I. Invocada nulidade, enquanto objeto da revista, traduzida na decisão de não admissão da apelação, sem cumprimento do contraditório, que necessariamente poderá acabar por afetar a decisão recorrida, importa reconhecer que o meio próprio da respetiva impugnação é o recurso que tem por objeto esta decisão.
II. As nulidades de processo são quaisquer desvios de formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de atos processuais.
III. Estes desvios de carácter formal podem assumir, tendo em atenção o preceituado nos artºs. 186º e seguintes do Código Processo Civil um de três tipos, quais sejam: prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei, e, por último, realização de um ato imposto ou permitido pela lei, mas sem o formalismo requerido.
IV. Decorre do nosso ordenamento jurídico que o Tribunal deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
V. É proibida a prática de atos, quer do juiz, da secretaria ou das partes, que não sejam úteis para a realização da função processual, daí que se impõe uma interpretação restritiva da norma do n.º 2 do art.º 684º do Código de Processo Civil, no sentido de que não deve ocorrer a anulação da decisão recorrida apenas com base na procedência da nulidade que lhe seja imputada, quando o Tribunal tenha razões para a revogação daquela decisão por outros fundamentos, quando houver fundamento para revogar a decisão recorrida, independentemente do conhecimento da questão omitida, por esta não poder influenciar o sentido da decisão.
VI. A questão do benefício do prazo decorrente n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil não se confunde com aqueloutra atinente ao cumprimento ou incumprimento pelo recorrente dos ónus previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil, mormente no seu n.º 1 alínea b) e no n.º 2, alínea a).
VII. A essência para reconhecer o benefício do prazo decorrente n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil não é apreciar se a recorrente cumpriu os ónus de impugnação do art.º 640º do Código de Processo Civil, pois, esta questão só caberá apreciar a jusante, na apreciação do recurso, caso este seja admitido.
VIII. O acréscimo de 10 (dez) dias no prazo para interpor recurso previsto no art.º 638º n.º 7 do Código de Processo Civil não está subordinado ao cumprimento dos ónus de impugnação e muito menos do mérito da impugnação, dependendo sim de a impugnação da matéria de facto visar a reapreciação da prova gravada.
IX. Não beneficia o recorrente do prazo adicional de dez dias previsto no n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil para a interposição do seu recurso de apelação, se e apenas, quando na alegação e/ou nas conclusões não existir concreta ou implicitamente, qualquer referência à prova gravada e nem se fizer alusão a qualquer depoimento.
I. Petroparalelo, Lda. intentou a ação declarativa condenatória contra AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, pedindo que seja declarada a resolução do contrato de trespasse que foi realizado entre a Autora e C..., Lda Ldª., representada pelos Réus, como contitulares da herança ilíquida e indivisa aberta, por morte de II e indemnizar a Autora no valor de 95.924,78 euros, outrossim e subsidiariamente requereu a sua condenação no pagamento da mesma quantia com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Articulou, com utilidade, que celebrou com a sociedade C..., Lda Ldª, representada por todos os Réus, que eram então herdeiros do sócio, II, um acordo de venda de um posto de combustível, estando pressuposta a base negocial de obtenção de licenças para utilização do espaço público do Largo ..., tendo sido omitidas pelos Réus informações que foram determinantes para a afirmação da sua vontade de contratar, assistindo-lhe o direito de resolver o contrato.
Alega ainda que, no caso dos Réus, a sua responsabilidade em relação à sociedade referida é ilimitada porque era ilimitada a responsabilidade do seu único sócio II, existindo confusão de patrimónios entre os bens pertencentes à referida sociedade e os que pertenciam ao casal constituído por AA e o marido, sócio único daquela sociedade.
Pretende assim ser indemnizado pelos prejuízos resultantes do negócio, alegando ter suportado despesas, incluindo o preço pago aos Réus de €15.000,00, e ter deixado de auferir €40.000,00.
2. Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, excecionando a existência de caso julgado e alegando que nada impedia o licenciamento do posto de combustível, tendo a Autor feito com que desaparecesse.
Mais alegaram que não existe responsabilidade ilimitada do único sócio porque a sociedade não foi declarada falida.
Invocaram ainda a prescrição do direito invocado pela Autora com base no enriquecimento sem causa, pelo decurso do prazo de 3 anos, considerando a data em que o projeto apresentado pela Autora foi indeferido e a data em que todo os bens do estabelecimento comercial foram removidos.
Outrossim deduziram reconvenção, alegando que a Autora está, enfim, a reconhecer que não pode cumprir o contrato de trespasse, exigindo assim o pagamento do preço em falta.
Subsidiariamente, e para a hipótese de a ação ser julgada procedente, peticionam ainda que a Autora seja obrigada a repor o estabelecimento comercial dotado de todos os elementos que o compunham à data do contrato de trespasse.
3. A Autora replicou à matéria da reconvenção, mantendo, no essencial a versão da petição inicial, alegando que a requalificação do Largo ... não ascendia aos €150.000,00 alegados na sua petição inicial, mas ao valor de €405.346,25.
4. No mais, o Tribunal convidou a Autora a responder à matéria de exceção da contestação, tendo a Autora respondido no sentido de inexistir qualquer caso julgado ou prescrição do direito por si invocado, com base no enriquecimento sem causa.
5. Foi calendarizada audiência prévia, e, posteriormente audiência final, tendo sido proferida sentença, em 23 de janeiro de 2023, e nesta data notificada às partes, em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, o Tribunal julga a acção e a reconvenção improcedentes e, em consequência: a) Absolve os Rs. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH do pedido que contra eles foi formulado pela A. Petroparalelo Ldª.; b) Absolve esta A. reconvinda do pedido reconvencional principal deduzido pelos Rs. Reconvintes; c) Não procede à apreciação do pedido reconvencional subsidiário deduzido pelos Rs. reconvintes, considerando a decisão referida em a).”
6. Inconformada com a sentença, apelou a Autora/Petroparalelo, Lda. apresentando, em 10 de março de 2023, requerimento recursivo que adiante se transcreve:
“Petroparalelo, Lda., com os demais sinais dos autos onde é A., na acção que move a AA e outros, não se conformando com a douta sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR., vem interpor recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, para o Tribunal da Relação do Porto.
