I - A certeza e a segurança das relações contratuais devem permitir, a quem invoca eficazmente a compensação de um crédito, confiar que o efeito extintivo inerente ao exercício desse direito potestativo se produziu definitivamente na ordem jurídica.
II - Não admitir o réu a fazer prova da excepção respeitante à invocada compensação, por se entender que só podia ser feita valer em reconvenção, mas, ao mesmo tempo, entender que a reconvenção nunca seria admitida no caso concreto, porque, sendo a autora uma massa insolvente, tal estaria excluído pelas regras do art. 90.º e ss. do CIRE, sendo o réu condenado no pedido, traduzir-se-ia numa significativa afectação dos direitos de defesa do réu.
III - A insolvência superveniente da contraparte (autora) não deve afectar o efeito extintivo da obrigação que já se possa ter produzido com a eficaz invocação da compensação de créditos, por via judicial, pela Ré, não se ajustando ao sistema decretar a inutilidade superveniente da lide reconvencional como um todo.
1. “Sollintellisys, Lda.” propôs ação declarativa comum contra “FJ Bikes – Europe, Unipessoal, Lda.” pedindo a condenação desta nos seguintes termos:
“A. ser a ré condenada a pagar à autora a quantia relativa à garantia bancária de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) à qual acrescerão os juros de mora legais desde a citação da ré até integral e efectivo pagamento.
B. deverá a mesma ser ainda condenada a pagar-lhe a quantia de 391 715,91€ (trezentos e noventa e um mil setecentos e quinze euros e noventa e um cêntimos) referente ao preço em falta relativo ao contrato outorgado, deduzido de € 60.000,00 de trabalhos não finalizados e relativo, portanto, aos trabalhos e fornecimentos prestados e realizados e nos juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento.
C. ou caso, assim não se entenda, e atendendo ao preceituado nos artigos 473º e ss do cc, ser a ré condenada a pagar ao autor, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de 1 141 715,91 € (um milhão cento e quarenta e um mil setecentos e quinze euros e noventa e um cêntimos), nos termos supra expostos, ou subsidiariamente, o valor de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) relativo à garantia bancária executada, montantes aos quais acrescerão os juros vincendos até integral e efectivo pagamento.”.
Alegou para tal, em síntese, o seguinte: celebrou com a ré, em 15/1/2018, um contrato de fornecimento de sistema completo de tratamento de superfícies e pintura líquida robotizado, no âmbito do qual, para garantir a sua boa execução, foi por si prestada garantia bancária à primeira solicitação até ao valor de 750.000 euros; que a ré acionou a garantia bancária por tal montante sem existir motivação para tal [solicitou ao Banco o pagamento do valor de € 750.000,00 sem fundamentar a necessidade de tal valor e a respetiva utilização para a boa execução do contrato; não procedeu à concretização de prejuízos e/ou valor de trabalhos não realizados, nem de supostos transtornos financeiros e comerciais; muito menos apresentou qualquer evidencia da aplicação de penalizações pelo IAPMEI em consequência do suposto atraso no cumprimento do projeto; por outro lado, nunca foi acordado entre as partes qualquer penalização ou montante indemnizatório (de qualquer tipo) para algum suposto atraso na execução final do projeto]; que do preço total do contrato celebrado entre as partes a ré deve-lhe ainda a quantia em falta de 391.715,91 € (€ 451.715,91 - € 60.000,00 de trabalhos não finalizados).
2. A ré deduziu contestação, entrada nos autos a 10/2/2022, na qual, impugnando os factos alegados pela autora no sentido da sua pretensão e alegando o seu incumprimento dos termos do contrato, pugna pela improcedência da acção.
Naquela mesma peça deduziu ainda reconvenção, na qual, com fundamento no incumprimento contratual que imputa à autora, pede a condenação desta nos seguintes termos:
“a) A pagar à Ré, em razão do seu incumprimento contratual e para ressarcimento de todos os danos por esta sofridos em consequência desse seu incumprimento, a quantia global de € 1.592.566,71;
b) a ver esse direito de crédito da Ré sobre ela ser compensado/ressarcido parcialmente com o montante de € 750.000,00 recebido pela Ré do Novo Banco da garantia bancária por ele prestada a solicitação da Autora para garantir o seu bom cumprimento do contrato e, consequentemente, os danos resultantes para a Ré do seu incumprimento pela Autora; e
c) operada essa requerida compensação, ser a Autora condenada a pagar ainda à Ré a quantia de € 842.566,71, acrescida dos juros moratórios legais que sobre ela se vencerem desde a notificação desta contestação-reconvenção até à data de efectivo e integral pagamento (…)”.
3. A autora apresentou réplica, entrada nos autos a 28/3/2022, pugnando pela improcedência da reconvenção.
4. A ré, por requerimento de 6/4/2022, veio comunicar aos autos que a autora entretanto tinha sido declarada insolvente por sentença proferida no dia 7 de Março de 2022, no processo nº 888/22.4... do Juízo de Comércio de..., juntando cópias de documentos alusivos ao respetivo processo e de tal comprovativos.
Nessa sequência, alertou que a partir da data da publicação daquela sentença no sistema Citius, em 8/3/2022, a Autora deixou de ser representada pelo seu gerente AA, que foi quem outorgou a procuração forense junta com a p.i., e passou a ser legalmente representada pelo Administrador de Insolvência nomeado, que substitui a sociedade declarada insolvente em todas as acções em que a mesma seja parte (artigo 85º do Código da Insolvência). Referiu ainda que a réplica apresentada nos autos em 28/3/2022 não podia manter-se, por ter sido neles apresentada por quem na data em que foi apresentada já nem sequer representava a autora, então já insolvente.
5. Por despacho de 5/5/2022 foi solicitado ao processo de insolvência certidão da respectiva sentença com nota de trânsito.
Tal certidão veio a ser junta aos autos a 6/5/2022.
6. Por despacho de 25/5/2022, foi decidido que com a declaração de insolvência (e não tendo a administração sido conferida ao insolvente nos termos do artigo 224º do CIRE) caducou o mandato forense conferido pela empresa insolvente antes da sua declaração e que a representação da insolvente devia ser assegurada pelo Sr. Administrador da Insolvência, tendo-se nessa sequência ordenado a notificação deste para os termos do processo e ainda para constituir mandatário no prazo de 20 dias.
7. Na sequência de prorrogação de prazo que lhe foi deferida, a 21/10/2022, a Massa Insolvente da Autora, representada pelo seu administrador, veio constituir mandatária a sra. Advogada já subscritora da petição inicial e da réplica, com ratificação do respetivo processado.
8. Ordenada a notificação do Administrador da Insolvência para informar sobre a apensação da acção aos autos de insolvência (despachos de 17/11/2022, 15/12/2022, 23/1/2023, 1/3/2023, 8/3/2023, 11/4/2023 e 15/5/2023), veio a 24/5/2023 a ser comunicado aos autos que foi indeferido o pedido daquele Administrador no sentido da apensação.
9. A 19/6/2023 foi então proferido despacho a dar conta de que os autos não poderiam prosseguir em relação ao pedido reconvencional, na medida em que estão em discussão nos autos direitos de crédito anteriores à declaração de insolvência e, em vista da extinção da instância reconvencional, a ordenar a notificação das partes para sobre tal se pronunciarem.
10. Pela ré, por requerimento de 30/6/2023, foi defendido que os autos devem prosseguir os seus normais termos para conhecer não só dos pedidos formulados pela autora na p.i. mas também dos factos integradores e fundamentadores dos créditos indemnizatórios da ré sobre a autora por responsabilidade civil contratual, cujo reconhecimento foi pedido em sede de reconvenção nos termos do disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c), do C.P.C., “para que se possa operar a compensação total ou pelo menos parcial de tais créditos da ré com os eventuais créditos que possam vir a ser reconhecidos à autora por ela peticionados em sede de p.i.”.
11. Pela Massa Insolvente da autora, por requerimento de 3/7/2023, foi defendido que deve julgar-se extinta a instância reconvencional, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do CPC.
12. A 23/9/2023, por um Sr. Juiz diferente do que subscreveu o despacho de 19/6/2023, foi proferido despacho em que, começando por se dizer que não se acompanhava aquele despacho de 19/6/2023, se veio a final a concluir e decidir o seguinte:
“O despacho proferido em 19/06/2023 não formou caso julgado, dado que nele não se aprecia, nem se decide sobre os fundamentos da impossibilidade superveniente da lide.
Assim, por não haver incompetência absoluta (cf. art. 93.º, n.º 1, CPC) e entre o objeto inicial do processo e o pedido reconvencional existir um dos fatores de conexão objetiva elencados no n.º 2 do art. 266.º do CPC -- concretamente, a Ré pretende provocar a extinção, total ou parcial, do crédito alegado pela Autora por compensação com um contracrédito próprio e, além disso, pretende ainda obter a condenação da Autora no pagamento do excesso do seu contracrédito sobre o crédito (al. c) do n.º 2 do art. 266.º do CPC) --, admito a reconvenção deduzida pela Ré.”
13. De tal despacho veio a Massa Insolvente da autora interpor recurso.
14. O Tribunal da Relação disse que, “Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se, na sequência da declaração de insolvência da autora, ocorre inutilidade da lide em relação ao pedido reconvencional [conclusões A) a I) do recurso];
b) – caso assim se não entenda, se a reconvenção, por falta dos requisitos da compensação, não deve ser admitida [conclusões J) a T) do recurso].”
15. E o tribunal veio a decidir:
“Na sequência do que se veio de expor, é de, na procedência do recurso, revogar a decisão recorrida e declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide em relação à reconvenção deduzida pela ré.”
Mais decidiu que ficou prejudicada a análise da segunda questão.
16. Não se conformando com o acórdão do TRP, veio a R. interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
“1- O Acórdão recorrido revogou o despacho do Juiz da 1ª instância que admitiu a reconvenção deduzida pela Ré-reconvinte, ora recorrente, contra a sociedade Autora SOLINTELLISYS, LDª.”, que só após ter sido notificada da contestação-reconvenção da Ré se apresentou à insolvência, despacho recorrido esse que admitiu a reconvenção por ter entendido que:
- com o pedido reconvencional, “a Ré reconvinte pretende provocar a extinção, total ou parcial, do crédito alegado pela Autora/reconvinda por compensação com um contracrédito próprio e, além disso, pretende obter a condenação daquela Autora no pagamento do excesso do seu contracrédito sobre o crédito alegado na p.i.. Este pedido reconvencional é admissível nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 266º do Código do Processo Civil, que prevê a chamada compensação judiciária ou compensação-reconvenção, por via da qual o Réu pretende que o Tribunal declare a existência do seu contracrédito e, na hipótese de este direito ser reconhecido judicialmente, que a sentença produza a extinção recíproca dos créditos do Autor e do Réu.
A procedência desta compensação pressupõe a verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 847º do Código Civil e esta apreciação tem que ocorrer na própria ação em que foi deduzida a reconvenção.”
“A apreciação do contracrédito alegado pela Ré/reconvinte numa ação (como seria a reclamação de créditos deduzida por apenso ao processo de insolvência) distinta da ( presente) acção em que é deduzida a reconvenção impossibilitaria a extinção recíproca de dois créditos, dado que a apreciação da existência da exigibilidade da contracrédito da demandada (ré) tem em vista a extinção, parcial ou total, do crédito da demandada (autora) e esta finalidade não seria conseguida se a verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 847º do Código Civil pudesse ter lugar numa outra ação em que fosse deduzida apenas a pretensão da Ré”.
“ …se o objeto do presente processo consistisse apenas na declaração da existência ou inexistência de um dos créditos, na hipótese de o direito alegado pela Ré ser reconhecido judicialmente, o Tribunal ficaria impossibilitado de fazer operar os efeitos extintivos da compensação e, em consequência, não podia determinar a extinção recíproca dos dois créditos.”
2- O Acórdão recorrido revogou aquele despacho/decisão da 1ª instância e julgou extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide, advinda, na sua tese, da posterior declaração de insolvência da Autora já na pendência da instância reconvencional por entender que:
I – A exigência, decorrente da conjugação do disposto nos artigos 90º e 128º, nº 5, do CIRE, de todos os credores terem que ir ao processo de insolvência reclamar o seu crédito, tem como suporte lógico a conclusão de que só desse modo se poderá formar caso julgado oponível a todos os credores do devedor insolvente que concorressem entre si para satisfazerem as suas pretensões creditórias pelas forças do património do insolvente”.
II – Integrando a reconvenção uma nova ação declarativa enxertada na ação em curso para fazer valer um direito de crédito próprio da Ré contra a Autora e tendo a Autora entretanto sido declarada insolvente, é de concluir que de tal circunstancialismo, interpretado em conformidade com o disposto nos artigos 90º e 128º, nº 5, do CIRE, decorre a ausência de qualquer efeito útil no prosseguimento contra a Autora, agora como Massa insolvente, da reconvenção deduzida nos autos e, por decorrência a inutilidade superveniente da respetiva lide, com a consequente extinção da instância (artº 277º do Código do Processo Civil).
III – A admitir-se o prosseguimento da reconvenção contra a Autora insolvente estar-se-ia a violar o princípio par conditio creditorum (princípio da igualdade entre credores), pois estar-se-ia a possibilitar que a Ré, ao poder vir a obter através dela uma sentença condenatória contra a Autora, ficasse numa situação privilegiada face àqueles que se limitassem (em cumprimento da lei) a reclamar os seus créditos no processo de insolvência, já que estes ficam em tal âmbito sujeitos à impugnação dos demais credores (artigo 130º, nº 1, do CIRE) e tal não acontece na ação.”
3-Como estamos perante um Acórdão da Relação que põe termo à instância reconvencional em relação à autora/reconvinda e a que, por isso, se aplica o disposto no artigo 671º, nº 1, do Código do Processo Civil, do mesmo cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que não se verifica a hipótese prevista no nº 3 do artigo 671º do Código do Processo Civil.
4-O douto Acórdão recorrido apenas teve em conta o alegado pela recorrente MASSA INSOLVENTE DA SOLINTELLISYS, LDª., nas suas alegações de recurso, cujas conclusões transcreve, e quanto aos fundamentos invocados pela ré reconvinte para a improcedência do recurso nas suas contra-alegações e respectivas conclusões ignorou-os pura e simplesmente limitando-se a mencionar que “a Ré apresentou alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida”, omitindo assim qualquer menção aos fundamentos invocados pela Ré para a improcedência do recurso e qualquer apreciação expressa e refutação de tais fundamentos.
