RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
FRAUDE FISCAL
BURLA TRIBUTÁRIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Sumário


I – Considerando as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, a pena única de 9 (nove) anos de prisão fixada no acórdão recorrido, numa moldura penal abstrata de 3 (três) anos e 9 (nove) meses a 17 (dezassete) anos e 7 (sete) meses, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas a cinco crimes de fraude fiscal qualificada e um crime de burla tributária, cometidos entre 2012 e 2017, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da culpa.
II - Mostra-se, além disso, mais próxima do limite mínimo do que do limite máximo da correspondente moldura abstrata ou legal e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se, com as naturais diferenças decorrentes do número e natureza de alguns dos crimes e da situação pessoal dos arguidos, anterior, contemporânea e posterior aos factos, no acórdão de 27.04.2022, proferido no processo n.º 51/148IDEVR.S1.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


*


I. Relatório

1. Por acórdão, de 7.02.2024, do Juízo Central Criminal de ... (...) – J 4 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi o arguido AA, nascido a ... de ... de 1979, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:

«(…) Decisão:

Nestes termos e fundamentos, o presente Tribunal Coletivo decide condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos (Proc. comum coletivo n.º 619/19.6...), no Processo comum coletivo n.º 450/15.8..., que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – JC Criminal ... – ... 8 e no Processo comum coletivo n.º 131/12.4..., que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – JC Criminal ... – ... 10, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

(…)».

2. Inconformada interpôs o referido arguido, em 7.03.2024, recurso para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), apresentado as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição)

« CONCLUSÕES:

1. O Recorrente foi condenado, por acórdão prolatado pelo Tribunal a quo, pela prática de crimes de fraude fiscal qualificada e de burla tributária na forma tentada.

2. Condenações essas que tiveram lugar no âmbito dos processos números 619/19.6..., 131/12.4... e 450/15.8..., das quais resultaram condenações que abstratamente fazem impender sobre o Recorrente uma pena fixável entre os 3 anos e 9 meses de prisão e os 17 anos e 7 meses de prisão.

3. Realizada audiência de cúmulo, e com os fundamentos melhor explanados no douto acórdão recorrido, decidiu o Tribunal a quo aplicar a pena única de 9 (nove) anos de prisão, pena com a qual, salvo o devido respeito, não pode o Recorrente conformar-se.

4. Desde logo, porque o fundamento principal da gravidade das penas aplicadas se prende com o avultado prejuízo causado ao Estado, o qual não se verificou, atingindo tais valores apenas e somente porque a A.T., que deu mote aos três processos referenciados supra, ao calcular o alegado prejuízo provocado, optou por, em todas as faturas de aquisição de metais preciosos, eliminar o gasto pela sociedade representada pelo Recorrente, contabilizando apenas o valor da venda posterior, ou seja, aplicando o imposto a liquidar sobre 100% dos montantes auferidos pela empresa, desconsiderando as despesas.

5. O que não se concatena com aquilo que é o pensamento jurídico de nenhuma das condenações, pois, se todas as vendas foram validadas, significa que o metal precioso foi comprado, ou seja, que existiu, e por existir, foi adquirido, e pago.

6. Contudo, nunca a Defesa logrou, em julgamentos ou recursos, fazer demonstrar a injustiça desse cálculo, que motivou as pesadas penas aplicadas ao aqui Recorrente, que não correspondem à realidade factual e que determinam assim a impossibilidade de, seja quando for, lograr pagar o prejuízo alegadamente causado, pois de um lucro habitual de €300,00 (trezentos) por quilo de ouro, foi contabilizado para efeito de cálculo de prejuízo, grosso modo, um lucro de €30.000,00 (trinta mil euros) por quilo de ouro, considerando o preço médio de €30/grama, que à data dos factos até seria superior, mas apenas por necessidade de enquadramento de raciocínio.

7. Porém, não se pretende a realização de um novo julgamento, pois a estabilidade do processo penal e trânsito em julgado dos doutos arestos, garante que não cabem nestes autos.

8. Justifica o alegado, contudo, que o Recorrente não tenha conseguido demonstrar o seu arrependimento pelos factos provados e transitados em julgado, pois os vendedores dos metais preciosos foram com ele julgados, e eram titulares de sociedades, e vendiam os metais preciosos, pelo que não logrou compreender como foi possível assacar-lhe todas as responsabilidades sobre aqueles factos.

9. Nesta esteira, no que diz respeito à culpa do aqui Recorrente, terá esta factualidade de ser tida em consideração, na esteira do raciocínio a exercer para aplicação de uma pena concreta, dentro da pena abstratamente aplicável em sede de cúmulo jurídico.

10. Cumpre ainda referenciar o período que dista entre a data da prática dos factos e o tempo atual, em que o Recorrente já se encontrava numa área de atividade totalmente distinta, com apoio de família e amigos, que aliás sempre teve, alheando-se por completo de toda a atividade que se correlacionasse com a área na qual foram cometidos os crimes pelos quais foi condenado, o que deve ser valorado positivamente para fixação da pena concretamente aplicada.

11. O Recorrente sempre foi tido como uma pessoa de bem, sem prejuízo de pontuais encontros com a justiça, sempre no âmbito de processos que, diga-se, sem desprimor, tratar-se de crimes de menor gravidade, quando comparados com os crimes aqui em crise, e que há-de revelar negativamente na fixação da pena a aplicar, mas também o momento da sua prática, não cumprindo uma avaliação agravada das necessidades especiais da pena, salvo o devido respeito.

12. Cumpre ainda referenciar que, desde que se encontra recluído da sua liberdade, o Recorrente encontra-se bem integrado, participando em todas as atividades que é possível participar, por forma a ultrapassar aquela que é a primeira, e a nosso ver, última, interação com o sistema prisional.

13. Nessa esteira, VENERANDOS DESEMBARGADORES, pelo vindo de elencar e salvo o devido respeito, fixando-se a pena concreta a aplicar ao Recorrente AA numa pena de 6 (seis) anos, entende-se que tal dosimetria se enquadra, e salvaguarda inteiramente, aquelas que são as necessidades de prevenção, gerais e especiais da pena, e que quanto à personalidade do Recorrente, se entendem por justas, invés à pena de 9 (nove) anos que lhe foi aplicada.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/ EXCIAS., VENERANDOS DESEMBARGADORES, SABIAMENTE SUPRIRÃO, REVOGANDO O DOUTO ACÓRDÃO PROLATADO E PROFERINDO NOVO ACÓRDÃO, QUE FIXE A PENA CONCRETAMENTE APLICADA AO RECORRENTE, EM CÚMULO JURÍDICO, NUMA PENA NÃO SUPERIOR A 6 (SEIS) ANOS, FARÃO V/ EXCIAS. A HABITUAL E SÃ

JUSTIÇA.

(…)».

3. Por despachos de 11.03. e 18.04.2024, o recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo e mandado remeter ao TRP.

4. O Ministério Público, em 15.04.2024, apresentou fundamentada e desenvolvida resposta ao recurso do arguido, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acórdão recorrido.

5. No TRP, o Juiz Desembargador relator, em 27.05.2024, após a prolação de parecer pelo Ministério Público, proferiu decisão sumária a excecionar a incompetência do TRP para conhecer do recurso interposto pelo arguido, atribuindo-a ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para o qual mandou remeter o processo.

6. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 28.06.2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva (transcrição parcial):

«(…) 5 – Não se suscita qualquer questão que obste ao conhecimento do recurso, devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P.

6 – Sobre o concurso de crimes e sua punição, regulam os artigos 77.º e 78.º do Código Penal, dispondo o primeiro destes normativos, sob a epígrafe Regras da punição do concurso, e no que ora releva:

(…)

E o artigo 78.º, com a epígrafe Conhecimento superveniente do concurso”, estatui que:

(…)

É pressuposto do conhecimento superveniente do concurso de crimes a que se reporta este último dispositivo que o agente tenha praticado diversos crimes, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, sendo essa a situação que se configura nos autos. Estando na presença de uma pluralidade de crimes praticados pelo arguido, será de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles, pois o trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, até onde se pode formar um conjunto de infracções e em que seja possível unificar as respectivas penas, como se refere no acórdão de 16.06.2016 do S.T.J. proferido no processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, 3ª Secção, disponível para consulta em www.dgsi.pt/. In casu, a decisão recorrida nenhuma reserva suscita, no que se refere às penas englobadas no cúmulo jurídico em foco.

Nem o recorrente questiona tal matéria.

É contra a medida da pena única de 9 anos de prisão aplicada pelo Tribunal a quo que se insurge o recorrente, pugnando pela sua redução a 6 anos de prisão, sendo este o preciso objecto do recurso.

Defende o recorrente, no essencial, que tendo sido o avultado prejuízo causado ao Estado o fundamento principal da gravidade das penas aplicadas, aquele não se verificou nos termos que vêm considerados, o que deve ser valorado positivamente para fixação da pena concretamente aplicada.

Reclama ainda a consideração do tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos ilícitos por que foi condenado, da circunstância de se ter alheado completamente de toda a actividade correlacionada com aquela em que foram cometidos os crimes, do apoio da família e amigos com que sempre contou, de sempre ser tido como uma pessoa de bem, e de, desde que recluído, estar bem integrado, participando em todas as actividades que lhe é possível participar.

Na perspectiva do que é o objecto do recurso, importa reter então o que, na decisão recorrida, é dito, na fundamentação da pena aplicada:

(…)

Daqui resulta ter o Tribunal a quo considerado todos os factores de apreciação que se impunham, decorrentes da matéria de facto provada – que, por estabilizada, inviabiliza, como facilmente se compreende, a reconsideração da matéria que se prende com o valor do prejuízo causado ao Estado, como parece pretender o recorrente – configurando-se correctas a ponderação e a valoração da ilicitude do facto e da culpa do agente, e respectivos graus, das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, bem como das exigências de prevenção geral e especial, não sendo demais destacar (…) as fortes exigências de prevenção geral, dada a frequência com que situações idênticas às destes autos se tem vindo a verificar nos últimos tempos no meio empresarial, com isso acarretando um autêntico flagelo do ponto de vista social e económico e um verdadeiro pesadelo para o Estado Português, que se vê prejudicado em avultadas quantias monetárias, tão necessárias para acorrer às cada vez mais frequentes carências que tanto se fazem sentir em inúmeros sectores, circunstâncias estas a que os tribunais não podem ficar indiferentes e que, pelo contrário, tem obrigação de combater para evitar que situações iguais às dos presentes autos de futuro se voltem a repetir, como, com toda a propriedade, salienta o Ministério Público na 1ª Instância na resposta ao recurso.

É, assim, de entender que a pena única aplicada, de 9 anos de prisão, estabelecida pouco acima do primeiro terço da penalidade aplicável (definida pelos limites mínimo de 3 anos e 9 meses de prisão e máximo de 17 anos e 7 meses de prisão, relembre-se) respeita os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, sendo, por conseguinte, justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à personalidade do agente, não se descortinando fundamento para que a mesma seja alterada.

7 – Pelo exposto, e acompanhando a posição do Ministério Público na 1ª Instância, emite-se parecer no sentido de o recurso interposto pelo arguido AA dever ser julgado improcedente, por ser de manter o decidido no acórdão recorrido.».

7. Observado o contraditório, o arguido, em 11.07.2024, respondeu ao parecer do Ministério Público, renovando a motivação e conclusões do seu recurso.

8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:

a) à medida da pena única de prisão aplicada ao recorrente.

