I - O art. 781.º do C. Civil constitui um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, pelo que, para poder funcionar (e para que todas as prestações se vençam), não prescinde da interpelação do credor, na pessoa do devedor, para que este cumpra de imediato todas as prestações.
II - Ocorrendo tal interpelação, não pode considerar-se a interpelação como efetuada na data da primeira prestação não paga, devendo considerar-se que, até à data da efetiva interpelação, se manteve em vigor o plano de vencimento das prestações, correndo o prazo de prescrição em relação às prestações que, segundo tal plano, se foram vencendo.
III - Usada a faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil, a integralidade dos cinco anos de prescrição (do art. 310.º/e) do C. Civil) conta-se da data do seu uso (da produção de efeitos da interpelação) apenas em relação às prestações que só em tal data se tornaram exigíveis, ou seja, em relação às prestações que já antes eram exigíveis e cujo prazo de prescrição já estava em curso, continua a contar-se o prazo prescricional de 5 anos desde a data em que se iniciou a contagem (o prazo já corrido, em relação a tai prestações, não é apagado pelo uso da faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil).
Magnetiprovide - Unipessoal, Lda., com sede na ... Sebastião, Rua ..., ..., ..., intentou contra AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ..., ação executiva para pagamento de quantia certa, pedindo o pagamento de 63.777,70 EUR (sendo 58.698,38 EUR de capital em dívida e 5 079,32 EUR de juros) e juros de mora vincendos.
Em síntese, alegou que:
. é cessionário do crédito anteriormente detido por Bankinter;
. o referido Banco celebrou com os executados um contrato de mútuo em 31/10/2003, no valor de 112.000 EUR, pelo prazo de 264 meses, com constituição de hipoteca sobre imóvel;
. os executados deixaram de cumprir com a obrigação de amortização dos saldos devedores;
. apesar de interpelados para pagarem, não o fizeram;
. face ao incumprimento verificado, encontra-se atualmente em dívida o referido valor.
Citados os executados, os mesmos deduziram embargos de executado onde, para o que aqui releva, alegaram a prescrição do crédito, nos seguintes termos:
. o empréstimo prevê, na cláusula 1.ª, do documento complementar, que o capital mutuado será entregue pelo Banco por crédito da conta de depósito à ordem (…) devendo o mesmo ser pago ao Banco mutuante no prazo de duzentos e sessenta e quatro meses, em prestações constantes, mensais e sucessivas (…).
. a primeira prestação vencer-se-á no dia quinze de dezembro de dois mil e treze (…).
. o último pagamento dos executados ocorreu em 24/04/2015, entrando em incumprimento em maio de 2015;
foram citados em 12/11/2020, pelo que decorreram mais de cinco anos, o que, nos termos do artigo 310.º, g), do C. C., importa que o direito do exequente esteja prescrito.
Contestou o embargado, alegando, nesta parte da prescrição, que:
. os executados foram interpelados em 18/06/2019 e, em 31/07/2019, os contratos foram resolvidos;
. mesmo que o incumprimento houvesse acontecido na data indicada pelos embargantes o prazo prescricional seria o de 20 anos;
Findos os articulados, foi, em 03/02/2022, proferido saneador-sentença que julgou improcedente a exceção de prescrição, decisão que foi anulada por Acórdão da Relação do Porto de 20/04/2023.
Regressados os autos à 1.ª Instância e realizado julgamento, foi proferida nova sentença, em 12/02/2024, em que se julgou procedente a exceção da prescrição, julgando-se extinta a execução.
Inconformada com tal decisão, interpôs a exequente/embargada recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação do Porto de 09/05/2024, foi julgado procedente “e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se totalmente improcedentes os embargos de executado nos termos acima expostos”.
Inconformados agora os executados/embargantes, interpõem o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, invertendo o decidido, repristine o decidido na Sentença de 1.ª Instância, ou seja, julgue procedentes os embargos e extinta a execução.
Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…)
1. A Exequente intentou ação executiva contra os Recorrentes para a cobrança da quantia de € 63.777,70, acrescido de juros, tendo por base um contrato de mútuo com hipoteca celebrado com os Recorrentes em 31/10/2003, pelo prazo de 264 meses, pelo montante de € 112.000,00.
2. Ficou acordado que a amortização do empréstimo seria feita através de prestações constantes, mensais e sucessivas e, que, perante o seu incumprimento, o Banco Credor podia considerar imediatamente vencida a totalidade da dívida e consequente resolução através de comunicação escrita aos mutuários.
3. O último pagamento dos Recorrentes, em razão do empréstimo, ocorreu em 24 de abril de 2015 e, em 31 de julho de 2019, foram os mesmos informados da respetiva resolução contratual.
4. A Exequente intentou a presente ação executiva em 29/09/2020, para a cobrança da totalidade da dívida, tendo alegado o incumprimento das obrigações previstas no contrato e o regime contemplado no artigo 781.º do CC.
