Só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
I – RELATÓRIO
1. No Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo comum, perante Tribunal singular, após acusação do Ministério Público, que lhe imputou a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal.
2. Por sentença de 8 de fevereiro de 2024, foi decidido:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente e em conformidade decide:
a) Condenar o arguido AA, pela prática, em 23 de outubro de 2022, de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), no montante total de 770,00€ (setecentos e setenta euros).
b) Condenar o arguido AA, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 5 (cinco) meses.
*
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC.
*
Adverte-se o arguido de que:
1) Em conformidade com o acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2013, fica notificado para, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, proceder à entrega da sua carta de condução ou qualquer outro título que o habilite a conduzir, na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial (arts. 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e sem prejuízo da possibilidade de apreensão da mesma (art. 500.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
2) caso não cumpra a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses em que foi condenado, pode incorrer na prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal.
*
Deposite e notifique. Notifique o arguido julgado na ausência, da presente sentença, por contacto pessoal do órgão de policia criminal, solicitando ainda que, caso o arguido comunique nova morada, que preste novo termo de identidade e residência
*
Após trânsito em julgado da sentença: - remeta boletins ao registo criminal, ao abrigo do disposto no art. 374.º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal e art. 6.º, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio; - comunique a pena acessória aplicada à ANSR e ao IMT, ao abrigo do disposto no art. 69.º, n.º 4 do Código Penal e 500.º, n.º 1 do Código de Processo Penal; - comunique a pena acessória aplicada ao órgão de polícia criminal da área de residência do arguido, com vista à fiscalização do seu cumprimento. * Medidas de coação: a medida de coação de termo de identidade e residência apenas se extingue com o cumprimento da pena, nos termos do art. 214.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal..”
3. Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo a modificação da decisão do Tribunal a quo nos seguintes termos: “deverá a douta Sentença ora recorrida, que condenou em excesso, ser revogada e substituída por outra que, reduzindo a pena principal e acessória, quer nos dias de Multa, quer na taxa diária, como nos dias de inibição de exercer a condução, condene o Arguido, ora Recorrente, em Multa e sanção acessória, próximas dos limites mínimos, por haver fundamento bastante para tal, assim merecendo provimento o presente Recurso.”.
Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1º - Regras básicas da aplicação de penas, justificam que, a Arguido que comete o crime sem que, anteriormente, tenha sido condenado por outro, da mesma natureza, seja aplicada pena concreta coincidente com o mínimo legal, o que o douto Tribunal “a quo” não considerou, e que será considerado em sede de Recurso, que temos por merecedor de provimento.
2º - Por outro lado, a frágil condição económica do Arguido, que aufere ordenado mensal correspondente ao mínimo nacional, justifica que a Taxa diária da Multa coincida com o mínimo, não devendo ser superior a € 5,00 por dia, sem o que a condenação se revela excessiva.
3º - Acresce que a TAS não sendo especialmente elevada, também justifica a aproximação das penas concretas do mínimo legal abstracto, conforme é Jurisprudência pacífica dos Tribunais de Primeira Instância.
4º - Perante os factos, revelam-se excessivas, e a reduzir, a aplicação de 110 dias de Multa, quando o máximo são 120 dias, e, perante todo o circunstancialismo, excessiva será a condenação superior a 50 dias, à taxa diária não superior a € 5,00, como excessiva é a inibição de conduzir, quando o mínimo, para o primário, ora Recorrente, que depende do seu trabalho, se fica pelos, penosos, 3 meses.
5º - Ao decidir conforme resulta da douta Sentença de Fls, condenando em excesso, quando deveria ter condenado o ora Recorrente em não mais de 50 dias de Multa, à taxa diária de € 05,00, e na inibição de exercer a condução durante 3 meses, como é de Justiça, violou, o douto Tribunal “a quo”, o disposto nos artigos 40º e 71º-2 do Código Penal, pelo que, merecendo provimento, o presente Recurso, se deverá revogar a douta Sentença de Fls, a substituir por outra que condene o ora Recorrente em penas, principal e acessória, coincidentes com o limite mínimo abstracto...”.
4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência. Não formulou conclusões.
6. Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto, secundando a resposta ao recurso apresentada em primeira instância, apresentou parecer no sentido da improcedência do recurso.
7. Notificado do parecer, não veio o arguido/recorrente apresentar resposta.
8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos –, as questões a examinar e decidir prendem-se com a determinação da medida concreta das penas (principal e acessória).
