O crime de roubo é um delito complexo protegendo simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, contando-se, assim, entre os bens jurídicos ali protegidos a liberdade pessoal e a integridade, pelo que integra o conceito de criminalidade violenta, nos termos previstos no art.º 1º, al. j), do Código de Processo Penal, sendo, além do mais, punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão.
Com efeito, o crime de roubo previsto e punível no art.º 210º, nº 1 do Código Penal, é punível com uma pena de 1 a 8 anos de prisão, pelo que integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta” – quer pela descrição típica do ilícito, quer pelo limite máximo da pena abstractamente aplicável.
Como tal, as suas vítimas consideram-se “vítimas especialmente vulneráveis”, por força do nº 3 do artº 67º-A do CPP..
Saliente-se que foi o próprio legislador a prever, no nº 3 do artigo 67.º-A do CPP, que as vítimas de criminalidade violenta e especialmente violenta, como é o caso do crime de roubo simples, são sempre, consideradas “vítimas especialmente vulneráveis”.
Impõe-se, assim, concluir que o crime de roubo simples previsto no nº 1 do artº 210º do C.P. se encontra excepcionado do perdão de penas instituído pela Lei nº 38-A/2023, nos termos do seu artº 7º nº 1 al. g).
“§1- […]: Por acórdão, o qual procedeu ao conhecimento superveniente do concurso, datado de 6 de maio de 2024 e transitado em julgado em 21 de junho do mesmo ano, AA foi condenado pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 22º, 23º, 73º e 223º Código Penal, pela prática de seis (6) crimes de roubo, p. e p. pelo art.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, e pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.° 210.°, n.° 2, al. b), com referência ao art.° 204.°, n.° 1, al. f) do Código Penal, na pena única de sete anos de prisão.
No dia 1 de setembro de 2023 iniciou vigência a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, a qual estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (conferir artigos 1.º e 15.º).
Nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 a 3 de tal diploma, ficam abrangidas as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, sendo perdoado 1 ano de prisão a todas as penas concretamente aplicadas que sejam de prisão até 8 anos (mesmo em caso de revogação da suspensão da execução da pena), bem como as penas de multa até 120 dias (aplicadas a título principal ou em substituição de penas de prisão), a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, a pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e as demais penas de substituição (exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova).
São, ainda, objeto de amnistia as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa (conferir artigo 4.º).
Em qualquer caso, não haverá benefício de perdão ou amnistia em todos os crimes e situações enunciadas no artigo 7.º, do referido diploma legal.
Ora, é precisamente este o caso em apreço. O crime de extorsão e o crime de roubo agravado estão ambos, direta e explicitamente, excluídos do perdão, conforme previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) e ii), do referido diploma legal. E não desconhecendo jurisprudência em sentido contrário, o Tribunal entende que também o crime de roubo (simples) deve entender-se como excluído do perdão, já porque as vítimas são qualificadas como especialmente vulneráveis e, assim, o respetivo crime está excluído do perdão e abrangido pela alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, conjugadamente enquadrado com o disposto no artigo 67.º-A, n.º 1, alínea b), n.º 3 e artigo 1.º, alínea l), ambos do Código de Processo Penal – conferir acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 20.02.2024, no processo n.º 22/19.8GBTMR-A.E1, relator: FRANCISCO MOREIRA DAS NEVES, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10.01.2024, no processo n.º 485/20.9T8VCD.P2, relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28.11.2023, no processo n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, relatora: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO, todos disponíveis eletronicamente em dgsi.pt –; já porque a tanto não obsta os factos se reportarem a um momento anterior ao aditamento do artigo 67.º-A, do Código de Processo Penal pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, pois que os conceitos de criminalidade especialmente violenta e de vítima especialmente vulnerável preexistem à referida lei, seja por via da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, seja por via da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro – conferir acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19.03.2024, no processo n.º 846/12.7GACSC.L1-5, relator: JOÃO ANTÓNIO FILIPE FERREIRA, disponível eletronicamente em dgsi.pt.
Neste conspecto, relevados os sobreditos fundamentos, o Tribunal concorda com a douta promoção que antecede […], razão pela qual indefere o doutamente requerido.
Notifique e dê conhecimento ao Tribunal de Execução de Penas.
§2- […]: No mais, aguarde nos moldes doutamente promovidos.”
