CONTRATO DE TRABALHO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
CLÁUSULA DE REMISSÃO
APLICAÇÃO DE CONVENÇÃO
Sumário

A aplicabilidade de uma CCT a certa relação laboral pode decorrer, atento o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil, da previsão do próprio contrato de trabalho (através de cláusula de remissão geral para a contratação colectiva do sector ou da empresa), sendo que nesse caso é conferida relevância ao clausulado do instrumento em causa pela vontade negocial das partes expressa no contrato de trabalho.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

AA, residente na ..., intentou 1acção , com processo comum, contra :
- XX Unipessoal, Lda., com sede social na ... [ também denominada de 1ª Ré] ;
- BB, com domicílio profissional na ...[ também denominada de 2 Ré] ;
e
CC, residente na ...[ também denominado de 3ª Réu] .
Pede que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagarem-lhe :
a) as diferenças salariais referentes ao período temporal compreendido entre o mês de Maio do ano de 2008 e o mês de Agosto do ano de 2022, inclusive, em função do valor da remuneração mínima para a categoria profissional de Educadora de Infância, conforme decorre do CCT celebrado entre a AEEP (Associação de estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 2007.03.22, no valor total apurado de € 75.845,80 (setenta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
b) as diferenças de remuneração em relação aos subsídios de férias e de natal, vencidos nos anos de 2009 a 2022 inclusive, no valor total apurado de €12.817,93 (doze mil e oitocentos e dezassete euros e noventa e três cêntimos);
c) o crédito referente às horas de formação profissional que nunca foi proporcionada, no valor total apurado de € 1.066,36 (mil e sessenta e seis euros e trinta e seis cêntimos);
d) o valor correspondente aos juros de mora vincendos, contados desde a data de citação e até ao integral pagamento dos valores peticionados.
Alega, em suma, que , em 1 de Maio de 2008 , começou a trabalhar por conta , sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré.
Foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria profissional de educadora de infância, mediante um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de doze meses, o qual se renovou automaticamente até se convalidar num contrato de trabalho sem termo.
Exerceu tal trabalho nas instalações da 1.ª Ré, na ..., que constituíam o seu posto de trabalho.
Praticava um horário de trabalho de trinta e cinco horas semanais, cinco dias por semana, de 2.ª a 6.ª feira, com início às 09h30m e termo às 18h30m e com um intervalo para almoço de duas horas, das 12:00h às 14:00h.
Auferia um salário mensal de € 586,41 (quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).
Recebia mensalmente a título de subsídio de refeição o valor de € 133,10 (cento e trinta e três euros e dez cêntimos).
A relação laboral constituída entre as partes foi subordinada, a nível contratual, à disciplina do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003 , de 27 de Agosto , e ao Contrato Coletivo de Trabalho outorgado entre a AEEP (Associação de estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 2007.03.22.
Por não estar satisfeita com a situação profissional que vivenciava e pretendendo denunciá-la , em meados de Julho do ano de 2022, deslocou-se ao serviço local de Sintra do ACT – Autoridade para as condições de Trabalho, a fim de solicitar informação de como deveria proceder para denunciar o seu contrato de trabalho, porquanto queria cumprir as suas obrigações e agir dentro do quadro legal em vigor.
Facultou ao inspector do ACT o seu contrato de trabalho e os respectivos recibos de vencimento.
Aquele informou-a de imediato que o valor do vencimento que estava a receber era de valor inferior ao devido.
Na sequência dos esclarecimentos prestados pelo ACT, em 9 de Agosto de 2022, remeteu , através de carta registada , com aviso de recepção ,comunicação de denúncia do contrato de trabalho, nos termos legalmente admissíveis.
Solicitou expressamente o apuramento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho ao abrigo das condições da convenção colectiva de trabalho aplicável à sua relação laboral .
A 1.ª Ré não lhe pagou a retribuição devida segundo a tabela salarial decorrente do CCT outorgado entre a AEEP e o SINAPE, mas apenas com referência ao salário mínimo nacional.
Entre Maio de 2008 e Agosto de 2022, verifica-se uma diferença entre as remunerações,
que lhe eram devidas de acordo com o CCT e as que lhe foram efectivamente pagas no valor de € 75.845,80 , valor a que acrescem os reflexos que tal situação teve no cálculo dos subsídios de férias e de Natal no montante de € 12.817,93.
Uma vez que a situação jurídico-laboral em apreço vigorou durante catorze (14) anos e quatro (4) meses, face ao disposto no artigo 134.º do CT/2009, apresentam-se vencidos e não pagos os respectivos créditos de horas no valor de € 1.066,36.
Em 21 de Março de 2023 ,realizou-se audiência de partes2.
A Ré XX Unipessoal, Lda. , contestou.3
Alegou ,em suma, que , em 1 de Maio de 2008, no momento da formação do contrato, verificava-se uma impossibilidade objectiva na aplicação das condições de trabalho previstas no CCT entre a AEEP e SINAPE, publicado no BTE n.º 11, de 22 de Março de 2007.
O mesmo não se aplicava ao estabelecimento por si explorado uma vez que não estavam em causa crianças com idades iguais ou superiores a 3 anos.
O seu estabelecimento é para escalão etário inferior.
Não era filiada nas associações patronais nem a trabalhadora era sindicalizada nalgum dos sindicatos subscritores do IRCT cuja aplicação sustenta.
A Autora não exerceu funções de Educadora de Infância entre 1 de Setembro de 2011 até 31 de Agosto de 2019.
Esteve ao seu serviço , mas no âmbito de actividade económica totalmente distinta da prevista inicialmente (creche e berçário),
noutro local de trabalho, bem como no desempenho de funções distintas das de Educadora de Infância.
Assim, não lhe assiste o direito às remunerações que peticiona no âmbito do CCT que invoca.
Durante o período em causa a Autora suspendeu as suas funções de Educadora de Infância.
Assim, não tem direito ao recebimento das invocadas actualizações salariais dado que estas operam os seus efeitos para os trabalhadores que estejam no desempenho efectivo de funções.
A Autora encontrava-se a exercer funções distintas daquelas para as quais foi contratada.
O SINAPE passou a integrar a FNE sendo que em 22 de Agosto de 2017 , ocorreu a revogação do CCT entre a AEEP e a FNE, cessando daquele modo os efeitos produzidos por aquele IRCT em função da portaria de extensão.
Em 22 de Agosto de 2017 foi celebrado um CCT entre a CNEF e a FNE distinto quanto ao conteúdo das condições de trabalho .
Caso a Autora pretendesse que tais condições fossem aplicadas à sua relação laboral, deveria ter –lhe comunicado por escrito a sua adesão individual ao contrato no prazo de 90 dias a contar da sua publicação, o que nunca se verificou.
Os Réus BB4 e CC5 também contestaram.
Invocaram , em síntese , verificar-se uma completa ausência quanto à invocação de um único facto atinente a sua responsabilidade delitual, bem como quanto ao requisito específico de existência de uma relação directa entre a respectiva actuação como gerentes e os danos reclamados.
Não foi invocado qualquer facto culposo praticado por eles nessa qualidade.
Nunca praticaram nenhum acto lesivo dos interesses dos trabalhadores, nem da Autora em concreto.
Esta última labora num erro propositado ao considerar que as invocadas diferenças salariais não foram pagas propositadamente em virtude de actuação culposa e intencional de ambos.
Em 7 de Junho de 2023:6
- relegou-se o conhecimento das excepções
para a sentença;
- fixou-se o valor da causa em € 89.730,09;
- dispensou-se a convocação da audiência prévia;
- proferiu-se despacho saneador;
- dispensou-se a fixação dos temas de prova bem como do objecto do processo.
Realizou-se julgamento ,em duas sessões7, que foi gravado .
Em 5 de Novembro de 2023, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:8
«
Face ao exposto julga-se a acção parcialmente procedente e:
- Condena-se a 1.ª Ré XX Unipessoal, Lda., a pagar à Autora as diferenças salariais referentes ao período temporal compreendido entre o mês de Maio do ano de 2008 e o mês de Agosto do ano de 2022, inclusive, em função do valor da remuneração mínima para a categoria profissional de Educadora de Infância, conforme decorre do CCT celebrado entre a AEEP (Associação de estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 2007.03.22, no valor total apurado de € 75.845,80 (setenta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos) assim como a pagar à Autora as diferenças de remuneração em relação aos subsídios de férias e de natal, vencidos nos anos de 2009 a 2022 inclusive, no valor total apurado de € 12.817,93 (doze mil e oitocentos e dezassete euros e noventa e três cêntimos) acrescido de juros vencidos e vincendos à respectiva taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
- Absolve-se a 2.ª Ré BB e o 3.º Réu CC, do pedido de pagamento à Autora das diferenças salariais referentes ao período temporal compreendido entre o mês de Maio do ano de 2008 e o mês de Agosto do ano de 2022, inclusive, em função do valor da remuneração mínima para a categoria profissional de Educadora de Infância, conforme decorre do CCT celebrado entre a AEEP (Associação de estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 2007.03.22, no valor total apurado de € 75.845,80 (setenta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos) assim como a pagar à Autora as diferenças de remuneração em relação aos subsídios de férias e de natal, vencidos nos anos de 2009 a 2022 inclusive, no valor total apurado de € 12.817,93 (doze mil e oitocentos e dezassete euros e noventa e três cêntimos);
– Absolvem-se os Réus do pedido de pagamento à Autora do crédito referente às horas de formação profissional no valor total de € 1.066,36 (mil e sessenta e seis euros e trinta e seis cêntimos).
Custas pela Autora e 1.ª Ré na proporção do respectivo decaimento (cfr. art. 527.º n.º 2 do CPC).
Registe e notifique.» - fim de transcrição.
As notificações da sentença foram expedidas em 6 de Novembro de 2023 , data em que o MºPº também foi notificado. 9
Em 15 de Dezembro de 2023, a Ré recorreu.10
Concluiu que:
«
1. A Apelante considera que a sentença recorrida não ajuizou correctamente segundo o Direito aplicável, e também não se conforma com a matéria de facto que foi dada por assente, impugnando-a de forma expressa, de acordo com as alegações supra desenvolvidas.
2. O Facto F. dado como provado, deverá passar a ser dado como Não Provado.
3. O Facto EE. deverá passar a ser dado como Provado, com o seguinte teor:
“Nas funções da Autora, cabiam as seguintes tarefas:
- Transporte colectivo das crianças entre as escolas e o centro de estudos.
- Apoio das crianças no centro de estudos, assegurando o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa e esclarecimento de dúvidas.
(Tal qual resulta do teor de 67º da Contestação da 1ª R.)
4. O Facto FF. deverá passar a ser dado como Provado, com o seguinte teor:
“A Autora exerceu estas funções, entre 1 de Setembro de 2011 até 31 de Agosto de 2019 (data em que o Centro de Estudos encerrou).”
(Tal qual resulta do teor de 68º da Contestação da 1ª R.)
5. O Facto 11. dado como Não Provado, deverá passar a ser dado como Provado.
6. O Facto 13. dado como não provado, deverá passar a ser dado como Provado.
7. O Facto 14. dado como não provado, deverá passar a ser dado como Provado.
8. Uma das questões sobre as quais incide o objecto do presente recurso, é a situação da Autora não ter desempenhado funções atinentes à de educadora de infância entre o período de 01.09.2011 até 31.08.2019, período durante o qual se encontrou a realizar tarefas no âmbito do apoio escolar no centro de estudos, relacionadas exclusivamente com o transporte colectivo das crianças entre as escolas e o centro de estudos (i); e o apoio às crianças assegurando o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa e esclarecimentos de dúvidas (ii).