*
III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO.
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“(…)
2.1 – FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 23 de outubro de 2022, pelas 14h35m, na EN …, Km …, em …, …, o arguido conduzia o motociclo, marca …, modelo …, com a matrícula …, após ter ingerido bebidas alcoólicas, o que fazia com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,84g/l, correspondente à TAS registada de 2,11g/l, deduzido o erro máximo admissível de 0,27g/l.
2. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi interveniente em acidente de viação, que consistiu num despiste.
3. O arguido bem sabia que a quantidade e qualidade das bebidas alcoólicas que ingeriu antes de encetar o exercício da condução determinar-lhe-iam uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, não se abstendo, ainda assim, de conduzir o referido motociclo na via pública, o que quis e efetivamente fez.
4. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.
*
5. O arguido consta como trabalhador na empresa …, com remuneração registada no mês de dezembro de 2023, no valor de 886,66€.
6. O arguido sofreu já as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) no Processo n.º 409/21.6…, foi condenado por sentença transitada em julgado em 30/09/2022, pela prática, em 17/09/2018, de um crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelos arts. 255.º, n.º 1, al. e) 256.º, n.º 1 do Código Penal, e de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348.º-A, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, no montante global de 1.100,00€
b) no Processo n.º 132/22.4…., foi condenado por sentença transitada em julgado em 16/01/2023, pela prática, em 12/07/2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no montante global de 400,00€; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 4 meses. A pena de multa foi declarada extinta em 27/01/2023 e a pena acessória foi declarada extinta em 05/04/2023.
*
2.2 – FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
*
2.3 – MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a convicção da matéria de facto no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada criticamente, segundo as regras de experiência e o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal. Concretizando, foram valorados:
- o auto de notícia de fls. 5 e 6;
- o aditamento à participação do acidente de viação, de fls. 7;
- o relatório de exame químico toxicológico, de fls. 8;
- o registo de propriedade do motociclo, de fls. 44;
- a pesquisa efetuada na base de dados da Segurança Social em 01.02.2024;
- o certificado de registo criminal junto aos autos em 25.01.2024.;
- e o depoimento da testemunha BB.
*
Produzida a prova foi desde logo valorado o depoimento da testemunha BB, militar da GNR o qual foi chamado ao local dos factos e elaborou o auto de noticia de fls. 5 e 6 e o aditamento à participação de acidente de viação de fls. 7, cujo teor e assinatura confirmou em sede de audiência de discussão e julgamento. Posto isto, atento o depoimento da testemunha, o qual se mostrou desinteressado, escorreito e coerente, conjugado com o teor do auto de notícia de fls. 5 e 6, o aditamento à participação de acidente de viação, junto a fls. 7, o registo de propriedade do motociclo com a matrícula …, junto a fls. 44, dúvidas não subsistiram quanto à ocorrência dos factos dados como provados em 1 e 2.
Sobre a consciência e vontade do arguido, apesar de saber que a conduta era proibida e punida por lei (facto provado em 3 e 4) extraiu-se manifestamente do circunstancialismo dado como provado, conjugado com as regras de normalidade.
Quanto às condições socioeconómicas (facto provado em 5), atendeu-se à pesquisa efetuada na base de dados da Segurança Social.
Finalmente, os antecedentes criminais (facto provado em 6) ficaram sustentados no teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
*
3 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Face à matéria provada, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
(…)
Face ao exposto, conclui-se que o arguido incorreu na prática, em 23 de outubro de 2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, do que vai condenado.
*
3.2 – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME
Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, impõe-se determinar a natureza e medida da sanção a determinar, tendo em consideração, nos termos do art. 40.º do Código Penal, que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Ora, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punível com pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou com pena de multa de 10 até 120 dias (arts. 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1 e 292.º, n.º 1 do Código Penal).
*
Da escolha da pena
Atendendo a que a moldura legal prevê, em alternativa, a pena de prisão ou a pena de multa, cabe, em primeiro lugar, escolher a espécie de pena a aplicar ao arguido.
Estatui o art. 70.º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente a proteção dos bens jurídicos (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva) - arts. 70.º e 40.º, n.º 1 do Código Penal. Quer isto dizer que “a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial” (Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado, 2001, pág. 234) e que a pena de prisão apenas é aplicável quando a não privativa de liberdade não seja apta a satisfazer as finalidades da punição.
