VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
BEM JURÍDICO
PROTEÇÃO DA VÍTIMA
INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA
Sumário

I. O crime de violência doméstica constante do artigo 152.º CP, dimensiona um feixe de tutela de direitos que vai muito para além do espartilho que a respetiva inserção sistemática no código indicia, na medida em que o mesmo abrange também, expressis verbis, as limitações à liberdade e as ofensas sexuais, tutelando igualmente a reserva da intimidade da vida privada e a honra.
II. Se bem que a questão do bem jurídico tutelado seja controversa, é irrecusável a tendência para o distinguir da integridade física ou da saúde, na medida em que se reconhece que a sua dimensão está para além daqueles bens jurídicos.
III. O bem jurídico protegido corresponde à integridade pessoal dos sujeitos ligados ao agressor por uma dada relação (conjugal ou equiparada), constituindo-se aquela em bem jurídico autónomo, pluriofensivo, com expressão nos artigos 25.º e 26.º da Constituição.
IV. Sendo por referência à tutela desse valor que o crime de violência doméstica visa punir as condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e/ou sexual), dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação (conjugal ou equiparada), que se manifestam num exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a intimidade, a liberdade ou a honra do outro, caracterizado as mais das vezes por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima (sendo esta bastas vezes tratada como uma mera «coisa»).
V. O tipo objetivo tem por referência a inflição de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou pessoa equiparada, neles se incluindo as condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual e privações da liberdade que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal.
VI. Sendo o elemento subjetivo composto pelo dolo genérico, id est (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).

Texto Integral


I – Relatório

i) No …º Juízo (1) Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e tribunal singular de AA, natural da …, nascido a …/…/1990, com os demais sinais dos autos, ao qual fora imputada a prática, como autor, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, al. a) e § 2.º, al. a), § 4.º e 5.º do Código Penal (CP).

O arguido não apresentou contestação.

Realizada a audiência de julgamento o tribunal veio a proferir sentença, pela qual condenou o arguido como autor de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, al. a) e § 2.º, al. a) CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que foi suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a de proibição de contactos com a ofendida BB, incluindo o afastamento da residência ou do local de trabalho desta (artigo 52.º CP); sendo arbitrada indemnização a favor da ofendida, nos termos previstos no artigo 82.º-A, § 1.º, ex vi artigo 21.º, § 1.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, a quantia de 1 500€, condenando-se o arguido a pagá-la.

ii) Inconformado com a decisão recorreu o arguido, rematando a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

«i. A discussão referida no ponto 7. dos factos provados foi com a irmã e cunhado do arguido, tão pouco a assistente refere que foi para casa da sua irmã por força de tal discussão, sequer está demonstrado qual o teor da discussão e, em que medida, a mesma pode ser apta a preencher o tipo legal de violência doméstica;

ii. Deve o ponto 7 da matéria de facto provada incluir o acervo de factualidade não provada;

iii. A assistente assume iniciar as discussões ocorridas entre o casal;

iv. Não foi o arguido que agrediu a Assistente quando a irmã desta e testemunha CC a foi buscar e sim a sua cunhada;

v. Das declarações para memória futura transcritas nos autos, não existe qualquer referência a um arremessar de chaves ou qualquer outra factualidade que foi integrada nos pontos 16. 17. e 18. considerados provados, os quais devem integrar a factualidade não provada;

vi. A sentença a quo padece vicio de erro notório na apreciação da prova ao considerar como provada a factualidade constante dos pontos 7., 16., 17. e 18. enfermando do vicio previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal;

vii. A factualidade em apreço não é suscetível de integrar a prática de crime de violência doméstica, quando muito o crime de ofensa à integridade física simples e injuria;

viii. A imagem global do fato não fornece acentuado desvalor de ação e de resultado, tendente à sua perceção como efetiva violência doméstica, verificando-se uma incorreta qualificação jurídica da factualidade.

ix. O arguido deve ser absolvido da prática de um crime de violência doméstica;

x. Nos autos não se vislumbra qualquer momento em que a Assistente tenha sido informada da possibilidade/obrigatoriedade de arbitramento de tal compensação a menos que a tal se oponha, sendo que ninguém pode exercer um direito se desconhecer que o tem;

xi. Dizer que a Assistente não se opôs expressamente ao arbitramento é incorreto quando a mesma não tinha conhecimento de tal possibilidade, nem com a mesma foi confrontada, existindo manifesto excesso de pronuncia, violando a sentença em crise o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 379.º do CPP;

xii. O arguido e a assistente têm um filho menor e a imposição de pena acessória de proibição de contactos, sem acautelar a possibilidade de o arguido poder estar com o filho e ir buscar o mesmo a casa da mãe, carece de todo e qualquer fundamento não procurando este tribunal a quo conhecer os termos da Regulação das Responsabilidades Parentais;

xiii. Não se mostra minimamente justificada a aplicação de tal sanção acessória, inexistindo qualquer referência em sede de sentença a necessidades de prevenção especial relativamente ao arguido que justifiquem a sua aplicação

xiv. Ao subordinar a aplicação de tais sanções acessórias a razões de prevenção e proteção da vítima, sem que as mesmas se mostrem discutidas e devidamente analisadas no texto da sentença condenatória mostra-se desproporcional, violando o disposto no artigo 71.º do Código Penal e traduzindo-se numa limitação ao exercício da parentalidade.

xv. Atendendo ao acervo probatório acima indicado, e sendo o primeiro contacto com a justiça, sem prejuízo da absolvição que se impõe, a pena a aplicar ao arguido deveria quedar-se pelo mínimo da moldura abstrata.

xvi. Assim não sucedendo, violou a douta sentença a quo o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal;

xvii. A pena aplicada mostra-se desproporcional e desenformada dos critérios que regulam a sua fixação;

xviii. O arguido está social laboral e familiarmente inserido.

xix. Deve, assim, ser a douta sentença revogada na parte ora em crise.»

iii) Respondeu o Ministério Público, sintetizando a sua posição, dizendo:

«1 - Ocorre erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, o que não sucede no caso sub judice.

2 - A prova é valorada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, em nome do princípio da livre apreciação, inserto no art.º 127, do C. P. Penal.

3 - O objetivo das penas, é a proteção, o mais eficazmente possível dos bens jurídicos fundamentais, implicando a utilização da pena como instrumento de prevenção geral.

4 - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, sendo a pena um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele reincida.

5 - Nestas circunstâncias entendemos que as penas aplicadas ao arguido não se afiguram desproporcionais, nem desadequadas às exigências de prevenção e da culpa que, no caso, se fazem sentir.

6 – O Mm. º Juiz julgou valorando as provas corretamente, conjugando-as e analisando-as à luz das regras da experiência e das normas legais, pelo que observadas estas premissas outro resultado não pode ser obtido que não seja a justeza da condenação do arguido.

7 - Na determinação das medidas das penas, foram tidos em conta os princípios da adequação e da proporcionalidade.»

iv) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância reafirmou, no seu parecer, a posição já constante da resposta apresentada junto do tribunal recorrido, considerando que «o tribunal a quo fez uma correta valoração da prova produzida e a pena aplicada ao arguido é proporcional à sua culpa e teve em consideração os critérios de prevenção geral e especial das penas.»

v) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada respondeu.

vi) Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Delimitação do objeto do recurso. De acordo com o disposto no artigo 412.º CPP e com a jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador da Jurisprudência n.º 7/95, de 19out1995 (2), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

O recurso do arguido suscita as seguintes questões: a) Nulidade da sentença (excesso de pronúncia); b) Vício da decisão (erro notório); c) Erro de julgamento (da questão de facto); d) Erro de julgamento (qualificação jurídica dos factos); e) Pena (excesso).