9. A totalidade das testemunhas esclareceram sobre esta matéria no sentido acima exposto, e ainda tiveram ocasião de referir quais as idades das crianças que frequentaram o centro de estudos (idade escolar) era a partir dos 6 anos.
10. Sendo de realçar que a versão apresentada por uma única testemunha – DD – que apenas esteve durante 1 ano ao serviço da R. de modo interpolado; de que havia a frequência, ainda que esporádica de crianças entre os 3 e os 5 anos, não pode de modo algum colher, tendo em conta o depoimento das demais testemunhas; mas sobretudo aquilo que nos dizem as regras de experiência comum, mormente considerando que o centro de estudos não dispunha de divisões em que fosse possível alojar e acompanhar crianças daquela tenra idade de acordo com o acompanhamento, cuidados, e hábitos infantis necessários - como seja a realização de sestas (1), ou até mesmo ao nível do lazer (2), e a permanente vigilância necessária (3).
11. Sendo também neste ponto de levar em linha de conta, que a Autora ao exercer as suas funções como motorista, passava grande parte do dia fora do centro, sendo aqui incompatível com a versão de que tais crianças pudessem ser por ela acompanhadas no centro de estudos no exercício das funções de educadora, nomeadamente ao nível dos cuidados necessários e vigilância.
12. Sobretudo tendo em conta que o centro de estudos era frequentado em média, por cerca de 15 crianças, situação que ainda aumenta mais a impossibilidade da Autora poder dar assistência sozinha – caso se tratassem das tais crianças de tenra idade.
13. Deve ainda ser tido em conta para a apreciação desta parte, que as tarefas desenvolvidas pela A. no centro de estudos, não tinham que ver, nem sequer de modo aproximado, com as tarefas desempenhadas pelas educadoras de infância na parte da creche.
14. Esta parte da matéria foi aliás substancialmente escalpelizada pelas testemunhas, quando lhes foi pedido que descrevessem um dia na creche, e as tarefas concretas que cabiam às educadoras (vide depoimentos acima transcritos na parte alegatória), comparativamente ao apoio escolar – ainda que quanto a isto o Ilustre Mandatário da A. fizesse um esforço no sentido de afirmar a par e passo que as funções da A. eram de cariz educacional e didáctico, para assim tentar estabelecer uma similitude com as funções de educadora de infância.
15. Mas aqui cabe realçar que não é pelo Ilustre Mandatário da Autora o afirmar que tal situação passa a ser assim - mas sobretudo porque as funções de educação e didácticas praticadas pelas educadoras de infância em crianças até aos 36 meses de vida, nada têm que ver, com apoio escolar (ajudar crianças e adolescentes na realização dos trabalhos de casa).
16. Ainda que a A. tivesse desempenhado tais funções esporadicamente, o que não se concede, por não ter desde logo qualquer correspondência com a realidade uma vez que essas crianças nunca estiveram no centro de estudos, sempre haveria que apurar – qual seria o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador ou a actividade predominante, considerando que exerce diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais.
17. E tendo em conta esta premissa, concluímos que o núcleo das funções, e o conteúdo funcional do trabalho prestado pela Autora enquanto esteve ao serviço no centro de estudos durante 8 anos, nunca foi o de educadora de infância, como acima já se mostrou.
18. Nem as funções/profissão à qual a A. passou a estar adstrita - e assim permaneceu durante 8 anos - quer o sector de actividade e o negócio exercido pela R., eram totalmente distintos dos exercidos na parte da creche.
19. Portanto, e concluindo este ponto, mesmo que se admitisse que a leitura do Tribunal estaria correcta em termos da substância diária do exercício funcional da actividade laboral da Autora, a aplicação do Direito não poderia ter sido feita de acordo com o que vem expresso na Sentença, ainda para mais quando é o próprio Tribunal que refere que a presença de tais crianças de tenra idade, teria ocorrido “muito embora de modo residual”.
*****
20. Outra das questões sobre as quais incide o objecto do presente recurso, é sabermos se o CTT entre a AEEP (Assoc. Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind. Nacional dos Prof. de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 22.03.2007, tem aplicabilidade na relação laboral existente entre a Autora e a Ré.
21. Duas coisas devemos concluir, a primeira delas é que o princípio da liberdade contratual não responde integralmente à questão em apreço, nem abarca a panóplia de impossibilidades que se colocam perante este caso; e a segunda delas é que se verifica uma impossibilidade objectiva de aplicação das disposições previstas no CCT previsto no contrato de trabalho (Cláusula 12ª).
22. A R. XX Unipessoal, Lda. mantém actualmente, a classificação de berçário e creche, o que significa que a R. tem como utentes, crianças com idades compreendidas entre os 3 meses de idade até aos 36 meses de idade, cfr. resulta da matéria provada.
23. A R. pelo exposto, não é, nem nunca foi um jardim de infância - estabelecimentos que se destinam a crianças com idade superior a 36 meses.
24. Tratando-se de um facto determinante - desde logo tendo presente que no caso da relação laboral aqui em causa, e mesmo que as partes o tenham indicado no contrato – a aplicação em regime subsidiário daquele CCT – a verdade é que nunca foi esse complexo normativo chamado a regular esta relação de trabalho, precisamente porque o referido CCT não tem aplicabilidade ao tipo de estabelecimento explorado pela R., ou seja à actividade comercial prestada pela R.
25. Nos termos do n.º 1 do referido CCT, no seu n.º 2, vem expresso que se abrange estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em que se ministre ensino colectivo a mais de 5 crianças com 3 ou mais anos.
26. Para que este CCT pudesse ser aplicável à relação laboral em apreço (mesmo que as partes o desejassem), necessário seria que o estabelecimento de ensino, isto é, o estabelecimento da R., fosse destinado a crianças com três ou mais anos, o que não se verifica.
27. Os CCT são construídos e desenhados (permitam-nos a expressão) tendo em conta o âmbito funcional das unidades, assim se tratem de entidades que ministrem ensino colectivo até aos 3 anos de idade, ou mais de 3 anos de idade.
28. Significa que não estamos a falar da mesma realidade, embora possamos estar na presença de situações parecidas. Mas isto faz toda a diferença.
29. Um IRCT não pode regulamentar relações laborais entre entidades patronais e trabalhadores, que não estejam integrados no âmbito dos sectores de actividade e profissões, definidos nos respectivos instrumentos sob pena dos acordos celebrados entre as partes no contrato de trabalho serem contrários à lei (i), e por isso inaplicáveis (ii).
30. Se as partes quisessem forçar a aplicação de um IRCT que não tem aplicabilidade a determinada actividade económica, na prática esbarrariam nas limitações próprias de quem está a fazer um jogo de encaixe de formas geométricas, e pretende à força encaixar um cubo num orifício circular.
31. Os IRCT são compostos por cláusulas normativas e cláusulas obrigacionais, sendo as primeiras aquelas que se destinam a fixar normativamente as condições de trabalho, ou seja, as regras a que têm de obedecer os contratos celebrados entre os empregadores e trabalhadores; e as cláusulas obrigacionais são aquelas que definem as regras de concertação e de relacionamento entre as instituições patronais e sindicais que celebram a CCT.
32. Imagine-se por isso o que seria pretendermos aplicar a uma determinada relação laboral, critérios de uma actividade distinta daquela que é exercida no âmbito da relação laboral estabelecida; ainda para mais estipulando categorias profissionais que, pese embora tenham a mesma designação comum em dois ou mais IRCT, não têm o mesmo conteúdo funcional, e com isso não são susceptíveis de aplicação das mesmas regras de um IRCT a uma relação laboral.
33. Designadamente querer-se que uma trabalhadora classificada como Educadora de Infância receba a importância mínima prevista para aquela categoria profissional prevista no CCT em causa, mas cujas características que constam daquele convénio em relação àquela categoria profissional são totalmente distintas das funções que são exercidas na prática e no âmbito de estabelecimentos de ensino daqueles que estão abrangidos pelo CCT.
34. Não podemos olvidar que os IRCT são actos genéricos de administração, pelos quais são criadas normas jurídico-laborais aplicáveis às relações de trabalho dentro de certas categorias de empresas e de trabalhadores, e por vezes até dentro de um domínio geográfico delimitado.
35. Por isso não é possível, na prática, empregarmos a uma determinada relação laboral, um CCT que não foi estruturado na sua génese para ser aplicado a determinada actividade, ainda que se tratem de actividades económicas com acentuada afinidade, e com a designação de categorias profissionais idênticas.
36. Pois uma determinada categoria profissional – ainda que com idêntica designação – não assume as mesmas caraterísticas de identidade em IRCT diferentes apesar de ter uma designação comum.
37. A categoria profissional é uma designação sintética ou abreviada, que exprime um género de actividade, no qual cabe uma parte essencial ou característica, que radica naquela que é a função principal; ainda que à mesma categoria profissional caiba uma função principal, os requisitos de acesso a essa categoria assim como o conteúdo funcional dessa categoria, são distintos quando exercida em diferentes sectores da economia, ou dentro de entidades diferentes do mesmo sector de actividade.
38. No caso dos autos uma coisa é trabalhar com crianças com menos de 36 meses de idade, e outra coisa é trabalhar com crianças acima de 36 meses de idade, pois às categorias com idêntica designação, correspondem funções diferentes.
39. Por isso, entre outras características das relações laborais, o salário que a Autora pretende que lhe seja reconhecido, não se aplica ao exercício de funções e ao conteúdo funcional de uma educadora de infância dentro de um estabelecimento com as características daquele da Ré.
40. Cabe igualmente referir que, nem a entidade patronal era filiada em alguma das associações patronais que subscreveram o CCT em causa; nem a trabalhadora era sindicalizada nalgum dos sindicatos subscritores.
41. Não obedecendo ao princípio da filiação, não poderia também por esta razão, ter qualquer força vinculativa a cláusula de natureza contratual, através da qual as partes entenderam submeter subsidiariamente os termos desta relação laboral ao CCT em causa.
42. Mas sem prejuízo do supra exposto, sempre se dirá que o mencionado CCT também não teria aplicabilidade por outra ordem de razão, mesmo tendo presente a entrada em vigor da Portaria (de extensão) n.º 462/2010, de 01.07, os efeitos daquele CCT outorgado entre a AEEP (Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação), cfr. CCT publicada no BTE n.º 11, de 22/03/2007.
43. Desde logo porque o estabelecimento da R., não se encontra abrangido por aquele CCT.
44. Mas considerando a posição do Tribunal a quo expressa na Sentença, a lógica preconizada seria de que a relação laboral estaria então subordinada àquele CCT por força daquela portaria de extensão, que entrou em vigor em Junho de 2010 – mas temos de invocar que naquela altura a A. já se encontrava a exercer outras funções que não as de Educadora de Infância.
45. Mais tarde é que o SINAPE passou a integrar a FNE (Federação Nacional de Educação), tendo sido publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31, de 22.08.2017, o Acordo de Revogação do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a AEEP e a FNE (do qual o SINAPE passou a fazer parte) (vide Doc. 4 junto com a contestação).
46. O referido acordo de revogação (5 dias após a sua publicação ou em 31 de Agosto de 2017 consoante o que se verificar primeiro, cfr. previsto em 3º), cessou os efeitos produzidos pelo CCT em causa.