5- O douto Acórdão recorrido não teve em conta, designadamente, o seguinte circunstancialismo evidenciado nos autos e enumerado nas conclusões da Ré reconvinte e que era de suma relevância para a decisão do recurso:
a) Data da propositura da ação pela Autora SOLINTELLISYS, LDª., – 4/1/2022;
b) Data da apresentação pela Ré reconvinte da sua contestação-reconvenção e da sua notificação à Autora – 10/02/2022;
c) Data da apresentação pela Autora da sua réplica-contestação – 28/3/2022;
d) Data da sentença de declaração da insolvência da Autora, que a ela se apresentou em 3/3/2022, sentença essa que fixou em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos – 7/3/2022;
e) Data do conhecimento pela Ré de tal sentença de declaração de insolvência da Autora - 06/04/2022;
f) Em 6/10/2022 o administrador da insolvência da Autora veio constituir mandatário judicial e em 21/10/2022 veio ratificar o processado e por despacho de 17/11/2022 proferido nos presentes autos, por se tratar de ação de natureza exclusivamente patrimonial e tendo em conta o disposto no artigo 85º, nº 1, do CIRE, foi ordenada a notificação do administrador da insolvência para informar se já requereu a apensação destes autos aos do processo de insolvência,
Na sequência do que
g) O Administrador de insolvência veio em 16/12/2022 informar os presentes autos de que por requerimento de 25/11/2022 foi por ele requerida no processo de insolvência a apensação dos presentes autos aos do processo de insolvência, que foi por ele requerida com fundamento na conveniência para os fins do processo, uma vez que a presente ação tem natureza exclusivamente patrimonial e o resultado pode vir a influenciar o valor da massa insolvente;
h) Por despacho de 1/3/2023 proferido nos presentes autos foi ordenado o pedido de acompanhamento do processo de insolvência e ordenado que se dê conhecimento à comissão de credores identificados na sentença de declaração de insolvência da pendência dos presentes autos e do despacho de 17/11/2022;
i) Por despacho de 11/4/2023 foi ordenado que os autos aguardassem por 15 dias em virtude de continuar a inexistir despacho sobre a apensação ou não dos presentes autos aos do processo de insolvência;
j) Em 25/5/2023 foram as partes notificadas da informação do estado dos autos do processo de insolvência remetida pelo Juízo do Comércio de ... – Juiz 2 para os presentes autos, de harmonia com a qual a apensação requerida pelo Sr. Administrador da Insolvência foi indeferida por despacho de 15/5/2023 que se anexa, nos termos do qual “Requerimento de 2/2/2023 e de 7/3/2023: Estando em causa uma ação que caso tivesse sido intentada depois da declaração de insolvência teria necessariamente de correr nos Juízos Cíveis, não se vislumbrando que a circunstância de ter sido proposta anteriormente deva alterar as regras da competência em razão da matéria para a sua apreciação, decido indeferir a apensação requerida pelo Administrador da Insolvência”.
k) Em razão de tal despacho o Administrador da Insolvência veio por requerimento de 24/5/2023 requerer o prosseguimento dos presentes autos;
l) E, após o despacho que admitiu a reconvenção da Ré/recorrente, a Autora Massa Insolvente veio oportunisticamente dele interpor recurso, para que, obtendo o mesmo vencimento, se precludisse a possibilidade de a Ré opôr aos créditos que, porventura, em sede de acção possam vir a ser reconhecidos à Autora sobre a Ré a compensação dos seus contracréditos que, na apreciação da reconvenção por ela, Ré, deduzida, lhe viessem a ser reconhecidos.
6 – À aberrante e estranhíssima do ponto de vista processual preclusão da possibilidade de a Ré opor aos créditos que, porventura, em sede da presente acção possam vir a ser reconhecidos à Autora sobre a Ré a compensação dos seus contracréditos que, na apreciação da reconvenção por ela, Ré, deduzida oportunamente na presente acção, lhe viessem a ser reconhecidos sobre a Autora, se chegará em razão do despacho transitado em julgado do Mmº Juiz do processo de insolvência, que indeferiu o requerimento do Administrador da Insolvência para que deles se conhecesse por apenso àqueles autos do processo de insolvência, nos termos do disposto no artigo 85º, nº 1, do CIRE, por um lado, e, cumulativamente, da decisão do Acórdão da Relação do Porto recorrido, por outro lado, ao considerar extinta a instância reconvencional por força da declaração da insolvência em contrário do já decidido por aquele despacho do Juiz da insolvência devidamente transitado em julgado que decidiu que “ Estando em causa uma acção que caso tivesse sido intentada depois da declaração de insolvência teria necessariamente de correr nos Juízos Cíveis, não se vislumbrando que a circunstância de ter sido proposta anteriormente deva alterar as regras da competência em razão da matéria para a sua apreciação, decido indeferir a apensação requerida pelo Administrador da Insolvência”.
7- É que daquele despacho de indeferimento da apensação da presente acção ao processo de insolvência proferido pelo Juiz da insolvência o Administrador de Insolvência não interpôs recurso – e só ele ou qualquer credor interveniente no processo de insolvência tinha legitimidade para o fazer, e não a Ré – e o mesmo Administrador da Insolvência veio de seguida requerer o prosseguimento dos presentes autos e, de seguida, a extinção da instância reconvencional, prosseguindo a acção apenas para conhecimento do pedido deduzido na p.i., e depois interpor recurso da decisão da 1ª instância que admitiu a reconvenção, conduta que se traduz num claro abuso de direito processual.
8- Indeferida, por decisão transitada em julgado, a apensação dos presentes autos aos da insolvência por o Juízo de comércio se julgar incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação, por, no seu entender, a mesma, ainda que interposta depois da declaração da insolvência, teria sempre que ser da competência dos Juízes comuns civis e não do Juízo do Comércio do processo de insolvência, a decisão posteriormente tomada pelo douto Acórdão recorrido no sentido de que não poderá conhecer-se nos presentes autos da reconvenção para os efeitos para que ela foi deduzida antes da declaração da insolvência da Autora – obtenção da compensação dos contracréditos da Ré peticionados sobre a Autora com os créditos que a esta possam vir a ser reconhecidos sobre aquela – com o fundamento em que desses seus contracréditos só poderia conhecer-se em sede da reclamação de créditos na insolvência, em virtude de atento o disposto no artigo 85º, nº 1, do CIRE, os autos deverem correr por apenso aos do processo de insolvência, tendo a declaração de insolvência decretada na pendência da presente acção e da reconvenção nela deduzida provocado a extinção da instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide, conduz a um nítido conflito negativo de competência em relação à instância reconvencional, a dirimir nos termos legais, em face da contradição inequivocamente existente entre ambas aquelas decisões.
9- Num caso em tudo idêntico ao dos presentes autos em que intervieram também os Juízos do Comércio da então comarca do Baixo Vouga e os Juízos de Grande Instância Cível de Aveiro incidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/06/2021, de que foi Relator o Mmº Juiz Desembargador Alberto Ruço, proferida nos autos do processo nº 85/11.4YCBR.C1, em www.dgs.pt, que decidiu:
“I- Nos termos do artigo 85º do CIRE, quem decide sobre a conveniência da apensação de um outro processo ao processo de insolvência é o juiz deste último processo.
II- Se a decisão for tomada pelo juiz do processo que se pretende apensar ao processo de insolvência, esta decisão não vincula o juiz da insolvência.
III- Se o juiz do processo de insolvência não receber o processo e ambas as decisões transitarem em julgado, o conflito resolve-se no sentido da acção continuar a correr termos no tribunal onde havia sido instaurada.”
10- A decisão contida neste Acórdão da Relação de Coimbra é absolutamente contraditória com a tomada no douto Acórdão recorrido, pois que segundo aquele douto Acórdão da Relação de Coimbra, não recebida pelo Juiz da insolvência a acção proposta pela sociedade declarada insolvente na sua pendência, na qual fora deduzida reconvenção para efeitos de compensação parcial dos créditos da Ré sobre a Autora, a mesma terá que continuar a correr seus termos nos Juízos Cíveis onde foi instaurada, sem que a lide reconvencional se tenha tornado inútil por força da declaração da insolvência.
11- Na verdade, estando já pendente a acção e a reconvenção nela deduzida no momento da apresentação da Autora à insolvência e, consequentemente, no momento da prolação da sentença de declaração da insolvência, a Ré não poderia, sob pena de incorrer em litispendência, ir reclamar na insolvência o seu contracrédito contra a Autora e a compensação parcial de créditos e muito menos propor a posteriori, na pendência desta acção, um acção de verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146º do CIRE.
12- E o douto Acórdão recorrido nem sequer ponderou que, por força do despacho proferido nestes autos em 1/3/2023, foi pedido o acompanhamento do processo de insolvência e ordenado que se desse conhecimento à Comissão de credores identificados na sentença da declaração de insolvência da pendência dos presentes autos e do despacho de 17/11/2022, isto é, do despacho em que se ordenou a notificação do Administrador da insolvência para informar se já requereu a apensação dos presentes autos aos da insolvência e que com essa notificação foi dada a possibilidade à Comissão de credores da insolvência de tomar conhecimento da presente acção e seus termos e de poder vir a tomar posição neles quanto aos créditos reconvencionais invocados pela Ré sobre a Autora, entretanto declarada insolvente, não se verificando de forma alguma a violação do princípio par conditio creditorum ( princípio de igualdade entre credores).
13- O douto Acórdão recorrido é manifestamente violador do princípio da igualdade processual entre as partes ao considerar que, declarada a insolvência da Autora na presente acção, em processo de insolvência por ela própria instaurado por apresentação já após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, a mesma acção pode prosseguir apenas para apreciação dos pedidos nela formulado pela Autora na p.i., para eventual reconhecimento dos direitos de crédito que nela a Autora reclama sobre a Ré, sem a concomitante apreciação dos pedidos reconvencionais oportunamente deduzidos pela Ré contra a Autora e dos contracréditos daquela contra esta que de tais pedidos reconvencionais são objecto, para, na hipótese do seu procedimento, serem objecto de compensação parcial com parte ou a totalidade dos créditos invocados e que venham a ser reconhecidos à Autora na presente acção.
14- O entendimento do Acórdão recorrido corta liminarmente e cerce o direito da Ré-reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora com base no incumprimento contratual do mesmo contrato com base no qual a Autora formula na p.i. os seus pedidos contra a Ré, não tendo tido em conta que, na pendência da presente acção e da instância reconvencional, a Ré estava impedida de, após a dedução da sua contestação-reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora, ir reclamar os seus créditos indemnizatórios ao processo de insolvência ou em acção de verificação ulterior de créditos, uma vez que a prévia pendência da presente acção provocaria a verificação da excepção de litispendência na reclamação de créditos ou na verificação ulterior de créditos por força do disposto nos artigos 580º, 581º e 582º do C.P.C.. - e é óbvio que a Ré-reconvinte não poderia desistir previamente na presente acção do pedido reconvencional que deduzira ( única desistência que era livre de fazer, pois a da instância dependeria do consentimento da Autora) para depois ir reclamar os mesmos créditos que dele eram objecto na reclamação de créditos por apenso ao processo de insolvência ( se deles já desistira como é que depois os iria reclamar ??!!) .
15- Na verdade, a aqui recorrente, na qualidade de Ré-reconvinte na presente acção, após e por força do despacho do Juiz da insolvência, devidamente transitado em julgado, que não admitiu a apensação dos autos da presente acção aos da insolvência, por entender que as questões que neles estavam em causa, mesmo que a acção tivesse sido proposta após a declaração da insolvência seria da competência dos Juízos comuns cíveis, pelo que a presente acção teria que prosseguir os seus termos sem ser apensada ao processo de insolvência, a vingar a tese contida na decisão agora tomada pelo douto Acórdão recorrido no sentido de que, em contradição com aquele despacho, os contracréditos invocados e deduzidos pela aqui recorrente oportunamente na sua contestação-reconvenção só poderiam ser apreciados em sede de reclamação de créditos ou de ulterior verificação de créditos no processo de insolvência, prosseguindo a presente acção apenas para apreciação dos créditos invocados pela Autora na sua p.i. contra a Ré, fica, na prática, completamente impossibilitada do ponto de vista processual de invocar contra a Autora e a posteriori sobre a sua massa insolvente os seus direitos de crédito sobre ela emergentes do incumprimento por parte da Autora do contrato com base no qual a Autora formula também os seus pedidos e de invocar a sua compensação com quaisquer direitos de crédito que à Autora venham a ser reconhecidos contra ela, Ré-reconvinte na presente acção.
16 – Mas, a Ré/reconvinte não pode de forma alguma ser prejudicada por uma decisão transitada em julgado, de que não podia recorrer, de não apensação, requerida pelo Administrador de Insolvência da Autora nos termos do disposto no artigo 85º do CIRE, da presente acção ao processo de insolvência, proferida no processo de insolvência conjugada com uma outra decisão como a agora tomada pelo douto Acórdão recorrido, que, após aquela ter sido proferida e transitada em julgado, declara extinta na presente acção a instância reconvencional por impossibilidade superveniente da lide, o que equivale ao tribunal comum cível se considerar incompetente para conhecer da reconvenção, por o Juiz do processo de insolvência não ter deferido a apensação da presente acção ao processo de insolvência por não se julgar competente para o efeito, e prosseguir apenas com a presente acção para apreciação da matéria fundamentadora da mesma e dos pedidos formulados na p.i. pela Autora, sem que a matéria da reconvenção seja sequer apreciada para efeitos de compensação de créditos.
17- A tese contida no Acórdão recorrido e a interpretação que o mesmo faz do disposto nos artigos 85º, nº 1, 90º, 99º e 128º, nº 5, do CIRE conduziriam a um verdadeiro caso de não aplicação da justiça a uma das partes e, por isso, são manifestamente violadoras do princípio da igualdade das partes em processo civil e dos princípios fundamentais do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e da igualdade consagrados na Constituição da República Portuguesa ( artigos 20º, nºs 1 e 5, e 13º, nº 2).
18 – Aliás, em contrário da tese sufragada pelo Acórdão recorrido pode ver-se o Acórdão do STJ de 13/4/2021 de que foi Relatora a Ilmª Juiz Conselheiro Maria Olinda Garcia, proferido no processo nº 69310/19.0YIPRT.G1.S1., in www.dgsi.pt , que considerou que “a superveniência da insolvência da contraparte não deve projectar-se retroactivamente na eficácia da compensação que havia sido exercida antes da declaração de insolvência, tendo presente que o artigo 854º do Código Civil consagra o efeito retroactivo da invocação da compensação ao momento em que os créditos se tornam compensáveis”.
19- Por outro lado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/06/2010 de que foi Relator o Ilmº Juiz Desembargador Guerra Banha, proferido no processo nº 6156/07.0TBVNG.P1., in www,dgsi.pt, decidiu que:
I – Para extinção da instância nos termos previstos no artigo 287º, al. e) do C.P.C., a impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando na pendência do processo desaparece algum dos sujeitos ou o objecto da causa.
II – A inutilidade superveniente da lide ocorre quando a pretensão visada pelo demandante tenha sido alcançada por outro meio fora do processo.
III – Estando pendente acção declarativa contra sociedade comercial por questões para efectivação de responsabilidade civil pela eliminação /reparação de defeitos de construção de imóvel por si construído e vendido, a que alude o artigo 1225º do Código Civil, a declaração de insolvência da demandada não determina a impossibilidade da acção prosseguir, porquanto tal declaração não conduz à imediata extinção da sociedade, que só se dá com o registo do encerramento do processo após o rateio final (artigo 234º, nº 3 do CIRE) e não obsta, só por si, ao prosseguimento das acções declarativas pendentes contra a insolvente, apenas impõe que esta seja substituída pelo administrador da insolvência (artigo 85º, nº 1 e 3 do CIRE).
IV- Também não determina a sua inutilidade superveniente da lide porquanto a obrigatoriedade de que todos os créditos de natureza patrimonial contra o insolvente sejam reclamados no processo de insolvência, através de requerimento endereçado ao administrador (artigo 90º e 128º do CIRE) não assegura que o crédito venha a ser reconhecido (artigo 129º do CIRE) nem dispensa o credor de fazer prova da existência e do valor do seu crédito (artigo 128º, nº 1 do CIRE).
V- Prova que, atentas as particularidades do objecto da acção , apenas conseguirá fazer através de sentença judicial que o confirme e aprecie”.
