PROVA POR RECONHECIMENTO
Sumário

Entende-se que, fundamentalmente, existem três categorias de reconhecimento, a saber, (i) o reconhecimento por descrição, (ii) o reconhecimento presencial e (iii) o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação.
Importa referir que, após a reforma de 2007, “subsiste a questão fundamental de indefinição da natureza da prova por reconhecimento a qual tem subjacente a precisão sobre a sua finalidade. Pressuposto básico na equação da mesma questão é o de que estamos perante a prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação.”
Desde logo, importa esclarecer que, obviamente, inexiste qualquer ónus da prova que impenda sobre a defesa quanto à ilegalidade do acto de reconhecimento. No entanto, tal não significa que todo o processo de reconhecimento possa ser posto em causa, irrestritamente.
Desde logo, importa sublinhar que o “auto que consubstancia o reconhecimento é um documento autêntico – artigo 363º nº 2 do Código Civil – considerando-se provados os factos materiais que dele constam enquanto a sua autenticidade, ou a veracidade do seu conteúdo, não foram colocados em causa nos termos do artigo 169º do Código de Processo Penal.”

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Central Cível e Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum coletivo n.º 2/23.9GCPSR, aí vindo, após julgamento, a ser proferida decisão com o seguinte dispositivo (transcrição parcial):

“Em face do exposto, delibera o Tribunal Colectivo, julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

a) Absolver os arguidos AA, BB, CC e DD da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 204.°, n.o 1, al. a) e f) do Código Penal;

b) Condenar os arguidos AA, BB, CC e DD como co-autores e na forma consumada de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.o 203.°, n.o 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;

c) Condenar os arguidos AA, BB, CC e DD cxmo co-autores e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s, 203.°, n.° 1 e 204.o, n.o 2, alínea e), todos do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

d) Condenar os arguidos AA, BB, CC e DD como co-autores e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.o, 210.°, n.o 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;

e) Condenar os arguidos AA, BB, CC e DD como co-autores e na forma consumada de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.o 203.°, n.o 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;

f) Condenar o arguido AA como autor material e na forma consumada de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art.o 359.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão:

g) Em cúmulo jurídico, condenar os arguidos, BB, CC e DD na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, por 5 anos, sujeita ao regime de prova;

h) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão;

(…).”

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O recorrente conforma-se com a decisão condenatória na parte relativa aos crimes de furto simples.

2. Contudo, entende, desde logo, que não está verificada a circunstância modificativa agravante prevista na alínea e) do n.° 2 do artigo 204.° do Código Penal relativa ao crime de furto qualificado.

3. A utilização de chave inserida, por acção do seu legítimo possuidor, na própria fechadura não poderá integrar o conceito de “chave falsa”,

4. Nem implica um desvalor acrescido para a conduta dos arguidos;

5. Acresce que ta1 chave não advém à posse dos arguidos de forma ilegal ou fraudulenta;

6. Tudo ocorre como se a própria habitação não estivesse fechada à chave;

7. Deverá, assim, improceder a qualificação do crime de furto pela alínea e) do n.° 2 do artigo 204.° do Código Penal,

8. Devendo o Recorrente ser condenado por um crime de furto qualificado p. e p. pela alínea f) do n.° 1 do artigo 204.° do Código Penal,

9. Constituindo a introdução ilegítima na habitação a única circunstância modificativa agravante verificada;

10. Considerando o valor subtraído (150 euros) e a moldura penal abstracta aplicável, a pena de prisão a aplicar não deverá exceder os 9 meses de prisão;

11. No que respeita aos reconhecimentos pessoais relativos aos ofendidos EE e FF, os mesmos não poderão ver valorados como meio de prova;

12. Com efeito, os autos constantes de fls. 245 a 252 não estão assinados pelos arguidos,

13. Não estão assinados pelos figurantes e não contêm a sua identificação completa;

14. E contêm a menção do seguinte acto “perguntado ao reconhecedor se reconhece alguma das pessoas constantes das fotografias apresentadas”;

15. Acresce que os figurantes foram sempre os mesmos, mudando apenas o “suspeito”;

16. Do teor dos mencionados autos não se extrai com clareza e certeza exigidas o que realmente se passou naqueles actos processuais,

17. Sequer, se os arguidos neles efectivamente participaram!

18. O cumprimento das formalidades legais não resulta, minimamente, da mera leitura dos respectivos autos;

19. Fica ainda a dúvida se foram exibidas fotografias aos reconhecedores no decurso das diligências, ou seja, se o reconhecimento, na prática, foi pessoal ou por fotografia;

20. Razões pelas quais não se poderão ter tais reconhecimentos como válidos,

21. Não devendo ser valorados como meios de prova;

22. No caso do crime de roubo de que foi vítima EE, na ausência de outros elementos probatórios, deverá o recorrente ser absolvido do respectivo crime;

23. Por fim, insurge-se o recorrente contra a medida da pena parcelar pelo crime de falsidade de depoimento ou declaração;

24. Tal crime, à semelhança do crime de furto simples, é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos;

25. Não tendo o recorrente qualquer antecedente criminal por crime de idêntica natureza, não vislumbramos razões para que a pena concreta seja superior à fixada para o crime de furto simples,

26. Pelo que, socorrendo-nos dos mesmos critérios de determinação da medida da pena utilizados a propósito dos crimes de furto simples, justifica-se a redução da pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão para 6 meses de prisão,

27. Com as necessárias repercussões na determinação da pena única em cúmulo jurídico;”

Termina pedindo:

“destes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram.”

Também os arguidos BB e CC interpuseram recurso daquele acórdão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“I. Por Douto Acórdão, ora recorrido, proferido a 08 de Fevereiro de 2023, foi o aqui recorrente/arguido condenado, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em 3 anos e 9 meses de prisão efectiva.

