I – O recurso de revisão não se destina a analisar eventuais nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença, pois para essas situações existe o recurso ordinário, não tendo fundamento a pretensão de que se conheça, em sede de recurso de revisão, de alegadas nulidades processuais que, a existirem, estão cobertas pelo indiscutível trânsito em julgado da decisão condenatória.
II - O fundamento de revisão previsto no artigo 449.º, n.º1, al. a), do CPP, refere-se à falsidade de meios de prova em que se fundou a condenação, cuja relevância depende, obrigatoriamente, da falsidade ter sido reconhecida por outra sentença, transitada em julgado, não o podendo ser por qualquer outro meio, além de se exigir que aqueles meios tenham sido determinantes para a decisão a rever.
III - O fundamento de revisão consagrado na al. d), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP, exige não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, pois só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão.
IV - Os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a sua não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação em julgamento, embora conhecidos do recorrente, desde que sejam apresentadas razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.
V - Não estando em causa mais do que o inconformismo da requerente com a valoração da prova efetuada pelo tribunal da condenação, inexiste fundamento de revisão.
1. AA, com os sinais dos autos, foi condenada no processo comum com intervenção do tribunal singular 301/20.1T9MTS, do Juízo Local Criminal (JLC) de ..., por sentença de 12.04.2023, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano e dois meses, acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, além de sujeita à obrigação de pagar à assistente a quantia de 2.150,00€, fixada a título de indemnização, no período da suspensão, comprovando-o nos autos. O tribunal julgou, ainda, parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante, Ordem dos Advogados, em consequência do que condenou a arguida/demandada no pagamento da quantia de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela demandante, acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e até integral e efetivo pagamento, e bem assim no pagamento da quantia de 1.800,00€ (mil e oitocentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, com juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até integral e efetivo pagamento.
Por acórdão de 8.11.2023, a Relação do Porto julgou não provido o recurso interposto pela então arguida, sendo confirmada a sentença do tribunal de 1.ª instância.
A condenação transitou em julgado em 13.12.2023.
2. Invocando como fundamento o previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal (doravante CPP), veio a referida condenada interpor pedido de revisão da mencionada decisão condenatória, concluindo a motivação do modo seguinte (transcrição nos precisos termos):
«A. Veio a Arguida indiciada pela prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punível pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal, e de um crime de procuradoria ilícita previsto e punível pelo artigo 7.º, n.-1, da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto;
B. Por sentença, veio a arguida a ser condenada pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa pelo período de um ano e dois meses, acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, e sujeita à obrigação de pagar à assistente a quantia de € 2.150,00, fixada a título de indemnização, no período da suspensão, comprovando-o nos autos e, bem assim, condenada no pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, no pagamento da quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela demandante, acrescido de juros de mora à taxa legal, devidos desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento, e no pagamento da quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral e efetivo pagamento;
Isto porque, alegadamente,
C. A Arguida, “fazendo-se passar por Advogada”, no dia ... de ... de 2015, acompanhou a testemunha BB às instalações do Banco Santander Totta, em ..., para a realização de uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca de um prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..61, sito na Rua ..., ..., tendo nessa altura, previamente analisada a respetiva documentação e aconselhado BB, assegurando-lhe que estava tudo em conformidade e podia assinar;
D. Terá a Arguida patrocinado a mesma “cliente, na sequência da notificação sobre a liquidação do IRS de 2015 referente a mais-valias em sede de IRS, e após contactos e aconselhamento, tendo elaborado reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2015, o que deu origem à instauração do processo de reclamação graciosa n.º ..............51, que correu termos no Serviço de Finanças de ...;
E. Por conta dos “serviços prestados” terá a Arguida auferido, a título de honorários, o valor de € 500,00 (quinhentos euros);
F. É imputado ainda à Arguida a prestação de outro “serviço”, nomeadamente o de, em nome e no interesse de BB, preenchimento da declaração de substituição de IRS referente a 2015 tendo-lhe cobrado o valor de € 10,00 (dez euros).