III. Fundamentação

1. A matéria facto fixada no acórdão recorrido, que, por não ter sido objeto de impugnação pelo recorrente, nem justificar qualquer intervenção corretiva oficiosa do STJ se considera estabilizada, é a seguinte:

«(…) Fundamentação de facto:

Com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1- Nestes autos (Proc. comum coletivo n.º 619/19.6...), foi o arguido condenado por acórdão de 18.04.2023, transitado em julgado em 23.11.2023, pela prática em 2017, em coautoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artºs. 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 2, al. a) e 3 do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão e 9 (nove) meses de prisão efetiva;

Resultou provado, em suma, que (no que respeita à atuação deste arguido):

- Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2017, o arguido AA, gerente da sociedade “F.., Lda”, ciente dos avultados proveitos que lhe poderiam advir do não pagamento de prestações tributárias, decidiu obter vantagens fiscais indevidas para a sociedade por si gerida através da dedução integral, entre outros, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas – IRC -de montantes suportados em faturas referentes a prestações de serviços e aquisição de mercadorias fictícios;

- Nessa sequência, o arguido AA solicitou a colaboração dos arguidos BB e de CC, para, em representação das sociedades “D........ ........” e “BL...”, das quais eram gerentes e a pessoa não concretamente apurada em representação da sociedade “B........ .......”, emitirem faturas que não correspondiam à venda de bens ou serviços efetivamente prestados por estas à sociedade “F.., Lda”;

- As faturas emitidas pelas sociedades arguidas “B........ .......”, “D........ ........” e “BL...”, em nome da sociedade arguida “F.., Lda”, não correspondem a quaisquer vendas de mercadorias, produtos ou trabalhos prestados à sociedade utilizadora das mesmas, pois nem os bens, nem os serviços nelas inscritos, foram efetivamente vendidos, pagos e ou prestados tratando-se de documentos forjados com o objetivo de serem, como foram, integrados na contabilidade da “F.., Lda” e, assim, diminuir o lucro tributável por via do aumento artificial dos custos e, consequentemente, defraudar a Autoridade Tributária em sede IRC;

- Com efeito, ao inscrever tais faturas na contabilidade a sociedade arguida “F.., Lda”, para além dos valores referentes ao IVA, obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de € 10.762.669,83, correspondente à diferença entre o lucro tributável real e o que foi efetivamente declarado, sendo a contribuição da sociedade arguida “B........ .......” no valor de € 9.045.443,36, a contribuição da sociedade arguida “D........ ........” no valor de € 28.637,29 e contribuição da sociedade arguida “BL...” no valor de € 1.688.589,83;

- Não obstante ter perfeito conhecimento de que tais faturas não titulavam reais transações comerciais e que eram documentos fiscalmente relevantes, o arguido AA, incluiu as mesmas na sua contabilidade, onde se repercutiu na declaração de IRC relativa ao ano de 2017 que a sociedade arguida “F.., Lda” enviou aos serviços da administração fiscal;

- Ao proceder do modo descrito, o arguido AA agiu sempre, por si e na qualidade de legal representante da “F.., Lda”, com o propósito de obter uma vantagem patrimonial para esta a que sabia não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, bem sabendo que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;

- Os arguidos BB e CC por si e em representação das sociedades arguidas “D........ ........” e “BL...”, bem como pessoa não concretamente identificada em representação da sociedade arguida “B........ .......”, agiram com o propósito conseguido e renovado de fazer constar das faturas mencionadas supra, prestações de serviços e venda de mercadorias inexistentes, bem como entregar essas faturas ao arguido AA, para que a sociedade “F.., Lda” obtivesse, como obteve, uma vantagem patrimonial ilegítima, através da diminuição das receitas tributárias do Estado;

- Os arguidos AA, BB e CC por si, em nome e no interesse da sociedade arguida “F.., Lda”, agiram sempre livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;

2- No Processo comum coletivo n.º 450/15.8..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – JC Criminal ... – ... 8, foi o arguido condenado por acórdão de 06.09.2019, transitado em julgado a 11.04.2023, pela prática em 2014 e 2016, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artºs. 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 2, al. a) e 3 do RGIT, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artºs. 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 2, al. a) e 3 do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva;

Resultou provado, em suma, que (no que respeita à atuação deste arguido):

- Os arguidos DD, EE, FF, AA, CC, GG, HH e II conheciam o funcionamento do mecanismo do IVA e do IRC em vigor, bem como o funcionamento e a estrutura do comércio de ouro usado, já que trabalhavam neste sector pelo menos desde a data em que assumiram as respetivas gerências (de direito e de facto, ou só de facto) das sociedades arguidas beneficiárias;

- Estes arguidos eram gerentes das sociedades beneficiárias, que apresentaram um elevado volume de negócios nos anos de 2014 a 2017, com robustas infraestruturas físicas e meios humanos ao seu serviço, e que necessitam para a sua atividade de adquirir metais preciosos, em grande parte ouro usado, nomeadamente em mercados paralelos e junto de pessoas e entidades que não emitem faturas;

- Assim, estes arguidos sabiam que o apuramento do IVA se rege pelo “método de crédito de imposto”, em que todos os contribuintes, individuais ou coletivos, no apuramento mensal ou trimestral do IVA, podem deduzir o imposto suportado por compras e despesas da atividade ao imposto liquidado aquando das vendas realizadas;

- Sabiam igualmente estes arguidos que, por força das disposições legais vigentes em sede de IVA, quanto maior fosse o montante de IVA suportado em aquisições de mercadoria, reais ou simuladas, maior seria o valor da respetiva dedução a efetuar e, consequentemente, menor seria o montante de IVA a entregar à administração tributária, podendo até dar lugar a reembolsos;

- Sabiam ainda estes arguidos que a base de incidência do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC), correspondente ao lucro tributável, seria tanto menor quanto maiores fossem os custos de atividade apresentados pelas sociedades/sujeitos passivos;

- Assim, os arguidos DD, EE, FF, AA, CC e GG resolveram colocar em prática um plano que visava pagar ao Estado menos imposto a título de IRC e, no que concerne aos arguidos DD, FF, AA e CC, também de IVA, nessa medida enriquecendo o seu património pessoal e das sociedades que geriam à custa do erário público;

- O plano que delinearam continha assim duas vertentes distintas, uma dirigida à apropriação do IVA e outra dirigida à diminuição do lucro tributável, através da simulação de transações e da criação de circuitos de faturação a que não estavam subjacentes quaisquer transações efetivas de mercadorias, com o empolamento dos custos baseados em operações não efetuadas da forma titulada pelas faturas;

- Visavam ainda todos os arguidos, com tal atuação, que as respetivas sociedades que geriam procedessem à aquisição de metais preciosos usados a um prego mais baixo do que o praticado no mercado, em circuitos comerciais paralelos e não fiscalmente declarados, a qual seria titulada por faturas emitidas por outras sociedades, entidades ou indivíduos sem que tivessem subjacentes quaisquer relações comerciais efetivamente estabelecidas com esses formais emitentes da faturação;

- Tal plano delineado pelos arguidos DD, FF, EE, AA, CC e GG pressupunha, pois, e no que toca à emissão de faturação não real, a utilização de várias empresas, sob a forma de sociedade comercial, ou em nome individual, que permitisse ficcionar uma multiplicidade de transações entre essas entidades, de forma a perder-se o rasto à verdadeira origem do ouro, através de simulações de vários circuitos de compra e venda que não correspondiam ao seu movimento real, com a emissão de faturação que não correspondia às operações tituladas, que seriam inseridas na contabilidade das sociedades arguidas que geriam (sociedades beneficiárias) e cujos valores seriam inseridos nas declarações de IRC e IVA apresentadas;

- Com tal rede de sociedades e emissão de faturação entrecruzada, dificultar-se-ia a ação fiscalizadora da Autoridade Tributária, uma vez que as transações ficcionadas exigiam ações de fiscalização cruzada a um número considerável de entidades ou pessoas;

- Para levar a cabo este plano, sabiam ainda estes arguidos que as sociedades que faturassem falsamente o ouro teriam que omitir essa faturação à Autoridade Tributária, não declarando fiscalmente o respetivo rendimento advindo das vendas, ou, caso optassem por declará-lo, omitiriam o pagamento dos impostos respetivos devidos à Autoridade Tributária;

- Em contrapartida da atividade exercida pelo arguido JJ, os arguidos AA, CC e GG pagavam àquele uma quantia que variava entre os €100,00 e os €150,00 por quilo de ouro constante da fatura;

- Após a morte do contabilista KK, os arguidos LL e JJ passaram a emitir e a gerir a faturação não real a favor, pelo menos, das sociedades geridas pelos arguidos AA (F.., Lda e P..., Lda) e CC (D..., Lda);

- No ano de 2014, as faturas emitidas em nome da sociedade arguida T..., Lda foram elaboradas através de programa informático de faturação pelo arguido MM, que posteriormente as entregava aos arguidos AA, CC, DD e FF;

- Nos anos de 2014 e 2015 as faturas emitidas em nome da sociedade arguida V........... a favor das sociedades arguidas D..., Lda e P..., Lda, que não correspondiam a operações reais, foram efetuadas pelo arguido NN (ou por outrem a seu mando), a pedido dos arguidos CC e AA, a troco de dinheiro;

- Os arguidos DD (D......, Perspectiva Eloquente e Futuro Provável), FF (Futuro Provável), EE (S..... ..........), AA (P..., Lda e F.., Lda), CC (D..., Lda), GG (C.........), HH e II (O..) quiseram agir e agiram, por si, no seu interesse e em representação das sociedades arguidas que geriam, sabendo que inseriam na contabilidade das sociedades arguidas que representavam faturação não correspondente a transações reais, e introduzindo os respetivos valores nas declarações de IVA e IRC, bem sabendo que dessa forma falseavam a realidade e que as faturas utilizadas se referiam a operações não realizadas por quem as emitiu e, ainda assim, não se coibiram de as utilizar, o que fizeram com o objetivo de defraudar, como efetivamente defraudaram, nos valores indicados, a Autoridade Tributária, quer em sede de IVA (os arguidos DD, FF, AA e CC), quer em sede de IRC, com a não entrega das prestações tributárias devidas, obtendo assim os arguidos, à custa do Estado, proventos económicos a que não tinham direito;

- Agiram os arguidos DD, FF, EE, AA, CC e GG da forma descrita e, individualizadamente, em conjugação de esforços e intentos com o contabilista KK e os arguidos JJ, LL, OO e PP, e ainda com os arguidos MM (sociedade T..., Lda), NN (V........... e J...CA), QQ e, ainda, com a sociedade Op..., sendo que estes arguidos bem sabiam também que agiam em conluio e em conjugação de esforços com os arguidos utilizadores das faturas por eles emitidas, com vista a que estes inserissem na contabilidade das sociedades que geriam as faturas referidas e que introduzissem os seus valores nas declarações de IVA e IRC apresentadas nos períodos assinalados, com o intuito de os auxiliar na diminuição das receitas fiscais do Estado, nos valores já indicados, o que conseguiram, bem como com o intuito de auferir quantias em dinheiro em troca da entrega de tais faturas;

- Só com esta atuação concertada todos os arguidos lograram convencer a administração tributária de que a faturação apresentada era legítima e regular, por corresponder a transações comerciais reais;

- Só por disso se haverem convencido, os serviços da AT não procederam à respetiva cobrança, o que permitiu às sociedades arguidas beneficiárias identificadas apoderarem-se do respetivo valor;

- Atuando da forma descrita, em representação da sociedade P..., Lda - registando na contabilidade da sociedade as referidas faturas, integrando os valores nelas constantes nas declarações periódicas de IVA e incluindo os custos com elas relacionados na declaração de IRC que apresentou -, o arguido AA logrou obter as vantagens patrimoniais ilegítimas a título de IRC e de IVA, nos valores de € 2.690.623,72 e de € 87.240,23, respetivamente - valores de impostos que deixou de entregar à administração tributária;