*
2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:
“A. Do teor do elemento literal do art. 7.º, n.º 1, al. b), i, da Lei n.º 38- A/2023, de 2/Ag., resulta que o roubo “simples” não foi excluído do perdão, por oposição ao crime de roubo agravado.
B. Também do teor do elemento lógico do disposto no art. 7.º, n.º 1, al. b), i., expressamente excluiu o roubo agravado, previsto pelo art. 210.º, n.º 2, do C.P., do âmbito do perdão;
C. O art. 7.º, n.º 1, al. b), insere-se numa lista de exclusões formais, determinados tipos objectivos de ilícito, considerados de maior danosidade ou alarme social, enquanto a al. g), , remete para conceitos substanciais , como a especial vulnerabilidade de certos pessoas e das suas circunstâncias.
D. Pelo que o reconhecimento do perdão de pena fundados em crime de roubo “simples”, previsto pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, decorre da letra e do espirito do legislador na construção da norma.
E. O despacho ora recorrido, remete para al. g) do nº 1 transcrito conjugadamente enquadrado com o disposto no artº 67º-A nº 1 al.b), nº 3 e art. 1º alínea l) , todos do C.P.P, e nesse enquadramento professa a exclusão do crime de roubo previsto e punido pelo nº 1 do artº 210º do Cód. Penal,
F. Não podemos aceitar tal entendimento que o legislador quis, intencionalmente, retirar este artº 210º, nº 1 do rol das referidas exclusões.
G. Porquanto da Lei de Amnistia ficou a constar a exclusão directa e expressa dos condenados por crimes de roubo do nº 2 do artº 210º do Cód. Penal.
H. Resulta De tudo isto que o legislador pretendeu claramente incluir nas exclusões do artº 7º apenas os crimes de roubo previstos no nº 2 do artº 210º do Cód. Penal, portanto, os «muito graves», precisamente aqueles que a sua alínea b) [do artº 210º, nº 2] remete para a valoração das circunstâncias referidas pelos números 1 e 2 do artº 204º do mesmo Cód. Penal, ou seja, as mesmas circunstâncias que qualificam o crime de furto, entre as quais se contam a introdução ilegítima em habitação (al. f) do nº 1 e al. e) do nº 2) e a utilização de arma (al. f) do nº 2).
I. Pois que se o entendimento fosse o referido na decisão ora recorrida o legislador da Amnistia ter-se-ia limitado, na referida alínea g), a remeter para a al. b) do nº 1 desse artº 67º-A tal só pode significar que não teve essas referências como limites do acto legislativo que estava a elaborar, ou seja, como vinculativas do conteúdo que pretendia dar ao normativo em analise.
J. Não se podendo retirar da referida alínea g) que o legislador da Lei de Amnistia quis abranger ali o exacto conteúdo do artº 67º-A e, por essa via, abranger na exclusão do perdão os condenados por crime de roubo previsto e punido pelo artº 210º, nº 1 do Cód. Penal, conforme interpretação feita no despacho recorrido.
K. Ou seja, a interpretação mais adequada face à natureza da medida de clemência prevista na Lei de Amnistia nº 38-A/23 de 02.08 e que resulta mais em harmonia com o pensamento do legislador subjacente à criação da norma, conforme resulta na documentação do processo legislativo que lhe esteve na base, e no texto da mesma Lei, é aquela precisamente aquela segundo a qual o condenado pela prática do crime de roubo previsto e punido pelo artº 210º, nº 1 do Cód. Penal não está excluído do perdão de pena previsto no artº 3º, nº 1 da referida Lei.
L. Competindo ao legislador a função de legislar, e não sendo caso que caiba no âmbito do nº 3 do artº 10º do Cód. Civil, partindo-se ainda da presunção do nº 3 do artº 9º do mesmo diploma, na interpretação da lei o julgador está vinculado ao princípio afirmado no nº 2 do referido artº 9º, razão pela qual, em face do exposto supra, se nos afigura que esta é a única interpretação admissível para a conjugação dos normativos supra citados da Lei de Amnistia.
M. Sendo que o despacho recorrido viola assim o disposto nos arts. , n.ºs 1 e 3, do Cód. Civil; art. 7.º, n.º 1, al. b), i, da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08.; art. 7.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 38- A/2023, de 2/Ag., quando conjugado com o art. 67.º-A, n.ºs 3, do C.P.P., e art. 1.º, al.s j) e l), do C.P.P.