A decisão fundamentou-se nas declarações da testemunha BB;
G. Declarou a testemunha que “a arguida a acompanhou à referida escritura pública, esclarecendo que esta esteve ausente durante mais de um ano e quando regressou lhe afirmou que já tinha terminado a licenciatura em Direito e que já era advogada, prontificando-se a acompanhá-la, nessa qualidade”, não obstante, veio a considerar o douto Tribunal como não provado que a Arguida se tenha apresentado na qualidade de Advogada;
H. A testemunha BB nunca se dirigiu, numa série trocas de correspondência eletrónica entre a arguida e a testemunha, à arguida enquanto “doutora”, mas sim como “dona” - e-mail, datado de 22 de novembro de 2016, e-mail, datado de 17 de agosto de 2017 e e-mail remetido na data de 02 de março de 2017;
I. Veio, ainda, a dita testemunha esclarecer que “também que recorreu aos serviços da arguida para lhe tratar de um assunto relacionado com a liquidação de IRS de 2015, e que esta elaborou a reclamação e que lha apresentou já elaborada, que a testemunha assinou, e que depois a arguida deu seguimento nas Finanças, de modo que a sua reclamação foi procedente e pagou menos IRS. Acrescentou que, na sequência da procedência desta reclamação, a arguida ainda lhe preencheu a declaração de IRS”;
J. Estas declarações são – consegue agora a Arguida demonstrar de forma clara – falsas!
K. De resto, foi a própria testemunha BB que entregou, em nome próprio, a dita reclamação;
L. A verdade é que – como declarou a arguida em sede de julgamento, depois de contactada por BB, se dirigiu ao Serviço de Finanças de ..., onde trabalhava um amigo seu, e lhe pediu para elaborar a reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2015, que depois de elaborada por este foi assinada por BB, tendo então a arguida dado entrada da mesma naquele serviço de finanças – foi o – consegue agora a arguida indicar o contacto completo do “amigo” – Dr. CC, Chefe desse serviço de Finanças, que preparou a dita reclamação;
M. Aliás, foi a esse Dr. CC que a testemunha BB pagou o serviço e nunca à arguida!
N. Veja-se o e-mail dirigido pela Arguida à testemunha BB, referindo – entre várias notas sobre contas “privadas” – o seguinte: “paguei Dr. CC do seu problema conforme anexo comprovativo pagtº € 300,00”, facto que o Dr. CC poderá atestar de “viva-voz”;
O. As declarações da testemunha BB – e por ela assinadas – presentes no procedimento instaurado junto da Ordem dos Advogados corroboram o agora disposto pela arguida: “ela [a arguida] disse-me que ia resolver até porque conhecia o Chefe de Finanças de ..., um Sr. CC.;
Ora,
P. Crisma o Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto acórdão de 14/05/2008, que tem por Relator o douto Conselheiro Raul Borges, que “o fundamento de revisão de sentença previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: a descoberta de novos factos ou meios de prova e que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”;
Q. Salvo o devido respeito, por força dos novos meios de prova (prova testemunhal do Dr. CC), surgem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
R. Isto é, enquadrando o presente recurso com a matéria de facto, há que considerar a seguinte alteração dos factos provados – para além da alteração das conclusões que se alicerçam nestes mesmos factos:
i. 2.º facto considerado provado na fundamentação da decisão – “em agosto de 2015, a arguida apresentou-se como advogada a BB, e decidiu prestar-lhe serviços, na qualidade de advogada” – deve ser considerado por não provado;
ii. 3.º facto considerado provado na fundamentação da decisão – “assim, no âmbito da prestação de serviços na qualidade de advogada, no dia ... de ... de 2015, a arguida acompanhou BB às instalações do Banco Santander Totta, em ..., para a realização de uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca de um prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 5261, sito na Rua ..., ..., tendo nessa altura, previamente analisado a respetiva documentação e aconselhado BB, assegurando-lhe que estava tudo em conformidade e podia assinar” - deve ser considerado por não provado;