O presente recurso tem por objetivo a reapreciação da matéria de facto e com recurso à reapreciação da prova gravada, e a matéria de direito.
Por tempestivo e legal deve o presente recurso ser admitido.
Apresenta a recorrente as suas
Alegações
Venerados Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto
O presente recurso tem como objeto a reapreciação da matéria de facto, cuja seriação dos pontos de facto do item Fundamentação de facto não se afiguram corretos face aos documentos e à prova gravada que deve ser apreciada e, consequentemente, à matéria de direito.
Há, salvo o devido respeito, erros na matéria de facto apurada e no enquadramento legal da mesma.
Daí o presente recurso.
Quanto à matéria de facto:
1. Importa referir em primeiro lugar o seguinte:
Os factos constantes da matéria de facto têm um enquadramento espacial e temporal, sobretudo temporal, estendendo-se o tempo entre 2009 e 2016.
Neste aspecto do tempo, há 3 fases:
- a pré-contratual de 2009 a março de 2010;
- a contratual – março de 2010, trespasse;
- a da execução do contrato de trespasse e respectivas clausulas. As pessoas e entidades envolvidas nestas fases são pessoas e entidades diferentes.
Isto posto, a matéria de facto respeitante ao thema decidendun, comporta deficiências graves:
Contradições ora de factos com outros factos ora contra documentos de prova legal, omissões de factos alegados e documentos relevantes para a decisão da causa, interpretação distorcida dos factos.
Por outro lado, do item “não se provou” há factos que manifestamente se provaram.
2. Concretizando:
O ponto 4 dos factos provados não é verdadeiro: O II, conforme consta da certidão de óbito e da subsequente habilitação de herdeiro, faleceu em .../.../2003 e não em .../.../2013.
De notar que em 30 de março de 2010 – altura em que foi assinado o contrato de trespasse, o referido II já não teve qualquer intervenção.
Ponto 19 dos factos provados não é correcto. A referência às quotas, duas de 2.000,00 euros e duas de 500,00 euros, no montante global de 5.000,00 € já vem desde o início da sociedade, rectius, desde a disposição legal que impôs a redenomização do escudo em euro, ou seja, o capital social manteve-se no valor de 5.000,00 € ≈ 1.000.000$ escudos.
Face ao acima exposto a data de 2007 não é correta: a herança ilíquida e indivisa, que ainda se mantém, abriu-se com o falecimento de II, sendo dessa data o início do cabecelato de AA, viúva do falecido, que nunca foi recorrida do cargo ou destituída.
Não há documento que confira a qualidade de gerente a CC, quando muito este exerceu a gerência de facto.
O representante comum dos plurimos contitulares é a cabeça de casal AA (vide AC. TRG Processo nº 2983/16.O...).
No ponto 8 da matéria de facto: foi junto aos autos como doc. nº 1, uma folha da tela consta a indicação da data (15 de dezembro de 2008), da substância e finalidade da mesma (Projecto – Posto de abastecimento simples), Face – Estudo), Designação LAY_OUT_Planta Geral de Apresentação e Alterações I.
Por outro lado,
no ponto 28 da matéria de facto: afirma-se “Em 31/08/2010, a A. formulou um pedido de aprovação de um projecto de arquitetura para o posto de combustível, que deu entrada nos serviços da Camara Municipal de ... afirmando-se tratar-se de um “aditamento”.
No decorrer do julgamento houve discussão sobre o projecto apresentado na Camara e geraram-se alguns equívocos. Daí que seja importante juntar os autos as telas do referido projecto.
Porque as telas são insusceptíveis de serem enviadas pela plataforma “Citius”, são as mesmas enviadas por carta registada pelos CTT, o que se requer seja aceite.
Com tal envio, pretende-se individualizar o projecto apresentado (Ponto 25 alínea D 4.) e constatar que o “coração” do projecto é igual ao referido no ponto 8. (Individualização do acesso às bombas, as bombas e a saída das mesmas).
Ponto 23 da matéria de facto: “a frase “… fazendo expressa menção ao facto de se encontrar paga a taxa anual de ocupação da via pública até final de 2020” não é correta com o ponto 37 parte final, e ponto 52.
3. Quanto ao item factos não provados:
- A alínea K é conclusiva. Logo não tem relevância.
- A alínea l, é contrariada pelos pontos 55 e 56 dos factos assente. É evidente:
149.819,00 euros menos 82.640,15 euros = 67.179,85 euros, valor objetivo em divida.
Logo, não é correta a alínea l, mas sim o seu contrário.
4. É de fundamental importância a densificação dos empréstimos/suprimentos efectuados pela R. AA, nomeadamente quanto as datas, montantes e forma como foram realizados, conforme determinado pela Venerada Relação do Porto no acórdão junto aos autos.
Na verdade, a forma da realização das mesmas era variada.
O relatório elaborado pelo Revisor Oficial de Contas, Dr. JJ, e os documentos contabilísticos fornecidos pelos RR permitem perceber que desde 2006 a 2009, as contas “251 a 255” – Outros accionistas (sócios) foram evoluindo.
Do mesmo modo, se alcança as variações das contas referidas a partir do documento que a Ré fez juntar aos autos no que concerne aos empréstimos e suprimentos.
5. Na sequência da avaliação diacrónica da factualidade seriada na acção, importa dizer:
Na fase pré-contratual, os intervenientes foram os RR e o que veio a ser o gerente da A. KK e LL;
Na fase contratual, a elaboração do contrato, os RR (ou seu representante), a A (ou seu representante), e mais ninguém.
Na fase de execução do contrato, a A. e as entidades CM ... e outras.
Desde já se afirma que os RR, na fase pós-contratual, deixaram de ter contato com a A.
Os depoimentos da parte de BB (sessão de 27/09/2022, gravação em CD após o corte de som ao minuto 00:30 que continuou ao minuto 00:00:01 a 00:01:47, diz que “Não. Nunca mais encontrei o Senhor KK.
Nunca. Não soube de nada. Nem por nenhuma via, nem a R....., que me podia ter ligado, a perguntar como é que estava. Para já, para mim, o problema estava resolvido. Estava tudo a funcionar direito e eu estava à espera que o ponto abrisse”.