N. Pelo que deverá ser declarado procedente o presente recurso e em conformidade revogar-se o despacho proferido e em sus substituição determinar perdoado um ano de prisão da pena que foi aplicada ao arguido nestes autos (artº 3º, nº 4 da citada Lei), sob a condição resolutiva imposta pelo artº 8º da mesma Lei.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, sendo aplicado ao recorrente o perdão de 1 ano à pena aplicada ao arguido que foi condenado.”
*
3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando no sentido de ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
“Concluindo, dir-se-á, pois, que:
1. O recurso interposto pelo arguido deverá improceder, uma vez que não lhe assiste razão.
2. O Tribunal a quo decidiu não conceder o perdão de um ano na pena de prisão a que o arguido foi condenado referindo que “(…) Por acórdão, o qual procedeu ao conhecimento superveniente do concurso, datado de 6 de maio de 2024 e transitado em julgado em 21 de junho do mesmo ano, AA foi condenado pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 22º, 23º, 73º e 223º Código Penal, pela prática de seis (6) crimes de roubo, p. e p. pelo art.° 210.°, n.° 1, do Código Penal, e pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.° 210.°, n.° 2, al. b), com referência ao art.° 204.°, n.° 1, al. f) do Código Penal, na pena única de sete anos de prisão.
No dia 1 de setembro de 2023 iniciou vigência a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, a qual estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (conferir artigos 1.º e 15.º). Nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 a 3 de tal diploma, ficam abrangidas as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, sendo perdoado 1 ano de prisão a todas as penas concretamente aplicadas que sejam de prisão até 8 anos (mesmo em caso de revogação da suspensão da execução da pena), bem como as penas de multa até 120 dias (aplicadas a título principal ou em substituição de penas de prisão), a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, a pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e as demais penas de substituição (exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova).
São, ainda, objeto de amnistia as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa (conferir artigo 4.º).
Em qualquer caso, não haverá benefício de perdão ou amnistia em todos os crimes e situações enunciadas no artigo 7.º, do referido diploma legal.
Ora, é precisamente este o caso em apreço. O crime de extorsão e o crime de roubo agravado estão ambos, direta e explicitamente, excluídos do perdão, conforme previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) e ii), do referido diploma legal. E não desconhecendo jurisprudência em sentido contrário, o Tribunal entende que também o crime de roubo (simples) deve entender-se como excluído do perdão, já porque as vítimas são qualificadas como especialmente vulneráveis e, assim, o respetivo crime está excluído do perdão e abrangido pela alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, conjugadamente enquadrado com o disposto no artigo 67.º-A, n.º 1, alínea b), n.º 3 e artigo 1.º, alínea l), ambos do Código de Processo Penal – conferir acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 20.02.2024, no processo n.º 22/19.8GBTMR-A.E1, relator: FRANCISCO MOREIRA DAS NEVES, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10.01.2024, no processo n.º 485/20.9T8VCD.P2, relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28.11.2023, no processo n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, relatora: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO, todos disponíveis eletronicamente em dgsi.pt –; já porque a tanto não obsta os factos se reportarem a um momento anterior ao aditamento do artigo 67.º-A, do Código de Processo Penal pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, pois que os conceitos de criminalidade especialmente violenta e de vítima especialmente vulnerável preexistem à referida lei, seja por via da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, seja por via da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro – conferir acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19.03.2024, no processo n.º 846/12.7GACSC.L1-5, relator: JOÃO ANTÓNIO FILIPE FERREIRA, disponível eletronicamente em dgsi.pt. (…)”.
3. Bem andou o Tribunal a quo, pois o arguido foi condenado pela prática dos crimes de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 223.º do Código Penal, de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, e de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do Código Penal.
4. E, assim sendo, não pode o arguido beneficiar do perdão consagrado na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, considerando as disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, alínea b) i) e ii) e alínea g) da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, artigo atinente aos crimes excecionados do perdão, e 67.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal.
5. A este respeito sufragamos inteiramente o entendimento vertido no Acórdão de 19-03-2024 do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 846/12.7GACSC.L1-5, relator João Ferreira, segundo o qual: “(…) I -O crime de roubo simples, independentemente da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, está excluído do âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por aplicação do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea g).
II - O legislador, ao consagrar um regime de exceções no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, fê-lo consagrando um conjunto de previsões de caráter objetivo – atento o crime em apreço ou a verificação de determinada agravante geral – e outro de âmbito subjetivo - atenta a qualidade dos intervenientes, condenado e vítimas.
