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QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA QUALIFICADA DE CULPOSA
REPÚDIO DA HERANÇA
Sumário
I – O insolvente, devedor de determinada instituição bancária e, com ação de dívida intentada contra si desde 2019, apresentou-se à insolvência em 7.07.2023, por não conseguir cumprir as suas obrigações vencidas, o que foi declarado por sentença de 11.07.2023. II – Todavia, em 13.12.2021, o devedor/insolvente repudiou as heranças dos seus pais, e simultaneamente declarou que tem atualmente como únicas descendentes três filhas, sendo que à ocasião, os direitos que constituíam essas heranças eram o único e potencial património do mesmo. III – Tal atuação do insolvente consubstancia situação prevista no art.º 186.º n.ºs 1 e 2, al. d) e 4 do CIRE, e consequentemente a qualificação da insolvência como culposa.
Texto Integral
Apelação Processo n.º 970/23.0T8AMT-B.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 4 Recorrente – AA Recorridos – Credores da insolvência de BB e AA Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Lina Castro Baptista
Desemb. Alexandra Pelayo
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – BB e AA, apresentaram-se noTribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amaranterequerendo a sua declaração em estado de insolvência.
Os requerentes/devedores foram, por sentença proferida em 11.07.2023, devidamente transitada em julgado, declarados em estado de insolvência.
A Sr.ª AI juntou aos autos o seu relatório e dele resulta que, no apenso de reclamações de créditos, foi reconhecido e julgado verificado por sentença homologatória, transitada em julgado, um único crédito, no montante de €15.526,41 a favor da credora A..., cessionária do credor original Banco 1..., S.A., por via da celebração de contratos de cessão de créditos.
Não houve lugar a apreensão de bens.
No âmbito do presente apenso de incidente qualificação da insolvência, a AI emitiu parecer sobre a qualificação da insolvência, nos termos do disposto no art.º 188.º, n.º 1, do CIRE, pugnando pelo caráter culposo da mesma, devendo ser afetado pela qualificação AA.
Alegou, para tanto e, em síntese, que no dia 13.12.2021, no Cartório Notarial da Notária CC, sito na Rua ..., n.º ..., 1.º direito, concelho de Fafe, o devedor/insolvente AA, por escritura aí outorgada declarou repudiar as heranças abertas por óbito dos seus pais DD e EE, falecidos em 30.12.1991 e 3.12.2013, respetivamente, mais tendo declarado que o repudiante tem atualmente como únicas descendentes três filhas, FF, solteira, maior, GG, solteira, menor, e HH, solteira, menor.
Mais alegou que, na data do repúdio, os devedores/insolventes eram réus na B... - DL n.º 269/98 – n.º 100381/19.6YIPRT, instaurada pelo Banco 1..., SA, e que correu termos pelo Juízo Local Cível de Lousada, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sendo a dívida reclamada superior a €10.211,97, a qual culminou com a homologação da transação alcançada no sentido do pagamento da quantia de €13.308,89 em 89 prestações, com início em fevereiro de 2022, que aqueles nunca pagaram.
Mais alegou ainda que, não constando que sobre a herança repudiada existisse qualquer passivo, com a declaração de repúdio, o devedor marido quis manter na sua esfera ou na esfera de pessoas especialmente relacionadas consigo (filhas) o seu direito sobre os bens que integravam a herança aberta por óbito de sua mãe, EE, ocultando-os dos seus credores.
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido emitiu parecer pugnando pela qualificação da insolvência como culposa sendo por ela afetado o insolvente, com fundamento no ato de repúdio da herança em alusão, apesar de saber que detinha dívidas em incumprimento e que com aquela transmissão prejudicava/diminuía a satisfação dos credores.
Citado o requerido/insolvente o mesmo apresentou contestação pedindo a improcedência do pedido de qualificação da insolvência como culposa.
