ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
CONVOCATÓRIA
DIREITO À INFORMAÇÃO
MAIORIA
Sumário

1 - As declarações de parte são livremente apreciadas pelo tribunal e, podendo embora ser suficientes para firmar a convicção do julgador quanto à prova de factos, são avaliadas com respeito pelo mais rigoroso grau de aferição de credibilidade e isenção que poderá ser direcionado ao depoimento de qualquer pessoa, designadamente testemunha, que deponha com interesse na causa.
2 – Uma vez provado o envio de cartas registadas que, em cumprimento dos procedimentos exigidos pelo Código das Sociedades Comerciais, se destinam a convocar o sócio para assembleia geral e a dar-lhe conhecimento do teor da ata dessa mesma assembleia, a devolução dessa correspondência ao remetente, não obstante comprovar a não receção, não retira eficácia aos atos, impendendo sobre o destinatário o ónus de provar que o não recebimento não lhe é imputável ou que ocorreu sem culpa sua.
3 -A existência de várias possibilidades de interpretação de uma atuação da parte exclui a segurança do recurso à presunção judicial, que reclama, na sua base, um facto conhecido, certo e comprovado que alicerce, por mera ilação a obter, designadamente, pela via do recurso às regras da experiência, o facto desconhecido ou que não foi provado por qualquer outra via.
4 - A deliberação incidente sobre matéria em relação à qual é admissível a deliberação dos sócios, como sucede com o aumento de capital, quando tomada com desrespeito pela maioria exigida na lei, encerra um vício de procedimento, cominado com a sanção de anulabilidade.
5 – A violação do direito mínimo à informação em que se consubstancia a omissão, no texto da convocatória, de assunto que veio a ser objeto de tomada de deliberação na assembleia geral de sócios, integra um vício de anulabilidade, salvo quando tal deliberação, pelo seu conteúdo, preencha qualquer das previsões do art.º 56º, n.º 1 do CSC.
6 – Quando em causa está o preenchimento da previsão do art.º 58º, n.º 1, al. b) do CSC, a falta de prova da intenção ou propósito que o autor/recorrente afirma ter presidido à atuação da sócia gerente, negando a verificação do pressuposto subjetivo definido na lei, impede que, pela mera constatação do resultado objetivo em que se traduziu a redução da participação social do recorrente, se possa ter por preenchida a previsão citada.

Texto Integral

Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
(...) veio propor ação declarativa de impugnação de deliberação social contra (…), Lda., ambos melhor identificados nos autos, pedindo a anulação da deliberação da assembleia geral da ré de 09.01.2023.
Alegou, em síntese, que, até à data da realização da assembleia geral de 09.01.2023, a ré era detida em parte iguais pelo autor e pela sua então mulher, que lhe tinha comunicado, em maio de 2022, a intenção de se divorciar, residindo ambos na mesma casa. Esta última, aproveitando a sua qualidade de gerente da ré, de forma ardilosa, alterou a sede social e a participação social que tem na ré, diminuindo a participação do autor, o que fez através de deliberação de que o autor apenas teve conhecimento em 19.04.2023, ocasião em que teve igualmente conhecimento do conteúdo da ata da assembleia geral. O autor nunca rececionou a carta remetida em convocação para a assembleia geral, nem a sua então mulher o informou da realização da mesma. Invoca um conjunto de irregularidades que entende darem causa à nulidade ou anulabilidade das deliberações, entendendo que a gerente da ré atuou em fraude à lei.

A ré deduziu contestação, na qual conclui por pedir que seja declarada a caducidade da ação, com consequente absolvição da ré do pedido ou, caso assim não se entenda, seja a ação julgada improcedente.
Alega, em suporte da exceção de caducidade arguida, que os vícios imputados pelo autor à deliberação tomada em assembleia geral da Ré realizada em 09/01/2023, a verificarem-se, não consubstanciam nulidade, mas mera anulabilidade, estando esgotado o prazo de 30 dias de que o autor dispunha para instaurar ação de anulação, já que este tinha conhecimento do conteúdo da deliberação, averbada em registo em 05.02.2023, desde 14.03.2023. Impugna, no mais, a factualidade alegada pelo autor em suporte da invalidade da deliberação.
Pede a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização, de montante não inferior a 5.000,00 EUR.

Por requerimento de 12.07.2023 o autor respondeu ao incidente de litigância de má-fé suscitado pela ré na contestação, concluindo pela não verificação dos respetivos pressupostos.
Convidado a exercer por escrito o contraditório em relação à matéria de exceção invocada no articulado de contestação, veio o autor, em 26.10.2023, apresentar resposta, pela qual pugna pela tempestividade do exercício do seu direito e pela improcedência da exceção arguida.

Por despacho de 09.11.2023 dispensou-se a realização de audiência prévia, tendo ainda o tribunal fixado o valor da causa, saneado o processo, definido o objeto do litígio, enunciados os temas da prova, emitido pronúncia sobre os requerimentos de prova e designado data para realização da audiência de julgamento.

Realizou-se audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação integralmente improcedente, absolvendo a ré do pedido. Mais se decidiu não condenar o autor como litigante de má-fé.

Inconformado com a sentença proferida, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação, que foi admitido, no qual peticiona a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que anule as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré/Recorrida de 9 de janeiro de 2023.
Formula, para o efeito, as seguintes conclusões:
I. Enquadramento e delimitação do objeto do recurso
A. O Recorrente discorda da decisão judicial proferida na sentença de 22 de março de 2024 (ref. citius 149081909), impugnando-a por via do presente recurso, de facto e de direito, nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.ºs 1 e 7, 640.º, n.ºs 1 e 2, 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante “CPC”).
II. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
II.1. Factos que devem ser aditados aos factos provados
B. Há um conjunto de factos que deveriam ter sido considerados provados, porque enquadram o comportamento da representante legal da Recorrida, ao não ter alertado o Recorrente para a realização da assembleia geral, levando à alteração de outros factos.
C. Desde logo, foram juntos pelo Recorrente um conjunto de documentos que comprovam que insistiu (por si ou através de mandatário) junto de R…, solicitando os contactos do seu novo advogado (cfr. requerimento de 24.01.2024, ref. citius 47758046), documentos esses que foram admitidos pelo Tribunal, conforme resulta da ata de 07.02.2024.
D. Apesar disso, e a este respeito, o Tribunal considerou apenas como provados os factos 18 e 38.
E. Por força dos documentos juntos pelo Recorrente a 24.01.2024, devem ser considerados provados os seguintes factos:
43. Em dezembro de 2022, R… deixou de estar acompanhada pela advogada Dra. L... (cfr. declarações de R… supra transcritas no minuto [4:14 – 4:25], bem como artigos 9.º a 11.º do req. de 24.01.2024).
44. No dia 11 de janeiro de 2023, o Recorrente enviou um email a R.. com o seguinte teor: “Bom dia R…, Podes passar o contacto do advogado que está em substituição da Dra. L... Obrigado.” (cfr. Doc. n.º 1 do requerimento de 24.01.2024).
45. No mesmo dia 11 de janeiro de 2023, R… respondeu o seguinte: “Boa tarde D.., O meu advogado está a estudar o processo, entrará em contacto com a Dra M… nos próximos dias” (cfr. Doc. n.º 1 do requerimento de 24.01.2024).
46. Em 12 de janeiro de 2023, o Recorrente respondeu a R… o seguinte: “R…, Ficamos a um contacto rápido do teu novo mandatário, o qual irá contactar a Dra. M.., que nos lê em cópia. Obrigado.” (cfr. Doc. n.º 1 do requerimento de 24.01.2024).
47. No dia 26 de janeiro de 2023, a Dra. M… mandatária do Recorrente, enviou a R… um email com o seguinte teor: “Exma. Senhora Dra., Na qualidade de mandatária de D…, e tendo tomado conhecimento de que já não é representada pela Dra. L…, venho solicitar que me informe a identidade do seu novo mandatário, para que possamos discutir uma resolução extrajudicial do assunto, quanto ao divórcio, regulação de responsabilidades parentais e partilha. Grata, apresento os meus melhores cumprimentos,” (cfr. Doc. n.º 2 do requerimento de 24.01.2024).
48. No dia 30 de janeiro de 2023, a Dra. M… enviou a R… um email com o seguinte teor, referindo-se ao email de 26 de janeiro de 2023: “Exma. Senhora Dra., Vinha perguntar-lhe se teve oportunidade de ver o mail abaixo? Grata, apresento os melhores cumprimentos, ao dispor,” (cfr. Doc. n.º 3 do requerimento de 24.01.2024).
49. No mesmo dia 30 de janeiro, R… respondeu à Dra. M…, nos seguintes termos: “Exma. Senhora Dra, Efetivamente vi o seu mail. O meu mandatário entrará em contacto com a Exma Senhora Dra assim que perfeitamente inteirado dos contornos que têm dificultado uma separação que se pretendia célere e o menos dolorosa possível para todos os envolvidos. Os meus cumprimentos,” (cfr. Doc. n.º 3 do requerimento de 24.01.2024).
50. Ainda no mesmo dia 30 de janeiro, a Dra. M… respondeu a R… nos seguintes termos: “Exma. Senhora Dra., agradeço, fico então a aguardar o contacto do S. mandatário. Com os melhores cumprimentos,” (cfr. Doc. n.º 3 do requerimento de 24.01.2024)
51. No dia 7 de fevereiro de 2023, a Dra. M…, mandatária do Recorrente, enviou a R… um email com o seguinte teor: “Exma. Senhora Dra., Relativamente ao assunto em epigrafe, agradecia que me fizesse chegar o contacto do seu mandatário, dado o tempo entretanto decorrido. Com os melhores cumprimentos,” (cfr. Doc. n.º 4 do requerimento de 24.01.2024).
52. No dia 20 de março de 2023, a Dra. M…, mandatária do Recorrente, enviou a R… um email com o seguinte teor: “Exma. Senhora Dra., Até ao momento ainda não recebi qualquer contacto do seu mandatário, pelo que envio abaixo a proposta de acordo que foi remetida à S. mandatária e relativamente a qual aguardo comentários breves, atendendo ao tempo já decorrido. Com os melhores cumprimentos e ao dispor” (cfr. Doc. n.º 5 do requerimento de 24.01.2024).
53. D.. – através da sua mandatária Dra. M… – enviou, antes do ano de 2023, uma proposta de acordo à Dra. L…, então mandatária de R… (cfr. Doc. n.º 5 do requerimento de 24.01.2024 em conjugação com o facto provado 43 referido supra).
54. Nem R…, nem a sua mandatária responderam à proposta de acordo (cfr. Doc. n.º 5 do requerimento de 24.01.2024 em conjugação com o facto provado 43 referido supra).
55. No dia 26 de março de 2023, o Dr. W…, novo mandatário de R…, enviou a D…, para a morada Rua…, a carta registada com o teor que consta do Doc. 6 do requerimento de 24.01.2024, pela qual, nomeadamente, o convoca para uma reunião três dias depois, no dia 31 de março, no escritório do novo mandatário (cfr. Doc. n.º 6 e Doc. n.º 7 do requerimento de 24.01.2024).
56. D.. procedeu ao levantamento da referida carta nos correios no dia 31 de março de 2024 (cfr. Doc. n.º 6 e Doc. n.º 7 do requerimento de 24.01.2024).
57. No dia 3 de abril de 2023 (2.ª-feira), R…, através dos seus mandatários, deu entrada de ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (cfr. artigo 26.º do req. De 24.01.2024, artigo 5.º da petição inicial e artigo 35.º da contestação)
F. Devem também ser considerados provados, por não impugnados pela Ré/Recorrida e dada a sua relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
58. Desde 2022 que o casamento do Recorrente e R… se tem vindo a deteriorar, (cfr. art.º 3.º da p.i., não impugnado na contestação – cfr. em particular, o artigo 35.º da contestação).
59. R… comunicou ao Autor a intenção de se divorciar em 31 de maio de 2022 (cfr. art.º 4.º da p.i., não impugnado na contestação – cfr. em particular, o artigo 35.º da contestação, bem como declarações de R…: “Foi a 31 de maio que eu comunico ao D… a separação (…)”.
G. Quanto aos factos 58 e 59, é relevante apurar, como facto indiciário, a situação pessoal existente entre as partes à data dos factos.
H. Deve também ser considerado provado o que resulta do Doc. n.º 5 da petição inicial não impugnado na contestação:
60. Por email de 19.04.2023, o IRN enviou ao representante legal do Autor o código de acesso à certidão permanente e documentos de suporte, nomeadamente a ata da assembleia geral de 09.01.2023.
I. É a partir desta data que o Recorrente tem conhecimento do que foi deliberado na assembleia geral, acedendo à ata e aos documentos anexos à mesma (juntos como Doc. n.º 6 da petição inicial).
J. Por último, deve ser considerado provado o seguinte facto:
61. A Recorrida tinha uma situação financeira saudável, sem problemas de liquidez.
K. Neste sentido, veja-se o depoimento de G…, que foi contabilista da Ré e que desde junho de 2022 colabora com a Ré e com R…: [00:05:05 – 00:05:26] G: Daquilo que me lembro era uma empresa que funcionava, que faturava, que tinha dinheiro… (…) não sei se precisaria de empréstimo, sei que era uma empresa saudável, enfim, que tinha algum dinheiro. (cfr. ata de 15.01.2024, depoimento gravado em suporte digital (“G…”, com a duração de 00:52:48), 00:05:05 – 00:05:26)
L. No mesmo sentido depôs o Recorrente: [00:10:50 – 00:11:33] Recorrente: A empresa existe por eficiência fiscal, nunca foi por outra razão que não essa, ok? Por isso, [impercetível] a empresa tem capital suficiente… a empresa tinha mais de ou cerca de meio milhão de euros. (cfr. ata de 15.01.2024, depoimento gravado em suporte digital (“Autor: D…”, com a duração de 01:03:45), 00:10:45 a 00:11:33)
M. O facto é relevante para efeitos de contraprova da justificação apresentada por R… para a necessidade de realizar o aumento de capital, aprovado na assembleia geral em discussão nestes autos (cfr. facto provado 19).
II.2. Factos considerados provados que deveriam ter sido considerados não provados ou provados noutros termos
II.2.1. Facto provado 14
N. O Tribunal a quo considerou provado o seguinte facto 14:
“14. Em 12 de maio de 2023, foi enviado aos CTT um email pedindo informação sobre quem é que pediu o levantamento num ponto da carta de 19 de dezembro de 2022, recusando a entrega.”
O. Foi o Autor quem enviou o referido email aos CTT e isso é relevante, resultando do alegado no artigo 35.º da petição inicial (não impugnado na contestação) e do Doc. n.º 12 da petição inicial, pelo que se requer a alteração em conformidade.
II.2.2. Facto provado 37
P. O Tribunal a quo considerou provado o seguinte facto 37:
37. Através da alteração da sede, a legal representante da Ré visou separar a realidade pessoal da realidade empresarial/societária, nomeadamente considerando a deterioração da relação pessoal com o Autor que culminou no processo de divórcio entre ambos.”
Q. A prova produzida não permite concluir nesses termos.
R. A alteração da sede ocorreu mais de 6 meses depois da comunicação da intenção de R… de se separar em 31 de maio de 2022 (cfr. facto provado 10) e foi tomada de forma unilateral e não partilhada com o Recorrente (cfr. facto provado 18), e seria absolutamente natural que tivesse sido se o motivo fosse o de “separar a realidade pessoal da empresarial/societária”.
S. Meros 5 (!) dias depois da alteração da sede, foi então convocada uma assembleia geral, a ter lugar na nova sede (cfr. facto provado 11).
T. Nessa assembleia geral seriam (e foram) discutidos temas que prejudicariam o sócio Recorrente e beneficiariam a sócia R… (tendo em conta o facto provado 22).
U. As regras da experiência conduzem à conclusão que deve ser considerado não provado que a legal representante da Ré visasse separar a realidade pessoal da realidade empresarial/societária.
II.2.3. Facto provado 42
V. O Tribunal a quo considerou provado o seguinte facto 42:
“42. Pelo menos em 14/03/2023, o Autor já tinha conhecimento da alteração da sede da Ré e também do aumento do capital social da Ré, por consulta à certidão comercial desta”.
W. O Recorrente aceita que tomou conhecimento da alteração da sede da Ré/Recorrida em 14.03.2023. Mas não é verdade que tivesse conhecimento do aumento do capital social nessa data.
X. Veja-se que o registo do aumento do capital social deliberado em 9 de janeiro de 2023 era ainda, a 14 de março de 2023, provisório e não definitivo.
Y. Ao analisar a certidão permanente da Recorrida (junta como Doc. n.º 3 da petição inicial) concluímos que o aumento do capital social foi publicado apenas em 22.03.2023, pelo que não constava do cabeçalho o aumento do capital social:


Z. E tal foi explicado pelo Recorrente nas suas declarações:
[00:25:11 – 00:25:35] Recorrente: (…) No topo, eu vi que, a única coisa que eu vi, aliás que eu vi, porque, adjetivamente nem vi, foi só passar. Mas basicamente aquilo que eu verifiquei foi que a única alteração que estava feita na empresa tinha sido na sede social, inclusivamente naquela altura o peso que cada um tinha estava exatamente igual, na certidão permanente (cfr. ata de 15.01.2024, depoimento gravado em suporte digital (“Autor: D…”, com a duração de 01:03:45), 00:24:18 a 00:26:59)
AA. O email enviado pelo Recorrente a R… (ver facto provado 32), corrobora esta explicação, uma vez que o Recorrente informou que verificou que a sede havia sido alterada, pedindo-lhe o envio da ata urgentemente (email ao qual R… não respondeu).
BB. Convém recordar ainda (1) que o Recorrente e R… estavam representados por advogados, (2) que o Recorrente e R… deixaram de falar entre si, com exceção dos assuntos relacionados com os filhos de ambos (facto provado 38), deixando assim as questões relacionadas com o divórcio e o património a contactos apenas via mandatários, (3) que estava pendente de apreciação uma proposta tendo em vista o divórcio não litigioso (cfr. facto provado 53) e (4) que o Recorrente (diretamente e através da sua mandatária), desde dezembro de 2022 que pediam a R… os contactos dos novos advogados, ao que esta ou não respondia ou respondia que ira disponibilizar em breve (cfr. factos provados 43 a 52).
CC. O Tribunal deveria ter considerado como provado apenas o facto de o Autor, ora Recorrente, em 14 de março de 2023, ter tomado conhecimento da alteração da sede social da Ré e não também do aumento do capital social.
DD. Neste sentido, deve ser alterado o facto 42 para o seguinte:
Em 14.03.2023, o Autor tomou conhecimento da alteração da sede da Ré, por consulta da certidão comercial desta”.
II.3. Factos considerados não provados que deveriam ter sido considerados provados.
EE. Por fim, há também, na sentença de que ora se recorre, factos que o Tribunal considerou não provados e que deveriam ter sido dados como provados, nomeadamente os factos não provados A), B) e D).
II.3.1 Facto não provado A)
FF. No que concerne ao facto A), este é um caso flagrante de prática de um conjunto de atos tendo em vista prejudicar um dos sócios, nos exatos termos que constam do facto supra descrito que deveria, por isso, ter sido considerado provado.
GG. Quanto à motivação para o aumento do capital social da Recorrida, na assembleia geral aqui em causa foi dito que era necessário aumentar os fundos próprios e preservar a solidez financeira da sociedade (cfr. ata junta como Doc. n.º 6 da petição inicial).
HH. Acontece que a Recorrida tinha uma situação financeira desafogada (cfr. Facto provado 62 e fundamentação aí referida).
II. Quanto à motivação para alteração da sede da Recorrida, a intenção seria alegadamente separar a vida pessoal da empresarial/societária, o que levou a que R… alterasse – sem avisar o outro sócio – a sede da casa onde ambos residiam para um escritório de um advogado que a assessorou na realização desta assembleia.
JJ. Não deixa de ser curioso o facto de o ter feito mais de 6 meses depois de ter manifestado a intenção de se divorciar e apenas 5 dias antes do envio da convocatória para a assembleia geral que aqui se discute, tendo esta alteração de morada visado apenas impedir que a assembleia geral, que veio a ocorrer, tivesse lugar em casa do Recorrente e de R….
KK. Inclusive, estando as partes acompanhadas por advogado, e tendo sido apresentada uma proposta de acordo, seria lógico que a advogada de R… negociasse ou pelo menos informasse a advogada do Recorrente dessa alteração.
LL. Quanto à motivação para não avisar o Recorrente da assembleia geral, nem antes nem depois da mesma, além do suposto envio de cartas e publicação de anúncio, R… procurou demonstrar que cumpriu os formalismos legais e que não avisou o Recorrente porque, na situação de separação em que se encontravam, os assuntos relacionados com o divórcio, o património a partilhar, eram tratados entre advogados
e não diretamente pelo Recorrente e R….
MM. Acontece que R… deixou de ter advogado ou pelo menos de indicar o nome deste ao Recorrente (cfr. factos provados 44 e 53).
NN. Precisamente neste período em que não teria advogado, ocorreu a convocatória e realização da assembleia geral, bem como o alegado envio da ata, tendo o novo advogado de R…, ao invés de contactar a mandatária de D…, conforme determinam os Estatutos da Ordem dos Advogados, enviado uma carta diretamente a D…, e três dias depois de D… ter recebido a carta deu entrada de ação de divórcio (cfr. facto provado 57).
OO. E foi a primeira vez que se convocou a assembleia geral por carta registada e anúncio (cfr. factos provados 16 e 17).
PP. Por último, veja-se a ordem de trabalhos da assembleia geral e os pontos aprovados (cfr. factos provados 22 a 30).
QQ. Naturalmente que nenhum destes pontos, como era do conhecimento de R…, seriam aprovados com a presença do Recorrente – por isso mesmo é que adotou todas as medidas tendentes a evitar que estivesse presente, devendo ser considerado provado o facto não provado A) (como facto provado 62).
RR. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, e pelos mesmos motivos, deve ser considerado provado o seguinte facto: “62A. R… impediu que o Recorrente tomasse conhecimento da convocatória para a assembleia geral e a sua realização”.
II.3.2 Facto não provado B)
SS. No que diz respeito ao facto não provado B), remetemos na íntegra para o supra exposto a propósito do facto provado 42, onde se expuseram já as razões pelas quais não pode considerar-se provado que o ora Recorrente tenha, desde 14 de março de 2023 (data do envio do email a propósito da alteração da sede social), conhecimento da deliberação de aumento do capital social.
TT. Saliente-se que o Tribunal considerou não provado que o Autor tenha rececionado a carta de 13 de janeiro de 2023 com a ata da assembleia geral (cfr. facto não provado H)) e provado que a carta registada com a ata também não foi recebida (cfr. Factos provados 34 e 35).
UU. Nestes termos, e tendo também presente o que supra se expôs a propósito do facto provado 42, o facto não provado B) deve ser considerado provado, com a seguinte redação: “Foi apenas em 19 de abril de 2023 que o Autor acedeu à ata da assembleia geral da Ré realizada em 9 de janeiro de 2023 e tomou conhecimento das deliberações aí tomadas”.
II.3.3 Facto não provado D)
VV. Analisando o facto não provado D), iremos dividi-lo em dois factos distintos, nos seguintes termos: Facto D.1. – “Não foi o Autor quem recusou a entrega da carta” e Facto D.2. – “Ninguém avisou o Autor da tentativa de entrega da carta e da necessidade de recolha no ponto dos CTT”.
WW. Quanto ao Facto D.1., o ora Recorrente, após ter tido conhecimento da realização da Assembleia Geral, contactou os CTT no sentido de apurar se existia registo de quem é que pediu o levantamento da carta com a convocatória num ponto, recusando a sua entrega, tendo sido informado que não era possível obter essa informação tal como ficou provado por documento (cfr. documento n.º 12 junto com a Petição Inicial).
XX. Caso tivesse sido o Recorrente a recusar a entrega da carta, não faria qualquer sentido: (i) enviar um email com este teor aos CTT, procurando saber quem é que efetivamente recusou a entrega, (ii) que o ora Recorrente se recusasse a receber uma carta da sociedade Ré, de que era sócio, ainda para mais sabendo que a outra sócia é R…, de quem estava separado, estando ambos assessorados por advogados para tratar do divórcio.
YY. Vejam-se ainda as declarações do Recorrente:
“Não recebi nada” [00:08:13 – 00:08:14], Se foi para a morada… se foi não a recebi [00:08:16 – 00:08:21], e “Só posterior através da minha advogada, uma coisa que nunca se passou em minha casa, foram informados que a carta seria para levantar num posto de correios, há essa informação. Coisa que em minha casa, a empregada tinha… tinha informação para assinar tudo o que fosse carta registada, inclusivamente os meus filhos chegaram a fazê-lo, por isso, não houve ocasião nenhuma…” [00:08:25 – 00:08:51] (cfr. ata de 15.01.2024, depoimento gravado em suporte digital (“Autor: D…”, com a duração de 01:03:45), 00:08:10 a 00:08:51).
ZZ. Ficou também demonstrado que o Recorrente não tem por hábito não levantar cartas que lhe são dirigidas, quando tem conhecimento que foi tentada a entrega e não foi bem sucedida (cfr. factos provados 55 e 56).
AAA. Quanto ao Facto D.2., o Tribunal a quo, ao considerar não provado que “[n]inguém avisou o Autor da tentativa de entrega da carta e da necessidade de recolha no ponto dos CTT” entra em contradição com a sua própria linha argumentativa – considerando os factos provados 13, 18 e 38.
BBB. Se o Tribunal dá como provado que (i) a sócia e gerente da Recorrida nunca avisou o Recorrente da realização da Assembleia Geral ou sequer o questionou sobre o seu recebimento, (ii) a sócia e gerente da Recorrida não contactou o Recorrente no sentido de o informar da alteração de sede da Ré, nem de aferir da sua disponibilidade para se reunir em Assembleia Geral no dia 9 de janeiro de 2023, (iii) o Recorrente e a sócia e gerente da Recorrida não falavam entre si a não ser dos assuntos relacionados com os filhos de ambos,
CCC. Resulta claramente do depoimento da testemunha G… que este não estava efetivamente preocupado com o conhecimento, pelo Recorrente, da realização da assembleia geral, mas apenas do cumprimento dos formalismos: referindo por diversas vezes que “estava notificado”.
DDD. Resultando igualmente claro que a sócia e gerente da Recorrida não avisou o ora Recorrente da tentativa de entrega da carta e da necessidade da sua recolha.
EEE. Ora, teria bastado um telefonema, uma mensagem escrita, um whatsapp ou um email, de R… ou de G…, para o Recorrente a avisar da assembleia geral.
FFF. Ora, tanto o Facto D.1. como o Facto D.2. são factos negativos o que tem influência ao nível do grau de exigência probatória imposto ao Recorrente.
GGG. Recaindo sobre o Recorrente o ónus da prova de um facto negativo, essa circunstância também implica que o Tribunal dê relevo a provas menos relevantes e convincentes do que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, recorrendo, nomeadamente, à prova indireta ou indiciária – o que não fez.
HHH. Pelo menos desde 26 de dezembro de 2022 e até 28 de março de 2023, o ora Recorrente não tinha conhecimento de quem seria o novo mandatário da legal representante da ora Recorrida (cfr. factos provados 43 a 56).
III. Acresce que o Recorrente demonstrou ter por hábito levantar cartas no correio (cfr. factos provados 55 e 56).
JJJ. Assim, deve ser dado como provado o facto D), com a seguinte redação: “Não foi o Autor quem recusou a entrega da carta e ninguém avisou o Autor da tentativa e entrega da carta e da necessidade de recolha no ponto dos CTT”.
III.3.4. Outros factos não provados
KKK. Em coerência com o exposto a respeito da alteração da matéria de facto provada e não provada, devem ser retirados da lista de factos não provados os factos E), F) e G).
III. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
III.2. O VÍCIO DA NÃO CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
LLL. As deliberações sociais tomadas em assembleia geral não convocada são nulas nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. a) do CSC.
MMM. A Ré/Recorrida não enviou a convocatória por forma a que o Autor/Recorrente tivesse conhecimento da mesma.
NNN. Independentemente de se considerar provado ou não provado que a (representante legal da) Recorrida intencionalmente evitou que a Recorrente recebesse a convocatória, o que é certo é que o Recorrente demonstrou que não foi por culpa que não recebeu a convocatória.
OOO. O Tribunal a quo deveria ter ponderado os seguintes factos:
(i) Pelo menos desde 26 de dezembro de 2022, a legal representante da ora Recorrida não estava representada por mandatário que fosse conhecido do ora Recorrente (facto provado 43);
(ii) Que, mesmo após diversas tentativas de contacto, entre janeiro e março, a legal representante da ora Recorrida não forneceu ao Recorrente ou aos seus mandatários o contacto do seu novo mandatário, sendo certo que em 11 de janeiro referiu que o novo mandatário estava a estudar o processo (cfr. Factos provados 42 a 57);
(iii) Que a Assembleia Geral de 9 de janeiro de 2023, nas quais foram tomadas as deliberações ora em crise, teve lugar, precisamente, durante o interregno de tempo em que a legal representante da Recorrida não indicava ao Recorrente ou aos seus mandatários o nome do seu novo mandatário;
(iv) Que o novo mandatário da legal representante da Recorrida remeteu ao Recorrente, no dia 28 de março, uma carta a convocá-lo para uma reunião três dias depois, no seu escritório, carta essa que o Recorrente foi levantar aos correios no dia 31 de março de 2023, uma sexta-feira (cfr. Factos provados 55 e 56).
PPP. Assim, devem as deliberações tomadas na assembleia geral em discussão nestes autos ser consideradas nulas, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. a) do CSC.
III.3. A FRAUDE À LEI
QQQ. Também porque se satisfez com a posição formalista (e até simplista) que adotou, o Tribunal a quo, considerando simplesmente o cumprimento das exigências legais pela sócia e gerente da ora Recorrida, afastou, de rajada, a existência de fraude à lei.
RRR. Ora, uma vez mais, a ter sido feita uma apreciação crítica da prova junta aos autos e produzida em sede de audiência de julgamento, o Tribunal a quo certamente teria ponderado, em particular:
(i) Que a alteração da sede social da residência dos dois sócios para uma morada que o Recorrente desconhecia, levada a cabo pela legal representante da Recorrida, ocorreu no dia 14 de dezembro de 2022, ou seja, imediatamente antes da Assembleia Geral de 9 de janeiro de 2023, quando a intenção das partes de se divorciaram tinha sido manifestada por R… 6 meses antes; e
(ii) Que a Assembleia Geral teve lugar, precisamente, durante o interregno de tempo em que a legal representante da Recorrida não indicava ao Recorrente ou aos seus mandatários o nome do seu novo mandatário.
SSS. Analisados estes factos, conclui-se que atuou em fraude à lei, que ocorre quando, a coberto de uma norma, se praticam atos que visam um resultado proibido por outra.
TTT. Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2021, “[a] fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela”.
UUU. Neste caso, sob a aparência de convocatória lícita, a legal representante da Recorrida contorna intencionalmente os normativos que conferem o direito à participação dos sócios em Assembleias Gerais, nomeadamente o artigo 248.º, n.º 5, do CSC.
VVV. Em face do exposto, mal andou o Tribunal a quo ao afastar o vício da fraude à lei, que, na verdade, efetivamente se verifica.
WWW. Quanto aos efeitos da fraude à lei, entende a jurisprudência e doutrina maioritária que estes se repercutem na ilicitude do negócio e consequente nulidade, nos termos do disposto dos artigos 294.º e 280.º do CC.
III.4. O VÍCIO DO DESRESPEITO PELA MAIORIA NECESSÁRIA
XXX. A deliberação em causa é nula por desrespeito da maioria necessária para alteração do contrato de sociedade, ao ter resultado num aumento de capital social da requerida,
YYY. Para o qual se exige a maioria de três quartos (art.º 265.º, n.º 1, do CSC).
ZZZ. O Tribunal considerou estaria em causa uma situação de anulabilidade e não nulidade.
AAAA. Contudo, o vício formal de que padece a deliberação, por desrespeito da maioria qualificada necessária para alteração do contrato de sociedade, conduz, ele próprio, a alterações substanciais, tanto no contrato de sociedade, como na vida societária da ora Recorrida e na posição dos seus sócios posteriores a essa alteração, pelo que deve ser sancionado com a nulidade, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d) do CSC.
III.5. O VÍCIO DA DELIBERAÇÃO DE ASSUNTOS NÃO INCLUÍDOS NA ORDEM DE
TRABALHOS
BBBB. A respeito da deliberação de assuntos não incluídos na ordem de trabalhos, o Tribunal a quo considerou, mal, que este vício, ainda que conduzindo a uma infração do direito mínimo à informação dos sócios, acarreta a mera anulabilidade, como decorre do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4 do CSC, bem como do artigo 59.º, n.º 2, alínea c) do CSC.
CCCC. É inegável que foram discutidos e aprovados assuntos não incluídos na ordem de trabalhos (no ponto com a designação de “Outros assuntos de interesse para a sociedade”), nomeadamente (i) a realização de uma auditoria aos atos praticados pelo Autor no uso de palavras-chave pessoais de R…, (ii) e a interpelação extrajudicial do Autor para liquidação à Recorrida de €180.838,70.
DDDD. Ora, como nos escreve, nomeadamente, Menezes Cordeiro, “[a]ssembleias não convocadas dão azo a deliberações nulas – 56.º/1, a). A nulidade funda-se na gravidade do vício de procedimento, impeditivo do exercício de direitos sociais de primeira ordem, nomeadamente do direito de participar nas deliberações de sócios – assistindo, discutindo, formulando propostas de deliberação e votando – e do direito à informação. (…). São nulas, pelo mesmo motivo, as deliberações que recaiam sobre pontos ausentes da ordem do dia: sobre eles, não houve convocatória”.
EEEE. Assim, a deliberação de 9 de janeiro de 2023 é nula, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CSC.
III.6. Do vício da deliberação abusiva
FFFF. Além dos vícios supra indicados, a deliberação de 9 de janeiro de 2023 sempre seria anulável nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CSC.
GGGG. Com efeito, com a deliberação social em causa o objetivo de R… foi o “de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si (…), em prejuízo (…) de outros sócios ou simplesmente de prejudicar (…) estes.”.
HHHH. Com efeito, assim, aumentou a sua participação, “esmagando” a do Recorrente (beneficiando-se e prejudicando o Recorrente).
IIII. Este intuito torna-se mais evidente quando, a respeito do aumento do capital social, não foi prestada informação adequada: em primeiro lugar, a justificação para o aumento é vaga, referindo-se ao “desenvolvimento do objeto social”, à criação de “novas oportunidades de atuação através da participação em novos mercados no estrangeiro”, sem qualquer concretização adicional.
JJJJ. Por outro lado, não é feita qualquer referência a uma avaliação da sociedade, que permitisse aferir se seria adequado que o aumento do capital social fosse subscrito pelo valor nominal ou por um valor superior ou inferior.
KKKK. Assim, e pelos motivos expostos, a deliberação sempre seria anulável nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CSC.
III.7. A TEMPESTIVIDADE DA AÇÃO: DO NÃO DECURSO DO PRAZO DE CADUCIDADE
LLLL. Os vícios invocados (com exceção do invocado no subcapítulo anterior – deliberação abusiva) conduzem à nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 9 de janeiro de 2023, não estando a sua invocação dependente de prazo (cfr. artigo 286.º do Código Civil).
MMMM. Mas se estivesse dependente de prazo de 30 dias, esse prazo não teria sido ultrapassado.
NNNN. Como vimos, a Assembleia Geral em questão não pode ser tida por regularmente convocada, pelo que o prazo de 30 dias para a propositura da ação se conta então a partir da data do conhecimento da deliberação pelo sócio, ora Recorrente.
OOOO. Assim, impõe, em primeiro lugar, o princípio da boa-fé (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.1997: “[o] prazo para a propositura da acção de anulação deve ser contado, no caso de ter havido irregularidade na convocatória, a partir da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação da assembleia geral”).
PPPP. É esta, de resto, a conclusão a que se chega também por via de uma interpretação teleológica da norma, dado que o objetivo do legislador (com a alínea c), do n.º 2, do artigo 59.º do CSC) é permitir a impugnação de deliberações apenas quando elas se tornarem por si cognoscíveis.
QQQQ. E para esse sentido aponta também a interpretação sistemática, dado que, nos termos e para os efeitos do artigo 329.º do CC, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, apenas começa a correr quando o direito possa ser legalmente exercido, o que decorre também do artigo 224.º do CC.
RRRR. Mais ainda, e porque estamos perante uma convocação irregular do Autor para a Assembleia Geral de 9 de janeiro de 2023, à mesma solução chegaremos, por via de uma aplicação analógica (i) do artigo 178.º, n.º 2, do CC, e (ii) do artigo 380.º, n.º 3, do CPC.
SSSS. Só a partir da data de 19 de abril de 2023, dia do envio da ata da Assembleia Geral Extraordinária pelo IRN, é que se pode considerar que o Recorrente tomou conhecimento efetivo, não só da existência da deliberação de 9 de janeiro 2023, como das suas questões de fundo.
TTTT. Na verdade, só a partir de 19 de abril de 2023 é que o ora Recorrente acedeu à ata da Assembleia Geral e passou a conhecer as deliberações que nela foram adotadas, em que termos e com que fundamento, assim lhe permitindo conhecer da matéria, fundamentando o exercício pleno do seu direito de anulação da deliberação.
UUUU. E é evidente que a consulta da certidão permanente não é suficiente para início do prazo: nessa data o Recorrente soube que houve um aumento do capital social mas
não soube (i) com que fundamentos, (ii) nem as outras deliberações adotadas, que estão em discussão nestes autos.
VVVV. Daí que, tendo a ação de anulação da deliberação social de 9 de janeiro de 2023 sido proposta no dia 18 de maio de 2023, respeitou o prazo previsto no artigo 59.º, n.º 2, alínea c), do CSC.