II - O legislador, ao consagrar um regime de exceções no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, fê-lo consagrando um conjunto de previsões de caráter objetivo – atento o crime em apreço ou a verificação de determinada agravante geral – e outro de âmbito subjetivo - atenta a qualidade dos intervenientes, condenado e vítimas.
III - Porque estamos perante âmbitos distintos, a leitura das mesmas terá de ser feita segundo um critério de complementaridade e nunca de exclusão. Dito de outro modo, a referência objetiva a determinados crimes não pode ser tida como um elemento de limite implícito à consagração das exceções de índole subjetiva, sob pena de estarmos a consagrar um regime de exceção à exceção que manifestamente não pode ser retirado da leitura do citado artigo 7.º.
IV - O artigo 67.º-A do Código de Processo Penal tem de ser entendido, para os efeitos ora em apreciação, como sendo uma norma processual penal próprio sensu e, nessa medida, sujeita, ao princípio da aplicação imediata, imposta pelo artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que não está em causa, pelas razões já supra expostas, qualquer uma das situações excecionais previstas no n.º 2 que a isso obstem.(…)”.
6. Por tudo quanto foi exposto, sempre se dirá que o recurso apresentado pelo arguido não poderá obter qualquer provimento..”
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4. Subidos os autos a este Tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, sufragando a argumentação do Ministério Público, junto da 1ª instância, cujo teor deu por integralmente reproduzida, concluindo no sentido de o recurso não dever obter provimento.
*
5. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.
*
6. O objecto do recurso versa a apreciação da seguinte questão:
- Da não aplicação do perdão de pena contemplado na Lei nº 38-A/2023 de 02/08 (crime de roubo simples).
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7. Apreciando:
- Da não aplicação do perdão de pena contemplado na Lei nº 38-A/2023 de 02/08:
Observada a decisão recorrida, verifica-se que o tribunal decidiu não fazer incidir sobre a pena aplicada ao recorrente o perdão previsto na Lei nº 38-A/2023 de 02/08, com fundamento na excepção consagrada no seu artº 7º nº 1 al. g) do mesmo diploma legal, conjugadamente enquadrado com o disposto no art. 67º A, nº 1, al b), nº 3 e art. 1º, al l), ambos do C.P.P.
Contrariamente ao entendimento sustentado na decisão recorrida, veio o recorrente defender que beneficia da aplicação do perdão, de um ano de prisão, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 3º nº 1 e 4, 7º nº 1 al. b) i) da Lei nº 38-A/2023, na medida em que este último preceito legal não contempla a forma simples do crime de roubo, prevista no nº 1 do artº 210º do C.P., pretendendo o legislador apenas excepcionar do perdão de pena o crime de roubo – agravado – contemplado no nº 2 do artº 210º do C.P. e não já o crime de roubo – simples – previsto no nº 1 do artº 210º do C.P...
Apreciando:
A questão controvertida, que não reúne consenso na jurisprudência, reside em saber se o crime de roubo simples, p. e p. no artº 210º nº 1 do C.P., está ou não excepcionado do perdão de penas instituído pela Lei nº 38-A/2023.
Observado o teor do art.º 7º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, verifica-se que exceciona a aplicação do perdão a várias hipóteses, sendo, entre outras, e para o que ora nos importa, chamar a atenção para:
- a al. b) ponto i), que, a par com outros crimes ali especificados, exclui da aplicação do perdão, os condenados pela prática de crime de roubo, previsto e punível pelo art.º 210º, nº 2 do Código Penal.
É com base nesta disposição legal que o recorrente sustenta que o legislador pretendeu apenas excepcionar do perdão de pena o crime de roubo – agravado – contemplado no nº 2 do artº 210º do C.P., e não já o crime de roubo – simples – previsto no nº 1 do artº 210º do C.P..
Contudo, se assim fosse, e se nos restringíssemos a uma leitura meramente literal deste normativo, seriamos levados a não excluir, também, do perdão de pena o crime de roubo – agravado pelo resultado – do nº 3 do artº 210º do C.P., punível com pena de prisão de 8 a 16 anos, ou seja, mais severamente do que o previsto no nº 2 daquele artº 210º, por, igualmente, ali não constar, não sendo, certamente, essa a pretensão do legislador.