- Atuando da forma descrita, em representação da sociedade F.., Lda. - registando na contabilidade da sociedade as referidas faturas, integrando os valores nelas constantes nas declarações periódicas de IVA e incluindo os custos com elas relacionados na declaração de IRC que apresentou -, o arguido AA logrou obter as vantagens patrimoniais ilegítimas a título de IRC e de IVA, nos valores de € 31.820.483,34 e de € 121.876,91, respetivamente - valores de impostos que deixou de entregar à administração tributária;

- Todos os arguidos sabiam que as quantias já referidas pertenciam à administração tributária e que lhes deviam ser entregues;

- Todos os arguidos agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punível e, por isso, censurável;

3- No Processo comum coletivo n.º 131/12.4..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – JC Criminal ... – ... 10, foi o arguido condenado por acórdão de 20.11.2020, transitado em julgado a 01.07.2022, pela prática, em coautoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificados - em representação e no interesse de P..., Lda -, referentes aos anos fiscais de 2012 e 2013, p. e p. pelos artºs. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.ºs 2, al. a) e 3, do RGIT, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, nas penas de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão para o referente ao ano de 2012 e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão para o reportado ao ano de 2013 e pela prática, em coautoria e em representação e no interesse de P..., Lda, de um crime de burla tributária, na forma tentada, p. e p., conjugadamente, pelos artºs. 87.º, n.ºs 1, 3 e 5 do RGIT e 22.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e 23.º, n.ºs 1 e 2, ambos do C. Penal, na pena de 4 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;

Resultou provado, em suma, que (no que respeita à atuação deste arguido):

- Em 15.04.2011 foi constituída a sociedade por quotas “P..., Lda”, com sede na rua ..., ..., em ...;

- Tem como objeto social o “comércio a retalho de relógios, joias, filigranas e de outros artigos de ourivesaria de metais preciosos ou de metais comuns folheados ou chapeados com metais preciosos”;

- Foi constituída com um capital social de € 2,00, representado por duas quotas de € 1,00, pertencentes a AA e CC;

- As funções de gerência foram atribuídas aos dois sócios, obrigando-se a sociedade com a intervenção conjunta dos dois gerentes.

- Iniciou atividade para efeitos fiscais em 19.4.2011, tendo associado o CAE: 47770 – “comércio a retalho de relógios e artigos ourivesaria e joalharia, estabelecimento especializado”;

- Encontra-se enquadrada no regime geral de tributação para efeitos de IRC. Para efeitos de IVA, do início de atividade e até 31.12.2012, esteve enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, a partir de

1.1.2013, esteve enquadrada no regime normal de periodicidade mensal. Cessou atividade, para efeitos de IVA, em 30.9.2014;

- Nos anos de 2011 a 2013, a P..., Lda procedeu à entrega das declarações fiscais em sede de IVA e IRC, não tendo, portanto, omissões declarativas nesse período;

- No que concerne a IVA, a P..., Lda encontrou-se sempre numa situação de crédito de imposto, ou seja, em todas as declarações periódicas de IVA que apresentou apurou imposto a seu favor. No final de 2011 e de 2012, encontrava-se em crédito de IVA no montante de € 15.726,76 e de € 27.740,13, respetivamente. Na última declaração periódica de IVA do ano de 2013, o crédito de imposto a favor da P..., Lda ascendia já a € 335.223,83;

- Desde o início de atividade, a P..., Lda solicitou dois reembolsos de IVA, em setembro e novembro de 2013, nos montantes de € 51.653,17 e € 24.800,00, respetivamente;

– No entanto, os fornecedores A..., Lda, RR, SS, P..., Lda e T..., Lda e J..Unipessoal, Lda, não declararam qualquer venda à P..., Lda;

- No ano de 2012, a P..., Lda declarou vendas de mercadorias (ouro fino e ouro cascalho) no montante de € 23.967.486,23;

- No ano de 2013, o valor de vendas (ouro fino e prata fina) declarado registou um significativo decréscimo de 31%, totalizando € 16.639.164,72;

- Contabilisticamente, a P..., Lda não movimenta qualquer conta corrente de cliente, registando apenas as vendas por contrapartida de “Caixa”, significando isto, que todas as vendas seriam pagas a pronto e em numerário;

- O mesmo procedimento também é adotado em relação a alguns fornecedores, em relação aos quais não é criada qualquer conta de fornecedor, sendo as respetivas compras registadas diretamente por contrapartida de “Caixa” (por exemplo, no ano de 2012 compras a SS e no ano de 2013 compras a D..., Lda);

- Em relação a outros, pese embora seja criada conta de fornecedor, os pagamentos são também registados por contrapartida de “caixa”, não existindo registos e associações a movimentos bancários;

- Da faturação emitida naqueles anos pela P..., Lda extraiu-se que os seus principais clientes foram:

- Em 2012, as empresas O.. e G..., Lda, nos montantes totais de €21.794.420,90 e €1.676.454,58, respetivamente; e,

- Em 2013, a empresa espanhola Or...SL, e as empresas nacionais O.., G..., Lda e K..., S.A., nos montantes totais de € 7.039.442,79, € 5.561.681,02, € 1.908.411,06 e € 1.496.392,05, respetivamente - no ano de 2013, a

P..., Lda emitiu a última fatura para a O.. em 2013-10-07 (fatura 212) e a primeira para a K..., Lda em 2013-12-02 (fatura 247);

- No que concerne a compras: No ano de 2012 a P..., Lda teve abertas ao público dezasseis lojas de compra de ouro, passando a deter apenas uma dessas lojas a partir de março de 2013. As compras a particulares efetuadas nesses estabelecimentos representaram, no ano de 2012, cerca de 22% do total do valor de compras declarado pela P..., Lda, diminuindo essa percentagem para somente 3%, no ano de 2013;

- Relativamente às restantes compras, de acordo com os documentos que suportam os registos contabilísticos, verifica-se que naqueles anos os seus principais fornecedores foram:

- Em 2012, as empresas A..., Lda e RR, nos montantes de €13.340.545,58 e de €2.836.350,00, respetivamente, representando em conjunto cerca de 58% do valor total de compras declarado pela P..., Lda; e,

- Em 2013, as empresas P..., A..., Lda, T..., Lda, e RR, nos montantes totais de € 2.468.922,84, € 2.025.791,00, € 588.810,00 e € 461.740,00, respetivamente, representando, em conjunto, cerca de 44% do valor total de compras declarado pela P..., Lda;

- Todos estes fornecedores são empresas não declarantes fiscais, ou seja, os gastos ou custos que a P..., Lda deduziu em sede de IRC, não correspondem a ganhos tributados na “esfera” dos fornecedores, porquanto não entregam as respetivas declarações de rendimentos de IRC/IRS;

- Relativamente às vendas de mercadorias, quer ouro fino, quer cascalho de ouro, a P..., Lda não liquidou IVA em nenhuma delas, invocando ora o regime especial do ouro previsto no Decreto-Lei 362/99 de 16 de setembro, ora o regime especial de tributação dos bens em 2.ª mão previsto pelo Decreto-Lei 199/96 de 18 de outubro, respetivamente;

- No que respeita às compras de mercadorias, o comportamento declarativo da P..., Lda alterou drasticamente no final de 2013, conforme se depreende do quadro seguinte relativo ao IVA por ela deduzido (com exceção das situações de “reverse charge”, autoliquidação):

Período de IVA 1203T 1206T 1209T 1212T 1301 1302 1303 1304

IVA deduzido 0,00 € 0,00 € 0,00 € 31,67 € 168,19 € 107,33 € 7.841,77 € 680,56 € Período de IVA 1305 1306 1307 1308 1309 1310 1311 1312

IVA deduzido 0,00 € 0,00 € 1.133,03 € 278,97 € 332,18 € 71.670,35 € 76.290,07 € 112.746,56 €

- Desde o início de atividade em abril de 2011 e até setembro de 2013, a P..., Lda encontrou-se sempre em crédito de IVA, todavia de pequeno valor. Em setembro de 2013, tinha um crédito acumulado de € 51.653,17, tendo nesse mesmo mês pedido o reembolso da totalidade desse crédito;

- Nas declarações periódicas referentes aos restantes três meses de 2013, a P..., Lda apurou “IVA a recuperar” nos montantes de €37.912,15, €117.631,73 e €335.223,83, respetivamente, pedindo em novembro um reembolso de parte desse IVA, no montante de €24.800,00;

- Este aumento é devido ao facto de, a partir de outubro de 2013, ter começado a deduzir IVA relativo às compras de cascalho de ouro, liquidado por fornecedores que não entregaram as respetivas declarações periódicas de IVA ou entregando-as ficaram em situação de crédito assentando as suas compras e, consequentemente, o IVA deduzido, em faturas emitidas por outros operadores não declarantes. Esse IVA deduzido pela P..., Lda foi liquidado por P..., T..., Lda., D..., Lda, T..., Lda, D..., Lda e L..., Lda, e representa cerca de 92% do total do IVA deduzido referente a compras de mercadorias;

- Estes fornecedores só iniciaram a sua faturação para a P..., Lda nesse último trimestre de 2013. Até essa altura e desde o seu início de atividade, os fornecedores de cascalho de ouro, da P..., Lda, não liquidavam IVA na faturação que emitiam, invocando, essencialmente, o regime especial de tributação dos pequenos retalhistas ou o regime de inversão do sujeito passivo (“reverse charge”, autoliquidação) previsto no Código do IVA para este tipo de bem;

- A P..., Lda foi titular de duas contas bancárias, uma sediada no Millennium BCP, identificada com o n.º .........90, e outra sediada na Caixa de Crédito Agrícola Mutuo (CCAM), identificada com o n.º .........51.

- A movimentação nas duas contas bancárias tituladas pela P..., Lda não ilustra a atividade no seu todo, não se encontrando, por exemplo, qualquer movimento ordenado por alguns dos seus clientes - por exemplo, não há qualquer movimento ordenado pelo cliente Or...SL. As entradas nas contas bancárias ordenadas pelos clientes O.. e P..., Lda são de valor total muito inferior aos valores totais que lhes foram faturados pela P..., Lda -, ou com origem nos seus principais fornecedores identificados no ponto anterior, sendo os registos contabilísticos dessas vendas e compras efetuados por contrapartida de “Caixa”;

- Este comportamento inviabiliza um confronto entre faturação e respetivos pagamentos, encorajando a economia paralela e o recurso a “empresas de fachada”, não declarantes fiscais, para a emissão de faturação, escondendo desta forma os verdadeiros intervenientes e beneficiários do negócio, propósito que os arguidos queriam e lograram;

- Das diversas contas bancárias tituladas, co tituladas ou com poderes de movimentação por AA, destaca-se a movimentação na conta bancária n.º .........70 sediada no Millennium BCP. Em fevereiro, maio, junho e julho de 2013, naquela conta deram entrada transferências ordenadas pela O.. e um depósito de cheque de conta titulada por esta, totalizando €345.752,39. Os valores transferidos foram prontamente levantados em numerário por AA;

- RR iniciou atividade de comércio a retalho de relógios e artigo de ourivesaria e joalharia, em 20.09.2012;

- Na respetiva declaração de início de atividade que apresentou à Administração Fiscal, estimou realizar até ao final do ano de 2012 um volume de negócios anual de apenas €1.600,00 e indicou não possuir contabilidade organizada, motivo pelo qual ficou enquadrado no regime especial de isenção de IVA. Indicou ainda nessa declaração que o seu estabelecimento principal ou local do exercício de atividade iria corresponder ao seu domicílio fiscal;

- Essa atividade foi cessada oficiosamente pela Administração Fiscal em 30.12.2013, nos termos do n.º 2 artigo 34.º do Código do IVA e n.º 6 do artigo 8.º do Código do IRC;

- No que respeita aos anos de 2012 e de 2013, RR não apresentou qualquer declaração de rendimentos de IRS;