2. Na sentença recorrida o tribunal a quo deu como provado o seguinte acervo factual:

«1- O arguido AA e a assistente BB foram casados entre si desde ….08.2016 e separaram-se a ….10.2021, altura em que BB deixou de viver na habitação onde residiam.

2- Desta relação nasceu, em …de 2017, o filho de ambos, DD.

3- Em data não concretamente apurada, quando BB contava já com cerca de 8 meses de gravidez, no interior da habitação em que residiam, o arguido empurrou-a, junto a umas escadas, não tendo a assistente caído apenas porque se conseguiu agarrar ao corrimão.

4- Em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2017, o interior da habitação, a assistente encontrava-se com o seu filho no colo.

5- Nesta altura, depois de se iniciar uma discussão, o arguido retirou-lhe o filho dos braços, colocou-o em cima da cama e, seguidamente, empurrou a assistente, fazendo-a cair ao chão.

6- Em data não concretamente apurada do ano de 2019, o arguido e a assistente vieram viver para Portugal; anteriormente, residiam em França.

7- Pouco tempo depois, na sequência de uma discussão com o arguido, a assistente foi morar para casa de uma sua irmã, o que sucedeu durante cerca de seis meses.

8- Decorridos os referidos seis meses, o arguido e a assistente reconciliaram-se e voltaram a viver juntos, em …; tudo se passou sem sobressaltos durante cerca de quatro meses.

9- Em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2020, voltaram a surgir discussões entre o casal.

10- As discussões surgiam frequentemente pelo facto de o arguido não auxiliar a assistente nos cuidados a prestar ao filho de ambos.

11- Na sequência das referidas discussões, quando a assistente dizia que pretendia terminar a relação, o arguido dizia-lhe “Vais mas o menino fica cá!” referindo-se ao filho de ambos.

12- Na sequência das discussões referidas, o arguido disse à assistente, por um número não concretamente apurado de vezes: Não vales nada!

13- Na sequência das discussões referidas, o arguido disse à assistente, por um número não concretamente apurado de vezes, “És uma mulher da rua.”, apodando-a, assim, de prostituta.

14- Na sequência das discussões referidas, o arguido, por um número não concretamente apurado de vezes, bateu a assistente com pancadas com a mão aberta, atingindo-a na face e causando-lhe dores.

15- Em data não concretamente apurada do ano de 2020, na sequência de uma conversa entre ambos sobre o relacionamento de um outro casal em que havia problemas, o arguido disse à assistente “Se tu vais fazer como ela, pode ser que um dia estejas num saco.”, insinuando que a mataria.

16- No dia 03.10.2021, cerca das 15h30m, junto à residência do casal, em …, surgiu nova discussão entre o arguido e a assistente, tendo esta arremessado um molho de chaves contra a viatura utilizada por ambos.

17- De imediato, o arguido dirigiu-se à porta da habitação e ordenou ao filho menor que aguardasse no quintal, entrando para o interior da casa com a assistente.

18- Já no interior da habitação, o arguido bateu a assistente com uma pancada, de mão aberta, na face esquerda, causando-lhe dor.

19- Não obstante saber que sobre ele recaía o dever de respeito e consideração pela sua esposa, o arguido agiu sempre com o propósito concretizado de impor a sua vontade, de lhe causar temor e inquietação constantes, de a ofender no seu corpo e saúde mental, dignidade, liberdade, e bem-estar emocional, não se coibindo de o fazer dentro das residências onde habitaram em comum e na presença do filho menor de ambos.

20- O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei, de acordo com a qual tinha capacidade para se determinar.

(…)

21- O arguido trabalha como …; aufere cerca de 1100 euros/mês; reside numa quinta, em troca da prestação de serviços de limpeza, suportando as despesas de água e luz; está a liquidar créditos pessoais em prestações de cerca de 130 euros/mês; está a pagar alimentos a favor do seu filho em prestações de 120 mês a que acresce a comparticipação nas despesas; tem uma dívida de IRS que está a liquidar em prestações de cerca de 100 euros/mês; é com dificuldade que faz face à globalidade das suas despesas mensais fixas; tem o 12.º ano de escolaridade.

22- O arguido não possui antecedentes criminais registados.»

Tendo-se motivado essa decisão nos seguintes termos:

«Quanto à matéria da acusação pública, escutada a gravação das declarações para memória futura prestadas pela assistente, avaliamos que se confirma a matéria descrita na acusação pública.

Avaliamos que a assistente prestou declarações sérias, espontâneas, credíveis.

A testemunha CC, irmã da assistente, referiu ao tribunal, em audiência de julgamento, que nunca assistiu diretamente atos de violência doméstica, mas, ainda assim, referiu-se a uma situação concreta em que foi buscar a sua irmã e que ela estava com nódoas negras, queixando-se que o seu marido lhe tinha batido; estimou a testemunha que tal tenha ocorrido por altura do ano de 2018.

Este episódio a que se referiu a testemunha também é, sem dúvida, compatível com a matéria descrita na acusação pública.

Assim resultaram provados os factos descritos na acusação pública - primacialmente com base nas declarações da assistente, que se afiguram suficientemente elucidativas - os de índole subjetiva/volitiva por mera presunção - facto(s) provado(s) 1- a 20-.

Os facto(s) provado(s) 21- e 22- tem por base as declarações do arguido e o teor do certificado do registo criminal.»

3. Apreciando

3.a) Da nulidade da sentença

Alega o recorrente que «dizer que a assistente não se opôs expressamente ao arbitramento é incorreto quando a mesma não tinha conhecimento de tal possibilidade, nem com a mesma foi confrontada, existindo manifesto excesso de pronúncia, violando a sentença em crise o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.»

O recorrente não tem razão.

Há excesso de pronúncia, nos termos do normativo citado pelo recorrente, quando o Tribunal conhece de questão que lhe não era lícito conhecer.

Em matéria de arbitramento oficioso da indemnização às vítimas de violência doméstica preceitua a norma prevista no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que:

«1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.»

Dispondo depois o artigo 82.º-A do CPP, que:

«1- Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.»

O sentido do citado artigo 21.º é claro: «há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal». E só nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser aquela não poderá ser arbitrada».

Isto é, o dever de arbitramento da indemnização pelo Tribunal às vítimas de violência doméstica emerge ope legis. Sendo que o contraditório a que se refere o § 2.º do artigo 82.º-A tem por óbvia referência o interesse daquele que possa vir a ser condenado no pagamento da indemnização.

Isto é, a lei estabelece o dever de arbitramento com o consequentemente contraditório relativamente àquele que possa vir a ser condenado, sem o que – aqui sim – se verificaria nulidade por omissão de pronúncia (artigo 379.º, § 1.º, al. c) CPP). Mas não o estabelece relativamente à vítima, prevendo-se apenas que ela poderá manifestar a sua oposição, em qualquer momento - a qual terá de ser respeitada.

Mas a lei - decerto que por boas razões (3) - não obriga à interpelação para tal pronunciamento.

Os autos evidenciam que o arguido foi notificado da possibilidade de vir a ser arbitrada indemnização à vítima, nos termos dos normativos citados, na sequência de menção expressa feita no despacho que recebeu a acusação.

Pelo que se mostra cumprido o contraditório que era devido.