Para tanto alegou que com o repúdio da herança efetuado a favor das filhas não pretendeu fugir com quaisquer bens, nem prejudicar os credores em benefício próprio, uma vez que, quando o realizou, já tinha bens em seu nome.
Foi proferido despacho saneador com seleção da matéria assente e dos temas da prova.
Foi realizada a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença de onde consta: “Em face do exposto decide-se pela qualificação da insolvência como culposa, sendo por ela afetado o insolvente AA, o qual se declara inibido para administrar patrimónios de terceiros, bem como para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação, empresa pública ou cooperativa durante um período de 2 (dois) anos. Custas a cargo do requerido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s. Após trânsito cumpra-se o disposto no artigo 189.º, n.º 3 do CIRE remetendo certidão da presente sentença à Conservatória do Registo Civil”.
Inconformado com esta decisão, dela veio o insolvente recorrer de apelação pedindo a sua revogação.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. A razão do presente recurso de apelação prende-se com a discordância com a douta sentença proferida pela Mm.ª Juiz de Direito, que: - “Decidiu pela qualificação da insolvência como culposa, sendo por ela afetado o insolvente AA, o qual se declara inibido para administrar patrimónios de terceiros, bem como para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação, empresa pública ou cooperativa durante um período de 2 (dois) anos”.
2. O insolvente discorda do doutamente decidido, quer quanto à impugnação da matéria de facto, quer de direito aplicável.
3. O recorrente considera incorretamente julgado o Ponto 14 dos factos provados.
Ponto 14 - A declaração de repúdio por parte do Insolvente conduziu necessariamente ao agravamento do prejuízo que da insolvência adveio para os seus credores, facto que o insolvente não podia desconhecer.
4. Ora, não pode o ora recorrente concordar com tal facto, uma vez que não resulta dos autos, que o repúdio, tenha conduzido ao agravamento do prejuízo para os seus credores, pois quando efetuou o repúdio, já tinha bens imóveis em seu nome, conforme consta do Ponto oito dos factos provados, detinha 3/32 dos seguintes prédios:
a) prédio urbano, destinado a armazém e a habitação, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €11.020,00;
b) prédio urbano, destinado a armazém, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ..., com o valor patrimonial atual de €20.000,00;
c) prédio urbano, destinado a habitação (prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade) sito em Rua ..., no Lugar ... (... ou ...), inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €6.384,35;
d) prédio rústico, composto de campo de carbelão – cultura, com a área de 2.250,00 m2, sito no lugar ..., a confrontar do norte com Caminho, do sul e do nascente com II e do poente com JJ, inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €31,16.
5. Quer isto dizer, que o insolvente, quando efetuou o repúdio, já era proprietário de 3/32, dos bens referidos supra, portanto, não se percebe como pode a Mm.ª Juiz, concluir que o repudio conduziu necessariamente ao agravamento do prejuízo que da insolvência adveio para os seus credores.
6. Não consta dos autos, qualquer facto que permita chegar a tal conclusão, sendo certo que, tendo em conta o valor dos créditos reclamados e reconhecidos e que constam do Ponto 3, dos factos provados, que ascendem à quantia de €15.526,41, claramente que os bens dos quais é proprietário, se mostram suficientes para a satisfação dos credores e em nada o insolvente, os prejudicou.
7 Face a todos os elementos dos autos, entendemos que não se mostram preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 186.º do CIRE, para que a insolvência seja declarada culposa.
8. Estando, por conseguinte, incorretamente julgado o ponto 14 dos factos provados, nenhuma prova resultando dos autos, do prejuízo que o insolvente tenha provocado aos credores.
9. Assim, entendemos não existe nexo de causalidade entre os factos aí previstos e a produção e/ou agravamento da situação de insolvência.
10. E nessa medida, deve o Ponto 14 dos factos provados, ser dado como não provado.
11. Da nulidade da sentença - contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito – a Mm.ª Juiz, fez constar dos factos provados no Ponto 8, todos os bens de que o insolvente era proprietário na proporção de 3/32.