A autora/recorrida apresentou contra-alegações, concluindo por pedir que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida, para o que formula as seguintes conclusões:
– Da impugnação da matéria de facto - do aditamento aos factos provados:
1) O aditamento aos factos provados requerido pelo Autor, baseado no teor do seu requerimento de 24/01/2024 e nos documentos aí juntos, mostra-se inadmissível porquanto o julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes, nos termos do artigo 5º, n.º 2 do CPC.
2) Os supostos factos que o Autor elenca para efeitos de aditamento não foram alegados na sede própria, máxime na p.i., sendo que o podiam ter sido, na medida em que não estão em causa factos supervenientes.
3) O facto do aludido requerimento de 24/01/2024 ter sido admitido nos autos não significa que o seu teor se possa considerar como factos articulados para efeitos probatórios, até porque tal requerimento foi produzido e junto aos autos numa altura em que já havia sido produzida toda a prova na sessão da audiência de julgamento realizada em 15/01/2024, não tendo esta, por conseguinte, versado sobre aquele requerimento, (Cfr. nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ, de 03/11/2023).
4) O aditamento requerido pelo Autor, na medida em que versa sobre suposta factualidade que não foi alegada na p.i. e não foi objeto de produção de prova em audiência de julgamento, mostra-se inadmissível, não podendo, consequentemente, ser objeto de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
5) Além do mais, os alegados factos cujo aditamento requer sempre se teriam por irrelevantes e impertinentes, tendo em conta que ficou provado no ponto “42” dos factos provados.
6) Com a “factualidade” cujo aditamento requer, o Autor pretende fazer crer ao Tribunal que foi vítima de uma “cabala “, porém não foi isso que foi alegado na p.i., assim como não foi isso que resultou provado, não podendo o Autor servir-se de um requerimento avulso posteriormente junto aos autos para alterar a sua motivação.
7) O que resultou da prova produzida foi que a legal representante da Ré cumpriu todo o formalismo legal com vista a assegurar o conhecimento do Autor relativamente à assembleia geral da sociedade de 09/01/2023, (Cfr. factos provados n.ºs “11”, “12”, “34”, “35”, “36” e “39”).
8) Assim, para além de inadmissível, o aditamento peticionado pelo Autor sempre se teria por irrelevante e impertinente para o objeto dos autos, na medida em que versa sobre uma fase extrajudicial do processo de divórcio entre o Autor e a legal representante da Ré que nada releva para o que aqui se discute.
9) Da mesma irrelevância padecem os pontos “57”, “58” e “59” cujo aditamento o Autor peticiona, porquanto são uma repetição da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo em “6” e “7” dos factos provados.
10) Relativamente ao ponto “60” cujo aditamento é requerido, a “relevância” invocada pelo Autor é uma falácia, tendo em conta o que resultou provado nos autos, designadamente no ponto “42”.
11) Já o aditamento do ponto “61” peticionado pelo Autor, além de versar sobre matéria irrelevante para a questão dos autos, ao contrário do alegado, a factualidade referida em tal ponto não resultou provada.
12) Olhando às transcrições do depoimento da testemunha “G…” citadas pelo Autor, facilmente se constata que o mesmo não declarou que a Ré não tinha problemas de liquidez; o que a referida testemunha declarou foi que a empresa funcionava, faturava, “tinha algum dinheiro”, mas que não sabe se precisaria de dinheiro, (Cfr. passagens 04m46s a 05m17s do depoimento prestado pela testemunha na sessão da audiência de julgamento de 15/01/2024).
13) Tal “facto” cujo aditamento o Autor peticiona sempre precisaria de suporte documental para ser dado como provado, não sendo suficiente as afirmações da testemunha no sentido de que a sociedade funcionava, tinha dinheiro, sem qualquer concretização ao nível temporal e de valores, e sem respaldo em qualquer documento.
14) O alegado pelo Autor para justificar o aditamento de tal ponto “61”, isto é, para “contraprova da justificação apresentada por R… para a necessidade de realizar o aumento de capital” mostra-se infundado, considerando aliás as declarações prestadas pela referida R…, legal representante da Ré que, de um modo sério e convincente, explicou detalhadamente a necessidade e finalidade do aumento de capital social da Ré, (Cfr. Passagens 01m17s a 06m10s; e 15m52s a 17m00s das declarações prestadas na sessão da audiência de julgamento de 15/01/2024).
15) Deve o recurso improceder na parte em que se visa que o Tribunal da Relação adite à matéria de facto os pontos indicados pelo Recorrente, por se tratar de matéria não alegada pelo mesmo no articulado próprio (p.i.) e não ter sido objeto de produção de prova em audiência de julgamento e que, em todo o caso, sempre se teria tal matéria por impertinente, irrelevante e insuscetível de influir na decisão da causa tendo em conta o alegado na p.i., determinando a impossibilidade do Tribunal ad quem de conhecer do seu objeto quanto aos correspondentes segmentos.
- Dos fundamentos da impugnação - Facto provado “14”:
16) A alteração requerida pelo Recorrente quanto ao ponto “14” dos factos provados não poderá proceder, porquanto o que resulta do teor do email é que o mesmo foi enviado por “Anita Silva”, e não pelo Autor.
17) O Autor não fez prova nos autos relativamente à autoria do email, reclamando agora que o Tribunal a quo deveria ter “deduzido” que o mesmo foi subscrito por alguém ligado à sociedade de advogados que integra o seu mandatário.
18) A prova por presunção reclamada pelo Autor não é permitida, estando em causa factualidade que caberia ao Autor fazer prova, pelo que bem andou o Tribunal a quo relativamente à redação conferida ao aludido ponto “14” dos factos provados, que deverá manter-se.
- Dos fundamentos da impugnação - Facto provado “37”:
19) O Recorrente insurge-se com a decisão do Tribunal a quo em ter dado como provado a matéria constante do ponto “37” dos factos provados, alegando genericamente que “a demais prova não permite concluir nesses termos.”, porém a verdade é que não indica qualquer elemento probatório que permite concluir de modo diferente.
20) A lei impõe determinados ónus ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto (artigo 640º do CPC), os quais o Recorrente não cumpriu, designadamente não especificou os meios probatórios que impõem decisão diversa, isto é, para dar como não provado aquele facto.
21) O que faz o Recorrente é tecer considerações genéricas sobre a factualidade, fazendo uma leitura e interpretando os factos e a prova à sua maneira, para daí retirar conclusões infundadas.
22) O Recorrente cumprido os ónus que resultam do mencionado artigo 640º do CPC, pelo que deverá improceder a invocada impugnação do ponto “37” dos factos provados.
23) Sendo certo que, a prova de tal facto “37” resultou das declarações prestadas pela legal representante da Ré na sessão de audiência de julgamento de 15/01/2024, tendo explicado detalhadamente as razões que a levaram a decidir alterar a sede da sociedade, (cfr. Passagens 29m04s a 33m06s).
24) As declarações da legal representante da Ré mostraram-se razoáveis e credíveis para o Tribunal a quo face, além do mais, ao contexto de rutura familiar que R… e o Autor viviam à data (como frisado pelo Tribunal, o Autor admitiu mesmo que “a relação com a R… era má”) e uma vez que a sede da sociedade era a residência de ambos.
25) Conjugadamente, bem andou o Tribunal a quo ao considerar também o depoimento da testemunha “G..” prestado na referida sessão de audiência de julgamento de 15/01/2024, que foi quem auxiliou R… através da disponibilização de um espaço que passasse a sediar a Ré, atenta a vontade que aquela demonstrou nesse sentido na sequência da sua separação do Autor, bem assim quanto à convocação da assembleia de 09/01/2023, (cfr. passagens 05m47s a 07m32s; 08m27s a 25m39s).
26) Bem andou o Tribunal a quo relativamente à matéria dada como provada no ponto “37”, devendo o mesmo manter-se inalterado, uma vez que está de acordo com a prova produzida nos autos.
- Dos fundamentos da impugnação - Facto provado “42”:
27) A alegação do Recorrente de que a factualidade dada como provada no ponto “42”, na parte referente ao conhecimento do aumento do capital social da Ré, não resultou da prova documental e da prova produzida em audiência de julgamento, carece de fundamento, o que é facilmente demonstrável por uma análise séria, isenta e concatenada da prova produzida nos autos.
28) A deliberação de aumento de capital social da Ré é de 09/01/2023, (Cfr. factos provados “19”, “24”), sendo que pelo menos em 14/03/2023 o Autor já tinha conhecimento da alteração da sede da Ré por consulta à respetiva certidão comercial, (Cfr. factos provados “32” e “42”).
29) Em 14/03/2023, já se encontrava registado mediante “AP. 2/20230205” o aumento do capital social da Ré, o qual foi publicado mediante a “An. 1 de 20230322”, (Cfr. facto provado
“32”).
30) Em sede de declarações prestadas na sessão da audiência de julgamento de 15/01/2024, o Autor asseverou que constatou a alteração da sede da Ré através da certidão permanente que consultou anteriormente a 14/03/2023, (Cfr. Passagens 09m47s a 10m14s), referindo também que a certidão consultada não tinha, ainda, a alteração ao capital social deliberada em 09/01/2023, apenas a alteração da sede, (Cfr. Passagens 09m47s a 10m14s supra citadas), tendo nessa sequência o Tribunal a quo proferido, na sessão de julgamento de 15/01/2024, despacho  determinar a junção da certidão, (Cfr. ata de fls.).
31) Em sede de audiência, o Autor anuiu a essa entrega, no prazo concedido, (Cfr. ata de fls.), porém através de requerimento de 24/01/2024, o Autor veio singelamente dizer que não tinha, afinal, o documento, (Cfr. requerimento de fls.).
32) Louvando-nos na douta fundamentação ínsita na sentença recorrida, “a versão do Autor, em sede de julgamento, não só não resultou corroborada através do documento que o mesmo asseverou ter na sua posse (a certidão permanente que consultou anteriormente a 142 de março de 2023), para mais tarde admitir que, afinal, já não dispunha desse documento, como também não é sequer verosímil uma vez que, como já se disse, o aumento de capital social deliberado em 09 de janeiro de 2023, foi registado mediante a AP. 2/20230205.”.
33) O referido ato societário de aumento do capital social da Ré foi levado a registo em data anterior ao do dito email de 14/03/2023 enviado pelo Autor e, ao contrário do alegado pelo mesmo, o valor do capital social atualizado consta do cabeçalho da certidão comercial, a par da firma, da natureza jurídica, da sede social e do seu objeto social, entre outros elementos identificativos.
34) Acompanhando a sentença recorrida, não é crível que o Autor, quando consultou a certidão permanente da Ré, antes do envio do email de 14/03/2023, tivesse reparado na alteração da sede e não também na alteração do capital social de €5.000,00 para €100.000,00, porquanto na data em que consultou a certidão permanente, que foi pelo menos em 14/03/2023, da mesma já figurava o valor do capital social atualizado, deliberado em 09/01/2023.
35) O registo da alteração da sede ocorreu pela AP. 29/20230109 e o registo do aumento do capital social pela AP. 2/20230205, (Cfr. certidão comercial de fls.), sendo que muito embora não se tenha apurado em que data concreta o Autor procedeu à efetiva consulta da certidão comercial, não é verosímil que o tenha feito em data anterior a 05/02/2023, ou seja, em data anterior à do registo do aumento de capital social, tendo em conta o teor do seu email de 14/03/2023.
36) A publicação do aumento de capital foi efetuada apenas a dia 22/03/2023 mediante a “An. 1 de 20230322”, (Cfr. certidão comercial de fls. junta com a p.i.), porém, uma coisa é o registo do ato societário, outra é a sua publicação, sendo realidades distintas, como decorre dos artigos 166º a 168º do CSC, e 70º e seguintes do CRCom.
37) O facto de a publicação ter ocorrido apenas em 22/03/2023 não colide com o registo do aumento do capital social que, como se viu, é de 05/02/2023 (CFR. certidão comercial de fls.).
38) Como bem se fundamentou na sentença recorrida de fls., que se acompanha, mesmo na hipótese de o pedido de registo do aumento de capital social pudesse estar por algum motivo pendente, o mesmo teria necessariamente, por força da lei, de constar da certidão permanente e da certidão de registo comercial consultada pelo Autor.
39) Acresce ainda que, na data em que consultou a certidão comercial e enviou o email de 14/03/2023, o Autor já tinha mandatário(s) constituído(s), (Cfr. passagens 04m09s a 06m46s das declarações prestadas na sessão da audiência de julgamento de 15/01/2024), pelo que também não é crível que, depois de constatar que a sede da sociedade não era a mesma, o Autor e os seus advogados não tivessem de imediato consultado todo o teor da certidão permanente, designadamente para aferir da data em que tal alteração ocorreu, sendo que logo a seguir ao registo da alteração da sede, consta o registo do aumento do capital social.
40) Sendo certo que, à data que o Autor consultou a certidão comercial pelo menos o registo provisório do aumento de capital social já constava da mesma.
41) A versão do Autor não faz o mínimo sentido, não estando, aliás, de acordo com as regras da experiência de comum, tendo o Tribunal a quo ficado convencido, e bem, de que quando o mesmo enviou o email à gerente da Ré, em 14/03/2023, depois de consultar a certidão permanente, tinha de estar igualmente ciente da alteração do valor do capital social, uma vez que essa informação tinha necessariamente de ali constar, ainda que, por hipótese, como um pedido de registo pendente/provisório, não tendo o Autor logrado demonstrar o contrário, designadamente através da junção do documento que asseverou ter mas que, afinal, informou não ter, conforme supra exposto, (Cfr. sentença recorrida de fls., que se acompanha).
42) O Autor, com base no teor do seu email de 14/03/2023, alega que nele só referiu a questão da alteração da sede, pretendendo daí extrair a conclusão de que não tinha conhecimento da
alteração do capital social, porém tal conclusão é manifestamente infundada, porquanto trata-se de um documento particular (email), que o próprio elaborou, tendo nele colocado o que entendeu e lhe convinha.
43) Ao contrário do alegado pelo Autor, não obstante o aludido documento apenas fazer menção à alteração da sede, tal não permite extrair que não tivesse tido igualmente conhecimento do aumento do capital social da Ré, isto quando o próprio admitiu nos autos, como se viu, que consultou a certidão permanente e o registo do aumento do capital social é de 05/02/2023.
44) Bem andou o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade constante do aludido ponto “42” dos factos provados, que deverá manter-se inalterado, em consonância com a prova produzida nos autos, dessa forma improcedendo a impugnação do Autor.
- Dos fundamentos da impugnação - Factos não provados “A)”, “B)” e “D)”:
45) A pretensão do Recorrente no sentido de dar como provada a factualidade constante dos pontos “A)”, “B)” e “D)” não provados não se mostra compatível com a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.
46) Assentando o raciocínio do Recorrente na hipótese de ver alterada a decisão sobre a matéria de facto quantos aos factos provados, e não ocorrendo essa alteração, por falta de fundamento e de prova nos termos supra expostos, soçobra a requerida alteração relativamente à factualidade não provada.
47) Não existem nos autos elementos probatórios que sustentem a peticionada alteração da matéria de facto quanto aos factos não provados.
