I - A regra é da não admissão de prova documental em fase de recurso, pois o recurso não pode conhecer de matéria nova que a primeira instância não tivesse tomado conhecimento.
II - As nulidades secundárias têm que ser arguidas pela parte afectada logo que aquando do seu cometimento, no caso, na própria sessão da audiência de julgamento – artigo 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
III - Haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por um diverso sentido.
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3
RELAÇÃO N.º 164
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Anabela Andrade Miranda
Anabela Dias da Silva
AS PARTES
A.: A..., Lda.
R.: B..., Lda.
“a) a entregar à autora todos os bens que constam do doc. n.º 5 ou, em alternativa, condenar-se a ré a pagar à autora a quantia de €650.585,40, mais juros de mora até ao efetivo pagamento;
b) a entregar à autora o servidor informático referido no art. 34º desta peça, ou pagar à autora a quantia de €10.000,00, mais juros de mora até ao efectivo pagamento;
c) a entregar à autora toda a documentação contabilística (livros e folhas de suporte financeiro e contabilístico), desde 2011 até 2021, ou pagar à autora uma quantia indemnizatória que se venha a apurar em execução de sentença”.
Para o efeito alega, sumariamente, que é uma empresa que se dedica à comercialização de máquinas e ferramentas para a Indústria Metalomecânica; que, por motivos que descreve, contraiu empréstimo junto do Banco 1..., S.A., dando como garantia uma livrança e hipoteca sobre imóvel que identifica; que veio a incumprir o contrato de empréstimo e o Banco 1..., S.A. executou a livrança, tendo sido penhorado o imóvel que havia dado de hipoteca; que na pendência da ação executiva o credor cedeu o crédito à Ré; que em sede de execução o imóvel veio a ser vendido à Ré; que na mesma execução está a ser discutida a validade da venda executiva; que a Ré, após a venda registou o imóvel a seu favor e, de seguida, retirou do imóvel todos bens que se encontravam no seu interior, no valor global de € 650.585,40, um servidor informático no valor de € 10.000,00 e toda a documentação de contabilidade desde 2011 a 2021, não os tendo entregue à Autora.
Termina por pedir a condenação da Autora como litigante de má-fé.
*
Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:
“Pelo exposto, decido julgar:
a) a ação totalmente improcedente por não provada;
b) improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé;
c) procedente o pedido de condenação da Autora, A..., Lda., como litigante de má-fé e, em consequência, condenar a mesma na multa de 10 (dez) UC, bem como no pagamento de uma indemnização à Ré, relegando-se para momento posterior a fixação do respetivo quantitativo.“.
A A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
“Nestes termos e, nos mais de direito, aplicáveis, que serão objeto de douto suprimento por este Venerando Tribunal, Vªs Exªs, senhores Juízes Desembargadores, julgando as presentes conclusões pela sucessiva ordem de razões em que se estribam, revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra, que julgue a ação procedente e condene a R./Recorrida nos pedidos formulados pela A./Recorrente, farão, como sempre, inteira, sã e merecida justiça!“.
“A.
1ª o tribunal a quo, preteriu o princípio da igualdade das partes e violou o artigo4º do CPC.
2ª-Conforme ata de julgamento do dia 30 de novembro de 2023, perante o depoimento da testemunha arrolada pela R., senhora dona AA, e com o objetivo de descredibilizar o depoimento desta testemunha, pelo ilustre mandatário da R. foi requerida a junção aos autos de fotocópias de duas fotografias, cuja junção a senhora juiz admitiu por despacho proferido na sessão de julgamento do dia 21 de dezembro de 2023, conforme ata dessa sessão.
3ª- No decurso do depoimento da testemunha BB, e conforme consta igualmente da ata de julgamento desse dia 21 de dezembro de 2023, encontra-se consignado que «No decurso deste depoimento, o mandatário da Ré quis que fossem exibidas à testemunha as fotocópias das fotografias juntas na última audiência. Não se encontrando as mesmas nos autos, o mandatário da Ré enviou-as para o email do oficial de justiça e, foram as mesmas novamente imprimidas e exibidas à testemunha» Sic com destaque nosso a negrito.
4ª-O ilustre mandatário da R. requereu e, a senhora juiz deferiu tudo o que foi requerido no que respeita à junção de documentos que a R. já tinha na sua posse, e que podia ter junto em tempo oportuno, ou seja, em conformidade com os limites temporais estabelecidos pelo artigo 423º do Código de Processo Civil.
5ª-Tais documentos foram inclusivamente tidos em conta pelo tribunal na apreciação do depoimento da testemunha D. AA, sendo que na fundamentação da sentença e a respeito do depoimento da predita testemunha a senhora juiz a quo, referiu que «Não foi valorado o depoimento de AA, viúva, mãe do Ilustre Mandatário da Autora, que referiu ter-se deslocado ao imóvel na companhia do filho sem que tivessem trazido qualquer documento de contabilidade, sem ter logrado esclarecer o que foram fazer ao local, pela clara falta de credibilidade e porque foi contrariado de forma perentória pelas fotografias juntas aos autos em audiência e pelos depoimentos de CC e BB »- Sic com sublinhado e destaque nosso a itálico e a negrito.
6ª-Também a testemunha da R. CC, foi confrontada com as preditas fotografias, conforme consta da referida ata de julgamento e da própria fundamentação da sentença sob sindicância.
7ª- A senhora juiz em plena audiência de julgamento e, sem enquadramento no artigo 423º do Código de Processo Civil, a requerimento do distinto mandatário da R., decidiu admitir a junção aos autos de cópias de duas fotografias, alegadamente para descredibilizar o depoimento da testemunha D. AA, permitindo o efeito surpresa relativamente à A., fotografias essas que contribuíram para a formação da sua convicção na apreciação e valoração da prova.
8ª Por requerimento remetido aos autos via citius, no dia 20/12/2023 com a refª citius 37631116, a A. impetrou ao tribunal a quo nos termos que se transcrevem « A... LDA., autora nos autos à margem referenciados, vem, ao abrigo do disposto no artigo 423, 2 e 3 do Código de Processo Civil, requerer a Vossa Excência, se digne, admitir a junção aos autos de um documento que consubstancia a Informação Empresarial Simplificada, vulgo IES, referente ao exercício de 2017, sendo que tal documento, tem inteira pertinência para prova dos factos vertidos nos pontos 18, 19, 20 e 21 da petição inicial e para boa decisão da causa, pelo contributo que o mesmo pode dar para a descoberta da verdade material.
Da Oportunidade da respetiva junção:
9ª-Mais justificou a Autora, só agora ter conseguido obter o referido documento, uma vez que o mesmo se encontrava na posse do contabilista certificado da empresa, responsável pela escrita da sociedade pelo menos até 2017, e que integra uma fação de sócios da A. que se encontra em posição adversa à outra fação, e que a A., até à data, ainda não logrou substituí-lo nas suas funções, precisamente por falta de acordo dos sócios nesse sentido.
10ª- Pelo que só agora é que a A. teve acesso a tal documento através da testemunha DD e, daí que só agora lhe tenha sido possível proceder à sua junção.
11ª-A A. justificou ao tribunal a razão de só ter junto o aludido documento naquele momento, a pertinência do mesmo para a boa decisão da causa e, indicou os factos que pretendia provar com a respetiva junção.
12ª- Porém, a senhora juiz a quo, não só não admitiu o documento, como condenou a A. na multa de 2 UC.
13ª-Mas mais, perante o requerimento probatório apresentado pela A., logo a seguir à abertura da audiência – conforme consta da ata da audiência de julgamento do dia 21 de dezembro de 2023- foi consignado que «Aberta a audiência, a Mmª Juiz proferiu despacho a admitir a junção aos autos dos documentos (fotocópias de duas fotografias) exibidos na última audiência, cuja junção foi requerida pela Ré, por serem importantes para a decisão a proferir.
14ª- Quanto ao requerimento da Autora entrado via Citius ao fim da tarde de ontem, a requerer a junção de um documento (IES), foi dada a palavra ao mandatário da Ré para se pronunciar e o mesmo afirmou que não prescinde do prazo de vista, acrescentando que se a audiência terminar hoje, pronunciar-se-á até ao final da audiência» Sic com destaque nosso a itálico e a negrito.
15ª- A senhora juiz a quo deferiu imediatamente o requerimento da R. quanto à requerida junção de cópias de duas fotografias e, no que concerne ao requerimento probatório da A. – em que se requeria junção da IES (informação empresarial simplificada) referente ao ano 2017 e, pretendia a A., naturalmente, confrontar tal documento com as testemunhas por si arroladas e que ainda lhe faltava ouvir e com a sua legal representante – EE, nada decidiu naquele momento, e ordenou a continuação da produção de prova.
16ª- Por forma a provocar um despacho da senhora juiz sobre o referido requerimento probatório, através do seu mandatário Dr. FF, substabelecido em plena audiência de julgamento, nos termos que sinteticamente constam da ata de julgamento e que nesta parte se transcreve « Em seguida o Dr. FF, já com poderes, fez então um requerimento em que, sucintamente, diz que pretende confrontar as testemunhas com o documento junto ontem aos autos e como o colega da parte contrária não prescindiu do prazo de vista, pretende que não sejam inquiridas as testemunhas sem ser proferido o despacho de admissão ou rejeição do documento, sob pena de estar a impedir o exercício do contraditório, o que constitui uma nulidade processual que desde já invoca. Pelo que requer o adiamento da inquirição das testemunhas.
O seu requerimento ficou gravado no período de gravação de 11:30:44 a 11:37:45.
17ª- Como consta igualmente da ata de julgamento, em resposta ao requerido pelo mandatário da A. «A Mmª Juiz proferiu despacho, expondo que não foi cometida qualquer nulidade até ao momento, pelo que julga improcedente a mesma.
18ª- Mais decidiu que se o documento cuja junção é requerida fosse admitido, a parte teria de ter a possibilidade de confrontar as testemunhas com o mesmo, o que determinaria que a produção de prova testemunhal antes de proferido despacho sobre a admissibilidade de junção do documento, poderia ter de ser renovada a fim de as testemunhas serem confrontadas com o documento.
19ª-Entendeu o Tribunal que devia pronunciar-se desde já sobre a admissibilidade da junção aos autos deste documento. No seguimento do decidido e face aos requisitos para a admissibilidade de junção de documentos em sede de audiência de julgamento, foi rejeitada a admissão do documento nesta fase processual, pelos motivos que ficaram gravados no período de gravação de 11:41:47 a 11:48:27. »- Sic com destaque nosso a itálico e a negrito.
20ª- A senhora juiz indeferiu o requerimento probatório da A., coartando-a de fazer prova através do referido documento e colocando-a numa situação de desigualdade em relação à R., a quem tudo foi permitido em termos probatórios.
21ª- De resto a razão aventada pelo tribunal para o indeferimento desse requerimento probatório nem sequer é compreensível, pois o que o A. pretendia, não era uma repetição da prova testemunhal já produzida para ser confrontada com o documento em questão, o que a A. pretendia, era confrontar a restante prova testemunhal e até a sua legal representante que ainda não tinham prestado depoimento, com o teor desse documento, dando-lhe oportunidade de confirmar e explicar o seu conteúdo e o que dele resulta em termos de prova quanto ao imobilizado da A. e o seu valor.
22ª-A senhora juiz a quo não teve uma postura de tratamento paritário ou de igualdade perante as partes, usou manifestamente de dois pesos e de duas medidas para uma situação similar – perante dois requerimentos probatórios, ambos para junção de documentos, apresentados no mesmo momento processual, sem qualquer fundamento sério e sem suporte legal que justifique decisões diversas, adota um comportamento nitidamente discriminatório e diferenciador em relação a cada uma das partes e, nessa medida violou frontalmente o artigo 4º do Código de Processo Civil.
23ª- Salvo melhor entendimento, a violação do citado preceito legal adjetivo- Artigo 4º do CPC- que culminou na preterição de um meio de prova oferecido pela A. e, que se revestia de particular importância para a prova dos factos vertidos nos pontos 18, 19, 20 e 21 da petição inicial e para boa decisão da causa, pelo contributo que o mesmo pode dar para a descoberta da verdade material, constitui motivo suficiente para a anulação do julgamento, repetindo-se o mesmo com admissão do meio de prova que o tribunal a quo rejeitou.
B.
24ª- A recorrente considera incorretamente julgados os factos insertos nos pontos 2, 3, 4 e 5 do item “Factos não Provados” e ainda a matéria de facto inserta no ponto 36 do item “Factos Provados”.
25ª- O tribunal a quo deu como não provado que:
«.. 2. Os objetos que se encontravam no interior do imóvel eram os descritos no artigo 7º do requerimento de 26.01.2023.
3.Os objetos tinham o valor global de €650.585,40.
4. O servidor informático tem o valor de €10.000,00.
5. No interior do imóvel encontrava-se toda a documentação de contabilidade da Autora - livros e folhas de suporte financeiro e contabilístico, desde 2011 até 2021.…» Sic com destaque nosso a itálico.
26ª- Quanto aos factos insertos nos pontos 2 e 3 «Os objetos que se encontravam no interior do imóvel eram os descritos no artigo 7º do requerimento de 26.01.2023» e «Os objetos tinham o valor global de € 650.585,40» entende a recorrente, que esta factualidade, deve ser incluída no item “Factos Provados”.
27ª- Desde logo, e contrariamente ao entendimento da meritíssima juíza a quo no que concerne ao valor probatório do documento junto aos autos em 16.09.2022, por requerimento integrante da PI com a refª 33279252, denominado “Existência Global”, entendemos que este documento reveste um elevado valor probatório, não só no que respeita à identificação dos objetos/bens que se encontravam no imóvel à data em que a “R” se empossou do mesmo, como ainda no que respeita ao valor unitário e global desses mesmos bens.
28ª- Não obstante de se tratar de um documento particular e de ter sido impugnado pela R., não deixa de ter um elevado valor probatório, quer tal documento consubstanciar uma relação detalhada de objetos (máquinas, utensílios, equipamentos, etc…) que se encontram devidamente identificados na respetiva descrição, com indicação de quantidades, preço unitário e global.
29ª-É um documento extraído do equipamento informático da A., integrante da sua escrita, e, como tal com base nesse documento o tribunal não podia deixar de dar como provada a factualidade em questão.
30ª- De resto, quem sabe melhor do que a A., que bens é que tinha em sua “casa” e o valor que tinha…? Tanto sabe, que até os elencou em listagem de forma pormenorizada e com preço unitário e global.
31ª- A este respeito tem inteira pertinência o depoimento da testemunha BB e, como é referido na douta sentença, a propósito desta questão referiu que « que em 2019 começaram a fazer lista por amostragem física, que não foi terminada, que a lista junta aos autos foi retirada do computador ou servidor mas não foi conferida e que a mesma foi elaborada com vista a um acordo dos sócios para liquidação da empresa e que nessa data havia bens novos no imóvel, não sabendo o destino que lhes foi dado e por quem. Afirma de forma clara que sabiam que o imóvel ia ser vendido e que tinham de retirar os bens do seu interior» - Sic com destaque nosso a itálico.