47. Passando a aplicar-se às relações laborais estabelecidas entre as empresas daquele sector de actividade e os seus trabalhadores, o Contrato Colectivo celebrado entre a CNEF e a FNE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31, de 22.08.2017, de onde resulta que, aquele CTT foi revogado em 22.08.2017.
48. Não tendo ocorrido qualquer alteração nesse sentido, e deixando o CCT originário de estar em vigor – isto é, para o qual a portaria de extensão remeteu em exclusivo – os estabelecimentos não filiados não poderiam integrar os seus trabalhadores de acordo com as condições de trabalho de outro CCT, sem regulação específica para esse efeito.
49. Diferentemente do que constava no CCT outorgado entre a AEEP (Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação) publicado no BTE n.º 11, de 22/03/2007; neste CCT celebrado entre a CNEF e a FNE, publicado no BTE n.º 31, de 22/08/2017, foi contemplada uma cláusula especial de salvaguarda, prevista no art.º 1º-A (Adesão individual ao contrato).
50. Para esse efeito, ficou estipulado no Art.º 1º-A, n.º 1, al. a) e al. b), que os trabalhadores interessados na aplicação do CCT à sua relação laboral, deveriam comunicar essa intenção, por escrito, à direcção do estabelecimento de ensino, situação que a A. não fez.
*****
Venerandos Desembargadores:
51. Aqui chegados terminamos com o apelo inicial que foi feito, rogando a Vossas Excelências a tal apreciação que deverá ser feita ao caso dos autos, de acordo com a situação absolutamente excepcional que o mesmo configura - como seja a da A. não ter exercido durante 8 anos qualquer tarefa relacionada com a categoria profissional de educadora de infância.
52. A. não exerceu funções de Educadora de Infância entre 01.09.2011 até 31.08.2019, tendo estado ao serviço da R. mas no âmbito de uma actividade económica totalmente distinta da prevista inicialmente (creche e berçário) (i), noutro local de trabalho (ii), e no desempenho de funções totalmente distintas das de Educadora de Infância (iv), pelo que não lhe assiste o direito de peticionar remunerações por aquela categoria no âmbito do CCT que invocou.
53. Durante o período em causa a A. suspendeu as suas funções de Educadora de Infância, não tendo direito ao recebimento das invocadas actualizações salariais, dado que, estas operam os seus efeitos para os trabalhadores que estejam no desempenho efectivo de funções. O não exercício das funções atinentes à categoria profissional de Educadora de Infância correspondem a uma suspensão do seu contrato relativamente àquele elemento.
54. Facto este que tem de ter uma consequência distinta, caso a actividade tivesse sido prestada de modo ininterrupto nas mesmas funções.
55. Por outro lado também vimos que no momento da formação do contrato (01.05.2008), verificava-se uma impossibilidade objectiva na aplicação das condições de trabalho previstas no CCT entre a AEEP e SINAPE, publicado no BTE n.º 11, de 22.03.2007, considerando que não é de aplicação ao estabelecimento explorado pela R., uma vez que não estão em causa crianças com idades iguais ou superiores a 3 anos, enquanto que o estabelecimento da R. é para escalão etário inferior.
56. Nem a Autora nem a Ré eram filiadas nas associações patronais nem a trabalhadora era sindicalizada nalgum dos sindicatos subscritores.
57. Enquanto a A. se encontrava a exercer funções distintas para as quais foi contratada, o SINAPE passou a integrar a FNE.
Em 22.08.20217 ocorreu a revogação do CCT entre a AEEP e a FNE, cessando daquele modo os efeitos produzidos por aquele IRCT em função da portaria de extensão.
58. Em 22.08.2017 foi celebrado um CCT entre a CNEF e a FNE distinto quanto ao conteúdo das condições de trabalho.
Caso a A. pretendesse que lhe fossem aplicadas estas condições à sua relação laboral, deveria ter comunicado por escrito à R. essa pretensão de adesão individual ao contrato no prazo de 90 dias a contar da sua publicação, o que nunca se verificou .» -fim de transcrição
Sustenta o provimento ao recurso:
1 - Revogando-se a decisão proferida exclusivamente na parte que condenou a 1.ª Ré XX Unipessoal, Lda., a pagar à Autora as diferenças salariais referentes ao período temporal compreendido entre o mês de Maio do ano de 2008 e o mês de Agosto do ano de 2022, inclusive, em função do valor da remuneração mínima para a categoria profissional de Educadora de Infância, conforme decorre do CCT celebrado entre a AEEP (Associação de estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 2007.03.22, no valor total apurado de € 75.845,80 (setenta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos) assim como a pagar à Autora as diferenças de remuneração em relação aos subsídios de férias e de natal, vencidos nos anos de 2009 a 2022 inclusive, no valor total apurado de € 12.817,93 (doze mil e oitocentos e dezassete euros e noventa e três cêntimos) acrescido de juros vencidos e vincendos à respectiva taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.» -fim de transcrição.
Em 8 de Maio de 2024, a Autora contra alegou.11
Concluiu que:
«
a) – Desde logo e com a devida veemência, resulta de forma límpida e cristalina que a douta sentença recorrida ajuizou com imaculada correcção e em plena conformidade com o Direito aplicável, bem como, nada resulta à evidência no que tange à matéria de facto que foi dada por assente, que seja merecedor de censura e consequente alteração, independentemente das perspectivas eminentemente subjectivas e subjectivas pela recorrente;
b) – Destarte, os factos atinentes à matéria dada como provada e colocados em crise pela recorrente, nenhumas patologias endógenas ou exógenas apresentam, susceptíveis de impugnação nos termos, com o sentido e alcance que a recorrente tenta, ingloriamente, convencer o Tribunal ad quem;
c) – E neste conspecto, o depoimento da testemunha DD, justamente por se mostrar credível, nenhuma crítica degradante susceptível de abalar ou colocar o mesmo em crise em termos probatórios, poderá justificar a sua refutação ou valia enquanto elemento de prova idóneo, conforme foi considerado pelo Tribunal a quo;
d) – No que tange às funções inerentes à categoria profissional da trabalhadora e aqui recorrida, plasmadas no contrato de trabalho em apreço e que nenhuma alteração redutora sofreram, até por força do regime jurídico imperativo aplicável, tal não seria admissível, independentemente do arrazoado argumentativo prolixamente desenvolvido pela recorrente, aquelas mantiveram-se inalteráveis no decurso do tempo, o que justifica o sentido e fundamentos da douta sentença propalada pelo Tribunal a quo;
e) – De resto, no que concerne ao enquadramento jurídico que o Tribunal a quo, fundamentadamente, aplicou ao caso em apreço, nenhum erro de interpretação e ou de aplicação do Direito se descortina, não obstante a subjectiva perspectiva da recorrente, a qual revela-se claramente conveniente em derradeiro desespero de causa, mas inidónea a produzir os efeitos que visa alcançar com a presente instância recursiva;
f) – Aqui chegados e em suma, sem necessidade de maiores desenvolvimentos que tornariam a presente resposta demasiado densa de forma injustificada, resta concluir em poucas palavras, que a douta sentença propalada pelo Tribunal a quo nenhuma censura merece, pelo que deve ser mantida nos exactos termos e fundamentos, sentido e alcance, que foi proferida, produzindo assim os inerentes efeitos no quadro dos presentes autos.» - fim de transcrição.
Em 13 de Maio de 2024, foi proferido o seguinte despacho:12
«
Por legal e tempestivo e por ter sido interposto por quem tem legitimidade para tal admite-se o recurso interposto assim como a resposta ao mesmo, o qual é de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (cfr. art. 79.º, 79.º-A n.º 1 al. a), 80.º n.º 1 e 3 e 83.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Notifique.» -fim de transcrição.
A Exmª Procuradora Geral Adjunta formulou o parecer13 no qual, em suma, considerou « (…) que o presente recurso não merece provimento devendo a sentença recorrida ser mantida na sua íntegra.» -fim de transcrição.
A Ré respondeu.14
Pugnou pela procedência do recurso.
Mostram-se colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.
***
Eís a matéria de facto assente [ que se mostra impugnada] :
A. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social, actividades de educação pré-escolar, exploração de jardins-de-infância, creches e berçários, actividades educativas e pedagógicas conexas com a educação, acompanhamento e apoio escolar, explicações, exploração de salas de estudo acompanhado em qualquer nível de ensino, organização e promoção de actividades de ensino diversas, de workshops e actividades de formação e transporte terrestre de alunos.
B. A ora Autora começou a trabalhar por conta da 1.ª Ré identificada supra, sob as suas ordens, direção e fiscalização no dia 01 de Maio de 2008.
C. A ora Autora foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria profissional de educadora de infância.
D. As funções da Autora traduziam-se em promover o desenvolvimento global das crianças, planificar e organizar actividades com as crianças de modo a ocupá-las e a incentivar o seu desenvolvimento físico, psíquico, bem como a realização de actividades e diversos exercícios de coordenação motora, atenção, imaginação e raciocínio, treinamento da memória, e ainda, de um modo geral, a realização de actividades de promoção do desenvolvimento psico-motor das crianças, atividades pedagógicas, o acompanhamento e a avaliação individual das crianças e o atendimento das famílias.
E. O contrato de trabalho outorgado entre a ora Autora e a 1.ª Ré, esta à época representada pela sua gerente, aqui 2.ª Ré, foi um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de doze (12) meses, o qual renovou-se automaticamente até se convalidar num contrato de trabalho sem termo.
F. E na vigência da relação laboral a ora Autora sempre exerceu as funções inerentes à sua categoria profissional nas instalações da 1.ª Ré, na ....
G. A ora Autora praticava um horário de trabalho de trinta e cinco (35) horas semanais, cinco dias por semana, de 2.ª a 6.ª feira, com início às 09h30m e termo às 18h30m e com um intervalo para almoço de duas horas, das 12:00h às 14:00h.
H. E a título de remuneração, a ora Autora auferia um salário mensal de € 586,41 (quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).
I. Bem como recebia mensalmente a título de subsídio de refeição o valor de € 133,10 (cento e trinta e três euros e dez cêntimos).
J. A ora Autora é titular do grau académico de licenciatura em educação de infância, concluída em 2002.
K. Da cláusula décima segunda do contrato de trabalho junto aos autos a fls. 21 e 21 verso consta:
“Esta relação de trabalho está sujeita à Legislação Geral do Trabalho, nomeadamente o Código do Trabalho, Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, e demais legislação complementar, e CCT entre a AEEP (Assoc Estab Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind Nac dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 22-03-2007”.
L. A 1.ª Ré sempre processou o subsídio de refeição à razão de € 133,10/mês e o mesmo nunca foi sujeito a qualquer tipo de desconto quer em sede de IRS, quer em sede de contribuições para a Segurança Social.
M. A Autora, na data de 09 de Agosto de 2022, remeteu por carta registada com aviso de recepção a comunicação de denúncia do contrato de trabalho, nos termos legalmente admissíveis.
N. E na referida comunicação de denúncia do contrato de trabalho, a ora Autora, solicitou expressamente o apuramento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho ao abrigo das condições da convenção colectiva de trabalho aplicável à situação laboral individual em concreto.
O. Na data de 26 de Agosto de 2022, a 1.ª Ré, representada na pessoa do seu gerente, o 3.º Réu enviou uma mensagem de correio electrónico (e-mail) à ora Autora.
P. A 1.ª Ré apurou os créditos salariais devidos à Autora, com base no salário mínimo nacional.
Q. A Autora interpelou a 1.ª Ré na data de 08 de Setembro de 2022, por carta registada com aviso de recepção, na qual reclamava o pagamento das diferenças salariais ao longo de todos os anos em que prestou a sua actividade laboral para a 1.ª Ré.
