PROVA DOCUMENTAL
INTERNET
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
APRESENTAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
REMISSÃO PARA DOCUMENTOS
DOCUMENTO ELETRÓNICO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
CITAÇÃO
JORNAL
PUBLICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário


A inserção no texto de um documento em formato electrónico de uma hiperligação para um sítio internet onde está alojado um documento que se pretende apresentar como meio de prova não constitui meio processualmente válido de apresentar prova documental.

Texto Integral


Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça


AA, residente na Rua da ..., propôs acção especial de tutela de direito de personalidade para efectivação coerciva do direito de resposta, nos termos do artigo 27.º da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, pedindo a condenação da Directora da Revista ..., BB, a publicar o direito de resposta que lhe foi remetido pelo Requerente, a efectivar no prazo previsto na lei, e com a fixação de uma sanção pecuniária compulsória destinada a assegurar a efectivação do direito de resposta cujo valor não deve ser fixado em menos de Eur.100,00 por cada dia de atraso.

Para o efeito alegou em síntese:

• No dia ... de Janeiro de 2023, na edição online e depois na edição da semana da revista ..., o jornalista CC assinou artigo ou notícia que continha uma referência subliminar que identificava o demandante como acusado pelo crime de branqueamento de capitais;

• Em carta dirigida à diretora da Revista ..., recebida a ... de Fevereiro de 2023, solicitou a publicação do seu direito de resposta, cujo exercício foi por aquela recusado a … .02.2023;

• A notícia, no que diz respeito ao demandante, é falsa e atenta contra a sua honra e bom nome, pois nem o requerente foi acusado de qualquer crime como nenhum dos acusados no processo em causa é empresário do sector metalúrgico.

A requerida contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção.

De seguida foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré do pedido.

Apelação

O autor não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 19-12-2023, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Revista

O autor não se conformou e interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação da decisão e a substituição dela por outra que, decidindo que era admissível como prova da existência de publicação a reprodução da mesma no articulado com a indicação do endereço onde está alojada a publicação, ordenasse a sua descida para a apreciação da matéria de facto em conformidade.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

A. A crescente desmaterialização dos actos judiciais e, bem assim, o caminho para a sociedade digital impõem que o conceito de documento fixado no Cód. Civil de 1966, seja hoje aggiornado e por forma a acolher as vantagens dos documentos digitais, a sua capacidade de fixar de forma dinâmica a informação e ampliar as potencialidades do documento digital em si;

B. As peças processuais apresentadas em formato pdf não deixa de ser documentos remetidos por via de transmissão electrónica de dados e contendo em si a informação digital, vulgo, metadados, que entre outras condições, asseguram a fidedignidade e fiabilidade do documento electrónico;

C. Por tal facto, a inserção em peça processual que corresponde a uma petição inicial de notícias referentes a edições digitais de publicações periódicas, acompanhadas estas dos endereços digitais (links), onde as mesmas se encontram publicadas e disponíveis, não pode deixar de ser considerada como prova documental (digital), ainda que inserida na própria peça processual, porque habilita o tribunal a conhecer do teor do documento e a consultar a sua correspondência entre o que foi inserido na peça processual e o que se encontra publicado, à distância do toque numa tecla do computador, como sucede hoje até com as publicações oficiais seja no que se refere ap Diário da República que apenas tem edição digital, seja no que se refere ao repositório de legislação da União Europeia;

D. Assim, forçoso é concluir que são atendíveis as provas referentes à existência de uma publicação digital, quando na petição inicial o Autor insere a notícia digital e o link correspondente ao local onde a mesma se encontra publicada;

E. Nos termos dos Arts. 5.º e 6.º do CPC, o tribunal deve adoptar procedimentos que afastem a justiça formal, e que permitam a realização de uma justiça material, razão pela qual, considerando o tribunal que tinha ocorrido a junção indevida de elementos documentais, deveria ter notificado a parte que fez a sua apresentação para fazer nova junção aos autos;

F. Com o advento dos documentos digitais, e em especial, com a criação do processo digital, e com a apresentação das peças processuais em formato digital em pdf, formato que permite a inserção de conteúdos dinâmicos, nomeadamente links, e no caso, que correspondem ao endereço de alojamento de uma página digital de uma publicação periódica, o tribunal não pode deixar de considerar o teor e conteúdo do documento alojado na página digital para a qual foi inserido o link na página processual, e reconhecer a validade probatória do documento digital publicado na página indicada na peça processual.