32ª-Se analisarmos o documento em questão, verificamos que efetivamente relativamente a alguns dos objetos não foi mencionado preço nem quantidade e, nessa parte a listagem não terá sido concluída, sendo certo que no que respeita aos objetos descritos, com quantidades e preços determinados, não pode levantar-se qualquer dúvida, nem a testemunha referiu que esses não existiam e que aquele valor não estava correto, e se a listagem «… foi elaborada com vista a um acordo dos sócios para liquidação da empresa..» é porque esses objetos existiam em 2019 nas instalações da A.
33ª- E se a A. não tem atividade comercial desde 2019 (facto provado em 24) e se a listagem é de 2019, então não resta outra conclusão, que no ano de 2019 a A. tinha aquele imobilizado e depois dessa data não o vendeu pois deixou de ter atividade comercial.
34ª- Quanto ao valor desse imobilizado, não pode deixar de considerar-se que é o indicado nesse documento, caso contrário não teria sido aceite pelos sócios para efeito de acordo de liquidação da sociedade autora.
35ª-De resto, não deixa de ser curioso que a senhora juiz a quo tenha indeferido a junção do documento – IES referente ao exercício de 2017- e venha posteriormente na fundamentação da sentença fazer referência a esse mesmo documento.
36ª-Por um lado, indefere a junção do documento e, mais tarde, vai “repescar” esse mesmo documento, sobre o qual não houve contraditório, para concluir que nesse documento o valor do inventário em 2017, era exatamente igual ao valor do inventário alegado nos presentes autos considerando «… não sendo verosímil que o mesmo inventário e com o mesmo valor se mantivesse por cinco anos» - Sic com destaque nosso a itálico.
37ª-Se o inventário em 2017 é exatamente igual ao valor das existências indicado na PI, deve ter outro entendimento diverso do entendimento do tribunal a quo, é que efetivamente a A. não laborava, estava encerrada, não tinha trabalhadores e pretendia-se a sua liquidação, como foi dito pela testemunha da A. BB e pela legal representante da A. EE.
38ª- Também não podemos concordar com a senhora juiz a quo quando refere que «….da demais prova produzida, nomeadamente da confissão da Autora de que desde 2019 apenas pretendiam a liquidação do seu património, não se afigura minimamente verosímil que dentro do imóvel estivessem bens de valor superior a €600.000,00 (de valor superior ao da dívida que determinou a execução em que foi penhorado o imóvel onde se encontrariam) e não tivesse diligenciado pela sua venda a fim de pagar tal dívida ou não os tivesse indicado à penhora uma vez que seriam de valor suficiente ao pagamento da quantia exequenda.»- Sic com destaque nosso.
39ª- O argumento do tribunal a quo não tem qualquer fundamento e encontra-se desenquadrado de outros elementos/factos constantes do processo e que se encontram provados, nomeadamente os pontos 2, 3, 4, 5, 6, 21, 22, 24, 25, 26 e 33.
40ª- A circunstância de a A. não ter diligenciado ou até procedido à venda do seu imobilizado para pagar a divida exequenda, não legitima o tribunal a quo a concluir pela inexistência de imobilizado ou pelo diminuto valor do mesmo.
41ª- A sociedade A. não tinha atividade, não tinha contas depositadas conforme se encontra provado e, conforme foi referido pelas testemunhas GG, os sócios encontravam-se incompatibilizados entre si, e a circunstância de a A. não ter diligenciado pela venda do imobilizado justifica-se pela falta de acordo dos sócios nesse sentido, pois que até à presente data a empresa A. encontra-se por liquidar.
42ª- Além do mais, faz parte das regras da experiência comum, é perfeitamente inteligível, que uma sociedade que esteja de portas fechadas, com os sócios desavindos entre si, confrontada com processos judiciais- - neste caso uma execução para pagamento de um elevado montante- tenha dificuldade em vender todo o seu stock para pagar aos credores.
43ª- A vida de uma sociedade é condicionada pela vontade dos seus sócios, e entre sócios desavindos e sem maiorias de capital é difícil, senão mesmo impossível tomar deliberações num sentido ou noutro, por isso nada há de estranho que a sociedade tivesse entre portas um imobilizado superior a 600 mil euros e mesmo assim deixasse executar o seu património imobiliário.
44ª- Ainda no que diz respeito aos artigos existentes no imóvel e do respetivo valor, não pode deixar de ter-se em consideração o depoimento da R. HH cujo depoimento se encontra gravado em sistema integrado de gravação digital, como inicio às 15:04:36 e fim às 15:22:32, conforme ata de julgamento do dia 30/11/2023, que a instâncias do mandatário da recorrente respondeu da seguinte forma:
Adv: Sr HH quantas cargas fez de material? 10:01
Testemunha: Penso que foram duas. 10:04
Adv: Duas... 10:05
Testemunha: (impercetível) 10:09
Adv: Duas cargas, e foi no mesmo, no mesmo meio de transporte, ou utilizaram mais do que um meio de transporte? Mais do que um camião? 10:10
Testemunha: (impercetível) um meio de transporte diferente, duas cargas (impercetível) 10:22
Adv: O senhor pode-nos dizer qual era (...), portanto, a tonelagem (...) o peso que cada um desses camiões pode transportar? 10:26
(...)
Test: Os camiões podem transportar 25 toneladas. 10:42
Adv: 25 toneladas cada um? 10:43
Testemunha: Pode transportar, não foi transportado. 10:46
Adv: Mas porque é que usaram dois camiões? 10:49
Testemunha: Nós usamos dois camiões porque a estantaria ocupa muito espaço (impercetível) dois metros e qualquer coisa, três metros. O camião tem de estrado três metros (impercetível) 10:52
Adv: Pronto. Mas a estantaria ocupou um camião ou ocupou mais do que um camião? 11:11
Testemunha: Ocupou um camião e qualquer coisa, mas (impercetível) 11:17
Adv: Mais as madeiras das estantarias... O resto, então era composto porquê? Por esta carga... 11:22
Testemunha: (impercetível) 11:29
Adv: Material a granel... que tipo de material? 11:36
Testemunha: (impercetível) 11:39
Adv: Parafusos, chaves partidas... olhe o senhor quando foi visitar as instalações para fazer a avaliação deste material, o material que existia foi todo comprado por si? 11:41
HH: O que lá estava, sim. 11:59
Adv: O que lá estava? Mas o senhor pode dizer ou pode garantir ao tribunal que antes do senhor comprar mais ninguém tinha comprado? 12:03
(...)
Adv: Mas houve algum material que o senhor tivesse visto e que não tivesse interessado e que tenha ficado lá? 12:55
Testemunha: Ficou lá (impercetível) caixas vazias, papelão, cartão. ficaram lá dois contentores do lixo 13:07
45ª- Do depoimento desta testemunha, podemos concluir que foram feitas duas cargas em dois camiões de 25 toneladas cada um deles, por isso não é credível que se tenha limitado a carregar estantaria como a testemunha referiu, uma carga de 50 toneladas foi muito mais que estantaria, corresponderia muito provavelmente a todo o material existe mo imóvel a que a A. atribui o valor de 650 mil euros.
46ª- De resto, não pode deixar se considerar estranho que a testemunha tenha referido que pagou a quantia de 6.500 euros e que essa fatura não tenha sequer sido junta aos autos, porquê… o que se esconde?
47ª- Além disso, ainda que esta testemunha tivesse adquirido material que se encontra no imóvel à R., não prova que tivesse adquirido todo o material nem que a R. em momento anterior não tivesse vendido o restante material a uma ou mais pessoas ou entidades, tanto mais que o objeto social da A. não era o comércio de sucata, e, por isso não é verosímil sequer que fossem necessários dois camiões de 25 toneladas cada para retirar sucata.
48ª O que traduz o depoimento da testemunha é que foram feitas duas cargas de material em camiões de 25 toneladas cada um e não se tratou certamente de sucata…, caso contrário a R. teria juntou as faturas alusivas à venda dessa sucata, e voltamos a perguntar, por que razão não o fez…?!
49ª- O que ficou demonstrado através deste depoimento é que no interior do imóvel existia muito material propriedade da A. e que a R. vendeu a quem quis e pelo preço que entendeu e não foi sucata, porque a A. não comercializava sucata, como comprova a certidão permanente do registo comercial que se encontra nos autos.
50ª- O mesmo se diz relativamente à testemunha II, porquanto do seu depoimento que se encontra gravado em sistema integrado de gravação digital com início às 15:44:18 e fim às 15:58:53 conforme ata de julgamento do dia 30/11/2023, não resulta que ao momento da sua visita ao imóvel a R. não tivesse já procedido à retirada e venda do material mais valioso e de mais fácil venda.
51ª- O tribunal a quo também não valorou devidamente as declarações de parte prestadas pela legal representante da A. no respeita à quantidade de bens e respetivo valor, existentes no imóvel em questão, depoimento esse que se encontra registado em sistema integrado de gravação digital com início às 11:48:33 e fim às 12:36:00 conforme ata de julgamento do dia 21 de dezembro de 2023.
52ª- A este respeito, prestou o seguinte depoimento:
«…
Juiz: Obrigado, senhor doutor, ou seja, a penhora já é efetuada em 2020. Mas o processo inicia-se em 2019, portanto, a autora já não tinha qualquer atividade nesse imóvel. 02:25
Test: Não senhora 2.37
Juiz: E esse imóvel era a sede da empresa? 02:52
Test: Sim senhora. 2.55
Juiz: Não fizeram aquilo, não, não tiveram qualquer tipo de (impercetível), não houve reação ao ato de penhora do imóvel, ou seja, havia um credor o credor executou a empresa e no âmbito dessa, dessa, desse processo de execução penhorou os bens da empresa, os que tinha conhecimento provavelmente, e nesse aspeto não houve nenhuma oposição? 3.13 a 3.46
Test.: Não sei responder. 3.46
Juiz: De qualquer maneira a empresa não estava na posse daquele imóvel nessa altura, em 2019 2020 não estava na posse do imóvel? 3.50
test: Se a empresa não estava na posse do imóvel? 3.58
Juiz: Sim. 3.59
test: Eu acho que estava, eu não sei responder a isso. 4.00
Juiz: Tem que saber se estou a perguntar naquela naquele imóvel, nós sabemos que há uma parte estava arrendada a uma empresa que é a ré aqui e a outra parte, não estava? A outra parte tinha sido ocupada pela A.... 4.04
test: Sim, mas não estava, é como se não estivesse lá ninguém. 4.17
Juiz: É como se tivesse desabitado. É isso pronto, desocupado desde que data mais ou menos, tem ideia? 4.21
test: 19/20, não sei, 2019 20, não sei, não vou estar a dizer datas precisas, porque se se a Doutora eu. Não me lembro ao certo, não vou estar a dizer não vou mentir. 4.32
Juiz: Sabe que bens e que estavam dentro do imóvel nessa altura? Em janeiro de 2020. 4.54
test: Os bens todos não, sei que estavam lá bens agora, quais… não. 5.03
Juiz: Mas tem uma ideia aproximada de que bens é que lá estavam? Não olhe para o sr. Doutor, olhe para mim faz favor que eu sou eu que vou fazer perguntas e estou-lhe a perguntar se sabe que bens é que lá estavam, se tem uma noção se eram muitos... 5.09
Test.: Tinha bastantes bens serão tínhamos ainda tinha bastantes bens, tinha bastantes bens. Tinha, tinha. Lembro-me que tinha bens que tinha. 5.22
Juiz: Alguns, por exemplo. 5.29
test: Tinha bens pequenos nos lotes á frente aqui deste lado tinha. Tinha bens deste lado, tinha máquinas de bastante pesadas de corte, de corte do quê não sei e tinha máquinas de soldar. Sei que na parte de trás tinha máquinas da carbens e umas da varmag. Depois tinha mais atrás, tinha outras máquinas da cevhora da flexvimex né? Estou a dizer assim, eu estou a fazer um visual. 5.35
Juiz: E não tem ideia do que tem lá dentro? 6.17
test: Sei que tinha... Sei Lá, tinha, tinha lotes lá com equipamentos, com máquinas. Agora não sei precisar ao certo, lembro-me dessas, lembro-me que tinha até lotes também deste lado que estavam fechados, que estavam fechados, não estavam, estavam encostados. Tinha a tinha até mais, tinha um, acho que é um empilhador que se chama, tinha corta paletes, tinha uns morre. 6.20
Juiz: Já chega. já vamos passar, não era propriamente essa a questão que estava aqui era só para o esclarecimento do Tribunal, para perceber o contexto. 7.00
Juiz: Portanto, a Senhora já nos disse que a empresa já não tinha atividade pelo menos desde 2019. E aqui dito que a nessa altura até já foi aqui referido que terá até havido um acordo em tribunal que o interesse dos sócios era no fundo liquidar a empresa? É verdade? 7.12
test: É sim, Senhor. 7.31
Juiz: Foi feito esse acordo. Lembra-se quando é que foi feito esse acordo? Mas foi por essa altura por 2019? 7.34
Test.: Ah… não posso precisar, sei que foi feito um acordo. E que sempre foi do interesse fazer a liquidação da empresa. 7.40
Juiz: E foi feita essa liquidação, foi? 7.52
test: Ainda não foi feita. 7.54
Juiz: Ainda não foi feita? 7.57
test: Não. 7.58
Juiz: É que o Tribunal não percebe e gostava, uma vez que a senhora é gerente dessa empresa nos esclarecesse … Esta empresa, claramente, até pelo processo executivo, porque o que nós estamos a acompanhar é uma empresa que tinha dívidas de valor, de algum valor. 8.06
Test.: Às finanças? dividas como? 8.24
Juiz: Tinha credores, tinha dívidas. 8.29
Test: Sim tinha. 8.30
Juiz: É que nesse processo de execução há um banco que vai instaurar uma execução, não é? Portanto, havia uma essa dívida ao Banco. 8.34
test: Sim sim sim. 8.39
Juiz: A qual não foi posta em causa e nesse processo, houve várias reclamações de créditos. Pessoas, credores, que nomeadamente já referiu as finanças que eram credores.
