I – Da alteração introduzida pela Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro, ao procedimento de injunção e ao Código de Processo civil, resulta que se o requerido, pessoalmente notificado e advertido da cominação constante do art. 14º-A do D.L. nº 269/98, não deduzir oposição, na acção executiva apenas poderá invocar, em sede de embargos (art. 857º do C.P.C.):
-os fundamentos previstos no art. 729º desde que aplicáveis à injunção (nº 1);
-questões de conhecimento oficioso que determinam a improcedência total ou parcial do requerimento de injunção (nº 3, alínea a);
-o conhecimento de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas (artº 14-A, nº 2, al. c) do D.L. 269/98 de 1 de Setembro);
-ocorrência de forma evidente, de excepções dilatórias de conhecimento oficioso, no âmbito do procedimento de injunção (nº 3, alínea b);
-em caso de justo impedimento, a generalidade dos fundamentos previstos no art. 731º do C.P.C (nº 2).
II – A invocação, em sede de embargos, da nulidade da clausula de juros peticionada em sede de injunção, num contrato de crédito ao consumo contendo clausulas contratuais gerais, integra-se no âmbito dos fundamentos de embargos, contido no artº 857, nº 3, a) do C.P.C. e 14, nº 2 al c) do D.L. 269/98 de 1 de Setembro.
III – As instituições de crédito, num mútuo oneroso liquidável em prestações, têm direito a juros pela mora no pagamento das prestações acordadas e enquanto esta se mantiver, incluindo os remuneratórios e, inclusive, à capitalização de juros remuneratórios, conforme decorre do disposto no artº 8 do D.L. 58/2013 de 8 de Maio.
IV – Os juros remuneratórios, destinam-se a remunerar o mutuante pela cedência do capital durante o prazo acordado entre as partes e são devidos apenas nesse período contratual e no plano contratual acordado de ressarcimento desse capital, assim incluídos nas prestações a pagar pelo mutuário.
V – A perda do benefício do prazo, num contrato de crédito ao consumo, nos termos previstos no artº 20 do D.L. 113/2009, com antecipação das prestações vincendas que seriam devidas no plano contratual acordado, determina a exclusão dos juros remuneratórios incluídos nestas prestações, mantendo-se valido o entendimento do AUJ 7/2009.
VI – A tal não obsta clausula contratual em sentido diverso, por ofensa ao regime imperativo constante do artº 20 do D.L. 133/2009 e, em qualquer caso por ofensa ao disposto no artº 19, al. c) da LCCG.
VII – A regra da substituição do tribunal recorrido abrange apenas as questões que, tendo ficado prejudicadas pela solução dada à causa, lhe seja possível conhecer por dispor dos elementos fácticos necessários (artº 665, nº 2 do C.P.C.), devendo ordenar o prosseguimento dos autos, se a resolução destas questões depender ainda da aquisição de factos pelo tribunal recorrido.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Proc. Nº 1317/23.1T8SRE-A.C1- Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Execução de Soure – J...
Recorrente: AA
Recorrido: A...-Instituição Financeira de Crédito S.A.
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: António Domingos Pires Robalo
Luís Manuel Carvalho Ricardo
*
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de COIMBRA:
RELATÓRIO
- a exequente no seu requerimento executivo alega que o executado deixou de efetuar o pagamento das aludidas prestações do crédito em 22/02/2020;
- porém, a exequente reconhece que foi alcançado um acordo entre as partes tendo em vista a regularização extrajudicial dos valores em dívida;
- acordo esse que implicou o pagamento do valor em dívida nessa data em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, cada uma delas no valor de 226,00 euros, tendo a primeira prestação sido paga em 18 de Janeiro de 2021 pelo aqui executado;
- os pagamentos inerentes ao acordo acima identificado sempre foram realizados mediante pagamento através de uma entidade e referência multibanco fornecidas para esse efeito pela própria A..., no caso, através da referência e código da entidade multibanco que pertence à A...;
- tal acordo foi, pontual e integralmente, cumprido pelo executado até, pelo menos, setembro de 2022;
- é falso o alegado pela exequente no sentido de que o executado entrou em mora no pagamento das prestações em 3 de fevereiro de 2022, data esta que tem relevância para efeitos do cômputo dos juros liquidados e peticionados pela exequente na execução;
- a exequente vem alegar que resolveu o contrato celebrado com o executado e que, fruto dessa resolução, foi o mesmo interpela para efeitos da perda do beneficio do prazo e pagamento imediato do valor do capital em dívida nessa data;
- por outro lado, uma vez que a exequente entende ter cessado o contrato mediante resolução do mesmo em 2020, não pode agora pretender aplicar a taxa de justos moratórios prevista nesse contrato que já não está, há muito, em vigor segundo alegada a própria exequente.
*
(…).
(…).
Nestes termos, as questões a decidir consistem em apurar:
a) Se os fundamentos invocados, no que se reporta à ilegalidade dos juros peticionados, se integram nos fundamentos admissíveis de oposição à execução de título de injunção a que foi aposto fórmula executória.
b) Se, em caso afirmativo, os juros peticionados são ilegais e abusivos.
***
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
“1. Em 26 de maio de 2023, a exequente “A... - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” instaurou execução sumária contra o executado AA, pedindo o pagamento da quantia de € 7.930,75 euros, com base em requerimento injuntivo com força executória.
2. A injunção em causa possui o n.º 97555/22.... e foi intentada em 03-11-2022, sendo aposta a fórmula executória em 19-12-2022.
3. No seu requerimento executivo, a exequente alegou que:
“Contra o aqui Executado, fez a Exequente correr termos no Balcão Nacional de Injunções o Procedimento de Injunção com o n.º 97555/22.... , o qual findou por aposição de fórmula executória em 19.12.2022.
O ora Executado era, à data da entrada da Injunção, devedor à Exequente da quantia de € 7.138,05, sendo € 6.834,40 a título de capital, € 150,65 de juros moratórios vencidos calculados à taxa convencionada de 16,88% e, ainda, € 153,00 da taxa de justiça paga pela ora Exequente na Injunção.
Até à presente data, o Executado não procedeu a qualquer pagamento dos montantes em dívida.
Assim, e na presente data, a dívida exequenda ascende a € 7.930,75, sendo € 6.834,40, a título de capital, € 795,43 a título de juros vencidos calculados à taxa convencionada de 16,88%, € 147,92 a título de juros compulsórios calculados à taxa de 5% e € 153,00 de taxa de justiça paga na injunção. A este montante acrescem os juros vincendos calculados à taxa convencionada de 16,88 % ao ano, sobre o capital em dívida, até efetivo e integral pagamento.”
4-Em 30 de Outubro de 2019, o embargante solicitou à embargada e esta atribuiu-lhe o cartão de crédito ... VISA CLASSIC com o n.º ...86... e ainda um crédito pessoal – a que foi atribuído o n.º ...65 – no valor de € 5.000,00.
5-A quantia mutuada valor de € 5.000,00, acrescida dos respetivos juros remuneratórios, calculados à TAN de 10,70%, acrescida do respetivo Imposto de selo (TAEG de 13,40%) deveria ser reembolsada pelo Embargante à Embargada, em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 95,49 cada e a comissão mensal de processamento de prestação de € 1,56 (incluindo IS), sendo debitadas na conta-cartão de que o Executado era titular e estava associada ao cartão em vigor, a partir de 31.10.2019.