Não foi apresentada resposta ao recurso.

A revista exceppcional foi admitida por acórdão proferido em 3 de Julho de 2024.


*


Questão suscitada pela revista excepcional:

• Saber se o acórdão recorrido é de revogar e de substituir por decisão que decida ser admissível como prova da existência de publicação a reprodução da mesma no articulado com a indicação do endereço onde está alojada a publicação;

• Saber, em caso de resposta afirmativa, se é de ordenar a remessa do processo à 2.ª instância para a apreciação da matéria de facto em conformidade.

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O acórdão recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos:

Provados:

1. No passado dia … de Janeiro de 2023, na edição online e depois na edição da semana da revista ..., o jornalista CC assinou artigo, ou notícia que se encontra acessível em https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2023-01-25-de-burla-em-burla-o-empresario-DD-foi-acusado-de-10-crimes/.

2. Fez este escrever na peça jornalística o seguinte texto na sequência da divulgação: “Entre os acusados, mas apenas pelo crime de branqueamento de capitais, estão empresários ligados à metalurgia e com ligações próximas a DD”.

3. O demandante, por escrito, que dirigiu por carta registada com prova de entrega e por via de correio eletrónico, solicitou a publicação do seu direito de resposta nos seguintes termos: “Assunto: Direito de Resposta Noticia de … de Janeiro de 2023 do jornalista CC Lei 2/99 de 13 de janeiro - Art.º 24º Exmos. Senhores, No passado dia … de janeiro de 2023, em artigo assinado pelo jornalista CC, e referente a DD, escreveu no artigo: “Entre os acusados, mas apenas pelo crime de branqueamento de capitais, estão empresários ligados à metalurgia e com ligações próximas a DD. “Fui notificado, como Ofendido, do teor da acusação proferida pelo Ministério Público no dia 20 de Fevereiro de 2023, e do seu teor pude constatar que não existe nenhum empresário ligado à metalurgia acusado pelo crime de branqueamento de capitais, razão pela qual o vosso jornalista ou não teve acesso ao teor da acusação, ou se teve acesso à mesma, alterou de forma consciente a verdade, e da forma mais infame, passando a mensagem de validação de um conjunto de notícias onde quer eu, quer as minhas empresas, com especial incidência a F....., estávamos implicados no processo de que resultou a acusação. Nada poderia ser mais falso. Não só no que se refere a mim e ás minhas empresas o processo foi arquivado, como na qualidade de Ofendido fui notificado para deduzir pedido de indemnização no processo, para o ressarcimento dos prejuízos causados. Reafirmo que, é claro do teor da acusação que nem eu, nem nenhum empresário ligado à metalurgia fomos acusados de qualquer crime, em especial o de branqueamento de capitais, razão pela qual, ainda que a coberto de uma qualquer generalidade, a afirmação do jornalista é falsa, e ainda mais se este, na verdade, teve acesso à acusação. Para os devidos efeitos, e nomeadamente, para efeito do disposto no Art.º 25º nº 2 da Lei nº 2/99, informo V. Exas., como se comprova, que apenas a 20 de Fevereiro de 2023 me foi dado conhecimento do teor da acusação, onde pude constatar a falta de verdade da notícia veiculada pelo vosso jornalista. Assim, e nos termos da lei, e sem com isto abdicar de qualquer direito de compensação que me assista pelo veicular de noticias desprovidas e verdade, solicito a V. Exa. A devida divulgação do meu direito de resposta, sendo que o texto a considerar para o efeito de publicação é o seguinte: “No passado dia 25 de Janeiro de 2023, em artigo assinado pelo jornalista CC, e referente a DD, escreveu no artigo: “Entre os acusados, mas apenas pelo crime de branqueamento de capitais, estão empresários ligados à metalurgia e e com ligações próximas a DD.” Fui notificado, como Ofendido, do teor da acusação proferida pelo Ministério Público no dia 20 de Fevereiro de 2023, e do seu teor pude constatar que não existe nenhum empresário ligado à metalurgia acusado pelo crime de branqueamento de capitais, razão pela qual o vosso jornalista ou não teve acesso ao teor da acusação, ou se teve acesso à mesma, alterou de forma consciente a verdade, e da forma mais infame, passando a mensagem de validação de um conjunto de notícias onde quer eu, quer as minhas empresas, com especial incidência a F....., estávamos implicados no processo de que resultou a acusação. Nada poderia ser mais falso. Não só no que se refere a mim e ás minhas empresas o processo foi arquivado, como na qualidade de Ofendido fui notificado para deduzir pedido de indemnização no processo, para o ressarcimento dos prejuízos causados. Reafirmo que, é claro do teor da acusação que nem eu, nem nenhum empresário ligado à metalurgia fomos acusados de qualquer crime, em especial o de branqueamento de capitais, razão pela qual, ainda que a coberto de uma qualquer generalidade, a afirmação do jornalista é falsa, e ainda mais se este, na verdade, teve acesso à acusação. Certo da melhor atenção de V. Exa.”.