test: Sim, sim senhora. 8.49
Juiz: Eu queria perguntar, ou seja, se os sócios não têm interesse na empresa, se querem liquidar a empresa, a empresa não tem atividade, ou seja, não está a fazer comércio. Primeira dúvida é essa, porque é que a empresa se tem património lá dentro se tem bens lá dentro porque é que não vende os bens? 8.53
Test.: Porque não havia não tinha vendedores, não tinha, não tinha atividade, não havia ninguém para… 9.13
Juiz: Ou seja, mas aquilo não… aquilo não se tornou numa empresa fantasma de um dia para o outro, presumo eu. É só para mostrar… a empresa trabalhava, não é? A empresa teve atividade em algum momento, comprava e vendia bens, tinha bens em stock para vender, alguma coisa começou a correr mal e a empresa tinha bens no interior, e o que eu lhe estou a perguntar é, em 2019, há um acordo, vai se fazer isto e vai se fechar a empresa, vai se liquidar a empresa, e o que eu lhe estou a perguntar é porque é que não venderam os bens, e havendo credores, porque é que não venderam nomeadamente para pagar credores, porque é que não venderam logo bens? 9.20 a 10.08
test: Porque não…porque havia um acordo em que havia direitos de preferência e não se podia estar a vender. 10.08
Juiz: Direitos de preferência de quem? 10.21
test: De uma das partes. 10.28
Juiz: Mas eu estou a perguntar quem, de um sócio era? 10.31
test: Sim. 10.32
Juiz: Ele tinha preferência em ficar com esses bens? 10.38
test: Sei lá se tinha! Oh sr. juiz é assim há um conflito entre ambas as partes prontos acho que isso que é… toda a gente sabe, não é como não se poderia fazer nada se podia fazer nada sem o outro sócio ficou em stand by. 10.40
Juiz: Bem, mas fizeram um acordo que eu estou… eu já percebi que há esse conflito, a Senhora que é que é gerente da empresa, por isso e que lhe estou a perguntar. Há um conflito, mas também há um acordo, o acordo diz “vai se liquidar”, fizeram na altura uma listagem já foi aqui referida. É não, não está aqui no momento. Parte não está, pelo menos dessa parte, mas vamos ver se está mais para frente. Eu só quero perceber o que é que uma empresa que os sócios acordaram que a empresa e para fechar e liquidar, porque é que não se venderam os bens e tem dívidas? Porque é que não se venderam os bens que tinham para pagar essas dívidas? 11.17 a 11.46
Juiz: Pronto, senhor está a dizer…Ah, mas, então não havia… Não houve um acordo em dar preferência a um sócio. 11.51
Juiz: Ou seja, esse acordo que fizeram, qual era o teor desse acordo? 12.01
Juiz: É que qual foi? 12.02
test: segundo o acordo, portanto, ninguém podia vender nem fazer nada sem a sócio ver ou dizer que sim ou que não. 12.06
Juiz: Esteve presente nesse acordo? 12.29
Test: Infelizmente tive. 12.31
Juiz: Ah, quando diz que esse acordo dava direito de preferência a um sócio, por norma, mas vou pedir que me explique melhor isso, porque por norma o direito de preferência nomeadamente essa parte de vender os bens é, eu vou vender os bens, tenho um interessado, tenho aqui um interessado que dá 100, pergunta-se a essa pessoa que tem a preferência se quer, olha, eu tenho aqui um interessado que dá 100, tu queres comprar por 100, não queres comprar perfeito, respeita-se a preferência e essa pessoa quiser comprar tudo bem se não quiser vende-se ao outro. Pronto, eu estou-lhe a perguntar, foi este tipo de preferência que deram? Mas então acordaram que os bens eram para vender? 12.34 a 13.13
Test: Claro. 13.15
Juiz: E foram feitas diligências para vender os bens? foram vendidos alguns bens? 13.16
Test: Foram alguns. 13.20
Juiz: Tem ideia de que bens foram vendidos? 13.22
Test: Não. 13.25
Juiz: Diz aqui a determinada altura que… e isto é prova documental que a empresa teve até um processo administrativo, salvo erro em liquidação, e o que eu lhe queria agora perguntar era se depois desse procedimento. E pronto, isso teve a ver com o facto de não terem prestado contas, e se depois disso a empresa no fundo se limitou a proceder a regularização do que era necessário para depois vir fazer a efetiva dissolução da empresa 13.53 a 14.24
Test.: Tentou-se fazer a venda de bens e tentou-se fazer também o pagamento da dívida ao Banco 1..., fez-se e eu não sei explicar legalmente como é que isso como é, e tentou-se arranjar compradores. 14.26
Juiz: Portanto, no fundo, depois da direção do processo, a ideia da empresa e corrija-me se estiver enganada, era fechar e dissolver a empresa e tentar resolver os problemas que estariam pendentes. E havia problemas fiscais também? Estou eu a perguntar. 14.53
Test.: Fiscais com as finanças? Sim. Tínhamos planos de pagamentos. 15.10
Juiz: Olhe e esse acordo, também teria a ver com isso? Tou-lhe eu a perguntar não sei, ou seja, quando é esta situação… 15.26
É assim esse acordo dizia que quando se fizesse a venda, que uma das parte como se teria que liquidar, de onde os das primeiras do dinheiro da venda, que seria para liquidar essas essas dívidas, claro. 15.29
Test: Enquanto isso, enquanto a empresa teve liquidez foi fazendo planos de pagamento e foi… 15.58
Juiz: Ou seja, depois daquele acordo foram vendidos bens. 20.55
Test: Sim, mas depois se em 2018. 20.59
Juiz: O acordo, foi aqui falado que era de 2019 e afinal é de 2018? 21.06
Test: Sei lá isso começa tudo em 2018, não sei qual é a data do acordo. Não posso dizer. 21.08
Juiz: A senhora é que referiu que foram vendidos bens. 21.14
Test.: Não foram muitos, foi uma coisa residual. 21.17
Juiz: Isso que é que eu não consigo perceber, a Senhora é que assumiu as funções de gerente da empresa, e tem conhecimento de que vai haver uma penhora. 21.27
Test.: Sim, mas quando se tem sócios que se opõe a tudo… 21.34
Juiz: Mas a senhora é que era a gerente. 21.42
Test: Sim, mas eu não tinha a maioria porque isso havia aí uma parte de uma maioria de não sei quantos em que eu não podia fazer nada sem prontos, o meu tio ou a minha prima darem ahh, ou a minha tia não sei qual… 21.42
Juiz: Isso vinha do tal acordo. 22.02
Test: Sim! 22.03
Juiz: A senhora como gerente tinha poderes limitados na gerência, portanto, não conheço bem, não se vendem, não se não se paga a quem se deve ou sabendo que aquele imóvel vai ser vendido a um terceiro, não se acautela, não vai lá dentro tirar os bens para os proteger, porque são seus têm valor para depois serem vendidos. Portanto, eu gostava que o senhor me explicasse, qual foi a ideia da empresa sabendo que tinha a execução que sabia que tinha os bens lá dentro… 22.05 a 22.30
Test.: Em primeiro lugar é assim, sempre se tentou vender os bens e sempre se tentou vender o imóvel, o imóvel não estava localizado, arranjou-se compradores, o meu tio não deixou. Tentou se vender os bens e o meu tio sempre quis exercer o seu direito de preferência, e a empresa chegou a um ponto em que não podia fazer nada. O que é que como é que? Porque nesse acordo também havia em que é, já não me lembro ao certo qual é que era, mas o certo é que o meu tio tinha o poder, a maioria para exercer esse tudo isso. Mas, mas a empresa tentou fazer mas quando se tem uma pessoa a dizer não, não, não e não. 22.31 a 23.33
Juiz: De qualquer maneira, o que consta da matriz dessa sociedade a senhora era a legal representante da sociedade, é gerente da sociedade, a senhora, estou-lhe a perguntar isso, quando sabe que o bem vai ser vendido. 23.35
Test. Eu já lhe disse que eu queria fazer tudo pronto, eu arranjei agora, o meu tio não quis. 21.47
Test: Não, não é bem assim. Eles tinham bens com valor comercial. Não era tudo entulho e sucata. 28.13
Juiz: Tenho alguma ideia aproximada desse valor? Dos bens que lá estariam. 28.23
Test: Não sei, mas sei que tinha lá uns bens bastante caros, não sei o valor deles mas sei que na altura o valor deles… 28.40
Juiz: Tinham valor comercial é isso? 28.48
Test. Tinha um valor comercial, pelo menos ao lembrar me… 28.49
53ª- Do depoimento da legal representante da A. resulta evidente que no imóvel existiam bens de valor considerável e que só não foram vendidos para pagar dividas da A. porque um dos sócios, seu tio, se opôs, que foi celebrado um acordo de sócios e que nada podia ser vendido sem o acordo desse sócio, e o que foi vendido tinha um valor meramente residual, que o grosso dos bens estavam no imóvel.
54ª- Mal andou, pois, a meritíssima senhora juiz ao decidir considerar como não provada a factualidade inserta nos pontos 2 e 3 do item “Factos Não Provados”.
55ª-Os depoimentos a que se fez referência supra, nomeadamente da legal representante da A., EE e da testemunha BB, conjugados com o documento junto pela A. a 26/09/2022 sob a refª 33279252 denominado “Existência Global” e datado de 09/04/2019 impunham que o tribunal a quo desse como provada a referida factualidade e, ao assim não proceder, o tribunal recorrido apreciou indevidamente a prova e incorreu em erro de julgamento.
56ª- No que concerne à factualidade inserta no ponto 36 do item “Factos Provados” o tribunal a quo, devia ter dado como provado que «A R. vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial, a HH, pelo preço de 6.750,00 €»
57ª-É o próprio tribunal a quo, que, ao fundamentar a sua decisão sobre a matéria de facto refere que «No âmbito da demais prova é de referir que no âmbito do depoimento de parte do legal representante da Ré, o mesmo confessou ter retirado bens do imóvel (depois de por diversas vezes ter solicitado à Autora para o fazer) que cabiam em dois camiões e foram vendidos para sucata pelo preço global de €6.750,00».
58ª-E, mais adiante. a meritíssima senhora juiz refere que «HH, operador de gestão de resíduos, que relatou a aquisição de material obsoleto (sucata), estantaria (para revenda) e madeiras que se encontravam no imóvel pelo valor global de €6.650,00. Afirmou ter ido ao local proceder a avaliação do que lá se encontrava, afirmando de forma segura que não existia material em estado de novo no interior do edifício; que comprou todo o material, que tinha valor para sucata».
59ª- Ora, no que respeita aos bens que a R. vendeu para a sucata, o tribunal devia ter dado como provado que essa venda foi feita por 6.750,00 € porquanto tal resulta da confissão da R. em declarações de parte do seu legal representante e resulta do depoimento da testemunha HH que diz ter comprado esses bens.
60ª- O tribunal não só andou mal ao não dar tal facto como provado, aditando-o ao ponto 36 da matéria de facto assente, como andou mal ao não condenar a R. a entregar esse montante à A., pois sucata ou não, é um bem de propriedade da A. que se encontra no interior do imóvel penhorado e, que até por presunção, a respetiva propriedade teria e ser atribuída à A., pois faz parte da experiência comum que os bens que se encontram no interior de imóvel pertençam ao proprietário desse imóvel.
61ª-A senhora juiz preferiu omitir o preço da venda nos factos provados, não condenou a R. a restituir esse montante à A., e de forma incompreensível deixa essa quantia nas mãos de R., sem qualquer justificação, como se lhe estivesse a atribuir um prémio pela sua conduta.
C.
62ª- Tendo em conta que o tribunal a quo deu como assente a factualidade constante dos pontos 1, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 36, resulta que a após a escritura de compra e venda de 31 de maio de 2022, em data indeterminada, mas deduz-se que foi subsequente à data da escritura a A. tomou posse do imóvel e mudou as fechaduras.
63ª- Utilizou camiões para retirar do interior do imóvel os objetos, peças e maquinaria propriedade da Autora e que vendeu bens pelo valor confessado de 6.750,00€ que se encontravam no imóvel para a sucata.
64ª- Que a autora por notificação judicial avulsa de 14.07.2022, alega que não foi informada de qualquer aquisição do imóvel, que tem no mesmo o seu stock, bens móveis e contabilidade Ré e pede a notificação da Ré para se abster de retirar bens do imóvel.
65ª- A R. não tinha legitimidade para tomar posse direta do imóvel após a outorga da escritura de compra e venda, sabendo que no seu interior se encontravam bens que eram da propriedade da A.
66ª- E que a A. havia arguido a invalidade da venda executiva e que podia haver recurso da decisão que viesse a ser proferida, como efetivamente veio a suceder.
67ª- Contrariamente ao que é dito na douta sentença a propósito do depoimento do Agente de Execução, encarregado da venda - JJ – nem no ato de penhora, nem posteriormente à penhora foi nomeado como fiel depositária a R., porquanto, até pela simples razão de a R. não ser parte no processo de execução.
68ª- De resto, como resulta do próprio auto de penhora que constitui o doc. 5 junto com a PI, não se faz aí referência à nomeação de qualquer pessoa como fiel depositário nem a testemunha JJ referiu que nomeou a Ré como fiel depositária.
69ª- A este respeito o Sr. Agente de Execução referiu no seu depoimento em sessão de julgamento do dia 30/11/2023 e que se encontra gravado em sistema integrado de gravação digital, com início ás 10:18:10 e fim às 11.25:16, conforme ata de julgamento desse dia – o seguinte:
Adv: E foi dado conhecimento efetivamente ao senhor agente de execução de que efetivamente havia um problema (impercetível) uma questão relacionada efetivamente com a venda, que iria inquinar essa venda? 1:59
Testemunha: Sim 2:11
Adv: O seu entendimento foi que essa questão não existia ou não haveria penso eu, não assistiria razão ao reclamante, não é? E prosseguiu com a venda. Foi isso? 2:16
Testemunha: Prossegui com a venda exatamente. 2:27
Adv: Prosseguiu com a venda... após a venda...e ainda antes, aquando da penhora o senhor tomou posse efetiva do imóvel? 2:29
Testemunha: Não. Nunca tomei posse efetiva do imóvel. Nunca tive a chave do imóvel. 2:40
Adv: Mas o senhor... trata-se de uma penhora do imóvel, não é? E de acordo com a lei, sabe tão bem ou melhor que eu, porque o senhor é agente de execução, não é? O fiel depositário é o senhor? 2:45
Testemunha: Não. Nem todos os processos são assim, senhor doutor. (...) o agente de execução só é fiel depositário quando toma posse do imóvel.