6-Resulta do teor das clausulas7, 16 e 17 das Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes do Cartão de Crédito Unibanco, o seguinte:
“7. (…) A A... pode (…) resolvê-lo (…) mediante comunicação escrita enviada ao Titular para o domicílio convencionado (…) quando (…) (vi) tenha incumprido a obrigação de pagamento dos valores mínimos acordados e estes correspondam a 2 prestações sucessivas que excedam 10% do montante total do crédito concedido e, após interpelado para proceder à regularização dos valores em dívida no prazo de 15 dias sob pena de perda do beneficio do prazo ou de resolução do Contrato, não tenha feito esse pagamento; (…);
(…)
16. A A... disponibilizará mensalmente ao Titular (1º Titular no caso das Contas Colectivas) um Extracto da sua Conta, com: (i) as referências e os valores das transacções feitas, pagas pela A... em nome do Titular, a moeda utilizada e, se for o caso, o montante após a conversão monetária, (ii) os valores devidos à A... pela prestação de serviços, (iii) os valores respeitantes a correcções ou movimentos de estorno quando devidos, (iv) os valores respeitantes a anuidades, juros, impostos e encargos devidos por serviços solicitados pelo Titular à A..., (v) os pagamentos que tenham sido efectuados à A.... O Extracto poderá ser disponibilizado por correio electrónico ou na área reservada do Cliente no serviço online. Pela solicitação expressa do Titular, o Extracto será enviado em suporte de papel. A data limite de pagamento é indicada em cada Extracto de Conta. O Titular deve conferir a correcção dos lançamentos constantes do Extracto de Conta e comunicar por escrito à A..., sem atraso injustificado e logo que dela tenha conhecimento qualquer inexactidão até à data limite de pagamento nele indicada. Se decorrida essa data for detectada uma operação de pagamento não autorizada ou incorrectamente executada, o Titular deve solicitar a respectiva rectificação de forma diligente e no mais curto espaço de tempo que lhe for possível, nunca após decorridos 13 meses sobre a data do lançamento. No caso de uma operação de pagamento que tenha sido autorizada pelo Titular sem especificar, no momento dessa autorização, o seu exacto montante e desde que, por outro lado, o seu montante tenha excedido o que o Titular poderia razoavelmente esperar de acordo com o perfil de despesas anteriores e as circunstâncias específicas do caso, pode o Titular durante um prazo de oito semanas, a contar da data em que o montante tenha sido debitado, apresentar o pedido do seu reembolso. Em caso de transacção que o Titular alegue não ter autorizado, a A... procederá em 10 dias ao estorno do valor devido ou apresentará ao Titular, no mesmo prazo, justificativo para recusar esse estorno, informando-o dos meios ao seu dispor caso não aceite a justificação da A.... Se, após efectuado o estorno, a A... concluir que a transacção fora autorizada pelo Titular, fará o correspectivo lançamento a débito.
17. O Titular pode optar por pagar uma percentagem, com um mínimo de 3% do montante em dívida, no mínimo de 25€, ou sem prejuízo daquele mínimo de 3%, por pagar um valor fixo, por si seleccionado e de acordo com a versão do cartão, até à data limite de pagamento indicada no extracto de conta. Entre a data de fecho do extracto de conta e a data limite de pagamento decorrerão no mínimo 10 dias. Na eventualidade do Titular ter Créditos Especiais, o valor das respectivas prestações poderá acrescer, na sua totalidade, ao montante do mínimo a pagar referido anteriormente, sendo considerado para efeitos de cálculo do valor do saldo em dívida. No caso de pagamento parcial do saldo da Conta que seja igual ou superior ao mínimo contratado, sobre o capital remanescente que fique em dívida incidirão juros remuneratórios à taxa contratual em vigor, a que acrescem os correspectivos impostos. (i) A taxa de juro remuneratória contratual é uma taxa com base num ano de 360 dias assumindo meses de 30 dias. A convenção de cálculo de juro é de 30/360. Esta taxa é indicada no Anexo às Condições Gerais de Utilização e sempre que sofra alteração esta é comunicada no Extracto de Conta, com indicação da data de entrada em vigor. Informação sobre a taxa de juro pode ainda ser obtida a todo o tempo em www.unibanco.pt. (ii) Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, a A... poderá exigir até efectivo pagamento da obrigação, juros moratórios e uma comissão pela recuperação de valores em dívida, conforme indicado no Anexo às Condições Gerais de Utilização. (iii) Em caso de mora do Titular, a A... transmitirá o facto ao Banco de Portugal e a entidades de centralização de informações de risco de crédito devidamente autorizadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados; (iv) A A... reserva-se o direito de repercutir no devedor, mediante apresentação da respectiva justificação documental, as despesas posteriores à entrada em incumprimento que tenham sido por si suportadas. (v) Encargos fiscais e montantes em dívida de valor inferior ou igual a 25 euros ou que excedam o Limite de Utilização, devem ser sempre pagos na totalidade. (vi) Quaisquer pagamentos efectuados pelo Titular entre dois extractos de conta poderão só ter reflexo no extracto seguinte, sem prejuízo de o Titular poder solicitar à A... um aumento do Limite de Utilização. (vii) Os pagamentos parcelares serão imputados, sucessivamente a despesas, aos juros e ao capital em dívida. (viii) Se o Titular optar por efectuar os pagamentos pelo Sistema de Débitos Directos, este somente entrará em vigor quando passar a constar do Extracto de Conta. (ix) Todas as operações não efectuadas em euros são convertidas para euros pelo Sistema Internacional sob o qual o Cartão for emitido, podendo o Titular obter a qualquer altura, através dos serviços de Apoio ao Cliente da A..., informação sobre a taxa de câmbio. O respectivo contravalor em euros e os encargos indicados no Anexo às Condições Gerais de Utilização serão debitados na Conta;
7-No Anexo a estas condições gerais, resulta ainda o seguinte:
(…)
3) Taxa de juro
A taxa de juro remuneratória contratual anual é de 15,000% e os juros são calculados mensalmente (1,250% mensais) acrescidos de Imposto do Selo (Artºs 17.2.1 e 17.3.1 da TGIS). TAEG 16,1% calculada com base na TAN indicada, exemplo para uma utilização de crédito de 1.500€. Exemplo considerando o reembolso do crédito em 12 prestações mensais. Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, poderão ser exigidos juros moratórios correspondentes a uma sobretaxa anual máxima de três pontos percentuais a acrescer à taxa de juro contratual.”
8-É a seguinte a redacçao das cláusulas 7ª, 9ª, 10ª e 12º das Condições de Utilização do Crédito Pessoal:
“7ª O reembolso do capital será efectuado em pagamentos mensais e sucessivos, de igual montante, e no prazo convencionado (…).
(…)
9. Os pagamentos mensais devidos pela utilização do Crédito Pessoal serão lançados a débito na Conta-cartão do Cliente, devendo este, relativamente ao saldo desta, respeitar as condições de pagamento consignadas nas Condições Gerais de utilização do Cartão, sendo o 1º pagamento mensal lançado no dia posterior à ordem de transferência referida em 4.. Os pagamentos do saldo da Conta-cartão serão primeiramente imputados ao valor da prestação mensal lançada a débito em cada mês, e depois imputados aos demais valores decorrentes da titularidade e/ou do uso do Cartão.
10. Em caso de não pagamento do total do saldo em dívida indicado no Extracto mensal da Conta-cartão, a A... poderá exigir juros de mora à taxa mensal em vigor na Conta-cartão do Cliente, acrescidos de Imposto do Selo (artºs 17.2.1 e 17.3.1 da TGIS), calculados com base num ano de 360 dias assumindo meses de 30 dias. Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mensal mínimo de acordo com as Condições Gerais de Utilização do cartão de crédito, a A..., poderá exigir até efectivo pagamento da obrigação, juros moratórios e uma comissão pela recuperação de valores em dívida, conforme indicado em 20 e 21. No caso de os pagamentos do saldo da Conta-cartão serem insuficientes para satisfazerem o pagamento do valor da prestação mensal lançada a débito, aplicar-se-á o regime previsto em 12.