Do mesmo modo, no depoimento de parte a R. FF (sessão de 27/09/2022, CD – minuto 00:05:28 / refere à pergunta “nunca mais ninguém falou convosco? A senhora tem algum conhecimento sobre as démarches que o senhor da Petroparalelo terá feito junto da Câmara relacionado com o posto?” a resposta: “é assim, a verdade é que… arrumei aquilo e não mexi mais… E por isso desliguei”.
Já, momentos antes a pergunta se alguém depois de fazerem negócio voltou a falar convosco sobre este negócio, porque tinham ainda dinheiro a receber, respondeu, “Pois, mas eu não, nunca mais”. Também a R, HH (sessão de 27/09/2022 – CD – minuto 00:02:39 à pergunta se depois de assinar este contrato, mais alguém falou consigo relacionado que este contrato, do lado desta empresa Petroparalelo, respondeu “Nem conhecia o senhor”.
O que se vem de dizer significa que os RR deixaram de intervir no que quer que fosse a partir da assinatura do trespasse.
6. A factualidade que consta dos autos a partir de 30 de março de 2010, que tem a ver com as posições camarárias, da Junta de Freguesia ..., dos gabinetes de projectos, configuram factos supervenientes ao contrato de trespasse. No projecto apresentado pela A., entrando na Camara de ..., no processo nº ..., encontra-se documentada a recusa de autorização para licenciamento de quaisquer obras, pois pretende remodelar toda a forma de utilização do largo de ... e a declaração de propriedade do terreno do referido Largo (ponto 35 dos factos assentes).
Por sua vez, a testemunha MM entende no seu depoimento que com as excepções das estradas nacionais que cruzam o largo de ..., pertence à Camara Municipal de ... e não à Junta de Freguesia. (sessão de 18/11/2022 – CD – minutos 00:07:10 a 00:33:57).
No Ponto 30 dos factos assentes, mencionando o nº 2 da informação é exigido documento comprovativo do direito à utilização do terreno onde pretende instalar o posto de abastecimento.
Pergunta-se quem emite esse documento comprovativo do direito à utilização? A Câmara ou a Junta de Freguesia?
7. A operação urbanística subjacente à pretensão formulada pela Autora é condicionante da apreciação da pretensão.
As obras a realizar tinham um custo de 150.000,00 euros.
A operação urbanística não estava prevista no contrato de trespasse, nem nas negociações prévias ao mesmo.
Não haveria apoio para tais obras, rearranjos urbanísticos, por parte do parceiro da Autora, a R....., como refere a testemunha LL, responsável de operações e sistemas de pontos de venda (sessão de 18/11/2022 CD – minutos 00:25).
O custo de tal operação urbanista, não prevista no contrato de trespasse significaria para a gerente da A. e para esta mesma um elevadíssimo encargo financeiro que nem a A. nem o seu gerente KK poderiam suportar. Depoimento de parte de KK (sessão de 27/09/2022 – CD – minutos 00:28:00 a 00:36:30).
O que se vem dizer configura claramente uma alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar.
8. Conforme se alcança dos elementos contabilísticos de C..., Lda e o Relatório do Ex.mo Roc Doutor JJ, a situação económico-financeira da referida empresa é uma lástima.
a) O capital social é do mesmo valor desde a criação da empresa, inidóneo para o volume de negócios de que se dá nos elementos contabilísticos juntos.
Movimentos de compras de centenas de milhares de euros têm um capital social de €5.000€ - subcapitalização muito insuficiente.
b) Negligência em cobrar dos clientes o fornecimento de combustível – ver o depoimento de LL (sessão de 18/11/2022 – CD – minuto 00:04:00 a 00:14:45), provocando descapitalização culposa da empresa.
c) Os empréstimos/suprimentos à sociedade de parte da AA e apropriação dos bens sociais – através do que se diz no ponto 51.
Enfim, o que consta do Relatório do Roc, que aqui se dá por reproduzido.
Conclusões
1. No ponto 4 da matéria de facto deve ser alterada a data da morte de II para 2003 (e não .../.../2013), conforme habilitação de herdeiro já junta aos autos e respectiva certidão de óbito.
2. No ponto 19 deve ser substituído o gerente CC, por falta de documento que lhe confira tal qualidade.
3. A expressão “até final de 2020” deve ser substituída “até final de 2010”.
4. A alínea l dos factos não provados deve ser considerada provada, face aos pontos 55 e 56 da matéria de facto provada.
5. A falta de título de ocupação é da responsabilidade dos RR,
6. A exigência das operações urbanísticas (€150.000) desequilibra gravosamente para o recorrente, tornando insuportável para o recorrente o cumprimento do mesmo.
7. Há apropriação por parte da 1ª R de património da sociedade C..., Lda prévia à dissolução e liquidação da mesma.
8. Há descapitalização culposa da sociedade.
9. Há mistura de património entre a sociedade C..., Lda e AA, conforme resulta do Relatório do Roc.
10. Foram violadas entre outros, o artº 163 entre outros do C.S.C, e o princípio constitucional da confiança.
Pelo exposto e pelo que doutamente será suprido, dando-se provimento ao recurso e revogando-se a sentença em crise. Substituindo-se por acórdão que julgue procedente a açção.
far-se-á Justiça.”
7. Na Relação, foi proferida decisão singular que não admitiu a apelação.
8. A Autora/Petroparalelo, Lda. reclamou para a Conferência, sendo proferido acórdão em que se julgou improcedente a reclamação, tendo sido aduzida a seguinte argumentação:
“Decidindo
A Apelante defende, em primeira linha, que se verifica uma nulidade decorrente do desrespeito da sua audição antes de ter sido proferida decisão de rejeição do recurso.
Atento o disposto nos art. 195.º e ss. CPC, a nulidade processual resulta da prática de um ato que a lei não admita, bem como da omissão de um ato ou de uma formalidade prescrito que a lei prescreve susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
Assim, a irregularidade só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previstos no art. 199.º CPC.
O princípio do contraditório, previsto no art. 3.º do C.P.Civil, concretiza o preceituado no art. 20.º da CRP que se traduz essencialmente na defesa de um processo equitativo.
Nesta conformidade, segundo o mencionado artigo 3.º do CPC, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. (n.º 1)
E o juiz deve fazer observar e cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido oportunidade de sobre elas se pronunciarem (n.º 3).