iii. 4.º facto considerado provado na fundamentação da decisão – “em 2 de Novembro de 2016, na sequência da notificação de BB sobre a liquidação do IRS de 2015, referente a mais-valias em sede de IRS, a arguida, após contactos e aconselhamento a BB, elaborou e deu entrada no Serviço de Finanças de ... 1, de uma reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2015, em nome e no interesse de BB, que deu origem à instauração do processo de reclamação graciosa n.º..............51, que correu termos no Serviço de Finanças de ...” - deve ser considerado por não provado;
iv. 5.º facto considerado provado na fundamentação da decisão – “por tais serviços, a arguida cobrou honorários no montante de €500,00 (quinhentos euros)” - deve ser considerado por não provado;
v. 6.º facto considerado provado na fundamentação da decisão – “no decorrer de tal processo, a arguida diligenciou ainda, em nome e no interesse de BB, pelo tratamento e preenchimento da declaração de substituição de IRS referente a 2015 e cobrou-lhe honorários no montante de €10,00 (dez euros)” – deve ser considerado por não provado;
vi. 7.º facto considerado provado na fundamentação da decisão – “a arguida fez-se passar por advogada e exerceu atos próprios dos advogados” - deve ser considerado por não provado;
vii. 10.º facto considerado provado na fundamentação da decisão - Não obstante, quis praticar os referidos atos, em nome e no interesse de BB e no âmbito da sua alegada atividade profissional de advogada, apresentando-se como advogada e deixando-se tratar como advogada – deve ser considerado por não provado;
S. Deve o presente recurso ser admitido e, produzida prova requerida, nos termos do artigo 453.º do Código de Processo Penal, autorizada a revisão da douta decisão condenatória, e o processo reenviado, nos termos do artigo 457.º do Código de Processo Penal, a tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontra mais próximo, impetrando-se a absolvição da arguida;
ASSIM SE FAZENDO, COMO É APANÁGIO, A INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!!! »
3. O requerimento mostra-se instruído com documentos.
4. O Ministério Público, junto do tribunal de 1.ª instância respondeu no sentido de não ser admissível a revisão.
5. No tribunal da condenação, o Mm.º Juiz titular do processo, indeferiu a inquirição da testemunha arrolada e, nos termos do artigo 454.º do CPP, prestou informação sobre o mérito do pedido do modo seguinte (transcrição):
«Não se admite a inquirição da testemunha CC, tendo presente o disposto no artigo 453º, nº 2 do C.P.P. Com efeito, não se verifica, claramente, nenhuma das situações previstas na 2ª parte do citado nº 2, salientando-se, embora tal seja irrelevante, que nem sequer é exacto que a arguida desconhecesse o paradeiro e contacto da testemunha, pelo menos em termos que inviabilizassem a sua inquirição se o tivesse pedido (tratar-se-á de chefe das Finanças, pelo que sempre seria possível pedir ao serviço de Finanças respectivo os elementos necessários).
Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros:
Recebido o recurso de revisão, e junta a resposta do Ministério Público, cumpre emitir a informação a que alude o artigo 454.º do Código de Processo Penal o que se faz nos termos que se seguem:
Através do requerimento e documentos de fls. 2 e seguintes, que antecedem, veio a arguida AA interpor recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no âmbito destes autos a 12.04.2023, já transitada em julgado.
Fundamenta tal pretensão na indicação de novos factos e meios de prova que são fundamento para reapreciação da condenação, de acordo com o estatuído no artigo 449, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal.
Alega, para tanto, e em síntese, o seguinte:
- a decisão do Tribunal se fundamentou nas declarações da testemunha BB, declarações que são falsas;
- com efeito, esta sabia que a arguida não era Advogada, como se pode comprovar pelos vários e-mails onde se refere à mesma como “d AA” e não enquanto “doutora AA”;
- a arguida pediu ao seu amigo CC, cujo contacto consegue agora indicar, para elaborar a reclamação graciosa, tendo sido a ele que a testemunha BB pagou o serviço, tudo podendo ser confirmado pela referida testemunha;
- tem que ser dado como não provado, em consequência, que a arguida se fez passar por advogada e exerceu actos próprios dos advogados, absolvendo-se a arguida.
Juntou os documentos de fls. 19 e seguintes, designadamente e-mails enviados pela testemunha BB em 2016 e 2017 e comprovativo de transferência bancária feita para CC.
