PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
SITUAÇÃO MENOS FAVORÁVEL PARA O CREDOR
LOCADOR FINANCEIRO
JUÍZO DE PROGNOSE COMPARATIVA
Sumário

I – Invocando o credor/recorrente (locador financeiro, com reserva de propriedade) que o plano de revitalização da requerente não deve ser homologado, por a sua aprovação ser menos favorável para aquele do que a ausência de plano, com fundamento em que, no caso da sua não aprovação, receberia o capital mutuado no prazo de um ano, enquanto que, com a sua aprovação, terá de aguardar por dez anos, a sua argumentação não procede se, num exercício de prognose comparativa – entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência (ponderando o grau de satisfação do direito de crédito, com e sem acordo, o prazo de satisfação do crédito e o grau de probabilidade dessa satisfação, devendo prevalecer uma situação em que a satisfação total ou parcial do crédito é certa ou muito provável sobre uma em que tal satisfação é incerta ou pouco provável) –, houver de concluir-se que, em situação de aprovação, poderá receber as rendas futuras à homologação ou vir a retomar o bem locado em caso de incumprimento do plano, para além de não ter garantias, em caso de insolvência, que lhe permitam o ressarcimento, integral ou sequer parcial, do seu crédito.
II – Acresce que resta incólume o direito de propriedade do recorrente sobre o bem locado, repercutindo-se o plano somente sobre os créditos emergentes desse contrato e correspondentes à remuneração do gozo concedido, sabido que o recorrente é um credor comum e, em parte, sob condição, a concorrer com os demais, o que não lhe garantiria que fosse ressarcido do seu crédito, em caso de insolvência, dado que os créditos reconhecidos ascendem a mais de 334 mil euros e os garantidos e os privilegiados a cerca de 102 mil e 33 mil euros, respetivamente, enquanto o do recorrente tem o montante global de 11.056,18 euros, sendo 10.790,14 euros sob condição.

Texto Integral

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos: Maria João Areias
Helena Melo

       

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A..., L.da, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., intentou o presente processo especial de revitalização, tendo em vista a promoção da respectiva revitalização através da aprovação de plano de recuperação.

Foi nomeado administrador judicial provisório, que apresentou a lista provisória de créditos a que alude o art. 17.º- D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

A lista foi objecto de impugnações, oportunamente decididas, por decisão transitada em julgado.

Decorrido o prazo de negociações, acrescido de prorrogação por trinta dias, a devedora remeteu ao tribunal o plano de recuperação, acompanhado de documento elaborado e assinado pelo administrador judicial provisório contendo o resultado da votação, bem como dos votos emitidos. Requereu a homologação do plano de recuperação aprovado.

Conclusos os autos ao M.mo Juiz, foi proferida a decisão de fl.s 258 a 266, na qual se homologou o plano de revitalização apresentado e que havia sido aprovado pela maioria dos credores, ficando as custas a cargo da devedora.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, a credora reclamante, B..., GMBH – Sucursal Portuguesa, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 302), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

(…).

Respondendo, o MP, em 1.ª instância, pugna pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o plano de revitalização da requerente não deve ser homologado, porque a sua aprovação é menos favorável para a recorrente do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que no caso da sua não aprovação, a mesma receberia o capital mutuado no prazo de um ano, ao passo que com a sua aprovação, terá de aguardar dez anos.

É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:

1. Por requerimento apresentado em juízo a 17.01.2024 a aqui Devedora apresentou-se a processo especial de revitalização.