II. Os Recorrentes impugnam a factualidade dada como provada nos pontos 8 e seguintes, fundamentada em reconhecimentos que aos recorrentes deverão ser considerados nulos, invocando ainda a Nulidade do douto Acórdão, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, n.° 2, al. a), do Cód. Proc. Penal. e Excesso de Pronúncia.

III O Tribunal deu como provados os factos de 8 a 19 com base em reconhecimentos que no nosso modesto entendimento, nulo, vejamos, considerando as circunstâncias em que ocorreram, são manifestamente insuficientes para pôr em causa o que consta dos autos de reconhecimento por si assinados. Ora a lei não obriga que as pessoas a servirem de figurantes sejam gémeas, mas deverão ter o mesmo sexo, a mesma estatura, o modo de vestir semelhante, e devem assinar os autos onde fizeram de figurante, no caso em apreço o auto nem se quer está assinado por quem participou na diligência de reconhecimento, e em julgamento os arguidos não forma reconhecidos, consequentemente, deverão os reconhecimentos serem considerados nulos, e os arguidos absolvidos da praticado crime de furto.

IV Tendo em consideração a matéria de facto provada no Douto Acórdão, quanto às condições pessoais dos arguidos, vertida nos pontos 39 a 67, a vida dos arguidos tem sido bastante difícil sem grandes estudo apenas o 4a ano de escolaridade e falta da mãe, desmotivação pessoal e familiar face à aprendizagem escolar, assim como dificuldades de aprendizagem;

Quanto aos antecedentes criminais pontos 84 a 92

V Não têm antecedentes criminais.

VI. Entendendo-se pela condenação dos arguidos, a pena de 3 anos e 9 meses de prisão, parece-nos, salvo outro e melhor entendimento, ser tal condenação manifestamente exagerada, atentos os factos apurados, a culpa do agente, à ilicitude, os seus antecedentes, as suas perspectivas de reinserção social, bem como o universo de condenações em Portugal, por estes e outros crimes, forçoso será de concluir pela inadequabilidade de tal condenação.

VII. A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção «ex vi» do disposto no art. 71º n.° 1 do Código Penal, para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, sendo violado, por mero erro interpretativo o disposto nos artigos 40.° n.° 2 e 71.o ambos do Código Penal.

Violaram-se: os artigos, 18º, 32º da C.R.P. 40º, n.° 2, 50º, 70º, 71º e 72º, do C.P. e 127º, 410, n.° 2 do Cód. Proc. Penal.”

Terminam pedindo:

“Termos em que (…) deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, deverão ser os arguido ser absolvido da prática do crime de furto qualificado que foram condenados, a serem condenados, nos exactos termos, deverão as penas parcelares e pena única diminuída (…).”

Em resposta a ambos os recursos, o MP conclui (transcrição):

“1. A decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer norma legal e foi correctamente aplicada face à prova existente.

2. os recorrentes limitam-se a afirmar que discordam dos factos dados como provados pelo acórdão recorrido, sem dar cumprimento ao estatuído no artigo 412.°, n.°s 3 e 4, do CPP.

3. Do texto do acórdão, considerado nos termos indicados no artigo 4100 2 do CPP, não se indicia qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, qualquer contradição ou erro na apreciação da prova/matéria de facto provada.

4. Resulta da motivação dos recorrentes que estes afinal impugnam a convicção adquirida pelo tribunal “a quo” sobre os factos, em contraposição com a que, sobre os mesmos, eles adquiriram em julgamento, esquecendo o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127º do CPP, sendo ainda certo que, no caso em apreço, está bem explícita na decisão recorrida a forma como o Tribunal adquiriu e formou a sua convicção que está bem fundamentada, objectivada e logicamente motivada.

5. O Tribunal “a quo” apreciou e ponderou toda a prova relevante carreada aos autos, enumerando os factos provados e não provados, expondo, de forma completa, os motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão e indicando e examinando criticamente as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, cumprindo, assim, o disposto no artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.

6. Entende-se, pois, carecer de fundamento a pretensão dos recorrentes quando colocam em causa a matéria de facto provada no acórdão.

7. O1vidam, certamente, os recorrentes, todo o acervo de prova documental e testemunhal, analisado de forma crítica e conjugado com as regras da lógica, da normalidade da vida e das regras da experiência comum.

8. Revela, também, a douta decisão ora recorrida cuidadosa fundamentação no que concerne à matéria de direito.

6. Expressando uma acertada subsunção dos factos à lei, tendo devidamente em consideração as condições pessoais e familiares dos recorrentes.

7. E optando por penas parcelares e por pena única que se julgam justas e adequadas face aos critérios consignados nos artigos 40.°, 70.°, 71.°, e 77.° do Código Penal e atendendo à moldura legal ou abstracta dos crimes por que os recorrentes foram condenados.”

Terminando por peticionar o seguinte:

“Louvando-nos, pois, no bem fundado do douto acórdão recorrido somos de parecer que o recurso dele interposto não merece provimento.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer “no sentido de que os recursos não devem obter provimento.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (1).

