GREVE
TRABALHO SUPLEMENTAR
SERVIÇOS MÍNIMOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

I - O direito à greve não é um direito ilimitado dos trabalhadores.
II - Todavia a fixação de serviços mínimo não se destinam a anular o direito de greve, ou a reduzir substancialmente a sua eficácia, mas a evitar prejuízos extremos e injustificados comprimindo-o por via do recurso à figura de conflito de direitos.
III - Na definição dos serviços mínimos deve respeitar-se os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
IV – Na fixação de serviços mínimos atinentes a trabalho suplementar, cuja determinação se afigura conforme à lei, a entidade afectada pela Greve deve fornecer à entidade convocante da Greve da mesma meios que lhe permitam, sendo caso disso, designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos que forem fixados .
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Analisados os autos constata-se que em 29 de Maio de 2024, pelo Conselho Económico e Social foi proferido o seguinte Acórdão:
«I - ANTECEDENTES E FACTOS
1. A presente arbitragem resulta, por via de comunicação de 24/05/2024, dirigida pela Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) à Secretária -Geral do Conselho Económico Social (CES) e recebida nesse mesmo dia, de aviso prévio subscrito pela FECTRANS - Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, para as trabalhadoras e trabalhadores seus representados na Companhia Carris de Ferro, EM, SA„ estando a execução da greve prevista nos seguintes termos:
Greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024, nos termos definidos no
respetivo aviso prévio.
2. Do aviso prévio de greve consta o seguinte:
"Convoca uma greve para os trabalhadores da Carris, a todo o trabalho suplementar, com início às 3:00 horas do dia 3 de junho de 2024 até ao último serviço do dia 23 de junho de 2024;
Os trabalhadores encontram-se ainda em greve à prestação de todo e qualquer trabalho não contido entre as horas de entrada e saída do período normal de trabalho, atribuído nas escalas de serviço e nos termos do AE;
Para efeitos de clarificação do sistema de rendição previsto na cláusula 212, Os 10 e 11 do AE, no âmbito da greve decretada, os trabalhadores que à hora efetiva de saída não tenham rendição, conduzem o veículo até ao término e daí recolhem de imediato em reservado, por razões de segurança, às respetivas Estações".
3. Em cumprimento do disposto no n.° 2 do artigo 538.° do Código do Trabalho (adiante "CT"), foi realizada reunião nas instalações da DGERT, no dia 23/05/2024, da qual foi lavrada ata assinada pelos presentes. Esta ata atesta, designadamente, a inexistência de acordo sobre os serviços mínimos a prestar durante o período de greve, bem como a ausência de disciplina desta matéria na regulamentação coletiva de trabalho aplicável.
4. Está em causa uma empresa do Setor Empresarial do Estado, razão pela qual o litígio em causa deve ser apreciado e decidido por Tribunal Arbitral, nos termos da alínea b) do n.° 4 do artigo 538.° do CT.
II - TRIBUNAL ARBITRAL
5. O Tribunal Arbitral foi constituído nos termos do n.° 3 do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 259/2009, de 25 de setembro, com a seguinte composição:
- Árbitro Presidente: AA
- Árbitro da Parte dos Trabalhadores: BB
- Árbitra da Parte dos Empregadores: CC
6. O Tribunal reuniu nas instalações do CES, em Lisboa, no dia 28/05/2024, pelas 10h00, seguindo-se a audição dos representantes dos sindicatos e da empresa, cujas credenciais foram juntas aos autos.
Compareceram, em representação das respetivas entidades e pela ordem de audição:
Pela FECTRANS - Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações
- DD;
- EE;
Pela Companhia Carris de Ferro, EM, SA,:
- FF;
- GG.
7. Os/As representantes das partes prestaram os esclarecimentos solicitados pelo Tribunal Arbitral e reiteraram a sua posição sobre os serviços mínimos, esclarecendo os seus fundamentos.
III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO E FUNDAMENTAÇÃO
8. A Constituição da República Portuguesa (adiante "CRP") garante o direito à greve dos trabalhadores (cf. artigo 57.2, n.2 1, da CRP), remetendo para a lei "a definição das condições de prestação, durante a greve de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para acorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis" (artigo 57.2, n.° 3, da CRP). Nestes termos, o CT prevê a obrigação de as associações sindicais e os trabalhadores aderentes assegurarem,
durante a greve, a "prestação dos serviços mínimos" indispensáveis à satisfação de "necessidades sociais impreteríveis" (n.(2s 1 e alínea h) do n.° 2 do artigo 537.2 do CT).
9. Tratando-se de direito fundamental, a lei só pode restringi-lo "nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" e, em qualquer caso, "não poderá diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial" daquele preceito constitucional (n.°s 2 e 3 do artigo 18.° da CRP).
10. A preservação da greve como direito fundamental dos trabalhadores impõe, por isso, que as correspondentes restrições sejam limitadas ao mínimo imprescindível para assegurar a satisfação das necessidades sociais impreteríveis dos cidadãos, nas empresas ou estabelecimentos cuja atividade se destine à respetiva prossecução.
11. A fixação de serviços mínimos depende, assim, da existência de necessidades sociais impreteríveis. A verificação da existência de necessidades sociais impreteríveis para efeitos de fixação de serviços mínimos deve fazer-se, em primeira linha, por referência aos valores constitucionais e aos direitos fundamentais dos cidadãos que importe compatibilizar com o direito a greve. Mas exige, igualmente, que sejam tomadas em devida consideração as circunstâncias específicas de cada situação, desde logo a questão de saber se o exercício do direito à greve num dado contexto temporal restringe ou põe em causa o exercício, em concreto, de outros direitos fundamentais.
12. Sendo o direito à greve um direito fundamental, constitucionalmente consagrado no elenco dos "direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores", ele não é, obviamente, um direito absoluto, estando, de resto, igualmente expressa na Constituição - como referimos - a necessidade de assegurar o cumprimento dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e à conciliação com outros direitos fundamentais.
13. Tratando-se de uma atividade - a do transporte rodoviário urbano - que é suscetível de implicar diretamente com outros direitos fundamentais e necessidades sociais impreteríveis - desde logo, os da deslocação e acesso a serviços básicos de prestação e cuidados de saúde, ao trabalho ou à educação, para citar apenas alguns exemplos - impõe-se fazer uma ponderação cuidada quanto à necessidade, adequação e razoabilidade da fixação de serviços mínimos, em obediência ao disposto no artigo 538.2, n.° 5, do CT.
14. Importa sublinhar, em primeiro lugar, que a greve decretada pela FECTRANS, para os trabalhadores da CARRIS, no período compreendido entre as 3h00 horas do dia 3 de junho de 2024 e último serviço do dia 23 de junho de 2024 - ou seja, um período de três semanas - abrange, nos termos do respetivo aviso de greve, não apenas o trabalho suplementar, mas também a "prestação de todo e qualquer trabalho não contido entre as horas de entrada e saída do período normal de trabalho, atribuído nas escalas de serviço e nos termos do AE".
15. Dir-se-ia que, não obstante o período temporal alargado (3 semanas) da greve decretada pela FECTRANS, a respetiva incidência diz essencialmente respeito à prestação de trabalho suplementar, pelo que os serviços prestados durante o período normal de trabalho deveriam permitir assegurar o núcleo essencial dos serviços de transporte prestados pela CARRIS.
16. Resulta, contudo, dos elementos constantes dos autos e das declarações prestadas pelos representantes das partes nas respetivas audições que - em resultado de um número importante de saídas de trabalhadores e de crescentes dificuldades de recrutamento - a operação normal da CARRIS já obriga a um recurso significativo a trabalho suplementar, por acordo bilateral, sob pena de não ser possível assegurar a prestação do serviço.
Acresce ainda que, na janela temporal do período para o qual a greve foi decretada, irão ocorrer alguns eventos que, normalmente, implicam uma procura acrescida (eleições europeias de 9 de junho, festas dos "Santos Populares", festival "Rock in Rio" no Parque Tejo, nos fins de semana de 15/16 e 22/23 de junho).
17. O Tribunal da Relação de Lisboa (cf. acórdão de 10/10/2012, proc. 666/12.9YRLSB, já se pronunciou especificamente sobre a possibilidade de fixação de serviços mínimos relativamente à prestação de trabalho suplementar, declarando que "Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário - trabalho suplementar - seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos.
Assim, a lei não obsta a que haja greve ao trabalho suplementar ou às deslocações, mas também não distingue quanto à necessidade de se fixarem serviços mínimos nas situações referidas no art 537.2 n.2 1 do C.T.".
18. Entende a FECTRANS que, "por razões de segurança, os trabalhadores assegurarão a recolha às estações da empresa dos autocarros e elétricos que após o fim do período normal de trabalho de cada trabalhador se encontrem de fora destas enquadra de facto uma necessidade de salvaguarda dos bens da empresa, que esta sim enquadra o conceito de impreteribilidade, determinado pela lei pois a não ser cumprido poderá determinar um prejuízo imediato sendo assim perfeitamente adequado e suficiente, não se justificando a definição de quaisquer outros serviços mínimos".
19. Já a CARRIS propõe que "os Serviços Mínimos a prestar integrem o conjunto de carreiras descrito no quadro [em anexo], a operar na sua totalidade, o que corresponde a cerca de 25% dos veículos em serviço e de 26,8% dos tripulantes normalmente escalados para o funcionamento total da rede em dias úteis, no período em referência... estes serviços mínimos têm um impacto de 27,6% aos sábados e 27% aos domingos e feriados", bem como o Piquete da Rede Aérea ("Carro do Fio") durante todo o período da greve e o Pronto Socorro e Desempanagem das 06h00 às 14h00. Mais indica que, relativamente aos meios necessários "para assegurar os serviços mínimos, durante o período da greve através das carreiras propostas, serão necessários 371 motoristas aos dias úteis", bem como "o pessoal afeto ao normal funcionamento do Piquete da Rede Aérea ("Carro do Fio") em todo o período da greve e do serviço de Pronto Socorro e Desempanagem das 06h00 às 14h00".
20. Entende este Tribunal que, se a proposta apresentada pela FECTRANS corresponde, na prática, à não fixação de quaisquer serviços mínimos, já a proposta formulada pela CARRIS - exceto no que se refere ao Piquete da Rede Aérea ("Carro do Fio") e ao Pronto Socorro e Desempanagem - se afigura manifestamente desproporcional e, objetivamente, limita de forma significativa o exercício do direito à greve, ao impor a um número significativo de trabalhadores a obrigatoriedade de prestação de trabalho suplementar durante o período da greve, designadamente nas treze carreiras identificadas.
21. Mais considera este Tribunal que uma adequada ponderação dos direitos em presença (o direito à greve e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos) aconselha a que o período de funcionamento das carreiras (e, em particular, das 13 identificadas) seja reduzido durante o período da greve, por forma a minimizar a necessidade de recurso a trabalho suplementar, o qual não deve exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023.
22. Para o efeito, deverá a CARRIS elaborar escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide, [por unanimidade], definir os serviços mínimos a cumprir na paralisação declarada" Greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024", nos termos a seguir expendidos:
1. Funcionamento do serviço especial pessoas mobilidade reduzida - PMR, de acordo com os pedidos de transporte;
2. Funcionamento do piquete da rede aérea ("carro do fio") durante o período da greve;
3. Funcionamento do Pronto Socorro e Desempanagem, das 06h00 às 14h00;
4. A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023;
5. Em conformidade com o número anterior, a CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve;
6. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.
7. Os representantes dos sindicatos devem designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos ora definidos até 24 horas antes do início do período da greve. Caso não o façam, essa designação será realizada pelo empregador.» - fim de transcrição.
Em 29 de Maio de 2024, a FECTRANS — Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, notificada do Acórdão , nos termos do n.° 6 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 259/2009, de 25 de Setembro, requereu o esclarecimento do Acórdão .
Sustentou que :
« a Decisão proferida se afigura obscura, sendo que se exige que as decisões do Tribunal Arbitrai não sejam ambíguas.
Tal ausência de ambiguidade deve traduzir-se num raciocínio lógico dedutivo, que partindo de premissas válidas, conclua de forma não contraditória com aquelas, o que, com o devido respeito, não é respeitado no Acórdão proferido.
Senão vejamos,
Refere-se a fls. 4, pontos 15. a 17., da Douta decisão que:
"15. Dir-se-ia que, não obstante o período temporal alargado (3 semanas) da greve decretada pela FECTRANS, a respetiva incidência diz essencialmente respeito à prestação de trabalho suplementar, pelo que os serviços prestados durante o período normal de trabalho deveriam permitir assegurar o núcleo essencial dos serviços de transporte prestados pela CARRIS.
16. Resulta, contudo, dos elementos constantes dos autos e das declarações prestadas pelos representantes das partes nas respetivas audições que — em resultado de um número importante de saídas de trabalhadores e de crescentes dificuldades de recrutamento — a operação normal da CARRIS já obriga a um recurso significativo a trabalho suplementar, por acordo bilateral, sob pena de não ser possível assegurar a prestação do serviço. Acresce ainda que, na janela temporal do período para o qual a greve foi decretada, irão ocorrer alguns eventos que, normalmente, implicam uma procura acrescida (eleições europeias de 9 de junho, festas dos "Santos Populares", festival "Rock in Rio" no Parque Tejo, nos fins de semana de 15/16 e 22/23 de junho).