- A P..., Lda declarou ter efetuado compras a RR nesses mesmos anos, nos montantes totais de €2.836.350,00 e de €461.740,00, respetivamente – além da P..., Lda, apenas a D..., Lda declarou ter efetuado compras a RR. AA foi gerente da P..., Lda em 2012 e 2013. O seu irmão CC foi gerente da P..., Lda em 2012 e da D..., Lda em 2013;

- De facto, no ano de 2012, a P..., Lda reconheceu na sua contabilidade “Faturas” emitidas por RR, num reduzido espaço de nove dias, entre 20.9.2012 e 28.9.2012, no montante total de €2.836.350,00. Todos esses documentos de faturação são emitidos por computador e referem-se à venda de “ouro fino”. Têm aposto “IVA devido pelo adquirente”;

- No mesmo dia em que declarou o início de atividade – e logo após ter declarado uma estimativa de negócio no valor de € 1.600,00 anuais - o arguido RR, faturou 10,1 kg de ouro fino, no montante de €404.000,00 e nos oito dias seguintes mais 59,90 kg no montante de €2.432.350,00;

- Vendendo a P..., Lda ouro fino à O.. a €0,50/gr ou €500,00/kg abaixo das cotações internacionais, com as compras a RR obteria ganhos com estas transações, na ordem dos €3.000/kg. Na compra e venda de ouro fino, obtêm-se ganhos máximos na ordem dos €300,00/kg;

- Esta faturação foi toda emitida sem qualquer correspondência com transações reais existentes entre estes dois arguidos, nestas datas;

- No ano de 2013, a P..., Lda também reconheceu na sua contabilidade “Faturas” (FT) emitidas por computador em nome de RR, todas emitidas num espaço de seis dias, entre 30.1.2013 e 4.2.2013, no montante total de €461.740,00. Todos esses documentos de faturação se referem à venda de “ouro fino” e têm aposto “IVA devido pelo adquirente”;

- Nos anos de 2012 e de 2013, o pagamento destas faturas, num total a rondar os três milhões e 300 mil euros, foi reconhecido contabilisticamente, pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”, isto é, em numerário, não existindo qualquer comprovativo do meio de pagamento, nem na contabilidade, nem nas contas bancárias tituladas pela P..., Lda

- O documento de suporte ao lançamento contabilístico desses pagamentos são “Fatura/Recibo” emitidas por computador, e em todos consta que o pagamento foi a pronto;

- Os documentos de faturação de RR apreendidos na contabilidade da P..., Lda têm a designação quer de “Fatura” quer de “Fatura/Recibo”, existindo “Fatura” e “Fatura/Recibo” com a mesma numeração;

- Assim é para a “Fatura” n.º 7/2012 de 26.9.2012 que é lançada pela compra, e a “Fatura-recibo” n.º 7/2012 de 26.9.2012 que é lançada pelo pagamento da fatura;

- Estes documentos não foram emitidos por programa informático certificado que cumprisse os requisitos exigidos por lei, não sendo admissível a coexistência dos dois. Nenhum desses documentos se encontra assinado, rubricado ou carimbado pelo emitente;

- Não existem quaisquer comprovativos de encomenda e de marcação, notas de entrega, documentos de transporte, comprovativos de pagamento nem correspondência comercial associados a estas transações entre a P..., Lda e RR;

- Nas diligências de busca e apreensão realizadas no dia 19 de novembro de 2013 aos domicílios fiscais de RR, foi verificada a inexistência de qualquer vestígio ou indicador de que ali se desenvolvesse qualquer atividade relacionada com a comercialização de ouro;

- Ainda, nas diligências de busca realizadas no dia 8 de maio de 2015 junto de empresas de afinadores e ensaiadores de metais preciosos não foi localizado qualquer serviço de ensaio e/ou de afinação de ouro prestado a RR, apesar deste ter faturado cerca de 80 kg de ouro fino; o que previa os necessários serviços de afinação;

- Também nas contas bancárias tituladas ou co tituladas por RR, se observa que os movimentos eram reduzidos e de valor materialmente irrelevante, não existindo nenhum relacionado com a comercialização de ouro;

- RR não adquiriu quaisquer bens que lhe tivessem possibilitado realizar as vendas subsequentes;

- RR nunca desenvolveu qualquer atividade relacionada com ouro. Trabalhou sempre na construção civil e restauração;

- A faturação emitida em nome de RR para a P..., Lda não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades;

- RR abriu atividade junto das Finanças aliciado por um vizinho de nome TT, com o propósito de abrir uma loja de compra e venda de ouro. No entanto, não chegou a concretizar este negócio;

- Toda a faturação emitida em seu nome e que a arguida P..., Lda (e os arguidos UU e os seus filhos AA e CC, em nome e representação daquela) introduziu na sua contabilidade foi fabricada com o fito de aumentar os custos, diminuindo consequentemente a matéria tributária e depauperar o erário público, o que os arguidos P..., Lda, UU, AA e CC (este somente quanto ao ano de 2012), quiseram e conseguiram;

- Utilizaram tais documentos, emitidos em nome de uma terceira pessoa, sem o seu conhecimento e vontade;

- Agiram de modo livre, deliberado e consciente, conhecedores da ilicitude de tais condutas;

- Desde que abriu atividade, em maio de 2011, que a A..., Lda não apresentou qualquer declaração de rendimentos de IRC nem qualquer declaração periódica de IVA;

- A sua atividade foi também cessada oficiosamente pela Administração Fiscal em 27.12.2013;

- A P..., Lda reconheceu como compras “Faturas” (FT) emitidas pela A..., Lda entre 9.4.2012 e 29.1.2013, no montante total de €15.366.336,58 (ano 2012: €13.340.545,58; ano 2013: €2.025.791,00);

- Até junho de 2012, referem-se à venda de “ouro cascalho” tendo aposto “IVA devido pelo adquirente”. A partir dessa data respeitam à venda de “ouro fino”, tendo aposto “IVA autoliquidação” ou “IVA devido pelo adquirente”. Nas faturas de ouro cascalho não existe liquidação de IVA, constando a menção “IVA devido pelo adquirente”;

- O pagamento destas faturas foi reconhecido contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”, isto é, em numerário, não existindo qualquer comprovativo do meio de pagamento, nem na contabilidade, nem nas contas bancárias tituladas pela P..., Lda;

- Não existe rasto financeiro destes supostos pagamentos que totalizam mais de 15 milhões de euros;

- Tal como sucedeu com o fornecedor RR, o documento de suporte ao lançamento contabilístico desses pagamentos são “Fatura/Recibo”, emitidas por computador. Também no caso da A..., Lda coexistem “Faturas” e “Faturas/Recibos” não se encontrando nenhum desses documentos assinado, rubricado ou carimbado pelo emitente. Todas as “Faturas/Recibo”, quer em nome de RR, quer em nome da A..., Lda, têm o mesmo layout (as faturas têm o mesmo desenho, configuração; até têm abreviaturas iguais, para designar gramas ambas utilizam a abreviatura “grm”) e encontram-se rasuradas na palavra “Fatura”;

- Estes documentos não foram emitidos por programa informático certificado que cumprisse os requisitos exigidos por lei;

- As faturas da A..., Lda relativas a esse mesmo mês de setembro apresentam as mesmas discrepâncias que se haviam mencionado na faturação de RR, nomeadamente:

- O ouro fino é cotado à milésima nos mercados internacionais, o que não acontece nas faturas da A..., Lda;

- Vendendo a P..., Lda ouro fino à O.. a €0,50/gr ou €500,00/kg abaixo das cotações internacionais, verifica-se que com as compras à A..., Lda (caso fossem reais) obteria ganhos na ordem dos €3.000/kg. No máximo, na compra e venda de ouro fino, obtêm-se ganhos na ordem dos €300,00/kg;

- As primeiras faturas emitidas pela A..., Lda mencionam cascalho ouro. As quantidades faturadas são frequentemente em “número redondo” o que não é congruente com o tipo de material transacionado;

- Da análise ao balancete final do ano de 2012, sobressaem dois valores pelo seu valor exacerbado: o valor das existências finais no montante de €4.280.198,60 e o valor do saldo da conta corrente com a A..., Lda, no montante de €3.525.805,59;

- Estes valores revelam que no ano de 2012 a P..., Lda contabilizou compras de valor muito superior às suas vendas, o que conduziu a um valor de inventário no final de 2012 inverosímil para tal setor de atividade; pois as mercadorias adquiridas são imediatamente vendidas face à necessidade de obtenção de capital para efetuar novas compras;

- Perante um ativo tão exagerado, a P..., Lda teve que elevar de igual forma o passivo, de modo a equilibrar o balanço da empresa. Para tal, apenas contabilizou grande parte dos recibos de pagamento da A..., Lda do ano de 2012 (recibos de outubro, novembro e dezembro, todos com a indicação de pronto pagamento) no ano seguinte, deixando um passivo com a A..., Lda de mais de três milhões de euros;

- Sem este artifício contabilístico, a P..., Lda declararia um prejuízo superior a três milhões de euros;

- Aliás, não existem comprovativos de encomenda e de marcação, notas de entrega, documentos de transporte, comprovativos de pagamento nem correspondência comercial associados às transações entre a P..., Lda e a A..., Lda, o que não se coaduna com o facto de esta empresa ser a principal fornecedora da P..., Lda nem com uma relação comercial de mais de quinze milhões de euros;

- Tal volume de faturação, também não é congruente com o facto da A..., Lda nunca ter inscrito qualquer trabalhador na Segurança Social;

- Nas diligências de busca e apreensão realizadas no dia 19 de novembro de 2013, à sede social da A..., Lda, na rua ...., ..., em ..., nada foi encontrado que relacionasse aquele local com uma empresa, nem quaisquer vestígios de exercício de qualquer atividade relacionada com a comercialização de ouro;

- Neste local residiu VV, sócio-gerente da empresa “A...Unipessoal, Lda” (que declarou na sua IES ter efetuado compras à A..., Lda no ano de 2012, no montante de €37.279,00);

- Quanto a serviços de afinação que justificassem tais vendas de ouro fino, foi identificado um, apesar das buscas realizadas junto dos afinadores e ensaiadores, em maio de 2015;

- No que concerne à contabilidade da A..., Lda, WW, técnico oficial de contas responsável pela sua execução, renunciou àquelas funções em 27.12.2011 uma vez que nunca lhe foi entregue qualquer documento para a sua elaboração;

- No que respeita a contas bancárias, a A..., Lda foi apenas titular de uma conta bancária (depósito à ordem n.º 102.060.01979.92), sediada no Banco Popular, aberta em 2011.05.12 e encerrada em 20.6.2012 (a única pessoa autorizada a movimentar aquelas contas bancárias é XX);

- No período em que já não era titular de qualquer conta bancária, a A..., Lda faturou para a P..., Lda mais de 14 milhões de euros;

- A A..., Lda não adquiriu quaisquer bens que lhe permitissem realizar as vendas subsequentes;

- A faturação emitida em nome de A..., Lda para a P..., Lda não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades;

- Os arguidos UU, AA e CC, este só até á data da cessação da gerência, em 26/10/2012, em nome, representação e no interesse da P..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se com terceiros, nomeadamente, com XX, que agiu em nome e representação da A..., Lda, para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa que geriam, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Com tais atuações visaram todos obter e permitir que outros obtivessem vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária;

- Agiram todos de modo livre, deliberado e consciente, conhecedores de que tais condutas são proibidas e punidas por lei;

- No ano de 2013, a T..., Lda é uma empresa não declarante fiscal, pois não apresentou a respetiva declaração de rendimentos de IRC;

- Em sede de IVA e no que respeita ao mesmo ano, entregou as declarações periódicas apurando sempre IVA a seu favor, reportando para o ano de 2014 um crédito de imposto de €132.000,00;