Quando o imóvel está devoluto aí sim, o agente de execução deverá tomar posse, trocar a chave, tomar posse do imóvel. 2:56
Adv: Então o imóvel não estava devoluto? 3:10
Testemunha: Doutor, eu verifiquei que o imóvel tinha lá um inquilino. 2:13
Adv: Só um inquilino? 3:15
Testemunha: Só tinha um inquilino, do meu conhecer, só tem um contrato de arrendamento. 3:17
Adv: O senhor chegou a entrar no imóvel, a visitar o imóvel? 3:23
Testemunha: Cheguei a visitar o imóvel. Não na sua totalidade porque... 3:27
Adv: Visitou que parte do imóvel? 3:31
Testemunha: Visitei a parte em que estava arrendada 3:34
Adv: Arrendada? A outra parte não visitou. 3:36
Testemunha: Não visitei a outra parte. 3:37
Adv: Não sabia se concretamente se estava ocupado e por quem. 3:39
Testemunha: Eu sabia que nesse imóvel estava lá a executada mas a quando... isto ainda no inico do processo, a quando das citações dos executados após penhora (...) acontece que há um dos executados que as cartas vieram devolvidas (...) e eu tive que me deslocar ao imóvel e verifiquei que o imóvel encontrava-se encerrado nessa parte onde estaria o executado. Efetivamente existia lá uma indicação com o nome da executada. Bati à porta. Não estava ninguém. Entretanto, entrei em contacto com o mandatário do exequente, na altura o Dr. KK, mandatário do milénio Banco 1..., que era o permitido exequente e ali (...) facultou-me o contacto desse executado com o qual eu entrei com contacto e agendamos um dia e hora certa para me deslocar lá para eu puder fazer a citação por contrato pessoal. Quando eu chego lá nesse dia para fazer a citação de contrato pessoal esse senhor dá-me a informação que a empresa não estaria a trabalhar, que houve uma desavença com o irmão, que são dois sócios, estavam zangados um com o outro. 3:42
Adv: Mas a pergunta que lhe faço (...) é que relativamente a essa parte do imóvel, o senhor JJ nunca entrou nessa parte? 5:21
Testemunha: Nessa parte, não. 5:31
Adv: Nunca chegou a constatar se efetivamente no mesmo se encontravam equipamentos industrial, se encontravam peças, se encontrava qualquer material... 5:32
Testemunha: Não, não, não tive acesso. A única informação que eu tive é que realmente, por parte desse sócio, é que a empresa não estaria a laborar, que a empresa estava parada. 5:41
Adv: Portanto, não chegou à posse efetiva do imóvel? Não mudou as fechaduras? 5:50
Testemunha: Não porque para todos os efeitos eu não podia tomar posse de um imóvel, porque eu fiz a penhora de uma descrição, de um só artigo, da qual tem um inquilino, portanto e, por força da lei, o inquilino será o fiel depositário do mesmo. Portanto eu não poderia chegar lá e tirar a fechadura de um e de outro. Portanto nós estamos a falar só de um imóvel. 5:56
Adv: Sim, mas o imóvel... tinha conhecimento que o imóvel só estava arrendado em parte, a outra parte .... 6:18
Testemunha: Eu tive conhecimento, já há frente. Portanto eu quando me desloquei lá a primeira vez eu não tinha conhecimento... 6:23
Adv: Há frente, quando? 6:29
Testemunha: (...) Eu fui afixar um edital de imóvel penhorado, isso foi em 3/11/2020, que eu fui lá fazer essa afixação. 6:31
(...) E nesse momento também e, porque já havia estado com o executado quando fiz (impercetível) eu entrei em contacto com o mandatário o Dr. KK e disse “oh doutor eu tenho aqui isto, está fechado, segundo a informação que eu tenho é que isto não está a laborar, portanto há a necessidade de eu tomar posse deste imóvel”. Ele disse “calma, não faça isso porque não pode fazê-lo” e eu “oh Doutor, mas porquê?”, “porque isso tem contrato de arrendamento. Não tem aí uma loja de produtos chineses?”, e eu “tem, é um pavilhão enormíssimo que tem”. E eu pensava eu que tinha penhorado apenas uma parte daquele dito imóvel. Ele disse “não, atenção que não me arranje aqui problema, não me arranje aqui confusão. Portanto, não pode tomar posse desse imóvel”. Entretanto como estava com o processo, fui folhear o processo e fui à caderneta matricial e verifico que realmente o imóvel tinha três mil metros quadrados. E disse “ei pá, calma”, realmente isto não é só este imóvel que eu penhorei mas sim esta totalidade. Portanto, não tomei posse do imóvel porque sabia, então fiquei a saber que existira exatamente um contrato de arrendamento e segundo o código o processo civil diz que quem é o fiel depositário será sempre um inquilino. 6:57
ADV: Mas... e foi por essa razão então que efetivamente... 8:21
Testemunha: Não tomei posse do imóvel. 8:23
70ª- Do depoimento do Sr. Agente de Execução, resulta com mediana clareza que não foi nomeado fiel depositário, quer com referência à parte do imóvel que se encontrava locado, quer relativamente à parte do imóvel, com maior área, que constituía a sede da Recorrente e, onde se encontrava os seus bens, todo o seu stock.
71ª- Caso o Sr. Agente de Execução tivesse tomado posse do imóvel ou tivesse nomeado a sociedade inquilina como depositária, em qualquer dos casos, um ou outro, teriam as chaves da parte do imóvel ocupado pela recorrente, o que não foi o caso, e tanto não tinham, que a R. após a outorga da escritura de compra e venda do imóvel arrombou as portas e substitui as fechaduras.
72ª- E com referência à circunstância de ter sido penhorado todo o imóvel isso não significa que a A. estivesse inibida de o usar, tal não resulta da lei e ninguém lhe retirou a posse efetiva do mesmo, e por isso continuou a ter as respetivas chaves e nele manter todos os seus bens.
73ª- Isto para dizer que quer a parte do imóvel que se encontrava arrendada, quer a parte ocupada pela recorrente, não houve no ato da penhora nem posteriormente nomeação de depositário.
74ª- À R. não era legitimo tomar posse direta do imóvel após a outorga da escritura de compra e venda, arrombar as portas, substituir as fechaduras, e retirar do seu interior para parte in certa os bens que aí se encontravam e proceder à venda de outros para sucata por entender não terem valor comercial (o que é contraditório, pois alguns desses bens, não se sabe quais, foram vendidos para sucata é porque tinham valor comercial, caso contrário ninguém os compraria).
75ª- Pese embora a R. tenha solicitado à A. a retirada dos bens e desocupação do imóvel, e não tendo a recorrente acedido a esse pedido com a advertência feita por notificação judicial avulsa de 14.07.2022, alega que não foi informada de qualquer aquisição do imóvel, que tem no mesmo o seu stock, bens móveis e contabilidade Ré e pede a notificação da Ré para se abster de retirar bens do imóvel, a R. não tinha legitimidade para por forma pessoal e direta proceder como procedeu.
76ª- Estamos numa situação de confronto de dois direitos subjetivos e absolutos – o direito de propriedade – por um lado o direito de propriedade da R. sobre o imóvel, por outro, o direito de propriedade da A. sobre os seus bens que se encontravam no interior da pare do imóvel ocupado pela A.
77ª- E mediante este confronto de direitos, a A. não podia fazer justiça por “mãos próprias” até porque sabia que a venda do imóvel havia sido impugnada, que poderia ser invalidada, como efetivamente veio a acontecer por douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto proferido em 27/03/2023 em que foi relator o Sr. Juiz Desembargador ANTÓNIO MENDES COELHO, complementado por Ac. de 22/05/2023 proferido na sequência da reclamação ao anterior, conforme do conhecimento do tribunal recorrido, até porque acompanhou eletronicamente o desenvolver do processo executivo.
78ª- Legitimar a atitude da R., como o fez o tribunal recorrido, é aplaudir atitudes anarquistas que não se compadecem com o estado social de direito em que vivemos e com a lei fundamental.
79ª- De resto, é o próprio código de processo civil que no artigo 1º dispõe expressamente que «A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei» Sic com destaque nosso a negrito e a itálico.
80ª- O nosso sistema legislativo garante o acesso aos tribunais de forma prevenir ou reparar a violação do direito, bem como a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação – Art. 2º do citado diploma legal adjetivo.
80ª- A ação direta é admitida em termos cautelosos. Em primeiro lugar, exige-se que haja impossibilidade de recorrer aos meios coercivos normais, judiciais ou policiais, ou que o recurso a esses meios não possa evitar a inutilização prática do direito. Em segundo lugar, a ação directa só é permitida nos termos estritamente necessários à defesa do direito. Tudo o mais é ilícito e fica sujeito às consequências da ilicitude.
81ª- A ação direta pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos especificados na lei: a) a existência de um direito próprio; b) impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, judiciais ou policiais; c) ser a ação direta indispensável para evitar a inutilização prática do direito; d) não exceder o agente o que for necessário para evitar o prejuízo; e) não importar a ação direta o sacrifício de interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.
82ª- A ação direta deixa de ser lícita se exceder o que for necessário, nas circunstâncias do caso, e se sacrificar interesses superiores àqueles que com ela se visa realizar ou assegurar.
83ª- In casu, é manifesto que o comportamento da R. se apresenta de todo em todo desenquadrado da lei, quer no que concerne à posse forçada do imóvel quer no que concerne à venda de bens e/ou à retirada do interior do imóvel de objetos, peças e maquinaria propriedade da Autora.
84ª- Quanto à tomada da posse forçado imóvel, estamos perante um ato ilegítimo de ação direta da A. porquanto, não obstante a mesma à data ser titular do direito de propriedade do imóvel (cuja venda, entretanto, foi invalidada e, nessa medida até deixou de ser proprietária) o certo é que a Ré não se encontrava impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, judiciais ou policiais;
85ª- Não estava em causa uma ameaça de inutilização prática do direito de propriedade da R.; e esta excedeu necessário para evitar um prejuízo, que de resto não existe nem foi alegado; tendo daí resultado, por via do uso ilegítimo da ação direta o sacrifício de interesses superiores aos que o agente visou realizar ou assegurar, o descaminho do património (stock/existências físicas) da recorrente.
86ª- Tanto mais que a R. adquirente do imóvel, em sede executiva, perante a dificuldade em tomar posse do mesmo, podia e devia socorrer-se dos meios processuais e judiciais ao seu alcance, nomeadamente podia nomeadamente socorrer-se do prescrito pelo artigo 828º do Código de Processo Civil que dispõe «O adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861º, devidamente adaptados » - Sic com destaque nosso a itálico e negrito.
87ª- A este respeito, dispõe o nº 3 do artigo 861º do CPC que «Tratando-se de imóveis, o agente de execução investe o exequente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver, e notifica o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do exequente» - Sic com destaque nosso a itálico e negrito.
88ª- A R. não quis socorrer-se das prerrogativas legais que tinha ao seu alcance e ao jeito de “cowboy do faroeste” decide arrombar as portas, mudar as fechaduras, e despejar o imóvel de todos os bens propriedade da A. aqui recorrente.
89ª- No que respeita aos bens, tendo o imóvel uma área de cerca de 3.000 m2, e se no dizer da R. não havia praticamente nada no interior a não ser lixo e sucata, não se entende a razão de a R. ter afetado um espaço desse imóvel para guarda e depósito desses bens ainda que posteriormente viesse a debitar à A. o custo desse depósito.
90ª- Nem se percebe por que razão a R. não se socorreu de uma ação de consignação em depósito como a lei processual civil prevê nos artigos 916º a 924º.
91ª- A R. decidiu agir por ação direta, com total desprezo pela lei e pelo direito de propriedade da A., e mais que, isso, conseguiu convencer a Sra. Juíza da 1ª instância da licitude da sua conduta e, esta, é confessadamente, a parte que mais nos choca e de forma profunda, pela estupefação que nos provoca ver um tribunal “embarcar” numa tese de ilegalidade aberrante.
D.
92ª- Muito chocante também e, até pela leveza de ponderação do tribunal a quo, é a consideração/afirmação em jeito de fundamentação da sentença que a senhora juiz faz ao referir na sentença em crise que « Mais resulta dos factos provados que a Ré logo a 02.06.2022 solicitou à Autora a retirada dos bens do imóvel, com cominação de os mesmos serem removidos para ecoponto, renovou tal comunicação, concedeu a faculdade de a Autora requerer prazo superior ao concedido se de tal necessitasse e manteve os bens no imóvel, pelo menos até final de julho de 2022.
Assim, não tendo a Autora requerido prazo adicional, tendo agendado data para a sua retirada e não o tendo feito, abandonou os bens que se encontravam no interior do imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1318º do Código Civil, não tendo a Ré obrigação de os manter no imóvel por tempo indefinido» -
93ª- Considerou o tribunal a quo, mas desde já se diga, muito mal, que a A. abandonou os bens que tinha no interior do imóvel e, como tal, a R. ficou legitimada a retirar esses bens e dar-lhe o destino que entendesse e mais considerou que «Atenta a matéria de facto apurada apenas à Autora é imputável a privação dos bens que fossem sua propriedade e que se encontravam no interior do imóvel, que, atente-se, não demonstrou serem os por si alegados».
94ª- Não se percebe como é que o tribunal a quo, conseguiu chegar à conclusão de que a A. abandonou os bens que tinha no interior do imóvel.
95ª- Da matéria dada como provada, resulta apenas que a A. não retirou os bens do interior do imóvel por solicitação da R. mas nunca demonstrou ser sua intenção abandonar esses bens, ou abdicar da propriedade dos mesmos.
96ª- Tanto assim é que chegou a combinar datas para levantamento dos bens com a R., não os levantou é certo, mas sempre manifestou não abdicar da sua propriedade como resulta claramente da matéria provada a que alude o ponto 33 da douta sentença recorrida, do qual consta que «A Autora, por notificação judicial avulsa de 14.07.2022, alega que não foi informada de qualquer aquisição do imóvel, que tem no mesmo o seu stock, bens móveis e contabilidade Ré e pede a notificação da Ré para se abster de retirar bens do imóvel.
97ª- Perante a prova deste facto como é que a senhora juiz a quo pode considerar que a A. abandonou os bens que tinha no interior do locado para efeitos do disposto no artigo 1318º do Código Civil…???
98ª- A Autora nunca abandonou os referidos bens e tanto não abandonou que na presente ação pediu a condenação da R., além do mais a «A ENTREGAR À AUTORA TODOS (MAS TODOS) OS BENS QUE CONSTAM DO DOC. N.º 5 OU, EM ALTERNATIVA, CONDENAR-SE A RÉ A PAGAR À AUTORA A QUANTIA DE €650.585,40, MAIS JUROS DE MORA ATÉ AO EFECTIVO PAGAMENTO» - Sic com destaque a itálico.
99ª- A A. manteve sempre a posse do imóvel penhorado (na parte por si ocupada) e manteve a posse sobre os bens que se encontravam no seu interior, pois como se referiu supra, no ato da penhora não foi nomeado fiel depositário do imóvel e a A. manteve a chave do imóvel na parte que era por si ocupada, e os bens não foram sequer objeto de penhora e mantiveram-se na posse da A. até ao momento em que a R. mudou as fechaduras do imóvel e retirou do seu interior todos os bens da A. que aí se encontravam (o que ocorreu após a celebração da escritura de compra e venda).
100ª- É notório que o tribunal a quo errou grosseiramente na aplicação do direito aos factos, pois in casu, a ante tudo que supra ficou dito, e ante a a factualidade provada, NUNCA, mas NUNCA MESMO, se poderia concluir como tribunal a quo concluiu, ou seja, que a A. abandonou os bens que se encontravam no interior do imóvel.
101ª- Tal entendimento está em manifesto confronto com o disposto no artigo 1318º Código Civil, dispositivo legal que o tribunal a quo violou de forma ininteligível e grosseira.
E.
102ª- Perante a circunstância de a A. se encontrar inativa desde pelo menos 2019 e sem contas registadas desde pelo menos 2017, à circunstância de o tribunal não ter admitido a junção aos autos da IES referente ao exercício de 2017 (já que posteriormente não foi apresentada outra), à circunstância de à data da instauração da presente ação, estarem depositados/guardados no interior do imóvel elementos de contabilidade e todo o stock da A. integrado pela relação de bens junta por requerimento de 16.09.2022 sob a refª 33279252, denominada “Existência Global “,
103ª- Perante a atitude manifestamente ilegal e abusiva da R. em ter tomado posse direta do imóvel, substituído as fechaduras e ter aos bens que se encontravam no interior do imóvel o destino que quis e entendeu como se lhe pertencessem, desrespeitando o direito de propriedade da A. sobre esses bens, perante a circunstância de o tribunal a quo ter desconsiderado o referido documento alusivo às existências/stock da A.,
104ª Mas, principalmente, devido ao comportamento da R. ao retirar os bens do imóvel e ter-lhe dado o destino que quis, ficou a A. impossibilitada de fazer prova, quer quanto aos bens que se encontravam no interior do imóvel, se correspondiam ou não aos descritos no documento denominado “Existência Global” e se tinham o valor unitário, bem como o valor global de 650.000,00€ referido nesse documento.