O Tribunal não conheceu de matéria que lhe não competisse, na medida em que cumpriu a injunção normativa do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009. Improcedendo este fundamento do recurso. Não se deixará sem nota (ainda que sintética) a alusão vaga feita nos pontos 9. a 11. da motivação do recurso a uma pretensa nulidade por falta de fundamentação da sentença. Sem que nas respetivas conclusões (que delimitam o objeto do recurso) (4) se faça qualquer alusão ao tema! Refere o recorrente na sua motivação que «percorrida a sentença revidenda, constata-se padecer a mesma de nulidade decorrente de falta de fundamentação»!

Temos por seguro que a sentença recorrida foi especialmente sintética no concernente à motivação da decisão de facto, o que alinha com a circunstância de a prova se cingir no essencial às declarações da vítima (que se mostram gravadas) e ao auto de notícia (que está documentado nos autos. O padrão normativo refere que se a sentença não contiver fundamentação condizente com o exigido no § 2.º do artigo 374.º CPP, será nula (artigo 379.º, § 1.º, al. a) do CPP), nulidade esta que se verificará lá quando inexistem ou são ininteligíveis as razões do decidido. Tal dever pressupõe que se motive a decisão, de modo sucinto embora, mas claro, de modo a demonstrar aquela não foi tomada de forma arbitrária, de molde a permitir ao arguido, aos demais intervenientes processuais e à comunidade em geral, uma completa compreensão das razões que a motivaram, i. e. das razões pelas quais só aquela decisão e não outra poderia ter sido tomada. A mais de o recorrente não concretizar – nos termos sobreditos – a afirmação que fez, sempre diremos que não é isso que claramente sucede, pois que podendo a sentença ser mais elucidativa (pode sempre), contém tudo o que é necessário para que se conheça o percurso judicioso empreendido. Pelo que improcede este fundamento do recurso.

3.b) Do vício da decisão recorrida O recorrente faz menção a um vício da decisão recorrida, previsto na al. c) do § 2.º do artigo 410.º do CPP (erro notório na apreciação da prova). Mas afigura-se evidente estar tal referência longe do que possa constituir vício da sentença, na medida em que o recorrente a ele se refere como se se tratara de erro de julgamento relativamente à factualidade que considera erradamente julgada provada (como se fora a mesma coisa – e não é), indicando mesmo que esse «erro notório» se reporta aos pontos 7., 16., 17. e 18. da matéria de facto julgada provada. O Ministério Público entende que a sentença recorrida não padece do assinalado vício. Importa brevemente distinguir conceitos e modos de impugnação da decisão recorrida. De acordo com o nosso modelo de impugnação da decisão de facto, esta pode fazer-se por duas vias: uma via restrita, com a invocação de algum (ou alguns) dos vícios previstos no artigo 410.º, § 2.º CPP, por simples referência ao texto da decisão recorrida (impugnação restrita); e uma via ampla, que assenta na alegação de erro de julgamento e reapreciação da prova produzida, documentada nos autos ou gravada, que tem de ser invocada pelo recorrente (pois não é de conhecimento oficioso), recaindo sobre este os ónus de especificação dos factos e das provas conforme previsto nos § 3.º e 4.º do artigo 412.º CPP.

Aquela via restrita respeita aos vícios referidos, reportados à lógica jurídica ao nível da matéria de facto e que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei. Quer-se dizer: respeita a anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respetivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela (v.g. valoração de provas concretas com referência a factos concretizados), impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.

Ora, notório é o erro indiscutível, facilmente percetível pelo comum dos observadores, aquele que é facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas, de tal modo que não haja motivo para duvidar da sua ocorrência. (5) Haverá erro notório «... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida». (6) Também ocorrendo quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. Nas circunstâncias do caso presente, o recorrente não assinala onde vislumbra o vício apontado! Certo sendo que percorrendo a sentença recorrida, nela também o não vislumbramos, porquanto do seu texto, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, não resulta (menos ainda que com toda a evidência) conclusão contrária àquela a que chegou o Tribunal.

Restando concluir que da decisão recorrida não emerge o invocado erro notório na apreciação da prova.

3.c) Erro de julgamento da questão de facto

O recorrente manifesta a sua discordância relativamente ao julgamento sobre os factos provados, delimitando o seu objeto aos seguintes pontos do acervo fáctico julgado provado na sentença recorrida: 7., 16., 17. e 18. Conforme resulta da lei, a impugnação da decisão de facto tem as suas regras, as quais devem ser cumpridas pelo recorrente/impugnante (artigo 412.º, § 3.º e 4.º CPP). E não foram. Senão, vejamos.

Preceitua o artigo 431.º al. a) CPP, que havendo documentação da prova - como sucede no presente caso, a decisão do tribunal de 1.ª instância só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.º, § 3.º e 4.º CPP. Dispondo-se no § 3.º do artigo 412.º CPP que o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) as provas que devem ser renovadas.

O recorrente limitou-se a indicar os factos que pretende impugnar e referindo genericamente que nenhuma das provas produzidas os confirmou!

Recordemos que a sentença afirma que as declarações para memória futura da ofendida confirmam a matéria descrita na acusação e que a testemunha CC, irmã da ofendida, numa ocasião que situou no ano 2018, viu a sua irmã com nódoas negras e que esta lhe disse que o seu marido (aqui arguido) lhe tinha batido.

Vejamos, então.

As declarações da ofendida e da sua irmã CC confirmam que aquela veio para Portugal, com o arguido, no ano de 2019 e que na sequência de discussões viveu algum tempo na casa da sua irmã. Depois reatou relação com o arguido e foi viver com ele (pois tinham um filho em comum que havia nascido em … de 2017).

Nas suas declarações para memória futura a ofendida confirmou praticamente a totalidade da demais factualidade narrada na sentença. Referindo-se também a testemunha CC a nódoas negras que referiu ter visto na sua irmã, e que questionada esta, lhe foi dito que haviam sido causadas pelo marido (sem precisar no tempo tal acontecimento).

De acordo ainda com as declarações da ofendida, num mesmo dia de outubro em que o arguido ordenou ao filho que ficasse no quintal enquanto ela falava com a mãe, ele desferiu sobre ela uma pancada de mão aberta na face esquerda.

As provas produzidas permitem linearmente confirmar os factos que se mostram impugnados, com exceção da referência ao arremesso de um molho de chaves contra a viatura (porque a ofendida nada ter referido quanto a este facto).

Acresce aos meios de prova já referidos - no mesmo sentido -, o teor do auto de notícia (dia 3/10/2021), onde consta a queixa apresentada pela ofendida na GNR, o que é mais preciso que a acusação (e depois também a sentença) relativamente aos factos participados.

O Tribunal recorrido acreditou no relatado pela ofendida. O que não surpreende, dado o modo simples, mas explicado e seguro, como foi produzido, na sequência da sagacidade das interpelações feitas pela juíza que presidiu à diligência. Esse relato só não foi mais claro e expressivo em razão das notórias dificuldades de a declarante se exprimir em português. Mas o depoimento efetivamente prestado é transparente e não suscita nenhumas dúvidas de credibilidade.

Sobre a verdade e a credibilidade de um dado depoimento talvez se deva recordar a máxima da sabedoria, expressa por Ya’qub ibn Ishaq al-Kindi (7): «não deveríamos sentir-nos envergonhados por apreciar a verdade e recolhê-la seja de onde for que ela venha, mesmo que venha de raças distantes e nações diferentes das nossas. Nada deveria ser mais precioso para aquele que busca a verdade do que a própria verdade, e não há deterioração da verdade, nem desvalorização de quem a verbaliza ou a transmite.»