48) Olhando à motivação apresentada pelo Recorrente, o que da mesma decorre são conclusões infundadas retiradas de uma análise enviesada da prova produzida, sem qualquer sustento de facto.
49) Também nesta parte dos factos não provados o Recorrente socorre-se das suas declarações, fazendo citações seletivas que não têm amparo na demais prova produzida.
50) Como é doutrinal e jurisprudencialmente pacífico e assente, as declarações/depoimento de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, isto é, não podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente.
51) Para que determinado ponto do acervo de factos não provados fosse invertido, ou seja, passasse a ser considerado provado numa decisão deste Tribunal de recurso, teria o Recorrente, além do mais, que analisar os meios de prova individualmente considerados pela douta sentença recorrida e outros que tivessem sido produzidos em Tribunal e explicar, com base nessa análise crítica, o motivo pelo qual a decisão foi incorreta.
52) O Recorrente somente socorre-se das suas declarações/depoimento de parte, sem qualquer ligação com a demais prova, sendo verdade que lá pelo meio da sua motivação vai citando pequenos trechos do depoimento da testemunha “G…”, mas sem qualquer conexão com as declarações citadas.
53) A prova produzida, quer documental, quer testemunhal foi exímia a demonstrar que foram cumpridos todos os requisitos e toda a formalidade legal para que o Autor tomasse conhecimento da assembleia, quer da sua realização, quer da respetiva ata, (Cfr. factos provados “11”, “12”, “34”, “35”, “36” e “39”).
54) O facto provado “42” é flagrante, não permitindo a leitura da prova que o Recorrente pretende retirar no que toca a dar como provado o facto “A)”, e muito menos permite que, subsidiariamente, se dê como provado que “A R… impediu que o Recorrente tomasse conhecimento da convocatória para a assembleia geral e a sua realização.”.
55) Bem andou o Tribunal a quo ao dar a referida factualidade do ponto “A)” como não provada, não permitindo a prova produzida decisão diversa, o mesmo se dizendo relativamente ao ponto “B)” dos factos não provados, o qual deverá manter-se dessa forma, isto é, como não provado.
56) O ponto “B)” dos factos não provados colide frontalmente com o que foi dado como provado no ponto “42”, o qual deverá manter-se inalterado, existindo documento (email do Autor de 14/03/2023 de fls.) que o atesta.
57) Neste ponto, o Recorrente socorre-se, uma vez mais, unicamente das suas declarações/depoimento de parte para sustentar a peticionada alteração de facto, olvidando, porém, que a cronologia dos factos, no sentido de em 14/03/2023, data em que já havia consultado a certidão comercial da Ré, figurava da mesma quer a alteração da sede, quer o aumento de capital, este último quer se considere o cabeçalho, quer se considere como registo pendente/provisório.
58) É inverosímil a alegação do Autor que apenas viu a parte inicial da certidão, e mais inverosímil é quando verificamos que na altura já estava acompanhado de mandatários que terão com certeza consultado integralmente a dita certidão comercial.
59) Bem andou o Tribunal a quo ao dar como não provada a factualidade ínsita no aludido ponto “B)” dos factos não provados, mostrando-se tal decisão totalmente acertada face à prova produzida.
60) Quanto ao último ponto “D)” dos factos não provados impugnado pelo Recorrente, carece de fundamento o invocado pelo mesmo, pois desde logo o Recorrente, na sua alegação, olvidou o que consta dos pontos “14” e “15” dos factos provados:
61) Resulta do ponto “15” dos factos provados que foi o Autor, destinatário da missiva, a pedir o levantamento da carta num ponto, não tendo sido, porém, essa a conclusão extraída do documento pelo Tribunal a quo.
62) Sempre se imporia concluir, como aconteceu, que a factualidade do aludido ponto “D)” dos factos não provados resulta da ausência de prova que caberia ao Autor efetuar, valendo aqui o que resultou provado relativamente ao cumprimento dos requisitos legais no que toca à convocação da assembleia geral da Ré, (Cfr. pontos “11”, “12”, “34”, “35”, “36” e “39” dos factos provados).
63) Carece de fundamento e de prova a alegada “cabala” que o Autor, nas suas alegações, parece crer demonstrar através de uma análise enviesada, inverosímil e insustentada da prova produzida nos autos.
64) A peticionada alteração da matéria de facto quanto ao mencionado ponto “D)” sempre se consideraria prejudicada pelos pontos “32” e “42”, os quais foram dados como provados através de documento, isto é, o email de 14/03/2023 que o Autor enviou à legal representante da Ré.
65) O Autor abstrai tal documento da sua análise, olvidando que dele resulta o conhecimento que tinha em 14/03/2023 relativamente à alteração da sede da Ré e o aumento de capital.
66) A motivação do Autor é tanto mais censurável, porquanto sendo obviamente conhecedor do email e tendo-o na sua posse, designadamente na sua caixa de email, procurou omitir dos autos tal documento, não fazendo uma única referência que seja ao mesmo em sede de p.i., como seja o que alegou nos autos na sequência da sua junção, no sentido de apenas verificou na certidão comercial a alteração da sede da sociedade.
67) Deverá improceder in totum a peticionada alteração da matéria de facto, a qual não se mostra possível, nem compatível com a prova produzida, como bem se fundamentou na sentença imerecidamente recorrida de fls., e que se acompanha.
– Da impugnação da matéria de Direito:
68) A sentença recorrida de fls., mostra-se, igualmente, acertada e devidamente fundamentada no que toca à aplicação do Direito aos factos, não permitindo a factualidade provada, bem assim a factualidade não provada, a decisão reclamada pelo Recorrente, conforme infra se explicitará.
- Dos alegados vícios da não convocação da assembleia geral e da fraude à lei:
69) O alegado pelo Recorrente, no sentido de ter ficado provado nos autos que não foi por culpa sua que não recebeu a convocatória para assembleia geral de 09/01/2023, daí concluindo que ocorre vício de nulidade decorrente da não convocação da dita assembleia, nos termos do artigo 56º, n.º 1, alínea a) do CSC, carece de fundamento, não se verificando os pressupostos da invocada nulidade.
70) Competia ao Autor invocar e provar os requisitos constitutivos do seu direito a deliberar, e bem assim a existência de deliberação não votada por si (artigos 342º, n.º 1 do CC, e 59º, n.º 1 do CSC); por sua vez, à Ré competia a prova de que a deliberação foi válida e que a assembleia geral foi regularmente convocada.
71) Olhando à factualidade provada constante dos pontos “11”, “12”, “34”, “35”, “36”, “39” e “42”, conclui-se que a Ré provou que deu cabal cumprimento ao envio da convocatória para o Autor, por forma a que este tivesse conhecimento da mesma, tendo a assembleia sido regularmente convocada.
72) Sobre o Autor recaía o ónus de provar que se não recebeu a aludida convocatória, não foi por culpa sua (artigo 342º, n.º 1 do CC).
73) O Autor sustenta que a prova de factos negativos tem de implicar uma menor exigência probatória; porém, uma menor exigência quanto à demonstração de factos não significa ausência de prova, como ocorre na situação dos autos, retirando-se da factualidade não provada que tal ónus não foi cumprido.
74) Os factos que, no entender do Autor/Recorrente, deveriam ter sido ponderados pelo Tribunal a quo não foram dados como provados.
75) Ao contrário do alegado pelo Autor, o Tribunal a quo procedeu a uma apreciação e ponderação crítica da prova, estando a decisão sobre a matéria de facto solidamente fundamentada.
76) O Autor não provou que não foi ele quem recusou a entrega da carta e/ou que ninguém o avisou dessa tentativa e da necessidade de recolha no ponto dos CTT (facto não provado D)), assim como não provou que a legal representante da Ré o tivesse impedido de levantar a carta registada com a convocatória, recebendo ela o aviso de levantamento da carta num ponto CTT e não dando conhecimento desse facto ao Autor (factos não provados E) e F)).
77) Não obstante o facto provado n.º “14)”, tal não tem a virtualidade de ilidir a culpa do Autor no não levantamento da carta junto dos CTT, não existindo nos autos qualquer elemento probatório que permitisse ao Tribunal a quo concluir que o aviso para o levantamento da carta não foi deixado na caixa do correio do Autor pelos serviços postais, depois de constatada a impossibilidade de entrega na morada de destino da carta.
78) O Autor não fez prova de que outra pessoa, que não ele, tivesse recebido o referido aviso sem lhe dar conhecimento.
79) A falta de comunicação entre o Autor e a legal representante da Ré mostra-se justificada pelo processo de divórcio então em curso, que não foi consensual, pelo menos no início (facto provado n.º 7), a par da deterioração das relações pessoais do casal, como pelo Autor foi admitido (artigos 3º e 17º da p.i.) e foi dado como provado (facto provado n.º 6), a justificar que o Autor e R… tivessem deixado de falar entre si, com exceção dos assuntos relacionados com os filhos de ambos (facto provado n.º 38).
80) Ao contrário do que defende o Autor, não é possível concluir, pelas regras de experiência e até prova em contrário – que R… convocou a assembleia geral de forma que o Autor não participasse na mesma (artigo 42º da p.i.), atentas também as matérias em discussão, tanto mais que, como se viu também, para além das cartas registadas, R… também enviou cartas sob correio azul e fez publicar anúncio no jornal convocando o Autor para a assembleia geral (Cfr. factos provados n.ºs 36 e 39).
81) Ao contrário do sufragado pelo Autor, bem andou o Tribunal a quo ao concluir que a assembleia geral da Ré de 09/01/2023 foi regularmente convocada.
82) Do mesmo passo, inexiste a alegada fraude à lei na atuação da legal representante da Ré, dado que esta convocou o Autor para nela participar e não se demonstrou que tivesse de alguma forma obstaculizado ao recebimento, por ele, da convocatória.
83) O Tribunal a quo não poderia firmar a sua convicção em factualidade que não resultou provada, sendo a tese alegada pelo Autor manifestamente despropositada, atenta a falta de elementos probatórios suscetíveis de a sustentar, pelo que, também nesta parte, bem andou o Tribunal a quo ao afastar o alegado vício de fraude à lei.
84) As deliberações tomadas na assembleia de 09/01/2023 não são nulas por força do disposto no artigo 56º, n.º 1, alínea a) do CSC, não se verificando os alegados vícios de falta de convocação do Autor e de fraude à lei.
- Do alegado vício de desrespeito pela maioria necessária:
85) O raciocínio do Autor, no sentido de considerar que o desrespeito pela maioria necessária ao aumento do capital social é um vício que conduzir à nulidade da deliberação social, e não à sua anulabilidade, é incorreto.
86) O conteúdo da deliberação impugnada não pode ser considerado ilícito, na medida em que ao determinar um aumento de capital social e a consequente alteração da participação social dos sócios, não ofende nenhum preceito da lei.
87) O facto de tal deliberação ter sido votada apenas pela legal representante da Ré que detinha 50% do capital social é questão que não resulta do conteúdo da deliberação, mas de seu pressuposto, ou seja, o vício imputado à deliberação não reside no seu conteúdo, mas na forma como foi obtida, (Cfr. entre outros, acórdão do STJ de 06/10/1993).
88) O conteúdo da deliberação objeto dos autos não pode ser considerado ilícito, porque, limitando-se a determinar um aumento de capital social, não ofende nenhum preceito da lei.
89) Bem andou o Tribunal a quo ao concluir que o vício imputado pelo Autor ao processo formativo da deliberação – violação da maioria qualificada necessária à sua aprovação – será, a verificar-se, sancionável com a anulabilidade, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 58º do CSC.
- Do alegado vício da deliberação de assuntos não incluídos na ordem de trabalhos:
90) Como bem destacado pela sentença recorrida, que se acompanha, o direito mínimo à informação que interessa considerar para efeitos de ação de anulação de deliberação social é o previsto no artigo 58º, n.ºs 1, alínea c), e 4 do CSC.
91) Ao contrário do alegado pelo Autor, a invocada infração do direito mínimo à informação acarretaria apenas a anulação da deliberação tomada e não a sua nulidade, como decorre do disposto nos artigos 58º, n.ºs 1, alínea c), 4, e 59º, n.º 2, alínea c), ambos do CSC.
92) Bem andou o Tribunal a quo ao concluir pela qualificação do invocado vício, no sentido da sua anulabilidade, e não nulidade.
- Do alegado vício da deliberação abusiva:
93) Defende o Autor que as deliberações relativas à assembleia geral de 09/01/2023 são abusivas, nos termos do artigo 58º, n.º 1, alínea b) do CSC, não colocando, porém, em crise qualificação do alegado vício seguida, tratando-se de causa de anulabilidade.
94) Tendo em conta o que resultou provado nos pontos “32” e “42” dos factos provados, os quais deverão manter-se inalterados, a decisão recorrida mostra-se acertada, nada havendo nada a alterar, posto que a invocação do suposto vício pelo Autor é extemporânea.
- Do decurso do prazo de caducidade:
95) O alegado pelo Autor para concluir pela tempestividade da ação parte de premissas erradas, ora desconsiderando o que resultou provado nos autos, nomeadamente nos pontos “32” e “42” dos factos provados, ora enquadrando incorretamente os vícios invocados como causa de nulidade.
96) O prazo para a propositura da ação de anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada no dia 09/01/2023, com fundamento na violação do quórum deliberativo e no caráter abusivo da deliberação, conta-se a partir dessa mesma data, por ser aquela em que foi encerrada a assembleia geral, para a qual, conforme resultou provado, o Autor foi regularmente convocado e que apenas por culpa sua não diligenciou por estar presente ou se fazer representar.
97) O Autor instaurou a ação no dia 18/05/2023 (Cfr. p.i. de fls.), pelo que foi proposta fora do prazo de 30 dias concedido por lei, verificando-se, pois, a caducidade do direito da ação.
98) Já o prazo para propositura da ação de anulação das deliberações tomadas na mesma assembleia geral da Ré de 09/01/2023, com fundamento no facto de estas incidirem, em parte, sobre assuntos que não constavam da convocatória, conta-se, como se disse já, a partir da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação.
99) A Ré fez prova de que em 13 de janeiro de 2023, R… enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção para a respetiva morada de residência, remetendo-lhe a ata da assembleia geral extraordinária de 09 de janeiro de 2023 (facto provado n.º 34) e também enviou a mesma carta através de correio azul (facto provado n.º 36).
100) Não obstante a referida carta registada ter sido devolvida em 31/01/2023 e, de acordo com informação que consta dos registos do CTT, a carta não foi entregue no dia 20 de dezembro pelo seguinte motivo: “objeto não reclamado” (facto provado n.º 35), a verdade é que o Autor não fez a prova, que lhe competia, de que o não recebimento da referida carta registada não foi por culpa sua.
101) Bem andou o Tribunal a quo ao concluir que se tem por eficaz a notificação, ao Autor, da ata da aludida assembleia geral em janeiro de 2023, da mesma forma mostrando-se acertada a decisão do Tribunal a quo ao concluir que, ao propor a presente ação apenas em maio de 2023, o Autor ultrapassou o prazo legal de que dispunha para o efeito.
102) Bem andou o Tribunal recorrido ao concluir pela procedência da invocada exceção de caducidade do direito de ação em relação aos vícios invocados pelo Autor, alegadamente geradores de anulabilidade das deliberações tomadas em 09/01/2023.