12. Posteriormente na fundamentação de direito, a Mm.ª Juiz, não obstante fazer constar nos factos provados no Ponto 8, que o insolvente tinha já na sua esfera jurídica 3/32, de determinados prédios, na fundamentação de direito, menciona que pelo ato de repudio, o insolvente dispôs do único património que tinha.
13. O que não corresponde à verdade, existindo clara contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito, pois, dá como provado no ponto 8 e elenca os bens de que o insolvente é proprietário, na proporção de 3/32 e depois na fundamentação de direito, para justificar a qualificação da insolvência como dolosa, menciona que o insolvente não tem património.
14. Esta omissão, entendemos ser fulcral para a qualificação da insolvência como culposa, pois se o insolvente não fosse possuidor de mais bens, até se dava de barato, que com o ato de repúdio tivesse existido a tentativa de fuga do património.
15. E nesse sentido, a sentença é nula, nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC, por clara contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo que, os fundamentos de facto, deveriam conduzir a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou direito e a decisão final.
16. O insolvente não atuou com dolo, não tendo existido qualquer prejuízo para os credores e como tal não se pode considerar preenchido este requisito legal, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.
Não há contra-alegações.
A Mm.ª Juíza a quo pronunciou-se pela inexistência da invocada nulidade de sentença.
II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. A 07.07.2023, BB e AA, casados entre si sob o regime de bens supletivo, apresentaram-se à insolvência, relacionando um passivo no valor total de €62.981,56, declarando não serem titulares de quaisquer bens móveis ou imóveis e identificando todas as ações/execuções pendentes contra si do seguinte modo: “Proc. 100381/19.6YIPRT; Juízo Local Cível de Lousada; Autor: Banco 1... S.A.; Réus: BB e AA; Valor: 13.308,89€”.
2. Os devedores BB e AA foram declarados insolventes por sentença proferida em 11.07.2023, transitada em julgado.
3. No âmbito do apenso de reclamações de créditos, foi reconhecido e julgado verificado por sentença homologatória, transitada em julgado, um único crédito, no montante de €15.526,41, a favor da credora A..., cessionária do credor original Banco 1..., S.A., por via da celebração de contratos de cessão de créditos; Contratos n.ºs ...; ...; .../Transação Proc. 100381/19.6YI PRT/2.
4. Para além do quinhão hereditário respeitante à herança aberta por óbito da mãe do Insolvente, não foram relacionados quaisquer outros bens no Inventário apresentado pela Sra. Administradora da Insolvência juntamente com o relatório a que se reporta o artigo 155.º, do CIRE.
5. A Sra. Administradora da Insolvência teve conhecimento, no dia 11.08.2023, de que o insolvente marido declarou repudiar a herança aberta por óbito de seus pais.
6. Não houve lugar a apreensão de bens.
7. Através de escritura pública outorgada no dia 13.12.2021, o Cartório Notarial da Notária CC, sito na Rua ..., n.º ..., 1.º direito, concelho de Fafe, o devedor AA, declarou repudiar às heranças abertas por óbito dos pais DD e EE, falecidos em 30 de dezembro de 1991 e 3 de dezembro de 2013, respetivamente, mais tendo declarado que o repudiante tem atualmente como únicas descendentes três filhas, FF, solteira, maior, GG, solteira, menor, e HH, solteira, menor.
8. A herança aberta por óbito do pai do insolvente DD, falecido em 30 de dezembro de 1991, havia já sido partilhada, por meio de inventário, entre os herdeiros, incluindo o ora insolvente, a quem coube, a quota de 3/32 dos seguintes prédios: a) prédio urbano, destinado a armazém e a habitação, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €11.020,00; b) prédio urbano, destinado a armazém, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ..., com o valor patrimonial atual de €20.000,00; c) prédio urbano, destinado a habitação (prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade) sito em Rua ..., no Lugar ... (... ou ...), inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €6.384,35; d) prédio rústico, composto de campo de carbelão – cultura, com a área de 2.250,00 m2, sito no lugar ..., a confrontar do norte com Caminho, do sul e do nascente com II e do poente com JJ, inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €31,16
9. No âmbito do inventário referido em 8., foi adjudicada a EE, mãe do insolvente, a proporção de 5/8 sobre os prédios aí descritos.