R. A formação profissional nunca foi proporcionada à Autora.
S. A Ré XX Unipessoal, Lda. apesar de ter no seu objeto social várias actividades educativas e de exploração de vários tipos de estabelecimentos, tinha em 2008 e ainda mantém actualmente, a classificação de berçário e creche.
T. A Ré tem como utentes, crianças com idades compreendidas entre os 3 meses de idade até aos 36 meses de idade.
U. O berçário comporta crianças entre os 3 até aos 12 meses de idade, e a creche crianças entre os 12 até aos 36 meses de idade.
V. Nem a entidade patronal era filiada em alguma das associações patronais que subscreveram o CCT em causa; nem a trabalhadora era sindicalizada nalgum dos sindicatos subscritores.
W. No dia 1 de Setembro de 2011, a Ré abriu um estabelecimento independente da creche, que designou por “Centro de Estudos”, destinado a crianças do 1º ciclo (1º ao 4º ano de escolaridade), e ciclo preparatório (5º e 6º ano de escolaridade).
X. Naquele espaço a Ré assegurava o acompanhamento das crianças durante o tempo em que ali se encontravam, esclarecendo as suas dúvidas, e ajudando na resolução dos trabalhos de casa e na preparação para os testes.
Y. As crianças passavam naquele centro de estudos parte do seu tempo livre diário, ali permanecendo nos períodos de ausência escolar.
Z. No âmbito daquela actividade, a Ré assegurava ainda a recolha das crianças nas respectivas escolas através de uma carrinha de transporte próprio, e nalguns casos procediam à entrega das crianças nas escolas após a permanência no centro de estudos.
AA. O centro estava aberto das 9.00 h às 12.30 h, e das 15.00 h às 19.00 h, sendo que a Autora saía às 18.30 horas.
BB. O estabelecimento de centro de estudos estava localizado na ...
CC. Tendo um local distinto da creche explorada pela Ré, apesar de se encontrarem localizados na mesma praceta, em prédios contíguos.
DD. A 1.ª Ré procedeu às alterações no seu objecto social, passando a integrar as actividades de acompanhamento e apoio escolar, explicações, e exploração de salas de estudo, assim como o transporte terrestre de alunos, com a inclusão de CAE’s secundários (85593; 49392).
EE. Provado apenas que nas funções exercidas pela Autora, cabiam, para além das de Educadora de Infância, as seguintes tarefas:
- Transporte colectivo das crianças entre as escolas e o centro de estudos.
- Apoio das crianças no centro de estudos, assegurando o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa e esclarecimento de dúvidas.
FF. Provado apenas que a Autora exerceu estas funções, para além das de Educadora de Infância, entre 1 de Setembro de 2011 até 31 de Agosto de 2019 (data em que o Centro de Estudos encerrou).
GG. A Autora frequentou o curso de Motorista para transporte colectivo de crianças junto da ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias.
HH. Foi a Ré que custeou o curso em causa, no valor de € 207,50.
II. A Autora nunca solicitou à 1.ª Ré qualquer incremento salarial na sequência das novas funções que passou a exercer.
JJ. A Autora nunca dirigiu ao estabelecimento ou à sua entidade empregadora, a adesão individual ao contrato.
KK. Quando a Ré foi admitida ao serviço da Autora, era mãe de uma criança ainda bebé.
LL. Tendo pedido se haveria a possibilidade da sua filha poder frequentar o estabelecimento em causa.
MM. A 1.ª Ré anuiu nesta situação.
NN. A 1.ª R. concedeu à Autora um desconto nas mensalidades correspondente a 50% do valor, suportando apenas € 112,50, quando a mensalidade para qualquer uma das outras crianças era de € 225,00.
**
A título de Factos não provados consignou-se o seguinte:
1. Da mesma forma, aquando da contratação a 2.ª Ré bem sabia que o vencimento que estava a pagar à aqui Autora, não era um vencimento adequado à sua categoria profissional de Educadora de Infância, razão pela qual, por vontade própria e exclusiva disponibilizou-se a compensar o parco vencimento com o subsídio de refeição no valor de € 133,10.
2. A situação supra descrita era do perfeito conhecimento das Rés e do Réu, porquanto todos bem sabiam, porque não podiam desconhecer, que se encontravam a incumprir.
3. Todas as Rés e Réu não podiam ignorar que, ao não pagar as retribuições devidas à ora Autora, provocavam de forma directa e imediata graves danos e prejuízos na sua vida pessoal, colocando a ora Autora, ao longo de mais de catorze (14) anos, numa situação de fragilidade financeira geradora de dificuldades de subsistência no seu dia-a-dia, tanto mais que a Autora, tinha família e uma filha menor para criar.
4. A formação profissional a que a 1.ª Ré estava obrigada nunca foi proporcionada à aqui Autora.
5. A Ré pelo exposto, não é, nem nunca foi um jardim de infância – estabelecimentos que se destinam a crianças com idade superior a 36 meses.
6. A Ré nunca teve no seu estabelecimento crianças com idade superior a 36 meses.
7. Esta actividade distinta (Centro de Estudos), resultou de uma troca de ideias entre a legal representante da 1.ª Ré e a própria Autora.
8. Tendo a própria Autora referido que gostaria muito de ter a oportunidade de poder exercer funções diferentes daquelas que vinha exercendo, e que caso viesse a ser decidido avançar com aquela actividade - se disponibilizava para ser a pessoa que se encarregaria de assumir aquele projecto.
9. E perante a disponibilidade manifestada pela Autora, e as necessidades que se faziam sentir naquela zona geográfica quanto à prestação de uma actividade daquela natureza, a legal representante da Ré decidiu avançar, e abrir aquele espaço.
10. E consequentemente organizou a sua estrutura de recursos humanos assente na prestação do trabalho da Autora, conforme ela própria tinha manifestado expressa vontade.
11. O núcleo das funções, e o conteúdo funcional do trabalho prestado pela Autora enquanto esteve ao serviço no centro de estudos, nunca foi o de Educadora de Infância.
12. Além da legal representante da 1.ª Ré e do seu filho (3.º Réu), a Autora era a única funcionária da 1.ª Ré que se encontrava a trabalhar no Centro de Estudos, mas a exercer funções totalmente distintas daquelas que exerceu entre 01 de Maio de 2008 até ao dia 31 de Agosto de 2011.
13. Perfazendo 8 anos naquelas funções, período durante o qual a Autora não exerceu a sua função como Educadora de Infância.
14. A Autora desempenhou as suas funções como Educadora de Infância apenas nos seguintes períodos:
- 01.05.2008 - 31.08.2011;
- 01.09.2019 - 09.08.2022.
15. E mais ainda, cada aluno pagava mensalmente o valor de € 100,00 por mês pelas refeições, ou em alternativa a este pagamento trazia a comida para o estabelecimento.
16. No caso da Autora, a 1.ª Ré dispensou-a de pagar este valor mensal, e a filha comia as refeições confecionadas pela Ré.
17. A Autora ficou também dispensada do pagamento mensal de € 10,00, referente ao material escolar que era devido por cada criança.
***
Oportunamente será referida a Motivação da decisão sobre a matéria de facto.
***
O objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC ex vi do artigo 87º do CPT ) .
Mostra-se interposto um recurso pela Ré .
Analisadas as respectivas conclusões constata-se que nelas se suscitam duas questões fulcrais, sendo certo que a absolvição da 2ª Ré e do 3ª Réu se mostra transitada.15
A primeira concerne à impugnação da matéria de facto.
A recorrente sustenta que a apreciação da prova foi errada .
Entende que :
- o Facto F. [
F. E na vigência da relação laboral a ora Autora sempre exerceu as funções inerentes à sua categoria profissional nas instalações da 1.ª Ré, na ...] dado como provado, deve passar a ser dado como Não Provado.
- O Facto EE. [
EE. Provado apenas que nas funções exercidas pela Autora, cabiam, para além das de Educadora de Infância, as seguintes tarefas:
- Transporte colectivo das crianças entre as escolas e o centro de estudos.
- Apoio das crianças no centro de estudos, assegurando o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa e esclarecimento de dúvidas] deve passar a ser dado como Provado, com o seguinte teor:
“Nas funções da Autora, cabiam as seguintes tarefas:
- Transporte colectivo das crianças entre as escolas e o centro de estudos.
- Apoio das crianças no centro de estudos, assegurando o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa e esclarecimento de dúvidas.
(Tal qual resulta do teor de 67º da Contestação da 1ª R.)
- O Facto FF [
FF. Provado apenas que a Autora exerceu estas funções, para além das de Educadora de Infância, entre 1 de Setembro de 2011 até 31 de Agosto de 2019 (data em que o Centro de Estudos encerrou)] deve passar a ser dado como Provado, com o seguinte teor:
“A Autora exerceu estas funções, entre 1 de Setembro de 2011 até 31 de Agosto de 2019 (data em que o Centro de Estudos encerrou).”
(Tal qual resulta do teor de 68º da Contestação da 1ª R.)
Os Factos nºs 11, 13 e 14 dados como Não Provados [
11. O núcleo das funções, e o conteúdo funcional do trabalho prestado pela Autora enquanto esteve ao serviço no centro de estudos, nunca foi o de Educadora de Infância.
13. Perfazendo 8 anos naquelas funções, período durante o qual a Autora não exerceu a sua função como Educadora de Infância.
14. A Autora desempenhou as suas funções como Educadora de Infância apenas nos seguintes períodos:
- 01.05.2008 - 31.08.2011;
- 01.09.2019 - 09.08.2022.] devem passar a ser dados como Provados.
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Apreciemos , pois, a primeira vertente do recurso da Ré , sendo certo que observou o disposto no artigo 640º do CPC.
A título introdutório dir-se-á que segundo o STJ impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação , tal como a prova testemunhal, com observância dos requisitos previstos no artigo 640º do NCPC16, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art. 662º ( vide vg: acórdão de 11-02-2016, proferido no âmbito do processo nº 907/13.5TBPTG.E1.S1 , Nº Convencional, 2ª Secção , Relator Conselheiro Abrantes Geraldes , acessível em www.dgsi.pt17).
Respeitando tal entendimento , sempre acrescentaremos que como se referiu em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 200818 19:
“o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento (…)”.
Em sentido idêntico , aponta a Conselheira Ana Luísa Geraldes 20 quando refere que em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Mais à frente refere :
«O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade».
Na realidade , a imediação obtida na Relação nunca é igual à lograda em 1ª instância , mesmo nos casos – o que nos presentes autos não ocorreu - em que se passe a gravar as audiências em vídeo para além do actual áudio ; o que com as alterações introduzidas pelo DL n.º 97/2019, de 26/07, se tornou possível 2122.23
Daí que , a nova convicção a operar na Relação ( a qual no mínimo implica que o julgamento tenha que ser ouvido24 na íntegra , como aqui se fez; basta relembrar o principio da aquisição processual….) não possa deixar de ter em conta a operada e descrita pela 1ª instância , não fazendo dela tábua rasa.
Na situação em exame a prova testemunhal e documental produzida afigura-se ser de livre apreciação.
Segundo o Professor Manuel de Andrade 25de acordo com o princípio da livre apreciação da prova , o que torna provado é a íntima convicção do juiz , gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem da conduta processual das partes ) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens , não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.
Uma coisa é certa não se alcançam certezas absolutas.