Cumpre apreciar e decidir:
Decorre do disposto no artigo 449º do Código de Processo Penal, com a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, o seguinte:
“1- A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2- Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3- Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4- A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”
O recurso de revisão, previsto no mencionado artigo 449º do Código de Processo Penal, assenta num compromisso entre, por um lado, a salvaguarda do caso julgado, que assegura a certeza e a segurança do direito e é, portanto, condição essencial da manutenção da paz jurídica, e, por outro, as exigências da justiça material.
O legislador criou o recurso de revisão como mecanismo que, pretendendo operar a concordância possível entre esses interesses contraditórios, admite, em casos muito específicos e limitados, a modificação da sentença transitada.
Ao instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico.
Como refere Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º, o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, e por isso, a lei admite, nas situações expressamente previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento.
No caso em apreço, o recorrente fundamenta o seu pedido de revisão com a ocorrência de novos meios de prova que, a seu ver, infirmam a prova que serve de suporte à sentença revidenda, juntando para o efeito os documentos supra referidos e alegando que o Tribunal baseou a sua convicção num depoimento que é falso e que consegue demonstrar essa falsidade.
O fundamento de revisão de sentença da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP consiste na descoberta de novos factos ou meios de prova, implica o aparecimento de novos factos ou meios de prova, como expressamente consta do texto legal, o que significa que os meios de prova relevantes para o pedido de revisão terão de ser processualmente novos, isto é, meios de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento. Para além disso os meios de prova em questão têm que, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
O que não sucede in casu.
Com efeito, e para além do que supra já se referiu quanto à testemunha CC – já conhecida e falada em julgamento e, por isso, cuja inquirição não pode agora admitir-se -, os documentos juntos não são susceptíveis de abalar a restante prova, sendo inócuo, designadamente, o tratamento dado pela testemunha à arguida, sua amiga próxima há vários anos, nos e-mails juntos.
Por conseguinte, e em síntese, os “novos meios de prova” a que alude a recorrente que podem ser tidos em conta não conseguem abalar a restante prova nem pôr em causa de forma séria (muito menos grave) a justiça da condenação.
Deste modo, não tendo sido apresentados novos factos ou elementos de prova que possam levantar fortes dúvidas sobre a justiça da condenação, entendemos que não se verificam os requisitos legais de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, devendo, em consequência, ser denegada a revisão peticionada.
Contudo, Vossas Excelências farão a costumada e melhor Justiça. »
6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o artigo 445.º, n.º1, do CPP, emitiu parecer no sentido de que não se verificam, no caso em apreço, os pressupostos da revisão da sentença.
7. Notificada a requerente da posição assumida pelo Ministério Público, para, em 10 dias, querendo, dizer o que tivesse por conveniente, foi apresentada resposta na qual aquela reafirma, no essencial, as razões apresentadas no pedido de revisão.
8. A requerente (existe alguma controvérsia acerca da verdadeira natureza da revisão – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso) tem legitimidade para requerer a revisão [artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP] e este tribunal é o competente [artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP).
9. Realizada a conferência, nos termos do artigo 455.º, n.º 3, do CPP, cumpre decidir, constituindo objeto a apreciar a verificação dos fundamentos de admissibilidade da revisão de sentença.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Na sentença cuja revisão agora se pretende foram julgados provados os seguintes factos (transcrição parcial):
«1º- À data dos factos que infra se descreverão, a arguida AA não era licenciada em Direito, e nunca se encontrou inscrita na Ordem dos Advogados como advogada ou advogada estagiária.
2º- Em Agosto de 2015, a arguida apresentou-se como advogada a BB, e decidiu prestar-lhe serviços, na qualidade de advogada.
3º- Assim, no âmbito da prestação de serviços na qualidade de advogada, no dia ... de ... de 2015, a arguida acompanhou BB às instalações do Banco Santander Totta, em ..., para a realização de uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca de um prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 5261, sito na Rua ..., ..., tendo nessa altura, previamente analisado a respetiva documentação e aconselhado BB, assegurando-lhe que estava tudo em conformidade e podia assinar.