Portanto, como tem sido interpretado, de forma reiterada pela jurisprudência, este dever de audiência prévia só é exigível em relação às soluções que de todo não pudessem ser previstas pelas partes, o que não ocorre com os requisitos legais dos quais depende a interposição de um recurso.
Como se esclarece no Acórdão do TRC, de 13/11/2012, só “estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito”.
No mesmo sentido, e concretamente sobre a rejeição do recurso, o Acórdão do STJ de 19/01/2023 consignou o seguinte, que passamos a transcrever pela sua relevância : "O que se pretende com a proibição da decisão-surpresa é que o juiz não enverede por uma solução que os sujeitos processuais não abordaram e não quiseram submeter a juízo, surgindo a decisão de forma absolutamente inopinada e distanciada do condicionalismo factual e jurídico vertido na acção pelas partes, neste sentido se pronunciando o Ac. do STJ de 04.06.09 e de 27.09.11. (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1,www.dgsi.pt).
Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1).
Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “que o tribunal “discuta com as partes o que quer que seja” e que alivie as mesmas “de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão” (Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1).
São também paradigmáticas as palavras do Acórdão do STJ, de 27/09/2011 (Proc. n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1” quando afirma que “O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo. Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada decisão do litígio”.
À face do ordenamento jurídico português, a doutrina aceita o princípio da proibição das decisões surpresa, enquanto interdição de decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, entendendo que esta vertente do direito ao contraditório tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado [Cf. Lebre de Freitas, op. cit., pág. 9.].
No caso que nos ocupa, tratando-se a questão da admissibilidade de recurso de questão obviamente oficiosa, tendo a recorrente interposto recurso de revista na convicção da sua admissibilidade legal, o certo é que a recorrida se pronunciou em termos amplos no sentido da sua inadmissibilidade, utilizando alguns argumentos que acabaram por ser também integrados na fundamentação jurídica do Acórdão, que culminou decisoriamente nesse sentido da inadmissibilidade da revista.”
No caso em apreço, os Apelados suscitaram, e bem, a inadmissibilidade do recurso por não ser aplicável o prazo adicional de 10 dias referente à prova gravada.
Assim sendo, por não ser exigido o cumprimento do dever de audiência prévias das partes, conclui-se que não ocorre a nulidade apontada.
Da tempestividade do Recurso
De harmonia com o art. 638.º, n.º 1 do CPC, o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão; mas se tiver por objecto a prova gravada, àquele prazo, acrescem 10 dias (n.º 7).
Ora, a impugnação da matéria de facto que consta das conclusões (1.ª a 4.ª), como referem os Recorridos, não se baseia na prova gravada, pelo que o prazo aplicável é o normal de 30 dias.
Com efeito, concretamente sobre a matéria de facto, a Autora, nas conclusões do recurso, limita-se a requerer a rectificação de lapsos de escrita, a indicar a falta de prova documental e a contradição entre factos não provados e provados.
Nos demais pontos conclusivos nenhuma referência é feita à impugnação da matéria de facto.
Como sabemos, são justamente as conclusões que delimitam a actividade de reapreciação deste Tribunal e não as alegações que as antecedem.
Como refere A. Geraldes “As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição daquilo que foi decidido no tribunal a quo. (…)”
Portanto, para aferir da tempestividade mormente no que respeita ao benefício decorrente do prazo adicional de 10 dias, cumpre verificar se a reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base em prova gravada faz parte do objecto desse recurso, ou seja, se essa questão consta das conclusões que delimitam a intervenção do tribunal ad quem.
Neste sentido o Acórdão do STJ, de 09/08/2021, conclui, no sumário, o seguinte:
“I - Para que se possa dizer que o recurso tem por objeto a reapreciação da matéria de facto, e deste modo poder o recorrente beneficiar do acréscimo de prazo a que se refere o n.º 7 do art. 638.º do CPC, é necessário que o recorrente tenha integrado no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados.
II - Não se encontra nessas condições o recurso de apelação em que, não obstante o recorrente transcrever ao longo de 268 páginas depoimentos testemunhais, não especifica nas conclusões (o mesmo tendo sucedido no corpo da alegação) quais os concretos factos que foram mal julgados à luz da prova testemunhal nem faz alusão a qualquer depoimento concreto.
III - Deste modo, tendo o recurso sido apresentado para além dos 30 dias normalmente devidos, é o mesmo extemporâneo, não beneficiando o recorrente de tal acréscimo de prazo.”
Em suma, considerando o objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, e as datas em que a sentença foi notificada à Recorrente e apresentadas as alegações, conclui-se que não foi respeitado o prazo legal atendendo a que não se pede a reapreciação do julgamento factual com base na prova gravada e a consequente alteração das respostas dadas pelo tribunal a quo.
De qualquer modo, sempre se dirá que, nas alegações, a Apelante não justifica cabalmente, com base em depoimentos gravados, o motivo pelo qual discorda da decisão nem faz qualquer ligação entre depoimentos e os pontos de facto que, no seu entender, foram incorrectamente julgados.
Por outro lado, cumpre notar que a “impugnação” factual acima mencionada, nenhum interesse reveste para a decisão da causa, sendo que os factos essenciais relativos à responsabilidade dos Réus não ficaram demonstrados.
Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação.”
9. Irresignada, a Autora/Petroparalelo, Lda. apresentou requerimento recursivo, aduzindo as seguintes conclusões:
“1. O acórdão recorrido rejeitou o recurso interposto sem audição prévia da recorrente, considerando desnecessário o contraditório que deveria cumprir perante o ora recorrente
2. Mais decidiu que a decisão sobre a admissibilidade do recurso, independentemente do seu pressuposto, não tinha que ser procedida do dever de audição prévia da parte que, com a sua rejeição, ficaria prejudicada por tal posição que, no caso, não era esperada.
3. Por último, decidiu que para que a reclamante beneficiasse do acréscimo do prazo de 10 dias relativamente ao prazo normal (30 dias), teria de impugnar a matéria de facto com base na prova gravada integrando-a nas conclusões.
4. Porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, estabelece o art.º 655 n.º 1 do C.P.C. que, se o julgador entender que não pode conhecer o objeto do recurso, deverá antes de proferir tal decisão, ouvir as partes no prazo de 10 dias, o que não ocorreu.
5. Consequentemente, não era expectável à recorrente que não lhe fosse dada o direito de audição, tendo assim violado a referida norma processual.