(…)
12. Caso tenha sido incumprida a obrigação de pagamento mensal que corresponda a 2 prestações sucessivas que corresponda a 10% do montante total do crédito e, após interpelado para proceder à regularização dos valores em atraso no prazo de 15 dias, sob pena de perda do benefício do prazo ou de resolução do Contrato, o Cliente não tenha feito esse pagamento, a A... pode resolver o presente contrato e lançar a débito na Conta Cartão a totalidade do montante do crédito pessoal ainda não reembolsado pelo cliente e dos encargos devidos pelo período já decorrido e que não tenham sido nela lançados, os quais transitam integralmente para o saldo da referida conta-cartão do Cliente.”
9-Em 01/11/2021, o exequente instaurou procedimento de injunção contra o executado, dele constando o seguinte descritivo:
“1 A Requerente é uma instituição financeira de crédito que, devidamente autorizada e em conformidade com a legislação portuguesa aplicável, se dedica ao financiamento de crédito e à gestão e emissão de cartões de crédito.
2 No exercício da sua atividade, a ora Requerente celebrou com o Requerido, a pedido e no interesse deste, um contrato de atribuição de cartão de crédito em 30.10.2019, através do qual este passou a ser titular de um cartão de crédito cujo último emitido, após sucessivas revalidações, tem o n.º...86....
3 Ao subscrever o contrato em apreço, o Requerido aderiu às condições gerais de utilização e correspetivos direito e deveres, elaboradas de acordo com o previsto no Aviso n.º 11/2001 do Banco de Portugal e do Regulamento (CE) n.º 2560/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19/12/2001.
4 Através do supra referido cartão de crédito foi concedido ao Requerido a possibilidade de este adquirir bens e/ou serviços pelo montante acordado entre este e os vendedores, bem como efetuar operações de levantamento em numerário na rede de ATM s e aos balcões de bancos aderentes ao sistema VISA/MASTERCARD.
5 Nos termos do referido contrato, impendia sobre a Requerente a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pelo Requerido a terceiros, os quais seriam, como foram, posteriormente debitados no extracto de conta do Requerido para que este procedesse ao respetivo pagamento.
6 - A Requerente obrigou-se ainda a disponibilizar mensalmente ao Requerido um extracto da sua conta-cartão, contendo: i) as referências e os valores das transações efetuadas com o cartão de crédito, pagas pela Requerente em nome do Requerido ii) as prestações e os encargos e seguros referentes aos produtos financeiros associados, designadamente Créditos Pessoais, quando aplicáveis; iii) os valores que pelo Requerido seriam devidos à Requerente pela prestação de serviços; iv) os valores respeitantes a correções ou movimentos de estorno quando devidos; v) os valores respeitantes a anuidades, juros, impostos e encargos devidos a
serviços solicitados pelo Requerido à Requerente, quando aplicáveis; vi) os pagamentos efetuados pelo Requerido à Requerente.
7 - O montante total em divida indicado num dado extracto deveria ser pago pelo Requerido, no prazo de 20 dias após a data da sua emissão. Caso o Requerido não procedesse ao pagamento pela totalidade, sobre a parte remanescente, deduzida de eventuais juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido desde a data de emissão daquele extracto até à data de emissão do extracto seguinte, juros esses, remunerados a uma taxa mensal, que poderia ser revista pela Requerente, sendo tais alterações comunicadas ao Requerido, nomeadamente no extrato de conta, entrando em vigor 30 dias após essa comunicação, cifrando-se tal taxa atualmente em 16,884 %.
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
8 O Requerido comprometeu-se a proceder ao pagamento integral do referido saldo nos vinte dias posteriores à emissão daquele extracto, podendo, em alternativa, optar pelo pagamento fracionado, no valor mínimo de 3% do valor total em dívida até à data limite de pagamento indicada no extracto de conta.
9 - A emissão do cartão de crédito permitiu igualmente que o Requerido acedesse a produtos bancários a este associados, nomeadamente o denominado Crédito Pessoal através do qual o Requerido solicitou e obteve da Requerente, em 31/10/2019, um crédito no valor de € 5000,00 na conta bancária por este indicada ou na conta-cartão à data em vigor para reestruturação do montante em dívida relativo aos produtos bancários contratados com a Requerente, tendo em contrapartida de pagar mensalmente as prestações debitadas nos extratos da conta-cartão de crédito de que é titular e que estava associada ao cartão nessa data em vigor.
10 No referido contrato foi igualmente convencionado que, em caso de cancelamento do cartão por facto imputável ao seu titular (como é o caso em apreço) seria debitada o remanescente do montante de capital do Crédito Pessoal ainda não reembolsado pelo Requerido, que acresceria ao valor de capital em dívida.
11 Assim, conforme convencionado, a Requerente foi debitando na respetiva conta-cartão do Requerido as prestações mensais do mencionado crédito pessoal, a fim de serem pagas pelo Requerido, nos termos melhor descritos em 7. e 8. supra.
12 - Para tanto, a Requerente enviou ao Requerido, os extratos mensais discriminativos do seu saldo devedor, que incluía não só os movimentos decorrentes da utilização do cartão de crédito de que era titular, mas também as prestações mensais do identificado crédito.
13 - Sucede que, o Requerido deixou de efectuar os pagamentos nos termos contratados, a partir de 22/02/2020, com o consequente cômputo de juros moratórios sobre os montantes devidos, à taxa convencionada, bem como ao posterior cancelamento do cartão por parte da Requerente,
14 Bem como, nos termos contratados no Crédito Pessoal, e após devida interpelação, designadamente para efeitos de perda de beneficio do prazo e/ou resolução, em face da reiterada falta de pagamento pelo Requerido das prestações de reembolso do crédito, nas datas e termos acordados, o reiterado incumprimento por parte do Requerido implicou o vencimento imediato e exigibilidade do remanescente do capital mutuado e que ainda não havia sido debitado na conta-cartão do Requerido, valor que acresceu ao montante já em dívida na conta-cartão e que incluía os movimentos do cartão, várias prestações vencidas e não pagas, encargos e juros.
15 Razão pela qual o montante de capital em dívida ascende nesta data ao valor de 6834,40.
16 Em conformidade com a legislação em vigor, Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, a Requerente procedeu à abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) em 06.05.2020, o qual foi encerrado em 20.07.2020.
17 O Requerido constitui-se em mora desde 03.02.2022.
18 Assim, para além do capital em dívida no montante de € 6834,40 são devidos à Requerente, os competentes juros de mora contratuais, calculados às sucessivas taxas praticadas pela instituição em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal, de acordo com o previsto no Decreto-Lei 133/2009, de 02 de Junho, desde 03.02.2022 até à data do presente requerimento de injunção.
19 A taxa anual atualmente em vigor é de 16.884%, ascendendo os juros nesta data a € 150,65.
20 O montante de imposto de selo incidente sobre os juros está incluído no valor indicado em 19.
21 Ao capital em dívida acrescerão ainda os juros de mora vincendos até integral pagamento, calculados à taxa anual de 16.884%.
22 Em suma, o crédito da Requerente sobre o Requerido ascende ao total de € 6985,05, ao qual acresce o valor da taxa de justiça liquidada pela presente injunção.
O pagamento voluntário desta quantia pode ser efetuado por Multibanco: Entidade ...04; Referência - ...15; Valor - € 6985,05.”
10-O executado não deduziu oposição à injunção.
