ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016 e a cláusula 11ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades, celebrado em 13/08/2020 ;
- Efectivamente, perfilhando o entendimento sufragado pelo Acórdão do STJ de 15/05/2014 – Processo nº. 1419/11.7TBCBR-A.C1.S1 -, a omissão dos deveres de comunicação e de informação das cláusulas, relativas aos pactos de preenchimento das livranças dadas à execução, por parte do Exequente à Executada/Embargante, não leva à nulidade de nenhum dos acordos escritos, mas tão-só à expurgação da cláusula 9ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016 e a cláusula 11ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades, celebrado em 13/08/2020, que dizem respeito à Executada/Embargante, que interveio nesses contratos, a título pessoal, na qualidade de garante ;
- porém, tal exclusão não afecta os avales prestados, ou seja, os negócios cambiários, pois, tendo a avalista optado por lançar mão da invalidade das cláusulas que integram os pactos de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão dos contratos, autoexclui-se da intervenção nos acordos de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com o beneficiário das livranças (o Banco Exequente), a coberto da qual poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo ;
- Efectivamente, sendo o aval um acto cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo próprio título, na decorrência da característica da abstracção do título – o artº. 32º, § 2º, da LULL -, a obrigação do avalista mantém-se, mesmo que a obrigação que ele garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma ;
- Pelo que, mesmo a ocorrer a exclusão de cláusulas contratuais em decorrência da sua não comunicação à Executada/Embargante, a obrigação cambiária desta não é afectada por tal exclusão, mantendo a sua autonomia ;
- Donde, a avalista continua a ser responsável pelo pagamento da livrança, de cujos termos ou condições de preenchimento fica de fora pois, face ao prescrito no artº. 10º e artº. 32º, ex vi do artº. 77º, todos da LULL, ao dar o aval ao subscritor de tal título em branco, fica sujeito ao direito potestativo do portador de o preencher nos termos constantes do contrato de preenchimento ;
- Assumindo, assim, mesmo o risco desse contrato de preenchimento não ser respeitado e de ter que responder pela obrigação constante do título como se ela “estivesse efectivamente configurada” ;
- Pelo que, consequentemente, não pode a Executada/Embargante invocar a excepção de preenchimento abusivo, que pressupõe a validade da cláusula que vinculava o Exequente (credor cambiário) para com a avalista, a preencher as livranças na forma e condições convencionadas ;
- E, ainda que assim não fosse, a Embargante/Executada não produziu qualquer prova no sentido de demonstrar o preenchimento abusivo das livranças dadas à execução, designadamente a alegada duplicação dos valores peticionados.
Em primeiro lugar, urge consignar que o entendimento da sentença apelada de que o Embargado/Exequente não provou ter cumprido os deveres de informação e comunicação à Embargante/Executada, no que concerne ao teor das cláusulas acordadas, inseridas nos acordos escritos subjacentes às livranças dadas em execução, assim se tendo determinado a exclusão, de tais acordos escritos, pelo menos, das cláusulas respeitantes ao preenchimento das livranças avalizadas – cláusula 9ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016, e cláusula 11ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades celebrado em 13/08/2020 -, não pode ser alterado por este Tribunal, pois, por um lado, tal matéria não faz parte do objecto recursório da Recorrente e, por outro, o Recorrido Embargado não requereu a ampliação do objecto do recurso – cf., o art.º. 636º, do CPC -, relativamente a tal matéria em que decaiu.
Urge, assim, apreciar se outras cláusulas acordadas, inseridas nos acordos escritos subjacentes às livranças dadas em execução, deveriam ter-se por excluídas, nomeadamente as passíveis de oposição à Executada/Embargante/Avalista, tendo em consideração a cláusula exemplificadamente indicada pela Recorrente – cláusula 3ª do contrato de empréstimo celebrado em 16/03/20165, no que respeita aos critérios de fixação e contabilização de juros.
Num primeiro momento, ponderemos o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, previsto no já referenciado DL nº. 446/85, de 25/10.
Tal regime tem o seu âmbito de aplicação definido no artº. 1º, ao prescrever que: “1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. 3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo” (sublinhado nosso).
No âmbito da inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares, e prevendo acerca do dever de comunicação, estatui o artº. 5º que: “1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais” (sublinhado nosso).
O normativo seguinte – artº. 6º -, prevê acerca do dever de informação, referenciando que: “1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.
Por sua vez, o artº. 8º, do mesmo diploma, prevê acerca das cláusulas excluídas dos contratos, referenciando, nas suas alíneas a) e b), que: “consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo” (sublinhado nosso).
O artº. 9º estatui acerca da subsistência dos contratos singulares, enunciando que “nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos. 2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé”.
Por fim, no capítulo relativo à nulidade das cláusulas contratuais gerais, estatui o artº. 12º que as “proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”, acrescentando o artº. 15º, como princípio geral, que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
O que se articula com o prescrito no artº. 24º, ainda do mesmo regime legal, que, prevendo acerca da declaração de nulidade, prescreve que “as nulidades previstas neste diploma são invocáveis nos termos gerais”.
Conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 19/12/2018 [4], “os contratos de adesão são um modelo de contratação que se explica, em parte, pela contratação em massa, mas que corresponde, também, a exigências de racionalização, de segurança e de confiança dos particulares aderentes”, impondo a lei ao proponente das cláusulas contratuais gerais “um conjunto de deveres destinados a tutelar a parte presumivelmente mais débil da relação contratual, i.e., o mero aderente”.
Entre tais deveres, surge com realce “o dever de comunicar (art. 5.º da LCCG) integral, prévia e adequadamente o conteúdo dessas cláusulas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las e o dever de informação relativamente a aspetos carecidos de clarificação (art. 6.º da LCCG)”, constituindo-se ambos como “uma emanação da exigência duma formação de vontade negocial isenta de vícios e do princípio da boa-fé, radicando, ultimamente, no direito dos consumidores à informação assegurado pelo art. 60.º, n.º 1, da CRP”.
O dever de comunicação caracteriza-se como “uma obrigação de meios e impõe que o predisponente desenvolva uma atividade que, em função da importância, extensão e complexidade das cláusulas contratuais gerais por si empregues, se revele razoavelmente adequada a que o aderente tome efetivo conhecimento das mesmas, sem que, para tanto, empenhe mais do que uma comum diligência (art. 5.º, n.º 2, da LCCG)”, enquanto que o dever de informação implica, para o predisponente, “a obrigação de prestar aos aderentes as indicações e explicações que se devam ter como razoáveis sobre o conteúdo das cláusulas predispostas que careçam de aclaramento. Trata-se de uma concretização legislativa que resultaria já da boa-fé na fase pré-contratual”.
Por fim, enuncia que o modo, forma e intensidade de cumprimento de tais deveres “dependem das particulares circunstâncias do caso, podendo ter-se como referência as necessidades que seriam sentidas por um aderente normal que use de comum diligência”.
Por sua vez, referencia Ana Prata [5] que uma das características identificadoras das cláusulas contratuais gerais “é a pré-elaboração, destinando-se o modelo a ser usado num conjunto indefinido de contratos”. E, citando Almeno de Sá [6], referencia ser essencial a sua pré-formulação “para uma generalidade de contratos ou uma generalidade de pessoas”, implicando tal que “a proposta não seja projectada tão-só para a concreta conclusão de um contrato com um sujeito determinado, mas antes para funcionar como base de um uniforme regulamento jurídico, dirigido a diversificados parceiros negociais” [7].
Apreciando o ónus probatório inscrito no transcrito nº. 3, do artº. 1º, referencia a mesma Autora [8] que “a aplicação das regras gerais sobre ónus da prova determina que o aderente tenha de provar a natureza do contrato para que lhe seja aplicado o regime deste diploma”.