A verdade que se alcança é a verdade processual.
Nas palavras de Abrantes Geraldes tratando-se de um julgamento humano, o tribunal deve guiar-se sempre por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta , inatingível.26
Para que a impugnação de facto proceda, é , pois, necessário que as provas indicadas pelo(s) recorrente(s) , bem como todas as outras que foram produzidas , imponham, quanto à matéria impugnada, uma decisão diversa da proferida.
Mais se consigna que se ouviu na íntegra o julgamento por forma a permitir uma visão global da prova produzida em julgamento , conjugada com a restante constante dos autos, evitando-se dessa forma descontextualizações.
****
Anote-se , agora, que a motivação da matéria de facto logrou o seguinte teor:
«
O Tribunal teve em consideração a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, a saber, não apenas o teor dos documentos juntos aos autos, e os quais não mereceram quaisquer desmérito mas também os depoimentos das testemunhas inquiridas nesta sede e por fim, as declarações de parte da Autora e depoimento de parte da legal representante da 1.ª Ré.
Assim, o Tribunal teve em consideração o teor da certidão de registo comercial de fls. 20, 72 a 74 e da qual é possível extrair qual o objecto social da 1.ª Ré, a cópia do contrato de trabalho a termo certo de fls. 21 e 21 verso, assim como o respectivo anexo ao mesmo de fls. 22, e de onde foi possível ao Tribunal retirar quais as cláusulas acordadas entre a Autora e a 1.ª Ré, nomeadamente quanto à sua retribuição, funções a desempenhar, horário de trabalho, local de trabalho, data da sua celebração e seu termo, e por fim, qual o regime legal que, de acordo com as partes, deveria vigorar para reger a relação entre estas.
No mais, o Tribunal teve ainda em atenção a declaração de fls. 23, assim como o certificado de trabalho de fls. 24, documentação essa emitida pela 1.ª Ré e na qual consta quais as funções que a Autora exerceu na mesma, e desde que data, o mapa de horário de trabalho de fls. 25, documentação essa da qual consta que a Autora desempenhava as funções de educadora de infância, o certificado de fls. 26 referente às habilitações académicas da Autora referentes ao seu curso de educadores de infância, os recibos de vencimento de fls. 27 a 29 verso e 32 e dos quais consta não só o valor da retribuição auferida pela Autora como também a sua categoria profissional de Educadora de Infância, a carta de fls. 30 remetida pela Autora à 1.ª Ré e na qual a mesma denuncia o seu contrato de trabalho devidamente recepcionada por esta última tal como se pode retirar do registo e aviso de recepção de fls. 30 verso e 31, a carta remetida pela Autora à 1.ª Ré referente ao pedido de pagamento dos valores que, de acordo com a Autora, esta seria credora, e registo e aviso de recepção de fls. 34 verso e 35.
Teve-se ainda em atenção o certificado de formação profissional emitido a favor da Autora e referente ao curso de motorista de transporte colectivo de crianças, datado de 23 de Março de 2023 mas referente ao curso de 10 de Fevereiro de 2011, o recibo de fls. 76 demonstrativo do valor pago pela 1.ª Ré à Antram e referente ao curso frequentado, com aproveitamento, pela Autora, as facturas de fls. 78 a 89 dos autos, emitidas pela 1.ª Ré à Autora e demonstrativas do valor por esta pago no que toca à frequência da sua filha do estabelecimento explorado por aquela, e por fim, cópia do alvará de fls. 100 referente ao estabelecimento em questão e datado de 16 de Dezembro de 2005.
Posto isto e feito um périplo pela análise dos elementos de prova documental juntos aos autos, é de salientar que todas as partes estão de acordo quanto ao início da sua relação contratual laboral, os termos em que a mesma foi acordada, assim como retribuição auferida, local de trabalho, e por fim, cessação da mesma e termos em que esta ocorreu.
No mais, as divergências ocorrem entre as partes, essencialmente, no tocante às funções exercidas pela Autora enquanto ao serviço da 1.ª Ré, nomeadamente saber se esta exerceu as funções de educadora de infância durante todo o tempo de execução do contrato de trabalho, ou não e os termos em que o fez, da mesma forma que é controvertida a matéria de facto referente à eventual responsabilidade dos 2.ª e 3.º Réus.
Quanto a esta matéria, o Tribunal escudou a sua convicção não só nas declarações de parte da Autora realizadas em audiência de julgamento mas também no depoimento da testemunha DD, ex colega da mesma. Por esta testemunha foi demonstrado um conhecimento directo e imediato dos factos em análise, tendo deposto co credibilidade e isenção, uma vez que referiu que a Autora, durante o período em que ambas foram colegas, se encontrava ao serviço não do berçário e creche mas sim do centro de estudos o qual, abrangia crianças em idade escolar, ou seja, fora do âmbito de exercício de uma educadora de infância. Porém, tal testemunha confirmou igualmente, corroborando a tese exposta pela Autora nas suas declarações de parte, que o centro de estudos albergava também crianças que ainda não se encontravam em idade escolar mas que tinham mais de três anos de idade, ou seja, as quais não tinham obtido vagas nas instituições públicas e como tal, continuavam à sua responsabilidade enquanto educadora de infância.
De reter que tal testemunha confirmou ainda lembrar-se, inclusive, dos nomes de algumas das crianças que se encontravam nesta situação (ex. EE, FF).
Tais declarações de parte e testemunho não entram em rota de colisão com o depoimento das testemunhas GG, HH, II e JJ, testemunhas estas que descreveram o percurso da Autora como alguém que iniciou o seu trabalho como educadora de infância na cresce/berçário, após foi transferida para o centro de estudos o qual encerrou em 2019 com a epidemia causada pelo Covid 19, tendo regressado, nesta data, à creche/berçário.
É que do que se retira dos depoimentos da testemunha DD e das declarações de parte da Autora, é que esta, de facto, mudou de funções quando foi transferida para o centro de estudos passando a exercer um apoio escolar, assim como as funções de motorista. Mas isso não significa que a Autora tenha abandonado as suas funções de educadora de infância uma vez que ocasionalmente, e durante o período em que esteve no centro de estudos, este albergava crianças entre os três e os cinco anos de idade, muito embora de modo residual.
O que se pretende com isto dizer é que da conjugação de todos estes depoimentos, o Tribunal permite-se chegar à conclusão fundamentada que a Autora nunca deixou de exercer as funções de educadora de infância, muito embora, durante o período de tempo em que esteve ao serviço no centro de estudos, o tenha feito de modo ocasional e residual face às funções de apoio escolar que exercia neste espaço da 1.ª Ré. Mas isso não quer dizer que, mesmo quando não estava a exercer, de facto, tais funções, não estivesse disponível para tal com o conhecimento dos Réus, e para quando houvesse essa necessidade, o que ocorreu de modo ocasional.
Assim, dos depoimentos das testemunhas indicadas supra foi possível retirar quais as datas em que a Autora trabalhou na creche/berçário e após no centro de estudos, passando de novo para a creche/berçário e tarefas em concreto realizadas em cada um destes espaços.
Por sua vez, o depoimento da testemunha JJ, companheiro da 2.ª Ré, e responsável pela facturação da 1.ª Ré, foi relevante para o apuramento de quais aos valores que a Autora beneficiava por ter a sua filha no estabelecimento desta última.
De referir que o ónus da prova de que o empregador não assegurou as horas mínimas anuais de formação profissional cabe ao trabalhador, neste caso à Autora, e ao empregador que o fez e que a formação foi determinada por acordo ou por apenas si, mas neste caso deve coincidir ou ser afim com a actividade prestada (arts. 342.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil e 133.º n.º 1 do Código do Trabalho). Ou seja, nenhuma prova foi produzida no sentido de demonstrar a ausência de formação profissional alegada nos autos, pelo que se justifica assim a sua inclusão na factualidade considerada como não provada.
Por fim, é de referir que o Tribunal não considerou certos factos como provados e tais como indicados supra, face à completa ausência de prova a estes respeitantes ou tendo em consideração a prova de factos contrários.
O Tribunal não respondeu à matéria de facto conclusiva assim como à matéria de carácter eminentemente jurídico procurando-se assim demonstrar o raciocínio lógico, dedutivo e sistemático que presidiu à decisão sobre a matéria de facto considerada supra.» -fim de transcrição.
*
Analisados os depoimentos prestados em julgamento [ a título de declarações de parte e em sede testemunhal] - sendo certo que se ouviu o julgamento na íntegra com excepção, por motivos óbvios, das alegações - cumpre salientar que , com respeito por opinião distinta , não se vislumbra que a 1ª instância tenha incorrido em valoração manifestamente errónea da prova produzida no tocante ao cerne da impugnação factual que no fundo gira sobre o exercício ao logo de todo o tempo que se encontra em causa do exercício pela Autora das funções de Educadora de Infância mesmo quando passou a trabalhar na Sala de Estudos com crianças mais velhas e não apenas na creche com crianças dos 3 a 36 meses.
Ora , a nosso ver, da prova produzida decorre que mesmo quando passou a estar na Sala de Estudos /ATL a Autora embora com funções mais abrangentes do que as realizadas anteriormente na creche não deixou de as exercer embora não numa perspectiva exclusivamente lúdica.
É que o resulta da globalidade da prova produzida , da qual a motivação faz uma boa e rigorosa súmula , mesmo excluindo as declarações de parte da Autora e o depoimento de parte da Ré BB ,na qualidade de representante da 1ª Ré , sendo que o Réu CC não chegou a ser ouvido nessa qualidade por não deter tal qualidade.
Vai, pois, indeferida a vertente do recurso atinente à impugnação factual.
****
A segunda vertente do recurso da Ré consiste em saber se deve reputar-se que o CTT entre a AEEP (Assoc. Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind. Nacional dos Prof. de Educação), Revisão global, publicado no BTE n.º 11, de 22.03.2007, logra aplicabilidade na relação laboral existente entre a Autora e a Ré com as inerentes consequências em sede salarial ; sendo que os cálculos a tal título efectivados em sede condenatória não se mostram questionados.
Sobre o assunto a verberada sentença discorreu nos seguintes moldes:
«
C - Fundamentação de direito.
Resulta indiscutível dos autos a celebração entre a Autora e a 1.ª Ré de um contrato de trabalho a termo certo que, face à sua renovação, se convolou num contrato de trabalho sem termo. Mais resultou demonstrado que este contrato foi celebrado em 01 de Maio de 2008, sendo que a Autora foi contratada para exercer as funções de educadora de infância, com a retribuição de
Considerando a matéria de facto considerada como provada há que ter em atenção o Contrato Colectivo de Trabalho outorgado entre a AEEP (Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e o SINAPE (Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação) publicado no BTE n.º 11 de 22 de Março de 2007, assim como a sua eventual aplicação ao caso concreto.
De referir que resultou provado que a Autora praticava um horário de trabalho de trinta e cinco (35) horas semanais, cinco dias por semana, de 2.ª a 6.ª feira, com início às 09h30m e termo às 18h30m e com um intervalo para almoço de duas horas, das 12:00h às 14:00h e a título de remuneração, a ora Autora auferia um salário mensal de € 586,41 (quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e um cêntimos) bem como recebia mensalmente a título de subsídio de refeição o valor de € 133,10 (cento e trinta e três euros e dez cêntimos).
Por fim, resultou provado que da cláusula décima segunda do contrato de trabalho junto aos autos consta:
“Esta relação de trabalho está sujeita à Legislação Geral do Trabalho, nomeadamente o Código do Trabalho, Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, e demais legislação complementar, e CCT entre a AEEP (Assoc Estab Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind Nac dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 22-03-2007”.