No caso em vertente, as exigências de prevenção geral são elevadas atentos os também elevados índices de sinistralidade rodoviária nas estradas portuguesas, bem como a gravidade das consequências que lhe estão associadas. Por outro lado, as exigências de prevenção especial não se mostram ainda elevadas, uma vez que, atenta a data dos factos, pese embora o arguido conte com um antecedente criminal no predito processo n.º 409/21.6…, foi ali condenado pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento e de um crime de falsas declarações, ou seja, pondo em causa bens jurídicos de natureza diversa do bem jurídico protegido pelo crime de que aqui vai condenado.
Em face de tais considerações, opta-se pela pena de multa por ser suscetível de dar satisfação às necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.
*
Da medida concreta da pena
Conforme estatuído no art. 40.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, as finalidades da punição prendem-se com a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A determinação da medida concreta da pena, diz-nos o art. 71.º, n.º 1 do Código Penal, é feita dentro dos limites da moldura abstrata do crime, em função da culpa do agente, das necessidades de prevenção geral e especial e para o efeito, o tribunal deverá ponderar todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, deponham a favor ou contra o arguido (art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal), circunstâncias que, no n.º 2, se encontram enumeradas de forma exemplificativa.
Deste modo apurar-se-á um limite máximo constituído pela culpa, a qual funciona como limite inultrapassável da pena (cfr. art. 40.º, n.º 2 do Código Penal), enquanto o limite mínimo deverá ser encontrado numa medida de pena que corresponda à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização das expetativas comunitárias na validade da norma violada. A medida concreta será depois determinada em função das exigências especiais com vista à ressocialização, reinserção do agente na sociedade e no Direito.
Conforme ensina Figueiredo Dias, e assente que a culpa constitui sempre o limite inultrapassável, “há uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”. “Mas, abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde, portanto, a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar”. “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídico – podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, págs. 79 a 82).
Impõe-se por isso analisar os parâmetros enunciados nos art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, dando prevalência à culpa – enquanto limite inultrapassável da pena a aplicar – e atendendo às exigências de prevenção, bem como à ocorrência de circunstâncias atenuantes ou agravantes exteriores à tipicidade.
*
As necessidades de prevenção geral no caso concreto são especialmente elevadas, tendo em conta que a ingestão de álcool diminui a aptidão do condutor para conduzir, contribuindo assim para os elevados índices de sinistralidade nas estradas portuguesas, com a gravidade das consequências que lhe estão associadas.
Com efeito, entre janeiro e novembro do ano de 2021, em Portugal continental registaram-se 26317 acidentes, com 357 vítimas mortais e 1911 feridos graves. A criminalidade rodoviária atingiu 23200 condutores, dos quais 46,3% correspondeu a condução sob efeito de álcool (conforme relatório de novembro de 2021, elaborado pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária).
Assim, mostram-se prementes as necessidades de consciencializar a comunidade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária, a necessidade de reafirmar a validade da norma jurídica violada e ainda como meio de dissuasão da comunidade para a prática de ilícitos idênticos.
No que respeita às necessidades de prevenção especial, importa considerar os seguintes elementos que depõem a favor e em desfavor do arguido:
- Atenuantes: o acidente de viação em que o arguido esteve envolvido consistiu num despiste, e não numa colisão com terceiros; além de se encontrar profissionalmente inserido.
- Agravantes: o grau de ilicitude, dado que o arguido apresentava taxa de álcool no sangue de, pelo menos, de 1,84 g/l; foi interveniente em acidente de viação; encontrava-se a conduzir veículo motorizado, o que confere maior perigosidade ao ato de conduzir na via pública; tem um antecedente criminal, tendo sido condenado no processo n.º 409/21.6… pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelos arts. 255.º, n.º 1, al. e) 256.º, n.º 1 do Código Penal, e de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348.º-A, n.º 1 e 2 do Código Penal; e ademais, pese embora não revele como antecedente criminal, atenta a data de trânsito em julgado da sentença, certo é que no âmbito do processo n.º 132/22.4… foi condenado pela prática, em 12/07/2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, igual ao destes autos e que releva como conduta anterior violadora do mesmo bem jurídico.
Assim ponderado, e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, entende-se por justo e adequado aplicar uma pena de 110 (cento e dez) dias de multa.
Quanto ao quantitativo diário da pena de multa (entre 5,00€ e 500,00€) é o mesmo fixado em função, exclusivamente, da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (art. 47.º, n.º 2 do Código Penal).