Todavia, ressalva, “quando os factos levados ao conhecimento do tribunal tornam notória a qualidade de adesão do contrato ou, mesmo, quando são bastantes para presumir que ele é dessa natureza, deve o tribunal dispensar tal prova: na primeira hipótese, porque a lei o determina e, na segunda, porque na função de controlo cometida ao poder judicial creio estar compreendida a necessidade de poupar ao aderente prova muitas vezes difícil de fazer, ao menos sempre que existam (….) elementos suficientes para usar do meio de prova que são as presunções judiciais”.
Porém, tal já não será assim, antes se impondo um verdadeiro ónus de alegação “sobre o contraente que pretende prevalecer-se da violação dos deveres de comunicação e informação a que se reportam os arts. 5º e 6º do Dec-Lei 446/85 (…)” (sublinhado nosso).
E, concretizado tal ónus de alegação de falta ou violação do dever de comunicação (o mesmo sucedendo com o dever de informação, com contornos semelhantes e próximos), funcionará, então, o ónus probatório inscrito no citado nº. 3, do artº. 5º, ou seja, a prova daquela comunicação “adequada e efectiva cabe ao predisponente das cláusulas, significando isto que, se, depois de celebrado um contrato com base em cláusulas contratuais gerais, o aderente vier impugnar o contrato (ou uma parte do seu clausulado), alegando que não o conheceu, não tem ele de provar que não lhe foram concedidas possibilidades de conhecimento. Ao invés, é ao predisponente que cabe a prova de que cumpriu esta obrigação, isto é, que proporcionou ao aderente as condições para que ele conhecesse completa e efectivamente o regulamento contratual ; se não conseguir produzir tal prova, corre o risco de ver essas cláusulas retiradas do contrato, nos termos do artigo 8º-a)” (sublinhado nosso) [9].
Desta forma, conforme prescrevem as alíneas a) e b), do transcrito artº. 8º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, “sempre que for incumprida a obrigação de comunicação ou a de informação, as cláusulas não comunicadas ou aclaradas consideram-se excluídas do contrato. Há, pois, uma redução ope legis do contrato, uma amputação deste das cláusulas, que não são consideradas nele integradas, por violação das obrigações pré-contratuais que a lei enuncia. Não estou certa de que haja de distinguir entre as cláusulas nulas e estas que a lei determina que sejam retiradas do contrato ; é verdade que, nesta hipótese, o contraente não tem de arguir e provar a nulidade da cláusula para a ver suprimida do contrato, mas, não estabelecendo a lei o tipo de invalidade de que sofrem, talvez o mais razoável fosse qualificá-la como nulidade, ideia contra a qual milita o facto de não se poder dizer ter havido consenso sobre elas” [10].
Ora, deste breve enquadramento resulta que, ocorrendo utilização de cláusulas contratuais gerais na outorga de um contrato, em caso de omissão de comunicação ou de devida informação (ou esclarecimento) aos aderentes, por parte do predisponente, tais cláusulas consideram-se excluídas do contrato.
A violação ou incumprimento daqueles deveres de comunicação e informação, atento o seu conteúdo, deve ser necessariamente alegada pelo aderente, após o que funciona o ónus probatório inscrito no nº. 3, do artº. 5º do DL 446/85, de 25/10, incumbindo ao predisponente contratante provar ter efectuado comunicação, e prestado a devida informação, adequada e efectiva ao aderente, não incumbindo a este, ao invés, provar que não lhe foram concedidas possibilidades de conhecimento.
E isto, independentemente da qualificação do vício ou invalidade em equação (nulidade, inexistência jurídica, ineficácia ou pura exclusão, não chegando sequer a integrar o conteúdo contratual).
Todavia, qual o grau de exigência a ter em equação na consideração do cumprimento daqueles deveres ?
Analisemo-lo, ainda que perfunctoriamente.
Questionando a linear qualificação da obrigação como de meios, referencia Ana Prata [11] não se impor “que o aderente tenha efectivamente conhecido as cláusulas, mas aquela possibilidade, tendo em conta os dados de facto da concreta situação, tem de ser assegurada. Naturalmente, que qualquer obrigação de meios tem em vista o resultado da satisfação do interesse do credor ; a peculiaridade desta, relativamente às comuns obrigações de meios, reside no facto da diligência exigível o ser em função e proporcionalmente ao resultado que tem de ser alcançado. Dito por outras palavras, o devedor só cumprirá a obrigação se proporcionar ao aderente a possibilidade de conhecimento completo e efectivo do contrato. Isto é, não basta ter empregado a diligência medianamente exigível para a obrigação poder considerar-se cumprida ; só quando aquela que foi despendida tiver sido suficiente para a obtenção do resultado – a despeito de este não se ter verificado por negligência do credor/aderente, mas só por isso – é que pode falar-se em cumprimento desta obrigação”.
Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 11/02/2004, que cita [12], “nessa linha o nº. 2 (do artigo 5 do DL nº. 446/85) esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização, e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas”.
E, no que concerne ao grau de diligência exigível ao consumidor/aderente, acrescenta a mesma Autora [13] que, visando a mencionada regulamentação “acautelar a situação dos aderentes e, neste particular, a consciência daquilo a que vão dar o seu acordo, parece-me defensável que se entenda só haver culpa daqueles, quando a negligência tiver sido grave ou grosseira”, salvaguardando, porém, não ser “exigível uma diligência superior à que o adquirente médio utilizaria”.
Consentâneo com o entendimento perfilhado, enuncia, é o juízo exposto no douto Acórdão do STJ de 03/05/2007 [14], entendendo-se que se o aderente, num contrato de concessão de crédito em que intervinha como fiador, “não procurou saber qual a quantia exacta […] [da] aquisição e as condições de pagamento, à sua irreflexão o deve e não pode esgrimir essa irreflexão a posteriori contra quem legitimamente se cuidou antes do negócio efectuado [….]. No essencial o réu CC conhecia ou podia conhecer a responsabilidade que assumia ao declarar-se fiador do companheiro da sua prima, o réu BB”.
Por outro lado, no que concerne ao cumprimento do dever de informação inscrito no citado artº. 6º, do mesmo diploma, acrescenta-se não decorrer “que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação de explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas e o seu significado (porventura complexo); no entanto, quando se trate de cláusulas que, dadas as circunstâncias – isto é, em razão da dificuldade objectiva da compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las, justifiquem uma aclaração, um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente do pedido do aderente, tem de prestar essa informação circunstanciada”.
Donde, para além de “ter de prestar espontaneamente informações, tem ainda o predisponente a obrigação de esclarecer o sentido das cláusulas, quando tal lhe seja pedido pelo aderente, desde que esse pedido seja objectivamente justificado, ou seja, quando haja uma razão, enunciada pelo aderente ou até objectivamente perceptível, que justifique o pedido de aclaração” [15].
No sentido exposto aduz-se, exemplificativamente, o decidido no douto aresto do STJ de 30/10/2007 [16], onde se consignou não ser “exigível a pessoa analfabeta que domine conceitos jurídicos como «mora», «cláusula penal», «rescisão do contrato» e «reserva de propriedade», sobretudo se tais conceitos constaram das «Condições Gerais», sendo, por isso, mais exigente o dever de informação”.
Retornemos ao caso concreto.
No seu articulado inicial, a Embargante (ora Recorrente) alegou que os termos e condições dos aludidos Contrato de Empréstimo e Acordo de Regularização de Responsabilidades (que constituem a relação subjacente que determinou a emissão das livranças exequendas) foram pré-elaborados pelo Banco Exequente, cujos termos são complexos e não estão ao alcance da compreensão de uma pessoa média, como é a Embargante, dando como exemplo o disposto na cláusula 3ª do Contrato de Empréstimo, relativa à previsão de juros.
Acrescentou que limitou-se a subscrever tais contratos, sem que a Exequente tenha comunicado e explicado detalhadamente cada cláusula, ocorrendo, assim, violação do dever de comunicação e informação, pelo que devem tais cláusulas ser excluídas do contrato, declarando-se nulas, nos termos do artº. 8º, do DL nº. 446/85, de 25/10.