17. O Tribunal da Relação de Lisboa (cf. acórdão de 10/10/2012, proc. 666/12.9YRLSB, já se pronunciou especificamente sobre a possibilidade de fixação de serviços mínimos relativamente à prestação de trabalho suplementar, declarando que "Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário — trabalho suplementar— seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos. Assim, a lei não obsta a que haja greve ao trabalho suplementar ou às deslocações, mas também não distingue quanto à necessidade de se fixarem serviços mínimos nas situações referidas no art. 537.° n. ° 1 do C.T". "
Tendo presente a factualidade descrita, o Tribunal Arbitrai considerou "que uma adequada ponderação dos direitos em presença (o direito à greve e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos) aconselha a que o período de funcionamento das carreiras (e, em particular, das 13 identificadas) seja reduzido durante o período da greve, por forma a minimizar a necessidade de recurso a trabalho suplementar, o qual não deve exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023", decidindo, por unanimidade, definir que na "Greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024" deveriam ser cumpridos os seguintes serviços mínimos:
4. A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023;
5. Em conformidade com o número anterior, a CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve;
6. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.
7. Os representantes dos sindicatos devem designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos ora definidos até 24 horas antes do início do período da greve. Caso não o façam, essa designação será realizada pelo empregador. "
Salvo o devido respeito, tal decisão, não parece ter qualquer conteúdo que seja compatível com a lei, revelando-se uma distorção das disposições legais e constitucionais, além de se mostrar impossível de concretizar.
Com efeito,
Considera-se trabalho suplementar aquele que é prestado pelo trabalhador, que exceda a duração ou a quantidade estabelecida, ou seja, aquele que é prestado fora do horário de trabalho (artigo 226.°, n.° 1, do Código do Trabalho.
De acordo com o artigo 227.°, n.c's 1, 2 e 3 do Código do Trabalho "o trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador", podendo ainda "ser prestado em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade", sendo "o trabalhador obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa".
Ainda assim, conforme disposto no artigo 228.° do Código do Trabalho, mesmo cumpridos os fundamentos legais para a prestação de trabalho suplementar, o mesmo sempre estará sujeito a limites, nomeadamente limites de horas anuais e de duas horas diárias em dia normal de trabalho e igual ao período normal diário em dia de descanso semanal ou feriado.
De igual forma, nos termos da cláusula 26.' do Acordo de Empresa aplicável à Empresa Carris, publicado no BTE n.° 3, de 22/01/2024, é previsto que não é permitido à empresa o recurso
sistemático ao trabalho suplementar, que o número de horas suplementares que cada trabalhador pode prestar em cada ano não deverá exceder as 200 horas, procurando-se que não sejam excedidas mensalmente 16 horas.
Embora a lei não dê uma definição de greve, tem-se entendido, genericamente, que se trata de uma abstenção colectiva de trabalho, resultante de acordo no seio dum grupo ou categoria de trabalhadores, com vista a forçar o empregador à obtenção de fins comuns daqueles. Assim, apenas se justifica a fixação de serviços mínimos durante os períodos de trabalho dos trabalhadores, onde não cabe o período de trabalho suplementar, por não ser um período de trabalho obrigatório destes. Não nos parece que as saídas de trabalhadores e as dificuldades de recrutamento da Empresa, que conforme alegado pela Empresa ocorrem há cerca de dois anos, caibam na justificação para que os trabalhadores sejam obrigados à prestação de trabalho suplementar ou sequer que se mostre uma situação transitória de acréscimo de trabalho, assim, não vemos como, legalmente, pode ser considerada legitima a fixação de serviços mínimos ao período de trabalho suplementar, quando a prestação de trabalho suplementar na Empresa não deveria sequer ser permitido.
Por tal facto, e não estando devidamente fundamentada na Decisão proferida a necessidade de realização de serviços mínimos ao trabalho suplementar, vem requerer-se esclarecimento sobre os factos que motivaram que fossem decretados serviços mínimos ao trabalho suplementar, dado não ter ficado minimamente demonstrado ou sequer invocado pela Empresa o número de trabalhadores em falta diariamente e o número de horas suplementares prestadas por tal facto, limitando-se a Empresa na sua proposta de Serviços Mínimos a indicar que seriam necessários 371 motoristas aos dias úteis, 214 ao sábado e 180 aos domingos e feriados, e que diariamente seriam assegurados com recurso a trabalho suplementar 33 serviços em dias úteis, 28 ao sábado e 16 ao domingo e feriado, sem contudo, ser minimamente especificado o número de horas suplementares que tal factualidade importava diariamente, em quais carreiras se mostrava necessário realizar trabalho suplementar e em que períodos do dia.
Por outro lado, nada foi referenciado no processo relativamente ao número de horas suplementares realizadas no período homólogo de 2023 ao do período da greve, ou sequer foi demonstrado que nesse período existia um maior ou menor número de trabalhadores ao serviço da Empresa, factualidade que poderia motivar uma maior ou menor necessidade de realização de trabalho
suplementar. Contudo, sem prejuízo de nada ter sido demonstrado ou provado a este respeito, foi decidido pelo Douto Tribunal Arbitrai que, durante o período da greve, por forma a minimizar a necessidade de recurso a trabalho suplementar, o mesmo não deve exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023, questiona-se quanto?
É claramente obscura a decisão tomada, necessitando de ser devidamente elucidada, requerendo-se o devido esclarecimento.
Mais, mesmo que se considere legítimo o recurso a trabalho suplementar sistemático pelas razões invocadas pela empresa (dificuldade de recrutamento há dois anos) sempre se torna necessário o devido esclarecimento a como será possível dar-se cumprimento ao ponto 7 da Decisão proferida, nomeadamente solicita-se esclarecimento sobre como poderá a FECTRANS designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos definidos até 24 horas antes do início do período da greve de 20 dias, se não pode prever e/ou configurar, á priori, uma eventual situação de necessidade de recurso ao trabalho suplementar durante esses 20 dias. Como pode estipular o número de trabalhadores necessários e as horas necessárias realizar diariamente para além do período normal de trabalho e em que carreiras da Empresa, sendo que tal informação não resulta do processo.
Mais, para eventual designação dos trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos definidos, solicita-se esclarecimento sobre como pode a FECTRANS saber o número de horas suplementares já realizadas pelos trabalhadores, por forma a que não ultrapassem as 16 horas mensais ou as 200 anuais, se desconhecem o número de horas suplementares já realizadas pelos trabalhadores, nem tal facto foi invocado no processo de fixação de serviços mínimos.
Desconhece, igualmente, a FECTRANS quais os trabalhadores que, eventualmente, de forma justificada requereram a dispensa da realização de trabalho suplementar, razão pela qual não podem ser designados para assegurarem os serviços mínimos ora fixados.
Deveria o douto Acórdão ter respondido a tais questões, factos que não foram minimamente abordados.
Face ao exposto, afigura-se necessário o esclarecimento do alcance da decisão proferida, pelo que a signatária se socorre do presente meio para obter todos os esclarecimentos indicados, tidos por necessários para cumprimento do douto Acórdão, ficando desde já ao inteiro dispor do Tribunal para a realização de uma reunião ou para esclarecer qualquer dúvida que possa surgir, isto sem prejuízo de se considerar que a Decisão proferida carece de fundamento jurídico, como se verá em sede de recurso, caso as referidas obscuridades referidas não sejam devidamente esclarecidas e fundamentadas.» - fim de transcrição.
Em 31 de Maio de 2024, pelo Exmº Árbitro Presidente foi proferido o seguinte despacho:
«
FECTRANS— Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações
e
CARRIS— Companhia Carris de Ferro de Lisboa, EM, S.A.
Exmos./as Senhores/as
Notificado o Conselho Económico e Social do pedido de aclaração apresentado pela V/ Entidade, referente ao Processo Nº AO/08/2024, foi chamado a pronunciar-se o Tribunal Arbitral, por despacho do Árbitro Presidente, proferiu os esclarecimentos que se transcrevem na íntegra:
"Como é sabido e ensina Alberto dos Reis, in, "Código de Processo Civil Anatado". Volume V, pág. 151, a "...sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Acompanhando também o decidido no Acórdão do STJ de 13/11/2022, "Só existe, com efeito, obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido um tal destinatário não possa alcançar.
A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respetivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama do ambíguo. S
e dessa reclamação ressaltar à evidência que o reclamante compreendeu bem os fundamentos da decisão e apenas com os mesmos não concordou, bem como com o sentido decisório final, não ocorre a reclamada obscuridade/ambiguidade (...)".» - fim de transcrição.
A FECTRANS — FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES recorreu.
«
I. Em cumprimento do disposto no artigo 205.°, n.° 1 da CRP as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Il. Contendo o Acórdão Arbitrai obscuridades a esclarecer, a Recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 27.° n.° 6 do Decreto-Lei n.° 259/2009, de 25 de Setembro, solicitou vários esclarecimentos, os quais não foram devidamente esclarecidos por o Tribunal Arbitrai considerar inexistir a reclamada obscuridade/ambiguidade.
III. Os esclarecimentos solicitados mostravam-se essenciais para que a Recorrente pudesse dar cumprimento aos serviços mínimos fixados.
IV. Decorre do disposto no artigo 615.°, n.° 1 al. c) e d) do CPC ser nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ou o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
V. Não se tendo o Tribunal Arbitral pronunciado sobre os pedidos de esclarecimento das obscuridades suscitadas pela Recorrente, verifica-se manifestamente uma omissão de pronúncia, devendo, consequentemente, o Acórdão Arbitral proferido ser considerado é nulo.
VI. Em face das considerações vertidas nos pontos 13. e 15. a 17. da douta Decisão, o Tribunal Arbitral considerou que "uma adequada ponderação dos direitos em presença (o direito à greve e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos) aconselha a que o período de funcionamento das carreiras (e, em particular, das 13 identificadas) seja reduzido durante o período da greve, por forma a minimizar a necessidade de recurso a trabalho suplementar, o qual não deve exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023", decidindo, por unanimidade, fixar serviços mínimos na greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024 a realizar na Empresa Carris.
VII. Tal Decisão não tem qualquer conteúdo que seja compatível com a lei, revelando-se uma distorção das disposições legais e constitucionais, além de se mostrar impossível de concretizar.
VIII. O direito à greve é um direito fundamental, com consagração no artigo 57.° da CRP.
IX. O preceito constitucional não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento, não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve ou ser compelidos a pôr termo a uma greve em curso (salvo se ilícita).
X. O direito de greve apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: a liberdade de recusar a prestação de trabalho contratualmente devida, postulando a ausência de interferências estaduais ou privadas que sejam suscetíveis de a pôr em causa, veja-se neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional 289/92.
Xl. Insere-se o direito à greve na categoria dos direitos liberdades e garantias, beneficiando do disposto no artigo 18.° da CRP, pelo que, ele só pode ser limitado ou restringido no justo limite do necessário para salvaguardar outros direitos e interesses, de igual forma, consagrados na Constituição, lendo sempre em conta o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
XII. No caso em apreço, a greve incide sobre o trabalho suplementar, que por ser prestado fora do período normal de trabalho, está sujeito a condições e limites para a sua verificação, conforme disposto nos artigos 226.°, 227.° e 228.° do Código do Trabalho.
XIII. A Empresa Carris fundamenta a necessidade de fixação de serviços mínimos à realização de trabalho suplementar alegando ter dificuldade de recrutamento de trabalhadores,
XIV. Tendo presente o prejuízo ao direito ao descanso diário dos trabalhadores motivado pela prestação de trabalho suplementar, será necessariamente de se concluir que os alegados fundamentos da Empresa Carris não preenchem nenhumas das alegadas circunstâncias que permitem o recurso à prestação de trabalho suplementar, razão pela qual não deveriam ser fixados serviços mínimos na referida greve, até porque a Recorrente declarou, no seu aviso prévio de greve, que asseguraria no decorrer da greve, quaisquer serviços que, em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis se venham a mostrar necessários á satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
XV. É, assim, de concluir pela ilicitude dos serviços mínimos decretados, violando os serviços mínimos decretados os limites de restrição do direito à greve impostos nos preceitos constitucionais e nos artigos 537.° e 538.° do Código do Trabalho.
XVI. A igual conclusão se chegaria mesmo considerado lícita a prestação de trabalho suplementar.
XVII. Aceita-se que no sector em que se enquadra a Empresa Carris, por força do disposto no artigo 537.°, n.° 2 al. h) do Código do Trabalho, possa ser necessário definir os serviços mínimos eventualmente necessários prestar durante o período de greve, a fim de serem asseguradas as necessidades sociais mínimas impreteríveis que se mostrassem necessárias.
XVIII. De harmonia com o disposto no artigo 538.°, n.° 5 do Código do Trabalho, a definição dos serviços mínimos necessários deve respeitar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, o que traduz a aplicação constitucional vertida no artigo 18.°, n.° 2 do CRP, no sentido de que a lei só pode restringir os direitos previstos na Constituição, como é o caso do direito à greve (artigo 57.° da CRP), na medida do estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
XIX. A fixação dos serviços mínimos tem de traduzir-se na determinação objetiva e concreta, até onde for materialmente possível, quer das necessidades sociais impreteríveis (fundamentação), quer da sua satisfação suficiente mediante a indicação dos correspondentes serviços mínimos, quer finalmente dos meios humanos destinados a garanti-los, o que tem de ser feito em termos quantitativos (número de trabalhadores ou percentagem dos mesmos, em função da execução habitual da actividade da entidade empregadora) e qualitativos (horários/turnos, locais e categorias profissionais), pois só assim se logra os objetivos procurados por essas normas: o decurso da greve dentro dos parâmetros da legalidade, normalidade e paz social, o que passa também pela efectiva prestação dos ditos serviços mínimos.