É sintomático do que fica dito terem as declarações da ofendida maior precisão acerca do tempo, do espaço e do modo como as coisas se passaram, do que aquela que a acusação foi capaz de recolher. Mas é só por isso que a própria factualidade julgada provada pelo Tribunal é mais pobre do que o relatado pela vítima - pois este seguiu o «guião» do libelo.

Tudo no fundo para agora se poder afirmar que com a exceção da referência ao arremesso de um molho de chaves contra uma viatura (integrada no facto 16.º), a factualidade julgada provada (incluindo a constante dos pontos 7., 16., 17. e 18.) não é merecedora de nenhum reparo.

Está claro que o modo pouco cuidado com que a acusação narrou os acontecimentos, dada uma cerca imprecisão da situação dos mesmos no tempo e/ou no espaço (ainda que seguramente no curso dos anos de 2020 e 2021 e numa concreta ocasião - no dia 3/10/2021); na casa onde viviam (arguido e ofendida), poderia suscitar uma situação de indefesa, comprometendo desse modo as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º e 20.º, § 4.º da Constituição), diremos que quanto ao essencial isso não sucede.

Efetivamente, a necessidade de concretização e especificação dos factos imputados ao arguido, com indicação das respetivas circunstâncias de tempo e de lugar emerge das garantias de defesa do arguido, acoitadas no artigo 32.º, § 1.º da Constituição. E, para tanto, o arguido terá de conhecer, com o necessário rigor, os factos que lhe são imputados, descritos de forma a que não subsistam dúvidas no seu espírito sobre qual o “pedaço de vida” em discussão. Só desse modo poderá contraditar factos e provas concretos que sejam contra ele deduzidos e oferecidas. A este propósito assinala Maia Costa (8) que: «a narração dos factos deverá ser tanto quanto possível concreta, em termos de tempo e de lugar e, havendo vários agentes, quanto à intervenção particular de cada um, sendo irrelevantes imputações genéricas ou coletivas, a não ser como enquadramento de factos devidamente individualizados.» Nesse mesmo sentido opina João Conde Correia (9), sendo essa também a posição que vemos em geral sufragada na jurisprudência. (10)

A verdade é que muitas vezes – sobretudo nesta área da criminalidade - não é mesmo possível fazer uma concretização completa, porque ela não se consegue precisar com a mesma segurança que se alcança por exemplo relativamente a um facto traumático isolado.

No contexto da violência doméstica as coisas na realidade sucedem de modo diverso, porque há uma sucessão de atuações no tempo que muitas vezes não são precisas ou não são vistas como sinais. E na verdade ninguém anda com uma agenda a anotar o que de bom e de mau lhe vai sucedendo na relação conjugal ou outra com o parceiro/a, sobretudo se vive na (ainda que vã) esperança de as coisas se endireitarem na relação consorte.

Consideramos, pois, que os acontecimentos se mostram suficientemente descritos, permitindo ao arguido conhecer bem o que lhe estava imputado e de que tinha de se defender (querendo). De tal modo que dentre as várias questões que suscita no seu recurso, nada questionou neste conspecto.

A conjugação das provas e, sobretudo, o modo como o relato da vítima se mostra realizado, demonstra inequivocamente um relacionamento desequilibrado e pouco saudável entre os sujeitos, no qual a vítima terá sido sempre a ofendida, sendo absolutamente clara (no modo, no tempo e no espaço) uma agressão física perpetrada no dia 3/10/2021 (a condizer com todo o demais relatado de modo menos cuidado).

Ao que fica dito acresce haver um outro depoimento testemunhal (da irmã da ofendida) e a coincidência do teor da queixa criminal com o relato da vítima nas declarações para memória futura.

Mais importa lembrar que a atribuição de credibilidade (mesmo que) a um só depoimento testemunhal pelo Tribunal, firmada nas prerrogativas da livre apreciação da prova, reconhecido ao tribunal de julgamento (artigo 127.º CPP), não sofre nenhuma espécie de restrição, desde que a convicção firmada se mostre – como é aqui seguramente o caso - racionalmente bem arrimada nesse meio de prova, nas regras da lógica e não contrarie as máximas da experiência comum. (11)

Daí que nesta parte do recurso, relativamente à impugnação de factos, consideramos não estar provado o segmento do facto 16. (dos factos provados da sentença recorrida), na parte que se refere a um arremesso de um molho de chaves contra uma viatura automóvel. Improcedendo o demais reclamado neste segmento impugnatório.

3.d) Qualificação jurídica dos factos O recorrente considera a factualidade apurada não é suscetível de integrar a prática de crime de violência doméstica, não emergindo da imagem global dos fatos um acentuado desvalor de ação e de resultado, tendente à integração do ilícito de violência doméstica. Entendendo que a haver crime ele seria de ofensa à integridade física e de injúria. O recorrente não tem razão. Vejamos porquê.

A atual descrição típica do ilícito de violência doméstica (introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), constante do artigo 152.º CP, dimensiona um feixe de tutela de direitos que vai muito para além do espartilho que a respetiva inserção sistemática no código indicia, na medida em que o mesmo passou a abranger também, expressis verbis, as limitações à liberdade e as ofensas sexuais, tutelando igualmente a reserva da intimidade da vida privada e a honra. Se bem que a questão do bem jurídico tutelado seja ainda controversa, a verdade é que hoje há uma tendência clara para o distinguir da integridade física ou da saúde, na medida em que se reconhece que a sua dimensão está para além daqueles bens jurídicos. (12) Donde, a consideração de se não ter atingido um certo grau de gravidade associada à descrição típica das relações das alíneas do § 1.º do artigo 152.º CP, como parece ser a posição do recorrente (quando reclama que quando muito haveria apenas crime de ofensa à integridade física e de injúria), se mostre desajustada. O bem jurídico protegido tem uma dimensão mais vasta, correspondendo à integridade pessoal dos sujeitos ligados ao agressor por uma dada relação (conjugal ou equiparada), constituindo-se aquela em bem jurídico autónomo, pluriofensivo, com expressão nos artigos 25.º e 26.º da Constituição, (13) organicamente conexionado com a defesa da pessoa enquanto tal, ligado à sua própria dignidade enquanto pessoa humana, conforme decorre do artigo 1.º da Constituição. É, pois, por referência à tutela desse valor que o crime de violência doméstica visa punir as condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e/ou sexual), dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação (conjugal ou equiparada), que se manifestam num exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a intimidade, a liberdade ou a honra do outro, caracterizado as mais das vezes por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima (sendo esta bastas vezes tratada como uma mera «coisa»). (14)

A violência doméstica constitui-se na verdade um «fenómeno socialmente muito nocivo» (15), a reclamar uma visão holística e multidisciplinar (16), desde logo em razão de o seu referente axiológico se entretecer com questões de natureza cultural, de mentalidades e de índole socioeconómica.