2. O plano de revitalização foi aprovado pela maioria dos credores.

3. Do plano de revitalização apresentado pela devedora, e cujo respetivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, para além do mais, o seguinte:

I) – Redução dos créditos por perdão e moratória, nos seguintes termos:

A) Estado

A1) Autoridade Tributária e Aduaneira

- A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99 de 16/03, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às

garantias constituídas e/ou a constituir;

- Nos termos previstos na legislação acima referida, concretamente o n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, a quantia exequenda, custas e juros de mora não perdoados, serão liquidados em regime prestacional, concretamente em 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 de unidades de conta;

- A primeira prestação vence-se no mês seguinte da data da decisão de aprovação do Plano;

- Manutenção das garantias existentes, nos termos do Nº 13, do

artº 199º do CPPT;

- A extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT;

A2) Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social

- O pagamento da dívida reconhecida no presente PER será regularizada no âmbito da execução fiscal, em 20 prestações, as prestações são mensais, iguais e sucessivas, com o vencimento da 1ª prestação a ocorrer no mês seguinte mês ao da votação do plano;

- Nos termos da legislação em vigor são devidos juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas;

- As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas, sendo suspensas, nos termos do artigo 194.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, na sequência da

presente autorização e até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado;

- Dispensa de prestação de garantia nos termos do artigo 199.º, nº 13, do CPPT.

B) Contratos de Locação Financeira

Os bens e equipamentos detidos em regime de locação estão a ser utilizados na atividade da empresa sendo bens de produção essenciais sem os quais a empresa não conseguirá laborar o que ditará a cessação da sua laboração.

Nessa medida propõe a requerente propõe:

- Consolidação das rendas vencidas até á data da entrada do PER e na pendência deste ao prazo de pagamento previamente acordo, readaptando-se o valor das rendas vincendas, mantendo-se as demais condições contratadas até liquidação integral das rendas em dívida

C) Créditos Garantidos - Penhor de Ações Nominativas

- Dação em cumprimento da totalidade das ações sobre as quais incide o penhor a realizar-se no prazo de 30 dias após a data de trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação;

D) Créditos Garantidos - Penhor Mercantil

- Consolidação total dos créditos reconhecidos à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

- Pagamento de 100% do capital consolidado em 96 prestações mensais iguais e sucessivas;

- O período de carência de capital de 6 (seis meses) será contabilizado após a data de trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação;

A primeira prestação terá vencimento no mês seguinte ao de término do período de carência – que é de 6 (seis) meses)

Sobre o capital em dívida vencer-se-ão juros contados, a partir da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, calculados com base na EURIBOR a 12 meses, com floor zero, acrescida de um spread de 3,50%;

Manutenção das garantias existentes;

E) Créditos Comuns - Bancos e Instituições Financeiras

Consolidação total dos créditos reconhecidos à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano;

Pagamento de 100% do capital consolidado em 96 prestações mensais iguais e sucessivas;

O período de carência de capital de 12 (doze meses) será contabilizado após a data de trânsito em julgado do despacho de homologação do Plano de recuperação;

A primeira prestação terá vencimento no mês seguinte ao de término do período de carência – que é de 12 (doze meses);

Sobre o capital em dívida vencer-se-ão juros contados, a partir da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, calculados com base na EURIBOR a 12 meses, com floor zero, acrescida de um spread de 3,50%;

F) Créditos Comuns - restantes

O período de carência de 2 (dois) anos será contabilizado após a data de trânsito em julgado do despacho de homologação

do plano de recuperação;

Pagamento de 100% do capital em dívida em 96 prestações mensais iguais e sucessivas;

A primeira prestação terá vencimento no mês seguinte ao de término do período de carência – que é de 2 (dois) anos;

Perdão total de juros de mora, juros vencidos e vincendos;

F) Créditos Subordinados

Pagamento após pagamento integral dos restantes créditos;

Cessão de Créditos:

É concedida às instituições de Crédito, Financeiras e Sociedades de Garantia Mútua Autorização irrevogável e incondicional para:

Negociarem, proporem a venda, alienarem ou cederem a terceiro, total ou parcialmente, os créditos (vencidos ou não vencidos) dos Bancos / Instituições Financeiras detidos sobre a DEVEDORA emergentes de qualquer facilidade de crédito contratada com os Bancos / Instituições Financeiras, bem como a transmissão das garantias e outros acessórios dos créditos, incluindo sem limitar os emergentes do Contrato de Reestruturação Financeira, de contratos de empréstimo ou de mútuo, contratos abertura de crédito, descobertos de conta de depósitos à ordem (contratados ou não contratados), contratos de locação financeira, contratos de factoring e garantias bancárias prestadas, e/ou