Coloca-se assim a questão de saber se o CCT entre a AEEP (Assoc Estab Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind Nac dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 22-03-2007 tem aplicação na regulamentação da relação contratual laboral existente entre a Autora e a 1.ª Ré.
Ora, consagra o art.º 405.º do Código Civil o princípio da liberdade contratual nos seguintes termos:
“Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
Assim, quando duas partes de um contrato válido e eficaz o celebram, o mesmo passa a constituir lei imperativa entre as partes.
Por sua vez, e de acordo com o art.º 406.º do Código Civil “o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei”, daí decorrendo o princípio da força vinculativa contratual. Deste princípio, decorrem, por sua vez os seguintes (subprincípios): o da pontualidade, no sentido de dever o contrato ser executado ponto por ponto, em todas as suas cláusulas; o a irretractabilidade ou da irrevogabilidade do vínculo contratual e o da intangibilidade do seu conteúdo.
Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos (Vide Ac. do STJ de 20-06-2018, proc. 3910/16.0T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt).
No âmbito da autonomia contratual de que gozam as partes, há muito tempo que se admite poderem estas incluir no contrato de trabalho cláusulas que remetem para o previsto na lei e/ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (Vide Ac. TRL de 11 de Novembro de 2023, proc. 6748/22.1T8LSB.L1-4, Relatora: Senhora Desembargadora Albertina Pereira, in www.dgsi.pt).
Trata-se das chamadas cláusulas de reenvio ou remissão.
Para o que ora releva, no que se refere aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, essas cláusulas de remissão contidas nos contratos de trabalho podem ser definidas como convenções mediante as quais as partes acordam submeter a sua relação laboral, no todo ou em parte, à disciplina contida numa CCT.
A remissão pode revestir uma de duas formas, ou uma repetição das normas da CCT no contrato de trabalho ou a remissão pura e simples à totalidade ou parte da disciplina de uma CCT.
Acresce que as cláusulas (normas) remissivas podem assumir natureza estática ou dinâmica, ou seja, a Doutrina tem classificado tais normas, no que aqui releva, em estáticas e dinâmicas, em função do sentido da remissão.
Assim, no primeiro caso, remete-se para uma norma concreta, tal como existe no momento do apontar da norma a quo – remissão estática; no segundo, a remissão faz-se para um lugar normativo formal, seja qual for a configuração que ele vá assumindo - remissão dinâmica.
“A remissão genérica traduzida pela referência a um dado instituto será quase sempre dinâmica. Quando a lei remete para o regime de certo instituto não visa, em geral, a sua regulamentação originária, mas antes o regime que existir no momento em que haja de
Ora, nos autos resulta claro que ambas as partes pretenderam sujeitar o regime do contrato em questão a dois diplomas em concreto e em simultâneo, a saber, ao Código do Trabalho e legislação complementar e ao Instrumento de Regulamentação Colectiva do Trabalho identificado supra.
Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto sendo que a interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
Posto isto, nada no texto da Cláusula Décima Segunda do contrato de trabalho em apreço nos permite concluir que o CCT em questão terá aplicação apenas subsidiária no caso dos autos pois, relembremos o texto em questão:
“Esta relação de trabalho está sujeita à Legislação Geral do Trabalho, nomeadamente o Código do Trabalho, Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, e demais legislação complementar, e CCT entre a AEEP (Assoc Estab Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind Nac dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 22-03-2007” (sublinhado e negrito nosso).
O elemento literal da norma em questão, assim como a ausência de quaisquer outros elementos que nos permitam uma interpretação diferente impõe a conclusão de que o CCT em apreço vigora na relação entre as partes tal como o Código do Trabalho e demais legislação complementar.
Por outro lado, e na ausência de outros elementos que nos permitam estabelecer uma hierarquia entre estas normas, há que recorrer às regras gerais, sendo que o CCT aqui em análise corresponde a uma lei especial que derroga a lei geral, a saber o Código do Trabalho.
Em suma, é de concluir que os valores remuneratórios devem ser calculados de acordo com as regras impostas por aquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e não de acordo com as regras gerais, em virtude das regras de interpretação da lei constantes do art. 9.º do Código Civil, assim como face ao princípio da liberdade contratual contido no art. 405.º do mesmo diploma, vontade contratual essa a qual impõe a aplicação de tal tabela salarial desde o momento da celebração do contrato independentemente da existência ou inexistência de qualquer portaria de extensão, assim como da filiação ou não filiação das partes nas entidades outorgantes.
De referir também que que resultou provado que a Autora exerceu diversas funções no Centro de Estudos da 1.ª Ré, para além das funções de Educadora de Infância, pois foi demonstrado que naquele Centro de Estudos se encontravam a cargo da Autora, de modo esporádico, crianças entre os três e os cinco anos, estando esta disponível para cuidar das mesmas ao abrigo do contrato que tinha com a 1.ª Ré pelo que não vinga a tese de que o CCT aqui em análise não é aplicável ao caso dos autos.
Por sua vez, o Tribunal não é alheio ao facto de no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31, de 22.08.2017, ter sido publicado o Acordo de Revogação do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a AEEP e a FNE (do qual o SINAPE passou a fazer parte).
Porém, tal circunstância é irrelevante para os autos uma vez que prevê o art. 129.º n.º 1 al. d) Código do Trabalho, que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Ou, por outras palavras, à Autora deveria ter sido paga a retribuição constante do CCT melhor identificado supra e isto desde a data do início da sua relação contratual sendo que o acordo de revogação deste CCT não se pode traduzir numa diminuição de tal retribuição face ao exposto no art. 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho.
E mais, tal retribuição deve ter reflexos no pagamento das férias, do subsídio de férias e Natal face à previsão constante dos arts. 264.º n.º 1 e 263.º n.º 1 do Código do Trabalho.» - fim de transcrição.
No essencial concorda-se com o ali exposto.
Na realidade , independentemente do princípio da dupla filiação consagrado no artigo 552º do CT/20032728 e posteriormente no artigo 496º do CT/2009 29 30 , e de se ter provado que nem a Autora era sindicalizada nem a Ré era filiada em associação patronal31 , cabe recordar que se provou o seguinte:
A. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social, actividades de educação pré-escolar, exploração de jardins-de-infância, creches e berçários, actividades educativas e pedagógicas conexas com a educação, acompanhamento e apoio escolar, explicações, exploração de salas de estudo acompanhado em qualquer nível de ensino, organização e promoção de actividades de ensino diversas, de workshops e actividades de formação e transporte terrestre de alunos.
B. A ora Autora começou a trabalhar por conta da 1.ª Ré identificada supra, sob as suas ordens, direção e fiscalização no dia 01 de Maio de 2008.
C. A ora Autora foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria profissional de educadora de infância.
D. As funções da Autora traduziam-se em promover o desenvolvimento global das crianças, planificar e organizar actividades com as crianças de modo a ocupá-las e a incentivar o seu desenvolvimento físico, psíquico, bem como a realização de actividades e diversos exercícios de coordenação motora, atenção, imaginação e raciocínio, treinamento da memória, e ainda, de um modo geral, a realização de actividades de promoção do desenvolvimento psico-motor das crianças, atividades pedagógicas, o acompanhamento e a avaliação individual das crianças e o atendimento das famílias.
E. O contrato de trabalho outorgado entre a ora Autora e a 1.ª Ré, esta à época representada pela sua gerente, aqui 2.ª Ré, foi um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de doze (12) meses, o qual renovou-se automaticamente até se convalidar num contrato de trabalho sem termo.
F. E na vigência da relação laboral a ora Autora sempre exerceu as funções inerentes à sua categoria profissional nas instalações da 1.ª Ré, na ....
G. A ora Autora praticava um horário de trabalho de trinta e cinco (35) horas semanais, cinco dias por semana, de 2.ª a 6.ª feira, com início às 09h30m e termo às 18h30m e com um intervalo para almoço de duas horas, das 12:00h às 14:00h.
H. E a título de remuneração, a ora Autora auferia um salário mensal de € 586,41 (quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).
I. Bem como recebia mensalmente a título de subsídio de refeição o valor de € 133,10 (cento e trinta e três euros e dez cêntimos).
J. A ora Autora é titular do grau académico de licenciatura em educação de infância, concluída em 2002.
K. Da cláusula décima segunda do contrato de trabalho junto aos autos a fls. 21 e 21 verso consta:
“Esta relação de trabalho está sujeita à Legislação Geral do Trabalho, nomeadamente o Código do Trabalho, Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, e demais legislação complementar, e CCT entre a AEEP (Assoc Estab Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE (Sind Nac dos Profissionais de Educação), publicado no BTE n.º 11, de 22-03-2007”.
Ora a aplicabilidade de um CCT a certa relação laboral pode decorrer , atento o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil32, da previsão do próprio contrato de trabalho (através de cláusula de remissão geral para a contratação colectiva do sector ou da empresa), tal como sucede na supra transcrita cláusula 12ª do contrato de trabalho[ factos E, F, G, H, I e K] .
Nas palavras do Professor Bernardo da Gama Lobo Xavier33 « nestas situações ao clausulado do CCT é dada relevância pela vontade negocial das partes no contrato de trabalho» - fim de transcrição.
Tal como se refere em aresto do STJ , de 7/11/2007, proferido no âmbito do processo n.º 2624/07, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, publicado em Sumários do STJ em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/social2007.pdf e também em AD, 555.º- 652 34:
«
Para que um determinado CCT seja globalmente aplicável à relação laboral, em razão do acordo das partes, é necessário que se prove que tal aplicação foi individualmente acordada entre o empregador e o trabalhador, não bastando, que o trabalhador seja remunerado pelas tabelas salariais previstas nesse CCT».
Sobre o assunto o STJ , em aresto , de 10-07-2008,
07S3660, Nº do Documento:SJ200807100036604,
Nº Convencional:JSTJ000, Relator Conselheiro Mário Pereira , acessível em www.dgsi.pt , considerou35:
«
IV - Não há obstáculo legal, no quadro do princípio da liberdade contratual, à validade das cláusulas de remissão para o regime de um instrumento de regulamentação colectiva contidas em contrato individual de trabalho, ainda que entretanto aquele instrumento haja perdido validade.
V - Celebrado por escrito um contrato de trabalho a termo para o exercício, pelo autor, na época desportiva de 2004/2005 (de 25-08-2004 a 30-06-2005), do cargo de treinador adjunto de futebol e constando desse contrato que ao mesmo se aplicam, no omisso, as disposições do CCT outorgado entre a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e a Liga Portuguesa do Futebol Profissional (publicado no BTE, 1.ª série, n.º 27 de 22-07-97 e com PE no BTE, 1.ª série, n.º 37 de 10-10-97), deve o contrato individual em causa reger-se pela regulamentação deste CCT, em tudo o que nele não for contemplado.» - fim de transcrição.
Segundo Bruno Mestre , citado no aresto da Relação de Lisboa, de 13 de Fevereiro de 2019, proferido no processo nº 14532/17.8T8SNT.L1-4, Relator José Eduardo Sapateiro , acessível em www.dgsi.pt 36:
«
Os arts. 96.º, 98.º, n.º 3, e 111.º [[11]] do CT fazem, em contextos distintos, alusão a uma prática comum na vida laboral a que chamaremos de cláusulas de remissão. (…) .
