I - Não é admissível recurso para o STJ de acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a condenação do arguido em penas parcelares inferiores a cinco anos de prisão;
II - Só é admissível recurso para este Alto Tribunal, com fundamento nos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, de acórdão do Tribunal da Relação que julgue em primeira instância ou de acórdão proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo de 1ª instância que tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos;
III - Tendo o arguido agredido a vítima - sua companheira desde 2011 e mãe de seus dois filhos - através de uma pancada na cabeça, desferida com uma “enxada” de ferro com cerca de 60 cm. de comprimento, seguida de outras que visaram a mesma região do corpo (e que só não a atingiram porque aquela se defendeu interpondo os membros superiores), bem como através de uma faca de cozinha, com cerca de 14 cm de comprimento, que lhe espetou várias vezes nas costas, e tendo-se também provado que só não sobreveio a morte dada a pronta assistência médica proporcionada à vítima, cometeu o agente um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22°, nºs 1 e 2, al. b), 23°, 73°, 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal;
IV - Sendo a ilicitude muito elevada, o dolo direto e muito intenso, as consequências do crime muito graves, a motivação o ciúme e a intenção libidinosa do agente, existindo antecedentes criminais que determinaram a aplicação de uma pena de prisão de 5 anos e 8 meses que apenas foi declarada extinta cerca de 3 anos antes e apenas militando a favor do arguido a circunstância de beneficiar de apoio familiar e de não serem conhecidas punições disciplinares em meio prisional, mostra-se adequada a pena parcelar de 9 anos e 6 meses de prisão;
V - Tendo em conta, em conjunto, os factos cometidos pelo arguido (subsumidos num crime de homicídio qualificado tentado, noutro crime de abuso sexual de criança agravado e em dois crimes de violência doméstica, punidos com as penas de prisão de, respetivamente, 9 anos e 6 meses, 3 anos e 6 meses de prisão, 2 anos e 6 meses e 2 anos e 3) e personalidade desvelada pelo mesmo, não se mostra inadequada a aplicação da pena única de 12 anos e 3 meses de prisão.
ACÓRDÃO
Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:
A - Relatório
A.1. Através de acórdão proferido a 16 de outubro de 2023, pelo Juízo Central Criminal .. ....ra – Juiz ..., AA foi condenado, como autor material e na forma consumada da prática dos seguintes crimes e, designadamente, nas penas a seguir indicadas:
• 1 crime de violência doméstica (na pessoa da Assistente BB), previsto e punível pelo artigo 152°, nºs 1, als. b) e c), 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão;
• 1 crime de homicídio qualificado, na forma tentada (na pessoa da Assistente BB), previsto e punível pelos artigos 22°, nºs 1 e 2, al. b), 23°, 73°, 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal, na pena parcelar de 9 anos e 6 meses de prisão;
• 1 crime de violência doméstica (na pessoa de CC), previsto e punível pelo artigo 152°, nºs 1, als. b) e c), 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão; e
• 1 crime de abuso sexual de crianças, agravado (na pessoa de DD), previsto e punível pelos artigos 171°, nº 1 e 177°, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão.
• Em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos e 03 meses de prisão.
A.2. O arguido não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, terminando as suas motivações de recurso com as seguintes conclusões:
“Artigo 1º - Deve ser revogada a condenação do arguido pelo crime de homicídio na forma tentada e, em substituição, ser o mesmo condenado pelo crime de ofensas à integridade física previsto e punido pelo artigo 144º, alínea d), qualificado pelo artigo 145º nº 1 alínea b), ambos do Código Penal.
Decidindo como decidiu, o tribunal violou, por erro de interpretação e aplicação, estes artigos e, ainda, os artigos 131º e 132º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal.
Artigo 2º - Se assim se não entender, deve, então, a pena parcelar concretamente aplicada ao crime de homicídio na forma tentada ser reduzida para uma pena de prisão não superior a 8 anos, pois que, fixando-a em 9 anos e 6 meses, o tribunal não respeitou os critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal.
Artigo 3º - Devem ser eliminados dos factos provados os pontos 11), 12), 13), 14), 15), 16), 36) e 37) (págs. 4 e 7 do acórdão).
Isto porque devem ser declaradas inexistentes as declarações para memória futura prestadas pela menor DD, por não terem ficado gravadas em parte, em outra parte não ser perceptível o que ficou gravado e em outra parte só muito difícil e deficientemente se percebe o que foi dito.
Declarada a inexistência das declarações, e porque nelas assentam a prova daqueles pontos da matéria de facto, impõe-se que sejam dados como não provados.
Artigo 4º - Porque a condenação do arguido pelos crimes de abuso sexual de crianças na pessoa da menor DD e de violência doméstica na pessoa do menor CC não têm suporte noutros factos provados que não sejam os identificados no primeiro parágrafo do artigo anterior, se os mesmos forem declarados – como se espera – não provados, impõe-se, então, que estas condenações sejam revogadas.
Artigo 5º - Caso se opte pela não revogação destas condenações, devem as penas parcelares nelas aplicadas ser reduzidas para os respectivos mínimos da moldura penal abstractamente aplicável, pois que as penas parcelares aplicadas também elas não respeitam os critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal.
Artigo 6º - Idem, mutatis mutandis, no que concerne à pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada ao crime de violência doméstica na pessoa da assistente BB.
Artigo 7º - O cúmulo jurídico haverá de ser refeito em função do que for decidido nas matérias a que se referem os artigos anteriores.
Mas, se nada for alterado – o que decididamente se não espera – então, deve a pena única aplicada em cúmulo jurídico – 12 anos e 3 meses de prisão –, porque injustificadamente elevada e desrespeitadora dos critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 77º do Código Penal, ser reduzida, quedando-se mais próxima do mínimo da respectiva moldura, que no caso é de 9 anos e 6 meses.
Artigo 8º - Se caírem, como se espera, as condenações pelos crimes de abuso sexual na pessoa da menor DD e de violência doméstica na pessoa do menor CC, deve, então, revogar-se a decisão de pagamento de indemnização a estes menores (€ 2.500,00 a cada um deles).
E a indemnização fixada a favor de BB deve também ser reduzida, se reduzidas forem as penas aplicadas aos crimes de que foi vítima.”
A.3. Através de acórdão proferido a 20 de fevereiro de 2024 o Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso totalmente improcedente, confirmando o acórdão da primeira instância.
A.4. Continuando inconformado com esta decisão, dela vem agora o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição integral)
“8. CONCLUSÕES:
Artigo 1º
Da matéria de facto provada não consta, nem pode concluir-se, que tenha resultado provado o dolo específico do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades, mesmo na modalidade de dolo eventual. E daí, não pode subsistir a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio na forma tentada, pelo que deverá ser revogada.
Artigo 2º
Mantendo tal condenação o Tribunal da Relação violou, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 131º, 132 nºs 1 e 2 alínea b) e 22º nº 1, todos do Código Penal.
Artigo 3º
Este segmento do recurso, não obstante envolver impugnação em matéria de facto é legalmente admissível face ao que se dispõe na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
Sem prescindir,
Artigo 4º
A pena parcial concretamente aplicada ao crime de homicídio na forma tentada, se subsistir esta condenação, deverá ser reduzida para uma pena de prisão não superior a 8 anos, pois que, mantendo-a em 9 anos e 6 meses, o Tribunal da Relação não respeitou os critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal.
Artigo 5º
Também as penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes de abuso sexual na pessoa da menor DD, de violência doméstico na pessoa do menor CC, e de violência doméstica na pessoa da BB, pecam por injustificadamente excessivas, devendo ser todas elas reduzidas, aproximando-as dos respectivos mínimos abstractamente aplicáveis, sendo que, também aqui, resultaram violados os critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal.
Artigo 6º
Na procedência do que se concluiu nos antecedentes artigos 4º e 5º, deverá o cúmulo jurídico ser refeito em função das novas penas, naturalmente no sentido do abaixamento da pena única.
Artigo 7º
E, mesmo que se mantenham as penas parcelares, ainda assim, deverá a pena única aplicada em cúmulo jurídico – 12 anos e 6 meses de prisão – porque injustificadamente elevada e desrespeitadora dos critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 77º do Código Penal, ser reduzida, quedando-a mais próxima do mínimo da respectiva moldura que, no caso, é de 9 anos e 6 meses.”
A.5. A propósito do recurso acima aludido foi apresentada, no Juízo Central referenciado, resposta do Ministério Público, na qual se concluiu da seguinte forma (transcrição parcial1):
“EM CONCLUSÃO:
4. O Recorrente não invoca qualquer novo fundamento para justificar que outra deveria ter sido a decisão, o que sugere que apenas pretende que se aprecie da bondade dos argumentos avançados no acórdão do Tribunal da Relação e que determinaram que fossem julgadas improcedentes as razões por si aduzidas,
5. Contrariamente ao sugerido pelo recorrente, o douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente o recurso que interpusera, apreciou adequadamente todas as questões suscitadas.
6. Na verdade e como facilmente se conclui pela leitura da decisão da l.ª Instância, a mesma não enferma de quaisquer erros ou vícios, nomeadamente os elencados no art. 410.°, n°2, do Código de Processo Penal.
7. Relativamente ao decidido, o recorrente reitera as razões da sua discordância quanto à medida da pena concretamente aplicada na l.ª Instância, e confirmada pelo acórdão recorrido, pela prática dos crimes que lhe eram imputados.
8. Neste caso, a pena única aplicada preenche as necessidades de prevenção geral e especial, tendo em conta os bens jurídicos violados e a insegurança gerada na comunidade.
9. Conforme resulta da matéria de facto dada por provada e fixada, não existem elementos que permitam uma redução da pena, a qual deverá ser mantida, sendo uma pena justa, proporcional e adequada.
10. Nesta conformidade, o acórdão recorrido não merece qualquer reparo, tendo feito correta interpretação e aplicação do direito, não tendo violado qualquer preceito legal nem quaisquer princípios gerais, devendo assim ser confirmado na íntegra.”