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“II - Fundamentação

A) Factos Provados

Discutida a causa provaram-se os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 27 de Janeiro de 2023, os arguidos AA, BB, CC e DD resolveram, de comum acordo, proceder à prática de crimes contra o património, tendo, para tal, obtido o veículo de matrícula …, de marca e modelo …, de cor cinzenta, da propriedade da empresa …;

2. No seguimento do seu desígnio comum, no dia 27 de Janeiro de 2023, os arguidos deslocaram-se no veículo em causa, para …;

3. Nessa localidade, em hora não concretamente apurada, as arguidas DD e CC deslocaram-se à residência de GG de HH, sita na Travessa …, em …;

4. Aí, tocaram à porta da habitação, tendo, informando GG que se encontravam naquele local a fazer um inquérito relativo às vacinas tomadas pelos populares, a fim de serem convidadas a entrar em tal residência;

5. Ao serem convidadas a entrar, as arguidas indicaram que a casa deveria ser desinfectada com um produto que as mesmas traziam consigo, mais afirmando que o ouro que a ofendida tinha em sua casa deveria, igualmente, ser desinfectado com tal produto;

6. Face à informação de que o ouro da ofendida deveria, igualmente, ser desinfectado, GG entregou todas as peças de ouro que tinha em sua casa às arguidas, para que elas procedessem à desinfecção, momento em que as arguidas solicitaram um pano para limpar tais peças, a fim de a mesma se deslocar a outra assoalhada de casa, momento em que as mesmas saíram de tal residência, levando consigo todas as peças de ouro que haviam sido entregues para desinfecção, num valor não concretamente apurado, mas não inferior a 102 euros;

7. De seguida as arguidas entraram na viatura identificada, onde se encontravam os demais arguidos, partindo para outro local;

8. Em hora não concretamente apurada, do mesmo dia 27 de Janeiro de 2023, os arguidos, tendo-se deslocado para … na zona da igreja dessa localidade, pararam o seu veículo, tendo saído do mesmo DD e CC;

9. Nesse momento, seguiram em direcção da residência de II, sita na Rua … em …, e, utilizando a chave que se encontrava na fechadura, do lado de fora da porta, introduziram-se na residência em causa, tendo, do seu interior, retirado, de uma gaveta de um móvel da cozinha, dois envelopes que continham um montante não concretamente apurado, mas não inferior a € 150,00 (cento e cinquenta euros);

10. Após, dirigiram-se, novamente ao veículo de matrícula …, no qual entraram, saindo os quatro arguidos de tal local;

11. Em momento não concretamente apurado, mas por volta das 13 horas e 45 minutos do mesmo dia 27 de Janeiro de 2023, os arguidos deslocaram-se à localidade de …, tendo os quatro arguidos abordado EE (em diante EE), que se encontrava na rua a caminhar, afirmando perante ele que se encontravam a desinfectar as residências da população, por causa do COVID, insistindo para que aquele os levasse em direcção de sua casa;

12. Nesse sentido, e acedendo à insistência dos arguidos, EE levou-os em direcção à sua residência e de FF, sita na Rua …, em ….

13. Aí chegados, as arguidas DD e CC irromperam pela porta, entrando, de imediato, no interior da habitação, tendo puxado EE para o interior, mais percorrendo a casa, pulverizando o que diziam ser desinfectante;

14. Perante tal situação, FF, que se encontrava no interior da residência e ao tomar conhecimento do que sucedia, solicitou que as arguidas saíssem de sua casa;

15. Chegando ao exterior da casa, uma das arguidas arrancou um fio de ouro que EE tinha no seu pescoço e, enquanto lhe pulverizavam as mãos com o suposto desinfectante, retiraram-lhe, igualmente, um anel que tinha;

16. De seguida, os arguidos deixaram o local e colocaram-se em fuga no veículo identificado;

17. Pouco depois, a hora não concretamente apurada, os arguidos deslocaram-se à localidade de …, em …, concretamente à Rua …, número …, residência de JJ, tendo-a informado que exerciam funções no Centro de Saúde de …, identificando-se como Dra. KK e assistente, e que estariam ali para proceder à desinfecção da residência, com um produto próprio, por causa da pandemia de COVID-19;

18. Perante tal explicação, JJ permitiu a entrada das arguidas DD e CC na sua residência, tendo estas solicitado que a ofendida Ihes apresentasse o seu boletim de vacinas;

19. Tendo a ofendida saído da divisão da casa onde se encontravam, a fim de ir buscar o boletim de vacinas, as arguidas mexeram nas gavetas dos móveis mais cercanos, de onde retiraram uma peça de ouro, em forma de trevo, e o valor de € 80,00 (oitenta euros), em notas de € 20,00 (vinte euros);

20. Os arguidos, em comum acordo, e conforme plano previamente traçado, quiseram, e lograram, subtrair a terceiros e tomar como seus valores monetários e peças de ouro que sabiam não lhes pertencer, contra a vontade dos respectivos proprietários;

21. Igualmente, numa das situações descritas, os arguidos, em comunhão de esforços, quiseram e introduziram-se em residência particular, sem autorização ou consentimento do proprietário, através de uso de chave para abertura de porta que utilizaram sem conhecimento ou consentimento do seu dono, com a finalidade de, do seu interior, retirarem bens ou valores que encontrasse, o que quiseram e lograram;

22. Assim como, concertadamente, utilizaram violência, usando força física para retirar, do corpo da vítima, bens dos quais pretendiam apoderar-se, querendo e logrando-o, querendo e impedindo, por via da força física, que os bens subtraídos se mantivessem na sua posse e não fossem recuperados pelo proprietário;

23. Por sentença transitada em julgado a 12 de Maio de 2022, o arguido AA foi condenado, no âmbito do processo 45/14.3…, a uma pena de prisão efectiva de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses;

24. No dia 27 de Janeiro de 2023, após a prática dos factos anteriormente descritos, AA foi constituído arguido, prestando termo de identidade e residência;

25. Contudo, o arguido, enquanto se sujeitava a tal medida de coacção e enquanto era constituído arguido, afirmou chamar-se LL, assinando o auto de constituição como arguido como “LL”, o mesmo sucedendo no termo de identidade e residência;

26. No dia 28 de Janeiro de 2023, agora no decurso da identificação do arguido, em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, foi o arguido devidamente advertido de que, não respondendo com verdade às perguntas feitas quanto à sua identidade, estaria a incorrer na prática de um crime;

27. Contudo, e após tal advertência, perante Magistrado Judicial e Magistrado do Ministério Público, o arguido AA, novamente, se identificou como sendo LL, ficando tal informação a constar na respectiva acta da diligência;