20- E, em matéria de possibilidade de conhecimento do pedido reconvencional deduzido antes da declaração de insolvência da Autora em acção por esta proposta para efeitos de compensação, ainda que entendendo que dele se conhecerá como excepção peremptória, se pronunciou lapidarmente o douto Acórdão da Relação de Lisboa de 16/3/2023 de que foi Relator o Ilmº Juiz Desembargador António Moreira proferido no processo nº 8201/12.2TBOER-A.L1.2, que depois de ponderar, nas suas pág. 34, in fine, e 35, que “Assim sendo, se é admitida tal excepção ao princípio de igualdade de tratamento dos credores e se o preceito no artigo 90º do CIRE mais não é do que uma emanação desse princípio, então nada obsta a que tal compensação possa ser invocada e declarada no âmbito de processo declarativo desencadeado pelo insolvente (em momento anterior à declaração de insolvência) onde o mesmo visa o reconhecimento de um crédito (posteriormente denominado como crédito de insolvência) que detém sobre esse credor, e sendo depois processualmente considerada no âmbito desse processo declarativo, enquanto concretização da referida excepção ao princípio par conditio creditorum”, decidiu que:
“2- Estando em causa a verificação de um crédito sobre a insolvência, para efeitos de afirmar a compensação (parcial) do mesmo com um crédito da insolvência, o artigo 99º do CIRE permite tal compensação, desde logo quando o preenchimento dos seus pressupostos legais (aqueles que resultam do artigo 847º do Código Civil) é anterior à data da declaração da insolvência (al. a) do nº1 do referido artigo 99º).
3- A insolvência superveniente da Autora não deve afectar esse efeito extintivo da obrigação, que se terá por verificado retroativamente, com a eficaz invocação da compensação de créditos pela 1ª Ré na sua contestação.”
21 - Note-se, por outro lado, que o caso sub-judice nada tem a ver com a hipótese sobre que incidiu o Acórdão do STJ nº 1/2014, que é a de uma acção comum instaurada por um credor da insolvente contra esta para reconhecimento dum crédito, enquanto que a hipótese que se verifica nos presentes autos é a de uma acção comum proposta pela Autora contra a Ré peticionando a condenação desta no reconhecimento de diversos direitos de crédito sobre ela emergentes dum contrato de empreitada, na qual a Ré, por sua vez, deduziu contestação-reconvenção pedindo a condenação da Autora no reconhecimento de diversos créditos indemnizatórios sobre esta emergentes do incumprimento por ela do dito contrato de empreitada para efeitos de compensação parcial destes com os créditos que vierem a ser reconhecidos à Autora e que se extinguirão por via da compensação, e em que, na pendência da acção e após lhe ter sido notificada a contestação-reconvenção, a Autora se apresenta ela própria à insolvência e em que, requerida pelo Administrador da Insolvência, a apensação da acção ao processo de insolvência foi a mesma recusada e indeferida pelo Juiz da insolvência por despacho transitado em julgado com o fundamento em que a competência para conhecer da acção era do tribunal comum, mesmo que a acção tivesse sido proposta após a declaração da insolvência.
22- Sendo certo que são idênticas à desse Acórdão do STJ nº 1/2014 as hipóteses sobre que incidiram os Acórdãos do STJ de 22/11/2018, proferido no processo nº 4144/17.1T(LSB.L1.S2, de que foi Relator o Ilmº Juiz Conselheiro Oliveira de Abreu, e todos os demais Acórdãos do STJ e da Relação de Lisboa citados no douto Acórdão recorrido, já que todos incidem sobre acções propostas contra o insolvente ou contra o BES, após a resolução bancária que equivale à declaração de insolvência, considerando verificar-se a inutilidade superveniente da lide da acção proposta por credores contra Réus, entretanto declarados insolvente, ou, a maioria, contra o BES, após ter sido objecto da Resolução bancária, determinada pela declaração de insolvência ou pela Resolução Bancária.
23- Mas nenhum dos Acórdãos citados no Acórdão recorrido incidiu sobre um caso como o sub-judice de uma acção de indemnização por incumprimento contratual proposta pela Autora contra a Ré, que, por sua vez, deduziu reconvenção contra a Autora para condenação da mesma em indemnizações por incumprimento contratual da Autora do mesmo contrato em que esta funda os seus pedidos, para efeitos da sua compensação parcial com os créditos que venham a ser reconhecidos à Autora, e em que a Autora, após a sua notificação da contestação-reconvenção da Ré, se apresenta à insolvência, e em que o Juiz da insolvência recusa por despacho transitado em julgado a apensação requerida pelo Administrador da insolvência da acção ao processo de insolvência.
23- Com efeito, nenhum dos Acórdãos citados pelo Acórdão recorrido decidiu num caso como o subjudice não admitir a reconvenção para efeitos de compensação por inutilidade superveniente da instância reconvencional provocada pela declaração de insolvência da Autora-reconvinda por apresentação da mesma posterior à sua notificação da contestação-reconvenção e admitir o prosseguimento da acção apenas para conhecimento dos pedidos formulados pela Autora-reconvinda, agora como massa insolvente da mesma.
24- Tal como resulta dos Acórdãos supra citados nas precedentes conclusões 9, 18, 19 e 20, que esses, sim, se debruçaram sobre hipóteses semelhantes à sub-judice, prosseguindo a acção os seus normais termos, não pode o tribunal deixar de apreciar, concomitantemente com os fundamentos de facto e de direito da acção e dos pedidos nela formulados, os fundamentos de facto e de direito da contestação-reconvenção deduzida pela Ré e os pedidos também nela formulados com vista à extinção dos créditos que vierem a ser reconhecidos à Autora por compensação com os créditos que vierem a ser reconhecidos à Ré, compensação essa cujos requisitos estabelecidos no artigo 847º do Código Civil têm necessariamente que ser verificados na mesma acção em que são peticionados os créditos a extinguir através dela.
25- O pedido reconvencional deduzido pela Ré-reconvinte é perfeitamente admissível nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 266º do C.P.C., e no caso sub-judice verificam-se os requisitos necessários para a invocação da compensação que, no domínio de vigência do actual Código Civil, deixou de exigir a liquidez dos créditos (nº 3 do artigo 847º) - vide nesse sentido o Código Civil Anotado dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, volume II, 3ª edição revista e actualizada, pag. 137, nota 6 ( “ O nº 3 alterou a doutrina do nº 1 do artigo 765º do Código de 1, ao permitir a compensação de dívidas ilíquidas. … Mal se compreende que um credor, porque o seu crédito é líquido, possa prevalecer-se dessas vantagens, dispensando-se, por exemplo, de pagar ao seu credor insolvente o que lhe deve, e que outro credor, só porque teve a infelicidade de o seu crédito não estar liquidado, não possa aproveitar-se de idênticas vantagens.”).
26 - Na verdade, estaremos perante créditos recíprocos, ainda que ilíquidos, exigíveis, judicialmente, em relação aos quais não procedem contra eles quaisquer excepções, peremptórias ou dilatórias, de direito material e que têm por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade ( obrigações pecuniárias).
27 - Em relação ao pedido formulado pela Autora de condenação da Ré no pagamento dos € 750.000,00 por ela recebidos do Novo Banco pelo accionamento da garantia bancária por este Banco prestada para garantia perante a Ré do cumprimento pela Autora do contrato e para ressarcimento de quaisquer danos para a Ré emergentes do incumprimento contratual da Autora, a Ré opôs-lhe a compensação com igual montante dos seus direitos de crédito indemnizatórios sobre ela Autora causados pelo incumprimento contratual desta, nos termos devidamente articulados na contestação-reconvenção, ficando após a compensação os montantes dos seus créditos reduzidos desse montante de € 750.000,00 e, por força dessa compensação, extinto esse crédito peticionado pela Autora.
28- Os créditos peticionados pela Autora fundamentam-se no contrato em cujo incumprimento contratual por parte dela, Autora, a Ré fundamenta, por sua vez, os seus créditos indemnizatórios que são objecto dos seus pedidos reconvencionais, pelo que nada obsta a que possa operar a compensação entre os créditos que, porventura, venham a ser reconhecidos à Autora e os créditos que, porventura, venham ser reconhecidos em sede reconvencional à Ré.
29- Tendo-se em conta os fundamentos invocados pela Ré-reconvinte no presente recurso, designadamente as especificidades do caso subjudice que constam da conclusão 5 e que foram ignoradas pelo Acórdão recorrido, deve o mesmo ser revogado, até porque o mesmo e a interpretação que faz do disposto nos artigos 85º, nº 1, 90º, 99º e 128º, nº 5, do CIRE conduziriam a um verdadeiro caso de não aplicação da justiça a uma das partes e são manifestamente violadores do princípio da igualdade das partes em processo civil e dos princípios fundamentais do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e da igualdade consagrados na Constituição da República Portuguesa ( artigos 20º, nºs 1 e 5, e 13º, nº 2), e , por isso, enfermam de inconstitucionalidade.”
17. Foram apresentadas contra-alegações, começando por pedir que se considere que o recurso da A. tem repetição das alegacões nas conclusões, não respeitando o ónus de formular conclusões imposto pela lei, e que deve conduzir o tribunal a rejeitar o recurso por falta de conclusões (“recurso deverá ser rejeitado de imediato, e não ser proferido despacho convidando ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, pois este não é o caso presente em que as conclusões são cópia das alegações (até as excedem)”.
Nas conclusões da contra-alegação diz:
A)Delimitou o Venerando Tribunal da Relação do Porto como uma das duas questões a dirimir no seguimento do recurso interposto se, na sequência da declaração de insolvência da autora, ocorre inutilidade da lide em relação ao pedido reconvencional - conclusões A) a I) do recurso ou se pode ter lugar na ação, e portanto fora do processo de insolvência, a apreciação da existência do crédito alegado pela ré sobre a autora - primeira questão ali enunciada. Tendo aquele Venerando Tribunal da Relação respondido de forma positiva à primeira parte desta questão e negativa à segunda parte. Acórdão que não é merecedor de qualquer reparo.
B) Vem a Recorrente sustentar no ponto cinco das suas conclusões que o douto Acórdão recorrido não teve em conta, designadamente, o seguinte circunstancialismo evidenciado nos autos e enumerado nas suas conclusões, nomeadamente que a data do conhecimento pela Ré da sentença de declaração de insolvência da Autora se fixou em 06/04/2022, porém esta olvida que, nos termos legais, o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Comércio de ... - Juiz 2 no âmbito do Processo: 888/22.4... - Insolvência pessoa coletiva (Apresentação) em 08-03-2022 providenciou pela publicidade de sentença no portal citius, constando do mesmo que para citação dos credores e demais interessados correm éditos de 5 dias. Ficam citados todos os credores e demais interessados de tudo o que antecede e ainda: O prazo para a reclamação de créditos foi fixado em __30__ dias.………..»
C) Nos termos do Artigo 37.º (Notificação da sentença e citação) nº 7 do CIRE Os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius. Pelo que, a Ré considera-se citada em 13 de Março de 2022, e portanto, com conhecimento da insolvência, tal como os demais credores (e não em 06.04.2022)
D)Por outro lado, quantos aos pontos f) a j) da indicada conclusão 5, parece a recorrente olvidar que o pedido do Ilustre Administrador se reportou, ao abrigo do artigo 85.º do CIRE, a acção de natureza exclusivamente patrimonial intentada pelo devedor e que, caso os pedidos enunciados na reconvenção da Ré fossem deduzidos em açao por si instaurada, nunca seria, sem qualquer margem duvida, equacionado o pedido de apreensão dessa acçao ao abrigo da citada norma. Também parece olvidar a consagração legal e constitucional do exercício do direito de impugnação através de recurso das decisões que lhe são desfavoráveis para qualquer parte, dando a recorrente a entender a este Supremo Tribunal que a Apelante (Massa Insolvente) adivinhava quer a admissão da reconvenção quer a procedência do recurso, quando ab initio sempre pugnou pela sua inadmissibilidade processual e pela sua inutilidade após o processo de insolvência.
E) No seguimento da alegação vertida no ponto 6 das suas conclusões, vem a recorrente de forma manifestamente surpreendente alegar que o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto ora recorrido contradiz e ofende o Despacho do Mmo Juiz titular do processo de insolvência que: (ponto um) não se pronunciou sobre a inutilidade e/ou admissibilidade da reconvenção, (ponto dois) nem proferiu qualquer decisão sobre a presente ação. Tendo tão somente se pronunciado e decidido a requerida apensação e (ponto três) e nada nos permite concluir (não fosse a vontade de prever decisões que a recorrente parece possuir) que caso esta apensação fosse deferida, o Meritíssimo Juiz titular do processo de insolvência não decidisse (e caso assim fosse, bem) pela inutilidade superveniente da lide reconvencional
F) no seu ponto sete vem assacar conduta de abuso de direito processual ao Ilustre Administrador de Insolvência por: a) Não ter interposto recurso da decisão de não apensação, não se vislumbram quais os motivos pelos quais entende que o deveria ter feito quando a tramitação processual, a decisão de não indeferimento da reconvenção e o respetivo recurso de apelação tal como surgiram nos presente autos, poderiam ter tido lugar na açao apensada; b) Muito menos se verifica qualquer abuso por ter requerido após aquele despacho de não apensação o prosseguimento dos presente autos c) E muito menos ainda, por ter requerido e pugnado, primeiro perante a Primeira Instância a convite do Meritíssimo Juiz para as partes se pronunciarem sobre tal matéria e depois através do Recurso de apelação que legitimamente interpôs da decisão que admitiu a reconvenção em consonância com a sua posição vincadamente plasmada nos autos.
G) vem esta invocar conflito negativo de competência (conclusões números 8 a 10), indicando Acórdão que nenhuma similitude se encontra com os autos, pois naquele arresto o Tribunal onde corria a ação a apensar determinou a sua apensação e o Tribunal de Comércio não a aceitou, tendo sido decidido que a primeira decisão não vincularia este último Tribunal. Ora, tal matéria nem se encontra em discussão nos autos, nem a decisão e nem ainda o recurso versam sobre elas.
H) Sendo incontrovertido que o alegado contra crédito peticionado na reconvenção é um “crédito sobre a insolvência” nos termos do art. 47.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE. Os créditos constituídos à data da declaração de insolvência são considerados créditos sobre a insolvência e os titulares desses créditos credores da insolvência.
I) Estes créditos têm de ser reclamados na insolvência (cf. art. 128.º, n.º 5, e 146.º, do CIRE) (…) tudo levaria a concluir que a matéria da reconvenção deveria ser discutida na reclamação de créditos apensa ao processo de insolvência da Autora/Reconvinda. Donde deve também improceder o referido no ponto 11 das extensas e repetitivas conclusões apresentadas.
J) o fato de supostamente a Comissão de Credores poder vir a tomar conhecimento da presente acção e seus termos, tal não lhe confere direito de tomar posição neles quanto aos créditos reconvencionais invocados pela Ré sobre a Autora, entretanto declarada insolvente, nem permite afastar a violação do princípio par conditio creditorum (princípio de igualdade entre credores), caso aqueles pedidos reconvencionais fossem conhecidos. Devendo, de igual modo, improceder a referida conclusão 12.
K) Tao pouco se beliscou o princípio da igualdade processual entre as partes pois, como anteriormente mencionado, o alegado contra crédito peticionado na reconvenção por alegadamente se encontrar constituído à data da declaração de insolvência é considerado crédito sobre a insolvência e o titular desse crédito alegado credor da insolvência.
L) A ré-Reconvinte deveria ter assim, e, nos termos legais, deduzido tal reclamação no processo de insolvência. Na verdade, declarada a insolvência, todos os credores da insolvência têm direitos de crédito que entram em colisão entre si dada, em regra, a insuficiência da massa insolvente para satisfação de todos os créditos.