A.6. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer, no qual acompanha a resposta apresentada na primeira instância pela sua Colega, suscitando ainda a seguinte questão prévia:
“Questão-Prévia.
Recorribilidade.
1
A decisão de admissão do recurso não vincula o tribunal superior (cfr, o art. 414º/3 do Código de Processo Penal).
2
Como resulta do introito supra-delineado, o recorrente apenas foi condenado pelo Tribunal Colectivo numa pena parcelar superior a cinco anos de prisão – 09 anos e 06 meses de prisão, pelo crime de “homicídio qualificado”, na forma tentada –, sendo que em cúmulo jurídico (com as restantes penas) lhe foi aplicada a pena única de 12 anos e 03 meses de prisão.
3
Tal condenação foi integralmente confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, agora sub judice, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto.
4
Ou seja:
Ocorre uma situação de dupla conforme, assente na concordância das duas Instâncias quanto ao mérito da causa – alcançando todo o processo lógico-jurídico da decisão – pelo que, no caso, o recurso apenas será admissível quanto à impugnação:
-Da condenação pelo crime de “homicídio qualificado”, na forma tentada, e respectiva medida da pena;
Da medida da pena única aplicada, pelo que deve ser rejeitado no seu restante objecto (cfr, arts. 399º, 400º/1-e) e f), 414º/2 e 420º/1-b) e 432º/1-b) do Código de Processo Penal).
Veja-se, nesta matéria, entre outros, o Ac. do STJ de 30.11.2022, P-1052/15.4PWPRT.P1.S1:
I-Da conjugação do disposto nos arts. 399.º, 400.º, n.º 1, als. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância; esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso de condenação pela prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.”
A.7. Contraditório
Notificado nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou qualquer resposta.
* * *
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
B - Fundamentação
B.1. Os factos e a motivação da respetiva decisão
B.1.1. Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, foram considerados provados e não provados os factos que, seguidamente, se indicam (transcrição integral):
“3.1. Matéria de facto provada
Realizado o julgamento, mostram-se exclusivamente provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
A – Da Acusação:
1) O EE e BB viveram em comunhão de leito, mesa e habitação, desde 17 de outubro de 2011, fixando, por último, residência na ...;
2) De tal relacionamento amoroso nasceu, em ........2014, CC e, em ........2018, FF;
3) Na mencionada habitação residia, ainda, DD, nascida em ........2008, filha da Assistente BB;
4) O Arguido é consumidor de bebidas alcoólicas e estupefacientes e, sob o seu efeito, torna-se agressivo para com a sua família;
5) O Arguido foi condenado, no âmbito do processo comum coletivo n.º 19/14.4..., na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, tendo iniciado o cumprimento de pena em janeiro de 2014 e saído em liberdade condicional em novembro de 2017;
6) Desde que saiu em liberdade condicional, o Arguido começou a nutrir sentimentos de ciúmes exacerbados para com a Assistente;
7) Sendo recorrente, no interior da habitação e na presença dos seus filhos, menores, apodá-la de “puta”, “vaca”;
8) E, rebaixava-a, dizendo-lhe “não prestas para nada”, “andas com outros homens”;
9) No decurso dessas discussões, não raras vezes, o Arguido, dirigia-se-lhe, dizia “se não ficares comigo não ficas com mais ninguém”;
10) Referindo que quando a matasse a seguir mataria a DD, que é igual à Assistente;
11) Em ocasiões não concretamente apuradas, situadas entre o ano de 2018 e 2021, ou seja desde os 10 anos até aos 13 anos de idade de DD, já etilizado ou sob o efeito de estupefacientes, o Arguido dirigia-se ao quarto de DD, estando esta deitada, com os olhos fechados e sentava-se ao seu lado, mantendo-se a criança quieta, com receio do que o Arguido lhe pudesse fazer;
12) Nessas ocasiões, o Arguido destapava a DD e começa a acariciar-lhe as pernas, por cima do pijama, somente parando quando a DD se mexia e simulava estar a acordar, saindo, então, o Arguido do quarto e dirigindo-se para a casa-de-banho;
13) Numa ocasião, o Arguido tentou retirar-lhe as calças do pijama, mas a DD não deixou, mexendo-se, parando, então, o Arguido a sua conduta;
14) Desde cedo que DD se apercebeu que tais investidas do Arguido tinham intenções libidinosas, relatando-as à sua progenitora;
15) Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre 2019 e 2022, por motivos não concretamente apurados, o Arguido bateu no seu filho CC;
16) Numa ocasião, o Arguido, muniu-se de um ferro e, noutra, de uma trela de canídeo e, por vezes, com um chinelo, desferindo com aqueles objetos pancadas pelo corpo do seu filho CC, ficando a criança com dores nas zonas atingidas;
17) Desde que a Assistente BB adquiriu um estabelecimento comercial de restauração, em meados de janeiro de 2022, o Arguido iniciou, com maior frequência, discussões com a mesma;
18) Não raras vezes, o Arguido iniciava discussões porque a vítima estava a falar com os clientes do estabelecimento, exigindo que não o fizesse;
19) Desde o início de agosto de 2022, o Arguido começou a anunciar que matava a Assistente;
20) O Arguido guardava uma faca na gaveta do quarto;
21) No dia 24.08.2022, durante a manhã, o Arguido disse à Assistente que queria falar com ela, na habitação, que se situa no andar de cima do estabelecimento comercial;
22) Ali chegada, o Arguido disse para se deitarem e descansarem, tendo a vítima negado a sua pretensão, porque tinha bastante trabalho;
23) Nesse instante, irado, o Arguido disse à vítima “sou eu que vou-te matar se não ficares comigo”;
24) Depois, dirigindo-se a DD, disse-lhe para sair, porque pretendia conversar com a sua mãe, o que esta acatou, permanecendo na habitação os filhos do Arguido e da Assistente;
25) Seguidamente, muniu-se de um ferro, tipo enxada, com cerca de 60 cm de comprimento;
26) Quando a Assistente ia a sair do quarto, sem se aperceber da sua presença, o Arguido desferiu-lhe uma primeira pancada com a enxada, na cabeça;
27) Já com a Assistente prostrada no chão, empunhando a enxada, começou a tentar desferir outras pancadas na cabeça e cara da vítima, conseguindo esta evitar, algumas delas, colocando ambas as mãos em frente à sua face, sendo, no entanto, atingida com a enxada nas mãos e braços;
28) Posteriormente, o Arguido munido de uma faca de cozinha, com 14 cm de comprimento, colocou a ponta da faca, nas costas da vítima e, como se estivesse a martelar, espetou a faca, várias vezes, nas costas da Assistente;
29) Nesse momento, o seu filho CC tentou impedi-lo de prosseguir com tal conduta, porém, de imediato, este disse “se não calas a boca, corto o teu pescoço”;
30) Após, o Arguido saiu de casa e dirigiu-se à PSP, momento em que o seu filho CC, com 8 (oito) anos de idade, em desespero e aflição, se dirigiu ao café a pedir por socorro, ali ficando a FF, de 4 (quatro) anos de idade, a chorar, junto à sua progenitora;
31) Como consequência dessas pancadas, a Assistente apresentava feridas inciso-contusas complexas na região frontal, parietal bilateral e occipital, com dimensões entre 5-15 cm, calote craniana com solução de continuidades nas regiões occiptal e parietal direita, na zona da ráquis, várias feridas incisas profundas no dorso superior à direita, região interescapular e paramedianas lombares com dimensões entre 3-6 cm, com profundidades superiores a 4cm, na ferida dorsal superior, na face apresenta complexos cicatriciais rosados na região frontal, dolorosos à apalpação, com distrofia e adrentes aos planos profundos e muito aparentes, feridas incisa hipotenar com 3cm, fratura diafisária do cúbito direito (com imobilização com tala gessada), fraturas expostas grau I diáfise proximal de MC2 mediodiafisária de MC3 e fractura fechada de F1 e D4 da mão esquerda (imobilizadas com tala gessada), duas feridas incisas na face dorsal da mão. Membro superior direito com imobilização gessada antebraquial e membro superior esquerdo com imobilização gessada antebraquial incluindo dedos e polegar;
32) A data da consolidação médico-legal foi de 365 dias, fixada em 24.08.2023;
33) As cicatrizes da cabeça, tronco e membros superiores desfiguram a Assistente de forma grave;
34) A rigidez do punho direito e rigidez de D1 a D4 da mão esquerda afetam de forma grave a possibilidade da Assistente usar o corpo e a sua capacidade de trabalho;
35) Com as condutas descritas contra a Assistente, o Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, quis e conseguiu molestar a saúde psíquica da sua companheira, bem sabendo que as expressões que contra ela proferia eram atentatórias da sua honra e consideração e que tinha o dever de a tratar com dignidade, bem como visou provocar-lhe receio e temor, intimidando-a como os constantes anúncios de morte, não se coibindo de o fazer, no recesso do lar e na presença dos seus filhos menores e da DD;
36) Ao atuar da forma descrita em 11) a 14), acariciando-lhe as pernas, por cima do pijama e tentando retirar-lhe as calças do pijama, quando esta se encontrava deitada, o Arguido agiu livre, voluntária e consciente, sabendo que constrangia a sua enteada a contacto de natureza sexual contra a sua vontade, o que fez para satisfazer os seus desejos libidinosos, aproveitando-se da circunstância desta estar ao seu cuidado;
37) Ao atuar da forma descrita em 16) o Arguido agiu livre, voluntária e consciente, consecutivamente, com o propósito de castigar física e psicologicamente o seu filho, atentando contra a sua dignidade humana e pondo em causa o equilíbrio emocional e afetivo, o seu desenvolvimento físico e psíquico harmonioso e, efetivamente, provocando-lhe dores, suscetíveis de condicionarem o seu desenvolvimento, bem sabendo que se tratava de menor, seu filho e que consigo coabitava;