4. A carta em causa, dirigida à Directora da Revista ..., foi recebida a 24 de Fevereiro de 2023, e a 27.02.2023, o mandatário do Demandante recebeu a seguinte resposta da directora da revista por via de correio electrónico: “Dr. EE, MI Advogado ASSUNTO: Exercício de direito de resposta- Noticia de 25 de janeiro de 2023 Acusamos a receção do V. pedido, que mereceu a nossa melhor atenção. No entanto, confrontado o texto de resposta com a peça jornalística aparentemente por ele visada, à luz das disposições aplicáveis da Lei de Imprensa, entendemos, sufragando parecer do Conselho de Redação da ..., carecer o pedido manifestamente de fundamento. Com efeito, o constituinte de V. Exa. não é diretamente mencionado na notícia em causa, nem se podendo admitir, por outro lado, que o mesmo seja implícita ou indiretamente por aquela referenciado. Em consequência, impugnamos que o leitor comum, face ao artigo visado, possa estabelecer uma ligação entre o segmento da notícia em causa e a pessoa de AA, determinando-o individualmente, falhando, em suma, ao constituinte de V.Exa., legitimidade para o presente pedido. Cumprimentos”.

5. Por entender a recusa infundada, o mandatário, e com recurso ao envio de notícia que a mesma revista ... tinha publicado com data de 17.12.2021, enviou nova mensagem de correio electrónico, e na qual remetia para a referida notícia publicada então pela revista ..., e com o seguinte link: https://visao.sapo.pt/atualidade/politica/2021-12-...-empresario-DD-ficaem-prisaodomiciliaria/.

6. Tendo o mandatário obtido resposta em 1 de Março com a manutenção da recusa de publicação da resposta.

7. Na edição … de Dezembro de 2021 do jornal C...... .. ....., o aqui demandante foi expressamente identificado como sendo empresário do sector metalúrgico.

8. A revista ... tem uma circulação média trimestral de 25.000 revistas.

Não provados:

a. Artigo 3º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Por entender que a referência em tal publicação ao empresário da metalurgia conter uma referência subliminar que o identificava, e após ter sido notificada ao Requerente a acusação em 20 de Fevereiro de 2023 (…) por ter sido visado na notícia de forma incorrecta”.

b. Artigo 9.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “a identificação do Requerente como sendo o empresário metalúrgico ocorreu logo quando a 16 de Dezembro de 2021, em todos os meios de comunicação social foram publicadas notícias sobre a referida operação”.

c. Artigo 11.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Em … de Dezembro de 2021, a C. .., não só repetiu a notícia escrita, como procedeu à filmagem do Requerente (…) E como se publicou no site”.