28. O arguido quis e logrou identificar-se, perante militar da Guarda Nacional Republicana, em exercício de funções, e perante Magistrado Judicial e do Ministério Público, em sede de diligência judicial, com um nome que sabia não ser o seu, mentindo quanto à sua identidade, mesmo após advertência de que, se o fizesse, incorria na prática de um crime;

29. Tentando, com tal conduta, ocultar a sua identidade, a fim de não ser obrigado a cumprir pena de prisão efectiva a que havia sido condenado;

30. Os arguidos actuaram livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

31. À data dos factos, o arguido AA vivia em união de facto com DD, bem como com os três filhos do casal com idades entre os 6 e os 15 anos e os pais daquele;

32. Habitavam uma casa camarária no …;

33. Ao nível profissional, dedicava-se à compra e venda de carros usados;

34. Em termos de funcionamento pessoal, detém competências que lhe permitem identificar causas e consequências dos seus comportamentos, embora tenha dificuldade em antecipar as consequências dos seus actos, tendendo a assumir uma atitude de desculpabilização;

35. Procura avaliar-se como um indivíduo maioritariamente cumpridor e empenhado, sobrevalorizando as suas capacidades e competências ao nível pessoal, laboral e social, o que poderá indiciar dificuldades nos processos de pensamento causal e consequencial, podendo remeter para resistência ao reconhecimento da necessidade de mudança;

36. No meio prisional, tem evidenciado comportamento ajustado à especificidade normativa a que está sujeito, revelando competências para a interacção social positiva, capacidade de compreensão das normas e de autocontrolo;

37. Revela interesse na aquisição de maiores competências escolares e de formação profissional;

38. Continua a dispor do apoio da sua família de origem e da constituída;

39. No período que antecedeu a actual reclusão do arguido, BB residia com a actual companheira e co-arguida no presente processo, CC, e os dois filhos menores, em casa do progenitor do arguido, em …;

40. Os filhos estão com os avós após a reclusão dos progenitores;

41. BB é o mais velho de três irmãos, os pais separaram-se quando o arguido ainda era bebé, tendo a progenitora restabelecido nova união marital, passando o padrasto a constituir-se uma figura parental masculina;

42. O contacto com o progenitor, foi apenas retomado em idade adulta;

43. BB frequentou o equivalente ao 2º ano do primeiro ciclo do ensino básico, sendo praticamente iletrado;

44. Aos 16 anos iniciou relacionamento afectivo com a primeira companheira da qual tem 3 filhos, actualmente com 12, 8 e 6 anos de idade;

45. À época BB residiu com a família durante 8 anos numa roulotte no …, no bairro social onde residiam familiares de ambos;

46. Em 2017 encetou nova relação com uma nova companheira, tendo passado a residir no …;

47. Ao nível profissional, BB somente tem como experiência a actividade de vendedor ambulante, mas de forma rudimentar porta a porta;

48. No meio sócio residencial, BB é conhecido, mas não existem indícios de hostilidade, preserva a proximidade com os seus familiares mais significativo, designadamente companheira e filhos, assim como com os progenitores;

49. No Estabelecimento Prisional a conduta assumida pelo arguido tem sido de adaptação ao contexto e ao cumprimento das normas institucionais, mantém um comportamento adequado, sem registo de incidentes e frequenta um curso EFA, afim de tentar obter o 4º ano de escolaridade;

50. À data da prática dos alegados factos, a arguida CC residia na morada acima com o companheiro, seu co-arguido em casa dos pais daquele;

51. Estava desempregada e dependia dos familiares;

52. As condições pessoais e sociais de CC cedo ficaram condicionadas por situações de exclusão social e marginalidade, vivenciadas no seio de uma família de grupo étnico minoritário;

53. Vivia junto de uma irmã (que a arguida designa como “mãe”), MM, recentemente libertada de Estabelecimento Prisional de …, que a criou como sua filha e nesses termos também a designa;

54. Integrava o agregado de inserção também os filhos da irmã, a nora, o genro e os netos;

55. Ao nível das condições económicas, dependiam dos abonos devidos aos menores e do Rendimento Social de Inserção, situação que se manteve ao longo do tempo;

56. O montante de subsídios ascendia a 1062€ acrescidos das prestações dos menores no valor cerca de 289€;

57. A arguida é a mais nova de cinco filhos, tendo ainda jovem, em virtude de alegada doença da mãe, ficado aos cuidados da referida irmã;

58. Os pais dedicavam-se à venda ambulante, actividade à qual se associavam os filhos mais velhos e levaria todos a viajar por vários pontos do país;

59. Junto da irmã, CC transitou por várias moradas, na região do …, com permanência temporária em imóveis que ocupavam até ser despejados por incumprimento dos deveres inerentes às condições de arrendamento, acabando por se fixarem na morada dos autos desde Janeiro de 2019, na Rua de … em …;

60. A vida escolar da arguida foi incipiente, não tendo praticamente frequentado a escola em criança, fruto da falta de condições sociofamiliares relacionadas com as mudanças de casa, mas também pela desmotivação pessoal e familiar face à aprendizagem escolar, assim como dificuldades de aprendizagem;

61. De acordo com os rituais do seu grupo social, cedo constituiu família com elemento da sua etnia, NN, de quem tem o seu único filho;

62. Separam-se há algum tempo, tendo pouco depois a arguida iniciado a presente união, com outro elemento do seu grupo social, BB;

63. O filho da arguida foi, entretanto, entregue ao pai, quando aquela foi presa, residindo em …;

64. Os familiares da arguida mostram motivação para a continuar a ajudar. Depositam-lhe pequenas quantias monetárias na conta do Estabelecimento Prisional, bem como realizam algumas visitas, assumindo que a precaridade financeira que vivenciam limita a ajuda que lhe propiciam;