38) O Arguido bem sabia que as zonas do corpo onde atingiu a Assistente, designadamente, a cabeça, se trata de uma zona vital para a vida, agindo com o propósito firmado de tirar a vida à mesma, sua companheira e mãe dos seus filhos, o que não sobreveio devido à rápida intervenção da assistência médica;
39) O Arguido agiu livre, voluntária e consciente, visando usar aquela faca e enxada, como usou, como instrumento de agressão, bem sabendo que lhe estava vedada tal conduta;
40) O Arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, prosseguiu os seus intentos, atuando da forma supra descrita;
B – Mais se provou:
41) O Arguido utilizava o ferro, tipo enxada, supra descrito, na horta que cultiva, guardando-o, habitualmente, após a sua utilização, na residência descrita em 1);
C – Das Condições Pessoais do Arguido:
42) O Arguido, natural de ..., viu o seu processo de desenvolvimento decorrer num contexto de precariedade socioeconómica, no seio de um agregado familiar constituído pelos progenitores e 10 descendentes, que se dedicavam à agricultura e pastorícia;
43) Aos 13 (treze) anos de idade, AA abandonou a frequência escolar, com a conclusão do 6º ano de escolaridade e com registo de uma reprovação, por imposição da necessidade de contribuir para a economia familiar;
44) Nesse contexto, iniciou o seu percurso laboral no ramo da construção civil, junto do cunhado e da irmã, que residiam na cidade da ...;
45) Aos fins-de-semana regressava a casa dos pais, ocupando-se em atividades ligadas à agricultura e pastorícia;
46) Em 2010 emigrou para Portugal, em busca de melhores condições de vida, fixando-se em ..., junto do agregado familiar do irmão mais velho;
47) Integrou-se profissionalmente na área da construção civil;
48) Em termos afetivos, o Arguido tem 3 (três) filhos em ..., de 2 (dois) relacionamentos diferentes, com 16 (dezasseis), 14 (catorze) e 12 (doze) anos de idade;
49) Em Portugal manteve relacionamento com a Assistente, com quem coabitou;
50) Em 24 de agosto de 2022 AA residia com a Companheira e os dois filhos em comum, na ..., aí igualmente se encontrando a filha da Companheira, à data institucionalizada, mas que havia fugido da instituição onde havia sido acolhida;
51) Em termos profissionais, encontrava-se a desempenhar funções na área da construção civil, com um tio em ...;
52) Em termos de enquadramento sociofamiliar, o Arguido beneficia de suporte, principalmente por parte do agregado familiar do irmão, GG;
53) O Arguido pretende regressar a ... e aí se fixar, junto de familiares (mãe, irmã, filhos);
54) Em termos laborais, perspetiva integração na área da construção civil naquele país;
55) No Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra em situação de prisão preventiva, o Arguido apresenta um registo disciplinar de acordo com o normativo instituído;
56) O Arguido foi condenado por decisão de 27.03.2015, transitada em julgado em 19.05.2016, proferida no âmbito do Proc. n.º 19/14.4..., do Juiz ... do Juízo Central Criminal .. ....ra, pela prática, em 07.03.2013, de factos consubstanciadores da prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, pena esta declarada extinta em 02.12.2019.
*
3.2. Matéria de facto não provada
a) Que nas situações descritas no ponto 9) dos Factos Provados, o Arguido tenha dito à Assistente “se não fores minha não és de mais ninguém”;
b) Que o Arguido, dirigindo-se a DD, lhe tenha dito “quando a matar a ela, vais tu a seguir”, “és igual à tua mãe”;
c) Que na ocasião descrita no ponto 24) dos Factos Provados, com um sorriso irónico, o Arguido tenha exigido a DD que saísse de casa;
d) Que DD tenha saído para ir buscar o telemóvel;
e) Que na ocasião descrita no ponto 28) dos Factos Provados o Arguido tenha utilizado um martelo;
f) Que na ocasião descrita no ponto 29) dos Factos Provados CC tenha empurrado o Arguido;
g) Que o Arguido tenha atuado com o propósito de castigar psiquicamente a sua enteada, provocando-lhe continuamente desespero e medo de aquele concretizar o anúncio da sua morte e da sua mãe;
h) Que o Arguido tenha decidido matar a Assistente no início de agosto de 2022 e se tenha munido desde então de uma faca para o efeito;
i) Que o Arguido se tenha munido de uma barra de ferro, tipo enxada e com uma faca de cozinha com o propósito firmado de, com estes objetos, vir a tirar mais tarde a vida à Assistente.”
B.1.2. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A motivação para a decisão de facto proferida pelo tribunal da primeira instância - a qual foi reproduzida integralmente no acórdão recorrido - foi a seguinte (transcrição integral):
“Serviram de base para formar a convicção do Tribunal a análise critica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo discriminados, apreciados segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal:
- no teor dos assentos de nascimento juntos a fls. 165 (referente a FF), 165, verso (respeitante a CC) e 397 dos presentes autos (atinente a DD), cruciais para prova da data de nascimento e filiação dos menores FF, CC e DD, os primeiros dois filhos do Arguido e da Assistente e a última da Assistente e seu anterior Companheiro.
- nas declarações para memória futura prestadas pela Assistente BB (captadas com registo de imagem e áudio, constantes de CD junto a fls. 258 dos presentes autos), em que esta de forma que nos pareceu sincera, consistente e emotiva, descreveu a forma como decorreu o relacionamento amoroso que manteve com o Arguido, com quem começou a viver em outubro de 2011 (no dia a seguir ao aniversário da DD), e que se tornou muito ciumento relativamente à mesma, quando saiu da prisão, sobretudo nos meses antecedentes aos factos dos autos, com a abertura do restaurante, o que motivava que fizesse tudo quanto o Arguido queria para não discutirem.
Relatou que neste último período o Arguido passou a dizer-lhe “não prestas para nada”, “se não ficares comigo não ficas com mais ninguém”, que andava com outros homens e a apelidá-la de “vaca” e na última semana a ameaçar matá-la.
Referiu que o Arguido dizia que a DD era igual a si, que saiu à mesma.
Reconheceu que o Arguido molestava o CC, desvalorizando aquilo que apelidou de “umas porradinhas”, com chinelo “e tal”.
Relatou que a DD lhe contou que o Arguido, estando bêbado, lhe disse que ia casar consigo e lhe passou a mão pela zona do joelho, o que fez com que o seguisse numa das ocasiões em que o viu dirigir-se ao quarto da DD e onde presenciou o Arguido a tapar a DD. Tendo a DD voltado a relatar-lhe as abordagens do Arguido confrontou ambos com o sucedido, ocasião em que o Arguido se colocou de joelhos e pediu desculpa à DD.
Narrou os factos que antecederam a agressão de que foi alvo por parte do Arguido, mencionando que este lhe transmitiu que com esta queria falar, tendo-se deslocado à residência de ambos para o efeito, ocasião em que o Arguido mandou a DD embora e, após pediu à Assistente para se deitarem, o que esta recusou, por ter trabalho para executar.
Relatou que quando ia a abandonar o quarto o Arguido, afirmando que a ia matar se com ele não ficasse, a atingiu com uma enxada na cabeça, comportamento que reiterou com a mesma prostrada no chão, procurando esta defender-se, com as mãos, que colocava a proteger a cabeça.
Contou que o Arguido ainda lhe espetou uma faca nas costas, procurando martelá-la para o interior das costas da Assistente.
Salientou que o filho CC ainda a procurou auxiliar, ocasião em que ouviu o Arguido dizer-lhe “se não calas a boca, corto o teu pescoço”.
Frisou que o Arguido só parou quando esta ficou imóvel, opção que tomou para que o Arguido pensasse que estava morta e parasse de a molestar;
- nas declarações para memória futura prestadas por DD, que, de forma tímida, emocionada e coerente com a idade que tem, descreveu a forma como decorreu o relacionamento amoroso que a mãe (aqui Assistente) manteve com o Arguido, que descreveu num primeiro período (antes da prisão do Arguido) como calmo e harmonioso, e num segundo período (após a saída do Arguido da prisão) como conflituoso, agressivo e ciumento, o que fazia com que a mãe não andasse bem e chorasse no quarto.
Relatou que o Arguido apelidava a mãe de puta, a acusava de dar conversa aos clientes e ameaçava matá-la, bem como à Declarante.
Descreveu o circunstancialismo em que o Arguido se introduziu no seu quarto, a destapou, a acariciou nas pernas (por cima do pijama) e lhe tentou tirar o pijama e comportamento por si adotado para evitar que o Arguido prosseguisse com os seus intentos (mexendo-se, por forma a que este pensasse que estava a acordar e abandonasse o quarto).
Frisou ter contado o sucedido à mãe, que, com isso, confrontou o Arguido. Salientou que isto sucedia quando o Arguido estava bêbado ou “fumava”.
Narrou que antes de atingir a mãe com a enxada (o que não presenciou, sabendo apenas o que quanto a tal lhe foi relatado pelo irmão CC, e as marcas com que visualizou quando, a solicitação do irmão, voltou a casa, e encontrou a mãe prostrada no chão, cheia de sangue) o Arguido disse que queria falar com a mãe e mandou a Declarante sair do quarto.
Contou a forma como o Arguido tratava o filho CC, a quem batia, segundo a mesma, por coisas mínimas, com um ferro, corrente do cão e chinelo e que lhe provocavam lesões.
DD revelou, ao longo do seu testemunho (captado com registo de imagem e áudio, constante de CD junto a fls. 258 dos presentes autos), pela coerência do que relatou com as suas expressões faciais e atitude corporal e com o que se extrai das regras da experiência e da lógica, que os factos por esta relatados ocorreram nos termos pela mesma descritos, não havendo por parte desta, contrariamente àquilo que o Arguido afirmou, uma vontade de vingança para com o Arguido, cujas atitudes para com a mesma procurou, inclusive, justificar com o facto do Arguido se encontrar alcoolizado ou ter consumido estupefacientes;
- nas declarações prestadas pelo Arguido em sede de audiência de julgamento, em que este assumiu ter atingido a Assistente com a enxada e faca, o que justificou com um pretenso feitiço de que se diz alvo, verbalizando estar arrependido do sucedido.