5. Os Recorrentes foram citados em 12/11/2020 e deduziram embargos de executado, onde invocaram a prescrição da obrigação exequenda.
6. O Tribunal de Primeira instância entendeu que o direito de crédito da Exequente prescreveu uma vez que o vencimento da obrigação ocorreu em maio de 2015, tendo decorrido mais de cinco anos antes da citação dos Recorrentes para a ação executiva.
7. O Tribunal da Relação considerou, por sua vez, que o crédito exequendo não se encontra prescrito uma vez que o vencimento da obrigação ocorreu em julho de 2019, com a comunicação da resolução do contrato, não tendo decorrido o prazo de cinco anos antes da citação dos Recorrentes para a ação executiva.
8. Os Recorrentes entendem que o Acórdão recorrido faz uma incorreta interpretação do direito aplicável ao caso apreço, uma vez que, em seu entendimento, o vencimento da obrigação ocorreu em maio de 2015, data a partir da qual começou a correr o prazo de prescrição da obrigação exequenda.
9. O artigo 781.º do Código Civil dispõe que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, fazendo decair o benefício do prazo estabelecido a favor do devedor.
10. O credor tem poder de reclamar o cumprimento imediato da obrigação integral, nomeadamente, de todas as prestações futuras, antes do tempo, através da interpelação do devedor, podendo, assim, modificar uma obrigação a prazo numa obrigação pura e exigir todo o crédito desde a data da falta da primeira prestação.
11. A norma contemplada no referido artigo 781.º do Código Civil é, no entanto, supletiva, podendo ser afastada por vontade das partes, ao abrigo da liberdade contratual, as quais podem estipular o vencimento imediato e automático das prestações vincendas em falta sem necessidade de interpelação do devedor.
12. No caso em apreço, estamos perante um contrato de mútuo oneroso cuja amortização é feita em prestações e onde foi estipulado o direito do Banco credor considerar imediatamente vencido tudo o que for devido com a consequente exigibilidade de todas as obrigações, tendo de comunicar aos mutuários a declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do contrato.
13. A exigibilidade antecipada e vencimento imediato de toda a dívida depende de uma manifestação declarativa do credor para que, não sendo paga a prestação em falta, se vençam automaticamente todas as restantes.
14. A disciplina que resulta do disposto no artigo 781.º do Código Civil não foi afastada, neste caso, pela vontade das partes.
15. Provou-se nos autos que o último pagamento dos mutuários/recorrentes ocorreu em 24 de abril de 2015 e que, em 31 de julho de 2019, a Exequente comunicou aos Recorrentes a resolução do contrato por incumprimento, tendo dado entrada da execução em 29 de setembro de 2020 e os executados citados em 12 de novembro de 2020.
16. Com a carta de 31 de julho de 2019, a Exequente resolveu o contrato de mútuo e considerou o vencimento imediato de toda a divida, uma vez que está inerente na mesma a perda de interesse na manutenção do contrato e é o que resulta da Cláusula 7.ª.
17. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2022, AUJ n.º 6/2022, ditou que “ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.ºdaquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
18. Estando antecipadamente vencida toda a obrigação, com a interpelação sucessiva para vencimento, imputa-se tal vencimento à data do primeiro incumprimento do plano de pagamentos contratual baseado em prestações e afere-se aí a data do início da mora convertida em incumprimento imputável ao devedor e é, a partir de então, que se conta o prazo de prescrição enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido pelo credor.
19. Após o incumprimento de uma prestação, o credor tem a faculdade de vencer antecipada e imediatamente tudo o que falta realizar enquanto prestações fracionadas, pelo que, com a interpelação para vencimento antecipado, deixa de se pressupor as prestações de amortização.
20. A data relevante do incumprimento de todas as prestações, quer as vencidas e não pagas, quer as vincendas após a interpelação, é a data do incumprimento da primeira prestação não realizada e a que foi geradora da exigibilidade antecipada e vencimento imediato da obrigação global.
21. Foi o incumprimento da primeira prestação que gerou a interpelação para vencimento antecipado do contrato, pelo que o exercício do poder de vencimento antecipado não pode ser usufruído sem articulação com a contagem do prazo prescricional em função desse vencimento antecipado e referido ao incumprimento da prestação que gera a interpelação.
22. Veja-se, neste sentido, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 29 de maio de 2024, no âmbito do processo n.º 592/22.3T8PRT-A.P2.S1, onde se analisou uma situação idêntica à dos presentes e onde se entendeu que “a data relevante do incumprimento de todas as prestações (vencidas não pagas e vincendas após interpelação para vencimento) a data do incumprimento da primeira prestação não realizada e geradora da exigibilidade antecipada e vencimento imediato da obrigação global remanescente”.
23. No caso em apreço, a primeira prestação em falta ocorreu em maio de 2015, sendo esta a data relevante para a mora dos Recorrentes em face ao vencimento da dívida global, os quais apenas foram citados para a presente ação executiva em novembro de 2020.