65. Estabelece ligação mensal através do sistema de webex com o companheiro também recluído;

66. De acordo com a informação do Estabelecimento prisional, CC tem apresentado indiciadores de adaptação às regras do meio prisional, não registando quaisquer sanções disciplinares;

67. Em termos de perspectivas de reinserção social, a arguida planeia regressar a casa da irmã, MM, em …, no concelho …;

68. A arguida DD vivia maritalmente com AA, desde os seus 14 anos, e actualmente com os mais deste e ainda com três filhos com idades compreendidas entre os 15 e os 6 anos;

69. Relativamente à família de origem, DD indica que mantém contactos regulares com os dois irmãos mais novos e a progenitora. Narra que, aos 10 anos de idade, na sequência do falecimento do pai por homicídio, ficaram aos cuidados da mãe, com o apoio dos familiares paternos, episódio que avalia como tendo sido traumático;

70. À data da prática dos factos a arguida DD vivia com o companheiro e os descendentes;

71. O agregado familiar da arguida vivia num apartamento na zona do …, na Rua …, Lote… igualmente pertencente à autarquia de …, tendo o casal ocupado a habitação permanecendo nela em situação irregular, ainda que DD mencione terem efectuado pedido à … para regularização da situação habitacional;

72. A arguida, uma vez regularizada a sua situação processual, na eventualidade de vir a cumprir uma pena na comunidade, indica que pretende retomar à habitação onde vivia com o companheiro e os filhos, resgatando as rotinas do agregado, não obstante a ausência do companheiro, referindo que os vizinhos tomam conta da habitação para que a mesma não venha a ser ocupada por terceiros;

73. A arguida DD completou o 4.° ano de escolaridade;

74. A nível laboral encontra-se frequentemente desempregada, tendo desenvolvido alguma actividade de venda ambulante de vestuário junto de familiares;

75. O valor dos rendimentos líquidos da arguida é de 1120,00 euros mensais (520 euros de RSI e 600 euros de abono de família), sendo que os pais do seu companheiro auferem 450 euros de RSI;

76. De acordo com informação de DD, para ajuda nas despesas do agregado, contribui com o montante entre os 100 e os 130 para as despesas gerais, acrescido do valor de 150/200 euros mensais para a alimentação. Os pais do companheiro dedicam-se à venda ambulante, desconhecendo a arguida os montantes arrecadados, tratando-se de rendimentos variáveis;

77. No que concerne à relação com os vizinhos, segundo DD, mantém bom relacionamento com a vizinhança, encontrando-se a viver na mesma zona desde os 14 anos de idade;

78. Estando a cumprir a medida de coacção de permanência na habitação, ocupa o seu tempo nas lides da casa e nos cuidados aos filhos, orientando-os nas sua actividades e rotinas diárias;

79. O arguido AA regista uma condenação, datada de 06/08/2013, pela prática, em 17/08/2011 de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.° 25.°, al. a) do Decreto-Lei n.° 15/93, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período;

80. O arguido AA regista uma condenação, datada de 08/05/2018, pela prática, em 24/05/2015 de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.° 203.°, n.° 1 do CP na pena de 100 dias de multa;

81. O arguido AA regista uma condenação, datada de 04/07/2019, pela prática, em 01/01/2014 de dez crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art.o 218.° do CP e um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.° 299.°, n.°s 2 e 5 do CP, na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão;

82. O arguido AA regista uma condenação, datada de 25/02/2022, pela prática, em 07/02/2022 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 292.°, n.° 1 do CP na pena de 50 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses;

83. O arguido AA regista uma condenação, datada de 09/06/2022, pela prática, em 24/09/2019 de um crime de roubo, p. e p. pelo art.° 210.o, n.o 1 do CP na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período;

84. O arguido BB regista uma condenação, datada de 04/06/2010, pela prática, em 03/06/2010 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 90 dias de multa;

85. O arguido BB regista uma condenação, datada de 25/06/2010, pela prática, em 25/06/2010 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 120 dias de multa;

86. O arguido BB regista uma condenação, datada de 29/01/2014, pela prática, em 29/01/2014 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.o 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 240 dias de multa, substituídos por 240 horas de trabalho a favor da comunidade;

87. O arguido BB regista uma condenação, datada de 24/11/2015, pela prática, em 25/06/2010 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.o 3.o do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 120 dias de multa substituídos por 120 horas de trabalho a favor da comunidade;

88. O arguido BB regista uma condenação, datada de 05/01/2011, pela prática, em 29/12/2010 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.o do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 120 dias de multa;

89. O arguido BB regista uma condenação, datada de 28/03/2017, pela prática, em 28/01/2017 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98 e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.°, n.° 1 do CP na pena de 70 dias de multa e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, bem como na pena acessória de proibição de conduzir por 3 meses;

90. O arguido BB regista uma condenação, datada de 23/01/2019, pela prática, em 01/01/2019 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.o 3.° do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 10 meses de prisão;

91. O arguido BB regista uma condenação, datada de 05/06/2018, pela prática, em 17/02/2018 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.o 3.o do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica;

92. O arguido BB regista uma condenação, datada de 03/05/2022, pela prática, em 29/04/2020 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.° 3.o do Decreto-Lei n.° 2/98, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão;

93. A arguida CC não tem registados antecedentes criminais;

94. A arguida DD regista uma condenação, datada de 20/12/2010, pela prática, em 18/12/2010 de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.° 203.o, n.° 1 do CP na pena de 40 dias de multa;

95. A arguida DD regista uma condenação, datada de 23/01/2014, pela prática, em 14/08/2013 de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.° 203.o, n.° 1 do CP na pena de 210 dias de multa.

Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:

a) O descrito em 3 dos factos provados tivesse ocorrido pelas 10 horas e 15 minutos;

b) O ouro descrito em 7 dos factos provados tivesse o valor total de € 5.900,00 (cinco mil e novecentos euros);

c) Nas circunstâncias descritas em 3 a 7 dos factos provados, enquanto estiveram no interior da residência de GG, as arguidas tivessem entrado no quarto do filho daquela, daí tendo retirado o valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), um comando de garagem e um relógio de senhora, de marca …, sem que ofendida tomasse conhecimento;

d) O descrito em 8 dos factos provados tivesse ocorrido pelas 12 horas e 20 minutos;

e) Nas circunstâncias descritas em 9 dos factos provados, o montante subtraído tenha sido de €150,00;

f) Nas circunstâncias descritas em 11 a 16, o ofendido EE, tivesse tentado reaver os bens que haviam sido retirados da ofendida FF, e os arguidos BB e AA tivessem empurrado o ofendido, afastando-o;

g) O fio descrito em 15 dos factos provados estivesse ao pescoço de FF;

h) O descrito em 17 dos factos provados tivesse ocorrido pelas 14h00.

B) Motivação

O Tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, que os prestaram de forma isenta e credível revelando possuírem conhecimento directo dos factos que relataram, conjugadas ainda com o teor dos documentos juntos aos autos e autos de reconhecimento. Tudo analisado criticamente e com recurso às regras da experiência comum.

No que concerne aos autos de reconhecimento, alegaram as defesas dos arguidos que os mesmos não podem ser valorados, essencialmente por duas ordens de razões: a primeira porque não estão assinados pelas pessoas que compuseram a linha de reconhecimento; segundo porque algumas das testemunhas ouvidas e que intervieram como reconhecedores nesses autos relataram, em audiência, realidade diversa da que consta nesses autos, nomeadamente que a linha de reconhecimento continha quatro pessoas, sendo que os autos referem três.

Vejamos.

Dispõe o art. 147.°, do CPP que “1-Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2- Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.

3- Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.

4- As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.° 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.

5- O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.° 2.

6- As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.

7-O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.”.

Analisados os autos de reconhecimento — fls. 245-246, 247-248, 249-250, 251-252, 288-289, 298-299, 304-305, 852-853, 850-851 — constata-se que foram observadas as formalidades exigidas no citado art. 147.°, n.° 2, do CPP. A lei não exige que o auto esteja assinado por todos os intervenientes na linha de reconhecimento, pelo que a ausência das assinaturas dos “figurantes” não poderá invalidar o acto processual em causa.

Quanto à segunda questão, importa considerar que depois de realizada a diligência, qualquer alegada discrepância entre a exigência legal e o que na realidade aconteceu terá de ser provada. Não basta alegar que as coisas se passaram de forma diferente do que relata o auto da diligência. É preciso demonstrar o que se alega. Aquele auto deve dar a conhecer o que realmente se passou e, se foi lavrado com determinado conteúdo e assinado pelos intervenientes no acto (daqueles cuja assinatura a lei impõe), é porque estes aceitaram que as coisas se passaram como nele se descreve. Ora analisados os autos, todos estão assinados pelo reconhecedor e por um elemento do OPC interveniente no acto. Os reconhecedores aos assinarem os autos, aceitam que os procedimentos realizados são os ali descritos. Se por ventura, em audiência afirmam uma realidade diversa importa apurar a razão de ser dessa discrepância. No caso da testemunha GG que afirmou terem estado 4 pessoas na linha de reconhecimento, fê-lo sem grande convicção, tendo acrescentado “acho eu”. Decorridos todos estes meses, é natural que a testemunha, em virtude da sua idade tão avançada, já não tenha presente a forma como decorreu o reconhecimento. Tanto assim é que a maioria das testemunhas afirmou que hoje em dia já não seria capaz de reconhecer as pessoas que praticaram os factos objecto dos autos. Os reconhecimentos foram realizados em momento temporalmente muito próximo da ocorrência dos factos, daí que seja natural que as testemunhas tivessem presente a fisionomia das pessoas que praticaram tais factos, tando que, como afirmaram, estavam todos de cara destapada, e no caso das arguidas mantiveram uma conversa de alguns minutos com as vítimas. Por outro lado, as vítimas, não familiarizadas com as formalidades do auto de reconhecimento, é natural que não tivessem a preocupação de reter tais formalismos para o caso de posteriormente precisarem de depor sobre os mesmos.

Assim, as declarações da testemunha GG, por si só, e considerando as circunstâncias em que ocorreram, são manifestamente insuficientes para pôr em causa o que consta dos autos de reconhecimento por si assinados.

A defesa poderia, no exercício do direito que lhe assiste, ter chamado a depor as pessoas que participaram nos reconhecimentos, como figurantes, por forma a que descrevessem os procedimentos do reconhecimento, mas não o fez, limitando-se a pôr em causa a validade dos autos sem que, de forma sustentada, tenha demonstrado que os autos não reflectem o que na realidade se passou.

Por outro lado, dos depoimentos prestados pelas vítimas não ficaram dúvidas de que, no momento do reconhecimento, souberam indicar a pessoa que tinha praticado os factos em causa, reconhecendo-a, e tal circunstância sempre poderia/deveria ser tida em conta pelo Tribunal, enquanto prova testemunhal e não como prova por reconhecimento que, eventualmente padecesse de alguma irregularidade processual, atempadamente invocada (cfr. art.° 123.o do CPP), o que não foi o caso.

Em conclusão, inexistem razões válidas para que o Tribunal não valore os autos de reconhecimento, em conjugação com os demais meios de prova existentes nos autos.

Em face do exposto, decide-se pela validade dos actos de reconhecimento por se entender que não padecem dos vícios apontados pela defesa, em sede de alegações finais.