6. Há assim, manifesta omissão de acto que a lei impõe, o que acarreta a nulidade prevista no art.º 615, n.º 1, al d) do C.P.C.
7. Por outro lado, defendeu o douto acórdão recorrido que, por não constarem das conclusões a reapreciação da prova gravada, não podia o recorrente beneficiar do prazo acrescido de 10 dias.
8. ao contrário do que se defende na parte final do ponto 3 da presente motivação, do pensamento de Sr. Conselheiro Jubilado Doutor António Santos Geraldes
9. Foram violados no acórdão em crise, por erro de apreciação o art.º 640 e por nulidade o incumprimento do art.º 615, n.º 1, al d) ambos do C.P.C.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve revogado o acórdão recorrido, e ordenado o recebimento do recurso, prosseguindo o processo os seus termos.”
10. Os presentes autos foram distribuídos na espécie - Reclamação art.º 643º Código de Processo Civil - .
11. Reconhecido o erro na distribuição foi ordenado que o processo continue a correr na mesma secção e relator, carregando-se na espécie competente (Revista) e descarregando-se da espécie em que estava.
12. Foram cumpridos os vistos.
13. Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Cotejadas as alegações apresentadas pela Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., distinguimos que as questões a resolver, consistem em saber se:
I. Tendo o Tribunal a quo proferido acórdão a não admitir o interposto recurso de apelação, sem audição prévia da recorrente, desconsiderando o contraditório, proferiu decisão-surpresa, cometendo, assim, nulidade ao omitir ato que a lei adjetiva impõe, concretamente, o estabelecido no art.º 655º n.º 1 do Código de Processo Civil?
II. O Tribunal recorrido fez errada subsunção jurídica do n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil, ao reconhecer que, por não constarem das conclusões a reapreciação da prova gravada, em violação do art.º 640º do Código de Processo Civil, não podia a Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., ao interpor recurso, beneficiar do prazo geral de 30 (trinta) dias, acrescido de 10 (dez) dias, importando decisão diversa do sentenciado?
II. 2. Da Matéria de Facto
A facticidade relevante para o conhecimento da revista consta do precedente segmento.
II. 3. Do Direito
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
II. 3.1. Tendo o Tribunal a quo proferido acórdão a não admitir o interposto recurso de apelação, sem audição prévia da recorrente, desconsiderando o contraditório, proferiu decisão-surpresa, cometendo, assim, nulidade ao omitir ato que a lei adjetiva impõe, concretamente, o estabelecido no art.º 655º n.º 1 do Código de Processo Civil? (1)
Na apreciação deste segmento da revista impõe-se uma nota prévia para sublinhar que a nulidade imputada à decisão recorrida é conhecida no âmbito do recurso interposto daquela decisão, como se tratasse de uma verdadeira nulidade do acórdão, referenciável ao art.º 615º do Código de Processo Civil, que, tal como decorre do art.º 674º n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é objeto do recurso de revista.
Neste particular, sustentam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, em anotação ao art.º 195º do Código de Processo Civil, página 384 “Assim também, quando um despacho judicial aprecia a nulidade de um ato processual ou, fora do âmbito da adequação formal do processo, admite a prática de um ato da parte que não podia ter lugar, ordena a prática de um ato inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo ato prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional.”
Assim, sublinhamos, uma vez que a invocada nulidade, enquanto objeto da revista, traduzida na decisão de não admissão da apelação, sem cumprimento do contraditório, poderá acabar por afetar a decisão recorrida, importa reconhecer que o meio próprio da respetiva impugnação é o recurso que tem por objeto esta decisão.
Vejamos.
As nulidades de processo são quaisquer desvios de formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de atos processuais, neste sentido, Professor, Manuel de Andrade, in, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, página 156.
Estes desvios de carácter formal podem assumir, tendo em atenção o preceituado nos artºs. 186º e seguintes do Código Processo Civil um de três tipos, quais sejam: prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei, e, por último, realização de um ato imposto ou permitido pela lei, mas sem o formalismo requerido.
A questão trazida a Juízo respeita, como já adiantamos e aqui destacamos, à decisão proferida pela Relação ao não admitir o recurso de apelação, sem audição prévia da recorrente, deixando de cumprir o contraditório.
De harmonia com a nossa lei adjetiva, são duas as modalidades ou variantes de nulidades, as principais ou tipificadas e as nulidades secundárias.
As nulidades principais são as que o art.º 196º do Código Processo Civil expressamente se refere, constituindo nulidades secundárias todas os demais casos de desvio na prática do ato processual, desde que relevantes.
Textua o art.º 655º do Código Processo Civil sobre o não conhecimento do objeto do recurso: “1 - Se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias. 2 - Sendo a questão suscitada pelo apelado, na sua alegação, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.”
Do cotejo do enunciado normativo torna-se evidente, desde logo, que o legislador tomou posição sobre a exigência do contraditório estando em causa a prolação de decisão que não conheça do recurso interposto, sendo pacífico que o Tribunal não poderá, nestas circunstâncias, deixar de notificar os litigantes para os termos do art.º 655º do Código Processo Civil, antes de proferir decisão sobre a não admissibilidade do recurso.
Ao omitir o enunciado formalismo processual prescrito na lei importa reconhecer a invalidade do ato processual praticado.
Ademais, decorre do nosso ordenamento jurídico - art.º 3º n.º 3 do Código de Processo Civil - que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
A este propósito, defendem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, que este normativo consagra “uma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento”, admitindo este princípio um “direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo (…) hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como parcialmente relevantes para a decisão”, in, obra citada, página 7, outrossim, sustenta Lebre de Freitas, in, Introdução ao Processo Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, página 133 “o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie” e que tal “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz (…) que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade”.
O Tribunal recorrido decidiu não tomar conhecimento do recurso de apelação interposto pela Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., proferindo decisão sem que às partes fosse facultada a possibilidade de articular sobre os fundamentos dessa decisão, privando-as do direito de se pronunciarem previamente sobre os mesmos, e de, por essa via, participarem na formação da decisão do litígio.
Donde, tendo sido omitida a prática de ato legalmente devido, a par de influir no exame e na decisão da causa, impõe-se reconhecer a manifesta violação do princípio consagrado no art.º 3º n.º 3 do Código de Processo Civil, constituindo nulidade processual.