Dito isto, da factualidade provada resulta que o arguido labora, tendo auferido no mês de Dezembro de 2023 a remuneração de 886,66€, razão pela qual se fixa o quantitativo diário no valor de 7,00€ (sete euros).
*
Da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor
Dispõe o art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: (…) por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º”.
Ora, por um lado as penas acessórias pressupõem a condenação do agente numa pena principal pela prática de um ilícito criminal. Por outro lado, não se afiguram como consequência automática dessa condenação (art. 65.º, n.º 1 do Código Penal e 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa), mantendo a sua autonomia.
Enquanto penas que são, “ligam-se, necessariamente, à culpa do agente; justificam-se do ponto de vista preventivo; e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos no artigo 71.º do Código Penal” (Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2020, pág. 35).
Assim, dentro da moldura abstrata, cabe ao Tribunal determinar a medida concreta aplicável através dos critérios gerais fixados no art. 71.º do CP, isto é, em função das necessidades de prevenção geral e especial, tendo como limite a culpa.
No caso dos autos, importa ter em consideração que a taxa de álcool no sangue do arguido que já era de pelo menos 1,84 g/l, a culpa do arguido, as exigências de prevenção geral elevadas atenta a elevada sinistralidade rodoviária, bem como o que já ficou expresso sobre as reduzidas exigências de prevenção especial positiva.
Face ao exposto, considera-se adequado, condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 5 (cinco) meses. (…)”.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO.
Como aliás resulta da sua motivação de recurso, não pretendeu o arguido colocar em questão a factualidade dada como provada, a motivação apresentada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão nessa matéria, bem como a subsunção dos seus comportamentos na autoria material do crime em causa.
O recurso visa apenas a modificação da decisão condenatória para que as penas aplicadas possam ser outras (encurtadas), manifestando o entendimento de que seria adequada a substituição das penas determinadas por outras, coincidentes com o mínimo legal abstratamente previsto.
Vejamos.
Sendo o recurso restrito à matéria de direito e não havendo nulidades a conhecer nem resultando do texto da sentença recorrida qualquer dos vícios enumerados no art. 410º do Código de Processo Penal, inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante da mesma, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto nela dada como provada.
Uma vez que, em face dessa factualidade, não se suscitam dúvidas sobre ter-se o arguido constituído autor material do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, importa, então, apreciar se, relativamente às penas, a determinação da medida concreta das mesmas efetuada pelo Tribunal a quo se mostra acertada ou se deverá ser corrigida por decisão deste Tribunal de recurso.
*
O recorrente impugna a determinação concreta da medida das penas, argumentando que o Tribunal a quo não atendeu à ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza, bem como à frágil condição económica do recorrente. Considera, ainda, que a TAS revelada não é “especialmente elevada”.
O Tribunal a quo entendeu fixar em 110 (cento e dez) os dias de multa a aplicar, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), assim perfazendo a multa total de 770,00€ (setecentos e setenta euros). Por outro lado, entendeu fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em 5 (cinco) meses.
No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser moderada e seguir a jurisprudência enunciada, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão daquele Tribunal Superior de 27/05/2009 (1), no qual se considerou: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).
Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
De tal resulta que, se as penas fixadas na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelarem proporcionadas e se mostrarem determinadas no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverão ser objecto de qualquer correcção por parte do tribunal de recurso.
Na apreciação da decisão do Tribunal a quo, importará atentar na circunstância de o Tribunal a quo ter atentado de forma adequada no grau de ilicitude dos factos (“o grau de ilicitude, dado que o arguido apresentava taxa de álcool no sangue de, pelo menos, de 1,84 g/l; foi interveniente em acidente de viação; encontrava-se a conduzir veículo motorizado, o que confere maior perigosidade ao ato de conduzir na via pública”).
Neste particular aspecto, importa discordar da muito subjectiva apreciação que o recorrente faz, quando considera que TAS revelada não é “especialmente elevada”.