24. Decorreram mais de cinco anos entre a data relevante para a mora dos Recorrentes em face do vencimento da totalidade da dívida – maio de 2015 – e a data relevante da citação dos Recorrentes na ação executiva – novembro de 2020.
25. Quando os Recorrentes foram citados, já tinha decorrido o prazo relevante para a prescrição das obrigações antecipadamente exigíveis e vencidas em maio de
2015, pelo que o crédito relativo a todas as prestações desde então e devidas até ao fim do contrato se encontravam prescritas.
26. Esta é a solução jurídica que melhor se coaduna com a ratio da aplicação ao contrato de mútuo do prazo de prescrição de cinco anos, pois que, se assim não fosse, era permitido ao credor aguardar cinco anos para declarar o vencimento antecipado e, posteriormente, aguardar mais cinco anos para exigir judicialmente a dívida e, enquanto isso, a dívida vai acumulando durante quase 10 anos.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e, em consequência, ser declarado que a obrigação exequenda se encontra prescrita na sua globalidade, devendo ser julgados procedentes os embargos e extinta a execução
(…)”
O exequente/embargado respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
A) Vem a Recorrente interpor Recurso de Revista do Douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou procedente a Apelação e revogou a decisão recorrida, julgando-se totalmente improcedentes os embargos de executado.
B) Ora, não pode a Recorrida estar mais de acordo com a Decisão do Doutro Tribunal da Relação do Porto (doravante “ad quem”), porquanto a questão de fundo apreciada “(…) É de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, e), do C. C., o prazo de prescrição das prestações que consistiam em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros quando o credor antecipa o vencimento antecipado de toda a dívida.
Tal prazo também se aplica quando se pede o pagamento total da dívida por força da resolução do contrato.(…)”
C) Da – Fundamentação – ficaram provados os seguintes factos, que para o mérito do recurso aqui importa, para além dos demais que constam na fundamentação do Douto acórdão, “19. Os embargantes foram interpelados pela Exequente para pagar e, subsequentemente, a 31 de Julho de 2019, foram informados de que os contratos tinham sido resolvidos, sendo certo que tal resolução foi rececionada pelos Embargantes. 20. A execução deu entrada em 29.09.2020.»
D) O douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (A. U. J.) n.º 6/2022, de 30/06/2022, D. R. n.º 184/2022, I, de 22/09, que decidiu no seguinte sentido : I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
E) Neste sentido atentou o douto tribunal “ad quem” que o prazo de prescrição de 5 anos aplica-se assim quando o “ credor decidir operar o vencimento antecipado da dívida, nos termos do artigo 781.º, do C. C, sem prejuízo de poder operar a resolução do contrato (artigo 432.º, do C. C.).”
F) Ora, Venerados Conselheiros, não pode a Recorrida, estar mais de acordo com a posição do douto tribunal “ad quem”, quando esta nas suas alegações de recurso defendeu a mesma tese, não obstante ter entendimento diferente quanto ao prazo prescricional, que entende ser de 20 anos, ao invés dos 5 anos apreciados pelo tribunal “ad quem”.
G) Neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º 17012/17.8YIPRT.C1: “ Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.
H) Situação esta, no seu entendimento e conforme prevista na alínea e) do artigo 310º do CC, não se verifica, uma vez que o que estaria em causa é uma única obrigação pecuniária emergente do contrato de financiamento a que cabe aplicar o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º do CC
I) Não obstante, e conforme supra exposto, a Recorrente não pode deixar de corroborar com o entendimento dos Douto tribunal “ad quem” de que, “(…) naturalmente que o credor tem o direito a resolver o contrato e já tendo sido entregue toda a quantia que recebeu e que não devolveu, por força da restituição à situação anterior de celebração do contrato que a resolução operou nos termos do artigo 289.º, n.º 1, ex vi artigo 433.º, do C. C.(…)”
J) A Recorrida tinha efetivamente o direito de resolver os contratos em causa, como o fez, atendendo ao incumprimento dos Executados – cfr. Cláusula 7ª do Documento Complementar junto com o Documento n.º 5 do Requerimento Executivo, e alegado na contestação – 10.), e consequentemente pedir a totalidade das prestações vencidas e vincendas, não estando em causa as prestações vencidas, mas a totalidade do capital não pago.