Assim, e quando ao descrito em 1 dos factos provados, o Tribunal formou a sua convicção com base na conjugação dos documentos relativos ao veículo, em conjugação com a prova testemunhal que descreveram a forma de actuação dos arguidos, sempre em conjunto, indicando que as arguidas entravam em casa dos ofendidos, ficando os arguidos, em regra, no carro, para o qual as arguidas se dirigiam Iogo após subtraírem os bens, colocando-se de imediato em fuga. Ora, esta actuação pressupõe um acordo entre os arguidos, no qual foram distribuídas tarefas, em função de um objectivo comum que se traduziria na subtracção de bens alheios. Importa não esquecer que os arguidos foram detidos em flagrante delito, a bordo do veículo identificado nos autos e também descrito, em traços gerais, por algumas das vítimas, e na posse de dinheiro e outros bens, Iogo a seguir a terem saída de casa da ofendida JJ. Por último, os arguidos formam dois casais unidos de facto, pelo que, atentas as circunstâncias supra descritas, não é verosímil que a sua actuação não fosse conhecida e apoiada pelos demais, atento o seu modo de actuação, com papéis previamente definidos.

No que concerne ao descrito em 2 a 7, o Tribunal valorou o depoimento dos ofendidos GG e HH, em conjugação com os autos de reconhecimento de fls. 288-289 e 298-299.

O vertido em 8 a 10 resultou da conjugação do depoimento das testemunhas II e OO, em conjugação com os autos de reconhecimento de fls. 304-305, 852-853 e 850-851.

Quanto ao mencionado em 11 a 16, o Tribunal baseou-se nos depoimentos das testemunhas EE e FF, em conjugação com os autos de reconhecimento de fls. 245-246, 247-248, 249-250, 251-252.

Já no que respeita à factualidade inserta nos pontos 17 a 19, o Tribunal valorou o teor dos depoimentos das testemunhas PP, JJ, QQ, RR e SS, em conjugação com os documentos de fls. 147-151, 161-162, 167-170, 171-172, 173-174 e relatório fotográfico de fls. 175-186.

Especificamente, quanto ao descrito em 20 a 22 e 30, tal resulta da conjugação da restante factualidade provada com as regras da experiência comum. O acto de introdução em espaço alheio, com a retirada de objecto pertença de terceiro, da forma como ficou descrita, não são actos que possam ser praticados de forma involuntária. Acresce que, os arguidos, adultos, bem sabem que o Direito não Ihes permites actuar da forma como o fizeram. Está enraizado em toda a comunidade civilizada, desde tenra idade, que o património e a integridade física são bens protegidos pelo Direito. Por outro Iado, responder com falsidade à identificação após se ter sido advertido não pode deixar de ser entendido como um acto voluntário e consciente, adoptado com o intuito de ludibriar as autoridades, apesar de se saber da sua punibilidade.

Quanto à matéria descritas nos pontos 23 a 29, a mesma resulta dos documentos juntos aos autos (auto de constituição de arguido e TIR) onde consta o nome de “LL), bem como do auto de interrogatório de arguido detido perante juiz de instrução, ouvido em audiência, no qual o arguido AA, após ser advertido de que era obrigado a responder com verdade à sua identificação sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, respondeu que o seu nome era LL, tendo posteriormente vindo a apurar- se que tal nome pertence ao seu irmão, conforme documento de identificação também junto aos autos.

No que concerne às condições de vida dos arguidos, valorou-se o teor dos relatórios sociais juntos aos autos.

No que se refere aos antecedentes criminais, considerou-se o teor do certificado junto aos autos.

No que respeita aos factos dados como não provados, tal resultou de, em audiência, não ter sido efectuada prova cabal da veracidade desses factos. As testemunhas não os referiram, nem resultaram de qualquer outro meio de prova produzido ou examinado em audiência.

Assim, o descrito em a), c), d), f) e h) não resultou de qualquer meio de prova.

Quanto ao descrito em b), pese embora a testemunha GG tenha mencionado que o valor atribuído ao ouro era o que consta da acusação, acabou por reconhecer que foi a GNR que Ihe indicou esse valor, pois na realidade não tinha noção exacta do valor do mesmo.

No que respeita à alínea e), a testemunha II declarou em audiência que o montante furtado era de €280, sendo que, na ausência de outros elementos probatórios, o Tribunal considerou aquele facto como não provado.

C) Fundamentação jurídico-penal

(…)

Atenta a factualidade provada e constante dos pontos 1 a 7, e 20, constata-se que os arguidos, mediante plano previamente delineado e ao qual aderiram, apoderaram-se de peças em ouro, pertença da ofendida GG, agindo contra a vontade desta e de forma dolosa.

Estão assim verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto simples, p. e p. pelo art.° 203.°, n.° 1 do Código Penal, na medida em que as qualificativas imputadas na acusação do art.° 204.°, n.° 1, al. a) e f) não se provaram. Relativamente ao valor, não se provou que fosse superior a 50 unidades de conta. Por outro Iado, as arguidas foram convidadas a entrar em casa dos ofendidos, pelo que não se pode concluir que se introduziram ilegitimamente em habitação ou que aí permaneceram escondidas com intenção de furtar.

Quanto à factualidade descrita nos pontos 8 a 10, 20 e 21, apurou-se que os arguidos se apropriaram de 150 euros pertença de II, introduzindo-se para o efeito na residência deste e subtraindo o aludido valor monetário, utilizando a chave que se encontrava do lado de fora da fechadura. Agiram, contra a vontade do ofendido e de forma dolosa.

A acusação imputa aos arguidos a prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 204.°, n.° 2, al. e) do Código Penal, em articulação com o art.° 202.°, al. f), do Código Penal. Ora, considerando a definição legal de chave falsa, a qual não coincide com o significado corrente, não há dúvidas de que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime, pois a chave que utilizaram, apesar de corresponder à chave utilizada pelo ofendido para abrir aquela fechadura, adveio à posse das arguidas sub- repticiamente e como tal é classificada pela lei como “chave falsa”.