E, percorrendo as restante alíneas, do referido preceito legal - art.º 7º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, mais se observa que:
- na al g) se exclui da aplicação do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º A do Código de Processo Penal.
Nos termos de tal preceito legal - artigo 67.º-A do CPP:
“1 - Considera-se:
a) 'Vítima':
(…)
b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
(…)
3 - As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1. (…).” (sublinhado nosso).
Estabelece, por sua vez, o artº 1º do C.P.P.:
«Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: (…)
j) ´Criminalidade violenta` as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; (sublinhado nosso).
l) ´Criminalidade especialmente violenta` as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;» (sublinhado nosso).
O crime de roubo é um delito complexo protegendo simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, contando-se, assim, entre os bens jurídicos ali protegidos a liberdade pessoal e a integridade física (cf. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.2022 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.09.2021, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.), pelo que integra o conceito de criminalidade violenta, nos termos previstos no art.º 1º, al. j), do Código de Processo Penal, sendo, além do mais, punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão.
Com efeito, o crime de roubo previsto e punível no art.º 210º, nº 1 do Código Penal, é punível com uma pena de 1 a 8 anos de prisão, pelo que integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta” – quer pela descrição típica do ilícito, quer pelo limite máximo da pena abstractamente aplicável.
Como tal, as suas vítimas consideram-se “vítimas especialmente vulneráveis”, por força do nº 3 do artº 67º-A do C.P.P..
Saliente-se, e ao contrário do que é sustentado pelo recorrente, que foi o próprio legislador a prever, no nº 3 do artigo 67.º-A do CPP, que as vítimas de criminalidade violenta e especialmente violenta, como é o caso do crime de roubo simples, são sempre, consideradas “vítimas especialmente vulneráveis”.
Impõe-se, assim, concluir que o crime de roubo simples previsto no nº 1 do artº 210º do C.P. se encontra excepcionado do perdão de penas instituído pela Lei nº 38-A/2023, nos termos do seu artº 7º nº 1 al. g).
Como bem se refere, a propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/12/2023, proferido no processo n.º 27/22.1PJLRS:
“Resulta do art.º 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3). (…)
Ora, cremos que o legislador no art.º 7º nº 1 da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, foi estabelecendo, em concreto, a inaplicabilidade do perdão e da amnistia para certos tipos de crime, vindo depois a estabelecer na al. g) do citado nº 1, uma cláusula mais abrangente, no sentido de excecionar a aplicação da amnistia e do perdão aos condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-lei nº 78/87 de17 de fevereiro (isto, é centrando agora o foco especificamente na vítima do crime e não no concreto tipo de crime cometido).
Partindo do texto da lei vemos que o legislador não excluiu qualquer vítima especialmente vulnerável. E, de facto, se o legislador quisesse limitar a exceção à definição de vítima especialmente vulnerável, prevenida no art.º 67º-A, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, tê-lo-ia seguramente feito.
Na verdade, da Exposição de Motivos (…), fez-se constar o seguinte: (…) Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.
Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação (…)” e, como vimos, o crime de roubo, previsto no nº 1 do art.º 210º do Código Penal, nos termos do disposto no art.º 1º al. l) do Código de Processo Penal é qualificado como criminalidade especialmente violenta. (…)
Para quem defenda que por o crime de roubo, previsto e punível pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal não estar previsto expressamente no ponto i) da alínea b) do art.º 7º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto não está excecionada a aplicação do perdão, torna-se difícil perceber como admitirão excecionar do perdão todas aquelas situações em que, sendo cometido um crime de roubo, previsto e punível pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, as vítimas sejam pessoas cuja especial fragilidade decorra, por hipótese, da sua idade ou estado de saúde, pois que claramente estas vítimas estariam abrangidas pela al. g) do referido art.º 7º da lei 38-A/2023 de 2 de agosto, como o legislador quis e previu, e consequentemente o perdão não teria aplicação - embora o art.º 210º, nº 1 do Código Penal, continue a não constar da referida alínea b).
Assim, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º, nº 3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando “criminalidade violenta” ou “criminalidade especialmente violenta”, nos termos do art.º 1º al. j) e l) do Código de Processo Penal, mesmo que esse crime seja o de roubo previsto e punível pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal.»