105ª- Na verdade, a A. ficou impedida de requerer perícia, quer para aferir se os bens constantes do dito documento “Existência Global” eram os mesmos que se encontravam no interior do imóvel, quer para aferir do valor unitário e global, e se no seu conjunto valiam 650.000,00 euros.
106ª- E esse impedimento deveu-se ao ato ilegal da R. consubstanciado na ação direta de empossamento do imóvel e no descaminho que deu aos bens, colando a A. numa situação de probatio diabólica,
107ª- Nos termos do art. 1308º do C.C., ninguém pode ser privado do seu direito de propriedade excepto nos casos fixados na lei, como é o caso das expropriações. No caso concreto não se vislumbra nenhuma norma ou disposição legal que “justifique” a lesão patrimonial que a R. impôs à Autora, posto que não se demonstrou o alegado abandono dos bens.
108ª- Não se encontra minimamente evidenciada a perda da posse pelo abandono nos termos dos artigos 1267º/1/a, subsequente aquisição desses bens pela R. ocupação 1316º, 1317º/d, 1318º, 1299º in fine (seis anos para a prescrição aquisitiva, sem título e independentemente da boa fé) do Código Civil.
109ª- E porque não se vislumbra qualquer norma que “justifique” a lesão patrimonial, a R. enquanto lesante, obrigado a indemnizar a A. enquanto lesada em razão do dano.
110ª- A obrigação de indemnizar importa a reparação de todos os danos sofridos e a reconstituição, na medida do possível, da situação que existiria se o evento que os provocou não tivesse tido lugar e que não sendo possível a reconstituição in natura ou, sendo-o, seja excessivamente onerosa para o devedor, será fixada em dinheiro tendo “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que existiria nessa data se não existissem danos.” (vd. artigos 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, do C.C.)
111ª- A avaliação desses bens tornou-se impossível por culpa da própria Ré que lhe deu o destino que bem quis e entendeu, não se podendo valer, para não pagar o respetivo valor, da falta de prova de existência e do valor desses dos bens por parte da Autora a quem incumbia o ónus da prova, na medida em que foi a sua própria atuação que inviabilizou essa mesma prova.
112ª- A R. deve, pois, ser responsabilizada perante a autora e indemnizá-la pelo dano que lhe causou que é na exata medida do valor dos bens, ou seja, no valor de €650.000,0, isto porque não sendo viável a reconstituição in natura, como é o caso, a indemnização é fixada em dinheiro nos termos do art.º 566º do Código Civil.
113ª- O art.º 566/3 do C. Civ, funda-se na presunção de que a eventual impossibilidade de fixação do valor exato dos danos a indemnizar não deve funcionar como causa de exclusão da indemnização, atribuindo, assim, ao tribunal o dever de proceder à fixação equitativa, em face das circunstâncias do caso.
114ª- No caso concreto tal indemnização não pode ser inferior ao valor efetivo dos bens e que consta quer do documento “Existência Global” quer da IES de 2017 a que a Sra. Juíza a quo se refere na sentença recorrida, não obstante ter rejeitado a sua junção aos autos.
115ª- Dispõe o nº 2 do artigo 344º do Código Civil o seguinte: «Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações» - Sic com destaque nosso a itálico e a negrito.
116ª- No caso em apreço, impõe-se a que se proceda à inversão do ónus da prova, uma que a prova da existência e valor dos bens que se encontravam no interior do imóvel tornou-se impossível ou praticamente impossível, por ação da Ré e, esse comportamento da R., é ilícito e culposo.
117ª- Pelas razões supra expostas o Tribunal a quo devia ter dado como assente a factualidade inserta nos pontos 2, 3 e 4 do item “factos não provados” e, não o tendo feito violou o disposto no artigo 344º, 2 do
Código Civil.
118ª- Por este acréscimo de razão, este Venerando Tribunal, pode e deve alterar a decisão da 1ª instância sobre aqueles pontos concretos da matéria de facto, dando como provado que «Os objetos que se encontravam no interior do imóvel eram os descritos no artigo 7º do requerimento de 26.01.2023 e que os objetos tinham o valor global de € 650.585,40».
F.
119ª- Também decidiu muito mal o tribunal a quo, ao condenar a A. como litigante de má fé numa multa de 10 (dez) UC, bem como no pagamento de uma indemnização à Ré, relegando-se para momento posterior a fixação do respetivo quantitativo.
120ª- Considerou o Tribunal a quo que « … Já no que se refere à Autora, verifica-se resultar dos autos que a mesma deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, assim como alterou a verdade dos factos. Com efeito, alega a privação de bens dos quais sabe não ter sido privada, só não os tendo em seu poder por facto apenas à mesma imputável uma vez que lhe foi expressamente solicitado que retirasse os bens e foi-lhe concedido acesso ao imóvel para o efeito, tendo retirado os bens que pretendeu retirar. Considerando os factos provados e a motivação da decisão de facto impõe-se concluir que existem elementos seguros que permitem concluir por uma conduta dolosa ou, no mínimo, gravemente negligente da Autora, ao ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, por ter alterado a verdade dos factos, que a fazem incorrer em litigância de má-fé, nos termos do disposto no artigo 542º/ 2, do Código de Processo Civil».- Sic com destaque nosso a negrito.
121ª- No que respeita aos fundamentos que o tribunal a quo invocou para condenar a A. como litigante de má fé, todos eles e, sem exceção, são inexistentes, tal como ficou demonstrado pelo teor da presente motivação nos seus diversos conspectos.
122ª- A Recorrente não litigou de má fé, não deduziu uma pretensão sem fundamento, bem pelo contrário, apresentou-se em juízo para obter tutela do seu direito de propriedade sobre bens que constituem o seu imobilizado corpóreo; Bens dos quais foi desapossada pela R. conforme factos provados sob os pontos 20, 21, 22, 23, 36 e 38.
123ª- Todos restantes considerandos do tribunal são completamente descabidos e demonstram apenas a parcialidade com que o tribunal conduziu todo este processo.
124ª- Não se entende como é que a senhora juiz pode considerar que a A. não foi privada pela R. dos seus bens e, que se foi privada foi por culpa sua que não foi levantar esses bens pois foi interpelada para o efeito.
125ª- Mal de nós quando numa decisão judicial se dá acolhimento a atos ilegítimos de ação direta, se ignora que que a R. tinha outros meios para tomar posse imóvel, se dá cobertura a atos lesivos do direito de propriedade, mal de nós quando os aplicadores da lei, toleram atos lesivos da lei e, como se tal não bastasse, acabam por castigar quem com boa fé, recorre aos tribunais para defesa dos seus direitos, como foi o caso.
126ª- Ainda que a A. não conseguisse provar os factos que alegou como constitutivos do seu direito (o que não sucedeu, pois como supra se demonstrou essa prova foi feita) não podia o tribunal considerar que houve má-fé.
127ª- Afinal de contas, quem retirou os bens que estavam no interior do imóvel, por acaso não foi a R., se os retirou como ficou provado, é porque estavam lá, e não saíram de lá por obra e graça do Espírito Santo, foi por ação da R. que não só os retirou como lhes deu descaminho.
128ª- A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e
129ª- Assim, para haver má fé não basta a constatação de um dos comportamentos indiciadores de tal litigância acolhidos nas mencionadas alíneas do nº. 2 do artº. 542º do NCPC (elementos objetivos da má fé); é indispensável ainda que a parte tenha atuado com dolo ou negligência grave (elemento subjetivo).
130ª- No caso dos autos, não há um único indício de que a A. tenha litigado com má, bem pelo contrário, a autora deduziu uma pretensão com fundamento legal, limitou-se a exercer um direito que lhe é constitucionalmente reconhecido- o acesso aos tribunais e à justiça – para tutela de um direito subjetivo absoluto que é o direito de propriedade.
131ª- Agiu com a diligencia que lhe era exigível, e fez do processo e dos meus processuais um uso normal e legal, não omitiu qualquer facto nem alegou factos falsos e o seu objetivo ou desiderato processual é inteiramente legitimo – obter o reconhecimento de um direito que sabe assistir-lhe.
132ª- A sua condenação como litigante de má fé, para além de injusta é completamente injustificada e não tem qualquer suporte legal e ao decidir como decidiu, o tribunal a quo, violou frontalmente o disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil. “.
Acaba concluindo do seguinte modo.
“A. Violação do Principio da Igualdade das Partes
1. A recorrente A..., LDA. alegou violação do princípio da igualdade das partes, conforme o artigo 4.º do CPC, devido à admissão de fotografias pela Recorrida e ao indeferimento da IES de 2017 pela Recorrente.
2. A admissão de documentos por uma parte e o indeferimento pela outra não indicam tratamento desigual quando baseados na relevância das provas apresentadas.
3. A IES de 2017 foi considerada irrelevante para o processo, pois não comprovava o estado físico ou valor dos bens em 2022 e foi apresentada fora do prazo, justificando seu indeferimento.
4. A junção de documentos é regulada pelos artigos 423.º a 425.º do CPC, que estabelecem prazos e condições para sua apresentação, visando a celeridade e eficiência processual.
5. A preclusão garante a segurança jurídica e estabilização da matéria em discussão, impedindo a apresentação tardia de provas que possam surpreender a parte contrária.
6. As fotografias foram admitidas por fornecerem evidências visuais diretas do estado dos bens, contradizendo o depoimento de uma testemunha permitindo ao tribunal avaliar objetivamente sua condição no momento da posse pela Recorrida, sendo inegável o acerto da decisão de aceitar a admissão.
7. O tribunal garantiu igualdade ao avaliar de forma imparcial a relevância e pertinência dos documentos apresentados por ambas as partes.
8. A Recorrente não recorreu da decisão de indeferimento da IES dentro do prazo de 15 dias conforme o artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, tornando sua impugnação extemporânea e sujeita ao princípio da preclusão.
B. Recurso da Matéria de Facto
9. O tribunal de primeira instância exerce a livre apreciação da prova, conforme disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC). Este princípio permite ao juiz formar a sua convicção com base nas provas produzidas e nos depoimentos colhidos em audiência.
10. O princípio da imediação garante que o juiz que proferiu a sentença é o mesmo que conduziu a audiência de julgamento, estando na melhor posição para avaliar a prova.
11. A Recorrente pretende alterar os factos não provados 2 e 3, alegando que os objetos descritos no artigo 7.º do requerimento de 26.01.2023 estavam no imóvel e tinham o valor de €650.585,40, baseando-se no documento "Existência Global" e nos depoimentos de BB e HH.
12. Todavia, os referidos depoimentos provam precisamente o contrário, ou seja, que os bens eram sucata ao abandono e nem a recorrente sabia bem o que lá se encontrava.
13. As fotografias apresentadas pela Recorrida mostraram os bens em estado de deterioração e abandono, contradizendo as alegações da Recorrente. Os documentos apresentados pela Recorrente não demonstraram inequivocamente a existência física dos bens no imóvel na data da posse pela Recorrida, e muito menos demonstrou que eram valiosos.
14. HH, ao minuto 2 do seu depoimento, afirmou ter comprado "estantaria e algum material obsoleto" pelo valor de 6750€. Ao minuto 4, declarou que os bens adquiridos eram "peças de ferro" para reciclagem, sendo tudo lixo e sucata. Ao minuto 7, negou categoricamente que os bens pudessem valer 600.000,00€, sorrindo perante tal possibilidade.
15. O próprio representante legal da Recorrente declarou que não sabia exatamente quais bens estavam no imóvel: "Os bens todos não, sei que estavam lá bens, agora, quais... não.", o que não só demonstra a falta de credibilidade da listagem, mas também contradiz em absoluto a hipótese de serem valiosos, tamanho era o descuido e desconhecimento da gerência sobre esses bens.
16. As alegações da Recorrente, ao impugnar a decisão sobre estes factos, refletem apenas uma opinião divergente e subjetiva da opinião do tribunal, não indicando meios de prova que imponham decisão diferente.
17. Quanto aos factos 4 e 5, a Recorrente não cumpriu o ónus exigido pelo artigo 640.º do CPC, que requer identificar meios probatórios que imponham decisão diversa, não sendo sequer produzidas alegações a esse respeito.
C – Abandono dos Bens
18. A sentença considerou que os bens deixados no imóvel pela Recorrente, A..., LDA., foram considerados abandonados com base nos seguintes pontos:
19. Inércia da Recorrente, porquanto foi notificada pela Recorrida, B..., LDA., sobre a necessidade de desocupar o imóvel. Foi dado um prazo razoável para que a Recorrente tomasse as providências necessárias para remover seus bens do local. No entanto, a Recorrente não agiu dentro do prazo estipulado, nem apresentou qualquer resposta ou iniciativa para proteger seus bens.
20. Os bens encontrados no imóvel estavam em estado de deterioração e abandono. Testemunhas, com destaque para HH, e prova documental apresentada durante o julgamento, que confirmaram que os itens presentes no local eram predominantemente sucata e lixo. HH mencionou que "o que havia era lixo e sucata" e que não havia "nada embalado novo para ser vendido"
21. Conforme disposto no artigo 1267.º do Código Civil, uma coisa é considerada abandonada quando o proprietário, voluntariamente, renuncia à posse. A inércia da Recorrente em agir para proteger e reivindicar os seus bens caracteriza claramente uma renúncia à posse, configurando o abandono.
22. A falta de ação da Recorrente indica negligência e desinteresse, compatíveis com o abandono dos bens. Os bens permaneceram num imóvel desocupado por longos períodos, sem manutenção ou proteção, a deteriorar-se e a perder valor durante largos anos.
23. De acordo com as regras da experiência comum, a Recorrente abandonou os bens, não os tendo recolhido porque não os queria – abandonou-os devido ao seu residual valor. Estes factos são refletidos pelos documentos, depoimentos e suportados pelas regras da experiência comum.
24. A sentença do tribunal a quo é clara e bem fundamentada, estabelecendo que os bens deixados no imóvel pela Recorrente foram considerados abandonados. Além disso, importa ainda assinalar que os bens já não se encontravam na posse da Recorrente desde a penhora, permanecendo esta decisão juridicamente inatacável.
D. Probatio Diabolica
25. A Recorrente alega que foi impossibilitada de provar a condição e o valor dos bens devido às ações da Recorrida.
26. No entanto, os factos demonstram que a Recorrente não fez todos os esforços razoáveis para obter provas da condição e valor dos bens antes da sua remoção. A dificuldade probatória resulta, assim, de sua própria inatividade.
27. Todavia, ainda que se decidisse pela inversão do ônus da prova, a Recorrida fez prova cabal de que os materiais encontrados no imóvel eram sucata e lixo, constando dos factos provados que os bens foram vendidos para sucata por não terem valor comercial.
28. As alegações da Recorrente sobre a "probatio diabólica" e a necessidade de inversão do ônus da prova são infundadas. Provou-se que os bens não detinham valor comercial e eram sucata, tornando a inversão do ônus da prova irrelevante e sem impacto na decisão proferida.
E. Litigancia de Má Fé
29. A autora, ao negligenciar completamente os seus bens, permitiu que estes se deteriorassem ao ponto de serem considerados sucata. A pretensão de que os bens mantiveram o seu valor original é não só irrealista, mas também desonesta, tentando induzir o tribunal em erro quanto ao verdadeiro estado e valor dos bens na data relevante. A autora tinha a obrigação de saber da inevitável desvalorização dos bens ao longo do tempo e o dever de não vir a tribunal fingir que nada havia mudado desde a sua avaliação contabilística em 2019.