Tudo visto, atento o discreteado, e uma vez que o Tribunal conheceu de questão de não podia processualmente conhecer - art.º 615º n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil - importa reconhecer que a nulidade em causa acaba por afetar a decisão recorrida ferindo-a de nulidade.
II. 3.2. O Tribunal recorrido fez errada subsunção jurídica do n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil, ao reconhecer que, por não constarem das conclusões a reapreciação da prova gravada, em violação do art.º 640º do Código de Processo Civil, não podia a Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., ao interpor recurso, beneficiar do prazo geral de 30 (trinta) dias, acrescido de 10 (dez) dias, importando decisão diversa do sentenciado? (2)
Reconhecido que a decisão recorrida se mostra afetada de nulidade, cumpre determinar quais as consequências jurídicas que da mesma resultam.
Como defende Amâncio Ferreira, in, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, página 258, e que aqui sufragamos, o Tribunal, na estruturação lógica da decisão, conhece em primeiro lugar das nulidades imputadas à decisão recorrida, e, “se julgar improcedente a arguição de nulidade, conhecerá de seguida do fundamento específico do recurso de revista: a pretensa violação de norma de direito substantivo”.
Em congruência com esta orientação, decorre do n.º 2 do art.º 684º do Código de Processo Civil que se “proceder alguma das restantes nulidades do acórdão, manda-se baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível”.
Assim sendo, no caso trazido a Juízo, determinar-se-ia a anulação da decisão da decisão recorrida e a remessa do processo à Relação para realizar a diligência omitida e lavrar novo acórdão, cumprido que fosse o imperativo adjetivo civil decorrente do art.º 655º do Código Processo Civil, ou seja, depois de permitir aos litigantes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões da intempestividade do recurso.
Todavia, temos por certo que tal devolução sem o conhecimento das questões de fundo suscitadas pela recorrente, é suscetível de conduzir à prática de atos processuais inúteis, nomeadamente, a elaboração de novo acórdão na mesma linha de orientação subjacente àquela decisão, a que se seguiria nova revista interposta pela Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., parcialmente, com os mesmos fundamentos do presente recurso.
Ora, a lei adjetiva civil proíbe a prática de atos processuais inúteis, referindo que “não é lícito realizar no processo atos inúteis” - art.º 130º do Código de Processo Civil - .
É proibida a prática de atos, quer do juiz, da secretaria ou das partes, que não sejam úteis para a realização da função processual, daí que se impõe uma interpretação restritiva da norma do n.º 2 do art.º 684º do Código de Processo Civil, no sentido de que não deve ocorrer a anulação da decisão recorrida apenas com base na procedência da nulidade que lhe seja imputada, quando o Tribunal tenha razões para a revogação daquela decisão por outros fundamentos, quando houver fundamento para revogar a decisão recorrida, independentemente do conhecimento da questão omitida, por esta não poder influenciar o sentido da decisão.
Assim sendo, conhecer-se-á daqueloutra questão que integra o objeto da revista, enunciada neste segmento II. 3.2., qual seja, a rejeição da apelação, por intempestividade, ao deixar de se reconhecer o benefício à Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda. do prazo geral de 30 (trinta) dias, acrescido de 10 (dez) dias.
Problematiza-se nesta revista a questão de saber qual o prazo para a interposição do recurso de apelação da sentença final, sustentando a Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., que a apelação tem por objeto a reapreciação da prova gravada, desconsiderado pela Relação.
Ou seja, ao cabo e ao resto, a questão que se suscita no presente recurso de revista é a de saber se a Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., beneficia do prazo adicional de 10 (dez) dias previsto no n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil para a interposição do seu recurso de apelação.
Contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, entendemos que a questão do benefício do prazo decorrente n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil não se confunde com aqueloutra, distinta, do cumprimento ou incumprimento pelo recorrente dos ónus previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil, mormente no seu n.º 1 alínea b) e no n.º 2, alínea a).
A essência para reconhecer o benefício do prazo decorrente n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil não é apreciar se a recorrente cumpriu os ónus de impugnação do art.º 640º do Código de Processo Civil, pois, esta questão só caberá apreciar a jusante, na apreciação do recurso, caso este seja admitido.
Na verdade, seguindo a orientação consolidada neste Supremo Tribunal de Justiça, entendemos que acréscimo de 10 (dez) dias no prazo para interpor recurso previsto no art.º 638º n.º 7 do Código de Processo Civil não está subordinado ao cumprimento dos ónus de impugnação e muito menos do mérito da impugnação, dependendo sim de a impugnação da matéria de facto visar a reapreciação da prova gravada.
Há que conceder o prazo adicional previsto no enunciado preceito adjetivo civil quando resulte do recurso intentado, mormente das suas alegações, que o mesmo tinha por objeto a reapreciação da prova gravada, aliás, mesmo que por força do incumprimento dos ónus do art.º 640º do Código de Processo Civil se deva rejeitar o recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto a que o incumprimento se reporte, ainda assim há que conceder os 10 (dez) dias suplementares quando o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada.
No sentido da irrelevância da rejeição do recurso sobre a matéria de facto, na questão da determinação do prazo do recurso, e ressalvados os casos de abusiva impugnação da matéria de facto com o fito exclusivo de beneficiar do alongamento do prazo de recurso, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2009 (Processo nº 09A0293), de 22 de Outubro de 2015 (Processo nº 2394/11.3TBVCT.G1.S1) de 26 de Novembro de 2015 (Processo nº 291/12.4TTLRA.C1.S1, de 30 de março de 2017 (Processo n.º 135/11.4TTCSC.L1.S1) e de 3 de novembro de 2023 (Processo n.º 11973/20.7T8PRT.P1.S1), todos acessíveis no site da DGSI e ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2016, publicado na Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XXIV, tomo I, página 213.
Veja-se ainda a este mesmo propósito a nota 3, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 14 de Janeiro de 2016, no processo nº 326/14.6TTCBR.C1.S1, também acessível no site da DGSI.