XX. Numa greve ao trabalho suplementar, que se tem como uma situação de acréscimo eventual e transitório de trabalho, situação de força maior, prevenção ou reparação de prejuízo grave para a empresa ou sua viabilidade, como podem estipular-se serviços mínimos, necessários, adequados e proporcionais se nenhuma das partes (promotores e empregadores) pode prever e/ou configurar, à priori, uma eventual situação de recurso ao trabalho suplementar? Como estipular o número de trabalhadores necessários? Como apurar os serviços mínimos? Como podem os representantes dos sindicatos designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos definidos até 24 horas antes do início da greve se são desconhecidos atempadamente se existe necessidade de realizar trabalho suplementar?
XIX. A nenhuma destas questões responde o Acórdão do Tribunal Arbitrai, ainda que às mesmas tenha existido pedido de esclarecimento.
XX. Não ficou demonstrado o número de trabalhadores em falta diariamente ou o número de horas suplementares prestadas por tal facto, em quais carreiras se mostrava necessário realizar trabalho suplementar e em que períodos do dia. De igual forma, nada foi referenciado relativamente ao número de horas suplementares realizadas no período homólogo de 2023 ao do período da greve, ou sequer foi demonstrado que actualmente exista um maior ou menor número de trabalhadores face a 2023.
XX. Ainda assim, fixou o Tribunal Arbitrai serviços mínimos à realização de trabalho suplementar, justificando tal fixação com o facto de, na janela temporal do período para o qual a greve foi decretada, ocorrem alguns eventos que, normalmente, implicam uma procura acrescida (eleições europeias de 9 de junho, festas dos "Santos Populares", festival "Rock in Rio" no Parque Tejo, nos fins de semana de 15, 16, 22 e 23 de Junho,
XXI. Eventos estes, com o devido respeito, não nos parecem configurar uma necessidade social impreterível passível de, sem violar os princípios na necessidade, adequação e proporcionalidade, restringir o direito à greve, isto sem olvidar que na cidade de Lisboa existe um sistema de transportes colectivos disponível para além dos assegurados pela Empresa Carris.
XXII. O prejuízo, a perturbação, o incómodo ou transtorno, causados ao empregador e aos utentes do serviço paralisado são inerentes à própria noção de greve.
XXIII. O direito à greve apenas poderá sofrer limitações se a paralisação decorrente da greve seja de modo a comprometer a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, isto é, necessidades cuja não satisfação tempestiva provoque danos irremediáveis ou inaceitáveis, tendo em conta a sociedade actual, [actualidade que sem margem para dúvidas não se verifica na presente greve.
XXIV. Na cidade de Lisboa existem outros meios alternativos de transporte ao dispor dos utentes, motivo pela qual, nos termos do artigo 44.° da CRP, não é colocado em causa o direito fundamentai à deslocação dos cidadãos,
XXV. Ainda que os cidadãos tenham o direito de se deslocar, utilizando as ligações disponibilizadas pela Empresa Carris, em dia de greve nada os impede de utilizarem, em cumprimento do seu direito de deslocação, de utilizarem outros meios de transporte existentes, sem com isso comprimirem o direito de greve dos trabalhadores, mesmo que, porventura, estes meios sejam menos adequados do que o serviço prestado pela Empresa Carris, mas esse é o preço a pagar pelos utentes, num ordenamento jurídico-constitucional que eleva a greve à condição de direito fundamental dos trabalhadores.
XXVI. Assim, será forçoso concluir que no Acórdão Arbitrai não foram devidamente demonstradas quaisquer necessidades sociais impreteríveis para motivar os serviços mínimos fixados ao trabalho suplementar (ainda que ilícito),
XXVII. Sendo certo que a Recorrente declarou, no seu aviso prévio de greve que asseguraria, no decorrer da greve, quaisquer serviços que em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis se venham a mostrar necessários à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, serviços estes que se mostram suficientes para, em cumprimento dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
XXVIII. Em consequência, salvo o devido respeito, a decisão de fixação de serviços mínimos ao trabalho suplementar decretada pelo Acórdão Arbitrai viola os artigos 226.°, 227.°, 228.°, 537.° e 538.° do Código do Trabalho, os artigos 18.°, n.° 2, 57.° e 205.°, n.° 1 da CRP e o artigos 615.°, n.° 1 ais. c) e d) do Código de Processo Civil, razão pela qual terá de ser considerada ilícita, não podendo manter-se.» - fim de transcrição.
Assim, sustenta que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser considerado nulo o Acórdão do Tribunal Arbitrai, e caso assim não se entenda, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal Arbitrai e substituída por outra que reconheça que os serviços mínimos fixados violaram os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, fixando-se como serviços mínimos necessários os fixados pela Recorrente no seu aviso prévio, por serem os necessários para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos numa greve ao trabalho suplementar.
A Companhia Carris de Ferro De Lisboa, E.M., S.A., contra alegou.
Concluiu que:
«
(1) Segundo a tese da Recorrente, o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitrai deve ser declarado nulo nos termos do artigo 615.° n.° 1, alíneas c) e d), do CPC pelo facto de ser ambíguo e obscuro e pelo fato de se verificar uma omissão de pronuncia por parte do Tribunal a quo quanto ao pedido de esclarecimento das obscuridades suscitadas pela Recorrente em pedido de aclaração;
(2) A propósito da alegada ambiguidade e obscuridade do Acórdão, à semelhança do mencionado pelo Tribunal a quo, por decisão de 31 de maio de 2024, consideramos que o Acórdão é claro e que, por esse motivo, a Recorrente interpretou corretamente o Acórdão.
Tanto assim é que a Recorrente, nas suas alegações de recurso, coloca em causa o critério definido pelo Tribunal Arbitrai, isto é, o de fixação de serviços mínimos para 25% do trabalho suplementar, tendo como referência o nível de trabalho suplementar em 2023, no mesmo período do ano, questionando a licitude da prestação trabalho suplementar, demonstrando, desta forma, que entendeu o alcance da decisão mas que não concorda com o critério que foi fixado.
(3) Alega a Recorrente que o Acórdão é ambíguo e obscuro por não referir qual foi a percentagem/número de horas de trabalho suplementar realizado no período homologo e por não esclarecer "nomeadamente o número de trabalhadores necessários e as horas necessárias realizar diariamente para além do período normal de trabalho e em que carreiras da Empresa Carris. A este propósito refere-se que esta informação não era necessária constar do Acórdão na medida em que nele foi determinado que a "CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período do greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve" (cfr. ponto 5 da decisão do Acórdão);
(4) Em concreto, quanto às carreiras, o Acórdão é muito claro em determinar que o critério dos 25% se aplica a todas as carreiras.
(5) Desta forma, conclui-se que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não é ambíguo nem obscuro, resultando de forma clara que devem ser assegurados serviços mínimos para 25% do trabalho suplementar em todas as carreiras, tendo como referência o trabalho suplementar prestado em período homólogo do ano de 2023.
(6) De resto, ao não concordar com o teor da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral , a Recorrente expressamente reconhece que compreendeu plenamente o seu sentido e o seu alcance, apenas não concordando com o teor da douta decisão recorrido, pelo que a invocação de que a mesma é ambígua e obscura cai necessariamente por terra, sendo aliás contraditória com a discordância da Recorrente face ao teor da mesma;
(7) Não existe portanto, ao contrário do que a Recorrente sustenta, qualquer ambiguidade ou obscuridade do douto Acórdão recorrido que possa pôr em crise a sua validade.
(8) Invoca ainda a Recorrente a nulidade do Acórdão do Tribunal Arbitrai por omissão de pronúncia.
(9) Nota-se, todavia, que não existe qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal Arbitral na medida em que nenhuma questão ficou por dirimir no Acórdão e tendo em conta que o Árbitro-Presidente se pronunciou expressamente sobre o pedido de aclaração do Acórdão apresentado pela Recorrente;
(I0) Para a Recorrente, o facto de o pedido de aclaração por si efetuado não ter sido decidido conforme gostaria, é uma omissão de pronúncia.
(11)Ademais, não se entende como uma alegada omissão de pronúncia a um pedido de aclaração poderá ferir de nulidade o Acórdão.
Não se conformando a Recorrente com a decisão relativa á aclaração, deveria ter recorrido dessa mesma decisão; desta forma, a existir uma omissão de pronuncia (o que apensa se equaciona por mero dever de patrocínio) seria sobre essa decisão e não sobre o Acórdão, o qual, reitera-se, se pronunciou sobre todas as questões a dirimir.
(12) Conclui-se, pois, que o Acórdão nunca poderia estar ferido de nulidade com fundamento em omissão de pronúncia.
(13) Desta forma e face ao exposto, não pode o Acórdão, ser considerado nulo, porquanto o mesmo não padece de qualquer urna das nulidades elencadas no citado artigo 615.° do CPC, estando a mesma devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade da decisão, nem denota qualquer omissão de pronuncia;
(14) Em concreto, quanto à fixação de serviços mínimos, alega a Recorrente que o recurso ao trabalho suplementar, por parte da Recorrida, é ilícito, logo a fixação de serviços mínimos é também ilegal;
(15) Cumpre, desde logo, recordar que a Recorrente não dispõe da autoridade, nem da competência, para decretar a ilicitude do trabalho suplementar prestado no âmbito da Recorrida;
(16) Com efeito, uma eventual ilicitude (que não existe) de tal trabalho suplementar só poderia ser decretada por decisão judicial, ou seja, por uma autoridade judicial, não se descortinando de que forma a Recorrente se arvora titular desta competência.
(17) De resto, o recurso ao trabalho suplementar pela Recorrida não é ilícito, na medida em que, por um lado, o número significativo de saídas de colaboradores, aos quais a Recorrida não tem conseguido fazer face, obriga efetivamente ao recurso ao trabalho suplementar, sendo este essencial para prevenir um prejuízo grave para a empresa e para a sua operacionalidade, nos termos do artigo 227.°, n.° 2 do Código do Trabalho; e, por outro lado, visa fazer face a um acréscimo eventual e transitório de trabalho, nos dias em que se verificaram os "Santos populares" e o festival "Rock in rio" (15, 16, 22 e 23 de junho, conforme resulta do artigo 227.°, n.° 1 do Código do Trabalho;
(18) Sem prejuízo do referido, sempre se diria que, mesmo que o recurso ao trabalho suplementar fosse ilícito, tal facto não gerava qualquer ilicitude na fixação de serviços mínimos. A fixação de serviços mínimos nada tem que ver com a legalidade do trabalho suplementar, não sendo sequer da competência do Conselho Económico e Social aferir da licitude ou ilicitude do recurso ao trabalho suplementar, questão que cabe unicamente aos tribunais judiciais dirimir;
(19) Alega ainda a Recorrente que os serviços mínimos foram decretados para fazer face a eventos que não configuram uma necessidade social impreterível, o que é legalmente inadmissível;
(20) O conceito de necessidade social impreterível está alocado à atividade da Recorrida e não aos eventos ou situações que podem ocorrer no período de greve;
(21) Com efeito, independentemente de os eventos elencados pela Recorrente configurarem ou não uma necessidade social impreterível (e isso para o caso não releva), é indiscutível que a Recorrida é uma empresa que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e, por esse motivo, teria obrigatoriamente o Tribunal Arbitrai de fixar serviços mínimos (cfr. artigo 537.°, n.°1 e 2, h) do Código do Trabalho).
(22) Ainda que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se equaciona, tendo a greve em causa um período bastante alargado (3 de junho a 23 de junho), era indiscutível que a mesma afetaria gravemente direitos essenciais dos cidadãos, nomeadamente, o direito à deslocação (artigo 44.° da CRP); o direito à saúde (artigo 64.° da CRP); o direito ao ensino (artigo 74.°, n.° I da CRP); o direito ao trabalho (artigo 58.° da CRP); na medida em que todos estes direitos seriam limitados pela via da inexistência ou insuficiência dos serviços de transporte da Recorrida;
(23) Com efeito, existindo a possibilidade de a greve afetar direitos essenciais da comunidade, não se torna viável admitir que os cidadãos/utentes do serviço vejam os seus direitos e interesses essenciais sacrificados (direitos que são da comunidade em geral) em prol da defesa dos interesses privados do trabalhadores. Daí admitir-se que seja legítima a restrição do direito de greve quando estamos perante uma colisão de direitos.
(24) Perante dois direitos ou interesses em colisão tem de haver uma ponderação e concordância prática entre os direitos em conflito, como acontece no caso específico do direito à greve, em que importa articular o direito à greve e o direito que o direito que a população tem em ver satisfeitas as suas necessidades essenciais;
(25) Ponderados os direitos em causa, entendeu-se (e bem!) que a fixação de serviços mínimos em "apenas" 25% do trabalho suplementar não é violadora do princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade;
(26) Concluindo, andou bem o tribunal a quo quando decidiu que a "necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023".» - fim de transcrição.
Finaliza sustentando que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o Acórdão ora recorrido.