Daí que a psicologia aporte que tal violência redunda n«uma forma de exercício do poder, mediante o uso da força (física, psicológica, económica, política). Constituindo-se o recurso à força como um método possível de resolução de conflitos interpessoais, procurando o agressor que a vítima se sujeite ao que ele pretende, que concorde com ele ou, pura e simplesmente, que se anule e lhe reforce a sua posição/identidade. No entanto, e contrariamente ao comportamento apenas agressivo, o comportamento violento não giza (apenas) fazer mal à outra pessoa (ainda que habitualmente isso aconteça). O objetivo final do comportamento violento é submeter o outro mediante o uso da força.» (17) Volvamos à sua dimensão normativa, que é a que aqui releva. O tipo objetivo tem por referência a inflição de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou pessoa equiparada, neles se incluindo as condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual e privações da liberdade que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal.

Sendo o elemento subjetivo composto pelo dolo genérico, id est (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).

«O dolo implicará o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica, assim como o conhecimento e vontade da conduta e do resultado, consoante os comportamentos em causa configurem tipos formais ou materiais».(18)

Na avaliação das circunstâncias e comportamentos do arguido importará sempre atentar a «respetiva situação ambiente e da imagem global do facto». (19)

No caso que ora nos ocupa verificamos que os comportamentos ilícitos do arguido, consistiram em ofensas físicas e morais que ele não dirigiu a um desconhecido, a um vizinho, a um colega de trabalho ou a parceiro do jogging domingueiro. Antes, nas diferentes ocasiões e modo descritos, foram tais atos (caracterizadores de maus tratos físicos e psíquicos) dirigidas à sua mulher e mãe do seu filho, na consideração de que ela, de certa forma, estava à sua mercê e que não tinha como obstar a esse exercício da sua vontade.

Afigura-se-nos indubitável que a reiteração das agressões físicas ou verbais ao logo do tempo (ainda que este não muito preciso), consistiram numa repetição de humilhações, que atingiram a integridade física e moral da visada e o seu sentimento de dignidade. Remetendo a imagem global dos factos para o perímetro da tutela conferida pelo crime agravado de violência doméstica (na medida em que as agressões ocorreram no domicílio comum – que é suposto constituir um refúgio de segurança dos consortes) – artigo 152.º, § 1.º, al. b) e 2.º, al. a) CP. Não há, pois, nenhum erro de julgamento na qualificação jurídica dos factos provados, a qual decorre do enfoque correto sobre a circunstância e natureza das agressões físicas e psicológicas perpetradas pelo arguido sobre a vítima.

3.a) Da medida da pena (excesso) Alega o arguido/recorrente que está social laboral e familiarmente inserido, que tem um filho em comum com a ofendida e que a pena acessória de proibição de contactos, sem acautelar a possibilidade de o arguido poder estar com o filho e ir buscar o mesmo a casa da mãe, carece de todo e qualquer fundamento; não se contendo na sentença qualquer referência a necessidades de prevenção especial que justifiquem a sua aplicação; sendo desproporcionada.» Por seu turno o Ministério Público entende que o objetivo das penas é a proteção dos bens jurídicos fundamentais. Estando a reintegração do agente na sociedade ligada à prevenção especial, sendo a pena um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que ele reincida. E que a sentença na fixação e graduação das penas teve em conta os princípios da adequação e da proporcionalidade. O crime de violência doméstica é punível com pena de prisão de 2 a 5 anos (artigo 152.º, § 2.º CP). O Tribunal recorrido aplicou ao arguido/recorrente uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão por igual período, suspendendo a execução da prisão sob a condição de o arguido cumprir, como regra de conduta, a proibição de contactos com a ofendida (incluindo afastamento da residência local de trabalho desta); aplicando concomitantemente a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida (incluindo afastamento da residência local de trabalho desta), pelo período de 2 anos e 6 meses.

Ainda que se considere que a condição da suspensão da pena coincide com a pena acessória, a verdade é que as finalidades das medidas são distintas e as consequências também (20), pelo que não há incongruência. A questão colocada pelo recorrente é de excesso, cingindo essa sua crítica a um efeito que a lei não acolhe: o de que a pena acessória impedirá o convívio do arguido/recorrente com o seu filho (que é filho de ambos – do recorrente e da vítima). Mas nem há excesso nem o putativo impedimento acontece. Com efeito, ao Tribunal criminal cabe julgar os crimes e aplicar as penas, as quais gizam as finalidades apontadas no artigo 40.º CP. Já a regulação das responsabilidades parentais e modo destas é tema para o Tribunal de Família, que saberá encontrar a solução ajustada às circunstâncias (ao cumprimento do dever/condição) que robustece o seu efeito preventivo, sem que o arguido fique impedido de ver e conviver com o seu filho, do mesmo passo acautelando e não desprotegendo a vítima (sendo este o objetivo gizado pela pena acessória). Em suma: a sentença recorrida evidencia uma correta compreensão do quadro legal punitivo, fazendo uma ponderação e uma valoração assertiva das circunstâncias, quer no âmbito do julgamento da matéria de facto como da medida da pena principal (e substitutiva), respeitando os impostergáveis parâmetros relativos às exigências de prevenção geral, quer às necessidades de prevenção especial (artigo 40.º CP); bem assim como na aplicação da pena acessória, ajustando-se às finalidades gizadas com a aplicação desta (artigo 40.º CP). Não se evidencia, pois, nenhuma razão que sustente a necessidade de qualquer alteração ao demais decidido.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) alterar o ponto 16. do acervo dos «factos provados» da sentença recorrida, fixando que dele conste apenas: «No dia 3 de outubro de 2021, cerca das 15h30, junto à residência do casal, em …, surgiu nova discussão entre o arguido e a assistente.»;

b) no mais negando provimento ao recurso e, em consequência, pelas razões expendidas, manter a douta sentença recorrida;

c) condenar o arguido/recorrente nas custas do processo, fixando em 3 UCs a taxa de justiça – artigo 513.º, § 1.º CPP).

c) Notifique-se.

Évora, 24 de setembro de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator por vencimento)

Jorge Antunes

Edgar Valente (vencido conforme declaração infra)

Declaração de Voto

No meu entendimento, seria outro o caminho a seguir, como exporei de seguida:

“As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1.ª questão – Erro notório na apreciação da prova.

2.ª questão – Nulidade da sentença.

3.ª questão – Impugnação da matéria de facto.

4.ª questão – A prova dos maus tratos e a integração do crime.

5.ª questão – Da compensação e pena acessória.

6.ª questão – Da medida da pena.

*

1.ª questão - Erro notório na apreciação da prova.

O recurso pode ter como fundamento (nos termos do art.º 410.º, n.º 2, alínea c)), desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum o erro notório na apreciação da prova.

Tal erro, dizem-nos Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (21), é uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível para o cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se tirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.”

O recorrente afirma que “dos elementos probatórios ínsitos nos autos, nomeadamente das declarações para memória futura tomas à assistente, nenhuma referência é feita à factualidade vertida como provada nos pontos 16, 17 e 18”.

Importa, atenta tal referência, trazer à colação o teor do Acórdão da Relação de Évora de 09.01.2018 proferido no processo 31/14.3GBFTR.E1:

“A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).

O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.

No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.”

Do exposto flui com toda a clareza que o arguido não invoca substancialmente o citado vício (erro notório), mas, fazendo uso de elementos que exorbitam da sentença recorrida (como o teor das declarações para memória futura da assistente), impugna a matéria de facto, o que está sujeito a um conhecimento sistemático e normativo completamente diferente.

Improcede, pois, a pretensão do recorrente inerente a esta esta questão.

2.ª questão – Nulidade da sentença.

Por outro lado, defende o recorrente que a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação quanto (tanto quanto nos é permitido concluir, uma vez que o binómio motivação / conclusões é, salvo o devido respeito, extremamente confuso e pouco claro) ao facto 19, dado que os factos provados são, na sua perspetiva, insuficientes para a existência de maus tratos / intenção de maus tratos.