Por isso, se prevê um processo de verificação e graduação de créditos a que são chamados todos os credores da insolvência a fim de aí fazerem valer os seus direitos em confronto com todos os restantes credores e a insolvente, para que os direitos verificados e as garantias ou preferências no pagamento reconhecidas sejam oponíveis a todos
M) O Supremo Tribunal de Justiça fixou no acórdão nº 1/2014[7], jurisprudência nesse sentido. o caso dos autos enquadra-se na hipótese contemplada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para uniformização de jurisprudência nº 1/2014. Não se verificando qualquer violação do direito fundamental de acesso ao direito (veja-se o artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) até porque a lei faculta um instrumento processual próprio para tutela da sua posição jurídica, instrumento processual próprio que se justifica por força da natureza universal do processo de insolvência, a fim de permitir que os créditos, garantias e preferências de pagamento de todos os credores da insolvência sejam discutidos perante todos os interessados (restantes credores, massa insolvente e devedor), permitindo assim a formação de caso julgado material que a todos vincule. Não há assim qualquer violação do direito de ação.
N) Visando a Ré, com a reconvenção, exercer direitos de crédito de natureza patrimonial sobre a Autora reconvinda constituídos antes da declaração de insolvência, deve estender-se também a esta hipótese a jurisprudência fixada no referido Acórdão n.º 1/2014, pois que, também em relação à ré reconvinte, se aplica, a partir do trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência do autor reconvindo, o ónus previsto no artigo 90.º do CIRE.
O) MAIS, atento o disposto no art. 128º nº 3 do CIRE, a reconvenção não pode prosseguir, dado que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos é o aludido na referida disposição legal. Ainda que fosse procedente a reconvenção, nenhum efeito jurídico contra a massa insolvente retiraria a autora da decisão destes autos, pois a mesma seria inoperante perante os demais credores e massa insolvente – art. 173º do citado Código.
P) E o supra referido não é afastado nem modificado pela circunstância da insolvência ser posterior à reconvenção pois se fosse proferida depois de instaurada a ação e antes da contestação da Ré, esta não deduziria qualquer pedido reconvencional? Seria assim?
Q) A apresentação a insolvência após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, não contraria o citado princípio da igualdade processual entre as partes, tao pouco corta liminarmente e cerce o direito da Ré reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora. A Ré não estava impedida, nem nunca esteve impedida, de, após a dedução da sua contestação- reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora, ir reclamar os seus créditos indemnizatórios ao processo de insolvência ou em acção de verificação ulterior de créditos, não se verificando qualquer excepção de litispendência na reclamação de créditos ou na verificação ulterior de créditos por força do disposto nos artigos 580º, 581º e 582º do C.P.C..
R) A ré iria atuar como qualquer outro credor que houvesse instaurado uma açao ou reconvenção contra a insolvente, reclamar créditos, vindo aquela/s a ser julgadas inúteis superveniente ente nos termos legais. Daí que, padecam de fundamento legal e jurídico as conclusões dos pontos 13 a 16.
S) Atento o supra exposto, contrariamente ao defendido pela Recorrentes nos pontos 17 a 24 o Acórdão recorrido e a interpretação que o mesmo faz do disposto nos artigos 85º, nº 1, 90º, 99º e 128º, nº 5, do CIRE não conduz à hipótese de não aplicação da justiça a uma das partes, não sendo violadora do princípio da igualdade das partes em processo civil e dos princípios fundamentais do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e da igualdade consagrados na Constituição da República Portuguesa ( artigos 20º, nºs 1 e 5, e 13º, nº 2).
T) Assim, atento o supra exposto não deve o Acórdão ser revogado, devendo ainda improceder as conclusões subscritas nos pontos 25 a 29.
U) Declarada a insolvência deve julgar-se extinta a instância reconvencional por impossibilidade superveniente da lide por o Réu/reconvinte ter de reclamar o seu crédito no competente incidente. E não obsta à conclusão estar em causa uma reconvenção pois, como é aceite unanimemente, trata-se de uma contra-ação pelo que é totalmente aplicável à dedução de reconvenção, nestas circunstâncias, o que se aplica à ação, também sendo, in casu, impossível de ser deduzida – Ac. da R. P. de 09/12/2019, processo n.º 57693/17.0YIPRT-A.P1, relator Carlos Gil, no mesmo sítio).
V) ATENTAS AS DISPOSIÇÕES NORMATIVAS CITADAS NO ACÓRDÃO RECORRIDO E A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA EXPLICITADA, DEVE ESTE SER MANTIDO E EXTINTA A INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE EM RELAÇÃO À RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELA RÉ.”
18. A recorrida pede ainda, a título subsidiário, que se admita a ampliação do objecto do recurso, para as questões que formula:
“X) Considerando o objeto do recurso de Apelação, eram as seguintes as questões a tratar: a) – apurar se, na sequência da declaração de insolvência da autora, ocorre inutilidade da lide em relação ao pedido reconvencional [conclusões A) a I) do recurso de apelação]; b) – caso assim se não entendesse, se a reconvenção, por falta dos requisitos da compensação, não deve ser admitida [conclusões J) a T) do recurso de apelação]. Acontece que, se numa primeira aproximação o Venerando Tribunal da Relação do Porto se tenha afigurado como questionável se, face à previsão do art. 266º nº2 c) do CPC, estariam presentes os requisitos da figura da compensação como fundamento da reconvenção (pois, por um lado, a ré não reconhece o crédito peticionado pela autora nem uma sua qualquer parte e, por outro, pretende obter, sob aquela figura da compensação, o pagamento de parte do crédito que contra aquela invoca com o montante da garantia bancária que por si própria já acionou pela totalidade, o qual talvez seja duvidoso de considerar como um crédito da autora) ou, quiçá, até outro fundamento suscetível de poder levar à admissão de tal reconvenção, nomeadamente o da alínea a) do nº2 daquele mesmo art. 266º (pois os créditos invocados pela ré decorrem da invocação de incumprimento do mesmo contrato alegado como causa de pedir pela autora na ação) a verdade é que ficou prejudicado o tratamento da segunda questão enunciada (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).
Y) Ainda que assim não se entenda, a verdade é que não se verificam nos termos exarados os pressupostos da compensação. Com o pedido formulado a Ré/Reconvinte, contrariamente ao aí referido (de forma reiterada), NÃO pretende provocar (nem nunca pretendeu) a extinção, total ou parcial, do crédito alegado pela Autora/Reconvinda por compensação com um contra crédito próprio NEM pretende obter a condenação daquela autora no pagamento do excesso do seu contra crédito sobre o crédito alegado na petição inicial.
Z) A Ré não reconhece o crédito da Autora nem pretende compensar o seu suposto crédito (contra crédito) com crédito invocado pela Autora, a própria Ré vem invocar a compensação com crédito que considera seu. Ou seja, a Ré vem alegar o seguinte (de forma simples): «Sou titular de um crédito sobre a Autora e este já se encontra parcialmente pago (ressarcido/extinto) com o montante que ela própria Ré recebeu do Novo Banco (aqui terceiro) e que já tem (pois já o recebeu antes de formular qualquer compensação), - ou seja, não reconhece qualquer compensação com crédito que admita ser detido pela Autora – e ainda pede que a Autora seja condenada a pagar aquilo que entende ainda ser devido». Veja-se o pedido que formulou e supra se identificou.
AA) Na previsão do artigo 847.º do Código Civil, a compensação mais não é do que uma forma de extinção das obrigações, quando o devedor também dispõe de um crédito sobre o seu credor. Ou seja, quando ambos são, reciprocamente, credor e devedor, operando-se, então, o que, em linguagem coloquial, se chama “encontro de contas” pois o compensante, quando demandado ou interpelado para cumprir, exonera-se do seu débito através da realização do seu crédito.
BB) Para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao credor, exigem-se a verificação dos seguintes requisitos: a) a existência de dois créditos recíprocos (artigo 851º do Código Civil); b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação; A referida exigibilidade pressupõe que se configure um direito de crédito, decorrente de uma obrigação civil, vencida, incumprida e ainda não extinta. Ou seja, que o crédito seja judicialmente exigível (artigo 847º nº 1, alínea a ) do Código Civil); c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações (artigo 847º alínea b) do Código Civil); d) a não exclusão da compensação pela lei (artigo 853º do Código Civil); e, e) a declaração de vontade de compensar/existência de uma declaração de compensação (artigo 848º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil);.
CC) a) os dois créditos têm que ser recíprocos. O que não acontece no caso em apreço, claramente pois o valor da garantia bancária que a Ré pretende compensar no seu suposto crédito (extinguindo-o parcialmente) não o reconhece como um crédito da Autora, mas um seu direito creditório que já lhe foi pago. A Ré nega que os créditos peticionados sejam devidos, por alegadamente o contrato que os fundamentaria não ter sido devidamente cumprido pela Recorrente; porque tais trabalhos deram supostamente origem a danos, e considera que a Requerente a deve indemnizar e por isso deduz reconvenção para o efeito.
DD) b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação; MAIS, mesmo que não faltasse o anterior requisito como se defende, importa saber o que é, para este efeito, um crédito exigível judicialmente. A obrigação de indemnização a que a autora poderá estar sujeita perante a ré, não está ainda reconhecida, pelo que não pode falar-se na sua existência, nem na sua realização coativa ao abrigo do art. 817º do CC, em caso de não satisfação voluntária. O crédito invocado pela ré, suposta compensante, não estando reconhecido, não é judicialmente exigível nos termos expostos, pelo que não pode pretender-se operar, através dele, qualquer compensação de créditos.
EE) Ademais, a compensação para operar tem que ser precedida da expressão da vontade nesse sentido de uma das partes à outra. Tal declaração de vontade de compensar é ineficaz se for feita sob condição (nºs 1 e 2 do artigo 848º do Código Civil). Assim, tem sido entendimento de alguma jurisprudência, que seguimos, que sem reconhecer o crédito que pretende ver compensado é impossível expressar a vontade de o compensar.
FF) Atento o supra conclui-se que o pedido reconvencional não é admissível nos termos da al. c), do n.º 3, do art. 266.º, do CPC, que prevê a chamada compensação judiciária ou compensação-reconvenção, por via da qual o réu pretende que o Tribunal declare a existência do seu contra crédito e, na hipótese de este direito ser reconhecido judicialmente, que a sentença produza a extinção recíproca dos créditos do autor e do réu. A procedência desta compensação pressupõe a verificação dos requisitos estabelecidos no art. 847.º do Código Civil, os quais não se verificam nos autos.
GG) Admitindo-se por cautela, que a recorrida pretenderia valer um crédito contra o da Autora sempre terá de o fazer através da reclamação de créditos. Mesmo o conhecimento da compensação-excepção, mesmo para os efeitos estritamente extintivos que lhe estão associados, implica sempre o reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente, o que só pode ser feito no processo de insolvência da A. e de acordo com as normas consagradas no CIRE. Mesmo que a Ré invocasse em sua defesa a compensação de créditos também estaria, no nosso entender, vedado ao Tribunal dela conhecer - o conhecimento da compensação-excepção, mesmo para os efeitos estritamente extintivos que lhe estão associados, implica sempre o reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente, o que só pode ser feito no processo de insolvência da A. e de acordo com as normas consagradas no CIRE, como expressamente determina o citado artigo 90.º do CIRE e de acordo com os artigos 128º e 129º do CIRE
HH) Mais para que possam compensar os seus créditos ao abrigo do art. 99.º do CIRE, é imperativo que os credores reclamem e obtenham o reconhecimento do seu crédito, não sendo suficiente alegar a existência do crédito e declarar a intenção de o compensar.
II) A hipótese prevista nesta norma é a de o credor invocar a compensação de créditos depois de declarada a insolvência, portanto, face à massa insolvente. Os requisitos de anterioridade, previstos no n.1 do art.99º, referem- se à verificação dos pressupostos para invocação da compensação. Sendo que a ré podido, ali, fazer prova cabal dos factos por si alegados, não sendo colocada em qualquer labirinto processual, nem sendo limitada nos seus direitos de defesa.”
19. No Tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho a admitir a revista: “Por tempestivo e legal, admite-se o recurso de revista interposto com o requerimento de 3/7/2024. Sobe nestes autos (que já são de recurso em separado dos autos principais) e tem efeito meramente devolutivo (arts. 675º nº1 e 676º nº1 do CPC).
Notifique. Oportunamente, remeta os autos ao STJ.”
Foi exercido o contraditório relativo ao pedido de ampliação do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De facto
20. Consideram-se relevantes os elementos que constam do relatório supra.
De Direito
21. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
O objecto do recurso é apenas um com a apresentação de vários argumentos pela recorrente a defender a sua procedência e consiste em saber se a decisão recorrida de declaração de inutilidade superveniente da lide no que respeita ao pedido reconvencional formulado pela Ré é correcta, do ponto de vista da lei aplicável.
Mas também existe um pedido de ampliação do objecto, subsidiário, para a hipótese de o tribunal julgar o recurso da R. procedente.
22. Questões prévias relativas à admissibilidade da revista
22.1. A revista interposta pela Ré é admissível, por força do disposto no artigo 671º, n.º 1, do Código do Processo Civil, já que estamos perante um Acórdão da Relação que põe termo à instância reconvencional em relação à autora/reconvinda.
22.2. Quanto à alegação de repetição de alegações e conclusões iguais – podemos aqui repetir o que já foi dito pelo STJ sobre a mesma questão – citando o acórdão do STJ relativo ao processo 80669/22.1YIPRT.E1.S1, em que a actual relatora foi 2ª adjunta.:
“Dispõe o artigo 639º nº 1 do CPC que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”
Prescrevendo o nº 3 do mesmo normativo que “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.”
Por seu turno, comina o art. 641º nº 2 al. b) do CPC a falta de conclusões com o indeferimento (não admissão) do recurso.
Destes normativos, decorre claramente que uma coisa é a falta de conclusões e outra é o recorrente apresentar conclusões deficientes, obscuras, complexas (ainda que sejam mera repetição, mais ou menos extensa, da motivação do recurso).
Àquela omissão deve corresponder o indeferimento do recurso, não sendo possível o aperfeiçoamento, enquanto que ao segundo procedimento deverá corresponder a não admissão do recurso na parte afectada, o que desde logo deverá implicar o prévio convite ao aperfeiçoamento não acatado.
Como vem sendo sustentado em diversos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, entre muitos o de 9/11/2022 (Revista 539/22.7T8STS.P1.S1), “a repetição no âmbito das conclusões de recurso do teor das respectivas alegações não corresponde, em termos técnico-jurídicos, à ausência de apresentação de conclusões que motiva, por si só, a rejeição do recurso nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
As conclusões das alegações de recurso não se encontram neste caso omissas; estão de facto presentes, mas extrapolam a expressão que deveriam assumir enquanto resultado do exercício da síntese conclusiva que é exigido pelo artigo 639º do Código de Processo Civil, enquanto ónus imposto ao recorrente.
Trata-se, portanto e diferentemente, de uma situação de conclusões complexas ou excessivas, por contraposição ao respectivo corpo de alegações, a que é aplicável o regime previsto no artigo 639º, nº 3, do Código de Processo Civil.