Em 26 de Junho de 2024, O Recurso foi admitido nos seguintes moldes:
«
Por a decisão o permitir, estar em tempo, ter legitimidade, estar representada por advogado e ter apresentado a correspondente motivação, admito o recurso interposto pela FECTRANS ¬Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações, o qual segue os termos da apelação em processo civil, com efeito meramente devolutivo, por aplicação do disposto no artigo 22.2, ex vi n.2 5 do artigo 27.2, ambos do Decreto-lei n.2 259/2009, de 25 de setembro.
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.» - fim de transcrição.
O recurso veio a ser admitido na Relação.
A Exmª Procuradora Geral Adjunta formulou o seguinte parecer:
«
Inconformada com o Acórdão proferido pelo tribunal arbitral no dia 29/5/24, no âmbito do processo de Arbitragem obrigatória de serviços mínimos nº AO/08/2024/SM veio a Recorrente “FECTRANS- Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações” dele interpor recurso de apelação, nos termos do artigos 22º do DL 259/09 de 25/9, alegando em síntese, nas conclusões das respectivas alegações de recurso, que:
- O Acórdão é nulo nos termos do artigo 615º nº 1 al. c) e d) do CPC;
- o Acórdão viola os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade na definição dos serviços mínimos;
- ao fixar serviços mínimos para a greve decretada à prestação de trabalho suplementar entre os dias 3 e 23 de Junho de 2024 o Acórdão recorrido viola os artigos 226º, 227º, 228º, 537 e 538º do CT, os artigos 18º nº 2, 57º e 205º nº 1 da CRP e ainda o disposto no artigo 615º nº 1 al. c) e d) do CPC;
Concluindo pelo provimento do presente recurso com fundamento na violação das normas invocadas.
*
A empregadora “Companhia Carris de Ferro de Lisboa, EM, SA” apresentou contra alegações de recurso tendo pugnado pela manutenção do Acórdão recorrido.
* As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 639º nº 1 e 635º nº 4 do CPC.
*
DAS NULIDADES
Alega a Recorrente que o Acórdão dos autos se mostra ferido de nulidade por ser ininteligível e os respectivos fundamentos serem ambíguos e obscuros.
Estabelece o artigo 615º nº 1 al. c) do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
“O acórdão é obscuro quando contém alguma passagem cujo sentido não se compreenda e é ambíguo quando permita interpretações diferentes.”- Acórdão do STA, datado de 13/11/02
No mesmo sentido o Acórdão STJ datado de 11/4/02, proferido no processo nº 3172/01, disponível em www.dgsi.pt: “ Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes.”
Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos que o Acórdão objecto de recurso, ao fixar a prestação de trabalho suplementar durante o período de greve em valor não superior a 25% comparativamente ao mesmo período do ano anterior determina, de forma inequívoca, a forma como deverão ser assegurados os serviços mínimos no correspondente período, ainda que não tenha quantificado quantos trabalhadores estariam afectos à prestação de tal serviço.
Tal contudo não torna a decisão ininteligível posto que a fixação do serviço a prestar estará dependente da publicação das escalas de trabalho suplementar a elaborar pela empregadora e da posterior designação dos trabalhadores a alocar à prestação de tal trabalho, de acordo com as indicações dos sindicatos e privilegiando-se, para o preenchimento desses horários, os trabalhadores que não adiram à greve.
Alega a Recorrente que o Acórdão é nulo por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615º nº 1 al d) do CPC, por não ter respondido aos esclarecimentos requeridos ao abrigo do nº 6 do artigo 27º do DL 259/09 de 25/9.
Estabelece o artigo 615º nº 1 al. d) do CPC que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, – A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, ou não se pronuncie sobre questões que a lei lhe imponha o conhecimento.- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/1/21, processo nº 1928/19.0T8STR-B. E1.
“A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do
pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir.”- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/5/19, processo nº 1211/09.9GACSC-A.L2-3.
“A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte do NCPC) não se verifica se a questão que devesse apreciar estiver prejudicada pela solução dada a outra (art. 608º, nº 2, 1ª parte, do mesmo código)”.- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8/7/21, processo nº 5281/19.3T8VIS.C1. “
A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”- Acórdão do STJ de 10/12/20, processo nº 12 131/18. 6T8LSB.L1.S1.
Verifica-se da resposta ao referido requerimento, elaborada pelo Árbitro Presidente, que o mesmo considerou que a Recorrente havia entendido as questões sobre as quais solicitava esclarecimentos, não sendo portanto, a decisão obscura nem ininteligível.
Haverá assim de ser concluído que o Tribunal Arbitral respondeu ao pedido de aclaração do Acórdão, pronunciando-se no sentido de que o mesmo era claro e compreensível, razão porque indeferiu o requerido.
Daqui não decorre que tenha omitido pronúncia.
*
DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NO ARTIGO 537º e 538º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Conforme decorre do disposto no invocado artigo 537º nº 1 al.h) do CT, considera-se serviço que se destina à satisfação das necessidades sociais impreteríveis a realização de serviços de transporte.
Refere o Acórdão recorrido que a preservação da greve como um direito fundamental impõe que as limitações se resumam ao nível mínimo imprescindível para assegurar a satisfação das necessidades impreteríveis dos cidadãos, mencionando ainda que a greve decretada na actividade de transporte de passageiros, a qual é assegurada pela Recorrida, tem a potencialidade de provocar graves prejuízos aos utentes nomeadamente para a satisfação das sua necessidades relacionadas com a prestação de serviços de saúde, escolaridade, trabalho e exercício do direito ao voto nas eleições europeias, razão porque se justifica a fixação de serviços mínimos.
Dispõe a mencionada norma contida no artigo 538º nº 5 do CT que a definição de serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Reproduzindo, com a devida vénia as considerações , que a esse propósito, se mostram vertidas no Acórdão deste Tribunal datado de 19/6/13, proferido no processo nº 454/13.YRLSB-4, em www.dgsi.pt:
(…)A determinação do quantum dos serviços mínimos adequado a assegurar o justo equilíbrio, a harmonização prática, entre os direitos de idêntica tutela constitucional, conflituantes entre si pressupõe a delimitação, no caso concreto, da necessidade social como “impreterível”.
Nas palavras da profª. Palma Ramalho[5] “devem entender-se como necessidades sociais impreteríveis apenas aquelas necessidades que sejam urgentes, ou seja, as necessidades cujo cumprimento seja inadiável ou irrepetível sem prejudicar ou pôr em risco os interesses por elas tutelados”. Expende Joana Costa Henriques na sua dissertação de mestrado[6]:
“Falar em serviço ou actividade destinada a satisfazer necessidades sociais impreteríveis é precisamente o mesmo que falar em serviços essenciais, que assegurem prestações vitais e indispensáveis para a vida em comunidade e para a realização de direitos básicos dos seus membros, e cuja eventual interrupção determinaria, de imediato ou a muito curto prazo, que os referidos direitos ficassem irremediavelmente prejudicados.
O critério distintivo assenta, por um lado, no tipo de interesses, bens, utilidades que a actividade em causa proporciona à comunidade e, por outro lado, no carácter inadiável da necessidade cuja satisfação é assegurada ou proporcionada. (…) o que caracteriza estas necessidades é o facto de (muito embora na sua maioria corresponderem a interesses individuais) carecerem ‘de meios comuns ou socializados’ para a sua satisfação (que só a comunidade, no seu conjunto organizado pode proporcionar), a que acresce o facto de serem necessidades que pela sua natureza não podem ficar privadas de satisfação por um intervalo de tempo, carecendo de uma continuidade nos fornecimentos, abastecimentos ou funcionamento dos serviços, sob pena de irremediável prejuízo.
Note-se que não é tanto pelas características da actividade em si mesma, mas antes pela natureza do resultado gerado ou proporcionado com essa actividade que saberemos identificar um serviço como essencial ou destinado a satisfazer necessidades impreteríveis para a comunidade (…) tem sido considerado pela doutrina e jurisprudência que os serviços essenciais são, no fundo, aqueles que, pela natureza das prestações que proporcionam, asseguram a satisfação e realização de direitos fundamentais da pessoa (tais como a vida, a segurança, a saúde, direitos relacionados com as mínimas condições de existência e de bem estar dos cidadãos), das liberdades públicas e dos bens constitucionalmente protegidos.”
No caso vertente, a actividade de transporte de passageiros foi considerada essencial atenta a necessidade de assegurar a deslocação dos utentes para os respectivos locais de trabalho, estabelecimentos de ensino, locais onde são prestados cuidados de saúde e ainda para o cumprimento do dever cívico que decorre das eleições europeias em 9/6/24.
Assim, ao determinar a realização de serviços mínimos, restrito a 25% do trabalho suplementar prestado no anterior, não terá o tribunal arbitral excedido os limites impostos pelo nº 5 do artigo 538 do CT, sendo certo ainda que, tal como resulta do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, datado de
10/10/12, proferido no processo nº 666/12.9YRLSB, a prestação de trabalho suplementar não se mostra excluída, se para tanto se justificar, para efeitos de fixação de serviços mínimos durante o período da greve decretada.
Veja-se ainda em situação idêntica à dos autos, o Acórdão deste Tribunal, datado de 25/5/11, proferido no processo nº 88/11.9YRLSB-4, acessível em www.dgsi.pt.
Temos em que deverá se negado provimento ao recurso interposto pela “FECTRANS- Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações”, mantendo-se o Acórdão recorrido na sua íntegra.
»- fim de transcrição.
A Ré respondeu nos seguintes moldes:
«
(….) vem pelo presente, mui respeitosamente e ao abrigo do seu direito ao exercício do contraditório, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, indicar aos presentes autos, que concorda com a decisão proferida no referido Parecer, o qual expressamente considera que:
1.
O Acórdão recorrido não é obscuro nem ininteligível, nem dele decorre qualquer omissão de pronúncia.
2. “Ao determinar a realização de serviços mínimos, restrito a 25% do trabalho suplementar prestado no anterior, não terá o tribunal arbitral excedido os limites impostos pelo nº 5 do artigo 538 do CT, sendo certo ainda que, tal como resulta do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 10/10/12, proferido no processo nº 666/12.9YRLSB, a prestação de trabalho suplementar não se mostra excluída, se para tanto se justificar, para efeitos de fixação de serviços mínimos durante o período da greve decretada”.
Face ao exposto entende a Recorrida, acompanhando o Douto Parecer do Ministério Público, que o recurso não merece provimento, devendo ser considerado improcedente e, em consequência, confirmado o Douto Acórdão recorrido na sua íntegra.» - fim de transcrição.
Mostram-se colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.
****
Na elaboração do presente acórdão será levada em conta a matéria decorrente do supra elaborado relatório.
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É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação .1
No presente recurso suscitam-se duas questões.
A primeira consiste em saber se o acórdão em causa se mostra afectado de nulidade por duas ordens de razões.
A primeira concerne a omissão de pronúncia visto que o Tribunal Arbitral acabou por não se pronunciar sobre os pedidos de esclarecimento das obscuridades que suscitou;.
A segunda nulidade - que se tem de reputar de implicitamente arguida - consiste em saber se o acórdão do o Tribunal Arbitral se mostra afectado de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –
Recorde-se , antes de mais, que o artigo 615º do CPC estabelece2:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. sustente a mera discordância em relação ao decidido. » - fim de transcrição.
Em relação à omissão de pronúncia cumpre recordar que proferido o acórdão recorrido em 29 de Maio de 2024, a FECTRANS — Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, requereu o seu esclarecimento nos seguintes termos:
« a Decisão proferida se afigura obscura, sendo que se exige que as decisões do Tribunal Arbitrai não sejam ambíguas.
Tal ausência de ambiguidade deve traduzir-se num raciocínio lógico dedutivo, que partindo de premissas válidas, conclua de forma não contraditória com aquelas, o que, com o devido respeito, não é respeitado no Acórdão proferido.
Senão vejamos,
Refere-se a fls. 4, pontos 15. a 17., da Douta decisão que:
"15. Dir-se-ia que, não obstante o período temporal alargado (3 semanas) da greve decretada pela FECTRANS, a respetiva incidência diz essencialmente respeito à prestação de trabalho suplementar, pelo que os serviços prestados durante o período normal de trabalho deveriam permitir assegurar o núcleo essencial dos serviços de transporte prestados pela CARRIS.
16. Resulta, contudo, dos elementos constantes dos autos e das declarações prestadas pelos representantes das partes nas respetivas audições que — em resultado de um número importante de saídas de trabalhadores e de crescentes dificuldades de recrutamento — a operação normal da CARRIS já obriga a um recurso significativo a trabalho suplementar, por acordo bilateral, sob pena de não ser possível assegurar a prestação do serviço. Acresce ainda que, na janela temporal do período para o qual a greve foi decretada, irão ocorrer alguns eventos que, normalmente, implicam uma procura acrescida (eleições europeias de 9 de junho, festas dos "Santos Populares", festival "Rock in Rio" no Parque Tejo, nos fins de semana de 15/16 e 22/23 de junho).