Vejamos.

Quanto ao citado facto provado 19), a sentença recorrida, como vimos, singelamente fundamenta a sua prova “por mera presunção”.

Sobre a prova dos elementos subjetivos dos crimes, importa aqui fazer referência aos seguintes arestos: Acórdão da Relação de Évora de 28.10.2014 proferido no processo n.º 3/09.0AASTB.E1 (Relatora Ana Barata Brito) (22): “Os factos do tipo subjectivo resultam frequentemente dos factos externos. E eles constituem também um exemplo de demonstração por prova indirecta. (…) Assim, os factos que integram o dolo (…), os actos interiores ou internos, por respeitarem à vida psíquica raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objectivo, a prova do dolo far-se-á por ilações, retiradas de indícios, e também de uma leitura de um comportamento exterior e visível do agente. (…)

O julgador resolverá a questão de facto decidindo que (ou se) o agente agiu internamente da forma como o terá revelado externamente. (…) As dificuldades e as vicissitudes da prova da intenção serão, assim, comuns à generalidade dos crimes.”

Acórdão do STJ de 06.10.2010 proferido no processo n.º 936/08.JAPRT (Relator Henriques Gaspar) “A prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis in natura, no plano da observação imediata, física e sensorial, só pode ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos individuais, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações. Estes elementos de construção e apreciação permitirão o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), como resultado de uma conclusão sustentada, e por isso afastando uma apreciação dominada pelas impressões. Nesta perspectiva metodológica, as regras da experiência são a base e o limite do resultado, positivo ou negativo, de uma presunção natural, como critério, ou no rigor, regra normativa de prova. Com uma de duas possíveis consequências. Pode verificar-se um afastamento entre a base da presunção (o facto conhecido, preciso e determinado) e o facto desconhecido (objecto de prova), de tal modo que a relação se situa apenas no simples domínio das possibilidades físicas e materiais, sem proximidade que caiba nos limites razoáveis do id quod; neste caso, o facto desconhecido não poderá considerar-se como assente. Mas, ao invés, as regras da experiência podem determinar que, segundo a normalidade das coisas, dos comportamentos e da apreciação externa comum e referencial sobre a causalidade e a sequência, um facto ou uma série de factos conhecidos não se compreende, nem por si tem relevante significado autónomo e não apresenta qualquer sentido, razão ou explicação, se não for pelas consequências normais e típicas que a experiência das coisas e da vida lhe associa; neste caso, a presunção deve ser estabelecida: os factos serão precisos e concordantes.”

Considerando que está em causa, como acima se refere, uma correspondência lógica entre os factos internos do arguido e os factos externos dados como provados e que estes são controvertidos, só após a decisão sobre a impugnação da matéria de facto é que se poderá conhecer da presente questão, pelo que se difere esse conhecimento para tal momento.

3.ª questão - Impugnação da matéria de facto.

Constitui princípio geral que os tribunais da relação conhecem de facto e de direito, nos termos do art.º 428.º.

Apesar de, como vimos, o recorrente também configurar a existência dos vícios acima referidos, também afirma pretende (em substância) impugnar a matéria de facto dada como provada na sentença, sem que, contudo, refira o disposto no art.º 412.º, que, recorde-se, tem o seguinte teor:

“(…) 3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Para Helena Morão e Paulo Pinto de Albuquerque (23), em anotação à referida norma, “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado” [ao que] “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”

Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspeto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.

No caso dos autos, o recorrente, coloca em causa o juízo de prova quanto a determinados factos, que entende que não deveriam ter sido dados como provados e, apesar de não especificar os marcos temporais em que se encontram passagens do depoimento gravado, entende-se que, uma vez que o depoimento da assistente (para memória futura) se encontra transcrito, a referência a tal transcrição cumpre o legal desiderato.

A indicação dos factos impugnados, apesar de pouco explícita, parece abranger os factos provados 7 e 16 a 18.

Vejamos.

Quanto ao facto provado 7), o teor do depoimento da assistente (fls. 265 dos autos) revela que na casa da irmã do arguido “viraram-se contra mim os 3, a irmã e o cunhado dele” e “a seguir fui à casa da minha irmã vivi 6 meses”: para além da difícil perceção do exato sentido do depoimento da assistente (naturalmente devido às dificuldades linguísticas da própria (24)), entendemos que não é possível, por si só, extrair daquelas palavras (e outras não existem) a existência de uma “discussão” e muito menos que tenha sido “na sequência” dessa “discussão” que a assistente tenha ido morar para casa de uma sua irmã (sendo também certo que no citado depoimento também se fala em “… 1 mês” antes da referência à casa da irmã). Por último, também resultando temporalmente não localizada tal mudança de residência da assistente e em face da não perceção da respetiva etiologia, resulta a mesma irrelevante, pelo que se terá de dar este facto como não provado.

Também, atento o acima mencionado, terá de se considerar não provado que em janeiro de 2020 “voltaram” a surgir discussões (facto provado 9), devendo considerar-se provado, apenas e tão-só, que as mesmas “ocorreram”.

Relativamente aos factos provados 16 a 18, não há no depoimento da assistente, como efetivamente afirma o recorrente, qualquer referência ao arremesso de “um molho de chaves contra a viatura utilizada por ambos”, como consta do facto provado 16. Por outro lado, também nenhuma referência existe quanto às horas a que os factos terão ocorrido, desconhecendo-se como o tribunal chegou às 1530 horas mencionadas. Igualmente não é referido que a “pancada, de mão aberta, na face” da assistente tivesse sido “na face esquerda” e que lhe tivesse causado “dor”, que, podendo considerar-se uma consequência normal de uma pancada de mão aberta, nem sempre poderá ocorrer, dependendo, nomeadamente da intensidade / força com a pancada é desferida.

Tais expressões terão, consequentemente de ser dadas como não provadas.

A impugnação é, pois, parcialmente procedente.

4.ª questão – A prova dos maus tratos e a integração do crime.

Segundo o recorrente, para integração do conceito de maus tratos, é essencial que as ofensas “revelem uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou um estado de agressão permanente”, o que não sucede no presente caso.

Vejamos. Com efeito, importa referir que, se entendermos que o conceito de “maus-tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples (25), resta saber se a inflição dos mesmos às pessoas referidas no tipo da violência doméstica basta para o respetivo preenchimento, correspondendo a uma (mera) forma agravada daquele crime, como acontece no direito suíço (26).

Entendemos que tal interpretação não é correta. Com efeito, entre outras razões (27), o elemento literal da interpretação conduz-nos, necessariamente, a um conceito de maus-tratos (neste tipo legal de crime) que transcende o âmbito dos acima mencionados crimes, exigindo-se um plus que caracterize a acção base como tal. Do exposto resulta que é de exigir, para o preenchimento do conceito, “que o comportamento violento, visto em toda a sua amplitude, seja um tal que, pela sua brutalidade ou intensidade ou pela motivação ou estado de espírito que o anima, seja de molde a ressentir-se de modo indelével na saúde física ou psíquica da vítima.” (28)

Atento o sentido acabado de traçar, entendemos o seguinte:

Nos factos provados 3 e 5 refere-se que o arguido empurrou a assistente por duas vezes, tendo a mesma caído ao chão na segunda. Desconhece-se (porque não foi, como devia ter acontecido) indagado, de que forma ocorreram esses empurrões, a sua intensidade e se dos mesmos resultaram quaisquer lesões para a assistente, nada podendo extrair-se a tal propósito da factualidade dada como provada.