4º- Em 2 de Novembro de 2016, na sequência da notificação de BB sobre a liquidação do IRS de 2015, referente a mais-valias em sede de IRS, a arguida, após contactos e aconselhamento a BB, elaborou e deu entrada no Serviço de Finanças de ... 1, de uma reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2015, em nome e no interesse de BB, que deu origem à instauração do processo de reclamação graciosa n.º ..............51, que correu termos no Serviço de Finanças de ....
5º- Por tais serviços, a arguida cobrou honorários no montante de €500,00 (quinhentos euros).
6º- No decorrer de tal processo, a arguida diligenciou ainda, em nome e no interesse de BB, pelo tratamento e preenchimento da declaração de substituição de IRS referente a 2015 e cobrou-lhe honorários no montante de €10,00 (dez euros).
7º- A arguida fez-se passar por advogada e exerceu atos próprios dos advogados.
8º- A arguida sabia que estava a praticar atos próprios da profissão de advogado com inscrição na respetiva Ordem.
9º- Sabia que não detinha a qualidade de advogada, que não estava inscrita na Ordem dos Advogados e, como tal, estava impedida de usar o título de advogada e praticar os atos referidos, por serem atos próprios dos advogados.
10º- Não obstante, quis praticar os referidos atos, em nome e no interesse de BB e no âmbito da sua alegada atividade profissional de advogada, apresentando-se como advogada e deixando-se tratar como advogada.
11º- A arguida quis agir da forma descrita, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
(…)»
*
2. O Direito
2.1. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que dispõe: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»
A consagração constitucional do direito à revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, tendo em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir.
Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), admite a quebra do caso julgado «...se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento».
Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, tendo em vista remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado.
Constituindo um expediente excecional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas" podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise)» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 5.ª ed. atualizada, Volume II, p.705).
Outro entendimento constituiria uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica, permitindo, contra o caso julgado, a eternização da discussão das matérias controvertidas no processo, transformando um mecanismo que se pretende “extraordinário” e que tem como traço marcante a sua excecionalidade, em um novo e encapotado recurso ordinário, de modo que nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial para a própria paz social.
Por isso, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (entre outros, o acórdão do STJ, de 06.11.2019, proc. 739/09.5TBTVR-C. S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).
Para Simas Santos/Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6.ª edição, pág. 129) o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respetiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.
O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado através da demonstração de fundamento contido na enumeração taxativa da lei, que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, nesse caso, à eficácia do caso julgado. Porém, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário, ao reduzirem e prevenirem substancialmente as possibilidades de um erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as “injustiças da condenação”, elevam especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão (acórdão do STJ, de 20.12.2022, proc. 5/05.5PBOLH-D.S1, da 3.ª Secção).
A revisão passa, sucessivamente, por três etapas ou momentos, a saber:
(i) uma fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos, culminando esta fase, após ter expirado o prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso e realizadas as diligências indispensáveis à descoberta da verdade [se o fundamento da revisão for o do n.º1, al. d), do artigo 449.º], com a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, com informação prestada pelo juiz sobre o mérito do pedido:
(ii) uma fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão; e
(iii) uma fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.
Estabelece o artigo 449.º, sobre fundamentos e admissibilidade da revisão:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»
*
2.2. No que concerne ao invocado fundamento de revisão consagrado no artigo 449.º, n.º1, al. d), exige-se não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, justificando, por isso, a lesão do caso julgado que a revisão implica.
Antes do mais, importa clarificar o que se entende por factos novos ou novos meios de prova e para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença.
São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito, como se expõe no acórdão de 25.05.2023, proc. 149/17.0T9CSC-A.S1 (Conselheiro Orlando Gonçalves):
Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou os meios de prova, invocáveis em sede de revisão de sentença, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura, pudessem ser do conhecimento do condenado.
Uma outra, mais restritiva, apelando, essencialmente, à natureza extraordinária da revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, sustenta que os novos factos ou meios de prova, invocáveis em sede de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do requerente da revisão aquando do julgamento.
Finalmente, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).