K) Estando provado nos autos que o contrato foi resolvido nos termos previstos no artigo 781º do CC, permitiu aos Mmos Juízes do tribunal “ad quem” considerarem que a divida era exigível na sua totalidade “(…) Como se denota, o mutuante declara que considera exigível toda a dívida e, ao mesmo tempo, resolve o contrato o que permite, para nós, concluir que aquele considerou vencida toda a dívida, tal como previsto no artigo 781.º, do C. C.. Mesmo que não tivesse pedido a resolução do contrato, já poderia (salvo algum impedimento legal que no caso não se deteta) pedir o pagamento de toda a quantia, mesmo que não vencida.(…)”
L) E , ainda, além de não afastarem a manifestação de vontade de antecipação do cumprimento de toda a dívida, aplicando do prazo de cinco anos, previsto no artigo 310.º, e), do C. C..(…)” por estar em causa o incumprimento das mesmas prestações fracionadas compostas de capital e juros, sendo os mesmos os pressupostos que permitem ao credor escolher entre a resolução do contrato e a antecipação do vencimento das prestações.
M) Neste sentido o Ac. S. T. J. de 02/02/2023, processo n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1 www.dgsi.pt , que cita outras decisões do mesmo Tribunal Superior em igual sentido, a que se podem acrescentar não só o Ac. do S. T. J. de 26/01/2021, processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2 e as outras decisões, no mesmo sentido, tendo por base a seguinte ideia: a circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição pois as razões da aplicação da prescrição mais curta, acima referidas, mantêm se, seja o crédito vencido na totalidade por se exigir o seu vencimento antecipado ou por se exigir a totalidade por haver incumprimento o qual, diga-se, também existe naquela antecipação de vencimento dívida do artigo 781.º, do C. C.. (…)”
N) Estando provados nos autos de embargos de executado que as dividas venceram-se em em 10-07-2019 para o executado e 12-07-2019 para a executada, datas em que ambos os Recorrentes receberam e assinaram as cartas de resolução, é a partir destas datas que deverão ser contados os prazos de prescrição do direito da Recorrida para pagamento de toda a divida.
O) Resolvido o contrato, passou a existir uma prestação global que não se mostra prescrita pois a comunicação de antecipação do pagamento é de Julho de 2019 (data em que não estava qualquer prestação prescrita), tendo os executados sido citados para a execução em 30-10-2020.
P) Não é a data de vencimento da primeira prestação não paga que determina o prazo de prescrição que o credor tem de respeitar para pedir o pagamento, apenas quando o credor use a faculdade concedida pelo artigo 781º do CC que lhe confere o direito de pedir o pagamento da totalidade da divida, que surgiu com a comunicação de Julho de 2019.
Q) Quanto ao valor do crédito exequendo alegada pelos Recorrentes em sede de embargos, está a Recorrente acordo com a posição assumida pelo doutro tribunal “ad quem” que apreciou no sentido de considerar provado o valor peticionado no requerimento executivo, de capital 58.698,38€ e de juros 5.079,32€, considerado provado na alínea O) dos factos provados da Decisão do tribunal “a quo”, argumentada pelo Recorrentes a qual não tem colhimento, tendo improcedido, e no nosso entendimento bem.
R) Atento o supra exposto, não podendo ser nesta fase apreciada a matéria de facto, que se encontra sobejamente discutida anteriormente e provada, e considerando que, existe uma interpretação e aplicação correta dos artigos 781º e 310º ambos do CC e dos demais normativos, corroborados nos Acórdãos identificados pelos Venerados Desembargadores do tribunal “ad quem” , quanto ao regime de prescrição à luz do caso em concreto, devem as alegações de recurso apresentadas ser consideradas totalmente improcedentes, mantendo-se as decisões recorridas.
(…)”
Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II – A – Factos Provados
As Instâncias deram como provados factos com a seguinte redação:
1. Por escrituras públicas, de 31/03/2016, foram celebrados entre o Bankinter e o Barclays Bank PLC (o “Barclays”) dois contratos de transmissão de créditos e suas respetivas garantias do segundo para a primeira.
2. Os créditos detidos sobre os ora executados, que aqui se reclamam foram transmitidos ao Bankinter por meio das referidas escrituras.
3. O Cedente, Barclays Bank PLC, transmitiu para o Bankinter, S. A. , todos os direitos e garantias acessórias aos referidos créditos, assim como a sua posição processual nos processos judiciais em curso para cobrança dos mesmos.
4. Por Contrato de Venda de Créditos, assinado em 1 de outubro de 2018, o BANKINTER, S. A. vendeu o crédito identificado como .................62, que detinha sobre os Executados e todas as garantias acessórias a ele inerente, à MAGNETIPROVIDE – UNIPESSOAL LDA..
5. É parte integrante do mencionado contrato o Anexo 1 (documento complementar), no qual se encontra a identificação da globalidade dos créditos cedidos.
6. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos, designadamente das hipotecas constituídas sobre o prédio em causa, tendo as mesmas sido objecto de registo junto da Conservatória do Registo Predial de ....
7. A Exequente procedeu já ao registo da transmissão da hipoteca a seu favor, através da AP. .97 de 2018/10/25.
8. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos, designadamente das hipotecas constituídas sobre o prédio em causa, tendo as mesmas sido objecto de registo junto da Conservatória do Registo Predial de....