17. O Tribunal da Relação de Lisboa (cf. acórdão de 10/10/2012, proc. 666/12.9YRLSB, já se pronunciou especificamente sobre a possibilidade de fixação de serviços mínimos relativamente à prestação de trabalho suplementar, declarando que "Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário — trabalho suplementar— seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos. Assim, a lei não obsta a que haja greve ao trabalho suplementar ou às deslocações, mas também não distingue quanto à necessidade de se fixarem serviços mínimos nas situações referidas no art. 537.° n. ° 1 do C.T". "
Tendo presente a factualidade descrita, o Tribunal Arbitrai considerou "que uma adequada ponderação dos direitos em presença (o direito à greve e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos) aconselha a que o período de funcionamento das carreiras (e, em particular, das 13 identificadas) seja reduzido durante o período da greve, por forma a minimizar a necessidade de recurso a trabalho suplementar, o qual não deve exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023", decidindo, por unanimidade, definir que na "Greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024" deveriam ser cumpridos os seguintes serviços mínimos:
4. A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023;
5. Em conformidade com o número anterior, a CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve;
6. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.
7. Os representantes dos sindicatos devem designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos ora definidos até 24 horas antes do início do período da greve.
Caso não o façam, essa designação será realizada pelo empregador. "
Salvo o devido respeito, tal decisão, não parece ter qualquer conteúdo que seja compatível com a lei, revelando-se uma distorção das disposições legais e constitucionais, além de se mostrar impossível de concretizar.
Com efeito,
Considera-se trabalho suplementar aquele que é prestado pelo trabalhador, que exceda a duração ou a quantidade estabelecida, ou seja, aquele que é prestado fora do horário de trabalho (artigo 226.°, n.° 1, do Código do Trabalho.
De acordo com o artigo 227.°, n.ºs 1, 2 e 3 do Código do Trabalho "o trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador", podendo ainda "ser prestado em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade", sendo "o trabalhador obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa".
Ainda assim, conforme disposto no artigo 228.° do Código do Trabalho, mesmo cumpridos os fundamentos legais para a prestação de trabalho suplementar, o mesmo sempre estará sujeito a limites, nomeadamente limites de horas anuais e de duas horas diárias em dia normal de trabalho e igual ao período normal diário em dia de descanso semanal ou feriado.
De igual forma, nos termos da cláusula 26.ª do Acordo de Empresa aplicável à Empresa Carris, publicado no BTE n.° 3, de 22/01/2024, é previsto que não é permitido à empresa o recurso
sistemático ao trabalho suplementar, que o número de horas suplementares que cada trabalhador pode prestar em cada ano não deverá exceder as 200 horas, procurando-se que não sejam excedidas mensalmente 16 horas.
Embora a lei não dê uma definição de greve, tem-se entendido, genericamente, que se trata de uma abstenção colectiva de trabalho, resultante de acordo no seio dum grupo ou categoria de trabalhadores, com vista a forçar o empregador à obtenção de fins comuns daqueles. Assim, apenas se justifica a fixação de serviços mínimos durante os períodos de trabalho dos trabalhadores, onde não cabe o período de trabalho suplementar, por não ser um período de trabalho obrigatório destes. Não nos parece que as saídas de trabalhadores e as dificuldades de recrutamento da Empresa, que conforme alegado pela Empresa ocorrem há cerca de dois anos, caibam na justificação para que os trabalhadores sejam obrigados à prestação de trabalho suplementar ou sequer que se mostre uma situação transitória de acréscimo de trabalho, assim, não vemos como, legalmente, pode ser considerada legitima a fixação de serviços mínimos ao período de trabalho suplementar, quando a prestação de trabalho suplementar na Empresa não deveria sequer ser permitido.
Por tal facto, e não estando devidamente fundamentada na Decisão proferida a necessidade de realização de serviços mínimos ao trabalho suplementar, vem requerer-se esclarecimento sobre os factos que motivaram que fossem decretados serviços mínimos ao trabalho suplementar, dado não ter ficado minimamente demonstrado ou sequer invocado pela Empresa o número de trabalhadores em falta diariamente e o número de horas suplementares prestadas por tal facto, limitando-se a Empresa na sua proposta de Serviços Mínimos a indicar que seriam necessários 371 motoristas aos dias úteis, 214 ao sábado e 180 aos domingos e feriados, e que diariamente seriam assegurados com recurso a trabalho suplementar 33 serviços em dias úteis, 28 ao sábado e 16 ao domingo e feriado, sem contudo, ser minimamente especificado o número de horas suplementares que tal factualidade importava diariamente, em quais carreiras se mostrava necessário realizar trabalho suplementar e em que períodos do dia.
Por outro lado, nada foi referenciado no processo relativamente ao número de horas suplementares realizadas no período homólogo de 2023 ao do período da greve, ou sequer foi demonstrado que nesse período existia um maior ou menor número de trabalhadores ao serviço da Empresa, factualidade que poderia motivar uma maior ou menor necessidade de realização de trabalho suplementar.
Contudo, sem prejuízo de nada ter sido demonstrado ou provado a este respeito, foi decidido pelo Douto Tribunal Arbitral que, durante o período da greve, por forma a minimizar a necessidade de recurso a trabalho suplementar, o mesmo não deve exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023, questiona-se quanto?
É claramente obscura a decisão tomada, necessitando de ser devidamente elucidada, requerendo-se o devido esclarecimento.
Mais, mesmo que se considere legítimo o recurso a trabalho suplementar sistemático pelas razões invocadas pela empresa (dificuldade de recrutamento há dois anos) sempre se torna necessário o devido esclarecimento a como será possível dar-se cumprimento ao ponto 7 da Decisão proferida, nomeadamente solicita-se esclarecimento sobre como poderá a FECTRANS designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos definidos até 24 horas antes do início do período da greve de 20 dias, se não pode prever e/ou configurar, á priori, uma eventual situação de necessidade de recurso ao trabalho suplementar durante esses 20 dias. Como pode estipular o número de trabalhadores necessários e as horas necessárias realizar diariamente para além do período normal de trabalho e em que carreiras da Empresa, sendo que tal informação não resulta do processo.
Mais, para eventual designação dos trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos definidos, solicita-se esclarecimento sobre como pode a FECTRANS saber o número de horas suplementares já realizadas pelos trabalhadores, por forma a que não ultrapassem as 16 horas mensais ou as 200 anuais, se desconhecem o número de horas suplementares já realizadas pelos trabalhadores, nem tal facto foi invocado no processo de fixação de serviços mínimos.
Desconhece, igualmente, a FECTRANS quais os trabalhadores que, eventualmente, de forma justificada requereram a dispensa da realização de trabalho suplementar, razão pela qual não podem ser designados para assegurarem os serviços mínimos ora fixados.
Deveria o douto Acórdão ter respondido a tais questões, factos que não foram minimamente abordados.
Face ao exposto, afigura-se necessário o esclarecimento do alcance da decisão proferida, pelo que a signatária se socorre do presente meio para obter todos os esclarecimentos indicados, tidos por necessários para cumprimento do douto Acórdão, ficando desde já ao inteiro dispor do Tribunal para a realização de uma reunião ou para esclarecer qualquer dúvida que possa surgir, isto sem prejuízo de se considerar que a Decisão proferida carece de fundamento jurídico, como se verá em sede de recurso, caso as referidas obscuridades referidas não sejam devidamente esclarecidas e fundamentadas.» - fim de transcrição.
Em 31 de Maio de 2024, pelo Exmº Árbitro Presidente foi proferida seguinte decisão :
«
FECTRANS— Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações
e
CARRIS— Companhia Carris de Ferro de Lisboa, EM, S.A.
Exmos./as Senhores/as
Notificado o Conselho Económico e Social do pedido de aclaração apresentado pela V/ Entidade, referente ao Processo Nº AO/08/2024, foi chamado a pronunciar-se o Tribunal Arbitrai, por despacho do Árbitro Presidente, proferiu os esclarecimentos que se transcrevem na íntegra:
"Como é sabido e ensina Alberto dos Reis, in, "Código de Processo Civil Anatado". Volume V, pág. 151, a "...sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Acompanhando também o decidido no Acórdão do STJ de 13/11/2022, "Só existe, com efeito, obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido um tal destinatário não possa alcançar.
A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respetivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama do ambíguo.
e dessa reclamação ressaltar à evidência que o reclamante compreendeu bem os fundamentos da decisão e apenas com os mesmos não concordou, bem como com o sentido decisório final, não ocorre a reclamada obscuridade/ambiguidade (...)".» - fim de transcrição.
Ou seja - concorde-se ou não com o ali exarado [ sendo certo que nada foi suscitado em sede da entidade que o fez , nomeadamente por via da arguição de que quem o devia ter feito era o Colectivo e não apenas o seu Presidente – vide nº 2 do artigo 666º do CPC ex vi do nº 6 do artigo 27º do DL nº 259/09 , de 25 de Setembro ] - foi dada resposta negativa à problemática suscitada pela ora recorrente ,motivo pelo que entendemos inverificada a arguida nulidade.
Aliás , não se deve confundir questões a dirimir com a apreciação de todos os argumentos aduzidos pelos litigantes , sendo que a falta de apreciação integral destes últimos não integra a referida nulidade.
Em suma, improcede a arguição da nulidade de sentença por violação do disposto na alínea d) do nº 1º do artigo 615º do CPC .
***
Implicitamente a recorrente também invoca que o acórdão enferma de ambiguidade e ou obscuridade que o torna ininteligível.
A sentença ou o acórdão são ambíguos quando permitem duas ou mais interpretações, sendo obscura quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento nela exposto.
Neste sentido aponta aresto do STJ , de 9-12-2021 , proferido no processo nº 7129/18.7T8BRG.G1.S1, Nº Convencional, 7.ª Secção, Relator Conselheiro Oliveira Abreu , acessível em www.dgsi.pt.3
Por outro lado, como , igualmente , se refere em aresto do STJ , de 8-, 10-2020, proferido no processo nº 5243/18.8T8LSB.L1.S1, Nº Convencional, 7.ª Secção , Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira 4
« (…) a ambiguidade ou obscuridade previstas na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível [25] e, em segundo lugar, que a ambiguidade ou obscuridade só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” [36].» - fim de transcrição.
No concreto, a nosso ver, com respeito por entendimento diverso, quer o dispositivo do acórdão
[
IV - DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide, [por unanimidade], definir os serviços mínimos a cumprir na paralisação declarada" Greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024", nos termos a seguir expendidos:
1. Funcionamento do serviço especial pessoas mobilidade reduzida - PMR, de acordo com os pedidos de transporte;
2. Funcionamento do piquete da rede aérea ("carro do fio") durante o período da greve;
3. Funcionamento do Pronto Socorro e Desempanagem, das 06h00 às 14h00;
4. A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023;
5. Em conformidade com o número anterior, a CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve;
6. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.
7. Os representantes dos sindicatos devem designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos ora definidos até 24 horas antes do início do período da greve. Caso não o façam, essa designação será realizada pelo empregador.» - fim de transcrição. ] quer a sua fundamentação decisória, são perfeitamente inteligíveis, tendo um sentido perfeitamente perceptível para um declaratário normal.
A questão é que a recorrente discorda da fundamentação e da decisão final ali perfilhadas.
Todavia, tal problemática , consubstancia a arguição de erro de julgamento.
Improcede , pois, a arguição da nulidade de sentença por violação do disposto na alínea c) do nº 1º do artigo 615º do CPC . sob qualquer das perspectivas invocadas pela arguente.
Tanto basta para se reputar o recurso inteiramente improcedente nesta sua primeira vertente.
***
A segunda questão a apreciar consiste em saber se o acórdão recorrido devia ou não ter fixado serviços mínimos nos seguintes termos:
«
1. Funcionamento do serviço especial pessoas mobilidade reduzida - PMR, de acordo com os pedidos de transporte;
2. Funcionamento do piquete da rede aérea ("carro do fio") durante o período da greve;
3. Funcionamento do Pronto Socorro e Desempanagem, das 06h00 às 14h00;
4. A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023;
5. Em conformidade com o número anterior, a CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve;
6. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.
7. Os representantes dos sindicatos devem designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos ora definidos até 24 horas antes do início do período da greve. Caso não o façam, essa designação será realizada pelo empregador.» - fim de transcrição.
Segundo a recorrente:
«
VIII. O direito à greve é um direito fundamental, com consagração no artigo 57.° da CRP.
IX. O preceito constitucional não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento, não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve ou ser compelidos a pôr termo a uma greve em curso (salvo se ilícita).
X. O direito de greve apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: a liberdade de recusar a prestação de trabalho contratualmente devida, postulando a ausência de interferências estaduais ou privadas que sejam suscetíveis de a pôr em causa, veja-se neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional 289/92.
Xl. Insere-se o direito à greve na categoria dos direitos liberdades e garantias, beneficiando do disposto no artigo 18.° da CRP, pelo que, ele só pode ser limitado ou restringido no justo limite do necessário para salvaguardar outros direitos e interesses, de igual forma, consagrados na Constituição, lendo sempre em conta o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
XII. No caso em apreço, a greve incide sobre o trabalho suplementar, que por ser prestado fora do período normal de trabalho, está sujeito a condições e limites para a sua verificação, conforme disposto nos artigos 226.°, 227.° e 228.° do Código do Trabalho.