11- No período entre 19.12.2020 e 17.09.2022, o embargante procedeu ao pagamento de valores à embargada num total de € 4.694,00.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão sob recurso considerou que “os fundamentos dos presentes embargos de executado, no que concerne ao tema dos juros a pagar e da resolução do contrato ter operado em 2020, não se ajustam ao disposto no artigo 14.º-A, do DL 269/98, nem aos artigos 729.º e 857.º do Código de Processo Civil.”, ou seja, que ocorreu a preclusão destes meios de defesa do executado por os não ter deduzido em sede de oposição à injunção.
O recorrente nas suas alegações de recurso limita a sua discordância à parte da decisão que se não pronunciou sobre a ilegalidade da taxa de juros peticionada no requerimento executivo. A questão a decidir, convoca a definição prévia do âmbito dos meios de defesa do executado que não deduziu oposição à injunção contra si proposta, questão que passaremos a decidir de imediato.
Dos fundamentos de oposição à execução de título de injunção a que foi aposto fórmula executória.
Em termos dogmáticos, uma injunção traduz-se numa ordem, dirigida a um determinado sujeito, seja ele pessoa singular ou colectiva, para que adopte um determinado comportamento, em cumprimento de uma obrigação que se afigura incontrovertida. No nosso ordenamento jurídico civilista, esta injunção – para pagamento de quantia certa - obtém-se no âmbito de um procedimento simplificado, com vista à constituição de um título executivo para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (cfr. art. 1.º do D.L. nº 269/98 de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo D.L. nº 303/2007 de 24 de Agosto) ou emergentes de transacções comerciais, independentemente do seu valor (cfr. art. 2º e 10º, nº1, do D.L nº 62/2013 de 10 de Maio, que revogou o D.L. n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro).
Por se tratar de modelo desjurisdicionalizado, este procedimento é tramitado pelo Secretário Judicial junto do Balcão Nacional de Injunções, cabendo à secretaria a notificação do requerido, nos termos dos arts. 12º e 13º deste diploma, bem como a prática de todos os actos subsequentes, com vista à aposição de fórmula executória, sem intervenção judicial, intervenção que apenas ocorre nos casos previstos nos arts. 14º, nº4 e 16º.
Nos termos previstos no art. 14º do D.L. 269/98, se o requerido, válida e regularmente notificado (nos termos previstos nos arts. 12º e 12º-A), não deduzir oposição tempestiva[3], a competência para a aposição de fórmula executória cabe ao secretário judicial, formando-se o título executivo previsto no actual art. 703º, nº1, alínea d) do C.PC. [4]
No âmbito do anterior regime processual civil, à execução baseada neste título aplicava-se o processo sumário, conforme disposto no art. 21º, nº1, do D.L. n.º 269/98, ou os termos previstos no Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, se se verificasse o requisito da alínea b) do artigo 1.º deste diploma, sem que resultasse deste preceito, ou dos termos do processo sumário, qualquer limitação à extensão dos fundamentos invocáveis pelo executado na dedução de embargos à execução fundada em injunção à qual fora aposta fórmula executória. Esta limitação veio a ser introduzida por via jurisprudencial[5] e defendida por parte da doutrina[6], restringindo a sua admissibilidade aos que fossem meramente impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do exequente, com o argumento de que se tratava este de um título judicial, embora atípico ou impróprio[7] e que o executado fora já notificado para a dedução de oposição, devendo pois considerarem-se precludidos, pela aposição de fórmula executória (cfr. artº 14 do D.L. nº 269/98), os meios de defesa que poderiam ter sido invocados em sede de injunção.
Interpretação julgada inconstitucional por Acórdão do TC n.º 658/2006 de 28 de Novembro de 2006 (publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 6-D de Janeiro 2007), com o fundamento de que esta restrição dos meios de defesa do executado, na interpretação que era feita do art. 14º, constituída uma violação do disposto nos arts. 18º, nº2 e 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. Julgou-se, neste Acórdão, que a preclusão destes meios de defesa, tendo em conta a ausência de apreciação judicial do direito, constituiria uma restrição desproporcional dos direitos de defesa do executado por confronto com os objectivos de celeridade e simplicidade que nortearam a criação deste procedimento.
Apesar do julgamento de inconstitucionalidade, a reforma corporizada pelo D.L. nº 226/2008 de 20 de Novembro veio aderir à posição dos que consideravam este título equiparado às sentenças judiciais e, nesta medida, precludidos os meios de defesa não invocados em sede de injunção e não enquadráveis nos que o executado poderia opor a sentença judicial condenatória. Nestes termos, restringiram-se os meios de defesa do executado, quando o título executivo fosse uma injunção, “aos fundamentos de oposição especificados no n.º 1 do art. 814.º, na parte em que sejam aplicáveis”, ou seja, àqueles oponíveis quando o título executivo fosse uma sentença judicial.
Era um retorno ao entendimento que já fora objecto de julgamento de inconstitucionalidade, na interpretação feita do artº 14 do Decreto-Lei nº 269/98, pelo que, sem surpresa, o Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 388/2013 (publicado no Diário da República n.º 184/2013, Série I de 2013-09-24) e reproduzindo, no essencial, os fundamentos já invocados a propósito do artº 14 do D.L. nº 269/98, julgou inconstitucional, desta vez com força obrigatória geral, a “norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”.[8]
Esta posição do Tribunal Constitucional não dissuadiu o legislador de, na elaboração do novo Código de Processo Civil (Lei nº 41/2013) manter, como regime regra, a equiparação, para efeitos de oposição em sede executiva, entre títulos executivos decorrentes de injunção a que fora aposta fórmula executória e sentenças judiciais (cfr. art. 857º, nº1, do C.P.C.) com o argumento de que a não dedução de oposição determinava a preclusão dos meios de defesa invocáveis no âmbito da execução, com excepção da invocação:
-do justo impedimento, desde que tempestivamente declarado junto da secretaria de injunção, caso em que, verificado o impedimento e tempestiva a declaração, poderiam ser invocados todos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados no âmbito da injunção (nº2);
-as questões de conhecimento oficioso que determinassem a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção (nº3 a);
-a ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção, de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (nº3 b).
Concedia-se, por via deste preceito, a possibilidade à parte que se viu impossibilitada de exercer o seu direito ao contraditório, por justo impedimento, invocado já após a aposição de fórmula executória junto da secretaria de injunção, vir deduzir oposição, embora apenas em sede de embargos.
A segunda excepção, prendia-se com as questões de conhecimento oficioso, supervenientes ou não, visando-se a equiparação com o disposto em caso de revelia na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (cfr. art. 2º), como forma de justificação do efeito preclusivo instituído como regra geral pelo nº1 do art. 857º do C.P.C.
A terceira excepção reportava-se às excepções dilatórias de conhecimento oficioso que ocorressem de forma evidente[9], porque em relação às excepções que não fossem evidentes, ou cujo conhecimento dependesse de invocação pela parte, estariam abrangidas pela regra geral do nº1, estando precludida a possibilidade da sua invocação.
Deste regime decorre que se manteve, como regra geral, o efeito preclusivo da não dedução de oposição, sem ao mesmo tempo se intervir no regime de injunção, nomeadamente ao nível das modalidades de notificação e do seu conteúdo e sem se assegurar o efectivo conhecimento pelo requerido de que a não dedução de oposição origina, não só a aposição de fórmula executória, mas também a preclusão dos meios de defesa em futura acção executiva.[10]
Por se manterem no essencial, os fundamentos que tinham determinado o juízo de inconstitucionalidade em relação ao art. 814º, nº2, do anterior C.P.C., foi este preceito objecto de novo julgamento de inconstitucionalidade, primeiro pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 828/2014, 714/2014 e 112/2015 e após, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 264/2015 (publicado no Diário da República n.º 110/2015, Série I de 2015-06-08).