9. A Exequente procedeu já ao registo da transmissão da hipoteca a seu favor, através da AP. .97 de 2018/10/25.
10. No exercício da sua actividade bancária, o Banco mutuante celebrou com os Executados AA e BB um contrato de Mútuo, formalizado por Escritura, em 31 de outubro de 2003, que serve de título à presente Execução, no valor de 112.000,00€, pelo prazo de 264 meses, e respetivo Documento Complementar.
11. Acordaram ainda as partes, que constituíam hipoteca sobre o imóvel infra referenciado, ao qual atribuíam o valor de 139.160,00€.
12. Para garantia do integral cumprimento das obrigações emergentes e assumidas no contrato junto como Doc. 5, os Executados constituíram hipoteca através das Ap. 77 de 2003/10/15 sobre o imóvel melhor descrito no anexo “Anexo com indicação de bens à penhora”.
13. O último pagamento dos executados ao Barclays, em razão do empréstimo, ocorreu em 24 de abril de 2015.
14. Os executados foram citados do presente requerimento executivo em 12-11-2020.
15. Apesar de interpelados para o respetivo pagamento, os Executados não o efetuaram.
16. Em 08-02-2011, a executada BB subscreveu junto do “Barclays Bank, plc”, 14.000 títulos de investimento, designados de “Retorno Brasil Fev 2015”, os quais ficaram alocados na conta de títulos n.º .....88, titulada conjuntamente pelos executados.
17. Em 05-05-2011, o executado AA subscreveu junto do “Barclays Bank, plc”, 10.000 títulos de investimento, designados de “Barc Green Chips Jun 2015”, os quais ficaram alocados na conta de títulos n.º .....88, titulada conjuntamente pelos executados.
18. Em 05-05-2011, a executada BB subscreveu junto do “Barclays Bank, plc”, 10.000 títulos de investimento, designados de “Barc Green Chips Jun 2015”, os quais ficaram alocados na conta de títulos n.º .....88, titulada conjuntamente pelos executados.
19. Os embargantes foram interpelados pela Exequente para pagar e, subsequentemente, a 31 de Julho de 2019, foram informados de que os contratos tinham sido resolvidos, sendo certo que tal resolução foi recepcionada pelos Embargantes.
20. A execução deu entrada em 29.09.2020.»
Não se provou que:
1. Que em meados de 2015 os títulos identificados nos fatos provados tinham uma cotação aproximada de €17.816,47.
2. Que tais títulos atingiram a sua maturidade final em 21-09-2020.
3. Que a carteira de títulos detida pelos executados no “Barclays Bank, plc” foi transferida para “Bankinter, S.A.
4. Que associado e como garantia do pagamento do empréstimo, os executados celebraram seguro de vida, adiante apenas seguro, com as coberturas de morte e invalidez, com “Barclays Vida Y Pensiones – Companhia de Seguros, S.A., com Agência Geral em Portugal, nipc .......00, seguradora do universo empresarial do “Barclays Bank, plc”.
5. Que a seguradora “Barclays Vida Y Pensiones – Companhia de Seguros, S.A.”, transferiu para “Bankinter Seguros de Vida, S.A., com Agência Geral em Portugal”, NIPC ... ... .87, toda a sua carteira de seguros de vida, nela se incluindo o seguro celebrado com os executados.
6. Que através dessa apólice, a seguradora garante o pagamento das importâncias seguras relativas à seguinte cobertura, se indicada nas Condições Particulares: Invalidez absoluta e definitiva – Pagamento em caso de invalidez absoluta e definitiva da importância segura em caso de morte pela cobertura principal a partir da data em que uma das pessoas seguras seja reconhecida nesse estado de invalidez.
7. Que a BB se encontra em situação de incapacidade invalidez absoluta global e definitiva, com um grau de 60%, situação essa que se verifica desde 2013.
8. Os Executados deixaram de cumprir com as obrigações assumidas nos termos do contrato, designadamente com a obrigação de amortização dos saldos devedores existentes, desde 15 de Julho de 2016, até à presente data.».
Coloca-nos a presente a revista perante uma questão de prescrição, mais exatamente, perante o modo de contar o prazo de prescrição no caso de quotas de amortização de capital pagáveis com os juros (decorrentes de um contrato de mútuo), isto é, antecipa-se desde já, o “busílis” da questão não está propriamente no prazo prescricional.
Começando por alinhar os factos relevantes que foram dados como provados:
O Barclays Bank PLC celebrou com os executados um contrato de mútuo, em 31 de outubro de 2003, no valor de 112.000,00€, pelo prazo de 264 meses, vencendo-se a primeira prestação no dia 15/12/2013 e as restantes nos 263 meses seguintes;
O último pagamento dos executados ao Barclays, em razão de tal empréstimo, ocorreu em 24 de abril de 2015;
Os executados foram interpelados pela exequente, por carta datada de 18/06/2019, para pagar a totalidade da dívida e, posteriormente, por carta datada de 31/07/2019, foram notificados da resolução contratual por incumprimento definitivo;
A presente execução deu entrada em 29/09/2020;
Os executados foram citados do requerimento executivo em 12/11/2020.