Esta a posição atualmente majoritária na jurisprudência do STJ: como fundamento de revisão, os novos factos ou novos meios de prova não são apenas os desconhecidos pelo tribunal, mas também os que, conhecidos de quem cabia apresentá-los, ao tempo em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a sua não apresentação no julgamento que produziu a condenação revidenda.
Porém, a inércia voluntária e injustificada em fazer atuar os meios ordinários de defesa não pode ser compensada pela atribuição de um meio extraordinário de defesa como a revisão de sentença, o que determina a exigência de especial e acrescida justificação, pelo condenado, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência já conheceria ao tempo da decisão. Doutra forma, a excecionalidade da revisão de sentença e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica e caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.
Em suma, os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação da prova em julgamento, embora conhecida de quem cabia apresentá-la, por razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.
Como já se disse, para que seja autorizada a revisão com base no fundamento indicado na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, não basta a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se necessário um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
As dúvidas relevantes para a revisão têm de ser qualificadas, efetivamente fortes e consistentes. Como diz Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 759), «não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E como graves só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”».
Dúvida, por conseguinte, que há-de elevar-se do patamar da mera existência e ser suficientemente grave, sólida e séria para pôr a condenação em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado (entre outros, com extensas referências jurisprudenciais, o acórdão do STJ, de 30.01.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1).
2.2.1. A requerente indicou como testemunha o Dr. CC, que alegadamente «preparou» a reclamação graciosa da liquidação de IRS do ano de 2015 de BB. Juntou, também, documentos, a saber: cópia de dois emails (remetidos do endereço eletrónico ... para o endereço ...), o primeiro datado de 22 de novembro de 2016, o segundo de 17 de agosto de 2017, nos quais a arguida é tratada por «d AA» e por «dona AA»; cópia de uma transferência bancária de 300,00€ para «CC», realizada em 4 de janeiro de 2017, em cujo canto superior direito se encontra manuscrito «Da BB Paguei Dr. CC»; cópia da reclamação graciosa ..............51.
No caso vertente, é alegado que a testemunha BB nunca se dirigiu à arguida enquanto “doutora”, mas sim como “dona”, na troca de correspondência eletrónica entre a requerente e a testemunha, sendo apresentados, para comprovação do alegado, os mencionados e-mails datados de 2016 e 2017.
Sendo a requerente da revisão a destinatária desses emails e tendo o julgamento em 1.ª instância decorrido em 2023 (recorde-se que a sentença condenatória foi proferida em 12 de abril de 2023), não se vislumbra qualquer razão plausível – que também não foi invocada - para que a prova documental ora apresentada, reportada aos anos de 2016 e 2017, não tenha sido junta aos autos atempadamente.
Atente-se que, no recurso para a Relação, a requerente logo invocou, na conclusão 10.ª, as declarações por si prestadas, onde referiu: “(…) a D. BB sabia muito bem que eu andava a tirar o curso de direito, e tenho vários emails, (…) a dizer “Ó D. AA, está em aulas? Está em exames?” (…). Por isso, ela sabia perfeitamente quando eu entrei e era suposto eu ter acabado o curso mais ou menos em 2019, ela em 2018 é quando se faz a situação de ela ver os advogados, sabia muito bem que eu andava a tirar o curso de direito. (…).”
Ocorre perguntar por que razão não foram apresentados no decurso do processo os emails agora juntos para fundamentar a revisão, pois são de data anterior ao julgamento cuja justiça é questionada e, seguramente, estiveram sempre na disponibilidade de quem foi dos mesmos destinatária.
Conclui-se que os ditos emails não constituem novos meios de prova, como também não é o pretendido depoimento como testemunha de CC, amigo e chefe (ou ex-chefe) do Serviço de Finanças de ..., a quem a requerente já se tinha referido quando prestou declarações no julgamento, conforme se extrai da conclusão 17.ª do recurso ordinário da sentença do Juízo Local Criminal de ..., transcrita no acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
Lê-se na sentença revidenda, na parte da motivação da decisão de facto:
«(…) causa-nos enorme estranheza que a arguida se tenha prontificado para resolver o problema, recorrendo a um suposto amigo, funcionário das Finanças, e que este tenha acedido a elaborar uma reclamação graciosa só por ser uma pessoa extremamente prestável, como referiu. Estranha-se também que a arguida tenha deixado de contactar com este amigo tão próximo, logo depois desta ajuda tão relevante, e que não consiga neste momento fornecer o contacto desse amigo.»