10. À data da celebração da escritura de repúdio, já os devedores eram réus na Ação Especial para Cumprimento Obrigações pecuniárias com o nº 100381/19.6YIPRT, instaurada pelo Banco 1..., SA, e que correu termos pelo Juízo Local Cível de Lousada, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sendo a dívida reclamada superior a €10.211,97.
11. Em sede da ação identificada em 10., as partes celebraram acordo de transação, homologado por sentença, em consequência do qual os devedores assumiam ser devedores perante o Banco 1..., SA, do montante de €13.308,89, que se comprometiam a pagar em 89 prestações, com início em fevereiro de 2022.
12. Os insolventes não pagaram qualquer uma das prestações mencionadas em 11.
13. Com a declaração de repúdio, o insolvente manteve na sua esfera jurídica ou na esfera jurídica de pessoas especialmente relacionadas consigo (as filhas, que por via do instituto da representação acederam à posição do pai) o seu direito sobre os bens que integravam a herança aberta por óbito de EE.
14. A declaração de repúdio por parte do insolvente conduziu necessariamente ao agravamento do prejuízo que da insolvência adveio para os seus credores, facto que o Insolvente não podia desconhecer.
Não se julgou provado:
a) A existência de passivo sobre as heranças dos pais do Insolvente.
III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do insolvente/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada nulidade da decisão recorrida.
2.ª -Da impugnação da decisão da matéria de facto.
3.ª – De Direito.
Como se viu por via do presente incidente de qualificação da insolvência, foi a mesma julgada como culposa ao abrigo do disposto no art.º 186.º n.ºs 1 e 2, al. d), do CIRE, ou seja, a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. E, considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros, julgando-se afetado por tal declaração o insolvente AA.
1.ªquestão – Da alegada nulidade da decisão recorrida.
Começa o insolvente/apelante por se insurgir contra a sentença recorrida dizendo que a mesma é nula por contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito.
Para tanto, defende que, não obstante ter sido dado como provado (ponto 8) que o insolvente tinha já na sua esfera jurídica 3/32, de determinados prédios na fundamentação de direito, menciona que pelo ato de repúdio o insolvente dispôs do único património que tinha.
A sentença é nula, conforme o disposto no art.º 615.º n.º1 al. c) do C.P.Civil, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do indicado preceito legal) - só se verifica quando, segundo o Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 141, “…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto”. Dito de outra maneira, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta àquela que logicamente deveria ter extraído. Ou ainda, pressupõe-se, neste caso, a oposição real entre os fundamentos da decisão e a própria decisão, isto é, situações em que os fundamentos invocados pelo julgador devam conduzir, logicamente, a resultado diferente do expresso na decisão, cfr. Ac. do STJ de 30.05.1989, in BMJ 387, pág. 456.
Como se sabe, tal nulidade refere-se, pois, a um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso daquele que seguiu.
Pelo que tal nulidade não abrange, o chamado, erro de julgamento, seja de facto, seja de direito, e designadamente a não conformidade da decisão com o direito substantivo, neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 21.05.98, in CJ/STJ, Ano VI, Tomo 2, pág. 95.