Esta declaração de inconstitucionalidade eliminou da ordem jurídica, ex tunc, este nº1 do art. 857º do C.P.C., quando interpretado no sentido acima referido (cfr. art. 282º, nº1, da C.R.P.), ressalvando-se os efeitos já produzidos (n.º 3), pelo que, a partir da publicação deste Acórdão, passaram a ser admitidos em sede de oposição à execução baseada em injunção, todos os meios de defesa sem qualquer restrição.
No entanto, mesmo em sede de injunção, o efeito cominatório da falta de dedução de oposição em sede de injunção foi reintroduzido, agora pela Lei nº 117/2019 de 13/09, mediante a introdução de um novo artigo ao D.L. nº 269/98, com a numeração 14º-A e a alteração do disposto na alínea b) do art. 13º, decorrendo destes preceitos que se o requerido, notificado pessoalmente nos termos previstos no art. 225º, nº2 a 5, do C.P.C. e advertido do efeito cominatório constante do art. 14º-A, não vier deduzir oposição tempestiva, ficam precludidos os meios de defesa que poderia ter invocado, ressalvando-se apenas as excepções constantes do nº2 deste art. 14º-A., que coincidem com os já indicados nos nº2 e 3 do artº 857 do C.P.C.
Desta alteração legislativa, decorre que se o requerido pessoalmente notificado (por alguma das formas aplicáveis à citação) e advertido da cominação constante do art. 14º-A do D.L. nº 269/98, não deduzir oposição, na acção executiva apenas poderá invocar, em sede de embargos (art. 857º do C.P.C.):
-os fundamentos previstos no art. 729º desde que aplicáveis à injunção (nº1);
-questões de conhecimento oficioso que determinam a improcedência total ou parcial do requerimento de injunção (nº3, alínea a);
-o conhecimento de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas, tendo em conta a obrigatória junção do contrato, contendo estas cláusulas, nos termos previstos no art. 855º-A do C.P.C. e o disposto no artº 14º-A, nº 2, alínea c);
-ocorrência de forma evidente, de excepções dilatórias de conhecimento oficioso, no âmbito do procedimento de injunção, ou seja, que resultem expressamente do título executivo, sem necessidade de arguição e, como resulta do vocábulo “de forma evidente”, sem necessidade de produção de prova (nº3, alínea b);
-em caso de justo impedimento tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no art. 140º do C.P.C., a generalidade dos fundamentos previstos no art. 731º do C.P.C., desde que o juiz julgue verificado o justo impedimento e tempestiva a sua dedução (nº2).
Quer isto dizer que, se notificado da injunção o requerido a ela não deduzir oposição, fica precludido o direito de vir posteriormente, em sede de embargos, deduzir factos modificativos ou extintivos da obrigação exequenda que poderia e deveria ter deduzido na oposição à injunção.
No entanto, esta preclusão dos meios de defesa não atinge as questões de conhecimento oficioso que determinam a improcedência total ou parcial do requerimento de injunção, ou o conhecimento de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas, sendo obrigatória a junção do contrato contendo estas clausulas (juntas na contestação) nomeadamente as que versem sobre a taxa de juros ou que permitam a inclusão nos juros peticionados dos juros remuneratórios após o vencimento antecipado das prestações vincendas em dívida.
Assim sendo, nesta parte tem o embargante razão cabendo ao tribunal conhecer desta questão restrita à questão dos juros de mora peticionados e da eventual nulidade das clausulas contratuais gerais, porque não abrangida pelo efeito preclusivo da não dedução de oposição, procedendo assim a apelação, nesta parte e, impondo-se assim a revogação da decisão recorrida.
Revogada esta decisão, decorre do disposto no artº 665, nº2 do C.P.C. que “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer de certas questões, nomeadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a relação deve conhecer desta questão, sempre que disponha dos elementos necessários.”
Conclusão que convoca a apreciação da 2ª questão objecto de recurso:
Se os juros peticionados na injunção são ilegais e abusivos.
A este respeito vem o recorrente alegar que a taxa de juros peticionada é ilegal e abusiva, pois que a exequente alega “simultaneamente que pôs fim aos efeitos do contrato mediante resolução do mesmo operada em 2020, mas, simultaneamente, continua a pretender aplicar a alegada taxa de justos moratórios prevista nesse contrato que já não está, há muito, em vigor.”; por outro porque, de acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência datado de 25 de Março de 2009, a perda do benefício do prazo num contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações implica que não sejam devidos juros remuneratórios.
Por sua vez a exequente, ora embargada, nega que tenha procedido à resolução do contrato e mais alega que o referido Acórdão não obsta à aplicação de clausulas contratuais que expressamente estipulem uma dada taxa de juro como consequência do incumprimento e que a “taxa de juro aplicada sobre o capital em dívida foi contratada pelas partes, ao abrigo da legislação em vigor e da autonomia da vontade.”
Tendo em conta o que se fixou no procedimento de injunção, a única questão que ora nos cumpre dirimir por não abrangida pelo efeito preclusivo reporta-se à questão dos juros, ou seja, a divergência que nos cabe dirimir assenta precisamente em apurar se são devidos os juros moratórios peticionados à taxa fixada para o pagamento do capital em dívida naquele contrato, incluindo os juros remuneratórios quanto às prestações que seriam a liquidar no futuro, caso não tivesse ocorrido a perda do benefício do prazo e o seu vencimento antecipado.
Com efeito, resulta dos factos dados como assentes que entre embargante e embargado foram celebrados dois contratos mediante a disponibilização de um cartão de crédito e de um crédito pessoal no montante de € 5.000,00, ressarcido em prestações de capital e juros (mútuo oneroso), assumindo a natureza de contratos de crédito ao consumo por a exequente ser uma entidade bancária e/ou parabancária e por não decorrer dos mesmos acordos que o executado/embargante tenha actuado, ao celebrá-los, com objectivos próprios de uma sua qualquer actividade comercial ou profissional – art. 4º, nº 1, als. a) a c), do D.L. 133/2009, de 2/6.
Que as instituições de crédito, num mútuo liquidável em prestações, têm direito a juros pela mora no pagamento das prestações acordadas e enquanto esta se mantiver, incluindo os remuneratórios e, inclusive, à capitalização de juros remuneratórios, não oferece dúvidas.
Esta possibilidade resulta do disposto no artº 8 do DL n.º 58/2013, de 08/05, que dispõe o seguinte:
1 - Em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo.
2 - A taxa de juros moratórios a que se refere o número anterior incide sobre o capital vencido e não pago, podendo incluir-se neste os juros remuneratórios capitalizados, nos termos do artigo anterior.”
Conforme resulta do preâmbulo deste diploma, “o regime consignado no presente diploma traduz, nas matérias que regula, um afastamento do regime geral aplicável em caso de mora no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas partes. (…) permitindo, mediante convenção das partes, a capitalização de juros remuneratórios, vencidos e não pagos, por períodos iguais ou superiores a um mês. No entanto, os juros remuneratórios que integram as prestações vencidas e não pagas só podem, relativamente a cada prestação, ser capitalizados uma única vez. Proíbe-se a capitalização de juros moratórios, exceto no âmbito de processos de reestruturação ou consolidação de créditos, casos em que as partes podem, por acordo, adicionar aos valores em dívida o montante de juros moratórios vencidos e não pagos.