E, conclui, por força da nulidade da relação subjacente, são as livranças dadas à execução nulas por contágio, não sendo assim certas líquidas e exigíveis.
Na contestação apresentada, referencia o Embargado que em contravenção do ónus de prova que sobre si recai, não alegou a Embargante qualquer facto concreto, nem juntou qualquer prova, demonstrativa de que solicitou quaisquer esclarecimentos ou que foi impedida pelo Embargado de os obter.
Acrescenta, assim, não ter a Embargante alegado e provado ter ficado privada de quaisquer das informações solicitadas, ou ter sido coagida a assinar as livranças em execução ou os contratos que lhes subjazem, pelo que não se pode concluir por qualquer violação do dever de informação, na situação em que a Embargante, podendo pedir os esclarecimentos de que carecia, antes da outorga dos contratos, o não fez.
Conforme supra explicitámos, a sentença sob sindicância concluiu no sentido do Embargado/Exequente não ter logrado provar o cumprimento dos deveres de informação e comunicação à Embargante/Executada, no que concerne ao teor das cláusulas acordadas, inseridas nos acordos escritos subjacentes às livranças dadas em execução, assim se tendo determinado a exclusão, de tais acordos escritos, pelo menos, das cláusulas respeitantes ao preenchimento das livranças avalizadas – cláusula 9ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016, e cláusula 11ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades celebrado em 13/08/2020.
O que, conforme justificámos, mostra-se insindicável na presente sede.
Ora, de acordo com a configuração atribuída ao objecto recursório, na presente vertente, impõe-se, apenas, apreciar se, para além da exclusão das identificadas cláusulas inscritas nos acordos escritos subjacentes às livranças exequendas, impõe-se a exclusão de outras, nomeadamente e tendo em consideração a nomenclatura atribuída pela Recorrente, as passíveis de oposição à Executada/Embargante/Avalista, tendo em consideração a cláusula exemplificadamente indicada pela Recorrente – cláusula 3ª do contrato de empréstimo celebrado em 16/03/20165, no que respeita aos critérios de fixação e contabilização de juros.
Vejamos.
Em primeiro lugar, urge referenciar que nem na oposição deduzida á execução, nem na presente sede recursória, logrou a Embargante Recorrente especificar ou identificar quais as cláusulas dos enunciados acordos escritos que deveriam merecer exclusão, limitando-se, na presente sede, a nominá-las como as passíveis de oposição à Executada/Embargante/Avalista, ainda que, exemplificativamente, tenha nominado uma delas.
Ora, impunha-se que, com clareza e determinação, a ora Recorrente tivesse procedido a tal enunciação/identificação, em vez de aludir a conceito genérico e pouco preciso, referenciando quais as concretas e efectivas cláusulas com a natureza de genéricas e pré-existentes que não lhe foram devidamente comunicadas e/ou explicitadas e que, de acordo com as circunstâncias, impusessem/justificassem devida aclaração ou esclarecimento.
Não o tendo feito, e para além daquelas cuja exclusão foi decidida na sentença impugnada, compulsados os acordos escritos em equação, não descortinamos que outras, passíveis de oposição à Executada Avalista, fossem susceptíveis de justificar idêntico tratamento, sendo certo que a própria Recorrente também não as indica.
E, no que concerne à cláusula indicada pela Apelante, como exemplificativa de necessária exclusão – cláusula 3ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016 -, estamos perante uma cláusula previsional de juros, com estipulação de critérios de cálculo, definição de revisão anual e concretização da taxa nominal e taxa anual efectiva a vigorar no primeiro ano, sem particular complexidade de apreensão ou compreensão.
Ora, estando-se perante uma Executada Avalista que interveio nos aludidos acordos, para além da qualidade de garante, na qualidade de gerente da empresa mutuária e subscritora das livranças – factos provados 5. e 7. -, não é minimamente credível, e escapa a todas as regras de experiência comum que, exercendo tais funções de gerência na empresa comercial mutuária, não lograsse fácil percepção e apreensão do clausulado relativamente a juros devidos pelos acordos de mútuo em equação.
E ademais, quando estamos perante uma empresa comercial, que tem por objecto o “comércio por grosso e a retalho, distribuição, importação e exportação de calçado, malas, artigos de adorno e vestuário”, e na qual a mesma Executada Avalista já exercia funções de gerência desde 2012, o que sabemos ter-se prolongado, pelo menos, até 2016 – cf., o teor da matrícula comercial da subscritora mutuária, junta pela Embargada juntamente com a oposição aos embargos.
Ou seja, não estamos perante uma pessoa colocada numa posição comercial especialmente fragilizada, sem quaisquer conhecimentos do trato comercial e financeiro, incapaz de dominar quaisquer conceitos decorrentes de uma normal operação de mútuo contraído junto de instituição bancária, que estivesse sido confrontada com a possibilidade/necessidade de constituir-se como garante de uma operação de crédito bancário, mas antes perante uma pessoa com experiência de trato e gerência comercial, de cujas funções faz normalmente parte todo um relacionamento financeiro com as instituições bancárias e, consequentemente, com os normais instrumentos de obtenção de crédito bancário, dos quais faz necessariamente parte uma estipulação contratual de juros a vencerem sobre o capital mutuado.
Conforme sumariado em douto Acórdão desta Relação de 24/04/2018 – Relator: José Capacete, Processo nº. 4/17.4T8PDL-A.L1-7, in www.dgsi.pt, citado na oposição aos presentes embargos -, relativamente a situação com alguma atinência ao caso sub judice, “o acento tónico da LCCG e da legislação comunitária que a influenciou vai no sentido do reconhecimento de um real e efetivo direito à informação da parte contratante considerada mais fraca, e que, obviamente, constitui um correspondente dever do utilizador das ccg, dever este que não se limita á singela comunicação do teor das cláusulas contratuais, mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspeto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
– As condições devem integralmente comunicadas pelo predisponente à contraparte, impondo-se para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efetivo pelo contraente que atue com a diligência comum.
– A imposição ao utilizador do ónus de comunicação das ccg tem como correlativo, do lado do aderente, a necessidade de adoção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível, a qual se afere à luz do critério abstrato da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa.
– São complementares, os deveres comunicação e informação por parte do predisponente; visando ambas a eficaz apreensão da proposta contratual, enquanto o dever de comunicação procura garantir o conhecimento efetivo desta, o dever de informação propõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente.
– Daí que, enquanto o dever de comunicação abrange o conspecto das cláusulas, o dever de informação se restringe aos "aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique".
– Sendo os embargantes gerentes de uma sociedade comercial desde o momento da sua constituição, em 1991, e no caso a própria mutuária e beneficiária dos créditos concedidos pelo banco, para cuja garantia foram emitidas livranças em branco, não é verisímil, não é crível, escapa às regras da lógica e da experiência da vida, daquilo que é normal nestes casos, que não estivessem familiarizados com a figura do aval, ou seja, que ao prestá-lo, desconhecessem que a partir daí passariam a responder, a ser responsáveis, perante o banco, da mesma maneira que a sociedade de que eram gerentes e a favor da qual prestaram tal garantia.
– Choca com as regras da boa-fé, exigíveis a todos os contraentes, a postura dos embargantes, traduzida no facto de, sendo chamados a cumprir, e tendo assinado voluntariamente os contratos e as livranças, onde se obrigaram como avalistas, invocarem, sem mais, a violação dos deveres de comunicação e informação, pelo banco, das cláusulas contratuais eferentes ao aval, para, assim, de forma simples, se eximirem à assunção das responsabilidades a que, pelas referidas assinaturas, perante ele se vincularam.
– Os deveres de comunicação e de informação não podem ser erigidos em dogmas para que, invocada a sua violação, num caso como o presente, os avalistas pura e simplesmente se desvinculem das obrigações voluntariamente assumidas” (sublinhado nosso).