Sobre esta problemática, no dia 15 de maio de 2019, no blogue do IPPC, o Juiz Conselheiro Urbano Aquiles Dias publicou nota crítica ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de Abril de 2019, proferido no âmbito do Processo 3150/13.0TBPM.E1, onde concluiu:
“(…) Do que fica referido intui-se facilmente que a Relação de Évora equivocou-se: uma coisa é a falta de conclusões, que implica a rejeição do recurso, outra, de conhecimento posterior à primeira, é saber se foram respeitadas as exigências contidas nas alíneas a) a c) do artigo 640.º do Código de Processo Civil (falta de indicação dos pontos considerados incorrectamente julgados, indicação dos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e indicação da decisão que, no entender da parte recorrente, deveria ser proferida).
A apelante impugnou a matéria de facto, no prazo de 40 dias, mas não o fez de acordo com as exigências legais referidas.
Não vemos razão alguma para, por esse facto, encurtar prazo à parte recorrente.
Não faz qualquer sentido que, concedendo a lei o prazo de 40 dias para a parte apelante poder impugnar a matéria de facto, o juiz reduza o mesmo pelo facto de não terem sido observadas as exigências legais da impugnação da matéria de facto.
A parte recorrente impugnou a matéria de facto, só que não o fez de acordo com as exigências legais supra referidas.
(…) Do que sinopticamente fica dito, extraem-se as seguintes conclusões:
(…)
3.ª: O desrespeito pelas exigências contidas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil não acarreta a sanção de encurtamento do prazo de recurso; id est, o recurso não podia ter sido rejeitado por extemporaneidade com fundamento no desrespeito das exigências contidas nas supra referidas alíneas;”
No caso trazido a Juízo, respigamos, com utilidade, do requerimento recursivo:
“(…) O presente recurso tem como objeto a reapreciação da matéria de facto, cuja seriação dos pontos de facto do item Fundamentação de facto não se afiguram corretos face aos documentos e à prova gravada que deve ser apreciada e, consequentemente, à matéria de direito. (sublinhado nosso)
Há, salvo o devido respeito, erros na matéria de facto apurada e no enquadramento legal da mesma.
Daí o presente recurso.
Quanto à matéria de facto:
1. Importa referir em primeiro lugar o seguinte:
Os factos constantes da matéria de facto têm um enquadramento espacial e temporal, sobretudo temporal, estendendo-se o tempo entre 2009 e 2016.
Neste aspecto do tempo, há 3 fases:
- a pré-contratual de 2009 a março de 2010;
- a contratual – março de 2010, trespasse;
- a da execução do contrato de trespasse e respectivas clausulas. As pessoas e entidades envolvidas nestas fases são pessoas e entidades diferentes.
Isto posto, a matéria de facto respeitante ao thema decidendun, comporta deficiências graves:
Contradições ora de factos com outros factos ora contra documentos de prova legal, omissões de factos alegados e documentos relevantes para a decisão da causa, interpretação distorcida dos factos.
Por outro lado, do item “não se provou” há factos que manifestamente se provaram.
2. Concretizando:
(…)
3. Quanto ao item factos não provados: (sublinhado nosso)
- A alínea K é conclusiva. Logo não tem relevância.
- A alínea l, é contrariada pelos pontos 55 e 56 dos factos assente. É evidente:
149.819,00 euros menos 82.640,15 euros = 67.179,85 euros, valor objetivo em divida.
Logo, não é correta a alínea l, mas sim o seu contrário.
4. É de fundamental importância a densificação dos empréstimos/suprimentos efectuados pela R. AA, nomeadamente quanto as datas, montantes e forma como foram realizados, conforme determinado pela Venerada Relação do Porto no acórdão junto aos autos.
Na verdade, a forma da realização das mesmas era variada.
O relatório elaborado pelo Revisor Oficial de Contas, Dr. JJ, e os documentos contabilísticos fornecidos pelos RR permitem perceber que desde 2006 a 2009, as contas “251 a 255” – Outros accionistas (sócios) foram evoluindo.
Do mesmo modo, se alcança as variações das contas referidas a partir do documento que a Ré fez juntar aos autos no que concerne aos empréstimos e suprimentos.
5. Na sequência da avaliação diacrónica da factualidade seriada na acção, importa dizer:
Na fase pré-contratual, os intervenientes foram os RR e o que veio a ser o
gerente da A. KK e LL;
Na fase contratual, a elaboração do contrato, os RR (ou seu representante), a A (ou seu representante), e mais ninguém.
Na fase de execução do contrato, a A. e as entidades CM ... e outras.
Desde já se afirma que os RR, na fase pós-contratual, deixaram de ter contato com a A.
Os depoimentos da parte de BB (sessão de 27/09/2022, gravação em CD após o corte de som ao minuto 00:30 que continuou ao minuto 00:00:01 a 00:01:47, diz que “Não. Nunca mais encontrei o Senhor KK.
Nunca. Não soube de nada. Nem por nenhuma via, nem a R....., que me podia ter ligado, a perguntar como é que estava.
Para já, para mim, o problema estava resolvido.
Estava tudo a funcionar direito e eu estava à espera que o ponto abrisse”.
Do mesmo modo, no depoimento de parte a R. FF (sessão de 27/09/2022, CD – minuto 00:05:28 / refere à pergunta “nunca mais ninguém falou convosco? A senhora tem algum conhecimento sobre as démarches que o senhor da Petroparalelo terá feito junto da Câmara relacionado com o posto?” a resposta: “é assim, a verdade é que… arrumei aquilo e não mexi mais… E por isso desliguei”.
Já, momentos antes a pergunta se alguém depois de fazerem negócio voltou a falar convosco sobre este negócio, porque tinham ainda dinheiro a receber, respondeu, “Pois, mas eu não, nunca mais”. Também a R, HH (sessão de 27/09/2022 – CD – minuto 00:02:39 à pergunta se depois de assinar este contrato, mais alguém falou consigo relacionado que este contrato, do lado desta empresa Petroparalelo, respondeu “Nem conhecia o senhor”.
O que se vem de dizer significa que os RR deixaram de intervir no que quer que fosse a partir da assinatura do trespasse. (sublinhado nosso)
6. A factualidade que consta dos autos a partir de 30 de março de 2010, que tem a ver com as posições camarárias, da Junta de Freguesia ..., dos gabinetes de projectos, configuram factos supervenientes ao contrato de trespasse. No projecto apresentado pela A., entrando na Camara de ..., no processo nº 605/02, encontra-se documentada a recusa de autorização para licenciamento de quaisquer obras, pois pretende remodelar toda a forma de utilização do largo de ... e a declaração de propriedade do terreno do referido Largo (ponto 35 dos factos assentes).