No que se refere à penalização aplicável em caso de mora, (…) consagra-se um regime uniforme, mais claro e transparente, sendo apenas aplicáveis, em caso de mora do cliente bancário, juros moratórios.
Afasta-se, dessa forma, a fixação de cláusulas penais moratórias, o que não invalida, naturalmente, que as partes possam, nos termos gerais de direito, convencionar entre si a existência de cláusulas penais indemnizatórias, aplicáveis pelo incumprimento definitivo do contrato.”
Decorre deste diploma legal e dos artigos acima referidos que, em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, mantendo-se o plano contratual acordado, as instituições de crédito podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios já fixada e incluída nas prestações a pagar por este contrato.[11]
Ora, os juros remuneratórios, como o próprio nome indica, destinam-se a remunerar o mutuante pela cedência do capital durante o prazo acordado entre as partes e são devidos apenas nesse período contratual e no plano contratual acordado de ressarcimento desse capital, assim incluídos nas prestações a pagar pelo mutuário.
Já os juros moratórios destinam-se a compensar o mutuante pela mora, pelo atraso no pagamento do capital na forma acordada e, ao mesmo tempo, visam compelir o devedor a proceder a esse pagamento (artº 804 e 805 nº2, al. a) do C.C.).
É claro que uns e outros se não confundem e têm finalidades distintas, sendo em regra admissível o pagamento de juros remuneratórios apenas dentro do quadro prestacional definido pelas partes. Cessado por alguma forma esse quadro - seja pelo vencimento imediato das prestações ao abrigo do disposto no artº 781 do C.C. ou do artº 20 do D.L. 133/2009, ou de norma contratual de idêntica redacção ou em caso de resolução do contrato – não serão já devidos juros remuneratórios, mas apenas os moratórios, pois que já se não visa a remuneração do capital mutuado, mas apenas a indemnização do credor mutuante pelo atraso no pagamento das prestações.
A questão que ora se coloca e que conforme já referido, não está abrangida pela preclusão decorrente da não oposição à injunção, consiste em primeiro lugar em apurar se, considerando vencidas a totalidade das prestações, poderia incluir nestas (as que se venceram antecipadamente) também os juros remuneratórios e sobre o montante assim obtido aplicar ainda juros moratórios à taxa contratual fixada para a mora no pagamento das prestações, procedendo, assim, à capitalização daqueles juros.
Em suma, saber se este diploma (D.L. 58/2013) afastou ou prejudicou o entendimento vertido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/2009 de 25 de Março de 2009[12], ou seja, de inexigibilidade de pagamento de juros remuneratórios em caso de vencimento antecipado das prestações ou de resolução do contrato por incumprimento definitivo e, em qualquer caso, saber se são devidos juros moratórios no valor peticionado que corresponde afinal à taxa de juros contratuais acordados pela disponibilização do crédito (remuneratórios), tendo em conta que se não mostra peticionado a sobretaxa de 3%.
Vejamos a primeira questão. Neste AUJ concluiu-se que “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.
Para o efeito consideraram-se os seguintes argumentos:
“1 – A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;
2 – Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;
3 – A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;
4 – Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no art.º 781.º do C. Civil;
5 – Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;
6 – O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no art.º 781º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;
7 – Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;
8 - O art.º 781º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;
9 – A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações;
10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil.”
Em nosso entender mantém plena aplicabilidade este AUJ, aplicável aos casos de incumprimento definitivo e vencimento imediato das prestações acordadas em contratos de mútuo oneroso, pela aplicação já não do artº 781 do C.C., mas do artº 20 do D.L. 133/2009 o qual determina que o credor, “só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as seguintes circunstâncias:
a) – Falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito;
b) – Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.”
Decorre deste preceito que, nos contratos de crédito ao consumo, a lei (artº 20 acima citado) equipara os requisitos para a perda do benefício do prazo e para a resolução do contrato, podendo em qualquer destas situações o mutuante credor recorrer a um destes institutos: perda do benefício do prazo e/ou resolução do contrato. No entanto, o referido diploma legal, que se aplica expressamente aos créditos ao consumo, não rege sobre a exigibilidade de juros remuneratórios.
A protecção dos direitos dos consumidores e a disciplina prevista no D.L. 133/2009, assim o exigem, sendo certo que o disposto no D.L. 58/2013, que se refere às consequências gerais da mora no pagamento das prestações acordadas, não obsta a esta conclusão.
É certo que os Acórdãos para Uniformização de Jurisprudência, ao contrário dos anteriores Assentos, não gozam de força vinculativa, excepto no âmbito dos processos em que são proferidos (art. 4º, nº 1, da LOSJ). No entanto, como refere Abrantes Geraldes[13] “o sistema tem convivido de forma salutar com a força persuasiva de tais arestos que é projectada pela conjugação de diversos factores: a solenidade do julgamento (Pleno das Secções Cíveis), a qualidade dos seus protagonistas e a valia da fundamentação, o que é demonstrado pelo generalizado respeito que as instâncias vêm demonstrando pelas soluções uniformizadoras que acabam por impor-se às polémicas jurisprudenciais que as precedem ou que procuram prevenir (…) ante a publicitação de uma solução uniformizadora emanada do Supremo, sem embargo de situações-limite em que outra solução seja justificada pelas circunstâncias, só uma incompreensível teimosia poderá justificar, na generalidade dos casos, o não acolhimento pelas instâncias da jurisprudência fixada.”
Teimosia que, a existir, fundamentada ou não, permite a interposição de recurso com essa finalidade, independentemente do valor da causa e da sucumbência (artº 629, nº 2, c) do C.P.C.) Não vêm alegadas quaisquer circunstâncias excepcionais que permitam afastar este entendimento uniformizador, que era além disso, o já seguido maioritariamente pela jurisprudência, fundamento aliás para a prolacção de Acórdão que uniformizasse o entendimento a seguir nos Tribunais. [14]
Refira-se ainda que o recurso ao instituto permitido pelo artº 20 do D.L. 133/2009 é, conforme refere Jorge Morais Carvalho[15], “uma opção do credor, permitindo-lhe o regime decidir se pretende manter o prazo do contrato, recebendo a contraprestação acordada (e eventuais juros moratórios) ou por termo à possibilidade de cumprimento faseado da obrigação, deixando de ter direito aos valores diretamente ligados a esse fracionamento da prestação (sem prejuízo do direito a juros moratórios). Trata-se de mera possibilidade, cabendo ao credor decidir se pretende ou não manter o contrato, ao contrário do caso em que o devedor cumpre antecipadamente, em que não é atribuída ao credor a possibilidade de se opor ao termo do contrato.” e que justifica que neste último caso sejam devidos juros remuneratórios.
Assim sendo, prossegue este autor, “O credor tem de decidir, em cada momento, se prefere exigir de imediato o pagamento de todas as prestações, perdendo o direito aos juros remuneratórios, ou se prefere manter a vigência do contrato e do seu elemento temporal, mantendo o direito a esses juros.”
Significa isto que, em caso de vencimento antecipado das prestações, o mutuante apenas tem direito ao capital em dívida, expurgado dos juros remuneratórios incluídos nas prestações que se venceram antecipadamente e aos juros de mora sobre o capital assim definido, à taxa contratual prevista no contrato ou, no caso de esta taxa se não mostrar estipulada, a prevista para os juros de mora comerciais.[16]
Alega, no entanto, a recorrida/embargada que se ressalvam do entendimento vertido neste AUJ os casos em que as partes clausularam expressamente regime diverso, ou seja, aqueles casos em que as partes previram, para o caso de ocorrer o vencimento antecipado das prestações, a exigibilidade de juros remuneratórios e a fixação de juros moratórios sobre a totalidade destas prestações (incluindo juros remuneratórios), a uma determinada taxa, invocando as clausulas 17 e 3 do Anexo ás condições gerais do cartão de crédito e as clausulas 9 e 10 das condições gerais do contrato de concessão de crédito pessoal.