Negociarem, proporem a transmissão e transmitirem, sem restrições, a terceiro a sua posição contratual em qualquer contrato de crédito, designadamente nos elencados na anterior subalínea;

Autorização, expressa e sem reservas, da DEVEDORA, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1, do artigo 79.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, revelar, prestar ou transmitir, direta ou indiretamente, aos potenciais cessionários mencionados na alínea anterior, todas e quaisquer informações, contratos, documentos ou o conteúdo, total ou parcial, dos mesmos, independentemente do meio de transmissão, respeitantes às relações creditícias que os Bancos / Instituições Financeiras mantém com a DEVEDORA.

Credores Não Identificados no Processo:

Os créditos que não se encontrem reconhecidos e que venham a ser reconhecidos, judicialmente ou extrajudicialmente, serão liquidados nas mesmas condições da respetiva natureza do crédito;

Créditos Sob Condição

Os créditos reconhecidos sob condição, verificando-se a condição a que estão sujeitos, serão pagos nas mesmas condições da respetiva natureza do crédito.

Cláusula de regresso de melhor fortuna

Este Plano está sujeito à cláusula “salvo regresso de melhor fortuna”.

Âmbito:

As alterações dos créditos sobre a devedora introduzidas pelo plano de recuperação produzir-se-ão independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (n.º 1 do artigo 217.º do CIRE).

Nos termos do artigo 209.º, n.º 3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.

O plano de liquidação fica sujeito à cláusula de “regresso de melhor fortuna”, entendendo-se por esta que uma vez cumpridos os pagamentos atrás referidos, serão satisfeitos todos os credores na medida em viram os seus créditos reduzidos, caso a empresa apresente uma situação económico-financeira que o permita.

Fundamentação da medida proposta:

O plano de recuperação apresenta-se de acordo com o princípio da igualdade plasmado no artigo 194.º, n.º 1 do CIRE, nos termos do qual deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. A norma coloca em revelo a observância do princípio da igualdade consubstanciado na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, na proporção da desigualdade, sem prejuízo da ponderação das circunstâncias de cada situação poder justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito.

O presente plano de recuperação prevê propostas diferentes para a satisfação das obrigações para as diferentes categorias de créditos e credores.

In casu, foi derrogado o princípio da igualdade no que concerne à forma distinta de pagamento dos créditos reconhecidos mediante natureza privilegiada (créditos do Estado) em relação aos demais créditos, atenta a existência de legislação própria. De referir que relativamente a estes créditos não pode deixar de se atender ao facto de as regras de pagamento dos créditos detidos pelo Estado (Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social, Autoridade Tributária) serem ditadas por normas legais imperativas de direito público não derrogáveis (princípio da indisponibilidade dos créditos tributários). O que não sucede com as demais, que podem ser derrogadas, com respeito pelos créditos do CIRE, e que por isso o plano de recuperação pode prever providências com incidência no passivo da devedora diversas para os restantes credores.

Foi derrogado o princípio da igualdade no que concerne ao pagamento do credor garantido face aos demais credores comuns atenta a existência de garantias já constituídas.

Foi igualmente derrogado o princípio da igualdade no que concerne à forma distinta de pagamento dos créditos comuns, consoante os mesmos sejam de entidades bancárias, financeiras ou de garantias mútua e outros.

Estes créditos são da mesma natureza, no entanto os detidos por entidades bancárias, financeiras e de garantias mútua destinaram-se a financiamentos específicos da atividade ou para fazer face a necessidades pontuais e imediatas de tesouraria. Sem estes financiamentos pontuais a empresa teria cessado a sua atividade. O dinheiro que é hoje o principal fator produtivo é um dos bens mais escassos e o acesso a ele em mercados de capitais é cada vez mais difícil e jamais sem sólidas garantias e retribuição fixada unilateralmente pelo operador financeiro, razão pela qual se justifica o pagamento de juros, como forma de garantir a realização de operações financeiras indispensáveis ao exercício da atividade.