Ademais, ainda que assim não fosse, sempre ter-se-ia que concluir, nomeadamente no que concerne à remuneração estipulada pelo empréstimo que estava a ser contraído pela sociedade que representava, e do qual se iria constituir pessoalmente garante, pela existência de negligência da aderente Embargante em aferir e informar-se acerca dos critérios determinativos daquela remuneração, bem como sobre a sua forma de cálculo.
Efectivamente, não é sustentável nem aceitável poder concluir-se que, vinculando-se voluntariamente a constituir-se como garante do cumprimento de um mútuo bancário que era contraído pela empresa da qual era igualmente uma das gerentes, não fosse exigível à aderente que se informasse acerca das condições e critérios de remuneração acordados, ou mesmo do cálculo do valor percentual dos juros contabilizáveis como contrapartida da cedência do capital mutuado, caso entendesse não ser clara ou perceptível a indicação feita constar nos instrumentos contratuais.
Donde, consequentemente, conclui-se no sentido da inexistência de quaisquer outras cláusulas dos acordos escritos – Contrato de Empréstimo e Acordo de Regularização de Responsabilidades -, subjacentes às livranças dadas em execução, que devam ser excluídas e, consequentemente, improcedência da suscitada excepção de invalidade dos títulos executivos, que, tendo-se formado de forma legalmente prevista, mantém-se plenamente válidos e operatórios.
Bem como pela total improcedência, nesta vertente, das alegações recursóriasapresentadas.
- Do incumprimento definitivo e da perda do benefício do prazo ; da circunstância da perda do benefício do prazo da sociedade mutuária, decorrente da sua insolvência, não determinar o vencimento imediato e integral das obrigações da Embargante/Executada, decorrentes do contrato de mútuo
- Da existência de falta de interpelação da Embargante/Executada da resolução do contrato, determinante do não vencimento da dívida.
Alega a Recorrente ter o Tribunal a quo entendido que a declaração de insolvência da sociedade J...................Lda., acarretou o vencimento de todas as obrigações que sobre ela impendiam, mas que, tal facto, não determina a perda do benefício do prazo remanescente da avalista Recorrente, ou seja, não ocorre o vencimento antecipado das obrigações.
Acrescenta que o facto da Recorrente ter sido gerente da insolvente não afasta tal condição, o que traduz que a obrigação não se encontra vencida relativamente á Recorrente, tendo a decisão apelada violado o prescrito no artº. 782º, do Cód. Civil.
Por outro lado, aduz, em ambos os instrumentos contratuais outorgados entre exequente e executados ficou prevista a forma e os domicílios para efeitos de comunicações entre as partes, tendo ficado convencionado como domicílio da ora Recorrente, para efeitos de comunicação por via postal, “Rua.................., n.º 3 – 6º, 1750-129 Lisboa”.
Todavia, resulta dos elementos probatórios juntos pelo próprio Exequente, que a dita interpelação foi feita para morada estranha ao contrato, ou seja, para “Rua.................., 36 A, em Lisboa”, razão pela qual jamais poderia ter chegado ao conhecimento da Recorrente.
Desta forma, não se encontrando a dívida vencida, por falta de interpelação da Recorrente, não pode deixar de improceder a execução instaurada.
Na resposta contra-alegacional apresentada, aduziu o Apelado não ter ocorrido a perda do beneficio do prazo da prestação aquando da Insolvência da Empresa Mutuária, pois as responsabilidades em execução já se encontravam em incumprimento em data anterior à declaração de insolvência.
Assim, aduz, as obrigações que se vencessem em data posterior à declaração de insolvência da mutuária veem esse vencimento antecipado, operando de forma automática e sem necessidade de interpelação dos restantes mutuários e/ou avalistas, ainda que tal tenha sido amplamente acautelado pelo Exequente/Recorrido (artigo 91.º do CIRE).
Por fim referencia ter agido em consonância com o prescrito no artº. 781º, do Cód. Civil, o qual concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente da devedora, a realização do pagamento das prestações vencidas e das prestações vincendas, bastando para tal, i) a possibilidade de a obrigação ser liquidada em duas ou mais prestações e, ii) a falta de realização de, no mínimo, uma delas.
Neste segmento, a sentença sob apelo, decidiu nos seguintes termos:
- Afirma a Executada/Embargante que inexiste incumprimento definitivo dos contratos subjacentes às livranças dadas em execução, por omissão de interpelação admonitória dos devedores, sendo ineficaz a interpelação para pagamento ;
- No que se reporta à subscritora J...................Lda., foi declarada insolvente em 24/03/2021, pelo que nos termos dos artigos 91º, nº. 1 e 3º, nº. 1, ambos do CIRE, as obrigações emergentes dos negócios subjacentes à emissão das livranças em branco têm-se por vencidas, por força da declaração de insolvência da subscritora, como consequência da impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas ;
- E, as obrigações que se vencessem em data posterior à declaração de insolvência vêm esse vencimento antecipado, operando de forma automática, e sem necessidade de interpelação ;
- E, ainda que assim não fosse, resulta provado que a Exequente/Embargada enviou à sociedade J...................Lda., uma carta registada com aviso de recepção, datada de 09/04/2021, na qual lhe comunicou o vencimento antecipado das obrigações ;
- Atento tal vencimento antecipado, que operou de forma automática e sem necessidade de interpelação, o Exequente procedeu ao preenchimento das livranças, como lhe competia fazer ;
- E, sendo os avalistas responsáveis como obrigados cambiários e, dada a natureza abstracta dessa obrigação, não carece de qualquer declaração de resolução dos contratos subjacentes à subscrição dos títulos ;
- Efectivamente, com a insolvência da avalizada, o risco garantido pelo avalista em branco coincide com o incumprimento ope legis da dívida ;
- Ademais, tal nunca poderia ser ignorado pela Embargante/Executada, pois, aquela era gerente da sociedade subscritora das livranças dadas à execução e, por isso, não podia deixar de conhecer a situação que iria levar à declaração de insolvência ;
- E, por consequência, necessariamente, muito antes dessa declaração, teria de estar ciente das responsabilidades que sobre si impendiam, por força da qualidade de avalista que havia assumido ;
- Ainda que assim não fosse, está provado que para interpelação da Embargante/Avalista/Executada, naquela qualidade de avalista, quanto ao preenchimento das livranças dadas à execução (avalizadas em branco), foram-lhe remetidas cartas registadas com aviso de recepção para a morada que a mesma havia indicado contratualmente, para os efeitos de realização de quaisquer avisos, declarações e comunicações (cláusula 10ª do Contrato de Empréstimo de 16/03/2016 e cláusula 12ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades de 13/08/2020) ;
- Tais cartas só não foram recebidas pela Executada/Embargante por não as ter reclamado, apesar de avisada junto dos serviços postais, pelo que opera, assim, o nº. 2, do artº. 224º, do Cód. Civil, considerando-se eficaz a interpelação, visto a respectiva declaração receptícia só não ter sido recebida por culpa do destinatário ;
- Ademais, em nenhum momento a Executada/Embargante alegou ter comunicado ao Exequente qualquer alteração de endereço ;
- Relativamente ao prazo concedido para pagamento (10 dias), mostra-se adequado e razoável, não tendo a Embargante alegado quaisquer factos dos quais se possa concluir em sentido contrário ;
- Ademais, sendo a Executada/Embargante gerente da sociedade subscritora das livranças dadas em execução, estava perfeitamente ciente de que a sociedade havia sido declarada insolvente, o que determinou o vencimento de todas as suas obrigações e que, em face da sua qualidade de avalista, iria ser chamada ao cumprimento das obrigações que assumiu ;
- Donde, conclui-se no sentido da subsistência da obrigação da Executada/Embargante, dada a sua qualidade de avalista, o que determina a improcedência dos deduzidos embargos.
Ora, dever-se-á considerar que as obrigações subjacentes á emissão das livranças não se encontram vencidas relativamente à Embargante/Executada/Avalista, por falta da sua interpelação ?
Analisemos, começando por aferir acerca da natureza do aval e da obrigação do avalista.