Mais adiante:
«Da conjugação dos referidos elementos probatórios nos termos expostos, nomeadamente as declarações da arguida analisadas à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, e o depoimento das testemunhas BB e DD, que infirmaram a versão dos factos da arguida, na parte em que não assumiu natureza confessória, bem como os elementos documentais aludidos, o tribunal ficou totalmente convencido que a arguida acompanhou BB ao ato de outorga de uma escritura pública na qualidade de advogada, e que elaborou a reclamação graciosa que deu entrada nas Finanças, em nome e no interesse de BB, que a assinou, atuando também como advogada e arrogando-se como tal.»
Se a requerente tivesse sido minimamente diligente e entendesse que tal depoimento era essencial para a sua defesa, tê-lo-ia indicado. E mesmo que tivesse deixado de contactar com esse amigo e não conseguisse fornecer o seu contacto, podia ter requerido que o tribunal, ao abrigo do princípio da investigação (artigo 340.º, n.º 1, do CPP), indagasse do seu paradeiro ou local de trabalho – tratando-se de chefe ou ex-chefe das Finanças, seria possível pedir ao serviço respetivo os elementos necessários - e o convocasse para testemunhar, o que não fez. Não se trata, por conseguinte, de um novo meio de prova, pelo que também não releva o alegado pagamento efetuado ao referido CC.
Inequivocamente, não está aqui em causa qualquer fundamento de revisão, mas tão-somente o inconformismo com a apreciação da prova efetuada pela 1.ª instância e objeto de confirmação pela Relação.
Em suma, nem os meios de prova oferecidos eram desconhecidos da requerente à data do julgamento, nem esta demonstra ou justifica que esteve impossibilitada de os apresentar ou requerer no momento próprio para serem considerados, nem, enfim, os mesmos geram «graves dúvidas» sobre a justiça da sua condenação.
Finalmente, a requerente alega que BB faltou à verdade em julgamento.
Porém, independentemente de não ter sido essa a avaliação do tribunal da condenação, a alegada mentira só poderia fundamentar a revisão, ao abrigo do artigo 449.º, n.º1, al. a), do CPP, se fosse oferecida outra sentença transitada em julgado que tivesse considerado falso o depoimento prestado nos autos pela referida testemunha.
Ora, não decorre do requerimento de revisão, seja na parte expositiva da motivação, seja no segmento conclusivo, qualquer menção a uma outra sentença transitada em julgado que haja considerado falsos quaisquer meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão revidenda.
Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que, em processo penal, só há lugar à revisão da sentença, com base em falsidade de depoimento, se a falsidade resultar de uma outra sentença transitada em julgado, conforme expressamente imposto pela referida alínea a), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, sendo inaplicável, por conseguinte, o entendimento diverso que hoje constitui jurisprudência uniformizada no âmbito do processo civil (cf., entre muitos, o acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).
Em conclusão: a situação exposta pela requerente não preenche, manifestamente, qualquer fundamento de revisão.
3. Estabelece o artigo 456.º do CPP: «Se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.».
O pedido de revisão é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso (acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).
Como se extrai do supra exposto, sendo patente e indubitável a falta de fundamento do pedido de revisão formulado ao abrigo das alíneas a) e d), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, tanto basta para que se tenha por manifestamente infundado, impondo-se a condenação da requerente no pagamento de uma quantia entre 6 UC e 30 UC, ao abrigo do disposto no artigo 456.º do mesmo Código, que no caso se fixa em 6 UC.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão de sentença peticionada por AA.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).
Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda a requerente condenada na quantia de 6 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 4 de julho de 2024
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Jorge Gonçalves (Relator)
Jorge dos Reis Bravo (1.º adjunto)
Vasques Osório (2.º Adjunto)
Helena Moniz (Presidente da Secção)