XIII. A Empresa Carris fundamenta a necessidade de fixação de serviços mínimos à realização de trabalho suplementar alegando ter dificuldade de recrutamento de trabalhadores,
XIV. Tendo presente o prejuízo ao direito ao descanso diário dos trabalhadores motivado pela prestação de trabalho suplementar, será necessariamente de se concluir que os alegados fundamentos da Empresa Carris não preenchem nenhumas das alegadas circunstâncias que permitem o recurso à prestação de trabalho suplementar, razão pela qual não deveriam ser fixados serviços mínimos na referida greve, até porque a Recorrente declarou, no seu aviso prévio de greve, que asseguraria no decorrer da greve, quaisquer serviços que, em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis se venham a mostrar necessários á satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
XV. É, assim, de concluir pela ilicitude dos serviços mínimos decretados, violando os serviços mínimos decretados os limites de restrição do direito à greve impostos nos preceitos constitucionais e nos artigos 537.° e 538.° do Código do Trabalho.
XVI. A igual conclusão se chegaria mesmo considerado lícita a prestação de trabalho suplementar.
XVII. Aceita-se que no sector em que se enquadra a Empresa Carris, por força do disposto no artigo 537.°, n.° 2 al. h) do Código do Trabalho, possa ser necessário definir os serviços mínimos eventualmente necessários prestar durante o período de greve, a fim de serem asseguradas as necessidades sociais mínimas impreteríveis que se mostrassem necessárias.
XVIII. De harmonia com o disposto no artigo 538.°, n.° 5 do Código do Trabalho, a definição dos serviços mínimos necessários deve respeitar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, o que traduz a aplicação constitucional vertida no artigo 18.°, n.° 2 do CRP, no sentido de que a lei só pode restringir os direitos previstos na Constituição, como é o caso do direito à greve (artigo 57.° da CRP), na medida do estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
XIX. A fixação dos serviços mínimos tem de traduzir-se na determinação objetiva e concreta, até onde for materialmente possível, quer das necessidades sociais impreteríveis (fundamentação), quer da sua satisfação suficiente mediante a indicação dos correspondentes serviços mínimos, quer finalmente dos meios humanos destinados a garanti-los, o que tem de ser feito em termos quantitativos (número de trabalhadores ou percentagem dos mesmos, em função da execução habitual da actividade da entidade empregadora) e qualitativos (horários/turnos, locais e categorias profissionais), pois só assim se logra os objetivos procurados por essas normas: o decurso da greve dentro dos parâmetros da legalidade, normalidade e paz social, o que passa também pela efectiva prestação dos ditos serviços mínimos.
XX. Numa greve ao trabalho suplementar, que se tem como uma situação de acréscimo eventual e transitório de trabalho, situação de força maior, prevenção ou reparação de prejuízo grave para a empresa ou sua viabilidade, como podem estipular-se serviços mínimos, necessários, adequados e proporcionais se nenhuma das partes (promotores e empregadores) pode prever e/ou configurar, à priori, uma eventual situação de recurso ao trabalho suplementar?
Como estipular o número de trabalhadores necessários?
Como apurar os serviços mínimos?
omo podem os representantes dos sindicatos designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos definidos até 24 horas antes do início da greve se são desconhecidos atempadamente se existe necessidade de realizar trabalho suplementar?
XIX. A nenhuma destas questões responde o Acórdão do Tribunal Arbitral, ainda que às mesmas tenha existido pedido de esclarecimento.
XX. Não ficou demonstrado o número de trabalhadores em falta diariamente ou o número de horas suplementares prestadas por tal facto, em quais carreiras se mostrava necessário realizar trabalho suplementar e em que períodos do dia.
De igual forma, nada foi referenciado relativamente ao número de horas suplementares realizadas no período homólogo de 2023 ao do período da greve, ou sequer foi demonstrado que actualmente exista um maior ou menor número de trabalhadores face a 2023.
XX. Ainda assim, fixou o Tribunal Arbitrai serviços mínimos à realização de trabalho suplementar, justificando tal fixação com o facto de, na janela temporal do período para o qual a greve foi decretada, ocorrem alguns eventos que, normalmente, implicam uma procura acrescida (eleições europeias de 9 de junho, festas dos "Santos Populares", festival "Rock in Rio" no Parque Tejo, nos fins de semana de 15, 16, 22 e 23 de Junho,
XXI. Eventos estes, com o devido respeito, não nos parecem configurar uma necessidade social impreterível passível de, sem violar os princípios na necessidade, adequação e proporcionalidade, restringir o direito à greve, isto sem olvidar que na cidade de Lisboa existe um sistema de transportes colectivos disponível para além dos assegurados pela Empresa Carris.
XXII. O prejuízo, a perturbação, o incómodo ou transtorno, causados ao empregador e aos utentes do serviço paralisado são inerentes à própria noção de greve.
XXIII. O direito à greve apenas poderá sofrer limitações se a paralisação decorrente da greve seja de modo a comprometer a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, isto é, necessidades cuja não satisfação tempestiva provoque danos irremediáveis ou inaceitáveis, tendo em conta a sociedade actual, [actualidade que sem margem para dúvidas não se verifica na presente greve.
XXIV. Na cidade de Lisboa existem outros meios alternativos de transporte ao dispor dos utentes, motivo pela qual, nos termos do artigo 44.° da CRP, não é colocado em causa o direito fundamentai à deslocação dos cidadãos,
XXV. Ainda que os cidadãos tenham o direito de se deslocar, utilizando as ligações disponibilizadas pela Empresa Carris, em dia de greve nada os impede de utilizarem, em cumprimento do seu direito de deslocação, de utilizarem outros meios de transporte existentes, sem com isso comprimirem o direito de greve dos trabalhadores, mesmo que, porventura, estes meios sejam menos adequados do que o serviço prestado pela Empresa Carris, mas esse é o preço a pagar pelos utentes, num ordenamento jurídico-constitucional que eleva a greve à condição de direito fundamental dos trabalhadores.
XXVI. Assim, será forçoso concluir que no Acórdão Arbitrai não foram devidamente demonstradas quaisquer necessidades sociais impreteríveis para motivar os serviços mínimos fixados ao trabalho suplementar (ainda que ilícito),
XXVII. Sendo certo que a Recorrente declarou, no seu aviso prévio de greve que asseguraria, no decorrer da greve, quaisquer serviços que em função de circunstâncias concretas e imprevisíveis se venham a mostrar necessários à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, serviços estes que se mostram suficientes para, em cumprimento dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
XXVIII. Em consequência, salvo o devido respeito, a decisão de fixação de serviços mínimos ao trabalho suplementar decretada pelo Acórdão Arbitral viola os artigos 226.°, 227.°, 228.°, 537.° e 538.° do Código do Trabalho, os artigos 18.°, n.° 2, 57.° e 205.°, n.° 1 da CRP e o artigos 615.°, n.° 1 ais. c) e d) do Código de Processo Civil, razão pela qual terá de ser considerada ilícita, não podendo manter-se.» - fim de transcrição.
Será assim ?
***
Segundo o artigo 57º da CRP ( direito à greve e proibição do lock out):
“ 1 - É garantido o direito à greve.
2 – Compete aos tribunais definir o âmbito de interesses a defender através da greve , não podendo a lei limitar esse âmbito.
3 - A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços mínimos necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4 – É proibido o lock out”.
Temos , pois, que o direito à greve é um direito constitucional.
Todavia, tal como decorre do próprio texto constitucional , não é um direito absoluto, uma vez que é susceptível de sofrer restrições, tal como resulta do nº 2º da referida norma.
De facto, “ a greve não é um direito ilimitado dos trabalhadores” .7
Há, pois, que ter em conta que “ a greve tem de ser disciplinada , no sentido de o correspondente direito só poder ser exercido desde que não ponha em causa outros direitos.
O direito de greve não pode colidir com outros direitos e em caso de conflito deve atender-se ao disposto no artigo 335º do CC “ 8 e às regras da boa fé o que presentemente sempre resulta do disposto no artigo 522º do CT/2009.
Cumpre ainda salientar que “ o direito de greve deve ceder sempre que a existência de outro direito o justifique, e será considerada ilícita a greve exercida em desconformidade com os parâmetros de conflito de direitos estabelecidos no artigo 335º do CC e em desacordo com os ditames da boa fé”.9
Contudo as supra citadas restrições só se podem verificar em contextos legalmente estabelecidos e devem conter-se dentro de certos limites.
De facto, nos termos do artigo 18º da Lei Fundamental:
“ 1- Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos , liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2 - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
3 - As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance da conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
Tal como se refere no acórdão desta Relação de 14-2-2010 ( proferido no Processo: 803/10.8YRLSB-4 , Relatora Herminia Marques, acessível em www.dgsi.pt ) :
“ Interpretando estes preceitos constitucionais, no que se refere à fixação dos serviços mínimos durante a greve, estendeu no ponto I do sumário do Ac. do STA de 26/06/2008 (in www.dgsi.pt):
“…o direito à greve não é absoluto visto o seu nº 3 introduzido no texto constitucional pela Revisão de 1997, autorizar que a lei ordinária defina "as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis", o que constitui uma limitação ao seu exercício irrestrito, como também o nº 2 do seu artº 18º consente que esse exercício possa ser constrangido quando seja "necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
O que quer dizer que, apesar fundamental, o direito à greve pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir, objectivamente, numa restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional do direito à greve.
Ponto é que ela se destine a ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a promover a segurança e manutenção de equipamentos e instalações e se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
E acrescenta-se no ponto II do sumário do mesmo Ac.:
“As necessidades sociais impreteríveis são as que se relacionam com a satisfação de interesses fundamentais da sociedade e, nessa medida, com uma tranquila e segura convivência social e, porque assim, devem ser integradas nesse conceito todas as necessidades cuja não satisfação importaria não só a violação de direitos fundamentais como poderia causar insegurança e desestabilização social.”
Também no Ac. daquele STA de 06/03/2008 (www.dgsi.pt), se escreveu no ponto I do sumário:
“O direito à greve, apesar de fundamental, pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir, objectivamente, uma restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional daquele direito.
Ponto é que essa restrição se contenha destro dos limites consagrados nos artº.s 57º/3 e 18º/2 da CRP, isto é, que ela se destine a ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a promover a segurança e manutenção de equipamentos e instalações e se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – fim de transcrição.
*****
Cabe agora referir que o artigo 537º do CT/2009 ( na parte que aqui releva) estatui:
Artigo 537.º
Obrigação de prestação de serviços durante a greve
1 - Em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, empresa ou estabelecimento que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis o que se integra em algum dos seguintes sectores:
a) Correios e telecomunicações;
b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas;
i) Transporte e segurança de valores monetários.
3 - A associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações.
4 - Os trabalhadores afectos à prestação de serviços referidos nos números anteriores mantêm-se, na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e direcção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição.
In casu, afigura-se evidente , nem tal foi posto em causa , que a aqui recorrente é empresa que se dedica a transportes de passageiros, sendo certo que se dá de barato as afirmações contidas no acórdão recorrido de que a operação normal da Carris obriga a um recurso significativo a trabalho suplementar , por acordo bilateral, sob pena de não ser possível assegurar a prestação de serviço por saída crescente de trabalhadores e dificuldades de recrutamento , argumento que saliente-se não afecta o exercício do direito constitucional à greve, nomeadamente à prestação de trabalho suplementar.
Sobre a fixação de serviços mínimos em relação ao trabalho suplementar o aresto desta Relação , de 10-10-2012,proferido no processo nº 666/12.9YRLSB-4, Relatora Paula Santos , acessível em www.dgsi.pt , considerou:
«
I – A greve constitui um direito fundamental dos trabalhadores, mas não um direito absoluto, devendo ser articulado com outros direitos, também consagrados na Constituição, nomeadamente os que se prendem com a satisfação de necessidades essenciais de uma comunidade, podendo assim sofrer restrições definidas pela lei.
II - Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário – trabalho suplementar – seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos» -fim de transcrição.
Concorda-se com o raciocínio ali explanado.10
Em suma, nos termos do nº 3º da supra citada norma, a associação sindical que declare a greve , ou a comissão de greve ,nos caso do nº 2º do art 531º, e os trabalhadores aderentes devem prestar durante a greve os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações.
Contudo a questão que aqui se coloca é saber se deviam ter sido fixados os serviços mínimos supra mencionados.
Saliente-se que em relação à empresa aqui em causa o aresto desta Relação , de 25 de Maio de 2011, proferido no processo nº 88/11.9YRLSB-4, Relatora Albertina Pereira , acessível em www.dgsi.pt11, considerou:
«
I. Embora a greve constitua um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, a mesma não é um direito absoluto, pelo que existindo a possibilidade de confronto ou colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais, também previstos na Constituição, esse direito pode sofrer alguma sorte de restrição nas situações definidas pela lei e com observância de determinados limites.
II. A definição dos serviços mínimos, não pode traduzir-se na anulação do direito de greve, ou reduzir substancialmente a sua eficácia.
É de fixar tais serviços (art.º 537.º, n.º 1, do Código do Trabalho), quando, como é o caso, os mesmos apenas consubstanciam uma continuidade mínima na satisfação das necessidades sociais vitais, como é o direito de deslocação, da liberdade de trabalho, do acesso à educação e à prestação de cuidados de saúde». -fim de transcrição.