II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir:
- se o julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido deve ser alterado;
- em face da matéria de facto provada, apreciar se as deliberações tomadas pela ré em assembleia geral de 09.01.2023 padecem de vício formal ou substancial e e, em caso afirmativo, aferir da tempestividade do exercício de direito do autor.

III.
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
factos provados
1. A Ré é uma sociedade comercial constituída em 2 de junho de 2010, que tem por objeto social a “Prestação de serviços médicos, exames complementares de diagnóstico, terapêutica e serviços correlacionados. Investigação e desenvolvimento na área da medicina.”
2. Desde a constituição da Ré até à atualidade, apenas o Autor e R… (adiante “R… C…”) foram sócios e gerentes da mesma.
3. O Autor e R… casaram entre si em 2 de março de 2002.
4. Inicialmente, ambos exerceram o cargo de gerentes da Ré, tendo o Autor apresentado a sua renúncia ao cargo em 10 de fevereiro de 2015.
5. A Ré foi constituída com o capital social de €5.000,00 e era detida em partes iguais pelo Autor e R…, uma vez que cada um deles sempre teve 50% do capital social através de quotas de €2.500,00 cada, até a participação do Autor passar a ser de 2,5% e de R… 97,5%, na sequência de deliberação social tomada na assembleia geral de 09 de janeiro de 2023.
6. Desde 2022 que o casamento de ambos se começou a deteriorar, tendo R… comunicado ao Autor, em 31 de maio de 2022, a intenção de se divorciar.
7. R… instaurou contra o Autor processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, autuado em 04 de abril de 2023, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 2, sob o n.º …/23.9T8LSB.
8. À data da propositura da presente ação, o Autor e R… ainda viviam na mesma casa, na Rua …, 29, … Lisboa, juntamente com os seus três filhos, A, nascido em 22/02/2004, M, nascida em 19/04/2006, e C, nascida em 13/11/2009.
9. Desde a deliberação da assembleia geral da Ré de 15 de dezembro de 2016, que esta tinha a sua sede na Rua …, que era, desde 2014, o local de residência do Autor e de R….
10. Em 14 de dezembro de 2022, R…, na qualidade de gerente única da Ré, deliberou alterar a sede social para a Avenida … Algés.
11. Em 19 de dezembro de 2022, R… enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção para a morada de residência deste, convocando-o para uma assembleia geral extraordinária, a realizar-se já na nova sede, no dia 09 de janeiro de 2023.
12. A referida carta foi devolvida à remetente em 5 de janeiro de 2023 e, de acordo com informação que consta dos registos do CTT, a carta não foi entregue no dia 20 de dezembro pelo seguinte motivo: “O destinatário pediu o levantamento num Ponto.”
13. Não obstante residirem na mesma casa, entre o dia 19 de dezembro de 2022 e o dia 09 de janeiro de 2023, R…, gerente da Ré, não informou verbalmente o Autor da aludida assembleia geral ou sequer o questionou sobre o recebimento, ou não, da convocatória para a mesma.
14. Em 12 de maio de 2023, foi enviado aos CTT um email pedindo informação sobre quem é que pediu o levantamento num ponto da carta de 19 de dezembro de 2022, recusando a entrega.
15. Em resposta, os serviços do CTT informaram o seguinte: “Informo que, de acordo com a nossa pesquisa na ferramenta “Seguir ou alterar entrega”, o objeto com o nº RL051087567PT, foi devolvido e entregue no dia 05-01-2023 ao remetente com a indicação "Excedido o prazo em tempo útil para levantamento". Informo ainda que a informação que indica (A entrega do envio não foi conseguida. Motivo: O destinatário pediu levantamento num Ponto) é meramente informativa que não foi possível a entrega na morada de destino e que o envio foi para uma Loja/Ponto CTT a aguardar levantamento pelo destinatário.”
16. Até à assembleia geral extraordinária de 09 de janeiro de 2023, nunca os sócios haviam sido convocados por carta registada com aviso de receção, nem tão pouco tinha sido publicado um anúncio no jornal acerca da realização de uma assembleia geral.
17. Até à assembleia geral de 9 de janeiro de 2023, os sócios únicos – marido e mulher – combinavam uma data para a realização da assembleia geral e ambos compareciam, realizando a assembleia sem convocatória, por estarem presentes todos os sócios da Ré.
18. R… não contactou o Autor no sentido de o informar da alteração de sede da Ré, nem de aferir da sua disponibilidade para se reunir em assembleia geral no dia 9 de janeiro de 2023.
19. A 09 de janeiro de 2023 realizou-se a assembleia geral extraordinária da Ré, na nova sede em Algés.
20. Esteve apenas presente a sócia-gerente R….
21. Na convocatória de 19 de dezembro de 2023, R… refere, além do mais o seguinte:
“Entendo que, para o desenvolvimento do objeto social da sociedade se torna necessário criar novas oportunidades de atuação através da participação em novos mercados no estrangeiro, o que vai impor ao longo dos próximos anos um esforço financeiro importante, esforço esse que deverá ser suportado por uma adequada estrutura de fundos próprios que preserve a solidez financeira da sociedade.
Pelo que proponho assim, nos termos do disposto no art.º 87.º, do Código das Sociedades Comerciais, que se realize, até 09 de janeiro de 2023, um aumento do capital social no valor de €95.000,00, por novas entradas em dinheiro através do aumento  nominal das quotas de capital existentes, elevando-se assim o capital social da sociedade de €5.000,00 para €100.000,00, participando o aumento dos sócios que exerçam o seu direito de preferência.»
22. A ordem de trabalhos da assembleia geral constante do aviso convocatório, era a seguinte:
1. Ratificação da decisão da gerência que visou a alteração da sede social da sociedade feita pela gerência nos termos do nº 2 do artigo 12.º do Código das Sociedades Comerciais.
2. Deliberar, nos termos do artigo 87.º do Código das Sociedades Comerciais sobre o aumento do capital social a realizar com entradas em dinheiro, no valor de €95.000,00 através do aumento nominal das quotas de capital existentes, a efetivar até 09 de Janeiro de 2023, passando assim o capital social de €5.000,00 para €100.000,00 participando no mesmo aumento os sócios que exerçam o seu direito de preferência, previsto no artigo 266.º do Código das Sociedades Comerciais, materializado por deposito na conta da sociedade com o IBAN ….
3. Deliberar, em consequência do aumento de capital previsto no ponto 2 anterior, sobre a nova redação do artigo quarto do pacto social, bem como conferir poderes ao gerente da sociedade R… para registar a deliberação tomada.
4. Deliberar sobre a autorização da sociedade para constituir a favor da sócia R…, um mútuo no valor de €405.000,00 pelo prazo de 10 anos, amortizado a partir do quinto ano em prestações semestrais com juro à taxa de 1%, que se destina a possibilitar a realização de um conjunto de ações na área da investigação, bem como na realização de ações de formação profissional em Portugal [e] no estrangeiro.
5. Deliberação sobre a remuneração de gerência, propondo que seja fixado a contar da data da deliberação uma remuneração para a gerência equivalente a um salário mínimo.
6. Outros assuntos de interesse para a sociedade.
23. Na sequência desta assembleia geral, foi ratificada a decisão da gerente R… de alterar a sede social da Ré.
24. Foi aprovado o aumento do capital social de €5.000,00 para €100.000,00 que seria integralmente subscrito por R…, pelo valor nominal, tendo a sua participação social passado de 50% para 97,5%, ao passo que a do Autor passou de 50% para 2,5%.
25. A respeito do ponto 3, foram conferidos poderes a R… para registar a deliberação de alteração das participações sociais.
26. O ponto 4, a respeito da constituição de um empréstimo da Ré a favor de R…, não foi aprovado, na medida em que esta explicitou que não poderia votar por estar em situação de conflito de interesses, nos termos do artigo 251.º, n.º 1, al. g) do CSC.
27. No ponto 5 foi aprovada a remuneração da gerência.
28. De seguida, subordinado ao ponto 6 “Outros assuntos de interesse para a sociedade”, R… explicou “à sociedade que existem um conjunto de factos graves que indiciam um comportamento ilícito do sócio” D….
29. Neste ponto, foi deliberado proceder a uma auditoria, através de entidade terceira a contratar para o efeito e no prazo máximo de 45 dias a contar da data da deliberação, aos atos praticados por D… no uso de palavras-chave pessoais de R…, bem como o uso indevido do seu cartão de cidadão e respetivos códigos de acesso.
30. Foi também deliberado, ainda no âmbito deste ponto 6, interpelar extrajudicialmente D… para liquidação à Ré de €180.838,70 e, caso o mesmo não o faça de forma voluntária, interpor, através de advogado contratado para o efeito, a correspondente ação judicial tendente ao reembolso à sociedade daquela quantia.
31. Na sequência da aludida assembleia geral, o contrato de sociedade foi alterado em conformidade com a redação do pacto social junto com a petição inicial como documento n.º 13, cujo teor damos por reproduzido.
32. No dia 14 de março de 2023, o Autor enviou um email à sócia e gerente R… com o seguinte teor:
“Boa tarde R…,
Foi alterada a sede social da G….
Gostaria que me enviasses a ata da assembleia geral onde isso foi decidido, uma vez que não tenho conhecimento da referida assembleia ou da decisão.
Solicito-te o envio urgente até sexta-feira dia 17/03/2023. (…).”
33. O aumento de capital deliberado na assembleia geral da Ré de 09 de janeiro de 2023 foi registado mediante a AP. 2/20230205 e foi publicado em http://publicacoes.mj.pt mediante a An. 1 de 20230322.
34. Em 13 de janeiro de 2023, R… enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção, para a morada de residência deste, remetendo-lhe a ata da assembleia geral extraordinária de 09 de janeiro de 2023.
35. A referida carta foi devolvida à remetente em 31 de janeiro de 2023 e, de acordo com informação que consta dos registos do CTT, a carta não foi entregue no dia 20 de dezembro de 2022 pelo seguinte motivo: “objeto não reclamado.”
36.  As cartas de 19 de dezembro de 2022 (convocatória para a assembleia geral) e de 13 de janeiro de 2023 (envio da ata da referida assembleia geral) foram também enviadas ao Autor em correio azul expedido nas mesmas datas.
37. Através da alteração da sede, a legal representante da Ré visou separar a realidade pessoal da realidade empresarial/societária, nomeadamente considerando a deterioração da sua relação pessoal com o Autor que culminou no processo de divórcio de ambos.
38. O Autor e a sócia R… deixaram de falar entre si, com exceção dos assuntos relacionados com os filhos de ambos.
39. A convocatória para a assembleia geral da Ré de 09 de janeiro de 2023, foi também publicada em anúncio de jornal de circulação nacional.
40. No dia da assembleia geral de 09 de janeiro de 2023, perante a ausência do Autor, foi considerado adequado aguardar 60 (sessenta) minutos pela chegada do mesmo.
41. O Autor não compareceu na dita assembleia, nem comunicou qualquer justificação para a sua ausência.
42. Pelo menos em 14/03/2023, o Autor já tinha conhecimento da alteração da sede da Ré e também do aumento do capital social da Ré, por consulta à certidão comercial desta.

Factos não provados
A) Através da deliberação de 09 de janeiro de 2023, R… procurou, de forma ardilosa e aproveitando-se da sua qualidade de gerente, aumentar a participação que tem na Ré e, consequentemente, diminuir a participação do Autor, dessa forma o prejudicando tendo em vista a partilha de bens após o divórcio, e deliberar a sua remuneração como gerente única.
B) Foi apenas em 19 de abril de 2023 que o Autor acedeu à ata da assembleia geral da Ré realizada em 09 de janeiro de 2023 e tomou conhecimento das deliberações aí tomadas.
C) Foi através do mesmo acesso que tomou conhecimento da declaração da gerência da Ré de 14 de dezembro de 2022, através da qual foi decidido alterar a sede social desta.
D) Não foi o Autor quem recusou a entrega da carta e ninguém o avisou dessa tentativa e da necessidade de recolha no ponto dos CTT.
E) Foi R… que impediu o Autor de receber essa convocatória.
F) Para tal, terá recebido o aviso de levantamento da carta num ponto CTT, não deu conhecimento desse facto ao Autor, dessa forma o impedindo de levantar a carta registada contendo a convocatória.
G) O objetivo do aumento de capital resumiu-se tão só a garantir que a sociedade Ré que pertencia a ambos os cônjuges em partes iguais passasse a ser detida quase a 100% por R….
H) O Autor rececionou as cartas de 19 de dezembro de 2022 (convocatória para a assembleia geral) e de 13 de janeiro de 2023 (envio da ata da referida assembleia geral) expedidas em correio azul.

IV.
A.
Importa, em primeiro lugar, apreciar a impugnação dirigida pela recorrente ao julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido.
A este respeito, estabelece o art.º 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil o ónus que recai sobre o recorrente que pretenda ver impugnada a decisão da matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, ali se incluindo a concretização da matéria de facto que considera afetada por erro de julgamento, bem como os meios de prova que considera que determinam decisão diversa.
No caso concreto, o apelante cumpre tal ónus, apresentando, no essencial, uma leitura diferente da prova produzida, espelhada na análise crítica que, de forma detalhada, consta da decisão recorrida e que, por um lado, permite ao apelante concretizar os pontos da sua divergência e, por outro lado, autoriza esta instância a reconstituir a linha de raciocínio seguida.
Apenas se distancia dessa “distinta leitura” a pretensão de aditamento de um conjunto de factos não incluídos pelo tribunal entre aqueles que considerou provados ou não provados.

Analisemos.
i.
Em primeiro lugar, pretende o recorrente que sejam aditados à matéria de facto provada um conjunto de factos correspondentes, em parte, a um dado aceite pela legal representante da ré, noutra parte, ao teor de documentos cuja junção foi admitida em 07.02.2024 (requerimento de 24.01.2024), que entende serem relevantes por enquadrarem o comportamento da legal representante da apelada ao não ter alertado o apelante para a realização da assembleia geral, tendo o tribunal, nessa matéria, limitado a prova aos factos 18 e 38, quando deveria ter acrescentado os factos enumerados pelo recorrente na conclusão E) entre os números 43 e 56, ou seja, a reprodução das comunicações em que se traduzem tais documentos e a comunicação que atesta o momento em que foi transmitido ao autor que a ré havia constituído advogado.
Adiantando conclusões, importa, nesta parte, dar razão à recorrida quando refere que o julgamento da matéria de facto reclama a prévia alegação dos factos a julgar.
O requerimento de junção de documentos e a apresentação destes não corresponde à apresentação de um articulado superveniente, sujeito à tramitação própria prevista nos artigos 588º e 589º do Código de Processo Civil.
Os documentos em questão, como meios de prova que são, apenas se destinariam a demonstrar a realidade de factos (art.º 341º do Código Civil), com os quais não se confundem, sendo que apenas factos, e, entre estes, os alegados, terão que constar da sentença – art.º 607º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil.
Como se refere no Ac. do TRP de 10.07.2024 (proc.º n.º895/22.7T8PRD.P1) “uma coisa são os factos qua tale, ou seja, acontecimentos concretos da natureza ou da vida das pessoas relevantes para o direito e, outra, os documentos, meios de prova dos factos, sendo certo que a decisão a proferir sobre a matéria de facto exclui a simples remissão para documentos desprovida de qualquer explicitação acerca do seu conteúdo que permita compreender o seu conteúdo real; os documentos não são factos, mas antes meios de prova dos factos que interessam à decisão da causa (art.ºs 341.º e 362.º do CCivil)”.
No caso do acórdão citado, como no presente, está em causa a pretendida inclusão adicional de “factos” não alegados, não encerrando o teor dos documentos qualquer factualidade instrumental que haja sido objeto de discussão em sede de audiência final, pelo que improcede a pretensão do recorrente.