Confrontado com o teor de fls. 316 dos presentes autos assumiu tratar-se da faca que utilizou para molestar a Assistente. Reconheceu igualmente que a enxada constante das fotografias de fls. 317 e 318 dos presentes é a que foi por si utilizada na prática dos factos objeto destes autos.
Quanto ao mais que lhe é imputado negou a sua prática, referindo que o CC é um seu grande amigo e que a DD só o está acusar agora, por ódio, não o tendo feito anteriormente;
- no testemunho prestado por HH, que, de forma clara e coerente, descreveu o cenário que encontrou quando, a solicitação do CC, se deslocou a casa do Arguido e da Assistente e onde encontrou a Assistente caída no chão, sangue pelo chão, uma faca partida e uma enxada. Frisou ter chamado a ambulância e ter falado com a Assistente, que estava consciente, e lhe pediu água. Precisou que a FF também estava em casa.
Questionada relativamente a se tinha conhecimento de DD faltasse à verdade, foi categórica ao afirmar nunca ter tido conhecimento que esta o fizesse.
As declarações da Ofendida, que nos mereceram total credibilidade, concatenadas com as declarações prestadas pelo Arguido (em que este assumiu ter molestado a Assistente com a enxada e faca), com as declarações prestadas para memória futura por parte de DD (que, pelas razões infra expressas igualmente nos mereceram total credibilidade), testemunho prestado por HH (que descreveu o cenário que encontrou quando, após a agressão de que a Assistente foi vítima, se deslocou a casa desta), o auto de notícia por detenção de fls. 4 a 8 (determinantes para prova do dia e local onde o Arguido molestou fisicamente a Assistente), o teor dos assentos de nascimento juntos a fls. 165 (referente a FF), 165, verso (respeitante a CC) e 397 (atinente a DD), o auto de apreensão constante de fls. 221 (entre outras coisas, ao cabo da faca, lâmina da faca e objeto em ferro tipo enxada), fotografias constantes de fls. 54 (ao Arguido, onde são visíveis vestígios de sangue na roupa e ténis) e 212 a 215, 311 a 312, 315 a 318 (onde são visíveis marcas de sangue no quarto, a faca partida e a enxada reconhecidas pela Assistente como os objetos utilizados pelo Arguido quando a agrediu e pegadas com sangue no corredor de acesso do quarto à saída da residência do Arguido e da Assistente), documentação clínica constante de fls. 35 a 41, 43 a 49, 119 a 134 e 151 (determinantes para prova da factualidade constante do ponto 31) dos Factos Provados), auto de exame médico constante de fls. 153 a 155 (cruciais para prova da factualidade constante dos pontos 32) a 34) dos Factos Provados) e exame pericial de fls. 323 a 324 dos presentes autos, foram valoradas para prova da factualidade constante dos pontos 1) a 40) dos Factos Provados.
Sempre se referindo que a violência com que o Arguido atingiu a Ofendida e a zona particularmente atingida (zona da cabeça), conforme descrito pela Assistente, expressa nos elementos clínicos e perícia realizada à Assistente, não deixam dúvida quanto ao facto de ter ficado demonstrado, sem qualquer dúvida, que Arguido bem sabia que as agressões por si perpetradas, na zona atingida, são causa adequada de causar a morte da Assistente, o que quis e representou, apenas não o logrando por se ter convencido que já o tinha alcançado (atenta a ausência de movimentos da Assistente, conforme por esta descrito) e pela pronta assistência médica que a Assistente recebeu.
Quanto às declarações prestadas pelo Arguido não podemos deixar de salientar que este admitiu o inegável, ainda assim justificando-o com alegados “feitiços”.
Sendo que a versão por este apresentada, de que DD apenas o acusar de a acariciar após os factos, e por vingança, não tem qualquer suporte factual, mostrando-se, pelo contrário, contrariada pela prova produzida nos autos, designadamente pelo testemunho prestado pela DD (que apesar do sucedido ainda procurou desculpá-lo, atribuindo tal comportamento ao consumo excessivo de álcool e de estupefacientes) e declarações prestadas pela Assistente (que relatou ter, inclusive, anteriormente, confrontado o Arguido com o sucedido).
Para prova da factualidade constante do ponto 41) dos Factos Provados ativemo-nos ao testemunho prestado por DD que, quanto a tal, se mostrou esclarecedora.
- quanto às condições pessoais do Arguido (pontos 42) a 55) dos Factos Provados) ativemo-nos ao teor do relatório social respeitante ao mesmo junto aos autos em 29.05.2023, que o Arguido declarou ser para considerar nos termos elaborados, complementado pelas Declarações prestadas pela Assistente e testemunho prestado por DD (no que respeita ao facto desta última ter sido institucionalizada e de em 24.08.2022 se encontrar fugida da instituição onde foi acolhida);
- para prova dos antecedentes criminais registados do Arguido (ponto 56) dos Factos Provados) mostrou-se crucial o Certificado de Registo Criminal referente ao mesmo, emitido em 06.09.2023, e junto aos autos em 07.09.2023.
Quando à factualidade considerada como não provada tratou-se de factualidade não demonstrada por meio de prova idóneo para o efeito.
Sempre se referindo, nesta sede, que pese embora tenha ficado demonstrado nos autos que o Arguido já vinha a ameaçar a Assistente de morte nas últimas semanas, da prova produzida não resulta que este o efetivamente planeasse fazer desde então, nem que este se tenha munido da enxada e faca para o efeito, resultando, pelo contrário, da prova produzida, designadamente do testemunho prestado por DD, que era habitual o Arguido ter tais objetos em casa, daí que a mesma não tenha estranhado ver a enxada, que, segundo esta, este habitualmente levava para a horta, no dia dos factos, no interior da habitação (als. h) e i) dos Factos Não Provados).
Não podemos ainda deixar de salientar que parte da convicção que se forma em relação aos testemunhos prestados alavanca-se precisamente na imediação do interrogatório, ou seja, pelos seus gestos, tom de voz, atitude corporal, forma como se referem aos factos, a qual nos permite percecionar a realidade do seu depoimento e testemunhos de forma diferente do que seria caso esta fosse descrita sem a mencionada imediação.
E tais fatores adicionais reforçam a nossa convicção sobre a matéria de facto considerada provada nos termos supra exarados e a credibilidade que os testemunhos prestados nos mereceram para prova dessa mesma factualidade.
Os meios de prova que se descriminaram foram todos conjugados, confrontados e entrecruzados, procurando-se encontrar os pontos de confluência e de coerência dos mesmos, sendo a resposta o resultado da sua ponderação global.”
B.2 O direito
B.2.1. Âmbito do recurso
B.2.1.1. Introdução
O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).
Entretanto, o Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça suscitou uma questão prévia, justamente relativa ao âmbito do recurso e que cumpre neste momento apreciar.
B.2.1.2. A irrecorribilidade de parte do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação
Em síntese, entende o digníssimo Procurador-Geral Adjunto que o acórdão do Tribunal da Relação apenas é suscetível de recurso:
“-Da condenação pelo crime de “homicídio qualificado”, na forma tentada, e respectiva medida da pena;
Da medida da pena única aplicada”
Mais considerando que “deve ser rejeitado no seu restante objecto (cfr. arts. 399º, 400º/1-e) e f), 414º/2 e 420º/1-b) e 432º/1-b) do Código de Processo Penal).
Concorda-se inteiramente com esta apreciação, a qual, aliás, é acolhida, de forma pacífica, pela doutrina e pela jurisprudência.
Com efeito, dado que:
• O recorrente foi condenado, em primeira instância, por dois crimes de violência doméstica e por um crime de abuso sexual de criança agravado com penas de prisão de, respetivamente, 2 anos e 6 meses (Assistente BB), 2 anos e 3 meses de prisão (na pessoa de CC) e 3 anos e 6 meses de prisão (na pessoa de DD); e
• O acórdão da primeira instância foi totalmente confirmado pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora,
não é possível recorrer dessas três condenações, uma vez que as penas parcelares aplicadas são inferiores, não apenas a 8 como a 5 anos de prisão.
Com efeito, estabelecem a alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal que:
“1. Não é admissível recurso:
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1ª instância;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeiro instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;”
Ora e como atrás se referiu, tem sido jurisprudência pacífica deste Supremo tribunal de Justiça que, em tais situações, o acórdão do Tribunal da Relação não é suscetível de recurso para este alto Tribunal
Assim e por todos, veja o seguinte aresto:
“I - Da conjugação do disposto nos arts. 399.º, 400.º, n.º 1, als. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância.;”
Ac. do S.T.J. de 30 de novembro de 2022 – Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
É certo que o recurso foi admitido, também relativamente a essa parte, pelo Tribunal da Relação de Évora.
Contudo, nos termos do disposto no artigo 413º, nº 3 do Código de Processo Penal, tal decisão não vincula este Supremo Tribunal de Justiça.
Face ao exposto, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 399º, 400º, nº 1 als. e) e f), 414º, nº 2, 420º, nº 1, al. b) e 432º, nº 1, al. b) - esta última a contrario sensu – todos do Código de Processo Penal, o recurso tem de ser rejeitado quanto às matérias atrás referidas.
B.2.1.3. Questões a apreciar
Assim e em suma, as questões colocadas pelo recorrente e que cumpre apreciar no presente recurso, são as seguintes:
• Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal) Erro de direito - interpretação do disposto nos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2 alínea b), ambos do Código Penal;
• Medida da pena parcelar relativa ao crime de homicídio qualificado, cometido na forma tentada;
• Medida da pena única.