***
Relembre-se que FECTRANS [ sendo que do seu aviso prévio de greve consta o seguinte:
"Convoca uma greve para os trabalhadores da Carris, a todo o trabalho suplementar, com início às 3:00 horas do dia 3 de junho de 2024 até ao último serviço do dia 23 de junho de 2024;
Os trabalhadores encontram-se ainda em greve à prestação de todo e qualquer trabalho não contido entre as horas de entrada e saída do período normal de trabalho, atribuído nas escalas de serviço e nos termos do AE;
Para efeitos de clarificação do sistema de rendição previsto na cláusula 212, Os 10 e 11 do AE, no âmbito da greve decretada, os trabalhadores que à hora efetiva de saída não tenham rendição, conduzem o veículo até ao término e daí recolhem de imediato em reservado, por razões de segurança, às respetivas Estações"] discorda do âmbito dos serviços mínimos que foram fixados
[ nos seguintes moldes:
«
IV - DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide, [por unanimidade], definir os serviços mínimos a cumprir na paralisação declarada" Greve ao trabalho suplementar entre o dia 3 e o dia 23 de junho de 2024", nos termos a seguir expendidos:
1. Funcionamento do serviço especial pessoas mobilidade reduzida - PMR, de acordo com os pedidos de transporte;
2. Funcionamento do piquete da rede aérea ("carro do fio") durante o período da greve;
3. Funcionamento do Pronto Socorro e Desempanagem, das 06h00 às 14h00;
4. A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 25% do verificado no período homólogo de 2023;
5. Em conformidade com o número anterior, a CARRIS elaborará escalas de trabalho suplementar durante o período da greve, às quais afetará preferencialmente trabalhadores não aderentes à greve;
6. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve só é lícito se os serviços mínimos não puderem ser assegurados por trabalhadoras e trabalhadores não aderentes nas condições normais da sua prestação de trabalho.
7. Os representantes dos sindicatos devem designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos ora definidos até 24 horas antes do início do período da greve. Caso não o façam, essa designação será realizada pelo empregador.» - fim de transcrição].
Segundo o nº 5º do artigo 538º do CT/2009 12a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade , da adequação e da proporcionalidade.
Nas palavras de Francisco Liberal Fernandes13 “ a fixação se serviços mínimos, seja por convenção, seja por despacho conjunto ou decisão arbitral , consiste na determinação das prestações indispensáveis (emergency covers) dos serviços ( ou unidades orgânicas internas ) e as actividades que são indispensáveis para assegurar os direitos dos utentes , assim como dos trabalhadores que deverão assegurar o respectivo funcionamento e continuidade .
Está em causa a fixação da quota de actividade do serviço que não pode ser interrompida ou suspensa, sob pena de se verificar lesão irremediável do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos utentes, assim como a determinação do conjunto de trabalhadores , que ficam compelidos a abdicar do direito à greve.
Trata-se, por conseguinte, de definir as condições de funcionamento orgânico e de prestação de trabalho que permitam assegurar o equilíbrio entre os direitos constitucionais dos cidadãos e o exercício da greve” – fim de transcrição.
Cumpre, assim, concluir que os serviços mínimos não se destinam a anular o direito de greve, ou a reduzir substancialmente a sua eficácia, mas a evitar prejuízos extremos e injustificados comprimindo-o por via do recurso à figura de conflito de direitos.
Cabe , assim, convir que uma vez que se admite o exercício do direito de greve no âmbito de serviços públicos e universais de interesse geral, tal implica necessariamente perturbações e incómodos aos seus utentes.
Examinemos se no caso concreto a fixação dos serviços mínimos em causa se mostra (ou não ) respeitadora dos aludidos princípios ?
Verifica-se , desde logo, que a greve em causa não se mostra inserida no âmbito de uma greve geral e que existem outros transportes públicos de passageiros além da Carris [ vg: Metro] ,nomeadamente na cidade de Lisboa.
Anote-se ainda que a argumentação utilizada no aresto recorrido atinente à ocorrência no lapso de temporal em questão dos Santos Populares [13 de Junho] e festival Rock in Rio nos fins de semana de 15/16 e 22/23 de junho) , a nosso ver , não colhe em sede de satisfação de necessidades essenciais de uma comunidade.
É evidente e inequívoco que a comunidade tem direito ao lazer , ao divertimento (a “espairecer”) , sendo que não se desconhece velho adágio latino sobre o assunto.
Todavia o seu exercício não se sobrepõe nem se confunde com o importante direito [dever] de cada cidadão a exercer o seu direito de voto no âmbito de uma sociedade democrática , sendo que o aresto recorrido também refere as eleições europeias de 9 de Junho de 2024.
A nosso ver, os serviços mínimos fixados nos pontos nºs 1 , 2 , 3 , 5 e 6 do acórdão recorrido afiguram-se-nos inequívocos e até de certa forma pacíficos visto que não se denota palavra em contrário por parte da recorrente a não ser pela via acima abordada e ultrapassada de que não devem ser fixados serviços mínimos no âmbito de uma greve ao trabalho suplementar.
Efectivamente , o ponto primeiro destina-se a permitir o serviço a cidadãos com necessidades especiais e evidentes [ que dispensam comentários] que não podem (nem devem ) ser olvidadas sobretudo quando está em causa operacionalizar um juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade.
Nada mais do que um pouco de empatia é necessário para tal efeito.
Aliás, basta pensar que o direito à saúde não se restringe a situações extremas e que por vezes a não comparência em determinada data a uma consulta , mesmo que de mera rotina, para já não falar de outras a nível de especialidade, assim como a um tratamento de enfermagem ( neste ponto está-se a pensar na população mais idosa…) pode implicar um atraso significativo na sua verificação com as inerentes (e eventuais) nefastas consequências.
Os pontos nºs 2 e 3 destinam-se a prevenir a operação da empresa na restante parte não afectada pela greve, sendo que os pontos nºs 5 e 6 em si mesmo também não se nos afiguram alvo de controvérsia salvo na supra mencionada vertente argumentativa.
Os pontos “candentes” do dispositivo do acórdão são os nºs 4 e 7.
A questão suscitada pela recorrente tem a ver com o facto de a decisão não mencionar elementos concretos - determinados , exactos - sobre o trabalho suplementar que foi necessário realizar na operação da empresa durante o período homólogo de 2023 por forma a poder determinar-se o máximo de 25% (ou outra percentagem) desse trabalho , bem como para a FECTRANS poder observar a obrigação que lhe é imposta pelo nº 7 do acórdão.
Aliás , também chama a atenção – e com razão – para as dificuldades no cumprimento dessa obrigação por desconhecimento da sua parte dos trabalhadores em concreto que estão dispensados da realização daquele tipo de trabalho e sobre o tempo de horas suplementares já prestado por cada dos hipotéticos aderentes naquele ano por forma a não originar violações do tempo máximo de trabalho suplementar permitido no instrumento de regulamentação colectiva aplicável assim como na lei geral do trabalho.
Anote-se que , a nosso ver, nomeadamente pelos motivos acima referidos quanto aos eventos que justificaram a fixação dos serviços mínimos em causa os mesmos podem ser fixados em 20% do trabalho verificado no período homólogo de 2023 , visto que pelo menos uma parte da justificação invocada no aresto recorrido não logra arrimo em sede de necessidades impreteríveis [ festas e festival…].
Já no que toca à falta de elementos invocada pelo recorrente afigura-se-nos que lhe assiste razão.
Todavia , ao contrário do que entende , a sua falta não acarreta a revogação integral do aresto e dos serviços mínimos ali determinados , mas que o mesmo deva ser aditado de um ponto nº 8 com a seguinte redacção.
8 . A Carris deverá fornecer ao FECTRANS até 48 horas antes da data prevista para o início da greve elementos concretos:
- sobre o trabalho suplementar que foi necessário à operação da empresa durante o período homólogo de 2023 por forma a poder determinar-se o máximo de 20% desse trabalho ;
- sobre os trabalhadores que estão dispensados da realização de trabalho suplementar;
- sobre o número de horas de trabalho que cada um dos trabalhadores da empresa já tenha realizado de trabalho suplementar no ano em causa.
Cabe, assim, julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência:
- conferir ao ponto nº 4 do dispositivo a seguinte redacção:
4 - A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 20% do verificado no período homólogo de 2023;
- aditar o dispositivo de um nº 8 com a seguinte redacção:
8 . A Carris deverá fornecer ao FECTRANS até 48 horas antes da data prevista para o início da greve elementos concretos:
- sobre o trabalho suplementar que foi necessário à operação da empresa durante o período homólogo de 2023 por forma a poder determinar-se o máximo de 20% desse trabalho ;
- sobre os trabalhadores que estão dispensados da realização de trabalho suplementar;
- sobre o número de horas de trabalho que cada um dos trabalhadores da empresa já tenha realizado de trabalho suplementar no ano em causa.
Em suma na fixação de serviços mínimos atinentes a trabalho suplementar , cuja determinação se afigura conforme à lei, a entidade afectada pela Greve deve fornecer à entidade convocante meios que lhe permitam , sendo caso disso, designar os trabalhadores necessários e suficientes para assegurar os serviços mínimos que foram fixados.
Anote -se que na parte restante cumpre manter o acórdão recorrido.
****
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso.
Consequentemente:
- confere-se ao ponto nº 4 do dispositivo a seguinte redacção:
4 - A necessidade de recurso a trabalho suplementar durante o período da greve não deverá exceder 20% do verificado no período homólogo de 2023;
- adita-se o dispositivo de um nº 8 com a seguinte redacção:
8 . A Carris deverá fornecer ao FECTRANS até 48 horas antes da data prevista para o início da greve elementos concretos:
- sobre o trabalho suplementar que foi necessário à operação da empresa durante o período homólogo de 2023 por forma a poder determinar-se o máximo de 20% desse trabalho ;
- sobre os trabalhadores que estão dispensados da realização de trabalho suplementar;
- sobre o número de horas de trabalho que cada um dos trabalhadores da empresa já tenha realizado de trabalho suplementar.
No mais mantém-se o acórdão recorrido.
Custas do recurso pela recorrente/FECTRANS e recorrida/Carris em partes iguais.
Notifique.

Lisboa, 25-09-2024
Leopoldo Soares
Alda Martins
Alves Duarte
_______________________________________________________
1. Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).↩︎
2. Anote-se que tal como se refere em aresto do STJ , de 3-03-2021, proferido no processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1,Nº Convencional, 4.ª Secção, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues acessível em www.dgsi.pt [As notas de rodapé devem ali ser consultada] :
«
As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 615º do Código de Processo Civil, dispondo esse preceito, aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código, que, para além das demais situações contempladas nesse normativo, é nula a sentença quando não especifique ao fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b), e os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (nº 1, al. c).
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito[1]: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal[2]; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento ( error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei[3], consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) (cf. neste sentido acórdão STJ citado de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.11.2015, Procº nº 568/10.3TTVNG.P1.S1, na nulidade, ao contrário do erro de julgamento, em que se discorda do teor do conteúdo da própria decisão, invocam-se circunstâncias, legalmente previstas no artigo 615º do CPC, que ferem a própria decisão.
Em suma, as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se↩︎
3. Que logrou o seguinte sumário:
I. Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
II. A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
III. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.
IV. A nulidade do acórdão, sustentada na contradição, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão encerra um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, a nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, ocorrerá sempre que a anunciada explicação que conduz ao resultado adotado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido.↩︎
4. Que logrou o seguinte sumário:
I. - A falta de especificação dos fundamentos da decisão só terá o efeito previsto no art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil desde que a falta de fundamentação seja absoluta.
II. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil só releva quando torne a parte decisória ininteligível.
III. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.↩︎
5. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 615.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 733-740 (735).↩︎
6. osé Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 615.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, cit., pág. 735.↩︎
7. Vide Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, IDT, Almedina, pág 1248.↩︎
8. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, IDT, Almedina, pág 1248.↩︎
9. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, IDT, Almedina, pág 1248.↩︎
10. Segundo qual :
«
E no Parecer nº 22/89 desse mesmo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, mantendo inteira actualidade
“A qualificação dos serviços essenciais à comunidade, embora sem suficiente precisão conceitual, parte do carácter (reconhecido e indispensável) da necessidade a satisfazer e da sua correlação com os interesses e valores fundamentais da comunidade: a essencialidade dos bens e serviços liga-se ao respeito pelos direitos fundamentais, pelas liberdades públicas e pelos bens constitucionalmente protegidos.
Serviços ou sectores essenciais – que se destinem à satisfação das necessidades sociais impreteríveis – são aqueles cuja actividade se proponha facultar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva, envolvendo uma necessidade primária, careça de imediata utilização ou aproveitamento, sob pena de irremediável prejuízo.
Com a orientação destes critérios, poder-se-á dizer que o conceito (em boa medida indeterminado) de serviços essenciais, deve ser integrado por referência àqueles que, em razão da natureza dos interesses a cuja satisfação se destinem, visam a realização de direitos fundamentais da pessoa, essencialmente relacionados com a vida, a saúde, a segurança ou as mínimas condições de existência e de bem estar dos cidadãos e cuja interrupção, determinaria a impossibilidade de satisfação das necessidades fundamentais.”
De notar que, não sendo taxativa a enumeração referida no art. 537º nº2 do C.T., tal significa entre o demais, que nos vários sectores indicados, nem todas as empresas prestam serviços ou fornecem bens que se destinam às referidas necessidades sociais impreteríveis. Nestes sectores podem existir empresas que não se destinem a satisfazer as referidas necessidades.
No presente caso, não existem dúvidas de que a recorrida é uma empresa que se destina à satisfação de necessidades impreteríveis, sendo a própria lei a reconhecê-lo no art. 537º d) do CT, dado que se insere no sector da energia, com o qual estão estritamente relacionados direitos com assento constitucional como o do acesso à prestação de cuidados de saúde ou à educação ou ainda o direito ao trabalho ou até ao transporte de pessoas e bens perecíveis.