d. Artigo 12.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “(…) a partir do dia 16 de Dezembro de 2021, e nos dias seguintes, não houve nenhum meio de comunicação social que não se tivesse referido ao Requerente, quer identificando-o pelo nome, quer como sendo o empresário do sector metalúrgico, quer pelo visionamento de imagens referente à empresa do Requerente, a F....., dado que foram colhidas imagens no exterior da fábrica, por diversas televisões, bastando a pesquisa num motor de busca como o Google com a referência Operação …, que de imediato aparecem pelo menos 6 páginas com resultados”.

e. Artigo 13.º da Petição Inicial – “Urbi et orbi, o empresário do sector metalurgico foi identificado como sendo AA, e a sua empresa, a F..... como visados no processo, como efectivamente o foram, na medida em que foram investigados no âmbito da operação ... que envolveu a investigação a DD”.

f. Artigo 14.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “na peça processual em causa, a propósito de DD e a Operação …, que o empresário do sector metalúrgico referenciado é o Requerente”.

g. Artigo 15.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “a notícia, no que se refere ao aqui visado é falsa (…) a inexistência de qualquer empresário do sector metalúrgico envolvido no processo e que estivesse sobre acusação com referência ao crime de branqueamento de capitais”.

h. Artigo 16.º da Petição Inicial – “O inquérito referente à chamada Operação ... tem o n.º 2450/20.7... e corre termos na 6ª secção do DIAP”.

i. Artigo 17.º da Petição Inicial – “Neste inquérito, e por despacho de 16.12.2022, e notificado com data de 27 de Dezembro de 2022, foram os autos arquivados no que se refere ao aqui Requerente, e bem assim às suas empresas no que se refere ao crime de branqueamento de capitais”.

j. Artigo 18.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Na sequência do referido despacho, foi proferida a acusação contra DD e mais 4 pessoas e 3 empresas, como se constata do referido despacho de acusação (…) nem o Requerente foi acusado de qualquer crime”.

k. Artigo 19.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Dos acusados, e como (…) decorre da acusação, nenhum destes é empresário do sector metalúrgico, o que está (…) descrito em sede de acusação, de onde”.

l. Artigo 20.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “no âmbito da operação …, o empresário do sector metalúrgico visado era o Requerente, não havendo outro no processo”.


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Apreciação:

A questão jurídica que motivou a admissão do recurso de revista excepcional foi, nos termos do acórdão da formação, a de saber se a indicação de links é, ou não, uma forma válida de apresentação de documentos.

Na origem desta questão esteve o julgamento da decisão relativa à matéria de facto, mais concretamente a proferida sob os artigos 9.º, 11.º e 12.º da petição inicial. A matéria em questão era a seguinte.

Sob o artigo 9.º, o autor alegou que a identificação dele como sendo o empresário metalúrgico ocorreu logo quando, em 16 de Dezembro de 2021, em todos os meios de comunicação social foram publicadas notícias sobre a referida operação. No texto da petição, o autor colocou uma hiperligação para os seguintes endereços:

https://www.rtp.pt/noticias/pais/operacao-...-quinze-transferencias-investigadas_n...74;

https://rr.sapo.pt/bola-branca/noticia/futebol-nacional/2021/12/.../operacao-...-empresario-DD-com-pulseira-eletronica/....12/;

No artigo 11.º, alegou que, em ... de Dezembro de 2021, a C. .. não só repetiu a noticia escrita (notícia escrita na edição escrita do jornal C...... .. .....) como procedeu à filmagem do requerente.

Para prova da alegação remeteu para o seguinte endereços: https://www.cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/empresario-DD-em-prisao-domiciliaria-no-ambito-da-operacao-...?ref=Mais%20Sobre_BlocoMaisSobre.

Por fim, sob o artigo 12.º alegou que “Ou seja, a partir do dia ... de Dezembro de 2021, e nos dias seguintes, não houve nenhum meio de comunicação social que não se tivesse referido ao Requerente, quer identificando-o pelo nome, quer como sendo o empresário do sector metalúrgico, quer pelo visionamento de imagens referente à empresa do Requerente, a F....., dado que foram colhidas imagens no exterior da fábrica, por diversas televisões, bastando a pesquisa num motor de busca como o Google com a referência Operação …, que de imediato aparecem pelo menos 6 páginas com resultados, e remeteu para o seguinte endereço: https://www.google.com/search?q=opera%C3%A7%C3%A3o+...&oq=opera%C3%A7%C3%A3o+...&aqs=chrome.0.69i59j0i512.5357j0j15&sourceid=chrome&ie=UTF-8.