B.2.2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada / Erro de direito
B.2.2.1. Enquadramento
Antes de mais importa transcrever o que o recorrente escreveu nos artigos 1º a 3º das conclusões do recurso:
“Artigo 1º
Da matéria de facto provada não consta, nem pode concluir-se, que tenha resultado provado o dolo específico do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades, mesmo na modalidade de dolo eventual. E daí, não pode subsistir a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio na forma tentada, pelo que deverá ser revogada.
Artigo 2º
Mantendo tal condenação o Tribunal da Relação violou, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 131º, 132 nºs 1 e 2 alínea b) e 22º nº 1, todos do Código Penal.
Artigo 3º
Este segmento do recurso, não obstante envolver impugnação em matéria de facto é legalmente admissível face ao que se dispõe na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.”
Ou seja, por um lado, o recorrente alega que o acórdão recorrido enferma do vício a que se reporta o artigo 410º nº 2, al. a) do Código de Processo Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) e, por outro, alega ter existido “erro de interpretação e de aplicação, os artigos 131º, 132 nºs 1 e 2 alínea b) e 22º nº 1, todos do Código Penal”.
B.2.2.2. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
O recorrente foi, como atrás se deixou consignado, condenado por acórdão proferido em primeira instância e do qual recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa sendo que, neste recurso e no que concerne ao crime de homicídio qualificado tentado, não colocou em causa a matéria de facto dada como provada, nem invocou os vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Curiosamente e embora o Tribunal da Relação nem sequer tenha alterado a matéria de facto dada como provada na primeira instância, vem agora alegar que o acórdão proferido por esse Venerando Tribunal enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Ora, como foi designadamente decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13 de abril de 20162
“VI - Constitui jurisprudência constante e uniforme do STJ (desde a entrada em vigor da Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto) a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ.
Escrito de outra forma e usando para o efeito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1 de março de 20233:
“I. Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou em vigor um 21 de março de 2022, os erros-vicio e a nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância, contanto tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos.”4
Com efeito, o disposto no artigo 434º do Código de Processo Penal estabelece atualmente que:
“O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º”
Por seu turno, as alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º do mesmo diploma legal estabelecem que:
“1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de justiça:
a. De decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos números 2 e 3 do artigo 410º;
b. De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou com os fundamentos previstos NOS números 2 e 3 do artigo 410º”
Face ao exposto e porque, in casu, não nos encontramos em nenhuma dessas duas situações, o recurso com fundamento no disposto na al. a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal tem de ser rejeitado.
De qualquer forma e sem necessidade de maiores explicações, é evidente que, mesmo que tal recurso fosse admitido seria improcedente já que a matéria dada como assente no acórdão proferido pela primeira instância – e transcrita para o acórdão recorrido – contem factos suficientes para a condenação do arguido pela prática de crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal.
B.2.2.3. O erro de direito
B.2.2.3.1. A decisão recorrida
A este propósito importa, antes de mais, transcrever o que ficou consignado na fundamentação de direito da decisão recorrida:
“iv.3. do enquadramento jurídico-penal
Na conclusão 1ª da motivação do recurso, sustenta o recorrente que «deve ser revogada a condenação do arguido pelo crime de homicídio na forma tentada e, em substituição, ser o mesmo condenado pelo crime de ofensas à integridade física previsto e punido pelo artigo 144º, alínea d), qualificado pelo artigo 145º nº 1 alínea b), ambos do Código Penal», e que, «decidindo como decidiu, o tribunal violou, por erro de interpretação e aplicação, estes artigos e, ainda, os artigos 131º e 132º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal».
Embora não conste, como devia, das conclusões formuladas pelo recorrente, depreende-se da motivação oferecida que a proposição constante da conclusão transcrita decorre de ter o recorrente considerado não estar provado o dolo específico do crime de homicício, ou seja, a intenção de tirar a vida à assistente BB.
Só uma leitura desatenta da decisão proferida pelo Tribunal a quo justifica tal afirmação.
Na verdade, consta dos factos dados como provados na decisão recorrida que:
“38) O Arguido bem sabia que as zonas do corpo onde atingiu a Assistente, designadamente, a cabeça, se trata de uma zona vital para a vida, agindo com o propósito firmado de tirar a vida à mesma, sua companheira e mãe dos seus filhos, o que não sobreveio devido à rápida intervenção da assistência médica;
39) O Arguido agiu livre, voluntária e consciente, visando usar aquela faca e enxada, como usou, como instrumento de agressão, bem sabendo que lhe estava vedada tal conduta;
40) O Arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, prosseguiu os seus intentos, atuando da forma supra descrita;”.
Não é, por isso, verdade, ao contrário do que alega o recorrente, que a matéria relativa ao dolo específico com que o mesmo atuou no dia 24.08.2022 – ou seja, o conhecimento e vontade de atuar da forma descrita, com intenção de tirar a vida à sua companheira, apesar de saber tais condutas proibidas e punidas por lei – apenas tenha sido discutida na fundamentação da decisão de facto.
É certo que, a propósito do exame crítico da prova, se escreveu no acórdão recorrido, entre o mais, que: “Sempre se referindo que a violência com que o Arguido atingiu a Ofendida e a zona particularmente atingida (zona da cabeça), conforme descrito pela Assistente, expressa nos elementos clínicos e perícia realizada à Assistente, não deixam dúvida quanto ao facto de ter ficado demonstrado, sem qualquer dúvida, que Arguido bem sabia que as agressões por si perpetradas, na zona atingida, são causa adequada de causar a morte da Assistente, o que quis e representou, apenas não o logrando por se ter convencido que já o tinha alcançado (atenta a ausência de movimentos da Assistente, conforme por esta descrito) e pela pronta assistência médica que a Assistente recebeu”. Deste segmento se extrai que o Tribunal a quo considerou demonstrados os factos acima transcritos por dedução, a partir da interpretação conjugada dos diversos elementos de prova à disposição do Tribunal.
O recurso a prova indireta para apurar factos do foro íntimo do agente – na ausência de confissão expressa – é perfeitamente admissível (e admitido, na nossa doutrina e jurisprudência) e suportado em juízos de inferência que não suscitam qualquer dúvida, completando de forma adequada o silogismo judiciário.
Concordamos com o Coletivo julgador quando releva o número de pancadas e golpes desferidos, os instrumentos utilizados e as zonas corporais visadas, para concluir que outra não podia ser a intenção do arguido, que não a de tirar a vida à sua companheira – inferência que resulta ainda sublinhada pela circunstância de apenas ter suspendido a agressão quando esta última se encontrava imóvel e sem reação, ou seja, aparentando ter sido alcançado o resultado visado (a sua morte).
Tal avaliação das circunstâncias mostra-se, em absoluto, conforme com as regras de experiência comum, e não nos merece, por isso, qualquer censura.
Acresce que a apurada conduta, integrando a circunstância qualificativa prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, denuncia, também, a verificação da especial censurabilidade essencial ao cometimento do crime de homicídio na sua forma qualificada. Não se trata apenas de o arguido ter dirigido a sua ação contra a companheira, mãe de dois dos seus filhos; trata-se, sobretudo, de o ter feito sem que se apure qualquer circunstância suscetível de desencadear tal reação especialmente violenta, apenas porque se encontrava presa de ciúmes doentios e porque a vítima não se dispôs a deitar-se com ele naquele momento. Ninguém pode duvidar de que tal modo de atuar se deve qualificar como especialmente censurável.
Não tem razão o recorrente ao pretender um diverso enquadramento jurídico dos factos dados como provados.”
B.2.2.3.2. Apreciação
Perante a transcrição supra, facilmente se conclui a falta de fundamento do recurso quanto ao ponto em apreciação.
De qualquer forma, sempre se acrescentará o seguinte:
Desde logo que a reapreciação da determinação da intenção do agente, mais concretamente da intenção de matar, ou a fixação dos elementos subjetivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial, não cabe no âmbito do recurso para o S.T.J., por estar em causa matéria de facto.
Com efeito e a título meramente exemplificativo, veja-se o seguinte acórdão deste Alto Tribunal:
É jurisprudência pacífica do STJ que pertence ao âmbito da matéria de facto o apuramento da intenção de matar e a fixação dos elementos subjectivos do dolo.”5
Por outro lado, importa recordar que a estrutura do dolo comporta um elemento intelectual e um elemento volitivo. O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável. O elemento volitivo consiste na especial direção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo, a saber: o dolo direto – a intenção de realizar o facto – o dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta – e o dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta.
Ora, no caso em apreço e como ficou claramente demonstrado no acórdão recorrido (cfr. ponto anterior), o recorrente representou a sua conduta como apta para provocar a morte da assistente, sabia que tal conduta era ilícita e censurável e, não obstante, quis adotar essa conduta, só não tendo alcançado os seus propósitos devido a circunstâncias alheias à sua vontade.
Por outro lado, a sua culpa surge agravada pela circunstância de viver em união de facto com a assistente desde 2011 e de com ela ter tido dois filhos, sendo que a motivação da tentativa de homicídio foram os seus ciúmes doentios e o facto de a vítima não se ter disposto a deitar-se com ele naquele momento.
Ou seja, e como refere Paulo Pinto de Albuquerque6, os fortes laços familiares que existiam entre o recorrente e a vítima deviam ter funcionado, para o primeiro, como uma inibição acrescida para o seu comportamento, sendo que, assim não tendo acontecido, consubstanciam uma especial censurabilidade da respetiva conduta.
Portanto, neste ponto o recurso improcede.
B.2.3. Medida da pena parcelar relativa ao crime de Homicídio, cometido na forma tentada
O recorrente foi condenado, relativamente ao crime em epígrafe referenciado, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.