Quanto aos factos dados como provados de 9 a 14, desconhecemos se as expressões mencionadas em 12 e 13 foram ditas uma ou mais vezes, inexistindo qualquer referência à sua “frequência”, ressaltando a expressão recorrente “um número não concretamente apurado de vezes”. Assim, resta apenas, com a certeza necessária, provado que as mesmas foram proferidas pelo menos uma vez.

A idêntica conclusão teremos de chegar, pelos mesmos exatos motivos, quanto às “pancadas com a mão aberta na face” mencionadas no facto provado 14.

Em suma, atenta tal indefinição (que, como vimos, pode redundar apenas numa situação) e dadas as características das referidas ofensas (sem que, para além das dores físicas na sequência das “pancadas” acima referidas, tenham sido especificadas as lesões provocadas e o efeito psicológico produzido na assistente), entendemos que não estamos perante ofensas (provadas) com aquela tal gravidade que, pela sua brutalidade ou intensidade ou pela motivação ou estado de espírito que o anima, seja de molde a ressentir-se de modo indelével na saúde física ou psíquica da vítima.

Deste modo, entendemos que não estão densificadas de tal forma a abranger, inequivocamente, a existência de maus tratos físicos e psíquicos matriciais do crime em causa, desde logo na sua vertente objetiva.

Por seu turno, atento o exposto quanto à questão anterior e quanto ao imediatamente supra referido, também entendemos que o elemento subjetivo mencionado no facto provado 19 efetivamente não se mostra factualmente justificado.

Com efeito, desde logo quanto ao “propósito concretizado de impor a sua vontade”, não se vislumbra como resultaria necessariamente presumido a partir dos factos objetivos provados, não se explicando minimamente na motivação tal inferência, que assim se considera vedada.

Igualmente quanto ao propósito de “lhe causar temor e inquietação constantes”, também não se vê como tal poderia ter sido necessariamente presumido a partir dos factos objetivos provados, atenta a sua essencial indefinição quanto ao número e gravidade das ocorrências (como vimos), com idêntica conclusão.

Por último, quanto ao propósito de ofender “a saúde mental, dignidade, liberdade, e bem-estar emocional” da assistente, também não poderá constituir uma presunção a partir da factualidade objetiva dada como provada, uma vez que o propósito daqueles atos não se reconduz necessariamente àquele dado como provado.

Assim, quanto a tais blocos factuais, a impugnação procede, considerando-se os mesmos como não provados.

Restam, deste modo, apenas provadas condutas e motivações que não transcendem (em princípio) as (meras, no contexto típico da acusação) ofensas à integridade física, injúria e ameaça, não sendo acrescidas daquele mencionado plus que pudesse integrar o conceito de maus tratos.

Pelo exposto e uma vez que não está provada a existência de maus-tratos do arguido à assistente, deve o mesmo ser absolvido do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado.

Por seu turno:

O crime de ofensa à integridade física simples é semi-público. (art.º 143.º, n.º 2 do C. Penal)

O crime de injúria é particular. (art.º 188.º, n.º 1 do C. Penal)

O crime de ameaça é semi-público. (art.º 153.º, n.º 2 do C. Penal)

Considerando que, quanto aos (eventuais) crimes acima mencionados e atenta a sua essencial indefinição temporal, não se mostra exercido o direito de queixa no prazo legal (29) (art.º 115.º, n.º 1 do C. Penal), exceto quanto aos factos ocorridos no dia 03.10.2021.

Por seu turno, encontrando-se provado que o arguido desferiu na assistente uma pancada de mão aberta na face e que agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, mostram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ofensa à integridade física simples p. e p. p. art.º 143.º, n.º 1 do C. Penal.

5.ª questão – Da compensação e pena acessória.

Como a compensação por danos morais e a pena acessória fixadas estavam dependentes da condenação pelo crime de violência doméstica e este, como vimos, não resulta integrado, terão tal compensação e pena acessória de ser revogadas, o que se decidirá.

6.ª questão – Da medida da pena. Quanto ao crime de ofensa à integridade física simples p. e p. p. art.º 143.º, n.º 1 do C. Penal, verifica-se que a lei comina uma pena de prisão (até 3 anos) ou uma pena de multa (30) . Nos termos do art.º 70.º do C. Penal, se ao crime forem aplicáveis (como é o caso), em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. As finalidades da punição são, de acordo com o art.º 40.° do citado normativo, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. (são estes os ''outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'' que justificam a restrição dos ''direitos liberdades e garantias'' dos agentes de crimes, nos exactos termos definidos pelo art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) É relativamente pacífico (31) afirmar hoje que as acima mencionadas finalidades da punição são tradução de uma dimensão exclusivamente preventiva, mais concretamente, de prevenção geral e especial (esta última, entendida, quer positivamente, ou seja, na perspectiva da socialização do agente, quer negativamente, ou seja, de advertência individual ou de segurança ou de inocuização (32). Entre tais escopos preventivos, deve dar-se prevalência às chamadas considerações de ordem especial de socialização, especialmente, no que tange ao caso dos autos, na vertente de a execução da pena de prisão se revelar necessária ou mais conveniente do que as penas de substituição (33) (aqui se incluindo as penas alternativas); por outro lado, desde que quaisquer penas de substituição sejam impostas ou aconselhadas à luz da acima referidas exigências de socialização, as mesmas só poderão deixar de ser aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. (34) Entendemos que, para avaliar da necessidade da escolha da pena de prisão, tendo em vista a acima referida prevenção especial, importa nuclearmente atender à personalidade do agente e à sua conduta anterior, bem como às circunstâncias do crime, realidades fundamentais para julgar fundadamente da probabilidade de a citada socialização só poder ter êxito através do cumprimento efectivo de uma pena reclusiva. Será que, em face do exposto, é de optar pela pena de multa? Devemos entender que, em face da ausência de antecedentes criminais e dada a personalidade do agente expressa no facto, não se mostra densificada uma preocupação de prevenção especial fundamentadora de um juízo de que só com a escolha de uma pena de prisão (ainda que suspensa) se assegurará uma fundada probabilidade de êxito da acima mencionada socialização. Entendemos, assim, que a concreta ofensa e a inexistência de antecedentes criminais são, de forma clara, insuficientes para justificar a escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa.

Em síntese, dadas as circunstâncias do caso em apreço, a pena de multa mostra-se suficiente e adequada a satisfazer as necessidades da punição, ou seja, como vimos, a protecção de bens jurídicos (evitando-se a prática de futuros crimes) e a reintegração do agente na sociedade. Quanto à determinação da medida da(s) pena(s). De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. ''A redacção dada ao n.º 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.'' (35) Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo. Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena (36), sendo desta última que agora nos ocuparemos. De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção? A jurisprudência alemã (37) desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta, não é possivel determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito. (38) Segundo Jorge de Figueiredo Dias (39), a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização. Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' ( o texto do n.º 1 do art.º 71.º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena. ''Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.'' (40) Quanto às exigência de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.'' (41) Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exactamente a pena? As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.'' (42) Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 72.º do C. Penal. Na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores (referenciados ao crime de violência doméstica e quanto a um acervo factual substancialmente diferente, como vimos):

“- o grau de ilicitude e a intensidade do dolo prefiguram-se em patamares médios a elevados;

- a favor do arguido o apurado quanto às suas condições pessoais; a ausência de antecedentes criminais;

- as necessidades de prevenção assinalam-se em ambas as vertentes, e sobretudo na sua vertente geral/no prisma da tutela dos bens jurídicos tutelados pela incriminação atingida;” Deste modo, atenta a nova (reduzida) realidade fáctica provada, entende-se que o grau de ilicitude do facto é relativamente baixo (muito embora afastado do seu patamar inferior, uma vez que a vítima era mulher do arguido) sendo o dolo direto. Quanto à gravidade das consequências, desconhecem-se as lesões que a sua conduta terá provocado.

