CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
SENTENÇA
NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
REQUISITOS
Sumário

Para que se possa decidir na sentença ou em despacho posterior [pela] não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei 37/2015 de 05/05, estão claramente previstos três requisitos, dois formais e um substancial.
Assim:
(i) Importa que a condenação tenha sido em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
(ii) Importa que o(a) arguido(a) / condenado(a) não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;
(iii) Importa que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo de Competência Genérica de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo sumário n.º 966/23.2GBSSB, tendo aí sido proferida sentença com o dispositivo seguinte (transcrição):

“Face ao supra exposto, julga-se a acusação do Ministério Público totalmente procedente e em conformidade:

- CONDENO o Arguido pela prática, na forma consumada de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, com referência ao artigo 121.º, n.º 1 do Código da Estrada, na pena de a pena 160 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), num total de €800,00 (oitocentos euros).

- CONDENO o Arguido no pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS, que englobam os encargos com o processo e uma taxa de justiça que se fixa em 2 UC reduzida a metade por força da confissão do arguido (cfr. artigos 513.º, 514.º do Código do Processo Penal, 344.º, n.º 2, alínea c) do Código do Processo Penal artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).

*

Após trânsito:

comunique ao IMT e à ANSR, a presente decisão;

remeta os boletins à D.G.S.C, para efeitos do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio;

proceda-se à não transcrição para efeitos laborais;”

Inconformado, o MP interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1 – Por douta sentença proferida em 22/11/2023 o Tribunal a quo decidiu condenar o Arguido pela prática, na forma consumada de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, com referência ao artigo 121.º, n.º 1 do Código da Estrada, na pena de a pena 160 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), num total de €800,00 (oitocentos euros).

2 – Mais decidiu ordenar a não transcrição da decisão condenatória para efeitos laborais.

3 – Para proferir a aludida decisão o Tribunal a quo deu como provados todos os factos constantes da acusação pública e, ainda, para o que aqui releva, que o arguido tinha averbada uma condenação pela prática do mesmo ilícito criminal.

4 – Ora, é precisamente com o segmento decisório que ordenou não transcrição da condenação para efeitos laborais que não concordamos.

5 – Com efeito, nos termos do artigo 13.º n.º 1 da Lei 37/2015 de 05/05, “sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”

6 – Assim, para que o condenado possa beneficiar da não transcrição no certificado de registo criminal da sentença e da pena em que foi condenado têm de se verificar três requisitos, dois de ordem formal, a saber: que a pena aplicada seja inferior a 1 ano de prisão ou em pena não privativa da liberdade e não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e outro de ordem material, a saber: que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes.

6 - In casu não obstante o arguido ter sido condenado nos presentes autos numa pena de multa – primeiro pressuposto de ordem formal – certo é que já sofreu uma condenação anterior por crime da mesma natureza, pelo que, é forçoso concluir que claudica o segundo pressuposto de ordem formal.

7 – Por tudo o exposto, uma vez que os aludidos requisitos são cumulativos, consideramos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nesta parte, carece de fundamento legal por violação do artigo 13.º n.º 1 da Lei 37/2015 de 05/05.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve a sentença recorrida, na parte em que decidiu a não transcrição da condenação para efeitos profissionais, ser revogada e substituída, por outra que não determine a não transcrição para efeitos profissionais e ordene o averbamento da condenação para todos os efeitos legais.”

O recurso foi admitido.

Não foi apresentada resposta.

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação exarou parecer, concordando “integralmente com a motivação do recurso interposto pelo Exmo. Colega junto da primeira instância, que aqui dou por integralmente reproduzida e, assim, sou de parecer que seja dado provimento ao mesmo.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (1), sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Juiz de Direito:

(…) Então, eu vou proferir de imediato essa... a decisão e, de facto, começando pelo final, que é dizer que o senhor devia aproveitar esse apoio que tem e... portanto, para se equilibrar