É o que, de resto, sempre resultaria ainda da aplicação dos princípios gerais pro actione, da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2 e 3, e 20º da Constituição da República Portuguesa), da cooperação e colaboração entre os sujeitos processuais e o tribunal (artigos 6º e 7º do Código de Processo Civil). Tal não significa, como se compreende, permitir livremente a apreciação do recurso sem que a parte tenha dado o devido cumprimento ao referido ónus de síntese conclusiva, mas apenas evitar, por desproporcional e não razoável, a cominação da rejeição do recurso com fundamento neste incumprimento de índole meramente formal, permitindo que a parte o passa sanar, no prazo que venha a fixar-se, salvaguardando-se assim a possibilidade do conhecimento do mérito da sua pretensão. Conforme enfatizam Jorge Miranda e Rui Medeiros in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora 2005, a páginas 190 a 191:
“O direito ao processo traduz-se no direito de abertura de um processo após a apresentação da pretensão inicial, com o consequente dever do órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (...). Em qualquer caso, e antecipando considerações que não podem ser dissociadas da ideia de um processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos do artigos 13º e 18º, nºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (...)
O direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sobre a capa de “requisitos processuais” se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancie mais que uma simples denegação de justiça. O princípio pro actione, assim afirmado, não impede, naturalmente, a existência de requisitos ou pressupostos processuais e não significa, mesmo nos litígios que opõem os particulares aos poderes públicos, pro particular, pois não opera no plano do direito material, mas no plano do direito processual. Por isso, em rigor, a titularidade do direito de acesso aos tribunais não pressupõe a efectiva titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido, lesado ou ameaçado. Aliás, bem vistas as coisas, no âmbito do artigo do artigo 20º, e uma vez que é legítima a interposição por lei de ónus processuais às partes, o tribunal nem sequer está vinculado “a que, seja qual for a conduta processual da parte, se profira sempre uma decisão sobre o mérito da causa” (e ainda que no meio processual utilizado se visa a tutela de hipotéticos direitos fundamentais) e se faculte, enquanto ela não for proferida, o recurso da mais alta instância dos tribunais judiciais.
Porém, o princípio pro actione impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efectiva à pretensão formulada. A ideia da favor actionis aponta outrossim para a atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais”.
Tais princípios de natureza constitucional – artigos 18º, nº 2 e 3, e 20º da Constituição da República Portuguesa -, absolutamente estruturantes do sistema judiciário português, consagram e impõem, neste sentido, a superior prevalência dos vectores fundamentais que exigem a salvaguarda da real e substantiva possibilidade de afirmação material das pretensões formuladas em juízo, sem a colocação de obstáculos de índole processual desproporcionados ou excessivamente formalistas que, as impeçam, diminuam ou dificultem injustificadamente, impondo-se o primado da substância (verdade material) sobre a forma (verdade estritamente processual), enquanto concretização do princípio pro actione.”
(…)
Como também é dito no Acórdão deste STJ de 13/04/2021 (Revista 6086/19.7T8STB.E1.S1), “A falta de alegações e/ou conclusões pode caracterizar-se em duas dimensões: a formal, em que impera a ausência; e a material, onde embora exista a peça jurídica que as enforma, esta em nada se refira ao que lhe é prescrito, cfr Ac STJ de 20 de Novembro de 2003 (Relator Lopes Pinto), in www.dgsi.pt..”.
No caso vertente, como acima ficou exarado, sustenta a ora recorrente que a recorrente reproduziu nas conclusões as alegações, pelo que incumpriu o prescrito no art. 639º nº 1 do CPC, devendo, por isso a revista ser rejeitada.
Sucede que olhando o caso vertente, independentemente de as conclusões serem ou não uma mera repetição das alegações, mas admitindo-se que o seja quase integralmente, afigura-se-nos, num juízo de proporcionalidade, bem vistos os parágrafos que constituem aquelas, que das mesmas não deflui qualquer ausência de conclusões, mesmo que de alguma forma não contextualizem o devido esforço de síntese das alegações, e que assim se considerem “incorrectamente” apresentadas, por ausência de síntese conclusiva
Contudo, mesmo que se trate de repetição, que não é extensa nem complexa, pelo contrário é clara, parece-nos não ter qualquer sentido falar-se em falta de apresentação do acervo conclusivo, não tendo qualquer sentido cominar tal procedimento da recorrente com a rejeição do conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que não se poderá dizer que a recorrente não tenha, como plasma o nº 3 do art. 639º, procedido às especificações a que alude o nº 1 do mesmo dispositivo.
Pelo que, em bom rigor, aqui reclamando os princípios da proporcionalidade, da economia processual e também da cooperação processual a que alude o artigo 7º do CPCivil (princípio o qual, segundo Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997, 64/66), se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho”, fazendo envolver a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas), perde qualquer sentido até falar-se em despacho de aperfeiçoamento, já que este só se justifica, nos termos daquele nº3 “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior”, nenhuma destas situações se verificando no caso vertente.
Propugnando a observância dos princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae”, impõe-se privilegiar uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, parafraseando doutos considerandos vertidos no citado Acórdão de 13/04/2021 (Revista 6086/19.7T8STB.E1.S1.
Entendemos, pois, que o despacho de aperfeiçoamento só tem sentido quando das conclusões não resulte com clareza, ou não se consiga perceber o desígnio impugnatório incidente sobre a decisão da matéria de facto, quando é certo que tal carência expositiva não sucede, o que acaba por ser confirmado pela apelada ora recorrente, que, pese embora se tenha insurgido primeiramente contra a inobservância dos requisitos legais atinentes à formulação de conclusões da Apelante, também formulou resposta às alegações nas suas contra alegações.
No sentido do ora dito, pode ler-se Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas Ao Novo Código Processo Civil, 2014, II Volume, 52. 25/5/2017.”
Improcedem, assim, as conclusões neste âmbito.
22.3. Pedido subsidiário da A. de ampliação do objecto do recurso
Nas contra-alegações da revista a massa insolvente da A. veio requerer a ampliação do objecto do recurso, para a hipótese de o mesmo ser julgado procedente.
A questão que pretende seja abordada é a de saber se estão reunidos os pressupostos legais da compensação.
Sucede que essa questão não chegou a ser abordada no acórdão recorrido, por ter sido considerada prejudicada.
Isso significa que não pode este STJ conhecer dela, atendendo a que os recursos incidem sobre questões conhecidas e que foram objecto de decisão.
Isso significa que não é admissível, na situação concreta deste processo, a ampliação do objecto do recurso, mas o resultado pretendido terá um desfecho – que se indicará adiante – que conduz à apreciação da questão.
23. Entrando na análise da questão suscitada no recurso, comecemos por reproduzir as normas legais do Cire mais importantes e que são as seguintes:
Artigo 90.º Exercício dos créditos sobre a insolvência |
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência. | |
Artigo 99.º Compensação |
1 - Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste Código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos: a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência; b) Ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do contra-crédito da massa os requisitos estabelecidos no artigo 847.º do Código Civil. 2 - Para os efeitos das alíneas a) e b) do número anterior, não relevam: a) A perda de benefício de prazo prevista no n.º 1 do artigo 780.º do Código Civil; b) O vencimento antecipado e a conversão em dinheiro resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo 91.º e no artigo 96.º 3 - A compensação não é prejudicada pelo facto de as obrigações terem por objecto divisas ou unidades de cálculo distintas, se for livre a sua conversão recíproca no lugar do pagamento do contra-crédito, tendo a conversão lugar à cotação em vigor nesse lugar na data em que a compensação produza os seus efeitos. 4 - A compensação não é admissível: a) Se a dívida à massa se tiver constituído após a data da declaração de insolvência, designadamente em consequência da resolução de actos em benefício da massa insolvente; b) Se o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem, após a data da declaração de insolvência; c) Com dívidas do insolvente pelas quais a massa não seja responsável; d) Entre dívidas à massa e créditos subordinados sobre a insolvência. |
Artigo 128.º Reclamação de créditos |
1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável. f) O número de identificação bancária ou outro equivalente. 2 - O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 17.º 3 - Sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados, o requerimento de reclamação de créditos é apresentado no domicílio profissional do administrador da insolvência ou para aí remetido por correio eletrónico ou por via postal registada, devendo o administrador, respetivamente, assinar no ato de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias da receção, comprovativo do recebimento, sendo o envio efetuado pela forma utilizada na reclamação. 4 - A reclamação de créditos prevista no n.º 1 pode efetuar-se através do formulário disponibilizado para o efeito no portal a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça ou através do formulário-tipo de reclamação de créditos previsto nos artigos 54.º e 55.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, nos casos em que aquele regulamento seja aplicável. 5 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. |
Artigo 146.º Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos |
1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação. 2 - O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior: a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior; b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente. 3 - Proposta a acção, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a acção apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto. 4 - A instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias. |
Artigo 173.º Início do pagamento dos créditos sobre a insolvência |
O pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado. |
24. Estará em causa nomeadamente a interpretação do art.º 90.º (Exercício dos créditos sobre a insolvência) do CIRE, onde se diz:
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.
A interpretação destas normas tem sido assim realizada pela jurisprudência através da formulação de três máximas:
1. Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, em conformidade com os preceitos do Código, durante o processo de insolvência (art. 90º), o que significa que, para obterem a satisfação dos seus direitos, terão que reclamar o seu crédito, nos termos do art. 128º ou, desde que verificados os necessários requisitos, através da acção sumária a que aludem os arts. 146º e segs., que corre por apenso ao processo de insolvência.
2. Em conformidade com o disposto no art. 173º, o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado.
3. As dívidas da massa insolvente deverão ser pagas nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo (art. 172º, nº3) e, não sendo pagas, poderão ser objecto de acção declarativa ou executiva a instaurar, nos termos do art. 89º nº2, por apenso ao processo de insolvência.
25. Por outro lado, tendo sido suscitadas dúvidas na interpretação do actual art.º 277.º (anterior 287.º) do CPC relacionadas com a insolvência, veio o STJ a proferir um acórdão de Uniformização de jurisprudência cujo segmento uniformizador é o seguinte:
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.
26. No desenrolar do processo verificou-se o seguinte:
- Em 19 de Junho de 2023, na 1ª instância, o juiz convidou as partes a pronunciar-se sobre a possível inutilidade superveniente da lide, considerando todo o pedido reconvencional como crédito da Ré sobre a A. a reclamar em sede insolvencial;
- E mais tarde – a 23/9/2023 - veio a ser proferido outro despacho, por diferente juiz, na mesma instância, onde consta:
“No entanto, não é claro – pelo menos, nesta fase – que a declaração de insolvência da Autora/Reconvinda na pendência da presente ação seja causa de inutilidade/impossibilidade superveniente da matéria da reconvenção, dado que, com este pedido, a Ré/Reconvinte pretende provocar a extinção, total ou parcial, do crédito alegado pela Autora/Reconvinda por compensação com um contracrédito próprio e, além disso, pretende obter a condenação daquela autora no pagamento do excesso do seu contracrédito sobre o crédito alegado na petição inicial.
Este pedido reconvencional é admissível nos termos da al. c), do n.º 3, do art. 266.º, do CPC, que prevê a chamada compensação judiciária ou compensação-reconvenção, por via da qual o réu pretende que o Tribunal declare a existência do seu contracrédito e, na hipótese de este direito ser reconhecido judicialmente, que a sentença produza a extinção recíproca dos créditos do autor e do réu.
A procedência desta compensação pressupõe a verificação dos requisitos estabelecidos no art. 847.º do Código Civil, e esta apreciação tem de ocorrer na própria ação em que é deduzida a reconvenção.
Se, no caso sub judice, fosse aplicada a solução acolhida no AUJ n.º 1/2014, a verificação daqueles requisitos teria de ser discutida e decidida na reclamação de créditos apensa ao processo de insolvência da Autora/Reconvinda, e já não na própria ação em que é deduzida a reconvenção. Esta separação de processos, com vista a apreciar e decidir a existência do crédito da Autora/Reconvida e a existência do contracrédito alegado pela Ré/Reconvinte, é muito discutível.
Com efeito, para que a sentença produza a extinção recíproca dos créditos da Autora e da Ré, torna-se necessário apreciar em conjunto a verificação dos requisitos estabelecidos no art. 847.º do Código Civil, dado que estes tanto dizem respeito à relação de crédito alegada pela Autora, como à relação de crédito alegada pela Ré, nomeadamente, para se saber em que momento aqueles créditos se tornaram compensáveis, dado que a extinção dos dois créditos retroage àquele momento (cf. art. 854.º, CC). Por outras palavras: a apreciação do contracrédito alegado pela Ré/Reconvinte numa ação (como seria a reclamação de créditos deduzida por apenso ao processo de insolvência) distinta da (presente) ação em que é deduzida a reconvenção impossibilitaria a extinção recíproca dos dois créditos, dado que apreciação da existência e da exigibilidade do contracrédito da demandada (ré) tem em vista a extinção, parcial ou total, do crédito da demandante (autora), e esta finalidade não seria conseguida se a verificação dos requisitos estabelecidos no art. 847.º do Código Civil pudesse ter lugar numa outra ação em que fosse deduzida apenas a pretensão da ré.
Vale dizer: se o objeto do presente processo consistisse apenas na declaração da existência ou inexistência de um dos créditos, na hipótese de o direito alegado pela ré ser reconhecido judicialmente, o Tribunal ficava impossibilitado de fazer operar os efeitos extintivos da compensação e, em consequência, não podia determinar a extinção recíproca dos dois créditos. O que se percebe, dado que a compensação que o réu pretende provocar pressupõe sempre o reconhecimento do crédito do autor e a improcedência de qualquer defesa do réu. Se a apreciação do contracrédito alegado pelo réu tivesse de ter lugar numa ação distinta daquela em que é deduzida a reconvenção, o Tribunal não podia apreciar nem o crédito do autor (que, entretanto, assumiria a posição de demandado), nem a defesa do réu (que naquela outra ação assumiria a posição de demandante).
Aqui chegados, a conclusão que se impõe retirar é no sentido de que o Tribunal fica impossibilitado de apreciar e decidir a verificação dos requisitos estabelecidos no art. 847.º do Código Civil quando o reconhecimento do contracrédito não tem lugar na própria ação em que é deduzida a reconvenção.
Por outro lado, se a compensação consistir na extinção total do crédito alegado pela autora, a ré não terá de se apresentar a reclamar o seu próprio crédito na insolvência daquela, dado que ambos os direitos de crédito se encontram extintos (daí se ter afirmado, anteriormente, que não é evidente -- pelo menos, nesta fase -- que a declaração de insolvência da Autora/Reconvinda na pendência da presente ação seja causa de inutilidade/impossibilidade superveniente da matéria da reconvenção); na hipótese de, na presente ação, se reconhecer que o valor do contracrédito invocado excede o da autora, a ré apenas terá de reclamar naquele processo de insolvência o pagamento do excesso do seu contracrédito sobre o crédito, e, estando aquele judicialmente reconhecido, não se vê como possa não ser reconhecido pelo administrador da insolvência.
O despacho proferido em 19/06/2023 não formou caso julgado, dado que nele não se aprecia, nem se decide sobre os fundamentos da impossibilidade superveniente da lide.
Assim, por não haver incompetência absoluta (cf. art. 93.º, n.º 1, CPC) e entre o objeto inicial do processo e o pedido reconvencional existir um dos fatores de conexão objetiva elencados no n.º 2 do art. 266.º do CPC -- concretamente, a Ré pretende provocar a extinção, total ou parcial, do crédito alegado pela Autora por compensação com um contracrédito próprio e, além disso, pretende ainda obter a condenação da Autora no pagamento do excesso do seu contracrédito sobre o crédito (al. c) do n.º 2 do art. 266.º do CPC) --, admito a reconvenção deduzida pela Ré.”
- Esta decisão foi revertida através do acórdão recorrido, que declarou a inutilidade da lide de todo o pedido reconvencional.
É este o âmago da questão – pode o tribunal conhecer da defesa da Ré, ao invocar o incumprimento da A. e pretender compensar créditos daquela com obrigações suas? E como fazer isso sem violar o regime do art.º 95 – e ss º do Cire?