E passando a expor a argumentação das partes:
Alegam os recorrentes/embargantes que, tendo ocorrido o seu último pagamento em 24 de abril de 20151, tal importou, uma vez que em maio de 2015 entraram em incumprimento (deixaram de pagar prestações), o imediato vencimento de todas as obrigações/prestações, razão pela qual, quando a presente ação executiva foi intentada, em 29/09/2020, para a cobrança da totalidade da dívida, já havia decorrido na íntegra o prazo prescricional de 5 anos em relação a todas as prestações.
Contrapõe a recorrida/embargada – concedendo, ao contrário do que havia sustentado na sua contestação, que o prazo de 5 anos do art. 310.º/e) do C. Civil também se aplica quando se pede o pagamento total da dívida quer por força do art. 781.º do C. Civil quer ao abrigo da resolução do contrato2 – que, estando provado que “as dívidas se venceram em 10-07-2019 para o executado e 12-07-2019 para a executada, datas em que ambos receberam e assinaram as cartas de resolução3, é a partir destas datas que deverão ser contados os prazos de prescrição do direito da recorrida para pagamento de toda a dívida (…), que não se mostra prescrita pois (…) os executados foram citados para a execução em 30-10-20204.”
Que dizer?
Para os recorrentes/embargantes, quando, em maio de 2015, entraram em incumprimento, ocorreu o imediato e automático vencimento de todas as prestações mensais nos termos do art. 781.º do C. Civil e, atendo o hiato temporal entretanto decorrido (entre maio de 2015 e a data em que foi instaurada e foram citados para a presente execução), superior a 5 anos, prescreveu toda a quantia por liquidar do crédito (por ser aplicável o prazo quinquenal previsto no art. 310.º/e) do Código Civil).
Raciocínio este que não pode ser acolhido (e que o Acórdão recorrido, ao invés da sentença da 1.ª Instância, não acolheu), na medida em que a perda do benefício do prazo, do art. 781.º do C. Civil, é um benefício concedido ao credor e, por isso, para ocorrer, não dispensa o credor de interpelar o devedor nesse sentido, sucedendo que as primeiras comunicações juntas aos autos de que é possível extrair que o mutuante passou a considerar vencidas todas as prestações (com base no art. 781.º do C. Civil ou em cláusula contratual de idêntico sentido5) são “apenas” as interpelações datadas de 18/06/2019, em que se pede o pagamento da quantia total em dívida, “correspondente ao não pagamento das prestações já vencidas e não pagas relativas ao crédito supra referido, bem como todas as prestações de capital vincendas”.
Sobre o prazo prescricional – indo um pouco atrás – não pode deixar de mencionar-se que este Supremo, em Pleno das Seções Cíveis de 30/06/202, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, tirado por unanimidade (em revista ampliada no processo 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1), procurou clarificar a questão – “confirmando” o sustentado nos presentes autos pelas Instâncias, a propósito de ser ao caso aplicável o prazo prescricional de 5 anos6 – fixando, no segmento uniformizador, a seguinte jurisprudência:
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Ou seja, ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do C. Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, como é o caso, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art. 310.º/e) do C. Civil; prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr- art. 306.º/1 do C. Civil).
Entendeu-se pois que, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata de prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital – só se alterando o momento da exigibilidade (das prestações assim vencidas), entendimento este em linha com a ideia de ainda se estar em ação de cumprimento, quando, ao abrigo do art. 781.º do C. Civil, se pede o pagamento das prestações assim vencidas; entendimento e argumentação estendidos ao caso do crédito resultar da resolução do contrato de mútuo (cfr. Ac. STJ de 23.01.2020, proferido no processo nº 4518.17.8T8LOU-A.P1.S1; Ac STJ de 11/03/2020, proferido no processo 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; e Ac. STJ 07/06/2021, proferido no processo 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1), ou seja, a jurisprudência deste Supremo vem entendendo que a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera a natureza da prestação em dívida (a natureza de quotas de amortização de capital pagáveis com os juros) e o seu enquadramento em termos da prescrição.
Enfim, importa ter presente, como é doutrina comum7, que o art. 781.º do C. Civil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, que não prescinde que o credor manifeste a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui; e, claro, exigindo-se interpelação – a produção duma declaração recetícia – não pode considerar-se que tal interpelação aconteceu antes de ter sido produzido/exteriorizado o primeiro sinal inequívoco de se pretender aproveitar da perda do benefício do prazo decorrente do art. 781.º do C. Civil (o que, como já se referiu, só aconteceu, em face dos documentos juntos, com as cartas/interpelações datadas de 18/06/2019).