- Da natureza jurídica e função do aval e da obrigação do avalista
Prevendo acerca da garantia do pagamento pelo aval, prescreve o artº. 30º, da LULL que “o pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra”.
Acrescenta o artº. 32º, no âmbito da responsabilidade do avalista, que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra”.
Por sua vez, o artº. 47º, do mesmo diploma, ao determinar a responsabilidade solidária dos intervenientes na letra, aduz que “os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador. O portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram. O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago. A acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi accionado em primeiro lugar”.
Referencie-se, ainda, o estatuído no artº. 10º, do mesmo diploma, ajuizando acerca da violação do acordo na emissão da letra, que “se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
Todos estes normativos, previstos para as letras, “são aplicáveis às livranças, na parte em que não sejam contrárias à natureza deste escrito”, conforme prescrito no artº. 77º, do mesmo diploma, enunciando o artº. 75º acerca dos requisitos da livrança.
Definindo-se o título de crédito como o “documento necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado” ou incorporado, é certo que o “direito cartular pressupõe uma relação jurídica anterior – a relação subjacente ou fundamental -, de forma que sem esta relação não se explica a criação do título”.
E, o direito cartular “tem normalmente o mesmo conteúdo económico de um dos direitos que decorrem dessa relação jurídica” prévia, pelo que “o título de crédito em confronto com a relação fundamental apresenta-se com uma feição unilateral: refere-se exclusivamente aos direitos de uma só das partes”.
Assim, e para além da ideia da incorporação, tradutora da conexão existente entre o documento e o direito, os títulos de crédito possuem, ainda, as características da literalidade e autonomia.
A primeira, traduz que o “direito incorporado no título é um direito literal, no sentido de que a letra do título é decisiva para a determinação do conteúdo, limites e modalidades do direito”, enquanto que, no que concerne à autonomia, afirma-se que “o direito é autónomo, dado que o possuidor do título, o que o recebeu segundo a sua lei de circulação, adquire o direito nele referido de um modo originário, isto é, independentemente da titularidade do seu antecessor e dos possíveis vícios dessa titularidade”.
Tais características, e a disciplina jurídica que lhes subjaz, “aparece toda ele enformada pela preocupação de defesa dos interesses de terceiros de boa fé”, no sentido de que “todo aquele que tiver adquirido, pelo modo legal de transmissão, um título de crédito, deve poder confiar no seu conteúdo literal e estar defendido contra a alegação de quaisquer irregularidades que tiverem porventura ocorrido numa fase precedente da circulação do mesmo título” [17].
Especificamente no que concerne ao aval, é este definido como “o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores” [18], sendo assim a natureza jurídica da sua obrigação a de garantia da obrigação do avalizado.
Ou, por outras palavras, traduz-se no “negócio cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento” [19].
Tal característica de garantia é extensível em termos económicos, pois o “fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário, que se designa na letra de maneira expressa ou tácita”. Isto é, a garantia do avalista “vem inserir-se ao lado da obrigação de um determinado subscritor, cobrindo-a, caucionando-a”.
Ou seja, no que concerne à natureza e medida da responsabilidade do avalista, a sua extensão e conteúdo da obrigação “aferem-se pela do avalizado”, pelo que “qualquer limitação de responsabilidade expressa por este no título aproveita àquele”.
Todavia, “a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado. Trata-se de uma responsabilidade solidária. O avalista não goza do benefício da excussão prévia, mas responde pelo pagamento da letra solidariamente com os demais subscritores (art. 47º, I). Além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao aspecto formal” [20].
Nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos [21], que nega igualmente tal subsidariedade, a responsabilidade do avalista é “solidária e cumulativa”, sendo, neste aspecto, “acessória da do avalizado”.
Realça, ainda, a posição de autonomia do avalista, ao referenciar a subsistência do aval, “mesmo que o acto do avalizado seja nulo por qualquer razão que não o vício de forma (artº 32º/2 LULL)”. Assim, “a autonomia do aval traduz-se num regime segundo o qual o avalista é responsável pelo pagamento da obrigação cambiária própria como avalista, que se define pela do avalizado, mas que vive e subsiste independentemente desta”.
Deste modo, a partir da característica de autonomia do aval, este “evoluiu no sentido de a obrigação do avalista se tornar independente e, portanto, o aval passou a ter natureza diferente da fiança”, adoptando a Lei Uniforme “a tese do aval-fiança objectiva”.
Donde, resulta do § 2º, do artº. 32º de tal diploma, que “se a nulidade da obrigação avalizada não destrói a obrigação do avalista, (é porque)… a obrigação do avalista é uma responsabilidade que garante….o pagamento da letra e não constitui uma mera responsabilidade pelo pagamento da letra por parte de uma certa pessoa: o avalizado. Responde-se objectivamente pelo pagamento da letra, não se responde subjectivamente, ou seja, pelo pagamento dela por parte da pessoa avalizada” [22].
Acresce que, tal como os demais actos cambiários, e nos termos supra expostos, o aval possui uma relação subjacente ou fundamental, que “é constituída pela relação jurídica que funda a prestação do aval e que pode ser invocada nas relações entre o avalista e o avalizado” [23].
Aqui chegados, recentremos a controvérsia em equação:
Pode considerar-se a Embargante Avalista devidamente interpelada para o cumprimento, de acordo com a factualidade provada ?
Tal interpelação é efectivamente necessária para que a obrigação possa-lhe ser exigível, ou seja, caso se conclua pela ausência de interpelação ou comunicação ocorre inexigibilidade da obrigação exequenda ?
Ou tal terá apenas efeitos ao nível dos juros moratórios peticionados, deixando incólume o valor do capital inscrito na livrança ?
- Do alegado incumprimento do contrato celebrado justificativo do preenchimento da livrança, e da (não) interpelação da embargante/executada avalista, ou (in)eficácia de tal interpelação, e respectivo ónus probatório, prévia ao preenchimento das livranças
Relativamente ao pacto de preenchimento, e de acordo com o prescrito no transcrito artº. 10º da L.U.L.L, que é igualmente aplicável às livranças, “é possível e é frequente que ao tempo do saque e do aceite não esteja ainda definitivamente determinado o valor do crédito subjacente, seja ainda ilíquido. Neste caso a letra é passada com o valor em branco”.
Quando tal suceda, “a letra pode ser preenchida posteriormente e deve sê-lo antes de apresentada a pagamento”, sendo que tal preenchimento “deve ser feito de acordo com o convencionado”.
Deste modo, “sempre que é emitida uma letra em branco tem que ter havido prévia ou simultaneamente à emissão um acordo quanto ao critério do preenchimento. Este acordo é uma convenção extracartular e designa-se por pacto de preenchimento”.
Este pacto, por outro lado, configura-se como “uma convenção obrigacional e informal. Tem como conteúdo a obrigação de preencher a letra de acordo com o critério estipulado e só é oponível entre as partes”.
A violação de tal pacto ou acordo de preenchimento “designa-se por preenchimento abusivo” e não é oponível ao portador, devendo, todavia, “entender-se que o portador referido no artº 10º LULL a que o preenchimento abusivo se não pode opor é um portador que não seja interveniente no pacto de preenchimento. A doutrina do artº 10º é a mesma do artº 17º LULL: as convenções extracartulares só podem ser opostas entre os respectivos intervenientes” [24][25].
Todavia, sendo uma letra (ou livrança) emitida em branco, “a obrigação que incorpora só poderá efectivar-se desde que no momento do vencimento o título se encontre preenchido. Se o preenchimento se não fizer antes do vencimento, então o escrito não produzirá efeito como letra, de harmonia com os arts. 1º e 2º”.
Pelo que, no que concerne à obrigação cambiária, ou seja, a obrigação de pagar a quantia inscrita no título, “ela só se constituiria através do preenchimento”, pois o que “existe antes do preenchimento para o emitente do título não é a obrigação cambiária, é apenas o estar ele sujeito ao exercício do direito (potestativo) do portador de preencher a letra, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação cambiária” [26]. In casu, não está em discussão a existência da dívida que o Exequente Banco, ora Embargado, deu à execução, nem a existência do aval prestado pela ora Executada/Embargante.