O Tribunal da 1.ª instância julgou não provada parte da alegação do artigo 9.º (aquela onde se alegava que a identificação do requerente como empresário metalúrgico ocorreu logo quando, em 16 de Dezembro de 2021, em todos os meios de comunicação social foram publicadas notícias sobre a referida operação) e a matéria dos artigos 11.º e 12.º.

O recorrente impugnou a decisão. Embora, a impugnação tenha tido por objecto todos os factos julgados não provados, para o caso interessa-nos apenas a decisão de julgar não provada a matéria dos artigos 9, 11 e 12.

E interessa-nos apenas estes factos porque a decisão de os julgar não provados assentou no entendimento de que as hiperligações não eram meios de prova. Segundo a sentença, as hiperligações (links) para peças jornalísticas não eram documentos, já que não reproduziam nem representavam pessoas, coisas ou factos, como é próprio dos documentos (artigo 362.º do Código Civil), limitando-se a remeter para páginas informáticas disponíveis em redes ou bases de dados que essas, sim, continham documento. As simples colagens de hiperligação no texto do articulado – ainda segundo o tribunal da 1.ª instância - não equivalia à apresentação ou junção de documentos, traduzindo-se numa mera remissão para documentos que não constavam dos autos.

O acórdão recorrido julgou improcedente a impugnação. Para tanto invocou o disposto no artigo 362.º do Código Civil, no artigo 423.º do CPC e na alínea a) do n.º 2 do artigo 290-D/99, de 2 de Agosto [diploma que aprovou o regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital, revogado pelo artigo 36.º, alínea a) do Decreto-lei n.º 12/2021, de 9-02-2021, relativo à identificação electrónca e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno) e a seguinte justificação:

• Os documentos – e não os links – tinham de ser apresentados com o articulado em que se alegassem os factos correspondentes;

• O conceito de documento digital dado pela alínea a) do n.º 2 do artigo 290-D/99, de 2 de Agosto (documento electrónico é aquele que é elaborado mediante processamento electrónico de dados) nada tinha a ver com os links;

• De acordo com o artigo 144.º, n.º 1, do CPC e o artigo 6.º, n.º 1, alínea b) da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, os documentos para prova dos factos são apresentados por via electrónica, não podendo a parte optar pela sua substituição através da referência a um link.

O recorrente contesta esta fundamentação, com a seguinte linha argumentativa:

• A crescente desmaterialização dos actos judiciais e bem assim o caminho para a sociedade digital impõem que o conceito de documento fixado no Cód. Civil de 1966, seja hoje actualizado e por forma a acolher as vantagens dos documentos digitais, a sua capacidade de fixar de forma dinâmica a informação e ampliar as potencialidades do documento digital em si;

• A inserção em peça processual que corresponde a uma petição inicial de notícias referentes a edições digitais de publicações periódicas, acompanhadas estas dos endereços digitais (links), onde as mesmas se encontram publicadas e disponíveis, não pode deixar de ser considerada como prova documental (digital), ainda que inserida na própria peça processual, porque habilita o tribunal a conhecer do teor do documento e a consultar a sua correspondência entre o que foi inserido na peça processual e o que se encontra publicado, à distância do toque numa tecla do computador, como sucede hoje até com as publicações oficiais seja no que se refere ap Diário da República que apenas tem edição digital, seja no que se refere ao repositório de legislação da União Europeia.

Como se vê, o recorrente pretende que o tribunal da Relação tome em consideração, na decisão relativa à matéria dos artigos 9.º, 11.º e 12.º, os documentos para onde remetem as hiperligações inseridas em tais artigos da petição. Segundo ele, a colocação no texto do documento (petição inicial) de hiperligações para os sítios internet que indicou, onde estavam disponíveis os documentos que pretendia usar como meio de prova, valia como junção desses documentos ao processo, visto que a hiperligação habilitava o tribunal a conhecer o teor do documento e a estabelecer a sua correspondência entre o que foi inserido na peça processual e o que se encontrava publicado, à distância de um toque na tecla do computador.