- No ano de 2013, a P..., Lda reconheceu na contabilidade cinco “Faturas” (FT) emitidas pela T..., Lda, em outubro e novembro de 2013, no montante de €588.810,00, ao qual acresceu IVA no valor de €135.426.30;

- Todos esses documentos de faturação foram emitidos por computador e referem-se à venda de “ouro cascalho”;

- Considerando o tipo de bem que está a ser transacionado, cascalho de ouro, as faturas deveriam indicar os respetivos toques e as quantidades faturadas não deveriam apresentar um “número redondo”, o que acontece nesta faturação;

- O pagamento destas faturas foi reconhecido contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”, não existindo comprovativo do meio de pagamento, nem na contabilidade, nem nas contas bancárias tituladas pela P..., Lda;

- Os recibos que suportam esses lançamentos estão carimbados e rubricados. Nos recibos referentes às três últimas faturas têm aposto “pago em numerário” estando assinados por “YY”;

- Na busca efetuada em julho de 2014 às instalações da P..., Lda foi apreendido um livro de cheque da conta n.º .........51 sediada na CCAM, titulada pela P..., Lda, onde se encontram quatro duplicados de cheques que têm a indicação de terem sido preenchidos à ordem da T..., Lda São eles os cheques n.º ........43 de 31.10.2013, n.º ........44 de 1.11.2013, n.º ........45 de 5.11.2013 e IVA deduzido pela P..., Lda nas declarações periódicas de outubro (referente às duas primeiras faturas) e dezembro de 2013 (relativo às restantes); ........46 de 12.11.2013, nos montantes de €164.051,25, €218.122,05, €157.563,00 e €31.284,64, respetivamente;

- Nenhum desses cheques foi descontado na conta bancária da P..., Lda;

- Na contabilidade da P..., Lda consta um documento assinado por AA e por YY, no qual a P..., Lda declara que efetuou a liquidação da fatura 145 do cliente T..., Lda, no montante de €218.122,05, através do encontro de contas com a fatura 208 emitida pela P..., Lda para a T..., Lda, no valor de €186.837,41 e através do cheque n.º ........46 da CCAM no montante de €31.284,64. Verifica-se um desfasamento temporal entre as duas faturas, a primeira é emitida em 1.10.2013 e a segunda em 31.10.2013;

- Esse cheque não foi nem levantado nem depositado, tendo sido apreendido no cofre existente na sede da P..., Lda, emitido em nome da T..., Lda, já endossado através da aposição no verso do mesmo da assinatura de MM, enquanto gerente da T..., Lda;

- Nas contas bancárias da T..., Lda não se detetam movimentos financeiros com origem na P..., Lda;

- Não obstante a T..., Lda faturar à P..., Lda ouro sob a forma de cascalho, situações em que, como referido, o IVA tem de ser liquidado pelo adquirente/cliente, ocorreu sempre a liquidação de IVA por parte da T..., Lda, sabendo ambas as partes, T..., Lda e P..., Lda que tal procedimento era contrário à lei;

- YY preencheu estas faturas a pedido dos arguidos UU e AA. As declarações que assinou onde menciona ter recebido os valores faturados não correspondem a verdade, tendo sido efetuadas apenas para dar uma aparência real à faturação;

- A faturação emitida pela T..., Lda para a P..., Lda não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades;

- Os arguidos UU e AA, em nome, representação e no interesse da P..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se com terceiros, nomeadamente, com MM, que agiu em nome e representação da T..., Lda, para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa que geriam, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Com tais atuações visaram todos obter e permitir que outros obtivessem vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária;

- Agiram todos de modo livre, deliberado e consciente, conhecedores de que tais condutas são proibidas e punidas por lei;

- A T..., Lda também é gerida por YY. Ao contrário da T..., Lda, em 2013, é uma empresa sem omissões declarativas, em sede de IVA e IRC, encontrando-se frequentemente em crédito de IVA;

- No ano de 2013, a P..., Lda reconheceu na contabilidade “Faturas” (FT) que lhe foram emitidas pela T..., Lda, em novembro e dezembro de 2013, que respeitam a ouro fino e a cascalho de ouro (a T..., Lda faturou para a P..., Lda ouro fino no montante total de €159.556,95, com a indicação de “IVA autoliquidação”);

- Quanto a cascalho de ouro, essa faturação ascendeu a €250.459,01, ao qual acresceu IVA no valor de €57.605,58;

- Anexas à maior parte destas faturas emitidas pela T..., Lda encontram-se “notas de entrega do artigo” da P..., Lda com a discriminação dos toques referentes ao cascalho de ouro (situação que não se verificou com a T..., Lda);

- As duas primeiras faturas, faturas 31 e 32 emitidas em 6 e 7 de novembro, respetivamente, têm características distintas das restantes emitidas em dezembro, pois, as quantidades faturadas são um “número redondo” e não existe qualquer indicação dos respetivos toques, situação incongruente com o facto de estar a ser faturado cascalho de ouro;

- O pagamento destas faturas também foi lançado contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”, não existindo comprovativo do meio de pagamento, nem na contabilidade, nem nas contas bancárias tituladas pela P..., Lda Os recibos que suportam esses lançamentos estão carimbados e rubricados;

- Nas contas bancárias tituladas pela T..., Lda, não constam movimentos financeiros com origem na P..., Lda;

- Tais transações existiram, mas não da forma como eram faturadas. Os valores das mesmas foram adulterados de forma a incluírem IVA;

- A P..., Lda, através de UU e AA, e a D..., Lda, através de CC, em seu respetivo nome e interesse, exigiam que as faturas referentes ao cascalho de ouro fossem assim emitidas, sendo faturado um preço unitário inferior ao real e liquidado IVA;

- Não obstante a T..., Lda faturar à P..., Lda ouro sob a forma de cascalho, situações em que, como referido, o IVA tem de ser liquidado pelo adquirente/cliente, ocorreu sempre a liquidação de IVA por parte da T..., Lda, sabendo ambas as partes, que tal procedimento era contrário à lei;

- Este procedimento é claramente contrário à lei, o que os arguidos bem conhecem, bem sabendo que no ouro sob a forma de cascalho o IVA não deve ser liquidado pelo fornecedor, mas sim pelo adquirente/cliente;

- A arguida P..., Lda começou a utilizar tal expediente no final de 2013, conseguindo acumular a seu favor avultados créditos de IVA (a P..., Lda cessou a sua atividade para efeitos de IVA em 30.9.2014, com um crédito de IVA a seu favor de €634.948,92);

- Por outro lado, a T..., Lda, pese embora tenha entregado as suas declarações periódicas de IVA, ficou também em crédito de IVA, assentando as suas compras e, consequentemente, o IVA deduzido, em faturas emitidas pela P... que, por sua vez, assentou as suas compras em faturação que também não titulava transações reais;

- As duas faturas emitidas no início de novembro de 2013 pela T..., Lda para a P..., Lda não têm subjacente qualquer transação real e efetiva entre as duas entidades, tratando-se de faturas de favor;

- Relativamente à restante faturação emitida pela T..., Lda para a P..., Lda, os preços unitários foram modificados por forma a indicar liquidação de IVA que não existe em tais transações. Este IVA não foi entregue nos cofres do Estado;

- Os arguidos UU e AA, em nome, representação e no interesse da P..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se com terceiros que os auxiliaram, nomeadamente, com MM, que agiu em nome e representação da T..., Lda, para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa que geriam, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Viciaram alguns desses documentos onde incluíram valor de IVA inexistente, por forma a obterem um crédito sobre o Estado, manipulando o regime fiscal do IVA em tais transações;

- Com tais atuações visaram todos obter e permitir que outros obtivessem vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária; determinando mesmo a administração fiscal a um comportamento determinante desse prejuízo; o que apenas não ocorreu por motivo estranho e alheio às suas vontades;

- Agiram todos de modo livre, deliberado e consciente, conhecedores de que tais condutas são proibidas e punidas por lei;

- A empresa P... é uma empresa “não declarante”;

- Tal como a T..., Lda, a P... começou a emitir faturas para a P..., Lda em novembro de 2013;

- A P..., Lda reconheceu na sua contabilidade “Faturas” (FT) que lhe foram emitidas pela P..., em novembro e dezembro de 2013, referente a ouro fino e a cascalho de ouro, no montante de €2.468.922,84, ao qual acresceu IVA no valor de € 60.447,77, IVA esse que foi deduzido pela P..., Lda, nas declarações dos meses de novembro e dezembro de 2013;

- Todas as faturas foram emitidas por computador;

- Indicam quantidades de cascalho em “número redondo” e na fatura não consta a indicação do respetivo toque;

- O pagamento destas faturas foi reconhecido contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”, isto é, em numerário;

- Não existem comprovativos de pagamento;

- Os recibos que suportam esses lançamentos estão carimbados e rubricados;

- Nas contas bancárias da P..., Lda, nos meses de novembro e dezembro de 2013, não se encontrou qualquer saída que beneficiasse a P... ou ZZ;

- No entanto, durante o mês de janeiro de 2014, na conta n.º .........62 titulada pela P..., Lda, sediada no Millennium BCP, detetaram-se dezasseis débitos de cheques, no montante total de €726.130,74, preenchidos à ordem da P..., endossados por esta empresa (carimbo e rubrica), e levantados à “boca do caixa” pelo funcionário da D..., Lda, AAA;

- Com este fluxo financeiro pretenderam os arguidos simular um circuito de pagamento. No entanto, o dinheiro regressa à família AA - de janeiro a abril de 2014 a P..., Lda contabilizou faturas da P... no montante total de €8.089.566,21 e a P... nesse mesmo período não consta como sua cliente. De janeiro a março de 2014 a D..., Lda contabilizou faturas da P... no montante total de € 1.724.931,22;

- A faturação emitida pela empresa P... para a P..., Lda não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades;

- Os arguidos UU e AA, em nome, representação e no interesse da P..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se com terceiros que os auxiliaram no seu desígnio, nomeadamente, com ZZ, que agiu em nome e representação de P..., Lda, para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa que geriam, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Viciaram alguns desses documentos onde incluíram valor de IVA inexistente, por forma a obterem um crédito sobre o Estado, manipulando o regime fiscal do IVA em tais transações;

- Com tais atuações visaram todos obter e permitir que outros obtivessem vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária, determinando mesmo a administração fiscal a um comportamento determinante desse prejuízo; o que não ocorreu por motivo estranho e alheio às suas vontades;

- A P..., Lda reconheceu na sua contabilidade doze “Fatura-Recibo” (FT) que lhe foram emitidas pela sociedade D..., Lda, em novembro e dezembro de 2013, no montante total de €201.668,42, a que acresceu IVA no valor de €46.383,74 – IVA deduzido pela P..., Lda nas declarações periódicas de novembro (três primeiras faturas) e dezembro de 2013 (restantes faturas);

- As faturas são pré impressas e foram requisitadas na tipografia “Ar..., Lda”;

- Referem-se todas a “ouro cascalho” e têm a indicação “IVA incluído à taxa de 23%”;

- A maior parte das faturas têm aposto que o local de descarga da mercadoria é ..., e com exceção da fatura n.º 253, não têm qualquer indicação dos respetivos toques;

- Estas compras foram reconhecidas contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa” não estando associado qualquer comprovativo de pagamento;

- Neste período, para efeitos de IVA, a D..., Lda passou para uma situação de crédito perante o Estado Português;

- Dos elementos contabilísticos do ano de 2013 (balancete final do exercício, diários e extratos de conta), extrai-se o IVA deduzido pela D..., Lda se refere essencialmente a compras aos fornecedores D...Unipessoal, Lda e BBB, ambos não declarantes fiscais;