Sobre a possibilidade de se estipular contratualmente regime diverso pronunciou-se já a nossa jurisprudência, em sentido negativo, por considerar que se trata de uma estipulação abusiva e contrária aos ditames da boa fé. Com efeito o teor destas clausulas insertas em contratos de crédito ao consumo sempre teria de se adequar à disciplina prevista no D.L. 133/2009 e ao disposto no D.L. 446/85, de 25 de outubro (LCCG), que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. Com efeito, constituem cláusulas inseridas em documentos cujo conteúdo foi inteiramente elaborado pela mutuante sem que o mutuário o tivesse podido influenciar (assim incluídos no âmbito deste diploma, conforme resulta do ser art. 1.º).
Nestes termos, decorre do artº 12 deste diploma as clausulas proibidas ao abrigo das suas disposições, são nulas, nulidade que é também ela de conhecimento oficioso sem que o juiz esteja limitado pela alegação das partes (artº 5, nº3 do C.C.) e que, nesta medida, se não mostra abrangida pela preclusão decorrente da não oposição ao procedimento de injunção. Ora, a nulidade de clausulas contratuais gerais, que estipulam o pagamento de juros remuneratórios incluídos nas prestações que se venceram antecipadamente e na aplicação de juros moratórios sobre esse montante, tem sido declarada por vários Acórdãos das Relações, nomeadamente da Relação de Lisboa, citando-se apenas a título de exemplo o proferido em 24/01/2019[17], no qual se considerou que a “cobrança antecipada da totalidade dos juros remuneratórios tem um intuito indemnizatório, pelo que consubstancia uma cláusula penal, que é desproporcionada nos termos e para os efeitos previstos no art. 19.º, al. c), da LCCG, ao conferir ao Banco o direito a exigir uma compensação (juros remuneratórios) por uma contrapartida a que já se eximiu (privação do capital).”
Também na doutrina Jorge Morais Carvalho[18] defende que em contratos de crédito ao consumo, a que será aplicável o disposto no artº 20 do D.L. 133/2009, este “deve ser interpretado no sentido de não poderem, ser exigidos juros remuneratórios no caso de ser invocada a perda do benefício do prazo, devendo considerar-se que o conteúdo imperativo abrange este aspeto do regime. A razão de ser é idêntica, consistindo na protecção exclusiva de interesses do consumidor. Este interesse do consumidor só é salvaguardado, com eficácia, se as partes não puderem estabelecer que são devidos juros remuneratórios.”
Quer isto dizer que a exequente não teria direito nem poderia peticionar juros remuneratórios incluídos nas prestações que se consideraram antecipadamente vencidas e sobre estas aplicar ainda os juros moratórios convencionados e que qualquer clausula estipulada em contrário seria abusiva e, por essa via, nula por ofensa ao regime imperativo constante do artº 20 do D.L. 133/2009 e, em qualquer caso, por ofensa do disposto no artº 19, al. c) da LCCG.
Mas na realidade a exequente/embargante não clausulou a possibilidade de ressarcimento dos juros remuneratórios incluídos nas prestações de capital (capitalizados) no caso de beneficiar do vencimento antecipado das prestações que seriam devidas se o contrato fosse regularmente cumprido, conforme decorre da leitura destas condições gerais.
A exequente a este respeito fez clausular nas condições gerais de acesso ao cartão de crédito, na clausula 7ª, a faculdade de proceder à resolução do contrato e/ou cancelar de imediato o cartão quando o mutuante “tenha incumprido a obrigação de pagamento dos valores mínimos acordados e estes correspondam a 2 prestações sucessivas que excedam 10% do montante total do crédito concedido e, após interpelado para proceder à regularização dos valores em dívida no prazo de 15 dias sob pena de perda do beneficio do prazo ou de resolução do Contrato, não tenha feito esse pagamento;”
Por sua vez na clausula 17 fez constar que “No caso de pagamento parcial do saldo da Conta que seja igual ou superior ao mínimo contratado, sobre o capital remanescente que fique em dívida incidirão juros remuneratórios à taxa contratual em vigor, a que acrescem os correspectivos impostos. (i) A taxa de juro remuneratória contratual é uma taxa com base num ano de 360 dias assumindo meses de 30 dias. A convenção de cálculo de juro é de 30/360. Esta taxa é indicada no Anexo às Condições Gerais de Utilização e sempre que sofra alteração esta é comunicada no Extracto de Conta, com indicação da data de entrada em vigor. (…) (ii) Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, a A... poderá exigir até efectivo pagamento da obrigação, juros moratórios e uma comissão pela recuperação de valores em dívida, conforme indicado no Anexo às Condições Gerais de Utilização.”
Por último do Anexo a estas condições (ponto 3) resulta fixada a taxa de juros remuneratórios acordada, mais se estabelecendo que “Em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, poderão ser exigidos juros moratórios correspondentes a uma sobretaxa anual máxima de três pontos percentuais a acrescer à taxa de juro contratual.”
Da leitura destas clausulas nada resulta que permita concluir, como o fez a exequente, que em caso de resolução do contrato ou de vencimento antecipado das prestações, a mutuante teria direito ao pagamento de juros remuneratórios e sua capitalização.
Já das condições gerais referentes ao contrato de crédito pessoal, resulta regime que se não pode considerar diverso. A clausula 10 refere-se aos casos em que não ocorra o “pagamento do total do saldo em dívida indicado no Extracto mensal da Conta-cartão” caso em que a A... “poderá exigir juros de mora à taxa mensal em vigor na Conta-cartão do Cliente, acrescidos de Imposto do Selo (artºs 17.2.1 e 17.3.1 da TGIS), calculados com base num ano de 360 dias assumindo meses de 30 dias.” No caso de “não cumprimento da obrigação do pagamento mensal mínimo de acordo com as Condições Gerais de Utilização do cartão de crédito, a A..., poderá exigir até efectivo pagamento da obrigação, juros moratórios e uma comissão pela recuperação de valores em dívida, conforme indicado em 20 e 21. No caso de os pagamentos do saldo da Conta-cartão serem insuficientes para satisfazerem o pagamento do valor da prestação mensal lançada a débito, aplicar-se-á o regime previsto em 12.”
Já a clausula 12ª estipula que “Caso tenha sido incumprida a obrigação de pagamento mensal que corresponda a 2 prestações sucessivas que corresponda a 10% do montante total do crédito e, após interpelado para proceder à regularização dos valores em atraso no prazo de 15 dias, sob pena de perda do benefício do prazo ou de resolução do Contrato, o Cliente não tenha feito esse pagamento, a A... pode resolver o presente contrato e lançar a débito na Conta Cartão a totalidade do montante do crédito pessoal ainda não reembolsado pelo cliente e dos encargos devidos pelo período já decorrido e que não tenham sido nela lançados, os quais transitam integralmente para o saldo da referida conta-cartão do Cliente.”
O que não resulta evidente e perceptível para um consumidor normal é que incumprido o contrato e usando o mutuante a faculdade de considerar de imediato vencidas todas as prestações (vincendas), teria direito aos juros remuneratórios nelas incluídos, sendo a referencia aos juros moratórios estipulada para os casos de incumprimento dos montantes mínimos acordados do cartão de crédito (sendo os remuneratórios para as restantes situações em que esse pagamento mínimo é cumprido) e, para os casos em que não ocorra o pagamento do total do saldo em dívida indicado no Extracto mensal da Conta-cartão.