No que respeita ao sugerido facto 57, porque respeitante ao divórcio do casal e sequencial em relação à intenção de divórcio espelhada nos factos precedentes, foi o mesmo expressamente incluído entre os factos provados – ponto 7 -, onde se diz:
R… instaurou contra o Autor processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, autuado em 04 de abril de 2023, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 2, sob o n.º …/23.9T8LSB.
A inclusão do facto que o recorrente sugere constituiria injustificada duplicação.
Nega-se, nesta parte, razão ao recorrente.
*
ii.
Numa segunda vertente da impugnação dirigida ao julgamento efetuado pelo tribunal recorrido, pretende o recorrente que sejam considerados provados factos por si alegados (artigos 3º e 4º da petição inicial), que refere não terem sido impugnados, que considera relevantes para a decisão da causa – conclusão F. A saber:
58. Desde 2022 que o casamento do Recorrente e R.. se tem vindo a deteriorar, (cfr. art. 3.º da p.i., não impugnado na contestação – cfr. em particular, o artigo 35.º da contestação).
59. R… comunicou ao Autor a intenção de se divorciar em 31 de maio de 2022 (cfr. art. 4.º da p.i., não impugnado na contestação – cfr. em particular, o artigo 35.º da contestação, bem como declarações de R…: “Foi a 31 de maio que eu comunico ao D… a separação (…)”.

A sentença recorrida elenca, entre os factos provados, o facto n.º 6, com o seguinte teor:
“Desde 2022 que o casamento de ambos se começou a deteriorar, tendo R… comunicado ao Autor, em 31 de maio de 2022, a intenção de se divorciar”.
Tal facto, como se refere na motivação, encontra-se incluído entre os factos provados por acordo das partes, em conjugação com os documentos que ali se indica, mais uma vez se tendo por injustificada qualquer duplicação.

Acrescenta o recorrente – conclusão H - que deve ser considerado provado o que resulta do documento n.º 5 anexo à petição inicial, isto é:
60 - Por email de 19.04.2023, o IRN enviou ao representante legal do Autor o código de acesso à certidão permanente e documentos de suporte, nomeadamente a ata da assembleia geral de 09.01.2023.

Verifica-se, porém, que o documento em questão consta anexo à petição inicial, não como elemento de corroboração de um facto alegado – que seria extraído a partir do teor do documento -, mas como meio de prova da alegação expressa no art.º 21º do articulado inicial, isto é, como suporte de prova de que apenas em 19.04.2023 o autor acedeu à ata da assembleia geral, tendo então tomado conhecimento de que tinha havido uma deliberação desta assembleia, de 09.01.2023. Tal facto foi incluído entre os factos não provados - al. B).
Nesta medida, o documento em si não corresponde a um facto, mas a um elemento que o autor, em conjugação com o documento n.º6, entendeu ser demonstrativo da existência de um outro facto, motivo pelo qual se renovam, nesta sede, os argumentos aduzidos no ponto i. da fundamentação para negar razão ao recorrente, sem prejuízo da apreciação da relevância probatória desse documento, que será feita adiante.

Por último, neste subtema, pretende o recorrente – conclusão J – que seja considerado provado o seguinte facto:
61. A recorrida tinha uma situação financeira saudável, sem problemas de liquidez.

Tal “facto”, de cariz conclusivo, não se mostra alegado, considerando o recorrente que a sua inclusão entre os factos provados tem relevância, por constituir contraprova da justificação apresentada pela legal representante da ré para a realização do aumento de capital que veio a ser aprovado na assembleia geral, correspondente ao facto 19.
Contudo, o indicado facto 19, que se limita a referir a realização da assembleia geral, não tem qualquer relação com uma comprovada motivação para o aumento de capital, sendo importante relembrar que a justificação dada pela ré para a necessidade do aumento de capital constitui impugnação motivada dirigida por esta, no articulado de contestação, à justificação adiantada pelo autor para a deliberação em causa, que corresponde ao facto não provado sob a alínea A.
Não só tal “facto” não tem conteúdo concretizado passível de infirmar a razão de ser para o aumento de capital (o que representa liquidez ou saúde financeira constitui algo que impossibilita uma definição quantitativa, impedindo a sua prova), como é estranho à alegação do autor, que fez assentar a sua tese, não na desnecessidade do aumento de capital face à solidez financeira da ré (que reclamaria concretização e subsequente prova documental), mas na intenção da gerente da ré de reduzir a participação do autor na empresa, sendo, por isso, a matéria em questão irrelevante à luz da causa de pedir, dos temas da prova ou do objeto do litígio.
Assim, também nesta parte, decai a pretensão do recorrente.
*
iii.
No contexto da impugnação dirigida ao julgamento da matéria de facto, conclui o recorrente, no mais (conclusões P a KKK), que o tribunal considerou provados factos que deveriam ser considerados não provados ou provados noutros termos – 14, 37 e 42 - e considerou não provados factos que deveriam ter sido dados como provados – A), B) e D).
Por razões de sistematização e de inteligibilidade da decisão, dado que, em qualquer dos subtemas, está em causa, no essencial, a análise conjugada dos mesmos elementos de prova e a aplicação de idênticas regras de direito probatório, optamos pela sua apreciação conjunta.
Autonomiza-se, em primeiro lugar, a impugnação dirigida pelo apelante, ao facto provado 14, que tem o seguinte teor:
14. Em 12 de maio de 2023, foi enviado aos CTT um email pedindo informação sobre quem é que pediu o levantamento num ponto da carta de 19 de dezembro de 2022, recusando a entrega.”
Entende o recorrente que tal facto, alegado no artigo 35º, não impugnado na contestação, bem como comprovado pelo documento n.º 12 anexo à petição inicial, deve ser considerado provado noutros termos, isto é, considerando-se provado que foi o autor quem enviou o referido email.
O tribunal recorrido motiva a convicção formada em relação a tal facto de forma conjunta com outros factos, referindo que tiveram por base o acordo das partes e o conjunto de documentos cujo teor não foi impugnado, entre os quais inclui o indicado documento n.º 12 (2º parágrafo da p. 13 da sentença recorrida).
No artigo 35º da petição inicial alega o autor: “Já após ter tido conhecimento da assembleia geral, o Autor contactou os CTT no sentido de apurar se existia registo de quem é que pediu o levantamento num ponto, recusando a entrega, tendo sido informado que não era possível obter essa informação (cfr. Doc. N.º 12, que se junta)”.
O referido artigo, conjugado com o teor do documento assinalado, foi base da redação dos factos provados 14 e 15.
Muito embora o documento não identifique o recorrente como autor da comunicação, circunstância que terá estado na base do julgamento restritivo operado pelo tribunal recorrido, a realidade é que o facto não se encontrava impugnado – artigo 35º da contestação -, pelo que se impõe ter o mesmo por confessado (art.º 574º, n.º2 do Código de Processo Civil), assistindo, nesta parte, razão ao recorrente.
Assim, por referência à conclusão N, o facto 14 passará a ter a autoria da comunicação identificada, substituindo-se pelo seguinte teor:
14 - Em 12 de maio de 2023, o autor contactou os CTT através de email, pedindo informação sobre quem é que pediu o levantamento num ponto da carta de 19 de dezembro de 2022, recusando a entrega.”

Apreciemos os restantes factos em relação aos quais o recorrente pretende ver invertido o sentido probatório do julgamento efetuado pelo tribunal recorrido.
Com relevância para a apreciação da bondade dos argumentos do recorrente, importa ter em conta que, no que aos depoimentos respeita, o julgamento assentou exclusivamente nos depoimentos/declarações da legal representante da ré e do autor (únicos sócios da ré) e de uma testemunha comum a ambas as partes, G….
Por outro lado, são convocadas as seguintes regras de direito probatório, substantivo e adjetivo:
- art.º 342º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), cabendo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2);
- art.º 343º, n.º 2 do Código Civil, que dispõe que, nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei;
- art.º 344º, n.º 1 do Código Civil, que preceitua que as regras dos artigos anteriores se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine;
- artigos 349º e 350º do Código Civil, que disciplinam a matéria das presunções, referindo o primeiro que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, estabelecendo o segundo, em matéria de presunções legais, que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz;
- art.º 224º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil, segundo o qual: a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada (n.º1); é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (n.º2);
- 466º, n.º 2 do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

A questão assenta, assim, por um lado, na avaliação da maior ou menor credibilidade a conferir às declarações de cada uma das partes (o tribunal recorrido conferiu maior peso ao depoimento da legal representante da ré, conferindo, consequentemente, menor peso às declarações do autor), bem como aferir da existência de algum fator que possa influir na credibilidade da testemunha (comum). Por outro lado, importará, conjugando os referidos depoimentos com os elementos documentais juntos aos autos, bem como com as regras gerais da experiência, verificar se as ilações extraídas pelo apelante a partir dos factos conhecidos (teor objetivo de documentos) são base suficiente para alterar o sentido probatório espelhado na decisão recorrida.
Foi ouvida a prova produzida em audiência de julgamento.

No que concerne a invocada falta de imparcialidade da testemunha G…, desde já adiantamos que não antevemos qualquer suporte para questionar a sua credibilidade, quer à luz do teor do depoimento prestado (ouvido na íntegra, apesar do ruído persistente da gravação), quer sob a perspetiva das ligações pessoais mantidas.
O depoente depôs de forma tranquila e serena, sendo a ligação do mesmo ao autor anterior à ligação profissional que passou a manter com a legal representante da ré, com quem apenas passou a tratar diretamente após a separação do casal. O depoente foi contabilista da ré até janeiro de 2018, conhece o autor por ter sido seu cliente, conhecendo a gerente da ré desde junho de 2022, prestando apoio em serviços relacionados com a atividade da ré, o que fez por esta, contrariamente ao que sucederia com o autor, dada a sua profissão (médica), desconhecer os procedimentos correntes associados às deliberações ou convocação de assembleias, sendo o autor quem, até à separação, assumiria a gestão corrente da empresa, bem como de outras empresas de que é sócio (como o mesmo confirmou nas suas declarações).
Não antevemos qualquer justificação para alteração do julgamento em relação ao facto provado 37, quer à luz do depoimento da testemunha, quer das declarações da legal representante da ré, quer ainda da conjugação destes com a situação do casal (que não mantinha qualquer comunicação e se encontrava em processo tendente ao divórcio) e com o objeto da empresa, ligado exclusiva e diretamente à atividade profissional da gerente da ré, facto que o próprio autor reconhece nas suas declarações (empresa criada por razões fiscais), que sempre teria interesse em separar a atividade da empresa da vida familiar, numa atuação direcionada para o previsível futuro de dissolução do casal.

Vejamos as demais ilações extraídas pelo recorrente.
Entende o recorrente, como suporte da alteração do sentido probatório do julgamento em relação ao momento em que terá tido conhecimento da deliberação de aumento de capital (facto 42), que:
- a alteração da sede, anteriormente correspondente ao domicílio do casal, foi decidida pela legal representante da ré, tendo esta, menos de 5 dias após tal alteração, convocado assembleia geral a ter lugar na nova sede, no contexto da qual seriam discutidos assuntos prejudiciais ao autor, pelo que deverá ser considerado não provado que a ré visasse separar a realidade pessoal da realidade empresarial societária;
- o registo provisório da deliberação de aumento de capital, tomada em 09.01.2023, não constava da certidão comercial consultada pelo autor em 14.03.2023, resultando da certidão que aquele aumento apenas foi publicado em 22.03.2023.

Sem cuidar de reproduzir a cuidada fundamentação dada pelo tribunal recorrido em relação a esta matéria – parcialmente reproduzida pelo recorrente no ponto 57 das suas alegações -, não podemos olvidar que o autor, nas suas declarações (aliás, transcritas no ponto 62 da fundamentação do recurso) confirmou ter consultado a certidão permanente a pedido da sua advogada, a quem telefonou após tal consulta.
Não obstante referir que foi a sua advogada quem, mais tarde, lhe falou do registo associado a deliberações da assembleia geral, constando o capital social da certidão que consultou como sendo de 5.000,00€, entendendo o recorrente que essa será a única justificação para, no email que o autor enviou à gerente da ré, transcrito no facto provado 32, aquele apenas ter mencionado a alteração da sede (refere a este respeito: “faz algum sentido que o Recorrente tivesse pedido o envio urgente da ata em que foi alterada a sede social e, sabendo que a sua participação tinha passado de 50% para 2,5%, não perguntasse pela ata em que foi deliberado o aumento do capital social? Naturalmente que não”), não acompanhamos este raciocínio, que pode ser perspetivado em diferentes sentidos.
O tribunal recorrido, que explica, de forma cuidada, a diferenciação entre o registo do ato societário e a sua publicação (para concluir que o facto foi levado a registo em data anterior a 14.03, correspondente à data da comunicação de que resulta o conhecimento que o autor tinha da realização da assembleia geral), alude ainda ao facto de, conforme documentado em ata da audiência de julgamento, o autor ter referido que teria na sua posse um PDF da certidão permanente que consultou em março de 2023, ordenando o tribunal que tal documento fosse junto aos autos, anuindo o autor na mesma para, posteriormente, vir informar que, afinal, não dispunha desse PDF.
Esta atuação não é despida de relevância para a formação da convicção do tribunal, tendo, por um lado, o peso probatório de não corroborar pela via documental a existência da limitada informação que o autor referiu constar da certidão que consultou (apenas a alteração da sede social), que o tribunal recorrido, de forma exaustiva, explicou ser implausível, e, por outro, permitir ponderar, na convicção do julgador, a possibilidade de o autor ter optado por não juntar o documento por o respetivo teor contrariar as suas declarações. 
Se o autor consultou a certidão sob sugestão da sua advogada, que razão haveria para não partilhar o teor da mesma com quem estaria habilitado a analisar os factos que conduziram à sugestão de consulta? E de que modo essa provável partilha não estaria documentada, no correio eletrónico de um ou de ambos ou qualquer que fosse o meio usado para partilha desse documento?
Se essa atuação não é algo que se tenha por provado, a realidade é que as declarações do autor, já de si implausíveis, não obtiveram corroboração documental, que seria essencial, e fez emergir um leque de possibilidades quanto à razão de ser da atuação daquele, que não deixam de ter peso na formação da convicção do julgador.
Por outro lado, o email enviado pelo autor à gerente da ré, solicitando cópia da ata da assembleia geral e fazendo menção exclusiva à alteração da sede, nada mais prova que não o seu teor objetivo, da lavra do próprio, e o facto de o autor, efetivamente, não contactar pessoalmente a gerente da ré quando em causa estavam assuntos da empresa, contribuindo para credibilizar o que, nesse sentido, foi declarado por esta última.
Por idênticas razões, a data de envio pelo IRN de documentação ao recorrente nada mais prova do que a data em que foi solicitado e obtido o acesso formal a essa informação (19.04.2023 – um mês antes da propositura da ação), não podendo ser extraídas outras conclusões probatórias seguras a partir do mesmo, por corresponder ao envio de uma certidão em resposta a documento da lavra do próprio autor.
Não existe, deste modo, fundamento para alterar o julgamento do facto 42.

Vejamos os factos não provados, que o recorrente pretende que se considerem provados, a saber:
A - “Através da deliberação de 09 de janeiro de 2023, R… procurou, de forma ardilosa e aproveitando-se da sua qualidade de gerente, aumentar a participação que tem na Ré e, consequentemente, diminuir a participação do Autor, dessa forma o prejudicando tendo em vista a partilha de bens após o divórcio, e deliberar a sua remuneração como gerente única” sugerindo o recorrente, subsidiariamente, a prova do facto com o teor: “62A. R.. impediu que o Recorrente tomasse conhecimento da convocatória para a assembleia geral e a sua realização.”;
 B - “Foi apenas em 19 de abril de 2023 que o Autor acedeu à ata da assembleia geral da Ré realizada em 9 de janeiro de 2023 e tomou conhecimento das deliberações aí tomadas.”;
D -, que o recorrente desdobra em dois: Facto D.1.: Não foi o Autor quem recusou a entrega da carta / Facto D.2.: Ninguém avisou o Autor da tentativa de entrega da carta e da necessidade de recolha no ponto dos CTT.

O tribunal recorrido fundamenta a não prova dos referidos factos nos seguintes termos:
Já relativamente aos factos dados como não provados sob as alíneas A) a G), a resposta do Tribunal atendeu à ausência de prova suscetível de os corroborar, designadamente por parte do Autor, que era quem detinha o respetivo ónus, tendo as declarações que produziu em audiência sido insuficientes para conferir um juízo probatório positivo a esta factualidade e não tendo os emails juntos como documento n.º 5 com a petição inicial força probatória bastante para dar como demonstrado que apenas em 19 de abril de 2023 o Autor teve conhecimento das deliberações de 09 de janeiro de 2023.