- Nessa data a D...Unipessoal, Lda nem sequer tinha iniciado a sua atividade, o que só veio a acontecer no início do ano seguinte. Ou seja, a D..., Lda inscreveu na contabilidade compras à D...Unipessoal, Lda, sem que a mesma estivesse registada para o exercício de uma atividade junto da AT;

- Também a P..., Lda reconheceu na sua contabilidade três “Fatura-Recibo” (FT) que lhe foram emitidas pela L..., Lda, em dezembro de 2013, no montante total de €29.176,83, ao qual acresceu IVA no valor de €6.710,67 (IVA deduzido pela P..., Lda em dezembro de 2013);

- As faturas são pré impressas e foram requisitadas na tipografia “Ar..., Lda”;

- Referem-se todas a “ouro para cascalho” e têm a indicação “IVA incluído à taxa de 23%”;

- As duas primeiras indicam como local de descarga da mercadoria ... e a última ...;

- Estas compras foram lançadas contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”;

- A arguida L..., Lda é também uma empresa não declarante, controlada de facto por CCC;

- DDD, sócio-gerente da L..., Lda, preencheu aquelas faturas, mas nem sequer conhece a P..., Lda nada sabendo sobre aquele negócio;

- Relativamente a pagamentos, nas contas bancárias da P..., Lda verificou-se que durante o ano de 2013 foram descontados vários cheques que beneficiaram CCC, sua ex-mulher EEE e o seu colaborador FFF;

- Foram levantados cheques em maio, junho e outubro de 2013, mas a primeira fatura tem data muito posterior, de 28.11.2013. Até essa data, não foi declarada à Administração Fiscal qualquer relação comercial entre a P..., Lda e a D..., Lda, e as características do setor de atividade não se coadunam com tais adiantamentos;

- O montante total de cheques é superior ao montante de faturação da D..., Lda, mas próximo ao montante total dessa faturação adicionada ao montante total da faturação emitida pela L..., Lda para a P..., Lda;

- Quanto aos bens transacionados, apenas uma fatura, quer da D..., Lda, quer da L..., Lda, discrimina o toque do cascalho de ouro, facto que inviabiliza a verificação aos preços praticados;

- Todavia, quer os responsáveis da P..., Lda, quer CCC sabiam que no ouro cascalho o IVA não é liquidado pelo fornecedor, mas sim pelo cliente;

- Trata-se exatamente do mesmo artificio que anteriormente se descreveu a propósito destes arguidos. A L..., Lda não entrega o IVA liquidado à P..., Lda nos cofres do Estado, pois tem uma conduta omissiva. A D..., Lda também não entrega o IVA liquidado à P..., Lda, porque a “montante” o absorve com as faturas dos não declarantes BBB e D...Unipessoal, Lda;

- A liquidação de IVA na faturação de cascalho de ouro, tinha como propósito a dedução de IVA por parte da P..., Lda (e a sua cobrança junto da Fazenda Nacional) e a não entrega pelos fornecedores, desse mesmo IVA nos cofres do Estado;

- Os arguidos UU e AA, em nome, representação e no interesse da P..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se com terceiros, nomeadamente, com CCC, que agiu em nome e representação da D..., Lda e L..., Lda, gozando quanto a esta, do auxílio material de DDD (gerente desta sociedade), para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa que geriam, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Viciaram tais documentos onde incluíram valor de IVA inexistente, por forma a obterem um crédito sobre o Estado, manipulando o regime fiscal do IVA em tais transações;

- Com tais atuações visaram todos obter e permitir que outros obtivessem vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária, determinando a administração fiscal a um comportamento determinante desse prejuízo;

- As relações entre as empresas D..., Lda e P..., Lda são evidentes. Além de ambas pertencerem à esfera do mesmo núcleo familiar, a partir de dezembro de 2013, a D..., Lda passa a ter como único cliente a P..., Lda - situação que se mantém pelo menos até março de 2014 (os elementos de contabilidade do ano de 2014 disponíveis respeitam apenas ao 1.º trimestre), com exceção de duas faturas em 7 e 8 de janeiro para a empresa espanhola Or...SL;

- A partir de 5.12.2013, a D..., Lda passou a faturar exclusivamente para a P..., Lda, e fundamentalmente, cascalho de ouro;

- E contrariamente ao seu procedimento anterior, passou a liquidar IVA nessas faturas;

- No quadro seguinte elencam-se as faturas referentes a cascalho de ouro que ascenderam a €292.202,76, a que acresceu IVA de €67.206,64 (IVA deduzido pela P..., Lda em dezembro de 2013 IVA deduzido pela P..., Lda em dezembro de 2013);

- Estas compras foram lançadas contabilisticamente pela P..., Lda, por contrapartida de “Caixa”;

- No extrato do mês de dezembro de 2013 da conta n.º .........51, sediada na CCAM titulada pela P..., Lda, verifica-se que entre os dias 11 a 19, se registaram 8 transferências ordenadas pela P..., Lda com destino à D..., Lda no montante total de € 198.886,52;

- Novamente, nalgumas destas faturas não é indicado o toque do cascalho de ouro que está a ser faturado (o que inviabiliza uma análise aos preços indicados);

- Os responsáveis da P..., Lda e da D..., Lda tinham pleno conhecimento que o procedimento do fornecedor liquidar IVA no cascalho de ouro é contrário à lei;

- O IVA que a D..., Lda liquidou à P..., Lda não chegou a entrar nos cofres do Estado;

- Os arguidos UU, AA e CC, em nome, representação e no interesse, os dois primeiros, da P..., Lda, e, o último, da D..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa P..., Lda, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Viciaram alguns desses documentos onde incluíram valor de IVA inexistente, por forma a obterem um crédito sobre o Estado, manipulando o regime fiscal do IVA em tais transações;

- Com tais atuações visaram todos obter vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária; determinando a administração fiscal a um comportamento determinante desse prejuízo; o que apenas não ocorreu por motivo alheio às suas vontades;

- Conhecedores da ilicitude de tais condutas, atuaram sempre de modo livre, deliberado e consciente; - Na contabilidade da O.. encontram-se cheques emitidos para comprovar aquisições à P...;

- Os pagamentos das compras efetuadas pela O.. à empresa P... são efetuados essencialmente por cheques da conta bancária n.º .........49, titulada pela O.., sediada no Millennium BCP (alguns desses cheques são da conta n.º .........71, titulada pela O.., sediada no BANIF);

- Alguns desses cheques, preenchidos à ordem da empresa P..., foram endossados, e posteriormente levantados ao balcão por AA ou pelos funcionários da P..., Lda, GGG, HHH, III e JJJ;

- Ora, no ano de 2013 não existe qualquer faturação emitida pela P..., Lda para a sociedade P...;

- No entanto, a empresa P... efetuou pagamentos, através do endosso de cheques emitidos à sua ordem, que beneficiaram AA e os funcionários deste, no montante total de €1.082.000,00;

- E fê-lo porque efetivamente as transações ocorreram entre a P..., Lda e a O.. – e não entre a primeira e a P..., aparecendo esta a emitir faturação com pleno conhecimento de que não titula os negócios e que a fatura não corresponde à realidade – por forma a que a P..., Lda possa omitir tais proventos perante a administração fiscal; ocultando, nessa medida, os lucros efetivamente auferidos;

- Deste modo, acabava também por justificar custos e saídas de dinheiro por parte da O.., o que fazia pela dependência e acordo que mantinha com KKK;

- YY recolheu por diversas vezes ouro em ..., nas instalações da P..., Lda, ouro que entregou na O.., vendas efetivas daquela empresa, num total de cerca de 8 a 10 kg por semana, até a P..., Lda começar a vender para a empresa K..., Lda (a P..., Lda iniciou a sua faturação para a K..., S.A. em 2.12.2013);

- A empresa P... surge aqui como uma mera intermediária, isto, é uma “empresa de passagem”;

- As vendas da P..., Lda para a empresa O.. não foram declaradas à Administração Fiscal, o que estas arguidas e os seus gerentes, agindo em seu nome e interesse, quiseram; atuando todos com o intuito de obter vantagem patrimonial ilegítima, causando tal conduta grave diminuição das receitas tributárias em sede de IRC;

- A P..., Lda e os seus gerentes, de facto, AA e UU utilizaram faturação emitida em nome de RR, A..., Lda, T..., Lda, T..., Lda, P..., D..., Lda., L..., Lda e D..., Lda que não tem correspondência com as transações efetuadas com estas entidades porque não ocorreram com as mesmas ou nas datas e pelos montantes indicados; tendo-as utilizado também para a adulteração do regime de IVA aplicável às ditas transações;

- Efetuaram vendas para a O.. que não foram declaradas à Administração Fiscal;

- Os arguidos UU, AA e CC (este só no ano de 2012), em nome, representação e no interesse da P..., Lda, agiram como descrito sempre com o intuito de defraudar a administração fiscal;

- Para tanto, conluiaram-se com terceiros, para viciar e utilizar documentos probatórios exigidos pela lei tributária, que integraram na contabilidade da empresa que geriam, aumentando os custos a declarar, diminuindo o apuramento da matéria a tributar;

- Viciaram alguns desses documentos onde incluíram valor de IVA inexistente, por forma a obterem um crédito sobre o Estado, manipulando o regime fiscal do IVA em tais transações;

- Com tais atuações visaram todos obter e permitir que outros obtivessem vantagens patrimoniais suscetíveis de causar diminuição na receita tributária, determinando a administração fiscal a um comportamento que causasse esse prejuízo;

- Agiram sempre de modo livre, deliberado e consciente;

- Tais condutas prejudicaram os cofres do Estado Português nos valores que se indicam, calculados pela Autoridade Tributária;

- Em sede de IRC, tendo como base o valor declarado pela sociedade P..., Lda à Administração Fiscal, ao resultado fiscal declarado acresceu-se o total a faturação emitida em nome de RR, de A..., Lda, de T..., Lda, de T..., Lda e da P... e o total de vendas para a O.. que não foram declaradas à Administração Fiscal;

- O montante de IRC, respeitante ao prejuízo patrimonial registado nos cofres do Estado Português, nos anos de 2012 e 2013, é de € 4.044.223,90 e € 1.681.815,96, respetivamente;

- Em sede de IVA, tendo como base os valores declarados pela sociedade P..., Lda à Administração Fiscal, ao valor do campo 22 expurgou-se o IVA deduzido por esta referente à faturação emitida pela T..., Lda, T..., Lda, P..., D..., Lda., L..., Lda e D..., Lda;

- O montante de IVA, indevidamente deduzido pela P..., Lda, nas declarações periódicas de IVA 1310, 1311 e 1312, é de €71.463,30, €133.030,16 e €169.287,24, respetivamente; tendo a P..., Lda solicitado reembolso de IVA no montante de €24.800,00 na declaração 1311;

- RR desconhece a P..., Lda e os irmãos AA e CC;

- Estas, geridas pelos arguidos UU, AA e CC, contabilizaram compras de ouro a RR, que atingiram um total próximo dos 4 milhões de euros;

4- O arguido tem ainda registadas as seguintes condenações:

a) No Processo comum singular n.º 26/13.4..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – JL Criminal de ..., por sentença de 16.01.2015, transitada em julgado a 24.02.2015, pela prática em 16.01.2013, de um crime de material de jogo sem autorização e de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, na pena única de 320 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, já declarada extinta;

b) No Processo sumaríssimo n.º 149/14.2..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – J C Genérica de ..., por sentença de 15.07.2016, transitada em julgado a 30.09.2016, pela prática em 16.08.2014, de um crime de exploração ilícita de jogo, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, já declarada extinta;

c) No Processo comum singular n.º 259/16.1..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto este – JL Criminal de ..., por sentença de 30.10.2017, transitada em julgado a 29.11.2017, pela prática em 04.10.2016, de um crime de exploração ilícita de jogo, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, já declarada extinta;

5- O processo de socialização do arguido do arguido decorreu na freguesia e concelho de ..., junto do agregado de origem, composto pelos progenitores e por uma fratria de quatro descendentes, dos quais era o mais velho.