Como é muito evidente, com todo o respeito por opinião diversa, o credor, assim como tem a faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações, tem também a faculdade de não exigir tal pagamento imediato, sendo que, enquanto o não fizer, o devedor não fica constituído em mora (a não ser naquelas prestações que já estavam e se forem vencendo de acordo com o plano prestacional) e não se inicia o curso da prescrição (cfr. art. 306.º/1 do C. Civil) em relação a montantes/prestações que ainda não são exigíveis.
Em síntese, até às cartas/interpelações datadas de 18/06/2019 – que, admite-se, em face do que a recorrida diz, terão sido recebidas em 10/07 e 12/07 de 2019 pelos executados – manteve-se o plano de vencimento das prestações, o que significa que não estão prescritas as prestações que só naquelas datas (em que foram recebidas as cartas/interpelações) se venceram, uma vez que a presente execução deu entrada em 29/09/2020, ou seja, a interrupção da prescrição relativamente a tais prestações (que se venceram com a receção das cartas/interpelações de 18/06/2019) ocorreu muito antes de se perfazer o prazo quinquenal aplicável.
Mas o mesmo (não estarem prescritas) não pode ser dito de todas as prestações que antes da data da produção dos efeitos de tais cartas/interpelações já se encontravam vencidas.
A argumentação, supra referida, para aplicar o prazo quinquenal de prescrição, quer em caso de vencimento ou exigibilidade imediata de prestações (do art.º 781.º do Código Civil), quer em caso de resolução contratual, está na circunstância de não se alterar a natureza das obrigações inicialmente assumidas (de continuarem a ser quotas de amortização do capital), pelo que, sendo assim, quer a exigibilidade imediata das prestações, quer a resolução contratual, não podem destruir/apagar os prazos de prescrição que estavam em curso em relação às prestações que antes já se haviam vencido e já eram exigíveis.
Repetimos e sublinhámos atrás a frase “em relação a todas as quotas assim vencidas” justamente para chamar a atenção que o vencimento/exigibilidade antecipados ocorre, em rigor, em relação às prestações que ainda não estavam vencidas, acrescentando agora que, em relação às prestações que naquela data (antes da data do vencimento de todas as restantes a prestações) já se encontravam vencidas, o prazo quinquenal já se havia iniciado e estava em curso (contando-se tal prazo quinquenal de prescrição em relação a cada uma de tais prestações desde a data em que cada uma delas era exigível).
Aplicando o que vimos de dizer ao caso dos autos.
De acordo com os factos dados como provados pelas Instâncias, os executados foram citados do requerimento executivo em 12/11/2020, pelo que, tendo a execução dado entrada em 29/09/2020, a prescrição de toda a dívida/prestações se deve considerar como interrompida no dia 03/10/2020 (ex vi art. 323.º/2 do C. Civil); efetivamente, acrescenta-se, a citação para a presente execução é o primeiro e único facto com relevo interruptivo da prescrição mencionado nos autos.
Assim, contando-se o prazo quinquenal de prescrição desde a data em que cada uma das prestações era exigível, temos que as prestações mensais vencidas/exigíveis em maio de 2015, junho de 2015, julho de 2015, agosto de 2015 e setembro de 20158 já se encontravam prescritas, quando, no dia 03/10/2020, a prescrição se deve considerar como interrompida: entre a data do vencimento/exigência de tais 5 prestações e a data de interrupção da prescrição decorreram mais de 5 anos.
Não se pode pois acompanhar o Acórdão recorrido quando no mesmo se refere que é a partir das datas em que os executados receberam as interpelações de 18/06/2019 – “10/07/2019 para o executado e 12/07/2019 para a executada, atentas as datas em que seguramente ambos receberam aquelas interpelações (datas dos carimbos de receção do a/r pela mutuante, já assinados pelos mutuários, aqui embargantes)” – que “deverão ser contados os prazos de prescrição do direito do exequente pedir o pagamento de toda a dívida”: reconhece o Acórdão recorrido que, “antes, decorreria o prazo de prescrição de cada prestação mensal em dívida, mas depois de o credor declarar que quer pedir o pagamento da totalidade, será a partir de quando o declara que se inicia a prescrição da totalidade do montante financiado”9.
Como já se referiu, o uso da faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil importa o vencimento de todas as prestações, porém, em relação às prestações que antes já estavam vencidas, o prazo de prescrição já estava a correr (cfr. art. 306.º/1 do C. Civil) e o que já havia corrido não pode ser interrompido/destruído/apagado pelo uso da faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil.
Usada a faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil, a integralidade dos cinco anos conta-se da data do seu uso (da produção de feitos do seu uso) apenas em relação às prestações que só naquela data se tornaram exigíveis (todas prestações cujo prazo de prescrição já estava em curso, continuam a contar o prazo prescricional desde a data em que se iniciou a contagem, ou seja, o prazo não começa de novo a ser contado).