No presente recurso conclui que tal pena “deverá ser reduzida para uma pena de prisão não superior a 8 anos, pois que, mantendo-a em 9 anos e 6 meses, o Tribunal da Relação não respeitou os critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal”
Contudo, quando procuramos nas suas motivações de recurso os factos e os argumentos em que suporta tal conclusão, deparamos com um absoluto vazio…
Com efeito e como bem refere o Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal, “Fica-se o recorrente, no essencial, por um lado, pela inepta alegação por remissão para a motivação do recurso interposto do Acórdão do Colectivo, e, por outro lado, pela invocação, à míngua, de generalidades e categorias abstractas, sem, no seu esforço lógico-argumentativo, fazer o necessário cotejo dialéctico entre os factos-provados e os princípios e as normas que se constituem nos critérios relevantes para a fixação das penas – não concretizando o que fez intenção de concretizar –, omitindo, aliás, a própria concretização quantitativa do que entende por pena substancialmente inferior aos dez anos.”
Ora, como desde logo é fácil compreender, não nos cabe ir procurar a argumentação do recorrente em peça processual diversa da motivação do recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça…!
Mas, com efeito, para além da afirmação acima referida, o Recorrente limita-se a criticar o acórdão recorrido, consignando, designadamente, o seguinte:
“4. Neste capítulo, o Tribunal da Relação circunscreveu a sua decisão apelando à distinção entre proporcionalidade e desproporcionalidade das penas aplicadas, entendendo que só no caso de desproporção das penas concretamente aplicadas no tribunal a quo se justifica a intervenção correctiva do tribunal ad quem. Expendeu, também, que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos.
O recorrente não quer por em causa estas figuras invocadas pelo Tribunal recorrido para justificar a mitigação da sua competência. Pensa, ao invés, que tais figuras não ajudam a caminhar no sentido desejável, que é, tão só, o de saber se a causa foi bem ou mal julgada, tendo-se, naturalmente, sempre presente a competência do tribunal que julga o recurso e o âmbito do mesmo. Qualquer rebuço na crítica à decisão revidenda não respeita a função dos recursos. Se o recurso não for, no que nele está em causa, um outro julgamento, então de que servem os recursos?!”
Ora, estas críticas não são corretas nem justas.
Por um lado, porque é um facto que o nosso sistema jurídico não configura os recursos como a repetição do julgamento feito na primeira instância e porque a intervenção dos Tribunais Superiores, em matéria da escolha e medida da pena, deve ser parcimoniosa.
Com efeito, para além das decisões deste S.T.J. citadas no acórdão recorrido e para confirmar que essa é uma jurisprudência que se mantém, veja o seguinte aresto desta 5º secção e que, por ter sido proferido a 20 de junho de 2024, ainda nem sequer foi publicado:
“O escrutínio, em sede de recurso, da adequação ou correção da medida concreta da pena impor-se-á apenas em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da sã racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção do tribunal de recurso que altere a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena. Esta é uma asserção que é válida não só no tocante à determinação da medida das penas parcelares, como da pena única ou conjunta.”7
Por outro lado, a crítica é injusta porque, na verdade, o acórdão recorrido não se limitou a aderir à fundamentação da decisão da 1ª instância.
Com efeito, consignou-se no acórdão recorrido, a propósito da escolha e medida da pena - depois de nele se tecerem várias considerações genéricas e de ser citada jurisprudência pertinente sobre a matéria -, o seguinte8:
“(…)
Para tal apreciação, revisitemos as considerações do Tribunal a quo no que se refere à determinação da medida das penas parcelares no caso concreto, e no trecho em que, depois de versar sobre os parâmetros legais de tal operação, enunciou as circunstâncias relevantes:
“No caso em apreço, o modo de atuação do Arguido é revelador de elevado grau de ilicitude, evidenciando o Arguido indiferença para com a vida da Assistente, mãe de dois filhos do Arguido e à data dos factos sua companheira.
A vida humana é o bem maior, supremo e inviolável, conforme resulta do art.º 24º, n.º 1, da Constituição da República, sendo a comunidade abalada de forma muito intensa quando, por ato voluntário, se ofende a vida de um dos seus membros.
E nunca é demais enfatizar que, como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “CRP Anotada”, I), “o direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”. E “O direito à vida constitui o valor supremo na hierarquia dos direitos humanos. A jurisprudência está vinculada a refletir a tutela adequada e eficaz em cada caso de atentado voluntário daquele direito primordial, condição de todos os outros.”.
A forma como o Arguido molestou a Companheira, quase lhe provocando a morte - colocando a ponta da faca, nas costas da vítima e, como se estivesse a martelar, espetando a faca, várias vezes, nas costas da Assistente – atinge níveis de malvadez para além do normal deste tipo de crimes.
Embora os crimes de violência doméstica, cometidos na pessoa da Assistente e do CC não tenham assumido as proporções que infelizmente vêm a assumir em situações similares, demonstram a falta de respeito e cuidado do Arguido para com aqueles que devia proteger, sua Companheira e filho, e que são por este molestados e intimidados, pondo em causa o são crescimento de seu filho.
O grau de ilicitude dos factos, apreciado dentro do tipo criminal de abuso sexual de crianças, é considerável. O Arguido atuou com o propósito de satisfazer os seus desejos libidinosos, não se coibindo de o fazer com quem lhe era próximo (filha da Companheira), e que se esperava que gozasse da sua proteção, tendo os factos ocorrido no local onde o Arguido residia com a vítima, e onde esta deveria gozar de segurança e proteção.
O Arguido atuou com dolo direto.
As exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crimes são prementes, dada a frequência com que estes crimes ocorrem e a insegurança que geram na comunidade.
As exigências de prevenção especial mostram-se igualmente acentuadas, evidenciadas na personalidade revelada pelo Arguido e no total desrespeito que demonstrou pela integridade física e psicológica daqueles que lhe eram próximos e que deveriam gozar da sua proteção, a, à data, sua Companheira e mãe de dois dos seus filhos, um dos seus filhos e a filha da sua Companheira (que com o mesmo à data residia).
O Arguido já tem antecedentes criminais registados, pese embora por crime distinto (tráfico de estupefacientes).
Em benefício do Arguido não podemos deixar de ter presente que este beneficia de apoio familiar, por parte do irmão, igualmente residente em Portugal, e não lhe são conhecidas infrações disciplinares em meio prisional.
Assim sendo, atenta a moldura penal aplicável e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação do Arguido:
- na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º, n.º 1, al. b) e c), 2, 4 e 5, do Código Penal (na pessoa da Assistente BB);
- na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º, n.ºs 1, als. d) e e), e 2, al. a), do Código Penal (na pessoa de CC);
- na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs. 22º, 23º, 73º, 131º, n.º 1, e 132º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (na pessoa da Assistente BB); e
- na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1, e 177º, n.º 1, al. b), do Código Penal (na pessoa de DD).”
Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.20219, no que se reporta à decisão sobre a pena, mormente a sua medida, importa lembrar “que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.”
Assim, lida a exposição supratranscrita, vemos que o Tribunal a quo, ponderando conjugadamente todas as circunstâncias enunciadas, determinou as penas que reputou adequadas relativamente a cada um dos crimes praticados pelo arguido, nos termos que ali se detalham.
Ora, perante as considerações tecidas, não pode deixar de considerar-se que o recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de não ter tomado em consideração circunstâncias relevantes nessa determinação das penas parcelares – sendo certo que o recorrente também não esclareceu que circunstâncias seriam essas, e em que medida deviam as mesmas ter determinado a imposição de penas menos severas.
Note-se que, no que se refere aos crimes de violência doméstica, numa moldura penal definida entre 2 e 5 anos de prisão, o Tribunal a quo fixou as penas a impor ao arguido em 2 anos e 6 meses de prisão e 2 anos e 3 meses de prisão - ou seja, claramente coladas ao mínimo legal e muito longe daquele que seria o ponto médio da moldura.
Também no que se reporta ao crime de abuso sexual de criança agravado10, considerada a moldura penal aplicável, de 1 ano e 4 meses de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, a pena fixada pelo Tribunal a quo, de 3 anos e 6 meses de prisão, mostra-se contida no terço inferior daquela moldura, também ela muito longe do respetivo ponto médio, sem que se vislumbrem quaisquer circunstâncias atenuantes da gravidade da conduta do arguido, só se compreendendo a benevolência face à reduzida expressão dos danos causados.
Finalmente, no que se reporta ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, ao qual é abstratamente aplicável uma moldura penal, especialmente atenuada, de 2 anos, 4 meses e 24 dias de prisão a 16 anos e 8 meses de prisão, não podendo deixar de relevar-se o modo especialmente censurável da atuação do arguido, ao atacar a vítima com diferentes objetos cortocontundentes, atingindo-a repetidamente, e ainda as graves consequências que de tal atuação advieram para a vítima, que ficou desfigurada e com limitações graves da sua capacidade de trabalho, nenhuma censura nos merece a fixação da pena pela prática de tal crime em 9 anos e 6 meses de prisão, como foi decidido na 1ª instância – não tendo sido indicado pelo recorrente qualquer motivo válido para que a mencionada pena fosse fixada em patamar inferior (é verdade que a morte não ocorreu… mas essa circunstância releva da natureza do crime em questão, que é tentado, e não consumado – se a morte tivesse ocorrido, a pena abstrata a considerar seria de 12 a 25 anos de prisão).
Assim, na determinação das penas de prisão concretas a aplicar, concorda-se com as conclusões extraídas das circunstâncias apuradas pelo julgador de primeira instância, entendendo-se que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários factores agravantes e atenuantes em presença), foi adequada à execução dos crimes e à personalidade do arguido, não obstante a ausência de antecedentes criminais por crimes como os que aqui estão em causa.
Foram ponderadas, quanto à execução do facto (pensada em termos globais – cf. artigo 71º, nº 2, alíneas a), b) e c), do Código Penal) todas as circunstâncias relevantes: a forma intencional da vontade criminosa (a intensidade da vontade no dolo); o modo de execução da actividade delituosa (designadamente, o fácil acesso às vítimas, o contexto familiar em que os factos ocorreram, que deveria ter funcionado como factor de proteção e não de vitimização, como ocorreu; a total ausência de interiorização da censurabilidade dos comportamentos, percecionando o arguido como normal o exercício de violência sobre as crianças a seu cargo e sobre a sua companheira; e a significativa violência empregue); e, bem assim, a duração temporal das atividades delituosas (neste quadro, não particularmente significativa).