Como bem se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de Relação de Lisboa de 13.07.2016, “O álcool na condução rodoviária é uma praga que os portugueses têm de erradicar, como já aconteceu noutros países Quando a alcoolemia atinge 0,5 g/l (gramas de álcool por litro de sangue), limite, em geral, máximo permitido pela lei portuguesa, sem penalidade ao condutor, o risco de acidente, a partir desta taxa, duplica; com 1,0 g/l a taxa de acidente sobe para seis vezes mais. Com 1,5 g/l, o risco é de vinte e cinco vezes superior ao risco do condutor sóbrio, consciente e civicamente responsável. É consabido que o risco de envolvimento em acidentes dispara a partir do limite legal de 0,5 gramas de álcool por litro de sangue, e que a Taxa de alcoolemia superior a 2,0 g/l pode aumentar em 80 vezes o risco de acidente. Existe consenso entre os especialistas que os acidentes de viação constituem nos tempos que correm uma verdadeira epidemia no mundo moderno tal a sua magnitude, representando uma das maiores causas de morbidade e mortalidade especialmente entre os jovens, com as suas graves consequências para o conjunto da Sociedade. O álcool prejudica a habilidade para conduzir veículos pelos seus efeitos no sistema nervoso central atuando como um anestésico geral, tornando lenta e menos eficiente a aquisição e o processamento de informações. Compromete a capacidade de distribuir a atenção entre as diversas tarefas e objetos na condução de um veículo motorizado. O álcool compromete ainda as mais variadas funções, cuja integridade é essencial para a condução de um veículo motorizado com a de vida segurança, tais como: o sistema motor ocular; a visão periférica, o processamento de informações; a memória; a performance; a função vestibular e controlo da postura, o que propicia a ocorrência de acidentes. Na verdade, dos vários efeitos causados pelo álcool os principais são os relacionados com a perda de capacidade sensorial face ao meio envolvente, onde a capacidade de atenção e concentração são seriamente afetadas. Na realidade, a perceção visual fica mais reduzida, por distorção de imagem, o que provoca uma incapacidade correta de avaliação quer das distâncias quer das velocidades. Também o tempo de recuperação após um encadeamento é maior, o que aliado ao estreitamento do campo visual resulta numa mistura explosiva para se dar o acidente”. (2)
Também na jurisprudência desta Relação de Évora encontramos contributos para se afastar a ideia de que a TAS de 1,84 g/l não é especialmente elevada. Nesse sentido poderá consultar-se o douto Acórdão de 9 de maio de 2023, onde sobre o “universo” da TAS se escreveu:
“Este último merece explicitação prévia.
A taxa de álcool no sangue é a quantidade de álcool existente no sangue de um indivíduo em determinado momento e expressa-se em gramas de álcool por litro de sangue [g/l]. A TAS depende (i) do tipo e da quantidade de bebida ingerida, (ii) do momento de absorção dessa bebida – jejum, às refeições, fora das refeições, (iii) ritmo de ingestão, (iv) peso e sexo do indivíduo e (v) estado de saúde e estado de fadiga. Com os atuais conhecimentos da ciência, pode ter-se como seguro que:
Ø entre 0,1 a 0,3 g/l de álcool no sangue ocorre sobriedade – o álcool ingerido não tem influência aparente;
Ø entre 0,3 a 0,9 g/l de álcool no sangue ocorre euforia, perda de eficiência, diminuição da atenção, diminuição do discernimento e diminuição do controlo;
Ø entre 0,9 a 1,8 g/l de álcool no sangue ocorre excitação, instabilidade das emoções, descoordenação muscular, diminuição da inibição e ausência do julgamento crítico;
Ø entre 1,8 a 2,7 g/l de álcool no sangue ocorre confusão, vertigens, desequilíbrio, dificuldade na fala e distúrbios sensoriais;
Ø entre 2,7 a 4,0 g/l de álcool no sangue ocorre estupor, apatia e inércia geral; também se registam vômitos, incontinência urinária e fecal;
Ø entre 4,0 a 5,0 g/l de álcool no sangue ocorre coma, inconsciência, anestesia;
Ø Acima dos 5,0 g/l de álcool no sangue ocorre morte por paragem respiratória.” (3)
Tendo em devida conta estas considerações, que subscrevemos e fazemos nossas, não podemos secundar o entendimento da defesa. Como se mencionou na decisão recorrida o grau de ilicitude revelado, designadamente pela TAS exibida, é acentuado e não pode deixar de funcionar como circunstância de valor agravante da responsabilidade do arguido.
Por outro lado, o Tribunal sopesou adequadamente o comportamento do arguido anterior aos factos e, designadamente, os seus antecedentes criminais (“tem um antecedente criminal, tendo sido condenado no processo n.º 409/21.6… pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelos arts. 255.º, n.º 1, al. e) 256.º, n.º 1 do Código Penal, e de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348.º-A, n.º 1 e 2 do Código Penal; e ademais, pese embora não revele como antecedente criminal, atenta a data de trânsito em julgado da sentença, certo é que no âmbito do processo n.º 132/22.4… foi condenado pela prática, em 12/07/2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, igual ao destes autos e que releva como conduta anterior violadora do mesmo bem jurídico.”). Nenhuma razão tem a defesa quando argumenta que o Tribunal a quo não apreciou corretamente o comportamento pretérito do arguido.