30. Com a referida conduta, litigou de má fé.
31. A autora também alegou falsamente que foi privada dos seus bens pela ré, incluindo contabilidade, tentando criar a impressão de que houve uma apropriação indevida.
32. Todavia, também se demonstrou que a autora retirou a contabilidade que quis retirar, nunca tendo sido impedida pela Ré. Lembrar que na PI pedem a restituição da contabilidade, ao passo que na réplica confessa ter levantado o que quis!
33. Quer isto dizer que para a condenação como litigante de má-fé, existem os motivos elencados na sentença, e existem motivos que não foram considerados na sentença, mas que impõem tal condenação, pelo que a mesma se deve obviamente manter!”
*
*
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Neste momento, impõe-se o seguinte considerando.
Impõe o artigo 639.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1- O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”, realçado e sublinhado nosso.
Como se constata do que atrás ficou expresso na integra, a apelante, A., não cumpre a ordem legal.
Contudo, não é caso de chamamento do comando do n.º 3 – convite à correcção – pois, que as conclusões da A., apelante, embora padecendo do vício da prolixidade, da inconsequência e da inocuidade, não será caso de as considerar deficientes, obscuras ou complexas que mereçam convite a “completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las”.
Este Tribunal identifica claramente as questões, pelo que as prolixidade, inconsequência e inocuidade de algumas (muitas) das conclusões não merecem nada mais do que este reparo.
As questões a decidir, são as seguintes:
A) Junção de documento em momento posterior à junção das alegações de recurso por parte da A. – requerimento de 20.05.2024, refª 48958948.
A A. vem requerer a junção de certidão do registo predial – “o AE, registou novamente o imóvel na conservatória do registo predial – Averb. AP. ... de 2024/01/24” – a fim de demonstrar que “a Srª Juiz ter ignorado o teor do Acórdão da Relação do Porto conforme consta, de resto, das motivações e conclusões de recurso apresentas”.
B) Da violação do princípio da igualdade – cls 1.ªa 23.ª.
A A. foi tratada de modo distinto da R. na apresentação de meios de prova documental – preterição de um meio de prova oferecido pela A., junção do IES referente ao ano 2017.
Conclui, que tal violação constitui razão para anulação do julgamento, e, em consequentemente, seja tal meio de prova admitido.
C) Da modificação da decisão da matéria de facto.
i) Os pontos 2 e 3 dos factos não provados deverão ser dados como provados – cls 26.ª a 55.ª.
“2. Os objetos que se encontravam no interior do imóvel eram os descritos no artigo 7º do requerimento de 26.01.2023.
3.Os objetos tinham o valor global de €650.585,40.”
Sustenta a A. que tal realidade decorre do documento junto com a petição inicial – existência global –, na prova testemunhal, BB, HH, GG e II, na prova por confissão da parte da A., EE.
Alega a inconsistência da argumentação/fundamentação da sentença quando valora documento que não admitiu a sua junção.
ii) O facto 36 dos factos provados (A Ré vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial.) deveria ter uma resposta distinta (A R. vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial, a HH, pelo preço de 6.750,00 €) – a realçado a pretendida alteração – cls. 56.ª a 61.ª.
Argumenta que foram valorados erradamente o depoimento da testemunha, HH e do depoimento de parte da R..
iii) Deve ser dados como provados os factos 2, 3 e 4 dos factos não provados.
A A. ficou impossibilitada de fazer prova do alegado por si em consequência da actuação da R., de retirar os bem do interior do imóvel. Ocorre inversão do ónus da prova sobre a existência dos bens e seus valores – cls, 102.ª a 118.ª.
D) De direito
i) A conduta da R. ao agir por acção directa violou o direito de propriedade da A., relativamente aos bens que estavam no interior do imóvel – cls 62.ª a 91.ª. Ocorreu por parte da A. abandono dos bens –cls 92.ª a 101.ª.
iii) Condenação da A. como litigante de má fé. – cls 119.ª a 132.ª.
*
A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.
“1. – Factos Provados:
1. A Autora é uma sociedade que se dedica ao comércio de máquinas, ferramentas, equipamentos industriais e gestão de imóveis próprios, podendo ainda exercer qualquer outro ramo de atividade comercial em que os sócios acordem. (cf. certidão permanente junta a 05.12.2023, que se dá por reproduzida)
2. Em 09.08.2018 foi registada a pendência de dissolução administrativa da Autora. (cf. certidão permanente)
3. Em 30.02.2020 foi registado o termo do procedimento administrativo de dissolução, por demonstração de que a situação da sociedade foi regularizada. (cf. certidão permanente)
4. A Autora não prestou contas nos anos de 2012 a 2020. (cf. Certidão permanente)
5. As contas referentes aos anos de 2013 a 2017 foram prestadas em dezembro de 2020. (cf. certidão permanente)
6. Após essa data não voltou a apresentar prestação de contas. (cf. certidão permanente)
7. A Autora contraiu empréstimo junto do Banco 1..., Sociedade Aberta, S.A. e para garantia do mesmo constituiu hipoteca sobre o prédio urbano composto por edifício com dois pisos, com tudo o que o compõe, sito na Rua ..., ... ou ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Vila Nova de Gaia sob o nº .... (cf. Certidão permanente do imóvel junta aos auto e consultada no processo executivo acompanhado eletronicamente)
8. Em dezembro de 2019 o Banco 1..., Sociedade Aberta, S.A instaurou execução contra a Autora, que corre termos sob o nº 26299/19.0T8PRT, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juiz de Execução do Porto – Juiz 6, tendo por titulo executivo uma livrança no valor de € 412.796,13. (cf. documento nº 2 junto com a petição inicial e com os requerimento de 19 e 20 de abril de 2023, que se dá por reproduzida)
9. Foi no edifício dado como garantia que a Autora desenvolveu a sua atividade.
10. No dia 29.01.2020 esse imóvel foi penhorado no processo executivo. (cf. documento nº 3 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido)
11. Na pendência da ação executiva, o Banco 1... cedeu o seu crédito à Ré.
12. A Ré é uma sociedade que se dedica ao comércio de vestuário, acessórios, calçado, bijuteria, brinquedos, artigos decorativos; importação e exportação, nomeadamente de produtos de vestuário, acessórios, calçado, bijuteria, brinquedos e artigos decorativos.(cf. certidão permanente junta a 22.03.2023, que se dá por reproduzida).
13. O imóvel penhorado foi vendido à Ré, por negociação particular pelo preço de € 1.700.000,0.
14. A escritura foi outorgada no dia 31 de maio de 2022 e nesse dia a aquisição foi registada a favor da Ré. (cf. certidão permanente do imóvel junta aos auto e consultada no processo executivo acompanhado eletronicamente e documento nº 10 junto com a contestação).
15. Autora e Ré celebraram transação nos embargos que corriam termos por apenso ao processo executivo, nos termos da qual acordam no valor mínimo para a venda do imóvel penhorado. (certidão junta com o requerimento de 20.03.2023 e documento 9 junto com a contestação, que se dá por reproduzido)
16. A Autora arguiu a invalidade da venda executiva.
17. Por decisão proferida a 26.09.2022 no processo de execução foram julgadas improcedentes as nulidades invocadas sobre a venda executiva. (documento 10 junto com a contestação, que se dá por reproduzido e consultado no processo executivo acompanhado eletronicamente)
18. Dessa decisão consta que em “15-04-2021, no apenso C, foi proferida sentença que julgou habilitada na posição de exequente a requerente B..., LDA, em substituição do Banco 1..., S.A..(…) O executado BB deduziu embargos de executado, que correram termos como apenso B, os quais terminaram por transacção, homologada por sentença.”
19. Esta decisão foi objeto de recurso.
20. Após aquisição a Ré tomou posse do imóvel, mudando as fechaduras.
21. Utilizando camiões retirou do interior do mesmo os objetos, peças e maquinaria propriedade da Autora.
22. A Ré tem em seu poder o servidor informático da Autora, que se encontrava no imóvel.
23. No interior do imóvel encontrava-se documentação de contabilidade da Autora.
24. A Autora não desenvolve qualquer atividade comercial desde 2019.
25. Depois do procedimento oficioso, a preocupação da Autora era liquidar o seu património.
26. A Autora, depois de instaurado o procedimento oficioso de liquidação e dissolução administrativa, limitou-se a proceder à regularização das contas.
27. Ao entrar no imóvel a Ré deparou-se com um aglomerado de coisas que a Autora deixou no imóvel, entre elas elementos que poderiam ser da contabilidade da Autora.
28. A Ré, por carta registada de 02.06.2022, solicitou à Autora que abrisse porta do imóvel e retirasse do seu interior “algumas arrumações”, no prazo de 8 dias e que, findo esse prazo, iria proceder “à remoção de todos os bens para o ecoponto”. (documento nº 3 junto com a contestação, que se dá por reproduzido).
29. A Autora, após essa comunicação, combinou datas com a Ré para remover as coisas, tendo inclusivamente sido contratada uma empresa de transportes para o efeito.
30. No dia e hora marcados, ninguém da parte da autora compareceu.
31. A Ré, por carta registada de 28.06.2022, comunicou à Autora que considerava todo o material abandonado, que o mesmo seria removido para o ecoponto e que, informados que podiam existir elementos de contabilidade no imóvel, concedia à mesma prazo até 01.07.2022 para levantar esses elementos e todos os bens que se encontrassem no interior do imóvel. (documento nº 4 junto com a contestação, que se dá por reproduzido)
32. Na mesma missiva também comunicou à Ré que, necessitando de mais prazo, o deviam solicitar.
33. A Autora, por notificação judicial avulsa de 14.07.2022, alega que não foi informada de qualquer aquisição do imóvel, que tem no mesmo o seu stock, bens móveis e contabilidade Ré e pede a notificação da Ré para se abster de retirar bens do imóvel. (documento nº 5 junto com a contestação, que se dá por reproduzido).
34. Por email de 01.08.2022, a Ré dirige comunicação ao mandatário da Autora, onde refere várias promessas da Autora para ir retirar os bens, com a última data agendada para 29.07.2022, sem nunca o fazer e comunica que os bens serão vendidos ou deitados ao lixo. (documento nº 6 junto com a contestação, que se dá por reproduzido)
35. A Autora consta da lista pública de devedores à Autoridade Tributária de quantias entre € 10.000,00 e € 50.000,00. (documento nº 7 junto com a contestação, que se dá por reproduzido)
36. A Ré vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial.
37. A Autora e o seu mandatário, acompanhados pela mãe do mandatário, procederam ao levantamento de computadores e de elementos de contabilidade.
38. A Ré tem em seu poder elementos contabilísticos e o servidor informático da Autora e encontra-se disponível para os entregar à Autora.
39. Os elementos contabilísticos, que ainda não foram levantados, só estão na posse da Ré porque a Autora nunca os levantou voluntariamente, apesar de interpelada para o efeito.
40. As partes estiveram em conversações para o levantamento dos bens que se encontravam no interior do imóvel.
41. A Autora foi Ré no processo nº 94649/21.0YIPRT, que correu termos no Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8, em que foi peticionado o pagamento da quantia de € 3.225,00 devida a título de honorários a mandatários e da qual a Autora se reconheceu devedora. (certidão junta com o requerimento de 20.04.2023, que se dá por reproduzida)
1. A Autora era uma empresa sólida no mercado, com crédito bancário.
2. Os objetos que se encontravam no interior do imóvel eram os descritos no artigo 7º do requerimento de 26.01.2023.
3. Os objetos tinham o valor global de € 650.585,40.
4. O servidor informático tem o valor de € 10.000,00.
5. No interior do imóvel encontrava-se toda a documentação de contabilidade da Autora - livros e folhas de suporte financeiro e contabilístico, desde 2011 até 2021.
6. O que a Ré encontrou no imóvel eram bens que se encontravam abandonadas no local há mais de 10 anos.
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A)
Junção de documento em momento posterior à junção das alegações de recurso por parte da A.
Alega a apelante que a junção de certidão do registo predial do imóvel, da qual consta o registo do imóvel descrito sob ... a favor da A., pela AP. ... de 2024/01/24, se tornou necessária “em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, nomeadamente pelo facto de a Srª Juiz ter ignorado o teor do Acórdão da Relação do Porto conforme consta, de resto, das motivações e conclusões de recurso apresentas”. O documento em causa, tem data de 23.02.2024.
Dispõe o artigo 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o seguinte:
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância “.
Por sua vez o artigo 425.º do Código de Processo Civil:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento “.
Por fim, o artigo 423.º do Código de Processo Civil dispõe:
“1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior “
Portanto, o legislador impôs apenas três momentos processuais nos quais as partes podem (devem) apresentar prova documental:
Primeiro, com os articulados, em que se aleguem os factos necessitados de prova e que sejam fundamento da acção ou da defesa – artigos 552.º, n.º 6 e 572.º, alínea d) do Código de Processo Civil;
Segundo, após os articulados, mas até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sem prejuízo da respectiva condenação em multa caso não demonstre a impossibilidade de apresentação em momento anterior;
Terceiro, até ao encerramento da audiência final de julgamento – artigo 425.º do Código de Processo Civil – podem ser apresentados os documentos cuja junção não tenha sido possível até então e ainda aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
“Vigora no direito português o modelo de apelação restrita: a apelação não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instância, mas tão-somente "a reapreciação da decisão proferida dento dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento" (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 395).
Como resulta de jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. (…) Em princípio, não pode alegar-se matéria nova (ius novorum; nova) nos tribunais superiores, em recurso, não obstante o tribunal ad quem dever apreciar as questões de conhecimento oficioso (ver o n.° 5 da anotação ao art. 635).
Daí que, em princípio, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso.”, in Código de Processo Civil Anotado, Vol 3º, LEBRE DE FREITAS, RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE, 3ª ed., em anotação ao artigo 651.º do Código de Processo Civil.
Definida a natureza dos recursos no nosso Direito Processual, a regra é da não admissão de prova documental em fase de recurso, pois o recurso não pode conhecer de matéria nova que a primeira instância não tivesse tomado conhecimento.
“1. No recurso de apelação, é legítimo às partes fazer acompanhar as de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando tal apresentação apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido. A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado. alegações
2. No que tange à parte final do nº 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ 26-9-12, 174/08, RL 8-2-18, 176/14 e RP 8-3-18, 4208/16). “, anotação ao artigo 651.º, do Código de Processo Civil, in Código de Processo Civil Anotado, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS PIRES DE SOUSA, Vol I.
No mesmo sentido: “2. Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse (superveniência objetiva ou subjetiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
A junção de certos documentos pode ainda verificar-se quando se mostre necessária para justificar a oportunidade de interposição do recurso (art. 638.º) ou o pressuposto processual da legitimidade extraordinária de que goze o recorrente (art. 631.º, n.º 2). E é claro que deve sempre considerar-se a necessidade de junção do acórdão-fundamento nos casos oportunidade a que se reporta o art. 637.º, n.º 2. “, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação ao artigo 651.º do Código de Processo Civil.
Deste modo, apenas em casos muito excepcionais a Lei processual admite a junção de documentos: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
E tem que ser o recorrente que se pretende valer de tais documentos a alegar e a demonstrar tal realidade.