Estes três exemplos revelam que é comum que as partes optem por não regular diretamente o conteúdo da sua relação laboral no próprio texto do contrato de trabalho, mas antes substituir essa regulação ou obrigação pela simples referencia as disposições que pretendem aplicar. (…)
As cláusulas de remissão podem ser definidas como convenções inseridas em contratos individuais de trabalho mediante as quais as partes acordam submeter a sua relação laboral, no todo ou em parte, à disciplina contida numa CCT.
A remissão pode revestir uma de duas formas, (1) uma repetição das normas da CCT no contrato de trabalho ou (2) a remissão pura e simples à totalidade ou parte da disciplina de uma CCT (e.g.: considera-se que este contrato será regido na sua totalidade pela CCT X e suas revisões futuras).
A técnica da repetição é aconselhada apenas nas situações em que as partes desejam convencionar aspetos muito específicos do regime de uma CCT; em todas as outras situações, recomenda-se a técnica da remissão, pois de outra forma o texto do contrato de trabalho poderá tornar-se excessivamente complexo e oneroso.
A remissão tem por efeito o de submeter o contrato de trabalho ao regime de uma CCT e consiste - a par do regulamento de extensão (art.º 573.º do CT) - numa técnica jurídica de aplicação de uma disciplina coletiva sem que haja filiação no sindicato outorgante da CCT em questão.
Existem diversos motivos que podem conduzir as partes a convencionarem uma cláusula desta natureza; o principal consiste em alcançar um regime uniforme de trabalho na empresa.
Com efeito, sabemos que a aplicação das condições coletivas de trabalho em Portugal encontra-se sujeita ao principio da relatividade ou da dupla filiação (art.º 552.º do CT), o que implica que tanto o empregador como o trabalhador tenham que se encontrar filiados nas organizações signatárias da CCT para que estas logrem aplicação as relações individuais.
Este princípio tem geralmente por consequência uma fragmentação dos regimes laborais aplicáveis na empresa, visto que mesmo que o empregador se encontre vinculado a CCT, esta apenas logrará aplicação aos trabalhadores sindicalizados no sindicato outorgante. (…)
O empregador português pode obviar a esta consequência inserindo nos contratos individuais de trabalho uma cláusula ­ sujeitando a totalidade dos seus trabalhadores - sindicalizados e não-sindicalizados - à disciplina da CCT que haja outorgado.
Conseguirá assim lograr a aplicação do mesmo regime coletivo de trabalho à totalidade dos seus trabalhadores, independentemente da filiação sindical.
Este alargamento convencional do âmbito de aplicação de uma CCT tem a vantagem de facilitar a gestão de recursos humanos na empresa, evitar a formulação de contratos ad hoc para os trabalhadores não-sindicalizados e a de utilizar a CCT como padrão interpretativo do contrato de trabalho. (…)
As cláusulas de remissão encontram o seu fundamento no princípio da liberdade contratual. Para que uma cláusula de remissão seja valida é necessário que cumpra os requisitos gerais de determinação da prestação.
A remissão deve indicar concretamente qual é a CCT que quer ver aplicada à relação laboral ou indicar quais os critérios que presidirão à eleição da CCT aplicável num segundo momento; nestes termos, não é necessário que a CCT aplicável seja a priori determinada mas deve ser no mínimo determinável. (…)
Uma vez determinada a CCT para a qual a cláusula concretamente remete, é atualmente pacífico que as partes são livres de eleger o regime da sua preleção. Embora a regra seja que elejam a CCT competente em termos profissionais e geográficos, em razão dos motivos que levam geralmente o empregador a inserir estas cláusulas no contrato de trabalho - unificação das condições de trabalho na empresa e informação da CCT concretamente aplicável as relações laborais de que o empregador faca parte - a doutrina geral tem admitido que a liberdade contratual permite as partes igualmente remeter para uma CCT não competente em termos profissionais e geográficos e mesmo para CCTs que hajam perdido a validade em virtude de terem sido revistas.
Nestes termos as partes do contrato de trabalho podem - dentro dos limites da liberdade contratual - tanto chamar a aplicação uma CCT competente como uma CCT "estranha" em termos profissionais e geográficos como até uma CCT que haja sido revista e tenha perdido a validade normativa.
O mesmo vale para a remissões totais e parciais; embora por via de regra a remissão tenha por objeto a totalidade do regime coletivo nada impede as partes de convencionarem apenas a aplicação de parte do regime coletivo, embora neste ultimo caso existam limites, nomeadamente em razão da aplicação a estes casos da disciplina das cláusulas contratuais gerais.
A liberdade contratual e os seus limites conformam assim a margem de manobra permitida às partes na celebração de cláusulas de remissão.» - fim de transcrição.
Também nesse sentido aponta acórdão da Relação de Lisboa , de 11-10-2023, proferido no âmbito do processo nº 6748/22.1T8LSB.L1-4, Relatora Albertina Pereira acessível em www.dgsi.pt.37
In casu, é evidente o CCT para o qual as partes pretenderam efectuar a remissão.
Todavia, nos termos do artigo 1º desse CCT:
Âmbito
1 — O presente contrato colectivo de trabalho (CCT)
é aplicável, em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, abrangendo 553 empregadores e 14 974 trabalhadores.
2 — Entende-se por estabelecimento de ensino particular e cooperativo a instituição criada por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos.
Ora provou-se que:
T. A Ré tem como utentes, crianças com idades compreendidas entre os 3 meses de idade até aos 36 meses de idade.
U. O berçário comporta crianças entre os 3 até aos 12 meses de idade, e a creche crianças entre os 12 até aos 36 meses de idade.
W. No dia 1 de Setembro de 2011, a Ré abriu um estabelecimento independente da creche, que designou por “Centro de Estudos”, destinado a crianças do 1º ciclo (1º ao 4º ano de escolaridade), e ciclo preparatório (5º e 6º ano de escolaridade).
X. Naquele espaço a Ré assegurava o acompanhamento das crianças durante o tempo em que ali se encontravam, esclarecendo as suas dúvidas, e ajudando na resolução dos trabalhos de casa e na preparação para os testes.
Y. As crianças passavam naquele centro de estudos parte do seu tempo livre diário, ali permanecendo nos períodos de ausência escolar.
Z. No âmbito daquela actividade, a Ré assegurava ainda a recolha das crianças nas respectivas escolas através de uma carrinha de transporte próprio, e nalguns casos procediam à entrega das crianças nas escolas após a permanência no centro de estudos.
AA. O centro estava aberto das 9.00 h às 12.30 h, e das 15.00 h às 19.00 h, sendo que a Autora saía às 18.30 horas.
BB. O estabelecimento de centro de estudos estava localizado na ...
CC. Tendo um local distinto da creche explorada pela Ré, apesar de se encontrarem localizados na mesma praceta, em prédios contíguos.
DD. A 1.ª Ré procedeu às alterações no seu objecto social, passando a integrar as actividades de acompanhamento e apoio escolar, explicações, e exploração de salas de estudo, assim como o transporte terrestre de alunos, com a inclusão de CAE’s secundários (85593; 49392).
Como tal, a questão é saber se entre a data da celebração do contrato individual de trabalho celebrado entre os litigantes [ 1 de Maio de 2008] e aquela em que [ 1 de Setembro de 2011] , a Ré abriu um estabelecimento independente da creche, que designou por “Centro de Estudos”, destinado a crianças do 1º ciclo (1º ao 4º ano de escolaridade), e ciclo preparatório (5º e 6º ano de escolaridade), o CCT em apreço pode ser reputado como aplicável à relação em causa ?
Entendemos afirmativamente.
A clª 12ª do contrato de trabalho em causa consubstancia uma declaração negocial e se bem que a remissão para a Lei Geral que ali consta se possa considerar uma excrescência , pois a mesma sempre lhe seria aplicável, independentemente da verificação dessa menção, já não se pode dizer o mesmo , nomeadamente tendo em conta o supra referido princípio da dupla filiação, no tocante à inequívoca remissão para o CCT em questão.38
Anote-se ainda que não se provou existir qualquer dissenso sobre o acordo em análise 39 .
Por outro lado, ainda que se considere que existem dúvidas sobre o sentido dessa declaração, visto que nos encontramos perante um negócio oneroso , atento o disposto no artigo 237º do Código Civil40 , cumpre considerar que a sua aplicabilidade conduz a um maior equilíbrio das prestações.
Argumentar-se-á – e é verdade - que no período em causa [ de 1 de Maio de 2008 a 1 de Setembro de 2011] a Autora não exerceu as funções de Educadora de infância para as crianças contempladas pelo CCT em causa , o que já nem sequer corresponde à verdade para o período posterior a 2 de Setembro de 2011[ vide facto W].
Porém, recorde-se que nos termos do CCT que os outorgantes do contrato de trabalho quiseram tornar aplicável à relação laboral em apreço Educador de infância. — É o trabalhador habilitado
com curso específico e estágio que tem sob a sua responsabilidade a orientação de uma classe infantil. Organiza e aplica os meios educativos adequados em ordem ao desenvolvimento integral da criança: psicomotor, afectivo, intelectual, social, moral, etc. Acompanha a evolução da criança e estabelece contactos com os pais no sentido de se obter uma acção educativa integrada.
É também designado por educador de infância o trabalhador habilitado por diploma outorgado pelo Ministério da Educação para o exercício das funções atrás descritas, desde que efectivamente as exerça ou como tal tenha sido contratado.
A Autora [J] é titular do grau académico de licenciatura em educação de infância, concluída em 2002 , sendo que foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria profissional de educadora de infância e que [ EE ] nas funções exercidas pela Autora, cabiam, para além das de Educadora de Infância, as seguintes tarefas:
- Transporte colectivo das crianças entre as escolas e o centro de estudos.
- Apoio das crianças no centro de estudos, assegurando o acompanhamento na realização dos trabalhos de casa e esclarecimento de dúvidas.
Mais se provou [FF] que a Autora exerceu tais funções, para além das de Educadora de Infância, entre 1 de Setembro de 2011 até 31 de Agosto de 2019 (data em que o Centro de Estudos encerrou).
Esgrimir-se-á que a actividade levada a cabo pela Ré no período anterior a 1 de Setembro de 2011, era completamente distinta daquela que o CCT se destinava a regular visto que até esse momento não levava a cabo ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos[ o que já não corresponde à verdade para o período posterior à supra referida data].
Porém, tratava-se de actividade semelhante, por ligada à educação , e não absolutamente díspar, sendo certo ainda que a categoria [e profissão] da Autora encontrava acolhimento no instrumento de regulamentação em apreço, sendo de enfatizar mais uma vez o acordo a tal título expresso por ambos os outorgantes no contrato de trabalho.
Aliás , cumpre frisar que a Portaria n.º 1483/2007, de 19 de Novembro [ que aprovou o regulamento de extensão dos CCT para o ensino particular e cooperativo não superior] , no seu artigo 1º veio determinar:
1 - As condições de trabalho constantes dos contratos colectivos de trabalho entre a AEEP - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF - Federação Nacional dos Professores e outros, entre a mesma associação de empregadores e a FNE - Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE - Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado, para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas;
b) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes.
2 - Não são objecto de extensão as disposições contrárias a normas legais imperativas.
Tanto basta , a nosso ver, para reputar improcedente o recurso.
****
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação da Ré e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
DN (processado e revisto pelo relator).