O arguido é delinquente primário e mostra-se social e laboralmente inserido, pagando uma prestação de alimentos ao seu filho. Pelo exposto, entende-se como adequada uma pena pouco afastada do seu limite mínimo, ou seja, 50 (cinquenta) dias, fixando-se a taxa diária, atenta a condição económica do arguido dada como provada, em € 7,00, o que perfaz a multa global de € 350,00.

” O recurso seria assim, para mim, por motivos diferentes dos alegados, parcialmente procedente.

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 DR, I-A de 28dez1995.

3 A interpelação da vítima para este efeito, em certas circunstâncias (nos casos de grande fragilidade da vítima), poderá até ter efeito deletério revitimizador.

4 Cf. artigo 412.º, § 1.º CPP e Acórdão Uniformizador da Jurisprudência n.º 7/95, de 19out1995.

5 Cf. acórdão do STJ, 6abr1994, CJ XIX, t. II, 185.

6 Acórdão do STJ, 4out2001 (CJ/AcSTJ, IX, T. III, 182).

7 Ya’qub ibn Ishaq al-Kindi (citado por Jim Al-Khalili, A casa da sabedoria, 2024, Edições 70, p. 157).

8 Código de Processo Penal Comentado, 3.ª ed. revista, 2021, Almedina, pp. 955.

9 Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo III, 2.ª ed., 2022, Almedina, pp. 1197 ss.

10 Deste Tribunal da Relação de Évora, acórdãos de 17/9/2013 e de 1/10/2013, proc. 97/11.8PFSTB.E1 e proc. 948/11.7PBSTR.E1, relator em ambos João Gomes de Sousa; de 20/3/2018, proc. 9336/17.0T8STB.E1, relator José Proença da Costa; de 5/7/2016, proc. 515/14.3PAENT.E1, relator José Proença da Costa; de 22/11/2018, proc. 526/16.4GFSTB.E1, relatora Maria Filomena Soares; do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/11/2019, proc. 214/18.7PDAMD.L1-5, relator Artur Vargues; do Tribunal da Relação do Porto, de 13nov2019, proc. 109/19.7GAARC.P1, relator José Carreto; do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17jan2018, proc. 204/10.8GASRE.C1, relatora Olga Maurício; e do TRG, de 5/7/2021, proc. 2/20.0GEBRG.G1, relator Armando Azevedo

11 Cf. acórdãos da TRCoimbra de 18jan2017 e de 17mai2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1; e acórdão do TRLisboa, de 18jan2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3

12 Cf. Por todos Matilde Veloso e Vasques e outros, O Crime de Violência Doméstica, 2024, Almedina, v.g . pp. 67 ss.

13 Neste sentido cf. André Lamas Leite, A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito penal e a Criminologia, revista JULGAR, n.º 12, 2010, pp. 25 ss.; em sentido não muito distinto Nuno Brandão, A Tutela Especial Reforçada da Violência Doméstica, revista JULGAR, n.º 12, 2010, p. 9 ss.

14 Neste sentido podem ver-se: Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n.º 2, ano 2002, UAL, pp. 32, 33 e 42. Maria Também Maria Elisabete Ferreira, Da Intervenção do Estado na Questão da Violência Conjugal em Portugal, 2005, Almedina; e Maria Elisabete Ferreira, O Crime de Violência Doméstica na Jurisprudência Portuguesa (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, vol. I, 2017, pp. 569 ss., BFDUC); Sara Margarida das Neves Simões, O crime de violência doméstica: aspetos materiais e processuais 2015, UCP, pp. 8 ss.

15 Assim o crisma, desde logo, André Lamas Leite, Violência doméstica e extinção de medidas de coação processual – em louvor da Relação do Porto, Revista do MP, n.º 175 (2023), p. 79. Atente-se ainda, na referência feita pelo citado autor no mesmo escrito, que as Estatísticas da Justiça, apontam, em 2022, para um total de 30 488 casos reportados de violência doméstica, sendo o tipo legal de crime mais denunciado no capítulo dos «crimes contra a integridade física» (55 367), representando 55,1% do total de delitos nesse universo; correspondendo a 8,9% do total de crimes registados.

16 André Lamas Leite, A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia», JULGAR, n.º 12, 2010, pp. 25-66.

17 Madalena Alarcão, (des) Equilíbrios Familiares, Quarteto, 2000, p. 296.

18 Maria Elisabete Ferreira, O Crime de Violência Doméstica na Jurisprudência Portuguesa (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, 2017, Instituto Jurídico, Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra – Studia Iuridica, 1008, p. 583, BFDUC).

19 Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, revista JULGAR, n.º 12, 2010, p. 19.

20 No que a estas respeita, o incumprimento da condição da suspensão da execução da prisão dará lugar ao juízo cujos parâmetros estão fixados nos artigos 55.º e 56.º CP; já o incumprimento da pena acessória constituirá crime autónomo, pelo qual o incumpridor responderá (artigo 353.º CP).

21 Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 2020, página 81.

22 Disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais acórdãos citados, sem indicação de proveniência diversa.

23 In Comentário do Código de Processo Penal, Volume II, UCP Editora, 5.ª edição, 2023, páginas 677/8.

24 Que, em nosso entendimento, deveriam ter motivado a intervenção de um intérprete.

25 Neste sentido, vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, 2021, página 643/4 e referências aí referidas. Quanto aos “maus-tratos psíquicos”, corresponderiam aos crimes de ameaça simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas.

26 Vide referência na nota 27 (página 16) do artigo de Nuno Brandão, A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica in Revista Julgar, n.º 12, Setembro-Dezembro de 2010. 27 Neste sentido, vide Nuno Brandão, idem, páginas 16 e 17.

28 Nuno Brandão, idem, página 22.

29 Foi por BB exercido o direito de queixa no dia 03.10.2021, nos termos expostos no auto de notícia de fls. 5/6 dos autos.

30 Entre 10 e 360 dias. (art.º 47.º, n.º 1 do C. Penal)

31 Porém, contra, José Francisco de Faria Costa (in O Perigo em Direito Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, página 373), para quem a pena tem um sentido e uma finalidade ético-jurídicos essencialmente retributivos.

32 Neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora 2001, página 108.

33 ''São penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal ''. Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, lições policopiadas, Coimbra, 2007/2008, página 9.

34 Cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas / Editorial Notícias, 1993, páginas 330 e ss..

35 José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, página 29.

36 Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o n.º 2 do art.º 71.º do C. Penal).

37 A norma do C. Penal Alemão equivalente ao art.º 71.º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no n.º II enumeram-se as circunstâncias que, em benefício ou em prejuízo do autor, devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato.

38 Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5.ª Edição do ''Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil''- Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele ''spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ n.º 149, página 72).

39 Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107.

40 Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ; ASTJ, Ano III, tomo 2, página 214.

41 Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323.

42 Anabela Miranda Rodrigues, idem, página 481.