efetivamente. Porque há pessoas que não têm... que não têm, e arguidos e arguidas que passam pelo Tribunal e que não têm esse apoio familiar e o senhor já tem aqui um cadastro que... que não abona a seu favor. Porque antes já também tem aqui um tráfego, não é. A... e é muito novo. É que o senhor é muito novo. E há aqui a questão, de facto, de... de ser a segunda vez que vem cá por este motivo. Por este motivo concreto de condução ser a habilitação legal. E... e há grandes necessidades de... de punir este crime com severidade atualmente porque há muita, mas muita gente a conduzir nas nossas estradas com... sem carta. Não é já só aqui, é em todo o lado. E cometem-se lesões graves. A... lesões gravíssimas. Para além de mortes, outras que ficam, as pessoas, incapacitadas para o resto da vida. Eu tenho agora um... vou proferir decisão brevemente. Uma pessoa que ia a conduzir um veículo automóvel e ceifou uma perna a outro aqui no …. E, portanto, teve que ser amputado. E, portanto, e pedem-me uma pensão de alimentos. De alimentos... de arbitramento de alimentos provisórios, pronto. A... equiparada. E, portanto, isto também para dizer que o senhor como confessou vai condenado pelos factos que se dão como provados constantes da acusação e a... e também dou como provados todos os factos relativos às suas condições pessoais. Portanto, trabalha numa empresa de trabalho temporário, auferindo cerca de 600 a 700 euros por mês, a... vive com a mãe e com o irmão, tem o apoio do pai, a... e, pronto, e que... e... e que tem este antecedente criminal que é o mais relevante para esta decisão. Que é a segunda vez que vem aqui. Incorre numa pena que vai até duzentos e quarenta dias e daí que haja aqui uma margem ainda para aplicar-lhe a multa. A... e também pelo porte da viatura que não se trata de um automóvel. É uma mota... é uma mota?

Arguido:

Sim, sim. É uma mota.

Juiz de Direito:

Uma mota que muitas vezes até quem fica lesado não é um terceiro, mas sim o próprio. Mas se fosse... se fosse um carro, a... também se desconhece que aqui em princípio não houve lesões. Lesões a terceiros.

Arguido:

Hum, hum.

Juiz de Direito:

Agora, o que é certo é que como isto está, como isto está, como em Portugal está a conduzir-se de uma... de... de... atualmente, de uma forma ilegal, exponencial, eu não sei se não (impercetível) à segunda vez aplicar uma pena de prisão suspensa e à terceira efetiva. Porque as pessoas têm que tirar a carta para conduzir. Aqui é um motociclo, ainda fica assim. E, portanto, vai condenado na pena que foi sugerida pelo Ministério Público. Cento e sessenta dias de multa à taxa diária aqui, de encontro atualmente às suas condições económicas, de 5 euros o que perfaz o montante de 800 euros. A. . vai também pagar as custas do processo que se fixam, embora haja aqui um apoio judiciário, que depois terá que ser-se tido em conta... a... a... a final, e... e..

e, pronto, a... mas são sempre reduzidas porque confessou. A. determino, face à juventude do arguido que não se... não se transcreva esta decisão para efeitos laborais no registo criminal, a... e depois será depositada a sentença. Notifique e... e comunique ao IMT e à... à Autoridade para a Segurança Rodoviária Nacional. E o crime é o que vem acusado. O crime é uma condução ilegal, uma condução sem carta de motociclo, já é punido pelo artigo 3º nº 2 deste decreto-lei que pune este tipo de crimes. E eu espero que isto não volte a acontecer. Mas eu espero mesmo, mesmo, mesmo que não volte a acontecer. E o senhor sabe porquê. Porque isto é... este crime comete se muito. Os Tribunais têm que começar a ter mão pesada. E causam lesões a terceiros graves e... e, pronto. E é por isso que eu espero que efetivamente isto não volte a acontecer.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A (única) questão a decidir no presente recurso é se deve ou não ser transcrita a condenação no registo criminal.

B. Decidindo.

Segundo o recorrente, a decisão impugnada viola o n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05.05.

Vejamos o teor de tal disposição:

1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º.

Do exposto resulta claramente que estão previstos 3 requisitos para que se possa decidir na sentença ou em despacho posterior [pela] não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º, dois formais e um substancial.

Assim:

(i) Importa que a condenação tenha sido em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;

(ii) Importa que o(a) arguido(a) / condenado(a) não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;

(iii) Importa que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

Consta-se que o arguido, nos presentes autos, foi condenado numa pena de multa, mostrando-se, consequentemente, preenchido o primeiro dos mencionados requisitos (formais).

Constam do certificado de registo criminal do arguido duas condenações, uma pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade praticado em 04.06.2019, numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão com execução suspensa, tendo essa pena sido declarada extinta em 20.09.2022 e outra pela prática de um crime de condução sem habilitação legal praticado em 06.12.2022, numa pena de 110 dias de multa à taxa diária de € 6,00.

Do exposto flui que uma das condenações anteriores do arguido foi por crime “da mesma natureza”, pelo que, notoriamente, o segundo requisito (formal) não mostra preenchido.

Considerando, como acertadamente alega o MP nas conclusões de recurso, que os requisitos são cumulativos, mostra-se desnecessário avaliar da integração do 3.º requisito, ou seja, se, das circunstâncias que acompanharam o crime praticado nos presentes autos se poderá induzir perigo de prática de novos crimes.

Consequentemente, não pode subsistir a decisão recorrida neste segmento decisório que, assim, se revogará, procedendo o recurso.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar na parte em que determinou a não transcrição da sentença no registo criminal para efeitos laborais, devendo comunicar-se, para realização da competente inscrição, a mesma ao registo criminal.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.