O que significa que mesmo do clausulado não se retira que as partes tenham convencionado a possibilidade de serem devidos juros remuneratórios em caso de vencimento antecipado das prestações e nesta medida não são estes devidos, embora, ao contrário do que alega o executado, sejam devidos os moratórios à taxa contratual acordada porque assim expressamente clausulado e permitido pelo D.L. 58/2013, a incidir sobre as prestações vencidas (à data da declaração de vencimento antecipado que se desconhece), incluindo os juros remuneratórios e sobre as vincendas e antecipadas (estas excluindo os juros remuneratórios).
Ora, a exequente no seu procedimento de injunção (do qual resulta uma alegação de factos francamente deficiente) não indica nem o valor das prestações vincendas - cujo vencimento foi antecipado - nem a data, nem o montante de juros remuneratórios incluídos nestas prestações, nem diferenciou, por reporte ao cartão de crédito e ao crédito pessoal concedido, as prestações em dívida à data em que invocou perante o mutuário a perda do benefício do prazo, muito menos a imputação que fez dos pagamentos feitos pelo executado, de forma a que este Tribunal, em substituição da primeira instância, se possa pronunciar, considerando não devidos o montante que corresponder a estes juros em cada uma das prestações antecipadas.
Conclui-se assim que não dispõe este Tribunal de elementos para decidir esta concreta questão, por não dispor de elementos para tal, determinando-se assim a devolução do processo à primeira instância, prosseguindo os autos para apuramento da factualidade acima referida, proferindo a primeira instância despacho de aperfeiçoamento dos articulados (contestação), por forma que o exequente venha descriminar estes valores na forma referida (artº 590, nº4 do C.P.C.).
*
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Neste caso, em que a oposição se afigura intempestiva, deverão os autos ser remetidos à distribuição, nos termos previstos no artº 16 deste preceito, a fim de que o juiz profira decisão sobre a tempestividade ou não deste articulado. Defendendo que incumbe ao secretário recusar a oposição intempestiva, cabendo desse acto reclamação para o juiz, vide RAPOSO, João Vasconcelos e CARVALHO, Luís Baptista, Injunções e Acções de Cobrança, Quid Juris, 2012, pág. 138. Não aderimos, no entanto, a esta posição, quer pelas consequências gravosas da não dedução de oposição, quer por se suscitarem ou poderem suscitar questões jurídicas, relativas à natureza e contagem do prazo, arredadas do âmbito das competências do secretário judicial e sem possibilidade de reclamação, direito que neste modelo de injunção, cabe apenas ao requerente.
[4] Conforme refere PEREIRA, Joel Timóteo in “EXECUÇÃO DE INJUNÇÃO: QUESTÕES CONTROVERTIDAS NA INSTAURAÇÃO E NA OPOSIÇÃO” Revista Julgar, nº 18, 2012, pág. 102, “O título executivo formado na sequência de requerimento de injunção é, nos termos do disposto nos arts. 10.º, 11.º e 14.º, do regime anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o documento (impresso ou electrónico), onde tenha sido aposta a fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções.”
[5] Vide, a título meramente exemplificativo, o Ac. do T.R.L. de 28/10/04, proc. nº 5752/2004-2; em sentido contrário, vd. Ac. do TRL de 17/02/04, proc. nº 1566/2004-8.
[6] PAIVA, Eduardo CABRITA, Helena, O Processo Executivo e o Agente de Execução, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 117; TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Acção Executiva Singular, Lex, lisboa, 1998, pág. 176; era, no entanto, maioritária, a nível doutrinal, a posição que entendia constituir esta restrição dos fundamentos de oposição ao título executivo baseado em injunção, uma violação do princípio da indefesa, e.g. LEBRE DE FREITAS, José, A ação executiva, depois da reforma, 5.ª edição, Coimbra Editora, páginas 182 e 183 e COSTA, Salvador, A injunção e as Conexas Ação e Execução, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 172.
[7] Sem entrarmos na discussão sobre a natureza deste título, se de título judicial impróprio se de natureza administrativa, que não constitui o objecto da nossa decisão, mas aderindo desde já à primeira posição, de acordo com doutrina melhor explanada por LEBRE DE FREITAS, José A Acção Executiva - Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, 2004, pp. 64 e 182 e a Ação Executiva- À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, pág. 77; FERREIRA, Fernando Amâncio Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, 2004, pp. 39-46 e 152-153; MARQUES J. P. Remédio Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998, págs. 79-80 e 153 nota 379; TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, A Reforma da Acção Executiva, Lisboa, 2004, pág. 69 e PINTO, Rui, A Ação Executiva, reimpressão, AAFDL, 2020, pág. 221; ainda defendendo a natureza de titulo executivo judicial impróprio ou atípico, COSTA, Salvador, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., Coimbra, 2005, pág. 149. Defendendo a sua natureza administrativa vide GIL, Carlos Pereira “Algumas Notas Sobre os Decretos-Leis nºs 269/98 e 274/97”, Centro de Estudos Judiciários, 1999, pág. 21.
[8] Não foi no entanto unânime esta posição, conforme decorre dos votos de vencimento parcial, apresentados neste Acórdão, pelos Juízes Conselheiros João Cura Mariano, Pedro Machete, Fernando Vaz Ventura e Maria João Antunes, por entenderem que “a declaração de inconstitucionalidade não salvaguarda o regime relativo a "obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro" (cfr. o artigo 7.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro) - um regime próprio das transações entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração” e com voto de vencimento por discordar do juízo de inconstitucionalidade das Sras. Juízas Conselheiras Maria Lúcia Amaral e Maria de Fátima Mata-Mouros (reportando à declaração de voto lavrada no Acórdão nº 529/2012).
[9] Cfr. Parecer da Associação Sindical de Juízes Portugueses, em Janeiro de 2013, a propósito da Proposta de Lei nº 521/2012 de 22 de Novembro de 2012, www.aspj.pt, págs. 65 -67.
[10] Conforme acertadamente referem FERREIRA, João Pedro Pinto e GOUVEIA, Mariana França, in ob. cit, págs. 329.
[11] Defendendo a constitucionalidade deste diploma, vide o Ac. do TRE de 28/01/21, proc. nº 226/19.3T8LLE-A.E1, de que foi relatora Isabel Peixoto Imaginário, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Proferido no processo n.º 08A1992, de que foi relator Cardoso de Albuquerque.
[13] Em texto que serviu de base à intervenção do autor no Colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça, no dia 25-6-15, disponível online em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel_3_recursos_abrantesgeraldes.pdf.
[14] Neste sentido veja-se o Ac. do TRE de 10/05/2018, proc. nº 3216/12.3TBPTM-A.E1, relatora Elizabete Valente; Ac. do TRL de 18/04/2023, proc. nº 8552/22.8T8LSB.L1-7, relator Edgar Taborda Lopes; Ac. do TRL de 24/01/19, proc. n. 5120/16.7T8LRS-B.L1-2, relatora Laurinda Gemas, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] CARVALHO, Jorge Morais, Manual de Direito do Consumo, Almedina, 8ª edição 2022, pág. 579.
[16] Veja-se ainda Ac. desta Relação de 28/05/2019, proferido no proc. nº 5755/19.3T8CBR-C.C1, de que foi relator Alberto Ruço, embora a respeito da resolução contratual de um mútuo em prestações.
[17] Proferido no proc. n. 5120/16.7T8LRS-B.L1-2, de que foi relatora Laurinda Gemas, disponível in www.dgsi.pt.
[18] CARVALHO, Jorge Morais, ob. cit, pág. 581.