As necessidades básicas do agregado foram asseguradas, tendo por base os proventos obtidos pelos progenitores, ambos ligados à venda de livros e gestão de máquinas de diversão, progenitores que proporcionaram uma dinâmica familiar classificada pelo arguido como funcional.

O arguido iniciou o seu percurso académico com seis anos, que prosseguiu até ao 9.º ano, no qual registou uma retenção, não concluindo, cessando aí o seu percurso escolar.

Ainda com dezasseis anos de idade, o arguido integrou-se nas atividades dos progenitores, na gestão de máquinas de jogos, num salão de jogos, atividade que foi mantendo ao logo do vivencial.

Em 2009, o arguido e o irmão CC passaram a exercer a atividade conjuntamente com o progenitor, ainda no ramo da concessão de máquinas de jogos.

Em 2011, o arguido passou a gerir uma empresa de compra e venda de ouro, gestão que era levada a cabo conjuntamente com dois irmãos, justificada pela oportunidade de negócio e que mantiveram até ao seu encerramento em 2014.

Em termos afetivos, o arguido contraiu matrimónio, aos 28 anos, tendo o casal fixado residência na cidade de ..., relação da qual nasceram dois descendentes, atualmente com 15 e 11 anos.

Em 2019, o arguido divorciou-se, tendo passado a residir sozinho, altura em encerrou as empresas que geria, devido à insuficiência de proventos.

À data da presente reclusão o arguido mantinha a residência na morada identificada, no concelho de ..., numa casa cedida pelos pais.

Exercia a atividade profissional por conta de outrem, como gerente, numa empresa de concessão de máquinas de diversão, ramo no qual detinha experiência profissional, auferindo o salário mínimo nacional.

Beneficiava ainda de apoio por parte dos pais e da ex-mulher, mantendo com esta uma relação cordial.

Em 01.06.2023 deu entrada no estabelecimento prisional de ..., para cumprimento da pena de 4 anos e 6 meses, em que foi condenado nos autos do processo 450/15.8..., pela prática de crime de fraude fiscal qualificada.

Em meio prisional tem demonstrado capacidade de adaptação, sendo educado, participativo, sem registos de incumprimentos e mantendo um bom relacionamento interpessoal. Tem participado em palestras e várias atividades, aguardando ocupação laboral.

Beneficia de apoio por parte do ex-cônjuge, filhos e dos seus progenitores, que o visitam regularmente no estabelecimento prisional.

(…)».

2. Tratando-se de recurso interposto de acórdão condenatório em pena de prisão superior a cinco anos, proferido por tribunal coletivo e restrito à matéria de direito, é inquestionável a competência do STJ para o respetivo conhecimento, nos termos dos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP, conforme acertadamente decidiu o TRP, ao excecionar a respetiva incompetência e mandar remeter-lhe o processo, respeitando, assim, a jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 5/2017, publicado no DR. n.º 120/2017, Série I, de 23.06.2017, a pp.3170 – 3187..

Avancemos, pois, para a apreciação da questão antes enunciada e que delimita o seu objeto, abrangendo apenas a medida da pena única de 9 (nove) anos de prisão em que o arguido e recorrente foi condenado na sequência do cúmulo jurídico efetuado no acórdão recorrido das penas parcelares aplicadas aos crimes em concurso.

2. 1. A medida da pena única de prisão aplicada.

O caso sub judice consubstancia uma situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes, tal como previsto no artigo 78º, n.º 1, do Código Penal (CP).

Por isso, o tribunal recorrido, no qual foi proferida a última condenação, por acórdão de 18.04.2023, transitado em 23.11.2023, verificando que o recorrente havia anteriormente cometido vários crimes pelos quais fora condenado por decisões também elas transitadas em julgado, providenciou no sentido da efetivação do cúmulo jurídico das penas correspondentes a todas essas condenações, para determinação de uma pena única, nos termos daquele artigo 78º, n.ºs 1 e 2, conjugado com o artigo 77º do mesmo código.

Em conformidade com o acórdão do STJ n.º 9/20162, que fixou jurisprudência no sentido de que “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”, delimitou um único ciclo de crimes cometidos pelo recorrente, entre os quais se verifica uma relação de concurso, aglutinando as respetivas penas com a fixada na primeira decisão condenatória transitada em julgado e fixando a pena única correspondente.

Pois que, como pode ler-se no sumário publicado do acórdão do STJ de 31.5.2017, proferido no processo n.º 2.192/16.8T8AVR.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto de Matos «II - Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.

III - O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.

IV - A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.

(…)»3.

O recorrente não questiona a seleção dos crimes em concurso aglutinados no único ciclo considerado no acórdão recorrido por aplicação daquela orientação, nem a espécie e a medida das penas parcelares nele incluídas e excluídas, nomeadamente as de multa já extintas4.

O que ele contesta é a medida da pena única de prisão fixada para esse único ciclo, por a considerar excessiva, por desproporcional e desadequada face à menor ilicitude dos factos que lhe vêm imputados, nomeadamente quanto ao valor das vantagens patrimoniais obtidas e equivalente prejuízo causado ao Estado, que, pese embora não discuta a matéria de facto fixada, nem ela poderia aqui ser modificada, entende dever ser esbatido por razões de óbvia racionalidade económica e comercial, circunstância que igualmente entende dever relevar ao nível da culpa, diminuindo-a.

Por outro lado, considera a pena, na medida em que foi fixada, desnecessária, pelo tempo entretanto decorrido e pelo seu afastamento da atividade no âmbito da qual cometeu os crimes em concurso, e à sua inserção laboral numa área diferente e sem cometimento de outras infrações, sendo que outras anteriores eram menos graves e de diferente natureza, assim como à sua inserção familiar e social e bom comportamento prisional, desde que, em 1.6.2023, iniciou o cumprimento da pena única de prisão que lhe foi aplicada no processo n.º 450/15, englobado no cúmulo aqui efetuado, o que diminui as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, cuja salvaguarda se alcançará com uma pena menor, que propõe seja fixada nos 6 (seis) anos de prisão.

Vejamos se lhe assiste razão.

Antes de prosseguir, importa relembrar e esclarecer que, a moldura penal abstrata ou legal prevista para a pena única resultante do cúmulo jurídico efetuado no acórdão recorrido é a nele considerada, em conformidade com o artigo 77º, n.º 2, do CP, ou seja:

– Pena única de 9 (nove) anos de prisão: moldura abstrata ou legal entre o mínimo de 3 (três) anos e 9 (nove) meses e o máximo de 17 (dezassete) anos e 7 (sete) meses de prisão, correspondente às penas de prisão de 3 (três) anos e 9 (nove) meses, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, e de 3 (três) anos e 9 (nove) meses, 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 4 (quatro) meses de prisão, aplicadas nos processos n.ºs 619/19.6..., 450/15.8... e 131/12.4..., por factos praticados em 2017, 2014 e 2016 e 2012 e 2013, por decisões transitadas em julgado em 23.11.2023, 11.04.2023 e 1.07.2022, correspondentes a 5 (cinco) crimes de fraude fiscal qualificada, p, e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a), e 104.º, n.ºs 2, al. a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), e 1 (um) crime de burla tributária, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 87.º, n.ºs 1, 3 e 5 do mesmo diploma legal e 22.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), e 23.º, n.ºs 1 e 2, ambos do C.P

*

É hoje consensual a ideia de que a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades de prevenção das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única, conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente5.

Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).

Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).

Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.

Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.

Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».

*

À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada6.

*

No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:

«(…) Fundamentação Jurídica:

Dispõe o art.º 78.º do C. Penal, no seu n.º 1, que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo que a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” e no seu n.º 2 que “o disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.

Por seu turno, dispõe o art.º 77.º, n.º 1 do C. Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Ocorre, assim, um concurso de penas quando as diversas infrações que estão na sua base foram cometidas antes do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer delas.

Nestes termos, a fronteira da situação de concurso é estabelecida pela data da primeira condenação do arguido transitada em julgado, pois é o momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a pena única.

Os crimes cometidos posteriormente a essa decisão condenatória transitada, constituindo uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respetivas penas.

Aliás, esta restrição conforma-se com o objetivo do cúmulo jurídico, que é o de permitir a apreciação conjunta dos factos, apreciação essa que se mostra prejudicada quando uns crimes são anteriores e outros posteriores à solene advertência constituída por uma condenação transitada em julgado.

De acordo com o disposto no art.º 77.º, n.º 2 do C. Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada dessas penas.

Para efeitos da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, deverá ter-se em consideração individualmente cada crime, ainda que na mesma decisão se tenha apreciado vários crimes e operado o respetivo cúmulo, devendo para o efeito “desfazer-se” o cúmulo realizado nessa decisão.

O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibm, ou seja, nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação. Se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respetiva moldura penal, com a consequente iteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que residiram à formação da primitiva pena única, o caso julgado em que esta se traduziu tenha de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação nova moldura penal do concurso.

No vertente caso, as condenações referidas em 1, 2 e 3 da factualidade assente estão numa situação de concurso de crimes, o que importa a realização do cúmulo, nos termos dos citados preceitos legais, uma vez que se mostram transitadas em julgado.

A moldura penal abstrata tem como limite mínimo a pena de 3 anos e 9 meses de prisão e como limite máximo a pena de 17 anos e 7 meses de prisão.

Assim, impõe-se tomar em consideração:

- os crimes pelos quais o arguido foi julgado e condenado - fraude fiscal qualificada e burla tributária, na forma tentada -;

- o período temporal que se situou entre 2012 e 2017;

- o prejuízo ao Estado de montante global superior a cinquenta milhões de euros (nestes autos o prejuízo causado ao Estado foi de € 10.762.669,83; no proc. 131/12.4... o prejuízo causado ao Estado foi de € 4.044.223,90 (2012) e de € 1.681.815,96 (2013); no proc. 450/15.8..., o prejuízo causado ao Estado foi de € 2.690.623,72 (IRC) e de € 87.240,23 (IVA), relativos à P..., Lda e de € 31.820.483,34 (IRC) e de € 121.876,91 (IVA), relativos à F.., Lda);

- as fortes exigências ao nível da prevenção geral, dada a frequência com que situações idênticas às dos autos se verificam no meio empresarial, constituindo, do ponto de vista social e económico, um verdadeiro flagelo a que os tribunais não podem ficar indiferentes:

- ter atuado em todas as situações com dolo direto;

- a ausência de arrependimento, uma vez que não resulta de nenhum dos processos qualquer facto que nos leve a concluir nesse sentido;

- ter outras condenações registadas, que não os processos em cúmulo, ainda que por crimes de natureza diversa;

- antes da reclusão estar socialmente inserido.

Tudo ponderado e tendo em conta as penas parcelares aplicadas e os fins de prevenção geral e especial das penas, o conjunto de factos provados quanto às circunstâncias que envolveram a prática dos crimes e à personalidade do arguido espelhada nesses mesmos factos, entende-se necessária, adequada e proporcional impor-lhe a pena única de 9 (nove) anos de prisão.».

*

Desta transcrição resulta evidenciado o rigoroso cumprimento pelo acórdão recorrido das operações legalmente previstas para fixação da pena única de prisão decretada, outrossim do escrupuloso respeito pelas respetivas finalidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, por referência ao arguido recorrente e nos limites consentidos pela sua culpa, sempre na consideração da ressonância ética atualmente reconhecida aos crimes de natureza fiscal e aos bens jurídicos por eles protegidos, que se foi afastando da preocupação exclusiva na arrecadação da receita fiscal e do fortalecimento financeiro do Estado, para se afirmar hoje também como pilar essencial da realização do Estado de Direito social e da garantia de igualdade dos cidadãos e dos contribuintes em particular, assim como da sã e leal concorrência na atividade económica7, mudança de sentido que, juntamente com a exponencial frequência e aumento deste tipo de criminalidade, justificou a revisão do regime punitivo operada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, que aprovou o OE para 2012 e levou à crescente aplicação de penas efetivas de prisão pela sua prática8.