Pese embora o respeito que nos merece a alegação do recorrente, ela não é de acolher.

Em primeiro lugar, as hiperligações não se ajustam ao conceito de documento electrónico, dado pelo art.º 3.º n.º 35 do Regulamento (EU) n.º 910/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno. Enquanto, segundo este preceito, documento electrónico é “qualquer conteúdo armazenado em formato eletrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual”, a hiperligação é um elemento de um documento electrónico que permite a visualização de outro documento ou de outra parte do mesmo documento existente noutro sítio internet. É, pois, uma técnica ou um sistema de reenvio que permite passar de um documento para outra parte dele ou para outro documento alojado noutro sítio internet.

Em segundo lugar, embora seja exacta a alegação do recorrente de que se assiste a uma crescente desmaterialização dos actos judiciais e se caminha para uma sociedade digital, a sua pretensão de ver nas hiperligações um meio processualmente válido de apresentar documentos tem contra si o regime da junção dos documentos ao processo (artigo 442.º, n.ºs 2 e 3 do CPC) e o exercício do contraditório. Vejamos.

Segundo o n.º 2 do artigo 442.º do CPC, os documentos incorporam-se no processo, salvo se, por sua natureza, não puderem ser incorporados ou houver inconveniente na sua incorporação; neste caso ficam depositados na secretaria, por forma a que as partes os possam examinar.

Por sua vez, o n.º 3 estabelece que os documentos não podem ser retirados senão depois de passar em julgado a decisão que põe termo à causa, salvo se o respectivo possuidor justificar a necessidade de restituição antecipada, neste caso fica no processo cópia integral, obrigando-se a pessoa a quem forem restituídos a exibir o original sempre que isso lhe seja exigido.

Dos preceitos acabados de transcrever decorre que os documentos formam com o processo um só corpo e que devem estar disponíveis para o tribunal, para as partes e para os que têm o direito de examinar e consultar o processo desde o momento da sua junção até ao trânsito em julgado da decisão que põe termo à causa.

Se é certo que a hiperligação permite a visualização do documento, também é certo que não o incorpora no processo, nem garante que ele fique à disposição do tribunal e das partes até à decisão que põe termo à causa. E não garante porque o conteúdo de um sítio internet ao qual uma hiperligação permite aceder pode ser suprimido, alterado ou restringido após a criação dessa ligação. Isto é, a hiperligação não garante a disponibilidade dos documentos até à extinção da instância.

Vejamos, agora, as razões pelas quais a técnica de juntar documentos através do recurso a hiperligações não garante o exercício pleno do contraditório por parte do réu ou da parte a quem for oposto o documento para que remete a hiperligação.

Segundo o n.º 3 do artigo 219.º do CPC, “A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto”. Socorrendo-nos das palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, a propósito deste preceito, “O n.º 3 institui o princípio da transparência da citação e da notificação, impondo a completude e legibilidade dos elementos necessários à compreensão do ato recetício em causa” [Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, página 252].

Se o réu, na citação, ou a parte a quem é oposto o documento, na notificação, em vez de receber os documentos, recebesse apenas a indicação da hiperligação para os sítios internet onde estão alojados os documentos, a completude e a legibilidade dos elementos necessários à plena compreensão do objecto da citação e da notificação não seriam assegurados, o que redundaria em prejuízo para a defesa do réu e para o exercício do contraditório da parte a quem o documento era oposto.

Observe-se por último, contra a pretensão do recorrente, que quando as citações e as notificações forem realizadas por via electrónica, o que a lei consente é que os elementos necessários à plena compreensão do objecto da citação ou notificação constem de outro suporte electrónico acessível ao citando (alínea b) do n.º 4 do artigo 219.º do CPC).