Assim, atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama, bem como o grau de ilicitude e da culpa do arguido, bem andou o Tribunal recorrido ao determinar a aplicação das penas nos termos supra expostos, não tendo o recorrente indicado que outras circunstâncias deviam ter sido tidas em conta, ou em que medida a valoração operada pelo Tribunal diverge dos critérios legais.”
Portanto, entende-se que o Tribunal da Relação fundamentou adequadamente a manutenção das penas aplicadas pela primeira instância, o que deve ser sublinhado ainda com maior ênfase, atento o facto de o recorrente, também no recurso interposto para o Tribunal da Relação, ter justificado a diminuição da pena aplicada ao homicídio tentado com o seguinte argumento:
“Não ocorreu a morte da vítima e, daí, parece ao arguido que a pena concreta não deve exceder o limite mínimo da pena aplicável ao homicídio consumado, justificando-se, mesmo, que seja inferior a esse limite mínimo: é o que se requer, caso se entenda dever improceder o que vai defendido na parte final da alínea que antecede.”
Perante todo o exposto e face à completa inexistência de facto e/ou argumentos invocados pelo recorrente para fundamentar a sua pretensão, poderíamos limitar-nos a julgar o recurso improcedente e a confirmar o acórdão recorrido.
Contudo, e para que não fiquem dúvidas sobre a justiça do decidido, iremos mais além.
Assim, concordando e aderindo à fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sempre se dirá, de forma telegráfica, o seguinte:
• A ilicitude é muito elevada, designadamente porque o arguido atingiu a vítima, repetidamente, com a “enxada” de ferro e que tinha cerca de 60 cm de comprimento, visando sempre a cabeça da assistente, porque ainda lhe espetou uma faca com 14 cm de comprimento nas costas, “martelando” com esse objeto o dorso superior direito e as regiões lombares da ofendida, o que fez por várias vezes;
• As consequências para a vítima foram muito graves, como decorre dos pontos 31 a 34 da matéria de facto dada como provada, sendo de sublinhar:
– que o arguido atingiu a vítima na cabeça (regiões frontal, parietal bilateral e occipital), em várias regiões do dorso, na face e em ambos os membros superiores;
– que o período de consolidação médico-legal ascendeu a 365 dias;
– que as cicatrizes da cabeça, tronco e membros superiores desfiguram a assistente de forma grave;
– e que a rigidez do punho direito e rigidez de D1 a D4 da mão esquerda afetam de forma grave a possibilidade de a ofendida usar o corpo e a sua capacidade de trabalho;
• O dolo foi direto e muito intenso, mostrando o arguido total desprezo pela vida da ofendida;
• A motivação do comportamento do arguido foram os seus ciúmes doentios e o facto de a assistente se ter recusado a ir para a cama com ele por ter trabalho para executar;
• O arguido tem antecedentes crimes, pois foi condenado, pela prática de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão, pena que apenas foi declarada extinta a 2 de dezembro de 2019;
• A seu favor deve ponderar-se, apenas, a circunstância de o arguido beneficiar de apoio familiar, por parte do irmão, igualmente residente em Portugal, e o facto de não lhe serem conhecidas infrações disciplinares em meio prisional.
Face a todo o exposto, tendo em conta que a moldura do crime de homicídio qualificado, praticado na forma tentada, se situa entre os 2 anos, 4 meses e 24 dias e os 16 anos e 8 meses e dado que a culpa desvelada pelo arguido de tal não era impeditiva, não se afigura excessiva a condenação na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.
Com efeito, as exigências de prevenção geral são muito intensas – tendo em conta a frequência com que este tipo de crimes ocorrem e os intensos sentimentos de insegurança que geram na comunidade- e as exigências de prevenção especial revelam-se acentuadas, não só face a forma persistente como tentou tirar a vida à sua companheira e mãe dos seus filhos e ao desprezo que desvelou face ao bem protegido (a vida) e, ainda, tendo em conta os seus antecedentes criminais, devendo notar-se, relativamente a este último ponto, que os factos ocorreram menos de 3 anos depois de o arguido ter visto ser declarada extinta a pena de prisão de 5 anos e 8 meses que lhe foi aplicada.
Concluindo, improcede igualmente o recurso no que concerne à medida da pena parcelar aplicada ao arguido pelo crime supra referido, mantendo-se a decisão recorrida.
B.2.4. Medida da pena única
Como já atrás se assinalou no presente recurso. foram também colocadas críticas à decisão recorrida no que concerne à pena única de 12 anos e 03 meses de prisão aplicada ao recorrente.
O recorrente não concorda com esta pena, considerando que a mesma deve ser fixada em 9 anos e 6 meses de prisão.
Contudo, uma vez mais, não fundamenta essa pretensão, limitando-se a referir que a mesma deve ser deferida em função da pretendida diminuição das penas parcelares ou, em qualquer caso, “porque injustificadamente elevada e desrespeitadora dos critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 77º do Código Penal.”
Aliás, e igualmente uma vez mais, também no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa o Requerente fundamentou igual pedido nos seguintes termos: “(…) a pena aplicada em cúmulo jurídico é, ela mesma, excessiva, e que deve ser reduzida ainda que permaneçam todas as penas parcelares das quais se partiu para o cúmulo jurídico.”
Ou seja, mais uma vez um completo vazio argumentativo…
Perante todo o exposto e face à completa inexistência de argumentos invocados pelo recorrente para fundamentar a sua pretensão poderíamos limitar-nos a julgar o recurso improcedente e a confirmar o acórdão recorrido.
Contudo, e para que não fiquem dúvidas sobre a justiça do decidido, iremos mais além.
Assim, o tribunal a quo fundamentou a manutenção da pena única aplicada pela primeira instância nos seguintes termos (transcrição):
“Outro tanto se dirá relativamente à pena única fixada pelo Tribunal a quo.
Com efeito, apesar de o arguido reclamar, na conclusão 7ª da motivação do seu recurso, a redução da pena única que lhe foi imposta (de 12 anos e 3 meses de prisão), que reputa “injustificadamente elevada e desrespeitadora dos critérios dos nºs 1 e 2 do artigo 77º do Código Penal”, também não esclareceu em que medida foram tais parâmetros desrespeitados e quais deveriam ser as circunstâncias a ter em conta que não foram adequadamente valoradas pela 1ª instância.
Nesta matéria, como escreve Paulo Pinto de Albuquerque11, em anotação ao artigo 77º do Código Penal, “A moldura do concurso de crimes é construída, não de acordo com o princípio da absorção puro (punição do concurso com a pena concreta do crime mais grave), nem com o princípio da exasperação ou agravação (punição do concurso com moldura do crime mais grave, devendo a pena concreta ser agravada em virtude do concurso de crimes), mas antes com o princípio da cumulação, segundo o qual se procede à punição do concurso com uma pena conjunta determinada no âmbito de uma moldura cujo limite máximo resulta da soma das penas concretas aplicadas a cada crime imputado, mas cuja medida concreta é decidida em função da imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente, procurando, nas palavras de Eduardo Correia, «na medida em que é possível e conveniente, trazer a ideia da chamada “pena unitária” para dentro do sistema da acumulação» (Actas CP/Eduardo Correia, 1965a: 155). Trata-se, pois, de um sistema de cumulação, mas na forma de um cúmulo jurídico. (…)
Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excecionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o tribunal determina a pena conjunta à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excecionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso (em sentido próximo, por exemplo, acórdão do STJ, de 9.5.2002, processo 02P1259, acórdão do STJ, de 17.10.2002, processo 2792/2002, acórdão do STJ, de 27.1.2005, processo 04P4449, acórdão do STJ, de 12.7.2005, com anotação in RPCC, ano 16: 151, acórdão do STJ, de 6.10.2005, processo 05P2107, acórdão do STJ, de 14.1.2009, processo 3856/08-5, acórdão do STJ, de 26.2.2009, processo 08P2873, acórdão do STJ, de 29.10.2009, processo 18/06.0PELRA.C1.S1-5, acórdão do STJ, de 19.5.2010, in CJ, Acs. do STJ, XVIII, 2, 191, acórdão do STJ, de 12.7.2012, in CJ, Acs. do STJ, XX, 2, 238, acórdão do STJ, de 12.9.2014, CJ, Acs. do STJ, XXII, 3, 179, acórdão do STJ, de 4.2.2016, CJ, Acs. do STJ, XXIV, 2, 253, e acórdão do STJ, de 8.7.2020, processo 74/14.7JAPTM.3.E1.S1, e com considerações semelhantes, referindo-se a um fator de compressão do remanescente das penas parcelares, Carmona da Mota, 2009, Souto Moura, 2010: 108 e 109, Lourenço Martins, 2011: 306 e 307, Miguez Garcia e Castela Rio, 2014: 387, anotação 11ª ao artigo 77º, e Tiago Milheiro, 2020: 75 a 77, mas críticos desse fator, Simas Santos, 2010: 150, embora o Autor o tenha utilizado enquanto relator, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 27.1.2005, e de 6.10.2005 (referindo-se à ponderação de «menos de 1/3 da soma das restantes penas parcelares»), Artur Rodrigues da Costa, 2013: 180 e 181, admitindo que as fórmulas referidas conduzem a «penas conjuntas muito inferiores e aparentemente mais adequadas e mais conformes a um princípio de humanidade», mas duvidando da sua «suficiente solvabilidade jurídica», e António Barreiros, 2009, ainda mais cético em relação à possibilidade de introduzir racionalidade no sistema legal de cúmulo jurídico, tendo até Isabel São Marcos, 2016, considerado que não era «viável identificar o concreto e preciso raciocínio que terá servido de fio condutor na metodologia porventura usada pelo mesmo [Supremo] Tribunal para concretizar tal operação»).”