Revertendo para o caso em apreço está efetivamente provado nos autos que: - A herança aberta por óbito do pai do Insolvente DD, falecido em 30 de dezembro de 1991, havia já sido partilhada, por meio de inventário, entre os herdeiros, incluindo o ora insolvente, a quem coube, a quota de 3/32 dos seguintes prédios: a) prédio urbano, destinado a armazém e a habitação, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €11.020,00; b) prédio urbano, destinado a armazém, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ..., com o valor patrimonial atual de €20.000,00; c) prédio urbano, destinado a habitação (prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade) sito em Rua ..., no Lugar ... (... ou ...), inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €6.384,35; d) prédio rústico, composto de campo … – cultura, com a área de 2.250,00 m2, sito no lugar ..., a confrontar do norte com Caminho, do sul e do nascente com II e do poente com JJ, inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias ..., ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... da freguesia ..., com o valor patrimonial atual de €31,16
Está ainda provado nos autos que:
- No âmbito do inventário referido em 8., foi adjudicada a EE, mãe do insolvente, a proporção de 5/8 sobre os prédios aí descritos. - Através de escritura pública outorgada no dia 13.12.2021, o Cartório Notarial da Notária CC, sito na Rua ..., n.º ..., 1.º direito, concelho de Fafe, o devedor AA, declarou repudiar às heranças abertas por óbito dos pais DD e EE, falecidos em 30 de dezembro de 1991 e 3 de dezembro de 2013, respetivamente, mais tendo declarado que o repudiante tem atualmente como únicas descendentes três filhas, FF, solteira, maior, GG, solteira, menor, e HH, solteira, menor.
Visto isto, é manifesto que estamos perante uma argumentação, no mínimo, falaciosa e crédula, uma vez que, na realidade, o insolvente repudiou a herança a que se reportam os bens referidos no ponto 8, ou seja, é falso que o mesmo fosse, à data da declaração de insolvência e, nos três anos que antecederam tal facto, titular do direito a tais bens imóveis.
Logo, inexiste a mínima contradição entre a fundamentação e a decisão, pois atento o complexo fáctico provado nos autos, é manifesto, como se expressa na decisão recorrida que: “Sendo o Insolvente conhecedor das dívidas pelas quais é responsável, bem como da impossibilidade económico-financeira do casal para o seu suprimento, ainda assim, aquele subtraiu aos seus credores o direito à satisfação dos seus créditos, ao sonegar, por via do instituto do repúdio ao quinhão hereditário, bens que poderiam integrar a massa insolvente. De salientar que os Insolventes não possuem quaisquer bens móveis ou imóveis suscetíveis de apreensão. Assim, não só pela intervenção na escritura pública de repúdio, mas também pela manutenção na esfera familiar do direito ao quinhão hereditário, que, por via do instituto da representação fica a caber às filhas dos Insolventes, o insolvente afetou gravemente a garantia patrimonial geral dos demais credores. Por outro lado, da demais factualidade alegada pelo requerido não resultam quaisquer factos justificativos da supra descrita atuação que permitam afastá-la como ato prejudicial dos credores do insolvente e, assim, como causa do agravamento da insolvência, sendo ademais certo que não podia deixar de representar que se encontrava em situação de impossibilidade generalizada de pagamento das suas dívidas vencidas. Impõe-se então concluir quer pela verificação e conhecimento pelo Insolvente do prejuízo que o repúdio da herança acarretaria para os credores à data em que outorgou a respetiva escritura público, assim dispondo do único património que lhe assistiria, em benefício de seus familiares diretos (as suas filhas), nos termos do artigo 186.º, n.º 1 e 2, al. d)”.
Improcedem as respetivas conclusões do apelante.
2.ªquestão - Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Vem depois o insolvente/apelante por defender que a decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância resulta de má ou deficiente apreciação e interpretação da prova carreada para os autos. Concretamente, defende que o que consta do facto n.ºs 14 do complexo factual julgado provado incorre nesse erro, daí que após a reapreciação da prova deva ser julgado não provado, por ausência de prova.
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Efetivamente a 1.ª instância julgou não provado, além do mais, que: “14. A declaração de repúdio por parte do Insolvente conduziu necessariamente ao agravamento do prejuízo que da insolvência adveio para os seus credores, facto que o Insolvente não podia desconhecer”.