O incumprimento desses contratos financeiros e a falta de pagamento do valor dos títulos cambiários e respetivos juros obriga a comunicação a central de responsabilidade de crédito, enquadrada pelo DL 204/2008 gerida pelo Banco de Portugal, situação que vai ter a inevitável consequência de interdição/inacessibilidade a crédito bancário tão necessário ao desenvolvimento da atividade.

Esta medida e tratamento diferenciado é assim indispensável para que a empresa continue a ter acesso ao crédito e desta forma garantir a sua sustentabilidade e alicerces para o futuro.

Impacto expectável das alterações propostas:

O Plano de Recuperação apresentado pela gerência da A..., Lda., tem por finalidade expor as condições em que esta e os credores definem a continuidade da empresa, sob administração da devedora, e nomeadamente os termos em que serão feitos os reembolsos dos créditos sobre a devedora.

Mas considerando o volume de créditos reconhecidos e os valores estimados para os ativos e, principalmente a sua natureza, nomeadamente nos termos de grau de liquidez, não se vislumbra alternativa que não seja um programa de continuidade da A..., Lda. com uma estrutura de custos reduzida e adaptada à nova realidade de mercado, permitindo libertar os meios que sejam necessários para satisfazer os créditos sobre a devedora.

Na ausência do apoio dos credores ao Plano de Recuperação, tornar-se-á como certo o Cenário de Liquidação abrupta dos ativos da Requerente a revitalizar.

Este cenário caracterizar-se-á exclusivamente pela venda dos ativos e recebimentos de clientes. E, como também se depreende, o cenário de não Recuperação não deixará de acarretar perdas substanciais para os credores.

Estima-se no cenário de não Recuperação que os credores comuns receberão uma percentagem REDUZIDA OU MESMO NULA DOS CRÉDITOS.

Em alternativa, com a aprovação do plano, teremos a garantia de pagamento das obrigações assumidas perante todos os credores nos termos supra expostos.

 

Se o plano de revitalização da requerente não deve ser homologado, porque a sua aprovação é menos favorável para a recorrente do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que no caso da sua não aprovação, a mesma receberia o capital mutuado no prazo de um ano, ao passo que com a sua aprovação, terá de aguardar dez anos.

No que a esta questão respeita, alega, em súmula, a recorrente que a aprovação do plano lhe é menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que no caso da sua não aprovação, receberia o capital mutuado no prazo de um ano, ao passo que com a sua aprovação, terá de aguardar dez anos.

Desde logo e em primeiro lugar, importa não esquecer que a possibilidade de conformação do plano de recuperação aprovado pelos credores, limita, restringe, ou pode fazê-lo, a esfera dos direitos de cada um, ou alguns, dos credores da devedora, na medida em que o plano fixa em que medida se opera a redução ou o perdão dos créditos e juros, a constituição de garantias e validade e relevância das anteriormente constituídas, nos termos do disposto nos artigos 196.º e 197.º do CIRE.

Isto porque, como se refere, entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10/04/2014, Processo 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, Processo 6148/12.1TBBRG.G1.C1, disponíveis no respectivo sítio do itij, depois da reforma operada pela Lei 16/2102, de 20/4, o CIRE tem como objectivo principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respectiva liquidação.

Dá-se relevância à recuperação da empresa, em detrimento do anterior objectivo primordial, que era o de, em primeira linha, obter a satisfação dos direitos dos credores, por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora.

Como refere Menezes Cordeiro, in “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, Ano XII, n.os 22/23, 2012, pág.s 40 a 42, como linha inovadora da citada reforma surge “a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo … a recuperação surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente.”.      

É no âmbito dos poderes de conformação do plano por parte da maioria dos credores de uma empresa em estado de pré-insolvência que surge a possibilidade de, nos termos do disposto no artigo 196.º do CIRE, lançar mão das (ou alguma (s)) providências nele referidas, designadamente o perdão ou redução do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionamento de reembolso de créditos; modificação de prazos de vencimento e taxas de juros; constituição de garantias e cessão de bens aos credores e outras ali não previstas, uma vez que, cf. seu n.º 1, se refere que “O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências …”, o que, fora de dúvidas faz transparecer a ideia de que será possível usar outras providências, para além das ali expressamente indicadas, desde que contidas e descritas no plano de recuperação.