Concretizando a repercussão, do que vem sendo dito, no montante da quantia exequenda (por que a execução pode/deve prosseguir):
Não estão alinhados nos presentes autos quaisquer factos que permitam dizer qual era o montante de cada uma das 5 prestações prescritas; e consultando a execução também não logramos obter os indispensáveis elementos factuais: a exequente não explicou minimamente, no requerimento executivo, como chega ao capital em dívida de € 58.698,38 EUR e aos juros mora vencidos de € 5.079,32; e os documentos que juntou – designadamente a cláusula 2.ª do “documento complementar” – também não permitem alcançar o montante de cada uma das 5 prestações prescritas.
É em todo o caso certo, segundo o contrato de mútuo, que as prestações de amortização se prolongavam por 264 meses e que, tendo sido pagas prestações até abril de 2015, terão sido pagas 137 prestações, faltando assim pagar 127 prestações, sendo estas que estarão a ser executadas; sendo igualmente certo que, destas, as 5 primeiras, por estarem prescritas, não são devidas, pelo que será preciso “subtrair” – para o que faltam elementos factuais – à quantia exequenda o montante correspondente a tais 5 prestações (de maio a setembro de 2015), assim como a parte dos juros vencidos que diz respeito a tais 5 prestações.
Como estamos num processo de embargos – que, no caso, deve terminar com a fixação exata por que a execução pode/deve prosseguir – afastada está a possibilidade de remeter para um momento posterior tal fixação/liquidação, restando assim dar cumprimento ao que decorre dos artigos 682.º/3 e 683.º/1 do CPC: está por este Supremo definido o direito aplicável – estão prescritas apenas 5 prestações (as de maio a setembro de 2015) – havendo que ampliar a decisão de facto (após prévia notificação dos embargantes para alegarem o montante de cada uma das 5 prestações prescritas e a parte dos juros vencidos que diz respeito a tais 5 prestações; e exercício do respetivo contraditório), em ordem a obter a base suficiente para a aplicação do direito já definido por este Supremo.
Nos termos expostos, decide-se conceder parcialmente a revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido que se substitui por decisão a julgar prescritas as prestações vencidas em maio, junho, julho, agosto e setembro de 2015 e não prescritas todas as restantes; e, de acordo e nos termos dos arts. 682.º/3 e 683.º/1 do CPC, por decisão a anular a sentença proferida na 1.ª Instância, onde o processo deve prosseguir para julgamento, tendo em vista a ampliação da matéria de facto – para apurar o montante de cada uma de tais 5 prestações (as de maio a setembro de 2015) que se encontram prescritas – após o que os embargos devem ser julgados (respeitando-se o disposto no art. 635.º/5 do CPC) em harmonia com a decisão de direito aqui definida.
Custas dos recursos (apelação e revista) a cargo de embargantes e embargada na proporção de 24/25 e 1/25, respetivamente.
António Barateiro Martins (relator)
Maria dos Prazeres Beleza
Nuno Pinto de Oliveira
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1. Não se diz, mas entende-se – tem de se entender, face à ausência de qualquer elemento adicional – que tal pagamento diz respeito à prestação que se vencia em tal mês de abril de 2015.
2. E citando mesmo, na sua conclusão M), o Ac. deste S. T. J. de 02/02/2023, proferido no processo n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1, na parte em que no mesmo se defende que a circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição pois as razões da aplicação da prescrição mais curta, acima referidas, mantêm se, seja o crédito vencido na totalidade por se exigir o seu vencimento antecipado ou por se exigir a totalidade por haver incumprimento (…)”
3. Trata-se certamente de lapso da recorrida: deve querer referir-se, não à data das cartas de resolução, mas sim à data das primeiras interpelações para o pagamento da totalidade da dívida.
4. Trata-se novamente de lapso da recorrida, uma vez que não foi esta a data em que os executados foram citados.
5. Não consta dos factos alinhados pelas Instâncias, mas consultando o “documento complementar ao contrato de mútuo” constata-se que a cláusula contratual em causa (a sétima) diz o seguinte:
“1. O não cumprimento pelos Mutuários de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes (…), confere ao Banco o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas.
(…)
3. A declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do presente contrato será comunicada pelo Banco aos Mutuários, através de carta registada com aviso de receção (…)”
6. Cuja “ratio” radica na proteção do devedor contra a acumulação da sua dívida, visando também estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).
7. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg.39, Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, pág. 392.
8. E que são as primeiras prestações, em face dos factos provados, que não terão sido pagas pelos executados.
9. O que, caso fosse assim, poderia conduzir a desfechos bastante incompreensíveis: num caso como o dos autos, em que as prestações se prolongam por 22 anos, ainda que nenhuma fosse paga e exigida judicialmente pelo credor ao longo de 21 anos, nenhuma de tais prestações poderia ser considerada prescrita, aplicando-se tal raciocínio, se o credor declarasse vencida a totalidade da dívida num qualquer mês do último ano,