Como ali se refere, pretende o recorrente firmar a prova dos factos A, B e D, essencialmente, nas declarações por si prestadas em audiência de julgamento e num conjunto de ilações que entende poderem ser extraídas da conjugação entre o que foi por si declarado e o que se mostra documentado, bem como destes dois elementos com as regras da experiência.
Ora, as declarações de parte, sendo prestadas por quem tem interesse na prova dos factos, são livremente apreciadas pelo tribunal e, regra geral, insuficientes para, por si só e precisamente à luz do indicado interesse, firmarem um juízo probatório positivo, o que se revela mais fortemente quando as declarações da contraparte são prestadas em sentido distinto e merecem particular credibilidade ao tribunal.
Não se poderá negar que tais declarações podem ser suficientes para firmar a convicção do tribunal, mas esse juízo terá que ser considerado com respeito pelo mais rigoroso grau de aferição de credibilidade e isenção que poderá ser direcionado ao depoimento de qualquer pessoa, designadamente testemunha, que deponha com interesse na causa.
Por essa razão, tendo o tribunal, com base no depoimento de parte da legal representante da ré, corroborado pelo depoimento da testemunha G…, obtido o justificado convencimento em relação às razões que determinaram as deliberações questionadas ou a convocação da assembleia geral, no que não merece a nossa discordância, a prova de outras intenções, como as descritas na al. A. dos factos não provados, reclamaria corroboração acrescida, que não poderá sustentar-se numa mera declaração de “evidência”, como aquela de que o recorrente faz uso na fundamentação das suas conclusões.
Não é evidente que a circunstância de a gerente da ré ter mudado de advogado e não se encontrar representada no período que mediou entre janeiro e março de 2023 sirva de indício de qualquer intenção da recorrida, quando o advogado tratava, essencialmente, da matéria do divórcio e questões associadas a este, tendo a vertente de convocação da assembleia geral seguido toda a tramitação formalmente exigível sob orientação de quem, como resulta do seu depoimento, já anteriormente tratava desses assuntos para a ré - a testemunha G… -, ainda que de uma forma mais informal, tendo por normal a alteração introduzida nos procedimentos por efeito da separação do casal.
Referir que o facto de residirem na mesma casa justificaria a manutenção do procedimento até então usado de informalidade na convocação da assembleia geral e de comunicação verbal entre os sócios, não tem suporte nas regras da experiência, sendo precisamente a alteração da situação do casal o fundamento para a inexistência de comunicações verbais respeitantes a assuntos não familiares (que é corroborada pela comunicação escrita que o autor dirigiu à sua mulher pedindo a ata da assembleia geral, em 14.03 e que, seguindo este entendimento, pediria verbalmente, em casa).
A ordem de trabalhos da assembleia geral também não prova, por si, qualquer intenção da gerente da ré, tendo em conta o objeto social da empresa e a ligação relevante que a mesma tem à atividade profissional da sua gerente, mencionada em todos os depoimentos, que será particularmente conhecedora das necessidades de investimento exigidas por essa atividade.
A repetida menção ao facto de a gerente da ré não ter mandatário constituído (que seria quem trataria dos assuntos profissionais), não obstante as insistências da mandatária do autor para indicar o mandatário interlocutor, remetidas por email, não tem uma leitura unívoca que permita firmar uma convicção quanto à intenção de obstar a que o autor fosse informado das questões societárias, podendo, em contraponto, explicar a razão pela qual o autor recusaria a receção de cartas remetidas pela gerente em nome pessoal (pretendendo limitar a correspondência escrita a contactos entre mandatários).
Não existe qualquer fonte de prova segura, isenta e passível de valoração que permita a prova do facto A em qualquer das redações sugeridas, sob pena de se afirmar um suporte probatório virtual – a prova por presunção não se pode confundir com a afirmação de meras convicções pessoais.

Em relação ao facto B, como se referiu, a única referência a esse conhecimento resulta do documento n.º 5 anexo à petição inicial, por efeito do qual se pode ter por certo que nessa data foi solicitada e obtida, junto do IRN, a certidão permanente da ré, não existindo qualquer fonte probatória segura que autorize a conclusão de que aquele foi o momento em que o autor acedeu à ata da assembleia geral da Ré realizada em 9 de janeiro de 2023 e tomou conhecimento das deliberações aí tomadas. Pelo contrário, naquele momento foi viabilizado, formalmente, o acesso a uma certidão que o autor já tinha consultado a sugestão da sua advogada, conforme o mesmo referiu nas suas declarações (sendo esse o documento que anuiu em juntar e que, posteriormente, informou não ter na sua posse)
Em suma, nenhuma prova se produziu em relação ao facto B.

Por último, em relação ao facto D., quando estamos perante correspondência comprovadamente remetida para a morada do autor e este, nas suas declarações, não concretiza o seu horário de permanência em casa ou o horário habitual em que ali se encontrava a gerente da ré (ambos com atividades profissionais), nem ilide a presunção de que apenas por culpa sua a correspondência não terá sido recebida, nada provando (ou logrando indiciar de forma séria) em suporte da não imputação dessa atuação a si próprio ou, pela via mais fácil, a sua imputação a terceiro, que nos levaria à mesma conclusão, terá que suportar as consequências do incumprimento do seu ónus de prova (art.º 342º do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil).
O pedido dirigido aos CTT nada mais prova do que esse mesmo facto: que foi dirigido um pedido, nada impedindo o autor de saber, como parece sugerir a resposta dos CTT – documento n.º12 anexo à petição inicial – que não teria havido recusa, mas mera impossibilidade de entrega.
A existência de várias possibilidades de interpretação de uma atuação da parte exclui a segurança do recurso à presunção judicial, que reclama, na sua base, um facto conhecido, certo e comprovado que alicerce, por mera ilação a obter, designadamente, pela via do recurso às regras da experiência, o facto desconhecido ou que não foi provado por qualquer outra via.
A sindicância da convicção firmada pelo tribunal recorrido exigiria a presença de um raciocínio ilógico, contrariado de forma expressiva pelo curso natural da vida e dos acontecimentos, ou seja, pelas regras da experiência, o que, no caso concreto, não acontece, já que, conforme referimos, a ausência de informação verbal pela gerente da ré não causa estranheza no contexto concreto da situação do casal, não podendo igualmente considerar-se que ninguém avisou o autor da tentativa de entrega da carta quando é desconhecido o destino dado ao aviso deixado pelos CTT ou quem se encontraria no endereço em questão nas ocasiões e horários em que o aviso foi deixado ou a carta simples entregue (sendo inviável conhecer a probabilidade maior ou menor de a gerente da ré estar em casa no horário de passagem do funcionário dos CTT), dados que não foram, em momento algum, mencionados, não podendo o tribunal considerar as declarações do autor fonte segura de prova apenas por este negar o recebimento dos referidos documentos (sendo certo que, a depor em sentido contrário, admitiria factos desfavoráveis, com efeitos confessórios).

Pelo exposto, com exceção da alteração retificativa ao facto 14, improcede a propugnada alteração da matéria de facto impugnada.

B.
Estabilizada a matéria de facto provada e não provada, importa apreciar a pretensão recursiva em matéria de direito.
A decisão recorrida começou por enquadrar juridicamente cada um dos vícios que o autor imputava às deliberações, após o que apreciou a qualificação da invalidade como nulidade ou mera anulabilidade, concluindo que qualquer dos vícios comprovadamente verificados revestia a natureza da anulabilidade, declarando a caducidade do direito e, consequentemente a improcedência da ação.

São vários argumentos aduzidos pelo recorrente em defesa da revogação daquela decisão.
Com vista à apreciação de todos eles, importa ter presente um conjunto de normas que regulam esta matéria.
O art.º 56º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais elenca os casos de nulidade das deliberações, prevendo serem nulas as deliberações dos sócios:
“a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d) Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.”.
Por seu turno, o art.º 58º, n.º 1 do Código das Sociedade Comerciais, sob a epígrafe “Deliberações anuláveis”, estipula o seguinte:
“1 - São anuláveis as deliberações que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”

Não existe dúvida relevante que imponha a apreciação da questão, aceite de forma unânime, de que a leitura conjugada dos citados preceitos legais traduz a previsão pelo legislador de um regime regra da anulabilidade.
A respeito das invalidades previstas nos artigos 56º e 58º do CSC, Coutinho de Abreu (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume I (Artigos 1º a 84º), p.655 e ss., em anotação ao art.º 56º), refere que, para determinar as deliberações inválidas (nulas ou anuláveis), “o CSC atende à espécie de vício de que enfermam e à natureza das normas ofendidas. Os vícios aqui em causa, ou são de procedimento (relativos ao modo ou processo pelo qual se formou a deliberação, ao “como” se decidiu), ou são de conteúdo (atinentes à regulamentação ou disciplina estabelecida pela deliberação, ao “que” foi decidido) (…). A violação de normas legais imperativas pelo conteúdo das deliberações provoca, em regra, a nulidade destas (art.º 56º, n.º 1, al. d)). Tais normas fixam regime não derrogável pelos sócios. Exactamente porque tutelam interesses outros que não os dos sócios, ou interesses dos sócios mas não disponíveis por eles”.
Importa ainda ter em perspetiva que, mesmo quando a situação concreta se subsuma ao regime da nulidade, haverá que distinguir entre os vícios de procedimento e os vícios de conteúdo, sendo que, no primeiro caso, relevante para que se produzam os efeitos da nulidade é o facto de o sócio não estar em condições de se defender, como sucede quando a situação concreta se subsume a alguma das previsões das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 56º do Código das Sociedade Comerciais – neste sentido, Coutinho de Abreu, op. cit. p. 656.

Feita esta contextualização preliminar, resta apreciar se assiste razão ao recorrente.

i.
Em primeiro lugar, conclui o recorrente no sentido da nulidade das deliberações sociais tomadas pela ré na assembleia geral de 09.01.2023, por ter sido omitida a sua convocação para a mesma.
Contudo, a improcedência da parte relevante do recurso destinado a impugnar a matéria de facto no que respeita à convocação do autor/recorrente para a assembleia geral da ré, prejudica a procedibilidade do recurso nesta vertente.
Após ponderação do regime das assembleias gerais das sociedades por quotas, assente na previsão do art.º 284º do CSC, designadamente o seu n.º3, que estabelece que a convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo, a decisão recorrida, com suporte em factos que não mereceram alteração, concluiu pelo integral cumprimento das formalidades legalmente previstas para convocação da assembleia geral, mais concluindo “o Autor não recebeu a aludida carta de convocatória remetida sob registo, era sobre ele que recaía o ónus de provar que se não recebeu a aludida convocatória, não foi por culpa sua. Esse ónus, em nosso entender, não foi cumprido”.
A este respeito, conclui o recorrente, nesta sede, que a recorrida não enviou a convocatória por forma a que aquele tivesse conhecimento da mesma (MMM), tendo o recorrente demostrado que não foi por culpa sua que não recebeu a convocatória (NNN).
Não existe dúvida que a nulidade por vício de procedimento prevista no art.º 56º, n.º 1, al. a) do CSC se verifica, não só quando a assembleia não é convocada, mas também quando a mesma é realizada na ausência de sócios que não foram convocados.
Contudo, as conclusões do recorrente em suporte da ausência de convocação não têm respaldo na factualidade provada.
Resulta provado que:
11 - Em 19 de dezembro de 2022, R… enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção para a morada de residência deste, convocando-o para uma assembleia geral extraordinária, a realizar-se já na nova sede, no dia 09 de janeiro de 2023.
12 -A referida carta foi devolvida à remetente em 5 de janeiro de 2023 e, de acordo com informação que consta dos registos do CTT, a carta não foi entregue no dia 20 de dezembro pelo seguinte motivo: “O destinatário pediu o levantamento num Ponto.
13 - Não obstante residirem na mesma casa, entre o dia 19 de dezembro de 2022 e o dia 09 de janeiro de 2023, R…, gerente da Ré, não informou verbalmente o Autor da aludida assembleia geral ou sequer o questionou sobre o recebimento, ou não, da convocatória para a mesma.
(…)
36 - As cartas de 19 de dezembro de 2022 (convocatória para a assembleia geral) e de 13 de janeiro de 2023 (envio da ata da referida assembleia geral) foram também enviadas ao Autor em correio azul expedido nas mesmas datas.
(…)
39 - A convocatória para a assembleia geral da Ré de 09 de janeiro de 2023, foi também publicada em anúncio de jornal de circulação nacional.

Como se sumaria no Ac. do STJ de 16.12.2021 (proc.º n.º 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1) «Ao declarante incumbe o ónus de alegação e prova da expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário (antecipadamente conhecido e/ou acordado) (…). Nas situações de legítima expectativa de recepção efectiva e tempestiva das declarações expedidas, incumbe, em caso de não recepção ou recepção tardia, a quem pretende lograr o efeito impeditivo da eficácia (em rigor, do direito incorporado na declaração que se invoca eficaz e vinculativa) – isto é, ao declaratário-destinatário – o ónus de alegação e prova da falta de culpa ou, pelo menos, de falta de culpa exclusiva, ou seja, a demonstração de que a não recepção ou a recepção tardia se deveu, disjuntiva ou copulativamente, exclusivamente ou em concurso com a sua conduta, a facto culposo do declarante emissor ou de terceiro (nomeadamente factos respeitantes à tramitação da expedição postal) e/ou a factos tradutores de “caso fortuito” ou de “força maior” (nos termos do art.º 342º, 2, CCiv.), sob pena de se considerar que houve recepção efectiva no momento e lugar da entrega frustrada ou não consumada (em rigor, bastando nessas situações a prova da expedição correcta rumo ao destinatário a cargo do declarante)».
Se não há dúvida que as formalidades legais foram cumpridas, o facto de a carta registada enviada ao autor ter sido devolvida à remetente (tendo sido ainda enviada carta simples, cuja receção não se provou – ponto 36 dos factos provados e alínea H dos factos não provados), sem qualquer outra prova que permita concluir que este não a recebeu oportunamente por motivo que lhe não é imputável – art.º 224º, n.º2 do Código Civil -, acarreta, como efeito, a consequência de a comunicação produzir os seus efeitos, não tendo o recorrente provado a inexistência de culpa no não recebimento.
Os argumentos aduzidos pelo recorrente não conduzem a conclusão contrária.
A circunstância de a ré não ter mandatário é estranha à relação entre sócios, não constituindo o facto de o recorrente ter ido levantar aos correios a carta remetida pelo novo mandatário da gerente da ré qualquer indício de que tal se trata de um procedimento constante daquele, designadamente perante correspondência que lhe é dirigida, em nome pessoal, pela gerente da ré. Por outro lado, a comprovada ausência de comunicação entre a gerente da ré e o sócio autor, que, residindo embora na mesma casa, não comunicavam senão para tratarem de assuntos relacionados com os filhos de ambos, é de molde a justificar a ausência de informação verbal ou de manutenção dos procedimentos até então seguidos, impondo-se encarar a relação entre o autor e a gerente da ré como sócios únicos da ré e não, como propugna o recorrente, como marido e mulher, laço que, à época, era meramente formal.
O apelo a ilações assentes nas específicas circunstâncias da vida do casal de sócios, não permite gerar uma contra-presunção, não sendo a instância recursiva a sede própria para suprir o incumprimento do ónus probatório que impendia sobre o autor/recorrente.
A jurisprudência citada pelo recorrente na fundamentação das suas conclusões não tem aplicação ao caso concreto, já que incide sobre casos em que o envio da carta de convocatória é efetuado para morada que não corresponde à do sócio destinatário ou num momento em que é conhecida a sua ausência do domicílio, o que não sucede no caso em apreço, em que não existia morada alternativa para convocação do sócio autor, que, reconhecidamente, ali residia.
É verdade que, no que respeita à carta registada, se encontra provado que o recorrente não a recebeu (facto 35), mas tal facto, como vimos, não obsta a que se considere regular e eficaz a comunicação que lhe foi dirigida – receção não se confunde com conhecimento ou presumido conhecimento -, sendo a conclusão contrária – assente num ónus de prova do autor/recorrente – a única que permitiria o preenchimento da previsão do art.º 56.º, n.º 1, al. a) do CSC, no que se adere à posição seguida pelo tribunal recorrido, concluindo-se pela não verificação da nulidade prevista no citado normativo.
*
ii.
Em segundo lugar, conclui o recorrente que a recorrida atuou em fraude à lei, criando a aparência de uma convocatória formalmente regular para atingir o propósito real de impedir o recorrente de conhecer o teor da comunicação que lhe era dirigida – conclusões QQQ a WWW -, com consequente nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 09.01.2023.
Analisados os fundamentos que suportam tais conclusões, constata-se que o recorrente apela às circunstâncias que precederam a convocação da assembleia, bem como ao facto de se estar perante deliberações prejudiciais ao recorrente, que nunca seriam aprovadas com a presença deste, para concluir que a gerente da ré, face ao seu método de atuação e às matérias em discussão, convocou a assembleia geral de forma a que o recorrente nela não participasse, contornando, sob essa aparência lícita, os normativos que conferem o direito à participação dos sócios em assembleias gerias, designadamente o art.º 248º, n.º5 do CSC.
A conclusão a que chega o apelante seria consequente, no que respeita aos efeitos de nulidade que pretende ver reconhecidos, caso houvesse sido provada a intencionalidade que presidiu à convocação da assembleia geral por parte da sócia gerente da ré.
Não há dúvida que, caso existisse um facto indício que permitisse concluir que a sócia gerente havia instrumentalizado todo o procedimento formal de convocação do autor/sócio com vista a alterar a posição igualitária que ambos detinham na sociedade, passando a assumir uma posição societária que retiraria ao autor qualquer poder efetivo sobre o destino da sociedade (resultado que, na prática, foi atingido pela via do aumento de capital), obtendo, sob uma aparente licitude, um resultado não autorizado por lei, estaríamos perante uma situação de nulidade.
Contudo, no caso concreto, tal conclusão implicaria que nos afastássemos da prova produzida, proferindo uma decisão fundada em meras presunções.
Resultou não provado – al. A -, que a sócia gerente tenha procurado, através de deliberação, diminuir a participação do Autor, dessa forma o prejudicando tendo em vista a partilha de bens após o divórcio, e deliberar a sua remuneração como gerente única, ou que – al. G -, o objetivo do aumento de capital se resumiu tão só a garantir que a sociedade Ré, que pertencia a ambos os cônjuges em partes iguais, passasse a ser detida quase a 100% por R….
Não será, por outro lado, seguro concluir que o autor jamais aprovaria o aumento de capital, quando é certo que a deliberação em causa não conduziria a uma iníqua e inelutável alteração da proporção das quotas, antes permitindo aos sócios (como expressamente constava da convocatória), em exercício do seu direito de preferência, uma participação igualitária nesse aumento – art.º 266º do CSC.
A convicção que conduziu à prova dos factos e que, nesta instância, se manteve inalterada, impede a prova do facto indiciário (intenção) passível de suportar da instrumentalização imputada à sócia gerente da ré, não podendo concluir-se pela existência de fraude à lei senão em exercício puramente especulativo que, naturalmente, não nos é permitido.
Em suma, a pretensão do recorrente reclamava a produção de prova em relação a factos que, de algum modo, sustentassem que houve uma aparência de prática de ato lícito (convocatória formal) para atingir um propósito ilícito (intenção de prejudicar os direitos societários do autor), sendo que nenhum desses pressupostos obteve prova, não sendo possível, a partir da prova efetivamente produzida, seguindo um raciocínio lógico e de elevada probabilidade à luz da normalidade da vida, atingir o resultado pretendido pelo recorrente.