Em fundamentação do assim decidido pode ler-se na decisão recorrida que: “O Tribunal baseou a sua convicção, quanto à matéria de facto controvertida, na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos”.
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Como se sabe, no que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil. E como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta exceções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada. Sendo que os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o Tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância
Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória os depoimentos das partes e das testemunhas são apreciados livremente pelo Tribunal, como resulta do disposto no art.º 396.º do C.Civil e n.º3 do art.º 466.º do C.P.Civil.
Atento o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que: i) - especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados; ii) - indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; iii) - indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição; iv) -devendo ainda, desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável e, v) – indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso em apreço, podemos considerar que a apelante não cumpriu minimamente aqueles ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil, portanto, rejeita-se liminarmente a reapreciação da prova produzida nos autos.
Todavia, sempre se dirá que, na realidade, é nosso entendimento que o apelante não soube exprimir em termos técnico-jurídicos adequados o seu desagrado contra o facto provado nos autos sob o n.º14.
Na verdade, o que está em causa é saber se tal facto concreto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa e, assim, constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração, ou não, desse mesmo facto enquanto realidade da vida.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, pág. 312) o que está em causa não é determinar se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, “sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se matéria considerada como um facto provado reflete, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”.
A distinção entre matéria de facto e matéria de direito têm alimentado controvérsias, quer na jurisprudência quer na doutrina. Sendo nosso entendimento que é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; e é questão de direito, tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.
A fundamentação de facto de uma sentença deve conter unicamente factos materiais. Sendo factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os atos e factos dos homens, e entendendo-se por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito.
Referiu-se no Ac. do STJ de 1.10.2019, in www.dgsi.pt que a nossa jurisprudência tem vindo a entender “que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial”.
Ora, “in casu” julgar-se provado que “A declaração de repúdio por parte do Insolvente conduziu necessariamente ao agravamento do prejuízo que da insolvência adveio para os seus credores, facto que o Insolvente não podia desconhecer”, não é um facto material, sendo antes uma conclusão valorativa, contendo em si mesmo uma resposta antecipada ou final a uma questão de direito – qualificação da insolvência como culposa, cfr. art.º 186.º n.ºs1 e 2 al. d) e n.º4, do CIRE.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, decide-se eliminar do complexo factual provado nos autos o que consta do seu n.º14.
Procedem, parcialmente, as respetivas conclusões do apelante.
3.ªquestão – De Direito.
Como é sabido, estatui o n.º 1 do art.º 3.º do CIRE, que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Está comumente assente que o incidente de qualificação da insolvência, tal como está configurado no CIRE, é inovador em relação à legislação anterior, constando do DL n.º 53/2004, de 18.03 (que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas- CIRE) que, “o incidente destina-se a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos) do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência e indicando-se que esta é sempre considerada culposa em caso de prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa”.
Ora, como se sabe, o art.º 185.º do CIRE limita a qualificação da insolvência a duas formas: a culposa e a fortuita.
A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, cfr. art.º 186.º, n.º 1, do CIRE. E considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário aos interesses deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º, conforme dispõe o n.º 2 do citado art.º186.º do CIRE.
Por via do disposto no n.º 4 da mesma disposição legal, tal regime aplica-se à atuação de pessoa singular insolvente, onde a isso não se opuser a diversidade das situações.
Como é sabido, os atos enunciados no n.º 2 do art.º 186.º do CIRE consubstanciam uma presunção iuris et de iure de insolvência culposa, ou seja, a verificação de alguma das situações a que alude o n.º 2 do referido art.º 186.º do CIRE, determina, inexoravelmente, a atribuição de caráter culposo à insolvência, neste sentido vide Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “CIRE Anotado”, pág. 68. E assim, no caso de verificação de qualquer um dos factos expostos nas alíneas do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, a insolvência é sempre culposa, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das referidas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento.