Também não se discute nos presentes autos o direito que assistia ao Exequente, ora Embargado, na resolução dos contratos de crédito subjacentes à emissão dos títulos, em garantia daqueles.
Efectivamente, nos termos do disposto no nº. 1, do artº. 780º, do Cód. Civil, e artºs. 91º, nº. 1 e 3º, nº. 1, ambos do CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº. 53/2004, de 18/03 -, por força da declaração de insolvência da sociedade mutuada e subscritora dos títulos – o facto provado 8. -, as obrigações emergentes dos negócios subjacentes à emissão das livranças em branco têm-se por vencidas.
O que sucede, quer no que concerne à constatada impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, quer no que concerne às obrigações que se vencessem em data posterior à declaração de insolvência, as quais vêm esse vencimento antecipado, o que opera de forma automática, e sem necessidade de interpelação.
Também não se afigura ser presentemente controvertido que, ocorrido o incumprimento e operada a resolução contratual mediante o vencimento da totalidade das obrigações que vinculavam a sociedade mutuada, o ora Embargado/Exequente gozava do pleno direito de preencher as livranças exequendas (quer quanto à quantia, quer quanto á aposição da data de vencimento), que lhe haviam sido entreguem em branco.
O que se questiona, num primeiro momento, é se existia obrigação de comunicação à Embargante, na qualidade de avalista, acerca do montante em dívida a inscrever na livrança e sobre a data do respectivo vencimento.
E se, não ocorrendo tal comunicação/interpelação, ocorre situação de inexigibilidade e inexequibilidade da dívida exequenda, abrangendo estas o capital mutuado em dívida, acrescido dos respectivos juros ou, apenas e tão-só, no que concerne ao valor dos juros moratórios exigíveis.
Respondendo à presente questão, referencia o douto Acórdão do STJ de 30/04/2019 [27], que não tendo que ser dirigida ao avalista, como condição de preenchimento da livrança, a declaração de resolução contratual do contrato de financiamento que lhe subjaza, por aquele não ser parte nesse contrato, mas admitindo que tal deve ocorrer, acrescenta que “não se duvida que se impunha a comunicação ao Embargante, como avalista, sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data do respetivo vencimento. Embora estas exigências não decorram dos contratos de financiamento nem sejam só por si impostas pela prestação do aval, podemos admitir que assim o impõe o princípio da boa-fé”.
Todavia, inexistindo comunicação ao avalista quer do acto resolutivo, quer do acto interpelativo, a consequência não se traduz na circunstância das livranças não poderem ser preenchidas e, tendo-o sido, que ocorra preenchimento abusivo e que os títulos sejam inexequíveis relativamente ao avalista, devendo a execução ser declarada extinta.
Efectivamente, acrescenta que nesta situação não se descortina “que venha muito ao caso a figura do preenchimento abusivo. É que há preenchimento abusivo quando, e apenas quando, o título subscrito e entregue em estado incompleto vem a ser preenchido de forma não correspondente à vontade manifestada pelo obrigado nos termos do pacto de preenchimento subjacente. Como nos diz Carolina Cunha (Manual de Letras e Livranças, p. 175) – e se dúvidas houvesse sobre o assunto, que não há – “se o preenchimento se deu em conformidade não existe conflito; só quando a formação sucessiva do título dá origem a uma divergência entre a vontade e a declaração o ordenamento jurídico é chamado a reagir””.
Donde, “não estamos perante qualquer situação de preenchimento das livranças exequendas em desacordo com o que foi convencionado (pacto de preenchimento), mas, pelo contrário, perante situação em que o preenchimento foi feito de acordo com o estabelecido entre as partes contratantes.
A questão não é, pois, de preenchimento abusivo, mas simplesmente de interpelação e de exigibilidade”.
Deste modo, acrescenta-se, naquela situação em que não existiu prévia interpelação ou comunicação ao embargante, “tanto vale, como comunicação do ato resolutivo e como comunicação da existência da dívida (o que tudo representa um ato de interpelação), a comunicação extrajudicial como a citação para a ação onde, invocando-se a resolução, se visa fazer valer as respetivas consequências.
No caso vertente, o Embargante foi conhecedor, através da citação operada na execução, da resolução, do mesmo passo que foi conhecedor do que estava em dívida, do que foi inscrito nas livranças e da data dos respetivos vencimentos. Logo, a prestação a que se vinculou através do aval tornou-se exigível (v. n.º 1 do art. 805.º do CCivil), embora não indiscutível. Porém, repete-se que o Embargante não veio discutir a efetiva existência de incumprimento por parte da contratante financiada nos contratos de financiamento (a subscritora das livranças), nem veio discutir a resolução feita operar junto desta, nem veio discutir o montante em dívida, nem veio discutir as datas de vencimento.
Assim, e exatamente como se aponta no acórdão recorrido, dado que não tinha sido fixado um prazo nos pactos de preenchimento (nem podia ter sido, pois que estava dependente de um acontecimento incerto ou eventual, que era o incumprimento da parte contratante financiada), a falta de comunicação do Exequente ao ora Embargante, implica tão só que a obrigação apenas se considera vencida com a sua citação. Isto decorre da conjugação das normas dos art.s 777.º, n.º 1 do CCivil e do 610º n.º 2 al. b) do CPCivil, estipulando esta última que, quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.
Deste modo, a falta de comunicação ao ora Embargante tem apenas como consequência que a obrigação que assumiu como avalista se torna exigível com a citação para a execução. O que, por sua vez, implica, não a extinção da execução (como o Embargante pretende), mas simplesmente que os juros são devidos a partir da citação” (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido, e citando o aresto antecedente, o douto Acórdão do mesmo STJ de 24/10/2019 [28], referencia que estando o pagamento da letra ou livrança garantido por aval, as relações entre o credor e o avalista garante devem conformar-se com os seguintes princípios e regras:
“I. — O credor tem o dever, ou o ónus, de comunicar ao garante “o facto […] legitimador[] do preenchimento das livranças e da responsabilização cambiária do avalista” ; II. — ainda que tenha o dever ou o ónus de comunicar ao garante o facto legitimador do preenchimento, a ausência de comunicação não faz com que o preenchimento da livrança seja um preenchimento abusivo.
O acórdão de 25 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, afirma que a comunicação ao avalista do incumprimento “não é condição de exequibilidade do título” e o acórdão de 30 de Abril de 2019, processo n.º 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1, confirma-o, dizendo que a ausência de comunicação “não implica […] que as livranças não [pudessem] ter sido preenchidas”, “[não] significa que o seu preenchimento [fosse] abusivo” [não significa] que as livranças [fossem] inexequíveis quanto ao avalista” e “[não] implica a extinção da execução que foi instaurada”.
Acrescenta, ainda, que estando legalmente estabelecido que, quer a lei geral, quer a lei cambiária em particular, “não impõe ao portador do título que antes de accionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título”, o problema estará só em averiguar se o pacto de preenchimento exige a comunicação ou informação do devedor e/ou do garante (avalista)”.
Assim, “quando o pacto de preenchimento exija a comunicação do facto legitimador, a ausência de comunicação determina que o preenchimento seja abusivo.
O pacto de preenchimento “[impõe] ao credor a obrigação de comunicar ao avalista do subscritor ou do sacador, antes do preenchimento do título, [que o devedor não tinha cumprido]” — e, por consequência, o credor, ao preencher o título sem cumprir o dever de o comunicar, está a preencher o título “com desrespeito pelo contrato de preenchimento”.
Todavia, “quando o pacto de preenchimento não exija a comunicação do facto legitimador, a ausência de comunicação não determina que o preenchimento seja abusivo.