E, na verdade, o acórdão sopesou todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido.

Ponderou a inserção e o apoio familiar e profissional de que beneficia e beneficiou até à data dos factos, sem descurar, no entanto, que essa circunstância o não inibiu nem demoveu da prática dos 6 (seis) crimes fiscais/tributários pelos quais foi condenado e cujas penas foram agora englobadas no cúmulo jurídico efetuado, que culminou na pena única de 9 (nove) anos de prisão decretada e aqui contestada.

Crimes, de resto, consumados em período coincidente com o cometimento de outros três crimes relacionados com material de jogo e exploração ilícita de jogo, no âmbito de outra atividade profissional que o arguido desenvolveu temporal e parcialmente coincidente com a do comércio de ouro e outros metais preciosos, no âmbito da qual ocorreram os primeiros, os quais, apesar da sua diferente natureza, não deixam de refletir uma personalidade avessa ao respeito pela normatividade vigente e propensa à busca do lucro a todo o custo, mesmo com recurso a métodos ilícitos e penalmente sancionados.

Propensão e firme determinação que o referido agravamento das penas e progressiva consciencialização da danosidade social da criminalidade fiscal/tributária não logrou contrariar.

Efetivamente, o arguido, que iniciou a referida atividade comercial em 2011, com a constituição da sociedade “P..., Lda”, logo no exercício de 2012 enveredou pela prática delituosa por que veio a ser condenado, à qual, aliás, deu continuidade com a “F.., Lda”, posteriormente constituída, até 2017, ou seja, durante 5 anos e mesmo depois de contra si e às empresas que geria e as demais com que interagia já terem sido iniciadas investigações fiscais e criminais, iniciadas, logo em 2012, o que evidencia uma firme determinação no cometimento dos crimes fiscais/tributários em apreço, agravando o respetivo grau de ilicitude e a intensidade da culpa dolosa com que sempre atuou.

E iniciou e continuou a referida atuação de modo pensado e planeado, associando-se a contabilistas e a sociedades de “fachada”, sem efetiva atividade comercial e apenas destinadas à emissão de faturas de vendas fictícias, posteriormente integradas na contabilidade das suas empresas, em conjugação de vontades e esforços para a realização do desígnio consabidamente ilícito e punível, ou seja, a atividade criminosa em apreço não foi um incidente ocasional, mas a concretização de um propósito inicial maturado e cuidadosamente programado e sofisticadamente realizado, no sentido de, sob a aparência de normalidade e correspondência com a realidade, ocultar o verdadeiro comércio ilícito e as vantagens ilegítimas com ele obtidas e os correspondentes prejuízos causados, do mesmo passo que dificultavam que essa atuação fosse detetada e oportunamente travada pelas autoridades competentes.

Ilicitude também exponenciada pelo avultadíssimo valor das vantagens patrimoniais ilicitamente obtidas e dos correspondentes prejuízos causados ao Estado e à sociedade, na ordem das dezenas de milhões de euros, movido pelo lucro a todo o custo e com total indiferença pelos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras acima identificados.

Vantagens e prejuízos que, mesmo que fosse de ponderar o exercício redutor reclamado pelo recorrente, sempre se situariam em patamar elevadíssimo, pelo menos acima da meia centena de milhares ou mesmo na dezena de milhões de euros, considerando apenas o montante da faturação fictícia dada como assente introduzida pelo recorrente na contabilidade das ditas sociedades, reduzindo o lucro tributável em igual medida e o valor de IRC a suportar e gerando movimentos de restituição/devolução de IVA, que efetivamente, não havia sido pago, só por si em valor provado na ordem das centenas de milhares de euros.

E que o arguido obteve e dissipou sem qualquer sinal de arrependimento, nomeadamente através de iniciativas visando a regularização da situação fiscal e da reparação , ainda que parcial e faseada, dos prejuízos causados, comportamento que, naturalmente, não releva no sentido de atenuar a ilicitude das suas condutas, antes a agravando.

O mesmo se diga do tempo decorrido, que, não obstante dever ser ponderado na determinação das penas concretas9, deve merecer maior ou menor relevo em função das circunstâncias concretas de cada caso, diferenciando aqueles em que o tempo decorrido se deve a circunstâncias essencialmente imputáveis à inércia ou mau funcionamento do sistema de justiça, daqueloutros em que o seu decurso resulta do normal funcionamento deste, aproveitado e, porventura, intencionalmente entorpecido pela atuação, mais ou menos engenhosa, dos agentes do crime.

Ora, no caso em apreço, como evidenciam os factos provados e acima se assinalou, o sistema não revelou inércia ou incúria na investigação da atuação do arguido e demais envolvidos na prática delituosa sub judice, a qual, apesar da sofisticação e complexidade do plano montado e em execução, se iniciou logo em 2012, relativamente aos exercícios dos anos de 2012 e 2013, continuando depois, com grande proximidade temporal, para os exercícios de 2015 a 2017, tão pouco a evidenciando na acusação e julgamento dos crimes apurados e pelos quais o arguido foi condenado, como resulta da simples consideração das datas de instauração dos inquéritos, das sentenças condenatórias nas penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico de que resultou a pena única aqui sindicada e do trânsito em julgado das mesmas, demonstrativas de que os processos foram instaurados e decorreram segundo os prazos normais neste tipo de criminalidade e as atinentes regras processuais.

Por outro lado, o tempo decorrido entre a última das atuações delituosas em apreço e a data do acórdão recorrido, cerca de seis anos, estando longe de qualquer dos prazos de prescrição legalmente estabelecidos, também não perdeu atualidade quanto às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, seja pelo público e notório recrudescimento deste tipo de criminalidade, importando, por isso, renovar e reforçar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e no funcionamento do sistema de justiça, seja pela personalidade do arguido revelada e refletida no conjunto dos factos praticados e nas demais circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores aos mesmos, que, sem indiciar uma tendência ou carreira criminosa, permite vislumbrar uma certa propensão para a prática deste tipo de criminalidade, movida pela ideia do lucro e indiferente aos danos sociais ou comunitários de que dela possam advir e normalmente advêm, reforçando a necessidade de uma forte punição capaz de levar o arguido a interiorizar o desvalor das suas condutas e de , no futuro, pautar a sua vida pelos parâmetros normativos vigentes e de normal convivência social e comunitária, finalidade que as penas, se executadas, como se espera e impõe, segundo as regras vigentes, também realizam.

Neste contexto, portanto, atenta a referida personalidade e a ausência de sinais de arrependimento e de efetiva vontade regeneradora, ainda que como índice de interiorização do desvalor dos crimes praticados, o comportamento normativo e disponível para ocupação funcional do recorrente no meio prisional onde se encontra, que não difere daquele esperado da generalidade das pessoas recluídas e, por isso, não assume particular importância atenuativa das exigências de prevenção especial, sem prejuízo do relevo que lhe venha a ser atribuído em sede liberdade condicional.

Valorada positivamente foi também a ausência de antecedentes criminais, mas dentro do que dela pode retirar-se, que em nada difere do que é suposto ser o comportamento normativo da generalidade dos cidadãos e da normal convivência comunitária e social.

Donde, nenhuma censura merece, também quanto a estes pontos, o acórdão recorrido.

Pelas razões expostas e em função da ponderação do critério específico para determinação da pena única correspondente ao concurso de crimes praticados pelo recorrente, nos termos do artigo 77º, n.º 1, do CP, ou seja, o de avaliar em conjunto e na sua unidade relacional os factos praticados e a personalidade do arguido neles projetada e por eles refletida, no sentido de detetar sinais de uma “tendência ou mesmo carreira criminosa”, ou uma mera “pluriocasionalidade”, como se considerou no acórdão recorrido e antes se confirmou ser o caso do recorrente, embora assinalando a não efetiva interiorização do desvalor das suas condutas, se percebe e justifica a opção da decisão recorrida na maior, mas não total, compressão do remanescente da soma material das penas em concurso relativamente ao limite mínimo da pena conjunta, em conformidade com o disposto no artigo 77º, n.º 2, do CP, que, neste caso, se fixou entre o ¼ e os 2/4, mais próxima, portanto, do mínimo da respetiva moldura abstrata – 3 (três) anos e 9 (nove) meses – do que do seu limite máximo – 17 (dezassete) anos e 7 (sete) meses -, ou seja, considerou apenas 5 (cinco) anos e 3 (três) meses desse intervalo, o que traduz ima compressão superior a 2/4 das penas aplicadas aos restantes 5 (cinco) crimes por que foi condenado.

Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e que, em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, a referida pena única de prisão, aplicada ao arguido, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da sua culpa.

Mostra-se, além disso, mais próxima do limite mínimo do que do limite máximo da correspondente moldura abstrata ou legal e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se, com as naturais diferenças decorrentes do número e natureza de alguns dos crimes e da situação pessoal dos arguidos, anterior, contemporânea e posterior aos factos, no acórdão de 27.04.2022, proferido no processo n.º 51/148IDEVR.S1, relatado pela Conselheira Helena Fazenda10.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

a) Negar provimento ao recurso do arguido AA e manter o acórdão recorrido;

b) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC (cfr. artigos 513º do CPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.

Lisboa, d. s. c.

(Processado pelo relator e revisto e assinado eletronicamente pelos subscritores)

João Rato (relator)

Agostinho Torres (1ª adjunta)

Jorge Gonçalves (2º adjunto)

________


1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

  Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em .

2. Proferido no processo n.º 330/13.1PJPRT-A.S1-II, em 28.04.2016, relatado pelo Conselheiro Souto de Moura, publicado no DR n.º 111/2016, Série I, de 9.06.2016, páginas 1790 – 1808, com votos de vencido dos Conselheiros Isabel Pais Martins e Manuel Brás.

3. Disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, orientação que, de resto, tem sido acolhida pela doutrina, designadamente por Tiago Milheiro Caiado, in Cúmulo Jurídico Superveniente, Noções Fundamentais, Editora Almedina, citado e seguido no acórdão recorrido, e Artur Rodrigues da Costa, in “ O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, acessível em https://julgar.pt/o-cumulo-juridico-na-doutrina-e-na-jurisprudencia-do-stj/.

4. Relativas a três crimes de material de jogo e exploração ilícita de jogo, por factos praticados em 2013, 2014 e 2016, aplicadas por sentenças transitadas em julgado em 2015, 2016 e 2017.

5. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.

6. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado Pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

7. Ver, neste sentido, “OS FINS DAS SANÇÕES DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS: ENQUADRAMENTO COM O SISTEMA SANCIONATÓRIO GERAL”, Orlando Miguel Lourenço Salgueiro, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses orientada pela Professora Doutora Helena Morão,2018, acessível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/38244/1/ulfd138185_tese.pdf, e Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, em anotação aos artigos 203º e 204º do RGIT, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, vol. 2/[voord. de] Paulo Pinto de Albuquerque, José Branco, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011.

8. Que mereceu, de resto, a atenção da comunicação social, como reflete o trabalho da jornalista Ana Sofia Santos publicado no Jornal Expresso, em 12 de janeiro de 2028, acessível em https://expresso.pt/dossies/diario/2019-01-12-Crimes-fiscais-levam-175-pessoas-a-prisao-em-oito-anos.

9. Sobre a questão pode ver-se o acórdão do STJ, de 29.2.2024, proferido no processo n.º 192/2016.7GDSTB.S1, relatado pelo do presente, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

10. Disponível no sítio https://júris.stj.pt/ecli/.