Ora, nos autos a apelante não alega e muito menos demonstra a efectiva realidade fáctica que permita preencher a hipótese legal da admissão do documento.
Pelo exposto, não se admite a junção do documento.
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Da violação do princípio da igualdade – cls 1.ªa 23.ª.
A A. foi tratada de modo distinto da R. na apresentação de meios de prova documental – preterição de um meio de prova oferecido pela A.. Ficou assim a A. coarctada “de fazer prova através do referido documento e colocando-a numa situação de desigualdade em relação à R., a quem tudo foi permitido em termos probatórios.”
Conclui, que tal violação, constitui razão para anulação do julgamento, e, em consequência, seja tal meio de prova admitido.
A pretensão da apelante está votada ao insucesso.
Vejamos.
Como resulta da sua alegação e bem como das conclusões, a apelante visa com esta pretensão atacar a decisão da primeira instância que lhe rejeitou a junção de prova documental aos autos.
Argumenta a apelada, e bem, a questão ora suscitada pela apelante é extemporânea.
Dispõe o artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil, “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: (…) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;”
Pretendendo a apelante insurgir-se contra a decisão de não admissão do meio de prova, teria necessariamente que manifestar a sua pretensão através do competente recurso de apelação dessa decisão.
Por outro lado, caso ocorresse a nulidade, tal qual é configurada pela apelante, a mesma deveria ter sido de imediato atacada, arguindo a sua ocorrência., ie, a ocorrer uma irregularidade no decorrer da audiência de julgamento, deveria ter sido suscitado de imediato.
Na realidade, a ser entendido que ocorreu violação do princípio da igualdade, sempre estaríamos perante uma nulidade secundária, artigo 195.º do Código de Processo Civil, pois as principais são as previstas no artigo 196.º do Código de Processo Civil.
As nulidades secundárias têm que ser arguidas pela parte afectada logo que aquando do seu cometimento, no caso, na própria sessão da audiência de julgamento – artigo 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Por último, é de notar que a A. arguiu nulidade de omissão de pronúncia quanto à junção deste preciso documento, nulidade que foi desatendida. Nem nesse momento, nem em momento posterior a A. se insurgiu quanto à admissão ou não deste documento.
Em face destes considerandos, está a apelante inibida de poder arguir a irregularidade/nulidade da decisão de não admissão do meio de prova, pois que no momento próprio não suscitou a questão no momento e pelo meio próprio.
Pelo exposto, improcede a arguida irregularidade/nulidade.
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Da modificação da decisão da matéria de facto.
São as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.
Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.
A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.
Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.
a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;
b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;
c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;
d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).
Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).
A recorrente indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto.
De igual modo, indica qual ou quais os meios de prova que sustentam a alteração peticionada dos factos – prova documental, testemunhal e por declarações de parte.
Pelo exposto a recorrente, A., preenche os apontados requisitos, pelo que se impõe o seu conhecimento.
Considerandos.
Importa ter presente que a prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação.
Com vista a este Tribunal ficar habilitado a conhecer dos factos em discussão, e deste modo formar a sua convicção autónoma, própria e fundamentada, teve de analisar todos os meios de prova produzidos em 1.ª instância.
Deste modo, este Tribunal ponderou a prova documental junta aos autos e citada na sentença em crise e que aqui se dá por reproduzido.
De seguida, procedeu-se à audição integral e completa das gravações da sessão de audiência de julgamento, depoimentos das testemunhas.
Quanto à ponderação dos meios probatórios produzido em audiência final, mormente a prova por confissão ou a prova testemunhal, a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
O princípio básico do nosso ordenamento jurídico é o da livre apreciação da prova – artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
“Vigora, entre nós, um sistema hibrido ou misto. Consagra, com efeito, o citado preceito o princípio da «liberdade de julgamento» («o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção» acerca de cada facto»). Apenas com a exceção de a lei exigir para a existência ou prova do facto qualquer formalidade especial, a qual não poderá ser dispensada" (cfr. o art. 607, n° 5, 2º segmento).
Assiste, pois, ao julgador o poder de livremente decidir - depois de ponderada apreciação e avaliação - os diversos pontos da matéria de facto (reportados às questões constantes do elenco dos temas de prova) segundo a sua prudente e intima convicção. Convicção esta alicerçada em regras técnicas ou em máximas da experiência, bem como em conhecimentos pessoais de ordem lógico-dedutiva sobre as realidades da vida e da convivência social. Elementos esses conducentes à prova direta do facto controvertido ou à ilação (dedução lógica) da realidade ou verosimilhança desse facto, através da prova de um facto indiciário (instrumental), nesta segunda hipótese se fundando a prova numa presunção natural ou judicial (arts. 351º do CC e 607°, nº 4). Poder que se exerce, não apenas no que respeita à admissibilidade dos meios de prova propostos ou requeridos pelas partes, como também no que se refere à determinação do seu valor probatório. E tudo por reporte ao material probatório carreado pelas partes ou recolhido oficiosamente para o processo, quiçá mesmo face à conduta processual por elas concretamente adotada.”, in Direito Processual Civil, FRANCISCO MANUEL FERREIRA DE ALMEIDA, Vol I, 2ª ed, pág 109.
“(…) o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa a sua íntima convicção, formada no confronto dos vários meios de prova. Compreende-se como este novo princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis. (…)
Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova. Mas as excepções são importantes.
Estão, de acordo com essa regra, sempre sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396 CC), a prova por inspecção (art. 391 CC) e a prova pericial (art. 389 CC). Têm, pelo contrário, valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art. 371-1 CC) ou particulares (art. 376-1 CC), e a confissão escrita, seja feita em juízo (art. 358-1 CC), seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358-2 CC); mas quer o documento (art. 366 CC) quer a confissão (art. 361 CC) que não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal fica sujeito à regra da livre apreciação. Valor probatório fixado por lei têm também as presunções legais stricto sensu (art. 350 CC) e a admissão (supra, 2, nota 34). (…)
No âmbito do principio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez da convicção, se forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respectivo ónus e a contraprova oposta pela parte contrária (art. 346 CC), o facto não pode ser dado como provado, em prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte quem o facto aproveitaria (art. 516). “, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, 1996, pág 157 e seguintes.
Os pontos 2 e 3 dos factos não provados deverão ser dados como provados – cls 26.ª a 55.ª.
Os factos em discussão:
“2. Os objetos que se encontravam no interior do imóvel eram os descritos no artigo 7º do requerimento de 26.01.2023.
3.Os objetos tinham o valor global de €650.585,40.”
Sustenta a A. que tal realidade decorre do documento junto com a petição inicial – “existência global” –, na prova testemunhal, BB, HH, GG e II, na prova por confissão da parte da A., EE.
Mais, alega a inconsistência da argumentação/fundamentação da sentença quando valora documento que não admitiu a sua junção.
Desde já afirmamos, que dos vários meios de prova produzidos em audiência de julgamento, este Tribunal de recurso não poderá deixar de declarar o acerto do decidido pela primeira instância.
Vejamos.
A primeira instância quanto a estes pontos de facto fundamentou do seguinte modo.
“(…) No âmbito da prova documental é de relevar que o documento junto com o requerimento de 16.09.2022, denominado “Existência global”, alegadamente elaborado em abril de 2019, é só por si insuficiente para demonstrar que esses bens se encontravam no interior do imóvel, que eram da titularidade da Autora e que tinham o valor aí identificado uma vez que, como infra se fará referência, não foi corroborado de segura por qualquer outro meio de prova, nomeadamente documentos contabilísticos que deveriam integrar as IES a apresentar pela Autora e que não foram juntos aos autos, sendo que apenas a IES referente ao ano de 2017 foi junta aos autos (requerimento de 20.12.2023) resultando da mesma que o inventário tinha precisamente o valor do inventario alegado nos presentes autos, não sendo verosímil que o mesmo inventário e com o mesmo valor se mantivesse por cinco anos (o que, aliás, resulta também dos depoimentos prestados em audiência). Pelo contrário, da demais prova produzida, nomeadamente da confissão da Autora de que desde 2019 apenas pretendiam a liquidação do seu património, não se afigura minimamente verosímil que dentro do imóvel estivessem bens de valor superior a € 600.000,00 (de valor superior ao da dívida que determinou a execução em que foi penhorado o imóvel onde se encontrariam) e não tivesse diligenciado pela sua venda a fim de pagar tal dívida ou não os tivesse indicado à penhora uma vez que seriam de valor suficiente ao pagamento da quantia exequenda. (…)
De todo o exposto resulta que o único documento junto pela Autora para demonstração da existência de bens e seu valor é um documento particular, que se encontra impugnado, não corroborado por qualquer elemento contabilístico, sendo de relevar que a Autora não presta contas desde 2017.
No âmbito da demais prova é de referir que no âmbito do depoimento de parte do legal representante da Ré, o mesmo confessou ter retirado bens do imóvel (depois de por diversas vezes ter solicitado à Autora para o fazer) que cabiam em dois camiões e foram vendidos para sucata pelo preço global de € 6.750,00.
Nenhuma da demais prova produzida corroborou o alegado pela Autora.
JJ, solicitador e agente de execução que exerceu funções na execução em que foi vendido o imóvel onde se encontravam os bens, afirmou não ter visto o que existia dentro do imóvel porque apenas penhorou o próprio imóvel; que quem ficou como fiel depositária foi a Ré por já ser arrendatária de parte do imóvel; que só depois de formalizada a venda foi contactado pela Ré a informar que estava “lixo” lá dentro e que a aconselhou a contactar a executada para, querendo, ir buscar os bens, acrescentando que a executada (Autora) sabia da penhora e prazo acordado para a venda do imóvel, tendo disposto de tempo para retirar todo o seu recheio.
HH, operador de gestão de resíduos, que relatou a aquisição de material obsoleto (sucata), estantaria (para revenda) e madeiras que se encontravam no imóvel pelo valor global de € 6.650,00. Afirmou ter ido ao local proceder a avaliação do que lá se encontrava, afirmando de forma segura que não existia material em estado de novo no interior do edifício; que comprou todo o material, que tinha valor para sucata.
CC, lojista, funcionária da Ré desde 2015 a novembro de 2023, afirmou com segurança que a Autora não exerce atividade no local desde 2018/2019; que a Ré solicitou à Autora que retirasse os bens do imóvel; que a Autora se deslocou ao local e carregou pastas de arquivo, confirmando o teor das fotografias juntas aos autos; que chegou a estar agendada data para a retirada de bens, com camiões no local, mas que a Autora não compareceu.
A testemunha II, trabalhador da construção civil, relatou de forma clara e espontânea os contactos com a Autora para a retirada de bens do interior do imóvel, o orçamento dado e os sucessivos adiamentos por parte da Autora; que chegou a ter data agendada, mas a Autora não compareceu. Também esta relatou o material existente no local como muito antigo “quase sucata” e a inexistência de material novo.
GG, sócio da Autora e chefe de armazém até 2012, relatou incompatibilidades entre os sócios; relatou o desconhecimento do stock existente à data dos factos e o desaparecimento de computadores e ficheiros à data da substituição da gerência da Autora motivada pela incompatibilidade entre os sócios.
BB, farmacêutico, filho de sócia da Autora confirmou a ida ao local para recolher capas de contabilidade e 2 computadores, estando um sem qualquer informação; que trouxeram os documentos que quiseram trazer, só tendo ficado no local catálogos e documentos anteriores a 2010 e o servidor porque não o sabiam desligar; confirmou que a Ré havia pedido para retirarem bens do imóvel. Mais relatou conflitos entre os sócios, a ausência total de atividade desde 2020 e a atividade residual desde 2018; que em 2019 começaram a fazer lista por amostragem física, que não foi terminada, que a lista junta aos autos foi retirada do computador ou servidor mas não foi conferida e que a mesma foi elaborada com vista a um acordo dos sócios para liquidação da empresa e que nessa data havia bens novos no imóvel, não sabendo o destino que lhes foi dado e por quem. Afirma de forma clara que sabiam que o imóvel ia ser vendido e que tinham de retirar os bens do seu interior.(…)“
Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo. Haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por um diverso sentido.
Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil) terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.
Terá o Tribunal de recurso de concluir pela existência de erro na apreciação, quanto a concretos e precisos pontos de factos, por os meios de prova indicados pelo recorrente imporem uma conclusão factual distinta.
Ora, de todo o acervo probatório, desde já podemos afirmar que terá que soçobrar a pretensão da apelante.
Tal como decidido pela M.ma Juíza, de modo acertado, o documento intitulado, “existência global”, por si só, não é suficiente, para que seja dada como provada a factualidade – os objectos existentes no interior do edifício eram os descritos e que tinham tal valor.
Estamos perante um documento particular, que foi devidamente impugnado pela R.. Da prova produzida, mormente, outra prova documental e testemunhal, nada resulta quanto à sua elaboração, sua autoria, e outros elementos circunstanciais que permitam aquilatar e concluir por tal elemento documental corresponder à realidade.
Deste modo, não há que discordar do fundamento da primeira instância. Antes pelo contrário, importa reforçar tal argumentação. Tudo de modo a concluir da mesmíssima maneira que a M.ma Juíza o fez.
Tendo como pressuposto esta decisão, é meridianamente claro que os meios probatórios indicados pela recorrente, prova testemunhal e por confissão (depoimento de parte da legal representante da A.) não permitem concluir por o indicado documento merecer a força probatória pugnada pela apelante. Na realidade, nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento apresenta relato preciso, coerente e linear no sentido do constante da dita lista corresponder efectivamente ao recheio existente no interior do imóvel. Se nenhuma das testemunhas ouvidas veio indicar qualquer relato de corroboração da dita lista, já o depoimento de parte foi ainda menos esclarecedor.
Pelo exposto, improcede a pretensão da apelante.
O facto 36 dos factos provados (A Ré vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial.) deveria ter uma resposta distinta (A R. vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial, a HH, pelo preço de 6.750,00 €) – a realçado a pretendida alteração – cls. 56.ª a 61.ª.
Argumenta que foram valorados erradamente o depoimento da testemunha, HH e do depoimento de parte da R..
No preciso ponto de facto em apreço, a apelante indica em primeiro lugar como meio de prova a confissão, depoimento de parte da R.. Argumenta que tal factualidade foi confessada pela R. – cls 57ª.
Ora, da acta de audiência de julgamento, da assentada, resulta o seguinte: “No âmbito dos arts. 24º (Mais, a A. goza com a situação, ameaçando que os bens foram (ou vão) para uma lixeira, ou para um vazadouro) e 32º (Perante a “recomendação” do Agente de Execução (que, a provar-se, vai dar lugar a procedimento criminal e disciplinar), a Ré “pegou nos milhares de coisas, objectos, máquinas, peças, etc.” e… deitou-as fora.), confessa que os bens foram vendidos para a sucata pelo valor de 6.750,00 euros mais IVA”.
Não podemos subscrever o decidido pela primeira instância, pois que a factualidade que a R. confessou é precisamente aquela que supra se transcreveu. Sendo assim, não carece que seja a factualidade e pretensão apreciada à luz do meio de prova testemunhal.