O Tribunal da Relação entendeu que o tribunal não podia conhecer da defesa/contra-ataque da ré e decidiu pela inutilidade superveniente do pedido reconvencional – abarcando todo o pedido. A 1ª instância havia declarado que a totalidade do pedido reconvencional seria admissível.
Que dizer?
27. Crê-se que a razão está parcialmente do lado da posição da recorrente.
Mas para que essa razão exista e se compreenda importa distinguir no pedido reconvencional o que é um pedido de condenação autónomo do que é um pedido de condenação por via da defesa por excepção relativa à invocação de compensação de créditos (ainda que esta hoje comporte o tratamento processual de contra-acção por ter de ser inserida em reconvenção).
Concretizando a ideia apresentada por referência à posição da Ré, na qual se identifica uma possível invocação de compensação por via de excepção (meio de defesa), ainda que identificada como integrando a reconvenção, em sede de contestação consta (sublinhados nossos):
153.º O que tudo soma € 1.592.566,71, que é o crédito da Ré sobre a Autora resultante directa e adequadamente do seu incumprimento contratual.
154º Crédito este cujo reconhecimento se pede em sede de reconvenção, para que, reconhecido o mesmo, ele se compense ou se considere ressarcido parcialmente com o montante de € 750.000,00 recebido pela Ré do Novo Banco da garantia bancária accionada (artigo 266º, nº 2 al. c) do Código do Processo Civil).
155º Na verdade, tendo a Ré recebido do Novo Banco € 750.000,00 da garantia bancária destinada a garantir o cumprimento do contrato pela Autora e, consequentemente, a ressarcir os danos resultantes adequadamente do incumprimento do contrato pela Autora, esta quantia compensa-se com aquela quantia de € 1.592.566,71 do crédito que a Ré tinha e tem a haver da Ré por força do seu incumprimento contratual, extinguindo-se, assim, este parcialmente por força da compensação com o montante de € 750.000,00 recebido pela Ré da garantia bancária para ressarcimento parcial dos danos para ela decorrentes de tal incumprimento contratual da Autora, ficando, assim, tal crédito da Ré sobre a Autora reduzido à quantia de € 842.566,71.
156º Assim, após a compensação parcial do seu direito de crédito sobre a Autora do montante total de € 1.592.566,71 com o montante de € 750.000,00 recebido da garantia bancária prestada a seu pedido pelo Novo Banco para ressarcimento parcial dos danos causados pelo incumprimento contratual da Autora, isto é, ficando através do recebimento da importância da garantia bancária parcialmente ressarcidos os mencionados danos sofridos pela Ré como consequência do incumprimento contratual da Autora, tem a Ré ainda direito a haver da Autora € 842.566,71 que, em sede de reconvenção e após aquela compensação, a Ré pede que a Autora seja ainda condenada a pagar-lhe.”
E o que veio a ser deduzido como pedido reconvencional:
“Deve a reconvenção ser julgada procedente, por provada, e, como consequência, ser a Ré condenada:
a) A pagar à Ré, em razão do seu incumprimento contratual e para ressarcimento de todos os danos por esta sofridos em consequência desse seu incumprimento, a quantia global de € 1.592.566,71;
b) a ver esse direito de crédito da Ré sobre ela ser compensado/ressarcido parcialmente com o montante de € 750.000,00 recebido pela Ré do Novo Banco da garantia bancária por ele prestada a solicitação da Autora para garantir o seu bom cumprimento do contrato e, consequentemente, os danos resultantes para a Ré do seu incumprimento pela Autora; e
c) operada essa requerida compensação, ser a Autora condenada a pagar ainda à Ré a quantia de € € 842.566,71, acrescida dos juros moratórios legais que sobre ela se vencerem desde a notificação desta contestação-reconvenção até à data de efectivo e integral pagamento.”
28. “Abstractamente considerando”, quando se analisa a defesa da Ré, parece daí resultar que houve:
- invocação de compensação de crédito da R. com crédito da A.;
- pedido de condenação para além do valor de 750.000 (o da suposta compensação), no montante de € 842.566,71.
Ao utilizar a expressão “abstractamente considerando” quer este tribunal significar que não vamos entrar na questão de saber se a compensação indicada pela Ré reúne os requisitos legais da compensação para assim poder ser qualificada, porque essa questão foi colocada na apelação e a decisão do tribunal foi a de não tomar conhecimento dela por ter ficado prejudicada com a solução do recurso.
Não faz sentido, então, que seja o STJ a pronunciar-se sobre a matéria, antes de o tribunal da Relação ter feito a sua apreciação, nem essa pronúncia é permitida por lei.
Assim, teremos de resolver as questões do presente recurso com respeito pelo enquadramento realizado pelo tribunal recorrido – e isso é admitir que na contestação esteja invocada a compensação como meio de encontro de contas entre R. e A.
Neste quadro, a defesa da R. tem de ser possível, incluindo a invocação da compensação na sua vertente de excepção ao pedido do A., não se podendo considerar que toda a defesa/contra-ataque está abarcada pelo regime da inutilidade superveniente da lide.
29. Quer isto dizer que estamos aqui a colocar a questão de saber se a compensação é uma defesa por excepção ou uma verdadeira reconvenção, nos moldes que a doutrina e jurisprudência colocavam a questão no âmbito do CPC antes de 2013, como que fazendo renascer, o que alguns poderão considerar, como um problema ultrapassado.
Sucede que, no domínio do actual CPC, pode ainda defender-se que há campo para a distinção e que a mesma não está ultrapassada – invocando-se que algumas normas jurídicas ainda fazem a distinção e que a mesma é de utilidade, mesmo sem norma expressa, para a resolução de alguns problemas (porventura).
30. Justifica-se, em face do exposto, motivar o que se afirmou, usando algumas referências doutrinais que acolhem (ao que se interpreta delas) a valia da distinção e a permissão legal de a ela recorrer, não obstante o art.º 266.º, n.º2, al. c) do CPC parecer indicar que a invocação da compensação implica formulação de pedido reconvencional (norma que é interpretada por alguns autores como indicando que a compensação passou a ter que ser sempre invocada através de reconvenção, independentemente do valor do crédito de que o réu é titular, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil).
Em sentido diverso desta leitura do art.º 266.º, n.º2, al. c), cumpre referir a posição de LEBRE DE FREITAS, “para quem a interpretação mais adequada do regime actual é que, no essencial, nada mudou, permanecendo a utilização da reconvenção para invocar a compensação a ser meramente facultativa, tal como acontecia anteriormente. A reconvenção é obrigatória apenas nas situações em que o crédito de que o réu é titular é de valor superior ao crédito reclamado pelo autor e o réu pretende a condenação do autor no pagamento desta parte do seu crédito. O legislador limitou-se a afirmar que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, o que é diferente de apenas poder ser invocada através de reconvenção. Por outro lado, podia discutir-se se a obrigatoriedade da reconvenção para invocar a compensação era aplicável nas situações em que o crédito de que o réu era titular não excedia o crédito que era reclamado pelo autor e estava em causa apenas impedir o efeito jurídico deste crédito, tendo a compensação operado extraprocessualmente, através de uma declaração do réu dirigida ao autor, tal como resultava do artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil10. Com efeito, nestas situações não existia qualquer componente constitutiva que justificasse a obrigatoriedade de utilização da reconvenção. Todavia, gerava-se uma distinção algo artificial. Se a compensação tivesse operado extrajudicialmente, para o que bastava uma mera declaração do réu dirigida ao autor, podia ser invocada como mera exceção, destinada a impedir o efeito jurídico do crédito que era reclamado pelo autor. Em contrapartida, na mesma situação, se a compensação não tivesse operado extraprocessualmente, o réu estava obrigado a invocar a compensação através de reconvenção. Assim, 'a melhor interpretação do regime do Código de Processo Civil de 2013 é de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa' 1.
Outra posição que enfrenta a questão encontra-se nos escritos de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, sob a epígrafe “A compensação oposta pelo réu em PC, após a entrada em vigor do Código de 2013” – texto inédito, gentilmente cedido pela autora.
Aí se diz: (citações parciais da responsabilidade da relatora)
“a) Noção e modo de operar da compensação de créditos. Todos sabemos que a compensação consiste na extinção recíproca de dois créditos de que são titulares duas pessoas diferentes, simultaneamente credora e devedora uma da outra (“encontro de contas”) – nº 1 do artigo 847º do Código Civil. E conhecemos o modo substantivo de operar essa extinção, reunidos os necessários requisitos quanto a ambos os créditos2 , de acordo com o regime escolhido pelo Código Civil de 1966 (artigos 847º, 848º e 854º Código Civil): por declaração de uma das partes à outra, em exercício de um direito potestativo do declarante. Não opera automaticamente, por mero efeito da lei, verificada a situação de compensação; nem resulta, constitutivamente, da sentença que declara (ou reconhece) a compensação. Todavia, os efeitos extintivos daquela declaração retrotraem à data em que ocorreu a situação de compensação ou seja, à data em que se verificaram os requisitos substantivos exigidos para a extinção dos créditos por compensação3.
b) O problema processual: Se o réu pretende opor a compensação com o crédito exigido pelo autor, tem o ónus de contestar por excepção peremptória, uma vez que alega um facto extintivo do direito do autor, cujo efeito é a absolvição (total ou parcial) do pedido, se proceder? Ou por reconvenção, já que invoca uma relação creditória diferente da que foi trazida pelo autor e está também a cobrar o seu crédito, não se limitando a extinguir o crédito do autor?
Como observa Antunes Varela4, a compensação oposta pelo réu é, na verdade, uma figura híbrida, com características que a aproximam da excepção peremptória, por um lado, e da reconvenção, por outro. O fim com que o réu a invoca é o de extinguir o direito do autor: não se traduz na formulação de nenhum pedido autónomo, característica distintiva da reconvenção, mas sim numa alegação destinada a obter a absolvição do pedido5.
No entanto, implica a alegação de uma relação creditória diferente da que é invocada pelo autor e significa, para o réu, a cobrança do crédito de cuja titularidade se arroga, assim se aproximando da reconvenção e se distanciando da mera alegação de um facto extintivo.
Será que essa natureza híbrida se repercute, ou deve repercutir, no regime processual aplicável?”
(…)
Para os primeiros, a referência à compensação entre os casos de reconvenção admissível teria como sentido possibilitar ao réu, caso o seu contracrédito fosse de montante superior ao do autor, opor a compensação na parte comum dos créditos e pedir a condenação do autor no pagamento do excesso… embora quanto ao excesso não houvesse compensação e tal interpretação tornasse inútil a referência à compensação entre os casos de admissibilidade de reconvenção, porque a possibilidade de pedir a condenação do autor no pagamento do excesso já cabia na al a) do nº 2 do então artigo 274º do Código de Processo Civil (pedido resultante de factos invocados como meio de defesa).
Para os segundos, independentemente do valor relativo dos créditos, o réu deveria seguir a via da reconvenção6.
Maioritariamente, entendia-se que a opção entre uma ou outra via dependia do valor relativo dos créditos7: se o crédito alegado pelo réu fosse igual ou inferior ao do autor, ao opor a compensação no montante comum, o réu estava a defender-se por excepção peremptória; caso fosse superior e o réu pedisse a condenação do autor no pagamento do excesso, estaria a formular um pedido reconvencional.
Também era esta a solução estabilizada na jurisprudência, desde a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça das Secções Cíveis reunidas, de 2 de Julho de 19748, em cujo sumário se lê:
(…)
Com as alterações trazidas pelo Código Civil de 1966, a compensação deixou de se verificar, quer por mero efeito da lei, quer por efeito constitutivo da sentença: a causa da extinção é a declaração potestativa de uma das partes à outra; mas a declaração é eficaz retroactivamente à situação de compensação e não é impedida pela iliquidez dos créditos.
Que via deverá então seguir o réu, que, demandado com o pedido de pagamento de um crédito, pretende opor a compensação no processo?
e) Suponho que não haverá que distinguir em função dos valores relativos dos créditos, porque na parte em que há excesso, não há compensação e, se o réu quiser a condenação nesse excesso, tem de a pedir em reconvenção; e suponho ainda que o melhor caminho para formar uma opinião – ou para reunir os dados suficientes para o efeito – será o de verificar quais são as diferenças entre os regimes aplicáveis à defesa por excepção peremptória e à reconvenção, de modo a determinar qual será o mais adequado à oposição pelo réu da compensação de créditos.”
(fim de citação)
Na jurisprudência deste STJ podemos igualmente ver já reflectida a problemática, nomeadamente no Acórdão do STJ de 13/4/2021, proferido no processo nº 69310/19.0YIPRT.G1.S1. (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9ec30d5fdb9dc110802586b600437863?OpenDocument)
31. Estando justificada a opção por manter necessária a distinção entre a excepção como defesa da R. com a invocação de compensação e a reconvenção propriamente dita – e sem prejuízo de processualmente o R. ter de incluir ambas na vertente reconvencional – vejamos agora os argumentos do recorrente, com vista a decidir o presente recurso.
32. Na defesa da sua posição a recorrente invoca vários argumentos – não sendo obrigatório que o tribunal esgote a análise de todos os que são convocados pelo recorrente, desde que a questão suscitada seja objecto de confronto e resposta pelo tribunal – , alguns dos quais vão aqui ser analisados.
1. Invocação de o Tribunal recorrido terá esquecido factos relevantes, da execução processual própria da insolvência e do processo em causa, para proferir a sua decisão.
Analisando.
Não tem razão.
Ainda que existam particularidades específicas do processo de insolvência – e sobretudo do pedido do administrador da insolvência para apensação da presente acção ao processo – os elementos fácticos relevantes foram tidos em consideração pelo tribunal, na medida em que o mesmo os considerou relevantes para a aplicação do Direito, não estando sujeito à obrigatoriedade de tomar em conta a argumentação da Ré, quando a mesma não tenha sido a recorrente e tenha uma visão diversa dos elementos relevantes para a decisão, naturalmente condicionados pela sua própria convicção - de parte - de que a decisão a adoptar devia ser outra.
32.2. Invocação de o Tribunal recorrido ter esquecido que do despacho de indeferimento da apensação da presente acção ao processo de insolvência proferido pelo Juiz da insolvência o Administrador de Insolvência não interpôs recurso e a Ré não teria legitimidade para dele recorrer por não ser parte ou interveniente na insolvência.
Analisando.
Não tem razão.
As regras relativas à legitimidade para interposição de recurso de uma decisão judicial admitem a possibilidade de haver recurso por quem não é parte no processo, como resulta do art.º 631.º, n.º2 do CPC, para o qual se remete.
32.3. Invoca contradição com a solução do STJ no Acórdão do STJ de 13/4/2021 de que foi Relatora a Ilmª Juiz Conselheiro Maria Olinda Garcia, proferido no processo nº 69310/19.0YIPRT.G1.S1.,
Analisando.
Não tem razão na integra, mas tão só na parte relativa à compensação/excepção, como se explicitará, e quando a mesma é exercida extrajudicialmente (como sucedeu naquele processo mas não sucede no presente).
Neste processo a questão analisada prendia-se com a compensação invocada extrajudicialmente antes da insolvência e disse-se aí:
“a superveniência da insolvência da contraparte não deve projetar-se retroativamente na eficácia da compensação que havia sido exercida antes da declaração de insolvência, tendo presente que o art.854º do CC consagra o efeito retroativo da invocação da compensação ao momento em que os créditos se tornam compensáveis.”