iii.
Em terceiro lugar, defende o recorrente que o vício de desrespeito pela maioria necessária à alteração do contrato de sociedade, na vertente de alteração do capital social, corresponde a uma nulidade, que suporta na previsão do art.º 56º, n.º 1, al. d) do CSC, por violar a norma imperativa prevista no art.º 265º, n.º1 do mesmo diploma, alegando, para o efeito “que o vício formal de que padece a deliberação, por desrespeito da maioria qualificada necessária para alteração do contrato de sociedade, conduz, ele próprio, a alterações substanciais, tanto no contrato de sociedade, como na vida societária da ora Recorrida e na posição dos seus sócios posteriores a essa alteração”.
Cremos que, mais uma vez, o recorrente suporta tal conclusão no facto de não lhe ter sido concedida a possibilidade de participar nesse aumento de capital social, o que, por sua vez, exigiria que se tivesse concluído que o mesmo não foi convocado para estar presente na assembleia geral em que se produziu aquela deliberação. Tal pressuposto, como vimos, encontra-se arredado, tendo-se concluído pela validade e eficácia da convocação que lhe foi dirigida.
Nestes limites, terá o vício que ser perspetivado sob o prisma da deliberação tomada sem o respeito pela maioria necessária – art.º 265º, n.º 1 do CSC -, na ausência de sócio regularmente convocado (aliás, a ser de outro modo, a nulidade das deliberações produzir-se-ia pela via do preenchimento da al. a), do n.º 1 do art.º 56º do CSC).
A sentença recorrida refere, a este propósito, que não há dúvida quanto à natureza imperativa da previsão do art.º 265º, n.º 1 do CSC (exigência de uma maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social para deliberações que alterem o contrato social). Porém, considerando que os sócios podem aumentar o capital social das sociedades por quotas através de deliberação em assembleia geral, o conteúdo da deliberação não pode ser considerado ilícito, correspondendo o desrespeito por aquela norma um vício que não resulta do conteúdo da deliberação, mas sim da forma como a mesma foi obtida, pelo que a violação daquele normativo é sancionável com anulabilidade.
Concordamos com este entendimento.
A sanção de nulidade exigiria que estivéssemos na presença de um sentido deliberativo atentatório de normas imperativas, o que ocorreria, v.g., se a deliberação tivesse por objetivo reduzir para menos de ¾ o número de votos necessários, no futuro, para deliberações de alteração do contrato social. Se o aumento de capital corresponde a matéria em relação à qual é admissível a deliberação dos sócios, como resulta dos artigos 85.º, 87.º a 93.º, 246.º, n.º 1, alínea h) e 247.º, n.º 1, todos do CSC, já mencionados na decisão recorrida, teremos que concluir que inexiste qualquer vício substancial ou de conteúdo, mas apenas de procedimento, com consequente anulabilidade da deliberação assim obtida.
A propósito do ato deliberativo concluído sem o quorum legalmente exigido, referia já Vasco Lobo Xavier (in Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Coleção Teses, Almedina, 1998, p. 210 e ss.), “quanto a nós, não há realmente motivo para abandonar aqui o princípio de que é este último (anulabilidade) o vício que corresponde às irregularidades do procedimento deliberativo. As razões que justificam o aludido princípio (…) valem também na presente hipótese: a irregularidade não põe em causa senão interesses dos sócios que o forem no momento da deliberação (…) e não se vê porque estes não hão-de poder dispor de tais interesses através do exercício ou não exercício da acção anulatória”, acrescentando, mais adiante, a propósito da proteção de minorias que a fixação de quorum visa assegurar, que “os interessados sempre terão a certeza de que as deliberações do tipo em causa que porventura se tomarem na sua ausência serão passíveis de eliminação – muito embora não fiquem isentos do ónus de se manterem ao corrente do comportamento da assembleia para que foram regularmente convocados e de intentarem eventualmente a acção anulatória”.
Também Coutinho de Abreu (op. cit., págs. 673 e 674, anotação ao art.º 58º do CSC) refere que “[E]m tese geral, diremos que são vícios de procedimento relevantes quer os que determinam um apuramento irregular ou inexacto do resultado da votação e, consequentemente, uma deliberação não correspondente à maioria dos votos exigida, quer os ocorridos antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial direito de participação livre e informada de sócios nas deliberações”, exemplificando, como vício de procedimento relevante, o vício que consiste em dar-se como aprovada uma proposta sem que tenha sido conseguida a maioria dos votos necessária.
Em suma, a qualificação do vício em questão como nulidade dependeria da possibilidade de concluirmos pela falta de convocação do autor/sócio para participar da votação da deliberação para a qual a lei reclama uma maioria qualificada. Uma vez provado que o mesmo foi regularmente convocado, a deliberação tomada sem a sua aprovação, com desrespeito pela maioria exigida na lei, corresponde a um vício de procedimento, cominado com a sanção de anulabilidade, como corretamente se decidiu em aplicação do disposto no art.º 58º, n.º 1, al. a) do CSC.

iv.
Questiona o recorrente a qualificação dada pelo tribunal recorrido ao vício da deliberação de assuntos não incluídos na ordem de trabalhos, concluindo que, contrariamente ao que ali foi considerado, o mesmo corresponde a nulidade (BBBB a EEEE)
Contudo, o art.º 59º, n.º 2, al. c) do CSC infirma tal entendimento, ao prever, de forma expressa, o termo inicial do prazo para anulação de deliberação que incida sobre assunto que não constava da convocatória, não deixando qualquer dúvida em relação ao facto de estas situações integrarem um vício de anulabilidade, salvo quando tais deliberações, pelo seu conteúdo, preencham qualquer das previsões do art.º 56º, n.º1 do CSC. Quando tal não ocorra, caímos, necessariamente, na previsão do art.º 58º, n.º 1, al. c), por decorrência da previsão do n.º4, al. a) do mesmo preceito legal, que, por seu turno, remete para o art.º 377º, n.º 8 – a deliberação foi tomada sem ter sido precedida do fornecimento ao sócio dos elementos mínimos de informação, incluindo o próprio texto da lei, na definição destes elementos mínimos, a menção clara, no aviso convocatório, do assunto sobre o qual a deliberação será tomada.
Conclui-se, sem acrescidas considerações por ser esse o sentido da lei, que a violação do direito mínimo à informação em que se consubstancia a omissão, no texto da convocatória, de assunto que veio a ser objeto de tomada de deliberação na assembleia, integra um vício de anulabilidade.

v.
Entende ainda o recorrente – FFFF a KKKK - que as deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 09.01.2023 são anuláveis por serem abusivas - artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CSC -, tendo o duplo propósito de, por um lado, beneficiar a única sócia votante, aumentando a sua participação social, deliberando a sua remuneração como gerente única e, por outro, prejudicar o outro sócio, o Recorrente: diminuindo a participação social deste e deliberando um conjunto de atuações da Recorrida relacionadas com uma alegada conduta lesiva do Recorrente sempre seria anulável.
Contudo, repetimos, tal conclusão não se mostra espelhada na factualidade provada, nem, por outro lado, pode ser presumida.
Se, como vimos, a deliberação de aumento de capital em assembleia geral é lícita, tendo o sócio, por efeito da convocatória que lhe foi dirigida, o direito a participar da assembleia e desse mesmo aumento, mantendo a sua posição societária intocada, sendo igualmente lícita a deliberação da remuneração da gerência (art.º 192º, n.º5 do CSC), qualquer leitura no sentido do exercício abusivo do direito implicaria um suporte probatório que, no caso concreto, não existe.
O art.º 58º, n.º 1, al. b) do CSC, ao aludir ao “propósito” de um dos sócios de conseguir, através do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, não exemplifica de forma concretizadora qualquer atuação que autorize uma presunção de abuso, pelo que, sendo as deliberações, em si mesmas, lícitas, seria necessária a prova de factos concretos a partir dos quais o tribunal, inferindo o duplo propósito a que alude o recorrente, poderia bloquear o exercício do direito do sócio pela qualificação do mesmo como abusivo.
A falta de prova da intenção que o autor/recorrente afirmou ter presidido à atuação da sócia gerente, negando a verificação do pressuposto subjetivo definido na lei, não autoriza que, pela mera constatação do resultado objetivo em que se traduziu a redução da participação social do recorrente, se possa ter por preenchida a previsão citada.
Improcedem, por isso, as conclusões do recorrente.

C.
Tempestividade do exercício do direito de ação.
Conclui o recorrente, na parte relevante (dada a circunstância de, como resulta do acima exposto, não se poder concluir pela existência de um vício de nulidade que assegure a possibilidade de acionamento da ré a todo o tempo), que, ainda que o exercício do direito estivesse dependente do prazo de 30 dias, esse prazo não estaria ultrapassado.
Tal pretensão, porém, dependia, em parte, da procedência das conclusões recursivas dirigidas à impugnação da matéria de facto, designadamente da prova de factos que permitissem concluir pela irregular convocação da assembleia, ou alteração dos factos provados na parte em que, como resulta da decisão recorrida, se considerou provado que, pelo menos em 14/03/2023, o Autor já tinha conhecimento da alteração da sede da Ré e também do aumento do capital social da Ré, por consulta à certidão comercial desta – facto 42. Mais se provou que em 13 de janeiro de 2023, R… enviou ao Autor uma carta registada com aviso de receção, para a morada de residência deste, remetendo-lhe a ata da assembleia geral extraordinária de 09 de janeiro de 2023, tendo a referida carta sido devolvida à remetente em 31 de janeiro de 2023 e, de acordo com informação que consta dos registos do CTT, a carta não foi entregue no dia 20 de dezembro de 2022 pelo seguinte motivo: “objeto não reclamado” – factos 34 e 35.
Como resulta exposto em B.i, concluiu-se que o autor foi regularmente convocado para a assembleia geral e que lhe foi dirigida carta registada com aviso de receção, devolvida à remetente em 31.01.2023, em que lhe foi remetida a ata da assembleia geral extraordinária de 9 de janeiro de 2023.
O facto, também provado, de o autor/recorrente não ter recebido a correspondência, por esta ter sido devolvida ao remetente, não impede a produção de efeitos da declaração, quando o autor não provou não lhe ser imputável a recusa da entrega ou não ter recebido o aviso, ou ter sido impedido de receber a correspondência em questão (alíneas D a F dos factos não provados), acarretando uma presunção de conhecimento que, precisamente por ter a sua eficácia prevista na lei (art.º 224º, n.º2 do Código Civil), equivale a conhecimento efetivo, para todos os efeitos, designadamente preclusivos.
Face ao exposto, fazer coincidir a prova do conhecimento (efetivo) da existência e teor das deliberações com a data em que o autor formalizou o pedido de envio da certidão permanente junto do IRN, corroborada pelo documento n.º5 anexo à petição inicial, seria contrariar os imperativos de segurança e certeza quanto à eficácia das declarações recetícias que o legislador pretendeu conferir à presunção contemplada no art.º224º, n.º2 do Código Civil, permitindo a livre definição, por ato unilateral do interessado, do termo inicial do prazo de caducidade previsto na lei.

Deste modo, o prazo de 30 dias de que dispunha o autor/recorrente para reagir, pela via da ação de anulação, às deliberações da assembleia geral da ré, contado nos termos previstos pelo art.º 59º, n.º2, alíneas a) e c) do CSC, face à distinta natureza das deliberações cuja anulação é pretendida, terá que ser contabilizado desde a data de encerramento da assembleia geral (09.01.2023) ou desde a data de notificação da ata da assembleia geral (facto 35 – no limite, 31.01.2023), que, em qualquer dos casos, já se encontrava decorrido em 18.05.2023, data em que a ação deu entrada em juízo.
Perante a inexistência de qualquer alteração factual que importe distinta solução de direito, bem como em face da ausência de vícios que suportem a nulidade de qualquer das deliberações tomadas pela ré na assembleia geral de 09.01.2023, importa manter a decisão recorrida, considerando que, à data em que a ação foi proposta, se encontrava extinto o direito que o autor pretendia exercer.

Nos termos expostos, sem prejuízo da parcial procedência do recurso na vertente de impugnação da matéria de facto considerada provada pelo tribunal recorrido (retificação do facto 14), importa concluir que tal alteração não produz qualquer efeito relevante sobre o sentido da decisão recorrida, que se mantém integralmente.

sumário (art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil):
1 - As declarações de parte são livremente apreciadas pelo tribunal e, podendo embora ser suficientes para firmar a convicção do julgador quanto à prova de factos, são avaliadas com respeito pelo mais rigoroso grau de aferição de credibilidade e isenção que poderá ser direcionado ao depoimento de qualquer pessoa, designadamente testemunha, que deponha com interesse na causa.
2 – Uma vez provado o envio de cartas registadas que, em cumprimento dos procedimentos exigidos pelo Código das Sociedades Comerciais, se destinam a convocar o sócio para assembleia geral e a dar-lhe conhecimento do teor da ata dessa mesma assembleia, a devolução dessa correspondência ao remetente, não obstante comprovar a não receção, não retira eficácia aos atos, impendendo sobre o destinatário o ónus de provar que o não recebimento não lhe é imputável ou que ocorreu sem culpa sua.
3 -A existência de várias possibilidades de interpretação de uma atuação da parte exclui a segurança do recurso à presunção judicial, que reclama, na sua base, um facto conhecido, certo e comprovado que alicerce, por mera ilação a obter, designadamente, pela via do recurso às regras da experiência, o facto desconhecido ou que não foi provado por qualquer outra via.
4 - A deliberação incidente sobre matéria em relação à qual é admissível a deliberação dos sócios, como sucede com o aumento de capital, quando tomada com desrespeito pela maioria exigida na lei, encerra um vício de procedimento, cominado com a sanção de anulabilidade.
5 – A violação do direito mínimo à informação em que se consubstancia a omissão, no texto da convocatória, de assunto que veio a ser objeto de tomada de deliberação na assembleia geral de sócios, integra um vício de anulabilidade, salvo quando tal deliberação, pelo seu conteúdo, preencha qualquer das previsões do art.º 56º, n.º 1 do CSC.
6 – Quando em causa está o preenchimento da previsão do art.º 58º, n.º 1, al. b) do CSC, a falta de prova da intenção ou propósito que o autor/recorrente afirma ter presidido à atuação da sócia gerente, negando a verificação do pressuposto subjetivo definido na lei, impede que, pela mera constatação do resultado objetivo em que se traduziu a redução da participação social do recorrente, se possa ter por preenchida a previsão citada.
*
V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
*
Custas a cargo do apelante.

Lisboa, 01-10-2024
Ana Rute Costa Pereira
Fátima Reis Silva
Susana Santos Silva