Por sua vez, a testemunha MM entende no seu depoimento que com as excepções das estradas nacionais que cruzam o largo de ..., pertence à Camara Municipal de ... e não à Junta de Freguesia. (sessão de 18/11/2022 – CD – minutos 00:07:10 a 00:33:57). (sublinhado nosso)
No Ponto 30 dos factos assentes, mencionando o nº 2 da informação é exigido documento comprovativo do direito à utilização do terreno onde pretende instalar o posto de abastecimento.
Pergunta-se quem emite esse documento comprovativo do direito à utilização? A Câmara ou a Junta de Freguesia?
7. A operação urbanística subjacente à pretensão formulada pela Autora é condicionante da apreciação da pretensão.
As obras a realizar tinham um custo de 150.000,00 euros.
A operação urbanística não estava prevista no contrato de trespasse, nem nas negociações prévias ao mesmo.
Não haveria apoio para tais obras, rearranjos urbanísticos, por parte do parceiro da Autora, a R....., como refere a testemunha LL, responsável de operações e sistemas de pontos de venda (sessão de 18/11/2022 CD – minutos 00:25). O custo de tal operação urbanista, não prevista no contrato de trespasse significaria para a gerente da A. e para esta mesma um elevadíssimo encargo financeiro que nem a A. nem o seu gerente KK poderiam suportar. Depoimento de parte de KK (sessão de 27/09/2022 – CD – minutos 00:28:00 a 00:36:30).
O que se vem dizer configura claramente uma alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. (sublinhado nosso)
8. Conforme se alcança dos elementos contabilísticos de C..., Lda e o Relatório do Ex.mo Roc Doutor JJ, a situação económico-financeira da referida empresa é uma lástima.
a) O capital social é do mesmo valor desde a criação da empresa, inidóneo para o volume de negócios de que se dá nos elementos contabilísticos juntos.
Movimentos de compras de centenas de milhares de euros têm um capital social de €5.000€ - subcapitalização muito insuficiente.
b) Negligência em cobrar dos clientes o fornecimento de combustível – ver o depoimento de LL (sessão de 18/11/2022 – CD – minuto 00:04:00 a 00:14:45), provocando descapitalização culposa da empresa. (sublinhado nosso)
c) Os empréstimos/suprimentos à sociedade de parte da AA e apropriação dos bens sociais – através do que se diz no ponto 51.
Enfim, o que consta do Relatório do Roc, que aqui se dá por reproduzido.
Conclusões
1. No ponto 4 da matéria de facto deve ser alterada a data da morte de II para 2003 (e não .../.../2013), conforme habilitação de herdeiro já junta aos autos e respectiva certidão de óbito.
2. No ponto 19 deve ser substituído o gerente CC, por falta de documento que lhe confira tal qualidade.
3. A expressão “até final de 2020” deve ser substituída “até final de 2010”.
4. A alínea l dos factos não provados deve ser considerada provada, face aos pontos 55 e 56 da matéria de facto provada.
5. A falta de título de ocupação é da responsabilidade dos RR,
6. A exigência das operações urbanísticas (€150.000) desequilibra gravosamente para o recorrente, tornando insuportável para o recorrente o cumprimento do mesmo.
7. Há apropriação por parte da 1ª R de património da sociedade C..., Lda prévia à dissolução e liquidação da mesma.
8. Há descapitalização culposa da sociedade.
9. Há mistura de património entre a sociedade C..., Lda e AA, conforme resulta do Relatório do Roc.
10. Foram violadas entre outros, o artº 163 entre outros do C.S.C, e o princípio constitucional da confiança.”
Ora, se temos por adquirido, conforme discreteado, que não beneficia o recorrente do prazo adicional de dez dias previsto no n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil para a interposição do seu recurso de apelação, se e apenas, quando na alegação e/ou nas conclusões não existir concreta ou implicitamente, qualquer referência à prova gravada e nem se fizer alusão a qualquer depoimento, temos por certo que o caso em apreço não enferma, tão pouco, da ausência deste pressuposto, bem pelo contrário, resulta à evidência concreta referência à prova gravada, ou seja, o recurso tem como objeto, inequivocamente, a reapreciação da prova gravada, e, neste reconhecimento, deve a Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda beneficiar do prazo adicional.
Saber se indicou com exatidão as passagens da gravação que sejam relevantes ou se efetuou transcrições das mesmas é algo que interessa para uma questão distinta, qual seja, a do cumprimento dos ónus do art.º 640º do Código de Processo Civil, que, como já adiantamos, não se confunde com aqueloutra questão do benefício do prazo decorrente n.º 7 do art.º 638º do Código de Processo Civil, sendo distinta desta.
Mesmo concebendo que os ónus decorrentes do art.º 640º do Código de Processo Civil possam não ter sido cumpridos, tal não exclui necessariamente que o recurso tivesse por objeto a reapreciação da prova gravada, donde, sempre terá que se considerar o recurso tempestivo e conhecer do respetivo objeto, em conformidade com as alegações/conclusões apresentadas, estando adquirido processualmente que em 23 de janeiro de 2023 foi proferida em 1ª Instância, a sentença apelada, notificada às partes neste mesmo dia, tendo o requerimento recursivo de apelação sido apresentado pela Autora/Petroparalelo, Lda. em 10 de março de 2023.
Tudo visto, na procedência da argumentação esgrimida e trazida à discussão pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., nas suas alegações de recurso, e na decorrência do consignado enquadramento jurídico normativo, temos de concluir que o aresto em escrutínio merece censura, devendo ser revogado, impondo-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação, para que conheça da apelação, na plenitude do seu objeto.
III. DECISÃO
Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam procedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., concedendo-se a revista.
Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:
I. Em julgar procedente o recurso de revista interposto, concedendo-se a revista, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido que não admitiu a apelação interposta pela Autora/Reconvinda/Petroparalelo, Lda., substituindo-a por outra que ordena a remessa do processo à Relação para que conheça da apelação interposta.
II. Custas em conformidade com o que vier a ser decidido a final.
Registe.
Notifique.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 3 de outubro de 2024
Oliveira Abreu (relator)
António Barateiro Martins
Ferreira Lopes