(…)
“Aplicar as regras da insolvência a casos em que a compensação já tinha sido invocada extrajudicialmente face a uma contra-parte que ainda não era insolvente (e, eventualmente, vários anos antes de vir a ser declarada insolvente) será colocar o devedor-credor, muito provavelmente, na situação de ter de pagar um crédito que julgava extinto e de não poder cobrar o seu contra-crédito porque o devedor se tornou insolvente (dado que a massa insolvente é, com frequência, insuficiente para a satisfação de todos os credores).”(…)
“… a superveniência da insolvência da contraparte não deve projetar-se retroativamente na eficácia da compensação que havia sido exercida antes da declaração de insolvência, tendo presente que o art.854º do CC consagra o efeito retroativo da invocação da compensação ao momento em que os créditos se tornam compensáveis.
3.9. Deverá concluir-se que o acórdão recorrido não fez a correta aplicação da lei.
Ao entender que a ré não se podia defender por exceção, porque a compensação só podia ser invocada em reconvenção (mesmo tendo a ré alegado que se tratava de compensação já invocada extrajudicialmente), mas sustentando que, no caso concreto, a reconvenção nunca seria admissível porque a contraparte se encontrava insolvente, o acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância (que condenou imediatamente a ré a pagar parte do montante pedido pela autora), sem que a ré tivesse podido fazer prova cabal dos factos por si alegados, sendo, assim, colocada num labirinto processual, com clara limitação dos seus direitos de defesa.
Nestes termos, o acórdão terá de ser revogado, por (ao confirmar a decisão da primeira instância) ter feito errada aplicação da lei de processo, nos termos do art.674º, n.1, alínea b) do CPC, revogando-se, portanto, a condenação da ré, devendo-se, após a prévia apreciação/fixação dos respetivos factos, conhecer da exceção invocada.”
Assim, não se pode dar por equivalente (pelo menos sem discussão), se a compensação extrajudicial tem o mesmo regime da compensação invocada em juízo, para efeitos de considerar que os arestos contêm jurisprudência contraditória.
32.4. Invoca ainda a recorrente contradição com a solução do Acórdão da Relação de Lisboa de 16/3/2023 de que foi Relator o Ilmº Juiz Desembargador António Moreira proferido no processo nº 8201/12.2TBOER-A.L1.2
O sumário deste aresto é o seguinte:
1. …
2. Estando em causa a verificação de um crédito sobre a insolvência, para efeitos de afirmar a compensação (parcial) do mesmo com um crédito da insolvência, o art.º 99º do CIRE permite tal compensação, desde logo quando o preenchimento dos seus pressupostos legais (aqueles que resultam do art.º 847º do Código Civil) é anterior à data da declaração de insolvência (al. a) do nº 1 do referido art.º 99º).
3. A insolvência superveniente da A. não deve afectar esse efeito extintivo da obrigação, que se terá por verificado retroactivamente, com a eficaz invocação da compensação de créditos pela 1ª R., na sua contestação.
Analisando.
Tratava-se de processo em que o contra-crédito invocado pelo réu não excedia o do crédito do autor – (compensação-excepção) – e em que se tratou de analisar se seria possível conhecer da compensação enquanto excepção (causa de extinção do crédito invocado), mas já não da reconvenção (na parte em que a condenação pedida pela Ré visava ir para além do pedido do A.)
E veio a considerar-se que “o conhecimento da compensação-excepção, mesmo para os efeitos estritamente extintivos que lhe estão associados”, implicar “sempre o reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente” (tendo presente que a A. foi, entretanto, declarada insolvente), sem que daí resulte ter havido violação do art.º 90.º do CIRE.”
E vais mais longe, atestando que o conhecimento da compensação – excepção é permitida pelo art.º 99 do CIRE (“Tratando-se da verificação de um crédito sobre a insolvência, para efeitos de afirmar a compensação (parcial) do mesmo com um crédito da insolvência, o art.º 99º do CIRE permite tal compensação, desde logo quando o preenchimento dos seus pressupostos legais (aqueles que resultam do art.º 847º do Código Civil) é anterior à data da declaração de insolvência (al. a) do nº 1 do referido art.º 99º)”.
E aí se disse:
“Dos efeitos da declaração de insolvência da A.
Na decisão recorrida ficou assim fundamentada a extinção da instância reconvencional, por efeito da declaração de insolvência da A.:
“Como esclarece a doutrina, «a reconvenção constitui uma acção cruzada contra o autor», que serve para o réu «formular pretensão ou pretensões correspondentes a uma ou diversas acções autónomas» (Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, 2022, Almedina, p. 334).
O Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão n.º 1/2014, sustentou que, «[d]eclarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência». Por isso, «a partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE», como expressamente determina o artigo 90.º deste código.
Precisamente por isso o referido aresto uniformizou jurisprudência no sentido de que, «[t]ransitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C.».
Visando as RR., com a reconvenção, exercer direitos de crédito de natureza patrimonial sobre a A/reconvinda constituídos antes da declaração de insolvência, deve estender-se também a esta hipótese a jurisprudência fixada no referido Acórdão n.º 1/2014, pois que, também em relação ao réu reconvinte, se aplica, a partir do trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência do autor reconvindo, o ónus previsto no artigo 90.º do CIRE.
Ora, impondo a lei, atenta a natureza específica do processo de insolvência, que todos os credores do insolvente aí reclamem os seus créditos e pela forma estabelecida no CIRE, só no processo de insolvência da A., acima identificado, podem as RR. fazer valer os créditos ora invocados sobre ela.
Por isso, embora as reconvenções anteriormente deduzidas pelas RR. sejam processualmente admissíveis, deve julgar-se extinta a instância reconvencional, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC de 2013, aplicável, o que, por sua vez, prejudica o requerimento de apensação apresentado pela 2.ª R. na contestação.
Admitindo que as RR. invocam em sua defesa a compensação de créditos - que, na interpretação dominante à data da vigência do CPC de 1961, aplicável, assumia a natureza de excepção peremptória quando o valor do contra-crédito invocado pelo réu não excedesse o do crédito do autor, como é o caso - está também vedado ao Tribunal dela conhecer.
Com efeito, o conhecimento da compensação-excepção, mesmo para os efeitos estritamente extintivos que lhe estão associados, implica sempre o reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente, o que só pode ser feito no processo de insolvência da A. e de acordo com as normas consagradas no CIRE, como expressamente determina o citado artigo 90.º do CIRE”.
Embora não conste expressamente do dispositivo da decisão recorrida, resulta da mesma que ficou igualmente decidido que a instância se extinguia, no que respeita ao conhecimento da compensação enquanto excepção peremptória (como se retira dos dois últimos parágrafos acima reproduzidos).
A 1ª R. não coloca em crise que, à face da jurisprudência uniformizada pelo acórdão 1/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, a instância reconvencional não pode prosseguir, como foi decidido.
Todavia, entende que isso não impede que o crédito reclamado por essa via possa ser considerado nos termos da defesa por excepção, sendo compensado com o crédito da A. e conduzindo à absolvição (parcial) do pedido formulado por esta.
E, para tanto, sustenta que uma interpretação do art.º 90º do CIRE que conduza a afirmar a inutilidade superveniente da lide, igualmente no que toca ao conhecimento da excepção peremptória em questão, se apresenta como inconstitucional, por violação dos “mais elementares direitos fundamentais a uma tutela jurisdicional efectiva”.
Importa desde logo recordar que, como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 651), a compensação mais não é que “uma forma de extinção das obrigações, à luz do direito substantivo (art. 847º do CC) e que radica na invocação de um contra-crédito tendente ao encontro de contas (total ou parcial)”.
Tais autores explicam ainda (pág. 303-305), a respeito da tomada de posição legislativa quanto à forma de invocação em juízo do referido contra-crédito e da subsequente controvérsia doutrinária e jurisprudencial suscitada, que “por agora, o que podemos afirmar é que, sem embargo da pertinência de alguns dos argumentos que ainda se podem extrair do elemento literal (…), os precedentes históricos (em face do CPC de 1961) e a manifesta vontade do legislador de alterar o anterior paradigma parecem induzir a conclusão de que, sempre que o réu pretenda invocar um contra‑crédito com vista a obter a improcedência da acção (por extinção do crédito do autor) ou a obter a condenação do autor no pagamento do valor remanescente, deve agir através da dedução de reconvenção”.
Todavia, em momento algum tais autores colocam em crise que na génese da compensação, seja a mesma passível de ser invocada judicialmente pela via da excepção peremptória quando se trate de obter a extinção parcial do crédito do autor (como sucedia no domínio do Código de Processo Civil de 1961), seja a mesma passível de ser invocada judicialmente pela via da reconvenção, está sempre um crédito do réu sobre o autor e a vontade daquele de alcançar o referido “encontro de contas”.
E se assim é, quer por uma via, quer pela outra, sempre terá o tribunal de verificar a existência do crédito do réu sobre o autor.
Dito de outra forma, se é verdade que a compensação, invocada judicialmente pela via da excepção peremptória, conduz à extinção (se não total, pelo menos parcial) do direito de crédito que o autor pretende exercitar pela acção, com a correspondente absolvição do réu (total ou parcial) do pedido, isso não significa que não se apure a existência do crédito do réu, já que é esse o facto essencial da excepção peremptória em questão.
É claro que essa verificação judicial do crédito do réu sobre o autor não conduz a qualquer condenação deste na sua satisfação àquele, quando efectuada em sede de excepção peremptória. Mas não deixa de se reconhecer a sua existência, enquanto primeiro pressuposto da aplicação do instituto da compensação.
Pelo que reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, não se acompanha o afirmado pela 1ª R., quer quando afirma que “o conhecimento da compensação-excepção não implica o reconhecimento de um crédito” sobre a A., quer quando afirma que “reconhecer a procedência da compensação em nada implica o reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente na medida em que esse crédito se dilui na apreciação do pedido principal”.
É exactamente porque a compensação não pode operar se não se verificar a existência do crédito invocado pela 1ª R., que a aplicação do instituto em questão (ainda que pela via da excepção peremptória) impõe tal reconhecimento do crédito em questão.
Pelo que, nesta medida, nenhuma censura há a fazer à afirmação constante da decisão recorrida, no sentido de “o conhecimento da compensação-excepção, mesmo para os efeitos estritamente extintivos que lhe estão associados”, implicar “sempre o reconhecimento de um crédito sobre a massa insolvente” (tendo presente que a A. foi, entretanto, declarada insolvente).
Mas será que, como consta igualmente da decisão recorrida, está vedado ao tribunal recorrido efectuar tal reconhecimento, enquanto pressuposto da validade da declaração de vontade compensatória efectuada pela 1ª R., porque a A. foi, subsequentemente, declarada insolvente, e tendo presente que tal reconhecimento só poderá ser feito em sede de processo de insolvência, de acordo com o disposto no art.º 90º do CIRE?
Tratando-se da verificação de um crédito sobre a insolvência, para efeitos de afirmar a compensação (parcial) do mesmo com um crédito da insolvência, o art.º 99º do CIRE permite tal compensação, desde logo quando o preenchimento dos seus pressupostos legais (aqueles que resultam do art.º 847º do Código Civil) é anterior à data da declaração de insolvência (al. a) do nº 1 do referido art.º 99º).
Como compaginar, então, tal possibilidade de verificação judicial do crédito sobre a insolvência, para efeitos de afirmação da compensação em sede de excepção peremptória, com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão nº 1/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, e mencionada na decisão recorrida?
Recorde-se que tal uniformização de jurisprudência parte, entre outros pressupostos, da constatação de que “a finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art.º 1.º /1 do CIRE – postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes susceptíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes”.
E, por isso, é que se conclui que, com a declaração de insolvência, “todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência”, devendo exercitar os seus direitos de crédito no processo de insolvência e em conformidade com os preceitos que regulam, como dispõe o art.º 90º do CIRE.
Tal exercitação dos direitos de crédito sobre a insolvência deve, todavia, ser entendida por relação à circunstância de a insolvência se apresentar como uma execução universal, só havendo necessidade de reconhecer os créditos sobre a insolvência na medida em que os mesmos serão satisfeitos pelo produto da massa insolvente, segundo a ordem de preferência dos mesmos e rateadamente, na medida em que o puderem ser.
Todavia, quando um dos credores é simultaneamente devedor do insolvente e anteriormente já havia declarado a sua vontade de compensar os créditos em questão, é-lhe admitido obter essa extinção da sua obrigação para com a insolvência, em “encontro de contas” com o seu crédito sobre a insolvência.
Assim, uma primeira conclusão se apresenta como óbvia, no sentido de a referida igualdade de tratamento dos credores não se apresentar como absoluta, admitindo excepções, como no caso dos credores que, sendo igualmente devedores do insolvente, tenham declarado a compensação anteriormente à declaração de insolvência (e desde que não se verifique alguma das circunstâncias a que respeita o nº 4 do art.º 99º do CIRE).
Por isso é que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou já, no seu acórdão de 17/10/2019 (relatado por Hélder Almeida e disponível em www.dgsi.pt), que a “admissão da compensação, no âmbito do procedimento insolvencial, não constitui violação do princípio par conditio creditorum, mas apenas e só mera excepção a esse princípio que a doutrina tem entendido como não sendo absoluto”.
Assim sendo, se é admitida tal excepção ao princípio da igualdade de tratamento dos credores, e se o prescrito no art.º 90º do CIRE mais não é que uma emanação desse princípio, então nada obsta a que tal compensação possa ser invocada e declarada no âmbito de processo declarativo desencadeado pelo insolvente (em momento anterior à declaração de insolvência), onde o mesmo visa o reconhecimento de um crédito (posteriormente denominado como crédito da insolvência) que detém sobre esse seu credor, e sendo depois processualmente considerada no âmbito desse processo declarativo, enquanto concretização da referida excepção ao princípio par conditio creditorum.
E por isso é que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou já, no seu acórdão de 13/4/2021 (relatado por Maria Olinda Garcia e disponível em www.dgsi.pt), que “a superveniência da insolvência da contraparte não deve projectar-se retroactivamente na eficácia da compensação que havia sido exercida antes da declaração de insolvência, tendo presente que o art.º 854º do CC consagra o efeito retroactivo da invocação da compensação ao momento em que os créditos se tornam compensáveis”.
Do mesmo modo, é por isso que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou igualmente, no seu acórdão de 14/12/2021 (relatado por Fernando Samões e disponível em www.dgsi.pt) que “a insolvência superveniente da contraparte não deve afectar o efeito extintivo da obrigação que já se tenha produzido com a eficaz invocação da compensação de créditos, por via extrajudicial, nos termos dos art.ºs 848.º e 854.º do C. Civil”.
E se em ambos os casos aí considerados a imposição da anterioridade da declaração de compensação em relação à declaração da insolvência levou à afirmação da necessidade de uma declaração extrajudicial (exactamente porque quando a acção respectiva foi proposta já havia sido declarada a insolvência de cada um dos aí autores), no caso concreto dos autos nada obsta a que a declaração de compensação possa ter sido efectuada em sede de contestação, uma vez que a declaração de insolvência da A. é posterior em cerca de seis anos à apresentação da contestação da 1ª R.
Dito de outra forma, porque o que está em causa é a anterioridade da invocação da compensação de créditos relativamente à declaração de insolvência (e não a circunstância de tal compensação haver sido invocada judicial ou extrajudicialmente), e sendo manifesto, no caso dos autos, que tal anterioridade está presente, nada obsta a que a 1ª R. possa fazer valer essa garantia do seu crédito (o termo surge no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/9/2019, relatado por Ana Paula Boularot e disponível em www.dgsi.pt, emergindo da doutrina aí identificada), opondo-o ao contra-crédito da A. em litígio, e tendo em vista a afirmação da sua extinção, na medida correspondente.