O pacto de preenchimento não impõe nenhuma obrigação de comunicar ao avalista que o devedor não tinha cumprido — e, por isso, o credor, ao preencher o título sem cumprir o dever de o comunicar, está a preencher o título com respeito pelo contrato de preenchimento.
Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2017 — processo n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 —, “A falta de interpelação do avalista da subscritora, no âmbito de uma livrança em branco, com vista ao seu preenchimento quanto à data do vencimento e ao montante, só releva se a necessidade dessa interpelação resultar do respetivo pacto de preenchimento”. O efeito da ausência de comunicação ao garante (avalista) do facto legitimador do preenchimento estará na aplicação conjugada do art. 777.º, n.º 1, e do 805.º, n.º 1, do Código Civil e do art. 610.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil — e, em consequência da aplicação conjugada do art. 777.º, n.º 1, e do 805.º, n.º 1, do Código Civil e do art. 610.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil a obrigação do avalista só se vencerá com a citação” (sublinhado nosso).
Perfilhando idêntico entendimento, mencione-se, ainda, o douto Acórdão do STJ igualmente de 24/10/2019 [29].
Na situação concreta aí apreciada, não só não se provou que ao avalista tivesse sido comunicado que a livrança tinha sido preenchida com determinado valor e que era reclamado o seu pagamento, como provou-se, inclusive, o facto contrário, ou seja, que a exequente não notificou o embargante avalista para pagar a quantia em dívida e para o avisar que iria proceder ao preenchimento da livrança.
Argumenta, então, que “da não apresentação a pagamento das livranças (nas perspetivas várias de falta de interpelação para pagamento das quantias em dívida e de aviso de preenchimento das livranças pelo montante em dívida) não decorre, como pretende a embargante, a sua automática inexigibilidade e inexequibilidade.
O art. 53.º da LULL determina que, nesse caso, o portador perde os direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante. A este regime escapa, como se pode notar, o direito de ação contra o aceitante, ou contra o subscritor, na medida em que este último é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra – art. 78.º da LULL.
E, nos termos do art. 32.º, ex vi do art. 77.º, ambos da LULL, que o dador de aval é responsável pela mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (o subscritor).
Por consequência, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante – nas letras –, quer do subscritor – nas livranças (Ac. STJ de 14-01-2010 (João Bernardo), Revista n.º 960/07.0TBMTA-A.L1.S1 - 2.ª Secção).
Foi este o entendimento já perfilhado no nosso acórdão de 27.11.2018 (no qual intervieram dois dos elementos deste coletivo), proferido na Revista nº 9334/11.8TBOER-G.L1.S1 (in www.dgsi), ou seja, no sentido de que “o direito de ação contra o avalista do aceitante de uma letra de câmbio não depende da realização do protesto por parte do respetivo portador.” Não pode, pelo exposto, proceder a exceção de inexigibilidade da quantia exequenda”.
Conclui, então, que tal como “bem se considerou no acórdão recorrido a falta de interpelação do avalista do incumprimento do devedor principal não conduz à inexigibilidade do título cambiário dado à execução, apenas relevando para efeitos de determinação do momento a partir do qual se inicia a contagem dos juros – sendo que, nas livranças pagáveis à vista o obrigado cambiário só se constitui em mora após ter sido interpelado, judicial ou extrajudicialmente, para as pagar – art. 805.º, n.º 1, do CC”.
Por fim, referencie-se, ainda, o aduzido no douto aresto do mesmo STJ de 13/11/2018 [30], no qual se consignou que “sendo o aval prestado a favor do subscritor, como é o caso, o acordo do preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-‑se ao avalista, para medir a sua responsabilidade”, sendo assim “normalmente, indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança”, pois este acordo apenas diz respeito ao portador da livrança e ao seu subscritor.
De forma clara, refere não ser condição de exequibilidade do título (livrança) que antes do portador do título o completar, informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, onde não foi parte.
Efectivamente, no caso em apreciação, o “banco recorrido diligenciou no sentido de contactar o ora recorrente para o informar do incumprimento, mas não para com ele discutir o incumprimento da relação fundamental: foram vãs essas tentativas. Não almejando tal comunicação, preencheu o título e deu-o à execução contra o avalista que, tendo dado o seu aval e autorizado que fosse preenchida a livrança em branco em caso de incumprimento, não pode alegar violação das regras da boa-fé, por parte do portador exequente, nem efeito surpresa por só tomar conhecimento da sua responsabilidade aquando da citação para a execução: a sua qualidade de avalista de um título cambiário em branco, pré anunciava a eventualidade, ou o risco, de poder ser demandado como garante, em caso de incumprimento da subscritora avalizada.
Como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22.10.2013. Proc. 4720/10.3T2AGD-A.C1 –, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Alves Velho:
“Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela “estiver efectivamente configurada! – arts. 10º e 32º-2 cit. (P. Sendim, “Letra de Câmbio”, II, 149). Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que “co-aceitantes” e, com ele, responsáveis solidários (cfr. Ferrer Correia, ob. cit., 526).”.
O regime é idêntico para o avalista do subscritor, no caso da livrança: a lei cambiária não impõe ao portador que, antes de accionar, dê informação ao avalista acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que ele avalista autorizou.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 6.10.2015 – Proc. 990/12.0TBLSA-A.C1 – in www.dgsi.pt – relatado pelo Desembargador Henrique Antunes:
“Com a entrega da letra assinada em branco o subscritor – v.g., o avalista - confere, necessariamente, à pessoa a quem faz a entrega o poder de a preencher e, portanto, o acto de preenchimento tem o mesmo valor que teria se fosse praticado pelo subscritor ou se já tivesse sido praticado no momento da subscrição, e portanto, que aquilo que se escreve na letra em branco considera-se escrito pelo subscritor, sendo, assim, de presumir que o conteúdo da letra representa a vontade daquele, embora esta presunção possa ser ilidida pelo subscritor através da demonstração de que houve abuso no preenchimento. A lei cambiária não impõe, como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de letra emitida em branco, a prévia interpelação deste.”
Salvo o devido respeito, não se aplica, in casu, o regime do art. 610º, nº2, b) do Código de Processo Civil, “Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação”, porquanto o avalista, sendo responsável da mesma maneira que o avalizado, não é alvo de quaisquer procedimentos que, em relação àquele não sejam de observar: só assim não seria se, porventura, no pacto de preenchimento, o credor tomador do título, se tivesse obrigado a informar o avalista das vicissitudes da relação extracartular, mormente do incumprimento, ou se o avalista fosse parte nessa relação contratual; de outro modo, não existiria a igualdade jurídica afirmada no art. 32º da LULL, quanto à solidariedade entre o avalista e o avalizado. A responsabilidade do avalista, em regra, afere-se pela do avalizado.
“A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.2.2013 – Proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1-, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Azevedo Ramos” [31].
Por fim, enunciemos o mais recente douto aresto do mesmo STJ de 06/04/2021 [32], no qual se sumariou que “o avalista do subscritor adquire o conhecimento do montante em dívida quando a livrança é preenchida, com indicação da data em que se vence a garantia prestada, se lhe for dado conhecimento pelo beneficiário, o que equivale a interpelação para pagar.
II. Os juros de mora serão devidos pelo avalista desde a data da citação, que funciona como interpelação, se antes daquela a Exequente não tiver feito a comunicação do preenchimento, do montante da dívida e da data do vencimento”.