Por idênticas razões, se permite, conforme estipulado no artigo 197.º do CIRE, desde que expressamente estatuído no plano de insolvência, a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios que versem sobre bens da empresa pré-insolvente.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 25/03/14, acima já citado “A expressão “na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência”, atribui cariz supletivo ao preceito, o que implica que pode haver regulação diversa, contendendo com os créditos previstos nas al.s a) e b) o que deve ser entendido como afloração do princípio da igualdade e reconhecimento que, dentro da legalidade exigível, o plano pode regular a forma como os credores estruturam o Plano de Insolvência. Só assim não será se não houver expressa adopção de um regime diferente.”.

No mesmo sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 762 que ali defendem que “sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência, que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção.

Adrede, está ainda a salvaguarda do princípio da igualdade.”.

Ali acrescentando a fl.s 762 e 763 que “Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afectação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos (…)

Naturalmente, a exigência da dispensa do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência.”.

Daqui resulta que os credores, melhor dito, da sua maioria, dispõem de uma ampla autonomia quanto à forma como podem recuperar os seus créditos, ponderando a possibilidade de liquidação da empresa ou a sua viabilidade/recuperação, de acordo com o plano aprovado, sem que, como é óbvio, possam violar o princípio da igualdade entre credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE.

Ainda, nesta sede, de considerar que, como defende Gisela Fonseca in “Direito da Insolvência – Estudos”, Coordenação de Rui Pinto, Coimbra Editora, 2011, no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”, o plano de insolvência tem uma natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles.

Como ali se refere “A concretização do plano de insolvência permite aos credores a composição dos interesses emergentes do processo, de acordo com a sua própria vontade, revestindo-se, assim, de uma natureza negocial.”.

Mais concretamente sobre a alegada situação menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que no caso da sua não aprovação, a recorrente receberia o capital mutuado no prazo de um ano, ao passo que com a sua aprovação, terá de aguardar dez anos, importa ter em linha de conta o disposto no artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, de acordo com o qual, deve ser recusada a homologação do plano, se tal lhe for solicitado por algum credor que se lhe haja oposto, se a sua situação ao abrigo de tal plano for previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

No entanto, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., a pág.s 832 e 833, para aferir de tal situação, importa proceder “a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.

Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele.

(…)

Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.

(…)

Bem vistas as coisas, pois, o que substancialmente importa é a comparação entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência.”.

Referindo Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, pág. 292, que a demonstração em termos plausíveis subjacente ao disposto no artigo 216.º, 1, a), do CIRE, implica/significa “um juízo de probabilidade”.

Como se refere no Acórdão desta Relação de 26/09/2023, Processo 170/22.7T8FND.C2, disponível no respectivo sítio do Itij “O ónus de demonstração implica que o credor alegue e prove factos que permitam a formulação do juízo de que a situação dele ao abrigo do acordo é-lhe menos favorável da que a interviria na ausência de acordo”.

Apontam-se, neste Aresto, como factos indispensáveis à formulação deste juízo, o grau de satisfação do direito de crédito, com e sem acordo; o prazo de satisfação do crédito; bem como o grau de probabilidade de satisfação do direito de crédito, prevalecendo uma situação em que a satisfação total ou parcial do crédito é certa ou muito provável sobre uma em que tal satisfação é incerta ou pouco provável.

Critérios, estes, também seguidos, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 09/09/2022, Processo 21668/21.9T8LSB.L1-1 e de 11/04/2023, Processo 13733/22.1T8SNT.L1-1, igualmente, disponíveis no respectivo sítio do Itij.

Ora, quanto a tal prognose, a requerente apenas alega que a última prestação do contrato está prevista para Outubro de 2025, dispondo de reserva de propriedade a seu favor e com a aprovação do plano, só vê satisfeito na totalidade o seu crédito, daqui a 9 anos e meio, para além de que a devedora se pode desfazer do bem locado.