No mesmo sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos desta mesma Relação de Évora, de 20.02.2024, relator Moreira das Neves, processo nº 22/19.8GBTMR.E1 e de 04.06.2024, relatora Margarida Bacelar, Processo nº 170/22.7PATVR.E1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/01/2024, Proc.º 5310/19.0JAPRT-AI.G1; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2023, Processo nº 7102/18.5P8LSB-A.L1-5; de 14/12/2023, Proc.º 27/22.1PJLRS-B.L1-5; de 19.03.2024, Processo nº 846/12.7GACSC.L1 e de 20/02/2024, Proc.º 286/22.0SYLSB.L2-5; Acórdãos do Tribunal da
Relação do Porto de 17/01/2024, Processo nº 379/19.0PAVFR.P2 e de 10-01-2024, Processo nº 485/20.9T8VDC.P2 (1) [disponíveis in www.dgsi.pt].
Sufraga, ainda, este entendimento, Brito, Pedro José Esteves de (2023), “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de Agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, in JULGAR Online, pág. 31.
Cumpre, assim, concluir pela total improcedência do recurso.
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- Decisão:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores, da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar a douta decisão recorrida.
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se em 4 (quatro) UCS a taxa de justiça devida.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, 24 de Setembro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Anabela Simões Cardoso
Laura Goulart Maurício
Moreira das Neves
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1 Em cujo sumário se pode ler:
“I - Com vista a determinar se o crime de roubo do art.º 210º, nº 1, do Código Penal, está ou não abrangido pelo perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 02/08, não podem as normas da al. b-i) e da al. g) do art.º 7º, nº 1, ser interpretadas isoladamente entre si, ou relativamente às demais previstas no mesmo diploma, mas sim conjugadamente, tendo em conta todos os elementos necessários à interpretação (gramatical, teleológico, sistemático e histórico, e neste especificamente os trabalhos preparatórios), em termos que permitam demonstrar que o resultado da interpretação não será extensivo relativamente ao que resulta do texto da lei, no que toca à primeira norma referida, nem restritivo, no tocante à segunda, mas antes traduza o sentido normativo que efetivamente melhor corresponda ao pensamento legislativo;
II - Da evolução registada na elaboração do texto que veio a resultar na versão final da Lei nº 38-A/2023, que teve por base a Proposta de Lei 97/XV/1.ª, pode concluir-se que o resultado final obtido foi o alargamento da exceção da não aplicação do perdão ao crime de roubo, seja ele simples (art.º 210º, nº 1) ou agravado (art.º 210º, nº 2), porquanto pese embora o roubo simples deixasse de estar abrangido na atual al. b)-i, passou necessariamente a está-lo na al. g) do mesmo artigo, cuja norma também passou a ter uma abrangência mais alargada do que o inicialmente previsto, ademais porque na aplicação de uma e de outra deixou de ser exigido que o crime haja sido praticado em residências ou na via pública, com arma de fogo ou arma branca, como inicialmente resultava da Proposta de Lei, aqui por uma relativamente abrangente referência ao “artigo 210.º do Código Penal”.
III – Assim sendo, e resultando da redação dada à al. g) que não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, necessariamente passou a estar nela incluído o crime de roubo, previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, dado o mesmo integrar o conceito de criminalidade violenta, por corresponder a condutas que dolosamente se dirigem contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal, nos termos previstos no art.º 1º, al. j), do Código de Processo Penal, sendo ademais punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão, e, nos termos do nº 3 daquele art.º 67º-A, “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis”.
IV – Por outro lado, do ponto de vista teleológico, e na coerência com que o pensamento legislativo deve ser reconstituído “a partir dos textos da lei”, não seria compreensível que crimes muito menos graves do que o de roubo previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, como o de coação e de perseguição, dos art.ºs 154º e 154º-A do CP, puníveis com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa, ficassem excluídos do perdão, e já não aquele, indubitavelmente mais grave e gerador de alarme social, onde a violência sobre uma determinada pessoa pontifica como elemento do tipo, seja na forma de coação, de ofensa à integridade física, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física da vítima, sendo ademais o mesmo punível com pena muito superior à prevista para aqueles crimes, ou seja, 1 a 8 anos de prisão. onde se refere que não é concebível que o legislador tenha pretendido beneficiar os condenados pela prática do crime de roubo simples com o perdão das respectivas penas, quando excluiu desse benefício os autores de ilícitos bem menos gravosos, como os de coacção ou de perseguição, puníveis com penas de prisão muito inferiores e mesmo, alternativamente com penas de multa (artº 7º nº 1 al. a) iv) da Lei nº 38-A/2023)."