Lisboa,
Leopoldo Soares
Alda Martins
Sérgio Almeida
_______________________________________________________

1. Em 12 de Fevereiro de 2023 – fls. 1.↩︎
2. Fls. 50-51.↩︎
3. Fls.56 a 71 v.↩︎
4. Fls. 102 a 105 v↩︎
5. Fls. 107 a 110 v.↩︎
6. Fls. 155-155 v.↩︎
7. Realizadas em:
  - 18-9-2023 –fls. 160 a 162;
  - 27-9-2023 – fls. 163-164.↩︎
8. Fls. 170 a 181.↩︎
9. Fls. 168.↩︎
10. Fls. 182 a 204 v.↩︎
11. Fls. 206 a 219.↩︎
12. Fls. 220.↩︎
13. Fls. 224 a 227.↩︎
14. Fls . 231 a 234 v.↩︎
15. A Autora não recorreu nem ampliou o âmbito do recurso.↩︎
16. Como é o caso.↩︎
17. Que logrou o seguinte sumário:
“1. Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (in casu, documentos particulares, testemunhas ou presunções), com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art. 662º.
2. Integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC, o acórdão em que a Relação se limita a tecer considerações de ordem genérica em torno das virtualidades de determinados princípios, como o da livre apreciação das provas, ou a enunciar as dificuldades inerentes à da tarefa de reapreciação dessas provas, para concluir pela manutenção da decisão da matéria de facto.
3. Não tendo sido efectivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, deve o processo ser remetido à Relação para o efeito. “ – fim de transcrição.↩︎
18. Vide Colectânea de Jurisprudência (STJ) Ano XVI, T.1, pág. 206.↩︎
19. Segundo aresto do STJ , de 30-05-2019, proferido no processo nº 156/16.0T8BCL.G1.S1 , Nº Convencional: 2ª Secção, Relatora Conselheira Catarina Serra :
“ Não obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do artigo 662.º do CPC ser peremptório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.
II. O facto de a decisão do Tribunal da Relação ser coincidente com a decisão proferida pela 1.ª instância não pode constituir indício de que aquele não exerceu os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, não estando ele constituído no dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto senão quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.“ – fim de transcrição.↩︎
20. Vide Impugnação”, estudo publicado em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas”, Vol. I, 2013, pgs. 609 e 610.↩︎
21. Segundo o artigo 155º do CPC , com essas alterações,
Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz
1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.
2 - A gravação é efetuada em sistema vídeo ou sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, devendo todos os intervenientes no ato ser informados da sua realização.
3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.
4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
5 - A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível.
6 - A transcrição é feita no prazo de cinco dias a contar do respetivo ato; o prazo para arguir qualquer desconformidade da transcrição é de cinco dias a contar da notificação da sua incorporação nos autos.
7 - A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido.
8 - A redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz.
9 - Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redação inicial.↩︎
22. Relembre-se que de acordo com o artigo 5 .º do DL n.º 97/2019, de 26/07:
Entrada em vigor
1 - O presente decreto-lei entra em vigor no dia 16 de setembro de 2019.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a aprovação e publicação, em data prévia, da regulamentação necessária à execução do disposto no presente decreto-lei.↩︎
23. Embora “a latere” ( consulte-se sobre o assunto as considerações a tal título tecidas por Fernando Pereira Rodrigues, Noções Fundamentais de Processo Civil ,2017, Almedina, págs 453 a 457) , deve frisar-se que embora o Tribunal da Relação tenha acesso às gravações grande parte da imediação e oralidade da prova se perde.↩︎
24. Ou visionado se for esse o caso.↩︎
25. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 384↩︎
26. Vide Temas da Reforma do Processo Civil, Volume II, 3ª edição , págs 226-227.↩︎
27. Aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.↩︎
28. Que regulava:
Artigo 552.º
Princípio da filiação
1 - A convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.
2 - A convenção outorgada pelas uniões, federações e confederações obriga os empregadores e os trabalhadores inscritos, respectivamente, nas associações de empregadores e nos sindicatos representados nos termos dos estatutos daquelas organizações quando outorguem em nome próprio ou em conformidade com os mandatos a que se refere o artigo 540.º↩︎
29. Aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.↩︎
30. Que actualmente preceitua:
Artigo 496.º
Princípio da filiação
1 - A convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
2 - A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respectivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio, nos termos dos respectivos estatutos, ou em conformidade com os mandatos a que se refere o n.º 2 do artigo 491.º
3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.
4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.↩︎
31. Em V deu-se como assente que:
V. Nem a entidade patronal era filiada em alguma das associações patronais que subscreveram o CCT em causa; nem a trabalhadora era sindicalizada nalgum dos sindicatos subscritores.↩︎
32. Norma que regula:
(Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.↩︎
33. Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho , Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida , 3ª edição , revista e actualizada , Rei dos Livros, pág. 265.↩︎
34. Vide Abílio Neto , Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 4.ª Edição, página 1178, Nota 5 (Sumário).↩︎
35. Refira-se que na nota de rodapé nº 25 desse aresto refere :
« o sentido da admissibilidade, em regra, de tais cláusulas de remissão, ainda que para CCT que, entretanto, haja perdido validade, veja-se “Cláusulas de remissão a CCT”, de Bruno Mestre, em “Questões Laborais”, n.º 30, Julho/Dezembro de 2007, págs. 139 a 172, v.g. 140, 141 e 149 a 151 (».
36. As notas de rodapé devem ali ser consultadas.↩︎
37. O qual logrou o seguinte sumário:
«–Tendo todos os Autores inserido nos respectivos contratos de trabalho celebrados com o Réu uma cláusula a remeter para o ACTV do sector bancário, através dela quiseram as partes regular a sua relação laboral para o futuro, aplicando-se-lhes, em bloco, o ACTV do sector bancário que estivesse em vigor ao longo do tempo em que perdurasse ou produzissem efeitos o seus contratos de trabalhos. Por ser assim, não fizerem as mesmas constar desses contratos de trabalho qualquer indicação quanto à versão daquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, data da sua aplicação ou local de publicação. A isso acresce a circunstância de tanto o Réu, atenta a sua condição de associação sindical, como os Autores, enquanto seus trabalhadores, não poderem ignorar que o referido ACTV poderia vir a ser alvo de actualização (mais que não fosse em termos salariais), revisão ou revogação, como acabou por suceder, neste ultimo caso, em 2016, tendo o Réu aplicado aos Autores o dito ACT na sua versão inicial e na nova versão de 2016.
II– Com a celebração do novo ACT de 2021, entre o Réu e a Associação representante do Sindicato em que se encontram inscritos os Autores, por força do princípio da filiação (art.º 496.º, do Código do Trabalho), passaram as partes a ficar abrangidos pelo dito instrumento de regulamentação colectiva. Sendo que nos termos do art.º 476.º, do Código do Trabalho, onde se consagra a relação/hierarquia entre os instrumentos de regulamentação colectiva e o contrato de trabalho, aquele ACT só poderia ser afastado pelos contratos de trabalho dos Autores no caso destes estabelecerem condições mais favoráveis para os trabalhadores - o que no caso não resultou demonstrado. » - fim de transcrição.↩︎
38. Recorde-se que segundo o artigo 236º do Código Civil:
(Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
A nossa lei consagra , embora de forma mitigada , a denominada teoria da impressão do destinatário que segundo o Professor Carlos Alberto da Mota Pinto é a mais razoável [ Vide Teoria Feral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 419.] .
Tal como se refere em aresto do STJ , de 12-01-2021 , proferido no âmbito do processo nº 1939/15.4T8CSC.L1.S1, Nº Convencional: 6.ª Secção, Relator Conselheiro José Rainho, acessível em www.dgsi.pt [ Que logrou o seguinte sumário :
«I- Por cláusula penal entende-se a estipulação em que alguma das partes se obriga perante a outra, antecipadamente a realizar certa prestação para o caso de vir a não cumprir (ou cumprir retardadamente, ou cumprir de forma imperfeita) a prestação principal a que se vinculou.
II- Pese embora os arts. 810.º a 812.º do CC conotarem a cláusula penal com uma função puramente ressarcitória (compensatória ou moratória), nada se encontra definitivamente na lei que impeça as partes, no exercício da sua liberdade contratual, de criarem uma cláusula com uma outra função, como seja (i) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma pena ou sanção (cláusula penal compulsória) e que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento, ou (ii) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma obrigação de substituição da execução específica da prestação ou da indemnização pelo não cumprimento, valendo essa obrigação de substituição como a forma de satisfação do interesse do credor.
III- Para efeitos da interpretação da declaração negocial releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia.
IV- (i) Se a letra da cláusula é expressa ao qualificar como quantia indemnizatória a prestação pecuniária devida em caso de incumprimento do contrato; (ii) se o escopo subjacente à vontade de contratar se logra alcançar através dessa quantia; (iii) se a quantia determinada na estipulação coincide normalmente com o valor do dano expectável, (iv) então é de interpretar a declaração negocial no sentido de se estar perante uma cláusula penal com função meramente indemnizatória (fixação do montante da indemnização exigível), e não perante uma pena destinada a pressionar ao cumprimento. » - fim de transcrição.] :
«
Isto posto:
Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. Actualizada, pp. 447 e seguintes), depois de observar que a doutrina da impressão do destinatário consagrada na lei (artigo 236.º, n.º 1 do C. Civil é a mais razoável e justa, por ser a que dá tutela plena à legítima confiança daquele em face de quem é emitida a declaração, esclarece que releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia (sendo que para que tal sentido possa relevar torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este pudesse razoavelmente contar com ele).
Serão dessa forma atendíveis, prossegue Mota Pinto, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria tomado em conta (tais como os termos do negócio, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os hábitos de linguagem ou outros do declarante, os usos da prática em matéria terminológica, os modos de conduta por que, posteriormente, se prestou observância ao negócio concluído. » - fim de transcrição.
No mesmo sentido aponta o aresto do STJ, de 10-12-2020, proferido no processo nº 709/12.6TVLSB.L1.S1 Nº Convencional: 7.ª Secção (Cível), Relator Conselheiro Olindo Geraldes, acessível em www.dgsi.pt, que refere [ Que teve o seguinte sumário:
« I. Para os efeitos de nulidade da sentença, o que verdadeiramente releva é a omissão completa de pronúncia, não importando ser a mesma deficiente, medíocre ou errada.
II. O critério objetivo da interpretação quanto ao sentido normal da declaração negocial, consagrado no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, é baseado na impressão de um declaratário normal, tido este por pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face da declaração negocial e das circunstâncias que o real declaratário conhecia ou podia conhecer.
III. Esse sentido normal da declaração negocial não pode coincidir com um facto que obteve uma resposta negativa » - fim de transcrição.] :
« Não sendo conhecida a vontade real das partes, importa então, para identificar o sentido normal da declaração negocial, recorrer ao critério objetivo consagrado no art. 236.º, n.º 1, do CC, seguido na sentença.
Nos termos desta norma legal, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Esta formulação corresponde à chamada “teoria da impressão do destinatário”(VAZ SERRA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 111.º (1978/1978), pág. 307, C. A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, págs. 444 e segs., e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Gral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, págs. 551/552).
Trata-se, com efeito, do critério objetivo de interpretação quanto ao sentido normal da declaração negocial, baseado na impressão de um declaratário normal, tido este por pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, em face da declaração negocial e das circunstâncias que o real declaratário conhecia ou podia conhecer.» - fim de transcrição
Este preceito consagra , embora de forma mitigada , a teoria da impressão do destinatário.↩︎
39. De acordo com o artigo 232º o CC:
(Âmbito do acordo de vontades)
O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.↩︎
40. Segundo o qual:
(Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.↩︎