Por todo o exposto é de concluir no sentido de que a inserção no texto de um documento em formato electrónico de uma hiperligação para um sítio internet onde está alojado um documento que se pretende apresentar como meio de prova não constitui meio processualmente válido de apresentar prova documental.

Em consequência, é de responder negativamente à questão principal suscitada pelo recurso.


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Apesar de o recorrente não ter pedido, a título subsidiário, a revogação e a substituição do acórdão por decisão a ordenar a notificação dele, recorrente, para apresentar os documentos para os quais remetiam as hiperligações, a verdade é que, sob a conclusão E), alegou que, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do CPC, devia o tribunal adoptar procedimentos que afastassem a justiça formal e que permitam a realização de uma justiça material, razão pela qual, considerando o tribunal que tinha incorrido a junção indevida de elementos documentais, deveria ter notificado a parte para fazer nova junção de documentos.

Esta alegação remete-nos para a violação pelo tribunal da Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC. Segundo este preceito, a Relação deve, mesmo oficiosamente, ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova.

É, no entanto, de afastar a violação deste preceito pelo tribunal da Relação. Na verdade, a violação dele só ocorrerá quando o Tribunal da Relação tiver manifestado, no acórdão recorrido, dúvida fundada sobre a prova realizada e não tenha ordenado a produção de novos meios de prova para superar tais dúvidas. Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 2-11-2023, no processo m.º 8988/19.TT8VNG-B.P1.S1, “… quanto ao art. 662.º/2/b do CPC: trata-se aqui de uma possibilidade a que a Relação pode aceder quando se lhe deparar uma dúvida objetiva e fundada sobre a prova que foi realizada e que possa ser resolvida, por exemplo, através da junção de documentos na posse de entidades administrativas; trata-se duma possibilidade/mecanismo cuja utilidade e pertinência deve ser avaliada pela Relação, ponderando a sua necessidade em face das provas, de que deve fazer uso de acordo com critérios de objetividade (quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superados mediante a realização de diligências probatórias suplementares) e sem subverter, por via de um mecanismo que deve ser excecional, as boas regras processuais ligadas aos princípios do dispositivo, da preclusão, da auto responsabilidade das partes (dos momentos próprios para produzir a prova, designadamente a documental) e da imparcialidade, pelo que, não podendo o Supremo escrutinar a exata e correta apreciação da prova produzida pela Relação, também não poderá dizer que ela devia ter tido, onde não teve, “dúvida fundada”. Isto é, e para usarmos de novo as palavras do citado acórdão: “… os erros processuais/adjetivas do art. 662.º/2 do CPC que o Supremo escrutina não podem ser construídos pelo recorrente a partir de considerações e valorações exteriores ao próprio Acórdão da Relação: os erros processuais/adjetivos em causa têm que estar espelhados no próprio texto/conteúdo do Acórdão da Relação recorrido”.

Não foi o que aconteceu no caso. O acórdão do Tribunal da Relação afirmou que “a questão dos links” era uma falsa questão, uma vez que a factualidade relevante para a existência do direito de resposta foi alegada e tida em consideração, embora não no sentido pretendido pelo apelante uma vez que foi dada como não provada, pelo que não estava em causa a violação do artigo 6.º do CPC, menos ainda do artigo 5.º. Sobre a prova produzida, afirmou que reavaliada a totalidade da prova produzida, não podia deixar de se concluir que, numa apreciação global, crítica e objetiva da prova, resultava que a formulação da factualidade dada como não provada teria de se manter, tal como foi decidida na 1ª Instância, dado não haverem quaisquer elementos relevantes, que objetivamente justificassem a sua alteração, nos termos pretendidos pelo apelante.

Isto é, em nenhum passo do acórdão é expressa dúvida fundada sobre a prova realizada. Assim sendo, a circunstância de o tribunal da Relação não ter ordenado a notificação do ora recorrente para apresentar os documentos para onde remetiam as hiperligações não violou o artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC.


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Decisão

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerada a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o decaimento do recorrente no recurso, condena-se o mesmo na respectivas custas.

Lisboa, 3 de Outubro de 2024

Emídio Francisco Santos (relator)

Fernando Baptista de Oliveira

Ana Paula Lobo