Na verdade, verificada a existência de factos que se reconduzam às situações previstas no n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, em princípio, a lei delas extrai a ilação da verificação da insolvência culposa, sem necessidade de comprovação (ou alegação) de outros factos – presunções inilidíveis de insolvência culposa. Todavia, sabe-se que no caso das situações previstas nas als. h) e i) do n.º2 do referido preceito legal, é preciso que se prove algo mais, já que a lei refere-se a termos substanciais e forma reiterada, o que terá de ser concretizado factualmente.
No caso dos autos, o insolvente marido, ora apelante, repudiou as heranças dos seus pais - a herança aberta por óbito do seu pai, DD, falecido em 30.12.1991, e já sido partilhada, por meio de inventário, entre os herdeiros, incluindo o mesmo insolvente, a quem coube, a quota de 3/32 em vários bens imóveis e – a herança por morte de sua mãe, EE, falecida 3.12.2013 – sendo que a esta, no aludido inventário por morte do seu marido, foi adjudicada a proporção de 5/8 sobre os imóveis já referidos. Fê-lo por escritura pública, outorgada no dia 13.12.2021, e mais declarou o insolvente/apelante, à ocasião, que tinha à data como únicas descendentes três filhas, FF, solteira, maior, GG, solteira, menor, e HH, solteira, menor.
A declaração de insolvência do apelante é de 11.07.2023, portanto o repúdio da herança ocorreu no espaço temporal a que se refere o n.º1 do art.º 186.º do CIRE, sendo que os insolventes se apresentaram à insolvência em 7.07.2023, ocasião em que eram devedores do Banco 1..., SA, crédito esse que, no devido apenso desta insolvência, veio a ser reconhecido e julgado verificado por sentença homologatória, transitada em julgado, no montante de €15.526,41, a favor da credora A..., cessionária do credor do Banco 1..., SA.
Ora, o acervo hereditário dos pais do insolvente marido constituía o potencial e único património do insolvente. Sendo que em 2019, já o Banco 1..., SA havia instaurado contra si e sua mulher o proc. 100381/19.6 YIPRT; que corria no JLCível de Lousada e onde era peticionado o pagamento da quantia €13.308,89. Portanto, quando foi outorgada a escritura de repúdio das heranças, o ora apelante não podia desconhecer que se encontrava insolvente e, ao assim agir, nada mais pretendeu que os bens (direitos) que lhe tinham advindo por via das heranças dos seus pais viessem a entrar na esfera jurídica das suas filhas, bem sabendo, ou não podendo ignorar - como dolo ou culpa grave - que estava a agravar a sua situação de insolvência, como estava a agir em manifesto prejuízo do seu credor. Ou, como se expressou na decisão recorrida, “Sendo o Insolvente conhecedor das dívidas pelas quais é responsável, bem como da impossibilidade económico-financeira do casal para o seu suprimento, ainda assim, aquele subtraiu aos seus credores o direito à satisfação dos seus créditos, ao sonegar, por via do instituto do repúdio ao quinhão hereditário, bens que poderiam integrar a massa insolvente. De salientar que os Insolventes não possuem quaisquer bens móveis ou imóveis suscetíveis de apreensão. Assim, não só pela intervenção na escritura pública de repúdio, mas também pela manutenção na esfera familiar do direito ao quinhão hereditário, que, por via do instituto da representação fica a caber às filhas dos Insolventes, o insolvente afetou gravemente a garantia patrimonial geral dos demais credores”.
Tal atuação do insolvente reconduz-se, efetivamente, à situação prevista na al. d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, pelo que nenhuma censura nos merece a decisão de 1.ª instância, ou seja, que a insolvência do ora apelante é culposa, cfr. art.º 186.º, n.ºs 1, 2, al. d) e 4 do CIRE.
Improcedem as derradeiras conclusões do apelante.
Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo insolvente/apelante.
Porto, 2024.09.24
Anabela Dias da Silva
Lina Baptista
Alexandra Pelayo