Aqui chegados, na aplicação do entendimento jurisprudencial exposto, urge consignar os seguintes princípios orientadores:
- ainda que tal não decorra do pacto de preenchimento (ou dos contratos de financiamento ou de idêntica natureza celebrados), por ao mesmo não se ter vinculado, o princípio da boa fé impõe a comunicação/interpelação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data de vencimento destas ;
- as consequências do não cumprimento daquele dever de interpelação/comunicação, quando tal não conste como dever previsto no pacto de preenchimento em que o avalista seja parte, implica, tão só, que a obrigação apenas se considera vencida relativamente ao executado avalista com a sua citação, na convocação do prescrito nos artigos 610º, nº. 2, alín. b), do Cód. de Processo Civil e 777º, nº. 1, do Cód. Civil ;
- sendo certo que, tanto vale como acto de interpelação/comunicação da dívida, a comunicação extrajudicial, como a que ocorre com o acto de citação, na acção onde se pretende fazer valer as consequências advenientes do incumprimento e da decretada resolução contratual ;
- com efeito, a questão é apenas de interpelação e de exigibilidade, e não de preenchimento abusivo, que não ocorre, pois, ainda que tenha o dever ou o ónus de comunicar ao garante o facto legitimador do preenchimento, a ausência de comunicação não faz com que o preenchimento da livrança seja um preenchimento abusivo ;
- desta forma, a falta de interpelação/comunicação do embargante avalista tem apenas como consequência que a obrigação que assumiu, nessa qualidade, apenas se torna exigível com a citação para a acção, data a partir da qual são devidos juros, não implicando, ao invés, qualquer extinção da execução ;
- não sendo assim condição de exigibilidade e exequibilidade do título (livrança), salvo se no pacto de preenchimento, o credor, tomador do título, se tenha obrigado a informar o avalista das vicissitudes da relação extracartular, nomeadamente do incumprimento, ou seja, que antes do portador do título o completar tenha que informar/comunicar/interpelar o avalista acerca do incumprimento da relação extracartular.
Transpondo tais conclusões para o caso sub júdice, consigna-se que:
- não resulta dos autos, e nomeadamente dos outorgados contratos de Empréstimo e de Acordo de Regularização de Responsabilidades – cf., factos 4. e 6. provados -, qualquer previsão que traduza a obrigação do Exequente credor em informar a Embargante avalista acerca das vicissitudes da relação extracartular, mormente acerca do incumprimento ocorrido ;
- o que sucede globalmente em tais acordos escritos, inclusive no que concerne à cláusula 9ª do Contrato de Empréstimo e cláusula 11ª do Acordo de Regularização de Responsabilidades, cuja exclusão de tais acordos foi determinada na sentença recorrida ;
- apesar do exposto, o Embargado Banco, por observância de um princípio geral de boa fé, estava vinculado ao dever de interpelar/comunicar à Embargante avalista acerca do montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data de vencimento destas ;
- o que o mesmo procurou concretizar através do envio da carta referenciada no facto 11. provado, da qual constavam duas comunicações de resolução contratual e interpelação para pagamento de dívida(s) / livrança(s), tendo por referência os aludidos Contrato de Empréstimo e Acordo de Regularização de Responsabilidades ;
- e que, claramente concretizou, atenta a prova de que tal carta foi devolvida ao remetente, por não ter sido reclamada pela Executada/Embargante, com a menção de “não atendeu” ;
- ou seja, tal carta só não foi recebida pela Executada/Embargante, apesar de ter sido dirigida para a morada contratualizada (no instrumento contratual mais recente) para recebimento de notificações do credor Banco, em virtude daquela, apesar de avisada, não a ter reclamado ;
- o que determina o funcionamento do disposto no nº. 2, do artº. 224º, do Cód. Civil, conducente a considerar-se eficaz a interpelação, em virtude da respectiva declaração receptícia só não ter sido recebida por culpa da destinatária ;
- pelo que conclui-se pela ocorrência de efectiva interpelação/comunicação à Embargante (como decidido na sentença recorrida), ou seja, a aludida interpelação/comunicação foi operacional ;
- assim, e independentemente dos enunciados efeitos de perda do benefício do prazo por parte da sociedade devedora e subscritora das livranças, na decorrência da sua declaração de insolvência, em articulação com a posição da Embargante Avalista, enquanto obrigada cambiária (conferidora de natureza abstracta a tal obrigação), imporem ou não, por decorrência ou potencial contágio daquela declaração de insolvência, uma expressa interpelação / comunicação a esta obrigada cambiária, o que é certo é que a mesma produziu-se em concreto ;
- o que determina, igualmente neste segmento, juízo de necessária improcedência da apelação, e consequente confirmação da sentença apelada, que julgou totalmente improcedente a oposição por embargos.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Apelante Embargante no presente recurso, é responsável pelo pagamento das custas da presente apelação.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Executada/Embargante A........................, em que surge como Apelado/Embargado/Exequente BANCO.................................S.A. ;
b) Em consequência, confirma-sea sentença apelada ;
c) Custas da presente apelação a cargo da Embargante/Apelante – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
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Lisboa, 26 de Setembro de 2024
Arlindo Crua
Laurinda Gemas
António Moreira
_______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 285. [3]Idem, pág. 285 a 287. [4] Relatora: Maria do Rosário Morgado, Processo nº. 857/08.7TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt . [5]Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, pág. 152 e 153. [6]Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas. 2ª Edição Revista e Aumentada, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 214 e 215. [7] Referencia-se no douto Acórdão do STJ de 29/10/2009 – Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 2157/06.8TVLSB.S1, in www.dgsi.pt – que as cláusulas contratuais gerais caracterizam-se pela “pré-formulação, generalidade e imodificabilidade”. [8]Ob. cit., pág. 178 e 179. [9]Idem, pág. 250. [10]Ibidem, pág. 266, citando-se, a fls. 271 a 274, vária doutrina e jurisprudência do STJ acerca da natureza do tipo de invalidade em equação. Exemplificativamente, Almeno de Sá – ob. cit., pág. 251 e 252 – referencia ser “radical a solução da nossa lei, pois determina que as cláusulas […..] não chegam sequer a fazer parte do conteúdo do contrato [….] celebrado: pura e simplesmente [….] se têm como não escritas” ; o aresto do STJ de 15/05/2008 – Relator: Mota Miranda, Processo nº. 08B357 -, alude aos conceitos de invalidade e de exclusão. [11]Ob. cit., pág. 242 e 243. [12] Relator Lopes Pinto, Processo nº. 04ª3336, in www.dgsi.pt . [13]Ob. cit., pág. 245 e 246. [14] Relator: Pires da Rosa, Processo nº. 06B1650, in www.dgsi.pt . [15] Ana Prata, ob. cit., pág. 255 e 256. [16] Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 07ª3048, in www.dgsi.pt . [17] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra, 1975, pág. 1, 2 e 7 a 12. [18]Idem, pág. 206. [19] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, pág. 125. [20] Ferrer Correia, ob. cit., pág. 206, 207 e 216. [21]Ob. cit., pág. 126 a 128, [22] Paulo Sendin e Evaristo Mendes, A Natureza do Aval e a Questão da Necessidade ou Não do Protesto Para accionar o Avalista do Aceitante, Almedina, 1991, pág. 39, citando Paulo Cunha, Da Garantia nas Obrigações. [23] Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 128. [24] Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 105 e 106. [25] De forma liminar, Ferrer Correia - , ob. cit., pág. 139 -, refere expressamente que “a excepção de preenchimento abusivo só não pode ser oposta àquele portador a cujas mãos a letra chega completamente preenchida, salvo, é claro, a hipótese de má fé. Havendo má fé, a excepção, obviamente, é sempre oponível”. [26] Ferrer Correia, ob. cit., pág. 134 e 135. [27] Relator: José Rainho, Processo nº. 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1, in www.dgsi.pt . [28] Relator: Nuno Pinto Oliveira, Processo nº. 295/14.2TBSCR-A.L1.S1, in www.dgsi.pt . [29] Relator: Acácio das Neves, Processo nº. 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2, in www.dgsi.pt . [30] Relator: Paulo Sá, Processo nº. 2272/05.5YYLSB-B.L1, in www.dgsi.pt . [31] Vimos seguindo, de perto, o Acórdão desta Secção e Relação de 05/03/2020 – Processo nº. nº. 71202/05.0YYLSB-A.L2 –, em que intervieram o mesmo Relator e 2º Adjunto. [32] Relator: Pedro de Lima Gonçalves, Processo nº. 4410/16.3T8VNF-C.G1.S1, in www.dgsi.pt .