O Tribunal a quo não considerou contra o arguido qualquer circunstância do passado que não se tivesse verificado à data da prática dos factos. O Tribunal considerou que o arguido praticou os factos deste processo em 23 de outubro de 2022, depois de em 12 de julho de 2022 ter cometido os factos que, mais tarde determinariam a sua condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez nº âmbito do processo 132/22.4…. Necessária e logicamente, os factos dos presentes autos foram cometidos pouco mais de três meses depois de o arguido ter sido alvo de fiscalização enquanto condutor e submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue. Os factos foram praticados sabendo o arguido que, contra si, estava pendente processo criminal cujo objeto era a condução em estado de embriaguez. O Tribuna ponderou, e bem, a conduta anterior violadora do mesmo bem jurídico. As objeções do arguido recorrente não merecem qualquer tipo de acolhimento, desde logo porque o Tribunal, de forma irrepreensível, afastou a possibilidade de se considerar a condenação no âmbito do processo 132/22.4… como um antecedente criminal – jamais o Tribunal disse que o arguido fora condenado por crime da mesma natureza antes da prática dos factos, tendo pelo contrário sublinhado que o trânsito em julgado dessa condenação é posterior aos factos.
O que a defesa pretende é que se equipare a situação do arguido à situação de alguém que anteriormente não violara o bem jurídico protegido pela norma penal, aplicando as penas no seu mínimo. Mas essa pretensão não merece qualquer acolhimento, perante a óbvia diferença que se regista. Na consideração do comportamento anterior aos factos, não pode ignorar-se o facto ocorrido em 12 de julho de 2022 e, por essa circunstância, jamais se justificaria a aplicação de pena concreta coincidente com o mínimo legal.
Por outro lado, muito embora relacionados com crimes de diversa natureza, certo é que o recorrente registava antecedentes criminais à data da prática dos factos. Essa condenação anterior constitui circunstância – fora já condenado pela prática de dois crimes e essa circunstância não foi alvo de qualquer apreciação desajustada pelo Tribunal a quo que, como é inegável, não podia fechar os olhos à mesma.
Devemos, ainda, sublinhar que o Tribunal a quo não atribuiu especial relevância agravante ao grau de culpa do arguido. Mas essa circunstância, a ser relevada, não deixaria de ter efeito agravativo. Note-se que se provou:
“3. O arguido bem sabia que a quantidade e qualidade das bebidas alcoólicas que ingeriu antes de encetar o exercício da condução determinar-lhe-iam uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, não se abstendo, ainda assim, de conduzir o referido motociclo na via pública, o que quis e efetivamente fez.
4. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.”.
O arguido atuou com dolo directo, ou seja, na modalidade do dolo que representa um maior desvalor jurídico-social e o maior grau de censura jurídico-penal.
Ao contrário do que afirma a defesa, não ignorou o Tribunal a quo a situação económica do arguido.
Considerou o Tribunal a quo, com valor atenuante, a circunstância de o arguido se “encontrar profissionalmente inserido”. Por outro lado, na fixação do quantitativo diário da pena de multa (entre 5,00€ e 500,00€), ponderou o Tribunal recorrido que “o arguido labora, tendo auferido no mês de Dezembro de 2023 a remuneração de 886,66€”, tendo em face disso fixado o quantitativo diário no valor de € 7,00 (sete euros).
Perante as considerações tecidas, não pode deixar de concluir-se que o Recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de não ter tomado em devida conta as circunstâncias relevantes a que faz apelo. Tomou essas circunstâncias em adequada conta, tal como as demais relevantes.
A pena de multa foi adequadamente fixada, não tendo o Tribunal a quo deixado de considerar qualquer circunstância atenuante de relevo no caso concreto. Foi fixada a medida concreta da pena de multa correspondente ao crime de condução em estado de embriaguez cometido em ponto próximo do máximo aplicável, é certo. Mas sendo esta a terceira condenação do arguido, e tendo o mesmo anteriormente sofrido a aplicação de três penas de multa, pela prática de três crimes, mostra-se plenamente justificado o doseamento, naquela que poderá muito bem ser a derradeira situação em que a preferência por pena não privativa da liberdade se deve considerar ainda suficiente para atingir os fins das penas.