Poder-se-ia objectar que, ainda assim, o disposto no art.º 90º do CIRE deveria ser interpretado no sentido de a afirmação da compensação dever ocorrer apenas e tão só no âmbito do processo de insolvência e, mais concretamente, em sede de verificação dos créditos sobre a insolvência.
Todavia, do disposto no art.º 85º do CIRE resulta que as acções cujo resultado possa influenciar o valor da massa insolvente não deixam de correr os seus termos, só sendo apensadas ao processo de insolvência se o administrador da insolvência nisso vir alguma conveniência. Por outro lado, resulta do art.º 154º, nº 2, do CIRE que o administrador da insolvência não mais está obrigado que a declarar as possibilidades de compensação dos créditos sobre a insolvência.
Ou seja, e como já se disse, não emergindo do disposto no art.º 90º do CIRE um princípio absoluto no sentido de todas as situações relativas a créditos da insolvência e créditos sobre a insolvência deverem ser verificadas em sede do processo de insolvência e dos seus incidentes (desde logo o incidente de verificação de créditos), mas admitindo-se que as questões relativas à compensação de créditos se apresentam como uma excepção a esse princípio, nada impede que as mesmas possam ser discutidas no processo onde foram suscitadas, a título de excepção peremptória.
Em suma, porque os efeitos da declaração de insolvência da A. não impedem o conhecimento da compensação invocada pela 1ª R., a título de excepção peremptória, não pode subsistir a afirmação constante da decisão recorrida, no sentido de estar vedado ao tribunal recorrido conhecer da mesma.
Pelo que, nesta parte, procedem as conclusões do recuso da 1ª R., mantendo-se a declaração da extinção da instância reconvencional, mas havendo que determinar o conhecimento dessa excepção peremptória pelo tribunal recorrido.”
Com a exposição apresentada podemos concluir que não há contradição jurisprudencial verdadeira ou numa acepção mais própria, porque os contornos fácticos do caso resolvido no acórdão fundamento são diversos dos que se apuram por referência ao presente processo: aqui a R. pretende fazer valer a compensação e ainda obter um crédito adicional sobre a A. – fez assim um pedido de condenação da A. em 1592.566,71, que após a compensação seria de crédito sobre a A. de 842.566,71.
Não se fugirá, no entanto, à problemática de saber se a decisão recorrida não está legalmente errada na parte relativa à compensação-excepção (de 750.000,00 euros).
32.5. Diz a recorrente que a situação dos autos não é enquadrável no Acórdão do STJ nº 1/2014.
Analisando.
Neste aresto foi uniformizada a jurisprudência assim:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
A norma do art.º 287.º, al. e) do C.P.C para este AUJ corresponde actualmente ao art.º 277.º, al. e) do CPC.
A situação que despoletou a prolação deste AUJ reportava-se a uma acção intentada por credor contra uma empresa, que veio a ser declarada insolvente, já depois da entrada em juízo da acção.
E o tribunal disse:
“Em síntese, aproximando a conclusão:
- Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;
- A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE - cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados -, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (...e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção (13), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.
O Acórdão sub judicio elegeu a solução consentânea, que não pode, por isso, deixar de ser sufragada, soçobrando, pois, todas as razões que enformam as asserções conclusivas que resumem a motivação do recurso.
E, com todo o respeito por diverso entendimento, não vemos qualquer razão, técnico-juridicamente ponderosa, que aponte no sentido de que a solução deva ser diversa no Foro comum.”
Em que medida a jurisprudência deste AUJ é aplicável aos presentes autos?
Interpretando o acórdão em causa e as considerações já realizadas sobre a distinção entre “compensação/excepção” e “reconvenção”, o AUJ aplica-se à reconvenção na parte em que a mesma excede a compensação invocada claramente.
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É relativamente a este crédito que alguém se pretenda fazer reconhecer como credor contra o insolvente que se diz que o mesmo terá de ser deduzido no processo de insolvência, pelas vias aí indicadas, nomeadamente a reclamação de créditos.
E, por isso, a acção que o alegado credor tenha intentado contra a Ré que venha a ser considerada insolvente deve ter como desfecho a inutidade superveniente da lide – regra que se aplicará ao crédito que excede a compensação invocado a título de reconvenção apresentada por R. em defesa no âmbito de acção intentada por quem como credor vem depois a ser declarada a insolvência do devedor, visto que a posição de invocação desse crédito em reconvenção é equivalente a fazer valer em juízo um crédito por via de uma acção.
Do exposto resulta que a recorrente tem parcialmente razão.
Tem razão na parte em que pretende ver admitida a sua defesa por excepção, em que invoca a compensação com os créditos da A. – e até ao valor daqueles;
Não tem razão quando pretende que nesta acção se possa decretar ser credora da A. no remanescente (e até ao valor total do seu pedido reconvencional), por esta invocação ser equivalente à posição de A. em acção contra insolvente posteriormente assim declarado, tomando por referência a data da propositura da acção.
Nessa parte – e quantia – há inutilidade superveniente da lide e a R. deverá, nos termos legais, deduzir reclamação do crédito a que se arroga no processo de insolvência.
É que, uma vez declarada a insolvência, todos os credores da insolvência têm direitos de crédito que entram em colisão entre si dada, em provável, a insuficiência da massa insolvente para satisfação de todos os créditos. Por isso, se prevê um processo de verificação e graduação de créditos a que são chamados todos os credores da insolvência a fim de aí fazerem valer os seus direitos em confronto com todos os restantes credores e a insolvente, para que os direitos verificados e as garantias ou preferências no pagamento reconhecidas sejam oponíveis a todos.
Visando a Ré, com a reconvenção, exercer direitos de crédito de natureza patrimonial sobre a Autora reconvinda constituídos antes da declaração de insolvência (que não a compensação), deve estender-se também a esta hipótese a jurisprudência fixada no referido Acórdão n.º 1/2014, pois que, também em relação à ré reconvinte, se aplica, a partir do trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência do autor reconvindo, o ónus previsto no artigo 90.º do CIRE
Por força do disposto no art. 128º, nº 3 do CIRE, a reconvenção não pode prosseguir, dado que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos é o aí referido.
Ainda que fosse procedente a reconvenção, nenhum efeito jurídico contra a massa insolvente retiraria a autora da decisão destes autos, pois a mesma seria inoperante perante os demais credores e massa insolvente – art. 173º do citado Código.
Declarada a insolvência deve julgar-se extinta a instância reconvencional (na parte em que não abrange a compensação) por impossibilidade superveniente da lide por o Réu/reconvinte ter de reclamar o seu crédito no competente incidente. E não obsta à conclusão estar em causa uma reconvenção pois, como é aceite unanimemente, trata-se de uma contra-ação pelo que é totalmente aplicável à dedução de reconvenção, nestas circunstâncias, o que se aplica à ação, também sendo, in casu, impossível de ser deduzida.
32.6. Invoca a recorrente que a solução configurada nos presentes autos envolve um conflito negativo de competência em relação à instância reconvencional. E a razão desse conflito negativo seria fundado na listispendência: estando já pendente a acção e a reconvenção nela deduzida no momento da apresentação da Autora à insolvência e, consequentemente, no momento da prolação da sentença de declaração da insolvência, a Ré não poderia, sob pena de incorrer em litispendência, ir reclamar na insolvência o seu contracrédito contra a Autora e a compensação parcial de créditos e muito menos propor a posteriori, na pendência desta acção, um acção de verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146º do CIRE.
Analisando.
Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.
Não tem razão na parte relativa à reconvenção porque:
- A reclamação do crédito invocada na reconvenção não só é possível, sem violação do regime da litispendência, como é mesmo a solução imposta pelo legislador na situação específica da insolvência do alegado devedor, que não é dispensável nem mesmo se uma decisão judicial tiver reconhecido o crédito da Ré sobre a insolvente, com trânsito em julgado.
- A apresentação a insolvência após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, não contraria o citado princípio da igualdade processual entre as partes, tao pouco corta liminarmente e cerce o direito da Ré/reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora.
- A Ré não estava impedida, nem nunca esteve impedida, de, após a dedução da sua contestação- reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora, ir reclamar os seus créditos indemnizatórios ao processo de insolvência ou em acção de verificação ulterior de créditos, não se verificando qualquer excepção de litispendência na reclamação de créditos ou na verificação ulterior de créditos por força do disposto nos artigos 580º, 581º e 582º do C.P.C..
Mas já tem razão quando lhe está a ser vedada a possibilidade de defesa da presente acção na parte em que invoca a compensação com o alegado crédito da A., impondo-se, em princípio, ao tribunal que conheça da defesa que apresenta.
Essa permissão encontra-se no art.º 99.º do CIRE, que funciona como norma que permite não reclamar todos os créditos na insolvência, porque “não emergindo do disposto no art.º 90º do CIRE um princípio absoluto no sentido de todas as situações relativas a créditos da insolvência e créditos sobre a insolvência deverem ser verificadas em sede do processo de insolvência e dos seus incidentes (desde logo o incidente de verificação de créditos), mas admitindo-se que as questões relativas à compensação de créditos se apresentam como uma excepção a esse princípio, nada impede que as mesmas possam ser discutidas no processo onde foram suscitadas, a título de excepção peremptória.”
32.7. Diz a recorrente ainda: “O douto Acórdão recorrido é manifestamente violador do princípio da igualdade processual entre as partes ao considerar que, declarada a insolvência da Autora na presente acção, em processo de insolvência por ela própria instaurado por apresentação já após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, a mesma acção pode prosseguir apenas para apreciação dos pedidos nela formulado pela Autora na p.i., para eventual reconhecimento dos direitos de crédito que nela a Autora reclama sobre a Ré, sem a concomitante apreciação dos pedidos reconvencionais oportunamente deduzidos pela Ré contra a Autora e dos contracréditos daquela contra esta que de tais pedidos reconvencionais são objecto, para, na hipótese do seu procedimento, serem objecto de compensação parcial com parte ou a totalidade dos créditos invocados e que venham a ser reconhecidos à Autora na presente acção…O entendimento do Acórdão recorrido corta liminarmente e cerce o direito da Ré-reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora com base no incumprimento contratual do mesmo contrato com base no qual a Autora formula na p.i. os seus pedidos contra a Ré, não tendo tido em conta que, na pendência da presente acção e da instância reconvencional, a Ré estava impedida de, após a dedução da sua contestação-reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora…
Analisando.
Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.
Tem razão quando lhe está a ser vedada a possibilidade de defesa da presente acção na parte em que invoca a compensação com o alegado crédito da A., impondo-se ao tribunal que conheça da defesa que apresenta.
32.8. Diz ainda a recorrente – “Ré-reconvinte não poderia desistir previamente na presente acção do pedido reconvencional que deduzira ( única desistência que era livre de fazer, pois a da instância dependeria do consentimento da Autora) para depois ir reclamar os mesmos créditos que dele eram objecto na reclamação de créditos por apenso ao processo de insolvência (se deles já desistira como é que depois os iria reclamar ??!!)”.
Analisando.
Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.
Não tem razão na parte relativa à reconvenção porque ainda que a desistência do pedido na presente acção possa não fazer sentido (art.º 285.º, n.º1 e 286.º, n.º2 do CPC), a Ré tem à sua mercê o pedido de inutilidade superveniente da lide, previsto no art.º 277.º, al. e) ., e que não extingue o seu direito, se porventura o tiver.
Assim, na presente acção, deve admitir-se que a compensação invocada seja analisada enquanto excepção ao pedido formulado pela A., por se tratar de aferir se o crédito que a A. invoca já se encontraria extinto pelo efeito retroactivo da invocada compensação e no âmbito da defesa da Ré, em que invoca incumprimento pela A. das suas obrigações.
33. Quanto à questão de saber se estão reunidos os requisitos legais para invocar a compensação, recorda-se que a questão foi colocada na apelação – e vem suscitada na revista pela via da ampliação do objecto do recurso –, mas a mesma foi considerada prejudicada pelo tribunal recorrido:
1. Foi elencada como questão b) do recurso
“b) – caso assim se não entenda, se a reconvenção, por falta dos requisitos da compensação, não deve ser admitida [conclusões J) a T) do recurso].”
2. Teve a seguinte resposta do tribunal:
“Face ao ora decidido, fica prejudicado o tratamento da segunda questão enunciada (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).”
Na medida em que se impõe revogar a decisão do tribunal da Relação na parte que considerou toda a reconvenção abrangida pela inutilidade superveniente da lide, também antes de saber se o processo deve mesmo seguir os seus termos, impõe-se determinar que o TR aprecie a questão prejudicada (no contexto da nova decisão que este STJ adoptou), após o que aquele tribunal decidirá do recurso de apelação.
É que o apelante havia colocado a questão de saber se o pedido seria admissível por referência ao fundamento de ser uma compensação judiciária ou compensação reconvenção, ao abrigo do art.º 266.º, n.º2, al. c) do CPC, por entender que não estariam reunidos os requisitos do 847.º do CPC – e o tribunal não conheceu (legitimamente, à época) da questão, tendo a 1ª instância decidido que a questão seria de conhecer em momento próprio, quando houvesse prolação de decisão de mérito sobre a acção interposta
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados:
Revoga-se a decisão recorrida na parte em que considerou extinta por inutilidade superveniente da lide a totalidade do pedido reconvencional, por se entender que há uma parte desse pedido que comporta defesa por excepção (compensação) – permitida – a não ser que o tribunal entenda que não estão preenchidos os requisitos da compensação, determinando-se que o tribunal recorrido conheça da questão prejudicada e, atenta a decisão deste STJ, profira decisão sobre se a acção prossegue tendo como âmbito a análise da compensação invocada por via reconvencional.
Isto significa que se confirma o acórdão recorrido na parte em que determina a inutilidade superveniente da lide relativa ao pedido reconvencional em que a Ré pede a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de 842.566,71euros.
Custas pelo recorrido, massa insolvente, e pela recorrente, na medida do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário.
Lisboa, 3 de Outubro de 2024
Relatora: Fátima Gomes
1º Adjunto: Juiz Conselheiro: Dr. Ferreira Lopes
2º Adjunto: Juiz Conselheira: Dra. Maria de Deus Correia
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1. apud Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, A compensação nas formas de processo em que não é admissível…, Julgar Online, maio de 2019, p. 6-7.
2. O presente estudo tem por objecto específico o modo de invocar a compensação em processo e não os múltiplos aspectos do seu regime substantivo que merecem particular atenção. Serão referidos, naturalmente, quando for necessário.
3. Essa data também é importante, por exemplo, para saber se um crédito do réu que não foi invocado para compensar com o crédito que o autor exige na acção poderia ter sido oposto e, em caso afirmativo, se a omissão de invocação tem efeitos preclusivos para o réu (por ex., se fica impedido de o vir cobrar noutra acção).
4. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 330 e segs., pág. 332.
5. Toda a contestação-defesa tem como conclusão necessária um pedido de absolvição – da instância ou do pedido. A reconvenção traduz-se na formulação de um pedido autónomo, no sentido de diferente do pedido de absolvição.
6. Era como sabemos a posição sustentada por Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Lisboa, 1980, pág. 297 e segs., ou por Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Coimbra, 2009, pág. 1099 e segs. porque “se traduz numa auto-realização do crédito do compensante”, é mais conforme com a letra da lei e evita contradições com o direito substantivo (pág. 1109).
7. A título de exemplo, Vaz Serra, “Algumas Questões em Matéria de Compensação no Processo”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 104, pág 276 e segs., pág. 278 e nota (2) e ano 105º, pág. 36 ou Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., Coimbra, 1977, Adenda, pág. 283 e segs.