 Como se refere no Acórdão do STJ, de 03/03/2015, Processo n.º 1480/13.0TYLS.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, o plano de recuperação, que se impõe mesmo aos que o não aprovaram e mesmo aos que não participaram das negociações, cf. artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE “não vai deixar tudo na mesma, sob pena de ser inútil. Implicará alterações no que respeita aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor estava vinculado e, porventura, nos montantes pecuniários devidos, seja na sua globalidade, seja quanto ao valor e ao número de prestações parcelares.”.

Ali se acrescentando que:

“É natural que um plano de recuperação implique alterações, designadamente, quanto aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor esteja vinculado, aos montantes devidos e ao número de prestações parcelares.

Assim, o simples facto de não se concordar com tais alterações não justifica o pedido de não homologação do plano em causa. E muito menos se justifica a não homologação oficiosa, a não ser que se verifique algum dos condicionalismos previstos no artigo 215.º”.

E sem esquecer que se é verdade que a recorrente fica com o contrato de locação pendente e impossibilitada de retoma do bem locado, fica com a possibilidade de receber as rendas contratualizadas.

Ou seja, se com a aprovação do plano em causa, recebe as rendas contratadas mais tardiamente – mercê do diferimento do prazo de pagamento – o certo é que poderá receber as rendas futuras à homologação ou vir a retomar o bem locado em caso de incumprimento do plano.

Sem esquecer que, sem a aprovação do plano, se cairia, de imediato, numa situação de insolvência do devedor, com a consequente venda universal dos bens que constituiriam a massa insolvente e sem que a ora recorrente tenha garantias que lhe possibilitassem, em tal caso, o ressarcimento, integral ou sequer parcial, do seu crédito (cf. fl.s 195 e v.º).

Como, na mesma senda, se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 15/12/2016, Processo n.º 1542/16.1T8STS.P1, disponível no respectivo sítio do itij:

“Obtido o quórum legalmente exigido de mais de dois terços dos créditos do devedor, podem os credores dissidentes, em condições de paridade, vir a ficar vinculados ao acordo obtido pela maioria dos credores, ainda que a fonte dos créditos dos credores não aderentes ao acordo seja um contrato de locação financeira.

Esta vinculação dos credores dissidentes por força do acordo obtido por uma maioria qualificada constitui precisamente um dos casos em que a lei permite a modificação do contrato, independentemente do acordo das partes, tal como é consentido no n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil.”.

Sem esquecer que resta incólume o direito de propriedade da recorrente sobre o bem locado, repercutindo-se o plano tão só sobre os créditos emergentes desse contrato e correspondentes à remuneração do gozo concedido e reiterando-se que a recorrente é um credor comum e em parte, sob condição, a concorrer com os demais, o que não lhe garantiria que fosse ressarcida do seu crédito, em caso de insolvência da devedora, dado que os créditos reconhecidos ascendem a mais de 334 mil euros, ascendendo os garantidos e os privilegiados a cerca de 102 mil e 33 mil, respectivamente (cf. fl.s 140), ascendendo o da recorrente ao montante global de 11.056,18 €, sendo 10.790,14 €, sob condição.

Como acima já se aludiu, o reescalonamento da dívida foi aprovado relativamente a todos os credores e constitui a condição para que estes tenham a possibilidade de virem a obter a melhor satisfação possível dos seus créditos, relativamente às possibilidades concretas do devedor, em que radica a suprema finalidade do PER.

Para mais, repete-se, sem que no caso em apreço, se vislumbre, em resultado do plano de pagamentos proposto, um tratamento mais favorável, discriminatório ou injustificado de algum ou alguns dos credores.

Do que decorre não violar a decisão recorrida os invocados preceitos.

Assim, face ao exposto, é de manter a decisão recorrida, improcedendo o presente recurso.

            Nestes termos se decide:      

           Julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

            Coimbra, 24 de Setembro de 2024.