Efetivamente, ponderou o Tribunal recorrido todos os fatores relevantes (e não apenas aqueles a que o recorrente apela quando pretende a redução da punição), fazendo-o de forma adequada e equilibrada. Ponderados todos os contornos do caso concreto, não se surpreende qualquer razão válida para justificar uma reação penal mais branda perante os atos do recorrente.
As circunstâncias provadas foram consideradas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, em moldes que não nos merecem qualquer censura. Tendo sido considerados todos os fatores relevantes, não assiste razão ao recorrente, não tendo o Tribunal a quo deixado de ponderar devidamente tudo o que se provou e não se vislumbrando qualquer justificação para o abrandamento da reação penal.
Assim sucede, também, no que se reporta à fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa.
Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de março de 2017 (4),
“Relativamente às regras de fixação da taxa diária da pena de multa, dada a técnica usada pelo legislador num primeiro momento há que quantificar a pena de multa a aplicar ao caso, determinada segundo os critérios estabelecidos no art. 71º, e depois fixar a respectiva taxa diária.
E quanto a isto a lei apenas diz, no nº 2 do art. 47º do Código Penal, que cada dia de multa corresponde uma quantia entre 5 e 500 €, «que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».
Sobre o silêncio da lei quanto à fixação de critérios sobre a fixação da taxa diária da multa diz Figueiredo Dias que ele «só pode significar … o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes. É seguro que deverá atender-se … à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte … Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro … e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta … rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação …» […].
Ou seja, o tribunal tem que atender à situação presente para adequar a pena de multa de modo a não fixar uma pena nem que seja de cumprimento impossível, nem que se traduza numa quase absolvição: se o montante for desajustado porque demasiado elevado o que resulta é que o condenado não poderá, simplesmente, cumprir, mesmo que nisso faça questão; se for demasiado baixo o cumprimento da pena não gera nem sacrifício, nem desconforto, e acaba por não se fazer sentir.
A pena, qualquer que seja a óptica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é implica sacrifício, relevante à função preventiva e retributiva. E por isso que mesmo pessoas carenciadas são passíveis de condenação em pena de multa. Defender tese diferente redundaria ou na defesa da aplicação de pena detentiva, o que evidentemente não pode ser, ou numa situação de dispensa de pena, que também não é defensável.”
No caso concreto, no que à situação económica e financeira do arguido respeita, o Tribunal a quo deu como provado que o arguido se encontra profissionalmente ativo, auferindo um rendimento mensal próximo de € 900.
Das circunstâncias apuradas pode extrair-se a conclusão de que, não vivendo uma situação desafogada, o arguido também não é um indigente - considerando que o mínimo legal diário da taxa da multa se cifra em 5 €, ponderando o que se demonstrou quanto à sua situação económica e financeira e, por outro lado, tendo em mente que mesmo no recurso não foi invocado qualquer fundamento concreto demonstrativo de que os 7,00 € fixados são desproporcionais à sua situação económica, devemos concluir pela adequação da fixação da taxa diária.
Concluímos, pois, pela manifesta improcedência do recurso no que se reporta à fixação da concreta pena principal.
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Improcedente é também a pretensão do arguido de ver reduzida a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que lhe foi aplicada.
Tal como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.165, a graduação da medida concreta da pena acessória obedece aos mesmos critérios da pena principal e dela se espera que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente.
Só por aqui já se nota a falta de fundamento do recurso, quando considera excessiva a medida da pena acessória que lhe foi aplicada, não muito distante do limite mínimo abstrato (que corresponde a três meses), ao contrário do que sucedeu com a medida da pena principal, que até foi aplicada bem próximo do máximo da moldura abstrata aplicável.
Com efeito, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas, também, de defesa contra a perigosidade individual – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de maio de 2015 (Processo n.º 915/14.9SGLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também ao estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.
Podemos, assim, e desde já, afirmar que, e contrariamente ao entendimento do recorrente, a sentença recorrida ponderou, de forma rigorosa, todas as circunstâncias factuais e pessoais, procedendo à determinação da medida concreta da pena acessória, em estrito cumprimento do estabelecido nos artigos 69º, 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, não deixando de ter em vista as exigências subjacentes à aplicação da pena e as finalidades visadas pelo legislador ao estabelecer a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, quando em causa se encontra a prática de determinado tipo de ilícitos, ao considerar as elevadíssimas exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que os ilícitos rodoviários ocorrem, e, por outro lado, as de prevenção especial.