No caso que temos em mãos, o Tribunal a quo, a propósito da determinação da pena única do concurso, expendeu as seguintes considerações:
“Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas.
Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art.º 77º do Código Penal (cfr., por todos, Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstrata, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a ação típica, isto é, nos factos.
Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).
Assim, temos como moldura legal abstrata do concurso, uma pena de limite mínimo de 9 (nove) anos e6 (seis) meses de prisão e de limite máximo uma pena de 17 (quinze12) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Ora, considerando as circunstâncias e gravidade dos factos, as consequências que estes tiveram para os Ofendidos (especialmente para a saúde da Assistente, que ficou com cicatrizes na cabeça, tronco e membros superiores, que a desfiguram de forma grave, com rigidez do punho direito e de D1 a D4 da mão esquerda, que a afetam, de forma grave, na sua capacidade de trabalho) e a personalidade do Arguido neles espelhada (que demonstra uma total indiferença para com a vida da Companheira, mãe dos seus dois filhos, e para com a saúde e são desenvolvimento de um dos seus filhos e da filha da Companheira, que consigo coabitou), e sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção geral (elevadíssimas) e especial (igualmente bem consideráveis), entende o Tribunal como ajustada a aplicação ao Arguido da pena única de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de prisão”.
Cabe dizer que as considerações tecidas quanto aos parâmetros que devem orientar a determinação da pena única – como decorre do que já expusemos acima – se mostram globalmente acertadas, não merecendo igualmente qualquer censura a escolha da pena única imposta ao recorrente AA, que reflete a adição de 1/3 do somatório das penas menos graves à pena mais grave13. O arguido não indicou (nem se vislumbram) circunstâncias especiais que pudessem justificar uma ainda maior compressão na operação de unificação das penas.
Tratando-se de decisão que claramente beneficia o arguido, nada há a alterar na mesma.”
Face ao exposto e embora manifestemos a nossa preferência por abordagens doutrinárias que evitem apoiar-se, quase exclusivamente, em fórmulas matemáticas, concordamos com a medida da pena única aplicada ao arguido
Com efeito, neste domínio acompanhamos Figueiredo Dias que, relativamente a esta matéria, escreveu o seguinte:
“Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”14
No mesmo sentido refere Cristina Líbano Monteiro que, com o sistema da pena conjunta, perfilhado no artigo 77º do Código Penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.15
As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos.
Condutas muito gravosas para a comunidade, como as integradas no terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente ou criminalidade altamente organizada, [definidas no art.1.º, alíneas f) a m)] exigem, por respeito do princípio da proporcionalidade e exigências de prevenção, uma menor compressão das penas parcelares, na formação da pena única, do que condutas de agentes inseridas na chamada média ou pequena criminalidade.
Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única. A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado.
A interiorização das condutas ilícitas e consequentes penas parcelares que lhe foram aplicadas, traduzida na vontade clara de alteração do comportamento antissocial violador de bens jurídico criminais, assente em factos que o demonstrem relevam, assim, particularmente, no apuramento das exigências de prevenção no momento de determinar a pena única.
Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente.
Passando ao caso concreto começamos por verificar que a moldura abstrata do concurso de crimes se situa entre 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão e 17 (dezassete) anos e 9 (nove meses) de prisão.
Olhando agora para o conjunto dos factos praticados pelo recorrente, com vista a determinar a sua ilicitude global, constatamos que foram violados vários bens jurídicos - tais como a vida (1 crime de homicídio na forma tentada previsto e punível pelos artigos 22°, nºs 1 e 2, al. b), 23°, 73°, 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal); a autodeterminação sexual (1 crime de abuso sexual d criança agravado previsto e punível pelos artigos 171°, nº 1 e 177°, nº 1, al. b) do mesmo diploma legal) e a proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana16 (2 crime de violência doméstica previstos e puníveis pelo artigo 152°, nºs 1, als. b) e c), 2, 4 e 5, ainda do Código Penal) - , sendo que todos eles se inserem no segmento mais importante do grupo dos bens jurídicos pessoais e estando ainda compreendidos no que se designa por “criminalidade violenta” e “especialmente violenta” (cfr. artigo 1º als. f) e g) do Código de Processo Penal). Por outro lado, existe uma nítida e evidente conexão entre os diversos comportamentos, tendo os mesmos decorrido, repetidamente, entre 2018 e 2022. Por outro lado, todos os crimes foram praticados com dolo direto e muito intenso. As consequências dos factos praticados foram muito graves, como já atrás se deixou consignado, devendo acrescentar-se aqui as decorrentes dos crimes de violência doméstica e de abuso sexual de criança agravado. A matéria de facto apurada revela a existência de uma pluralidade de vítimas, sendo que uma era sua companheira desde 2011, outro um seu filho nascido a .../...14 e a outra a filha da sua companheira nascida a .../.../2008.
Por outro lado, a personalidade do arguido desvelada pelos factos praticados é muito negativa, ao que acresce registar uma condenação numa pena de prisão de 5 anos e 8 meses, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, que tinha sido declarada extinta há menos de 3 anos; entretanto também devem ser sopesados os factos de ter apoio familiar e de não lhe serem conhecidas infrações disciplinares em meio prisional.
Finalmente, todos os crimes praticados suscitam grandes necessidades de prevenção geral, dado que põem em causa a paz social de forma particularmente acentuada e causam grande alarme social - dada, designadamente, a frequência com que ocorrem e as suas muito nefastas consequências – demandando, cada vez mais, da parte da comunidade, uma resposta forte, assertiva e que afirme de forma inequívoca e tranquilizadora a tutela dos bens jurídico-penais violados.
Em face desta apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, ponderada no âmbito da moldura legal do cúmulo em apreço (9 anos e 6 meses de prisão a 17 anos e 9 meses de prisão), não nos parece excessiva a pena aplicada no acórdão recorrido, entendendo-se que a mesma satisfaz, de modo adequado, as necessidades de prevenção, geral e especial e não ultrapassa a culpa desvelada pelo recorrente.
Termos em que, também quanto a esta matéria, improcede o recurso.
D – Decisão
Por todo o exposto, decide-se:
1 – Rejeitar o recurso interposto por AA no que concerne às condenações pelos crimes de violência doméstica e de abuso sexual de criança agravado, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 399º, 400º, nº 1 als. e) e f), 414º, nº 2, 420º, nº 1, al. b) e 432º, nº 1, al. b) - esta última a contrario sensu – todos do Código de Processo Penal;
2 – Rejeitar o recurso interposto com fundamento no disposto no artigo 410º, nº 2 al. a) do Código de Processo Penal, ao abrigo dessa mesma disposição legal e dos artigos 399º, 414º, nº 2 e 3, 420º, nº 1 al. b), 432º nº 1 als. a) e c), e 434º, todos do mesmo diploma legal;
3 – Considerar, no mais, o recurso improcedente, confirmando o acórdão recorrido;
4 – Condenar o recorrente no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça fixada em 5 (cinco) U.C. (artigos 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e 1º, 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais - aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro e Tabela III a ele anexa)
Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada
(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Celso Manata (Relator)
Agostinho Torres (1º Adjunto)
Albertina Pereira (2ª Adjunta)
______________
1. Apenas se omitiu a parte que relatava os termos em que o recorrente foi condenado.
2. Proferido no Proc. 958/11.4PAMTJ. L1. S1 e disponível em www.dgsi.pt
3. Proferido no Proc. 589/15.0JABRG.G2.S1 e disponível em www.dgsi.pt
4. Também neste sentido veja-se a decisão de 5 de janeiro de 2023 do Exmo. Vice-Presidente do STJ proferida na reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do C.P.P. no processo n.º 5711/20.1T9CBR.C1-A.S1 ou o Ac. de 23 de março de 2022 – Proc. 4/17.4SFPRT.P1.S1 disponível em www.dgsi.pt
5. Ver, por ex. Ac. do S.T.J. de 07 de novembro de 2002 – Proc. 02P3105, disponível em www.dgsi.pt
6. Comentário ado Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 6ª edição, UCP editora, pág. 593.
7. Ac. do S.T.J. proferido no Proc. 400/18.0JAAVR.S.1 (Relator Jorge Bravo)
9. No processo nº 10/18.1PELRA.S1, Relatora: Conselheira Ana Barata Brito, acessível em www.dgsi.pt.
10. Relativamente ao qual o arguido já beneficiou da desconsideração da multiplicidade de atos praticados, em ocasiões distintas, que, claramente, indiciam uma pluralidade de crimes, mas cuja indeterminação temporal impediu, em obediência ao princípio in dubio pro reo, que se valorasse tal reiteração criminosa, sendo o arguido condenado por um único crime.
11. Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 407-408.
12. Existe manifesto lapso de escrita no acórdão da 1ª instância, que cumpre retificar, em conformidade com o que resulta do disposto no artigo 380º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código de Processo Penal. A soma aritmética das penas parcelares aplicadas ao arguido, que constitui a limite superior da pena aplicável ao concurso de crimes é de 17 (dezassete) anos e 9 (nove) meses de prisão (9 anos e 6 meses+2 anos e 6 meses+2 anos e 3 meses+3 anos e 6 meses)
13. No caso, a pena mais grave é de 9 anos e 6 meses de prisão, e a diferença relativamente ao somatório de todas as restantes penas é de 8 anos e 3 meses de prisão, pelo que o respetivo 1/3 corresponde a 2 anos e 9 meses de prisão.
14. Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs.290/2.
15. Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n. º1, pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.
16. A indicação deste bem jurídico é feita de acordo com a posição que nos parece ser dominante e que tem sido defendida por TAIPA DE CARVALHO (“Anotação ao Artigo 152.º”, in Dias, Jorge de Figueiredo. Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 1999), NUNO BRANDÃO (“A tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, n.º 12 (Especial), 2010) e PLÁCIDO CONDE FERNANDES (“Violência Doméstica – Novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código Penal, n.º 8 (Especial), 1.º Semestre 2008)