O recorrente entende que, por a greve se reportar ao trabalho suplementar e às deslocações, não há lugar à fixação de serviços mínimos.
Afirma que a decisão arbitral assenta no equívoco de que qualquer greve que tenha a ver com os sectores exemplificativamente referidos no art. 357º nº2 do CT exige a fixação de serviços mínimos.
Não se trata, porém, de um equívoco. É a lei que assim o determina – art. 537º nº1 do CT – a não ser que, como supra referimos, num dos referidos sectores existam empresas que não tenham por finalidade a satisfação de necessidades sociais impreteríveis (por ex. nos serviços de minas, tratando-se de minas de ouro certamente não estaremos frente ao referido critério).
Todavia, não é o que se passa no caso sub judice em que a recorrida é a concessionária exclusiva do transporte e distribuição da energia eléctrica para a Região Autónoma dos Açores (cfr. Resolução do Governo dos Açores 181/2000 de 12 de Outubro – Jornal Oficial I série nº41).
Tal significa o fornecimento exclusivo de energia eléctrica a serviços de primordial interesse público, que asseguram necessidades básicas dos cidadãos, como hospitais, bombeiros, forças de segurança, tribunais, aeroportos, portos e terminais de contentores, empresas de transporte aéreo, marítimo e terrestre, relativas a passageiros, medicamentos e equipamento hospitalar, bem como bens alimentares perecíveis, empresas e infra estruturas de telecomunicações, indústrias, explorações agro-pecuárias, entre outros.
Cumpre ainda não esquecer que a empresa opera, a título exclusivo, num arquipélago com uma descontinuidade territorial acentuada, composto por nove ilhas com o isolamento inerente à insularidade, sendo o sistema de transporte e distribuição de energia neste condicionalismo, naturalmente complexo.
O recorrente argumenta ainda que a greve em causa não afecta o núcleo essencial dos serviços a prestar pela empresa pois não se trata de uma greve geral mas apenas ao trabalho extraordinário e às deslocações previstas no acordo de empresa.
No conceito de trabalho extraordinário – que é obrigatório nos termos do art. 227º nº3 do C.T. - cabem todas as situações de desvio ao programa normal da actividade do trabalhador, a saber, trabalho fora do horário em dia útil e trabalho em dias de descanso semanal e feriados.
Acompanhamos aqui o acórdão proferido nesta mesma secção em 12-06-2012, no Proc. 505/12.0 YRLSB – 4 e relatado pelo Juiz Desembargador José Eduardo Sapateiro, “O Sindicato apelante parece defender que a verificação de tais necessidades sociais impreteríveis depende de uma análise casuística da greve em si e das circunstâncias em que a mesma se vai desenrolar (nomeadamente, quando se integra e cumula com outras greves do mesmo ou de outros sectores, no quadro de uma greve geral), apreciação que, nessa medida, pode ser mesmo negativa (isto é, pode concluir pela inexistência, em concreto, das aludidas necessidades e, portanto, da precisão de fixação de serviços com vista a garanti-las, em termos mínimos e aceitáveis), mas tal posição não pode colher minimamente, dado essas necessidades, no caso da atividade transportadora de passageiros prosseguida pela CARRIS, resultarem automática e diretamente de lei imperativa aplicável, não podendo ser afastadas, por tal motivo e nessa medida, pela vontade dos sindicatos ou dos empregadores.

Também …, não releva saber, a posteriori e para os efeitos que aqui nos (pre)ocupam, se ocorreram ou não danos irreparáveis pelos utentes abrangidos pela greve ou se tais serviços mínimos acorreram ou não, no quotidiano da sua prestação e por força da paralisação convocada, a essas necessidades sociais impreteríveis, pois o sistema montado pelo legislador é, essencialmente, cautelar e preventivo (trazendo-nos à lembrança a figura dos procedimentos cautelares, com a sua aparência de direito e o periculum in mora), visando reduzir a limites socialmente toleráveis e aceitáveis as consequências, inevitáveis e legítimas, das greves promovidas em tais empresas e/ou estabelecimentos para a comunidade em geral” (sic)
Ou seja, a satisfação de necessidades fundamentais da sociedade está protegida por lei imperativa, independentemente da forma como está organizado o serviço nas empresas ou estabelecimentos que o asseguram, nomeadamente da forma como está escalonado tal serviço.
Qualquer greve que afecte serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, seja no horário normal de laboração da empresa ou fora desse horário – trabalho suplementar – seja nas necessárias deslocações em serviço, impõe a fixação de serviços mínimos, pretendendo a lei evitar que estes sectores fiquem à mercê de uma qualquer imprevisibilidade dos recursos.
Assim, a lei não obsta a que haja greve ao trabalho suplementar ou às deslocações, mas também não distingue quanto à necessidade de se fixarem serviços mínimos nas situações referidas no art. 537º nº1 do C.T.
Na presente situação, os recursos humanos de que dispõe a recorrida para o exercício das suas funções passam pelo recurso ao trabalho suplementar, nomeadamente para substituição de trabalhadores em falta no período normal de trabalho, ou por força de avarias excepcionais, nos serviços de condução de centrais, gestão do sistema eléctrico, avarias em centrais, manutenção curativa das redes e subestações (avarias), e passam pela necessidade de serem deslocados funcionários entre as várias ilhas, até face à compreensível complexidade das avarias.
Face ao pré-aviso de greve ao trabalho suplementar e às deslocações, bem andou o tribunal arbitral ao fixar serviços mínimos.» - fim de transcrição.↩︎
11. Ali se considerou:
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Como referem, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, págs. 757 e 353, as medidas definidoras dos serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, consubstanciando medidas restritivas do direito de greve devem pautar-se pelos princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade. O que significa, a esta luz, que as mesmas devem situar-se numa “justa medida” impedindo-se, assim, a adopção de medidas (legais) desproporcionadas e excessivas em relação aos fins obtidos. Nessa linha se compreende que o próprio art.º 538.º, do Código do Trabalho que trata da definição dos serviços mínimos a assegurar durante a greve, estipule no seu n.º 5, que a mesma “deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”. Existe, em qualquer caso, um limite absoluto a essas consentidas restrições que é o conteúdo essencial do respectivo direito.
Segundo Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 14.ª edição, Almedina, pág. 524, existe a possibilidade de colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais com assento constitucional, sendo propósito do preceito em questão fornecer um quadro de referências para a obtenção em concreto de um ponto de equilíbrio entre uns e outros. Como escreve, Francisco Liberal Fernandes “A obrigação de serviços mínimos como técnica de regulação da greve nos serviços essenciais”, Coimbra Editora, 2010, pág. 460, “ a fixação de serviços mínimos, seja por convenção, seja por despacho conjunto ou decisão arbitral, consiste na determinação das prestações indispensáveis (emergency covers) dos serviços (ou unidades orgânicas internas) e as actividades que são indispensáveis para assegurar os direitos dos utentes, assim como dos trabalhadores que deverão assegurar o respectivo funcionamento e continuidade. Está em causa a fixação da quota de actividade do serviço que não pode ser interrompida ou suspensa, sob pena de se verificar lesão irremediável do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos utentes, assim como a determinação do conjunto de trabalhadores, que ficam compelidos a abdicar do direito à greve. Trata-se, por isso, de definir as condições de funcionamento orgânico e de prestação de trabalho que permitam assegurar o equilíbrio entre os direitos constitucionais dos cidadãos e o exercício da greve”.
A definição dos serviços mínimos, não pode, por conseguinte, traduzir-se na anulação do direito de greve, ou reduzir substancialmente a sua eficácia, mas sim evitar prejuízos extremos e injustificados, comprimindo-o por via do recurso à figura de conflito de direitos.
É, pois, necessário ter em conta as circunstâncias de cada greve, para se avaliar se estamos ou não perante situações que requeiram a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, isto é, de necessidades de alcance social que não possam ser satisfeitas de outro modo e que não suportem adiamento.
Embora nem a lei nem CRP nos forneçam um conceito de greve, a mesma tem pressuposta a ideia de conflito e de abstenção colectiva e concertada de prestar trabalho, através da qual um grupo de trabalhadores pretende exercer pressão com vista a obter a realização de certo interesse ou objectivo comum. O prejuízo, a perturbação, o incómodo ou transtorno, causados ao empregador e aos utentes do serviço paralisado são, pois, inerentes à própria noção de greve. Nesta ordem de ideias, e nos termos que acima se expuseram, o direito à greve poderá sofrer limitações quando tais prejuízos ou transtornos se revelarem socialmente intoleráveis, ou seja, quando a paralisação decorrente da greve seja de modo a comprometer a satisfação de necessidades sociais impreteríveis; isto é, necessidades cuja não satisfação tempestiva provoque danos irremediáveis ou inaceitáveis, tendo em conta a sociedade actual.
No presente caso, como se viu, estamos perante uma empresa que se destina à satisfação de necessidades impreteríveis, por se inserir no sector de transportes, sendo que o direito de deslocação é tutelado na Constituição como um direito fundamental (art.º 44.º). Discorda a recorrente dos serviços mínimos fixados pelo tribunal arbitral, sustentado que deve ser proferida nova decisão que determine o funcionamento de um número mínimo de carreiras consideradas imprescindíveis para a satisfação de necessidades sociais impreteríveis dos cidadãos, em conformidade com a indicação por si documentada nos autos e que acima se deixou consignada.
No âmbito do transporte de passageiros temos em confronto o direito fundamental de fazer greve e o direito fundamental de deslocação em si mesmo, sendo que com este se relacionam, entre outros, o da liberdade de trabalho, o acesso à educação e à prestação de cuidados de saúde. A recorrente indica o número de autocarros (170) e motoristas (350), bem como a respectiva percentagem (23,4%) que, a seu ver, seriam necessários para assegurar os serviços mínimos.
É discutível, como sabemos, a aceitação como critério definidor de serviços mínimos, a fixação de percentagens ou proporções da normal prestação de um serviço público.
Todavia, há que ter alguma base de ponderação para, em conjunto com o demais circunstancialismo do caso, se poder aquilatar da referida definição.
Na presente situação importa não olvidar que o dia em que ocorreu a presente greve foi dia de greve geral, que necessariamente afectou a rede de transportes da área de Lisboa e demais serviços públicos e privados - ao fim e ao cabo, de um modo geral, com maior ou menor intensidade, a vivencia comunitária.
Ora, não obstante a recorrente não tenha feito expressa menção à salvaguarda dos referidos direitos fundamentais, que serão afectados com a greve em causa, é possível descortinar na sua proposta de serviços mínimos essa ponderação, na medida em que o percurso dos autocarros que propõe para assegurar as ditas necessidades impreteríveis têm como pressuposto, no essencial, a mobilidade e deslocação das pessoas no interior da cidade de Lisboa e nas zonas de acesso a outras localidades particularmente povoadas (carreiras 12, 12, 36, 703, 708, 751, 767, 790); bem como a saúde e acompanhamento médico dos cidadãos (carreiras: 735 e 755), assim como o ensino e educação (carreiras: 735, 755, 760 e 790).
Todas elas com os percursos acima indicados. Acresce que se está perante a indicação de um número de veículos e motoristas cuja percentagem (total) ronda os 25%, valor este que não ultrapassa, a nosso ver, a ideia de mínimo, cuja concreta fixação está, a nosso ver, pressuposta no referido art.º 537.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
A quantidade de serviços disponibilizados pelo empregador no referido contexto, não asseguram a continuidade regular do serviço em causa, o que seria proscrito pelos supra referidos princípios, da necessidade, adequação e proporcionalidade, mas sim e apenas uma continuidade mínima na satisfação das necessidades sociais vitais, como é o transporte de passageiros (naqueles termos) na capital do país. » - fim de transcrição.↩︎
12. Norma que regula:
Artigo 538.º
Definição de serviços a assegurar durante a greve
1 - Os serviços previstos nos n.os 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respectiva associação de empregadores.
2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral, assessorado sempre que necessário pelo serviço competente do ministério responsável pelo sector de actividade, convoca as entidades referidas no número anterior para a negociação de um acordo sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar.
3 - Na negociação de serviços mínimos relativos a greve substancialmente idêntica a, pelo menos, duas greves anteriores para as quais a definição de serviços mínimos por arbitragem tenha igual conteúdo, o serviço referido no número anterior propõe às partes que aceitem essa mesma definição, devendo, em caso de rejeição, a mesma constar da acta da negociação.
4 - No caso referido nos números anteriores, na falta de acordo nos três dias posteriores ao aviso prévio de greve, os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar são definidos:
a) Por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de actividade;
b) Tratando-se de empresa do sector empresarial do Estado, por tribunal arbitral, constituído nos termos de lei específica sobre arbitragem obrigatória.
5 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
6 - O despacho e a decisão do tribunal arbitral previstos no número anterior produzem efeitos imediatamente após a sua notificação às entidades a que se refere o n.º 1 e devem ser afixados nas instalações da empresa, estabelecimento ou serviço, em locais destinados à informação dos trabalhadores.
7 - Os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação.↩︎
13. A obrigação de serviços mínimos como técnica de regulação da greve nos serviços essenciais, Coimbra Editora, 2010, pág 459/460.↩︎