A ilicitude dos factos é elevada, como supra se referiu. Por outro lado, são elevadíssimas as exigências de prevenção geral associadas ao caso, como se sublinhou na douta sentença recorrida.
Não pode o Tribunal alhear-se do elevado índice de sinistralidade rodoviária - as expectativas comunitárias na estabilização contrafáctica da norma jurídica violada são elevadíssimas. De facto, a sinistralidade rodoviária, seja por razões imputáveis à condução de veículos em estado de embriaguez, seja pelo excesso de velocidade, pela condução de veículos sem habilitação legal ou pela realização de manobras perigosas, com grave desrespeito pelas regras de circulação rodoviária, mantem-se com números aterradores, com consequências nefastas que registam, diariamente, números surpreendentes de feridos graves e mortos. Tal só pode ser naturalmente explicável por um sistemático desrespeito das regras disciplinadoras da circulação rodoviária a que urge pôr termo, de que o caso dos autos é um exemplo paradigmático.
Tendo em conta estas legitimas preocupações do julgador, perante as elevadíssimas exigências de prevenção geral associadas ao caso, e mesmo considerando, como fez o Tribunal a quo, ser reduzida a expressão das necessidades de prevenção especial, não se poderia lançar mão de maior benevolência do que a usada no caso concreto.
Como dissemos antes, a proibição de conduzir constitui uma pena. A determinação do seu quantum deve, antes de mais, respeitar as finalidades das penas.
A respeito destas finalidades, refere o Professor Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do crime, pg. 227:
“As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”, sendo que, “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos”. – in ob. cit., pp. 230 e 231.
Do que assim se considera, resulta que a tutela dos bens jurídicos, ou seja, a tutela por parte do ordenamento jurídico-criminal dos valores protegidos pela norma jurídica violada, adquire relevância primordial na pena a aplicar, pena esta sempre contida nos limites da culpa, só entrando em linha de conta, depois, as razões de socialização do agente, o que resulta, desde logo, do teor do artigo 40º do Código Penal.
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Em suma: o Tribunal a quo usou da máxima benevolência, optando pela pena de multa que ainda considerou (e bem) revelar-se adequada como reação à conduta do arguido. Porém na determinação do quantum das penas a aplicar, não entendeu o Tribunal a quo (e, de novo, fez bem) que as penas concretas devessem coincidir com o limite mínimo das molduras penais abstratas - estando em causa a condução com uma TAS muito significativa, tal modelo de fixação das penas revestir-se-ia de uma benevolência socialmente inaceitável. A determinação e aplicação concreta das penas, não é só uma mensagem dirigida ao arguido condenado. A comunidade está atenta ao que os Tribunais decidem e, quando os comportamentos ferem de forma muito relevante o sentir coletivo, não compreende e, por isso, não aceita, o uso de excessiva benevolência.
A pretensão do recorrente de ver a medida da pena acessória fixada no seu limite mínimo não pode, igualmente, proceder, sendo que nenhuma disposição legal foi preterida ou violada com a sentença proferida, antes se devendo considerar que a mesma ponderou, de forma cuidada e rigorosa, todos os elementos e factos constantes nos autos, procedendo a uma apreciação de todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido e determinando, em rigoroso e estrito cumprimento das normas legais e constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, a medida da pena a aplicar.
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V. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
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Tributação.
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
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D.N.
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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).
Évora, 24 de setembro de 2024
Jorge Antunes (Relator)
J. F. Moreira das Neves (1º Adjunto)
Laura Goulart Maurício (2ª Adjunta
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1 Cfr. Ac. Do STJ de 27 de maio de 2009 – Relator: Conselheiro Raúl Borges; acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e11c50996991c5df802575f20052ae77?OpenDocument
2 Cfr. Ac. Relação de Lisboa de 13.07.2016 - Relator Rui Gonçalves – acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3c9ed319cd6473ba80257ff1003600bf?OpenDocument
3 Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 9 de maio de 2023 – Relatora: Ana Bacelar – acessível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0c6d3b187092e72d802589b80037117a?OpenDocument,
4 Cfr. Ac Rel Coimbra de 8 de março de 2017 – Relatora Olga Maurício – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/eeb89cd80abc0690802580df0050adad?OpenDocument