Pelo exposto, procede nesta parte o recurso, devendo o ponto 36 dos factos provados passar a ter a seguinte redacção:
A R. vendeu bens que se encontravam no imóvel para a sucata, por não terem valor comercial, a HH, pelo preço de 6.750,00 €
Devem ser dados como provados os factos 2, 3 e 4 dos factos não provados.
A A. ficou impossibilitada de fazer prova do alegado por si em consequência da actuação da R., de retirar os bem do interior do imóvel. Ocorre inversão do ónus da prova sobre a existência dos bens e seus valores – cls, 102.ª a 118.ª.
Como argumento subsequente ao supra expendido em i), a apelante pretende ver satisfeita igual pretensão agora por via da inversão do ónus da prova.
Nos termos o artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil, com a epígrafe, “Inversão do ónus da prova”, “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”
É inequívoco, e nem está em discussão, que cabe à A. o ónus de alegação e de prova os factos em causa – artigo 342.º do Código Civil.
A hipótese legal constante do artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil, “impossibilitação culposa da prova pela contraparte do onerado” prevê excepção à regra da distribuição do ónus da prova do artigo342.º do Código Civil - Código Civil Anotado, Vol I, Coord. Ana Prata, 2019, anotação de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, pág 459 e seguintes.
“(…) a dispensa ou liberação do ónus da prova traduz-se na obtenção dum resultado probatório sem a apresentação dum meio de prova ou qualquer atividade probatória: o facto dispensado de prova é dado por assente por razões diversas duma regra da experiência.”, ob cit.
Quanto ao âmbito da norma em causa podemos ler do mesmo autor, na citada obra:
“O n.º 2 sanciona com a inversão do ónus da prova a atuação da parte com ele não onerada que culposamente impeça o onerado de fazer a prova do facto. O preceito aplica-se quando, p. ex., o condutor do automóvel destrói, após a colisão, os indícios da sua culpa no acidente de viação, quando uma das partes impede a testemunha oferecida pela outra de se deslocar ao tribunal, quando a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta (art. 430.° do CPC) ou declara que não o possui, tendo-o já possuído e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 431. do CPC), quando uma pessoa coletiva do setor cooperativo recusa a apresentação de contas (ac. do STJ de 25-10-12, 1059/06; Tavares Paiva) ou quando o réu em ação de investigação de paternidade se recusa a permitir o exame do seu sangue ou injustificadamente não comparece para a colheita (há vasta jurisprudência; por último, ac. do STJ de 26-10-12, 194/08; Garcia Calejo); e quando, duma maneira geral, a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade (art. 417.º, n.º 2, CPC). No ac. de 31-3-09 (09A197; Fonseca Ramos), o STJ equipara à impossibilidade da prova por atuação culposa da parte "a colaboração reticente ou parcialmente inviabilizadora da prova, desde que dessa falta de colaboração resulte, com- provadamente, fragilidade probatória causada pelo recusante". Negando a equiparação da dificuldade probatória à impossibilidade de prova e sujeitando, na primeira situação, a conduta da parte à livre apreciação do tribunal: acs. do STJ de 23-3-2000 (008112; Ferreira de Almeida), e de 20-2-01 (01A4054; Ferreira Ramos).”
FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Vol II, pág 239, expõe.
“Não considera a lei o facto controvertido como irrefutavelmente provado, mas inverte quanto a ele o ónus da prova com base na regra da experiência de que quem coloca entraves excessivos, ou mesmo insuperáveis, à descoberta da verdade material é quem mais descrê da consistência do seu direito, para além de que viola o principio básico da cooperação entre as partes, na (s) sua (s) vertente (s) da colaboração processual instrutória e probatória (artº 417º, nº 1).
Daí que a inversão do ónus da prova funcione, nesta hipótese, como uma espécie de sanção à parte não colaborante «sem prejuízo das sanções que a lei do processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações (cfr. o nº 2, in fine, do artº 344º do CC e o nº 2 do artº 417º do CPC).
Exemplos: - o réu inutilizou um documento que serviria ao autor para fazer a prova dum facto constitutivo do seu direito; - o investigado recusou submeter-se a um exame hematológico ou serológico para estabelecimento da paternidade do investigante; - o réu (ou o executado) recusou submeter-se a um exame grafológico para apuramento da autoria da sua assinatura aposta numa livrança de que é portador o autor ou o exequente; - o condutor do automóvel, apontado como responsável pelo acidente, destrói os indícios ou vestígios (pintura, vidros, fragmentos ou sinais de travagem) indutores da sua culpa no acidente de viação; - o impedimento, por uma das partes, da desloca- ção ao tribunal da testemunha oferecida pela contraparte; - a falta de apresentação de um documento pela parte para tal notificada (artºs 429º, nº 1 e 430º); - a declara- ção, pela parte notificada, de que não possui o documento, tendo-o já possuído, e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (artº 431º, nº 2).”
Da factualidade dada como provada podemos concluir por a R. ter tido um comportamento culposo que tenha impossibilitado a A. de fazer prova dos bens existentes no interior do imóvel, por os haver retirado?
A resposta terá que ser negativa.
Tal como decidiu a primeira instância, está demonstrado não ter a R., comportamento que tenha impossibilitado a A. de fazer prova da existência de bens no interior do imóvel. Da factualidade dada como provada, pelo contrário, podemos concluir por a A. ter tido comportamento que afinal, de acordo com a sua argumentação, a impossibilitou de fazer prova da existência dos bens e seus valores monetários. A R. por várias vezes se disponibilizou e disponibilizou o imóvel para a A. procedesse à retirada de bens do seu interior, p. ex, factos 29 a 32 e 40. Na realidade, a A. efectivamente retirou do interior do imóvel os objectos que entendeu por bem – factos 38 e 39.
Pelo exposto, não se encontra verificada a hipótese legal do n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, improcedendo o recurso neste item.
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De direito
i) A conduta da R. ao agir por acção directa violou o direito de propriedade da A., relativamente aos bens que estavam no interior do imóvel – cls 62.ª a 91.ª.
Ocorreu por parte da A. abandono dos bens –cls 92.ª a 101.ª.
ii) Condenação da A. como litigante de má fé. – cls 119.ª a 132.ª.
A apelante de acordo com a sua argumentação, a actuação da R. violou o seu direito de propriedade, sustentando não ter ocorrido abandono dos bens.
Da factualidade dada como provada, a R. após a realização da escritura pública a R. ficou investida na posse do imóvel – factos 20 e 27.
A questão diz respeito ao recheio ou bens que eram da A. e que ainda estavam no interior do imóvel.
A R. quanto a tais bens nunca teve qualquer acção que se posa afirmar que se quis apoderar de tais bens. Antes pelo contrário. Da factualidade dada como provada, resulta que a R. contactou por várias vezes e por vários meios a A. de modo a que esta retirasse do imóvel os seus bens.
Como reagiu a A. a tais interpelações?
Não respondeu, e não tratou de ir retirar os bens do imóvel. Mas de modo claro e consciente, procedeu à retirada de certos e determinados bens – facto 37. De modo deliberado quanto aos restantes bens a A. deixou que os mesmos permanecessem no interior do imóvel sem que demonstrasse qualquer interesse nos ditos bens.
Conclui a M.ma Juíza que a A. com tal actuação “abandonou os bens que se encontravam no interior do imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1318º do Código Civil, não tendo a Ré obrigação de os manter no imóvel por tempo indefinido.
Atenta a matéria de facto apurada apenas à Autora é imputável a privação dos bens que fossem sua propriedade e que se encontravam no interior do imóvel, que, atente-se, não demonstrou serem os por si alegados.
Em suma, não tendo a Autora demonstrado que bens se encontravam no interior do imóvel, o seu valor e que foi impedida de os recuperar, improcedem todos os pedidos formulados, incluindo o referente ao servidor informático uma vez que a Ré demonstrou que sempre esteve, e está, na disponibilidade da Autora proceder ao seu levantamento.”
Não há que dissentir do decidido.
Efectivamente, a A. ao longo do período de tempo, de acordo com os factos dados como provados, quanto aos restantes bens existentes no interior do imóvel, deles desinteressou-se. É significativo o acto da A. de ir ao imóvel retirar alguns bens e relativamente aos restantes se ter desinteressado. É correcta a conclusão, jurídica, de que a A. abandonou à sua sorte tais bens, sendo-lhe indiferente o destino que os mesmos teriam – facto 31.
Toda a actuação da A., resultante dos factos provados, várias interpelações da R., das suas respostas (ou não) e do seu acto de s éter deslocado ao imóvel e somente ter retirado uns e deixado outros bens, podemos concluir por a A. haver retirado da sua esfera de poder empírico como possuidor os ditos bens. A A. com tal comportamento abdicou voluntariamente dos ditos bens na qualidade de seu senhorio. Deste modo, a A. deixou de ter quer o corpus que o animus quanto a tais bens. Não é necessário que tal comportamento seja expresso, por exemplo, declarar já não ser dono, podendo-o ser tácito, como o foi. Este comportamento para a R., quer para o Tribunal de primeira instância, e para nós, é demonstrativo de se ter desinteressado do destino de tais bens. Deixou-os à sua sorte. Estamos perante um comportamento que é o oposto do apossamento.
Pelo exposto, havendo de concluir tal como o fez a primeira instância, improcede a pretensão da A., apelante.
Dispõe o artigo 542.º, n.º 1 e 2, Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé, do Código de Processo Civil o seguinte:
“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz -se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Artigo 543.º, Conteúdo da indemnização
“1 - A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.
2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.
4 - Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado. “
No artigo 8º do Código de Processo Civil consagra-se o chamado dever de boa fé ou de probidade processual, constituindo a mais grave violação desses deveres a litigância de má fé.
O instituto da litigância de má fé é um instituto tipicamente nacional (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Ação e Culpa "In Agendo", Almedina, 2006, págs. 15 e ss) que tem por finalidade positiva que a conduta das partes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade, ou seja, visa claramente afastar condutas contrárias a esses princípios.
Os pressupostos da litigância de má fé encontram-se regulados no artigo 542.º citado, podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva dos que têm natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
No que respeita aos pressupostos subjectivos, tradicionalmente só havia litigância de má fé quando pelo menos uma das partes tivesse agido com dolo.
Mas, a partir de 01 JAN 1997 – como corolário de uma maior relevância concedida aos deveres de cooperação aquando das alterações introduzidas pela Reforma de 1995/1996 – os pressupostos subjectivos alargaram-se e assim quem actuar com negligência grosseira pode e deve ser condenado como litigante de má fé.
Quanto aos pressupostos objectivos é de distinguir a má fé substancial, da má fé instrumental: i) haverá má fé substancial se o “litigante usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que corresponde à verdade e à justiça” e ii) haverá má fé instrumental “se a parte procura sobretudo cansar e moer o seu adversário ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta” – cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., págs 163/164.
Ou nas palavras de FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in Direito processual Civil, 2.ª ed., vol. I, pág, 129 e 130, “A violação drástica do princípio da cooperação e do dever de boa-fé processual diz-se “litigância de má-fé”, a qual pode desdobrar-se em má-fé subjectiva (conhecimento ou não ignorância da parte da conduta processual anómala) ou má-fé objectiva (se infractora dos padrões de comportamento normalmente exigíveis. (…)
A má-fé processual pode ser substancial ou instrumental: - substancial, se a conduta das partes se subsumir na previsão da al. a) ou da al. b); instrumental, se a conduta se conduzir a uma qualquer das situações configuradas nas alíneas c) e d), todas essas alíneas do citado nº 2 do art. 542º (…)“.
Nos termos do citado artigo 542.º deve ser condenado como litigante de má fé todo aquele que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, devendo ainda ser condenado como tal quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa ou aquele que tiver violado gravemente os deveres de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A litigância de má fé pode levar à aplicação de duas sanções: a multa e a indemnização, devendo a multa ser fixada entre 2 e 100 UC’s (artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais), mas, a sua decisão não pode ser arbitrária, devendo ser tomada com base na maior ou menor intensidade da culpa revelada.
A indemnização pode assumir duas modalidades distintas.
Numa primeira modalidade, usualmente designada como indemnização simples, quem for condenado como litigante de má fé deverá liquidar à contraparte o valor das despesas originadas pela litigância de má fé, incluindo os honorários dos advogados e dos técnicos – artigo 543.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
Numa segunda modalidade, normalmente designada por indemnização agravada, a indemnização deverá abarcar essas despesas e os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta de má fé – artigo 543.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
Tanto num caso como noutro só são indemnizáveis as despesas e os prejuízos em que tenham incorrido em virtude de um comportamento gravemente negligente ou doloso da contraparte.
O juiz deve optar entre uma ou outra das modalidades de indemnização referidas com base na gravidade da infracção perpetrada, sendo irrelevante nesta sede a condição económica do litigante de má fé.
Quando haja negligência grosseira o juiz deve atribuir indemnização simples e, quando haja dolo deve optar pela indemnização agravada – ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários, Vol. I, pág. 335.
Só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má fé, o que pressupõe prudência do julgador, sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicológico.
Focadas, deste modo, as normas legais e os pressupostos relativos à litigância de má fé, e regressando ao caso em apreço, não deve deixar de ser manter a condenação da A. como litigante de má fé, nos precisos termos em que o foi.
“Já no que se refere à Autora, verifica-se resultar dos autos que a mesma deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, assim como alterou a verdade dos factos.
Com efeito, alega a privação de bens dos quais sabe não ter sido privada, só não os tendo em seu poder por facto apenas à mesma imputável uma vez que lhe foi expressamente solicitado que retirasse os bens e foi-lhe concedido acesso ao imóvel para o efeito, tendo retirado os bens que pretendeu retirar.
Considerando os factos provados e a motivação da decisão de facto impõe-se concluir que existem elementos seguros que permitem concluir por uma conduta dolosa ou, no mínimo, gravemente negligente da Autora, ao ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, por ter alterado a verdade dos factos, que a fazem incorrer em litigância de má-fé, nos termos do disposto no artigo 542º/ 2, do Código de Processo Civil.“
Na verdade, os factos que ressaltam dos autos, permitem concluir, indubitavelmente, pela litigância de má fé por parte da A., pois que de modo deliberado intentaram a presente demanda, bem sabendo que a realidade dos factos, não lhes permitia demandar a R. nestes termos.
Com efeito, a A. bem sabia, à data em que intentou a demanda que os bens por si relacionados não existiam no interior do imóvel, e que em momento anterior se havia desinteressado do seu destino – restantes. A A. quando intentou a demanda bem sabia que por várias vezes tinha sido interpelada para retirar os bens e não o fez na sua totalidade, bem sabendo que apenas tinha retirado os bens que entendeu, deixando os demais ao seu destino.
Omitiu, assim, factos relevantes para a decisão da causa, ie, ser sabedora de toda a situação no que se refere à propriedade dos bens que restaram no interior do imóvel, e ainda assim intentaram a presente demanda.
Essas alteração e omissão integram uma actuação processual violadora dos deveres de probidade, agir de boa fé e cooperação para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio – artigo 8.º do Código de Processo Civil.
Deste modo, entende-se adequada e ajustada à situação em causa no valor de 1 0UCs de multa e na indemnização à à R., a qual se relegada para liquidação posterior, nos termos do artigo 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
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Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação quanto à alteração da matéria de facto, ponto 36, julgando a parte restante da apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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