Já no que respeita à factualidade descrita nos pontos 11 a 16, 20 e 22, os arguidos subtraíram ao ofendido EE um anel e um fio de ouro, apropriando-se dos mesmos, utilizando a violência, traduzida no arrancar do fio do pescoço daquele, agindo contra a vontade deste e dolosamente. Em face do apurado, a conduta dos arguidos preenche integralmente os elementos objectivos e subjectivos do crime de roubo, p. e p. pelo art.o 210.°, n.° 1 do Código Penal, que lhes vinha imputado na acusação.

No respeitante à factualidade enunciada nos pontos 17 a 20, apurou-se que os arguidos, nas circunstâncias aí descritas subtraíram peças de ouro e 80 euros aos ofendidos, apropriando-se das mesmas, agindo contra a vontade destes e de forma dolosa. Em conclusão, encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto simples, p. e p. pelo art.o 203.°, n.° 1 do Código penal que Ihes vinha imputado.

Considerando a factualidade provada, não há dúvidas de que os arguidos devem ser punidos como co-autores dos crimes supra expostos. Efectivamente, as suas actuações ocorrem no âmbito de um plano previamente delineado, ao qual todos aderiram, com um objectivo comum para o qual conjugaram os seus esforços e intentos.

Ademais, atento o facto apurado e descrito sob o n.° 30, inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

(…)

O arguido AA encontra-se ainda acusado, em autoria material e na forma consumada, da prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 359.°, n.° 1 e 2, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada.

(…)

Ora, analisando a factualidade descrita nos pontos 24 a 29 e 30, é inquestionável que o arguido, sujeito ao dever de responder com verdade à sua identificação e depois de advertido de que a falta ou falsidade da resposta sobre tais questões o faria incorrer em responsabilidade criminal, declarou, de forma deliberada e consciente, contra a verdade por ele conhecida, chamar-se LL.

Nada mais é requerido para se terem por verificados os elementos do tipo-de- ilícito, impondo-se, assim, a sua condenação pela prática do crime imputado.

D) Escolha e medida da pena

Pela prática de cada um dos crimes de furto simples, p. e p. pelo art.o 203.°, n.o 1 do Código Penal, incorrem os arguidos em pena de multa ou pena de prisão até 3 anos.

Pela prática do crime de furto qualificado, p e p. pelo art.° 204.°, n.° 2, al. e) do Código Penal, incorrem os arguidos na pena de 2 a 8 anos de prisão.

Pela prática do crime de roubo, p e p. pelo art.o 210.°, n.o 1, do Código Penal, incorrem os arguidos na pena de 1 a 8 anos de prisão.

Pela prática do crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art.o 359.°, n.° 1 e 2 do Código Penal, incorre o arguido AA em pena de multa ou pena de prisão até 3 anos.

(…)

No caso vertente, as necessidades de prevenção geral são elevadas atenta a proliferação exacerbada dos crimes contra o património, nomeadamente em habitações onde os autores se introduzem sob falsos pretextos, cuja prática causa forte alarme social.

No que respeita à prevenção especial, deverá considerar-se que a mesma é também elevada, atentos os antecedentes criminais dos arguidos, com excepção da arguida CC que não regista antecedentes criminais. Embora o arguido BB não registe antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património, regista um vasto passado criminal (9 condenações por crimes estradais), tendo já cumprido penas de prisão efectivas, antes da prática destes factos. No caso da arguida DD, apesar de bastante jovem, já regista antecedentes pela prática de dois crimes de furto, embora por factos datados de 2010 e 2013.

Pelo que fica exposto, entende-se que uma pena de multa não salvaguarda as exigências de prevenção, mormente geral (quanto à arguida CC e DD) e especial (quanto aos arguidos AA e BB), que se fazem sentir, impondo-se a aplicação de pena de prisão.

Pesa contra os arguidos:

- a intensidade da culpa, atenta a modalidade do dolo (directo);

- a elevada censurabilidade da sua conduta, traduzida no modus operandi, explorando a vulnerabilidade das vítimas e utilizando como pretexto a pandemia de Covid-19 para se introduzirem em casa daquelas, revelador de uma total desconsideração pelo património alheio e pelas vítimas;

- os antecedentes criminais, no que concerne aos arguidos AA e BB;

- a fraca inserção laboral dos arguidos, sem hábitos regulares de trabalho, subsistindo com recurso a ajuda de familiares e apoios sociais;

- quanto ao arguido AA, e apenas no que respeita ao crime de falsidade de declaração, há a considerar que o arguido identificou-se com um nome falso mais do que uma vez (quer por escrito, quer oralmente perante Juiz), persistindo na sua conduta até ter sido descoberto, quanto já se encontra em reclusão.

Pesa a favor dos arguidos:

- a ausência de antecedentes criminais, no que concerne à arguida CC e os antecedentes da arguida DD terem mais de 10 anos;

- estarem inseridos familiarmente, beneficiando do apoio da família.

A actuação dos arguidos ocorreu no âmbito de um plano previamente delineado, para o qual conjugaram esforços e intentos, razão pela qual as penas a aplicar devem ter idêntica dosimetria, em relação aos crimes praticados em co-autoria.

Tudo visto e ponderado, considera-se adequado à culpa dos arguidos e às necessidades de prevenção geral e especial a aplicação das seguintes penas:

- 6 meses de prisão, por cada crime de furto simples;

- 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de furto qualificado;

- 2 anos de prisão pela prática do crime de roubo simples.

Quanto ao arguido AA, entende-se ser se aplicar uma pena de 1 ano e 6 meses pela prática do crime de falsidade de declaração.

Importa agora proceder à determinação da moldura do concurso, , nos termos do disposto no art. 77º, n.° 2 do Código Penal.

Assim e quanto ao arguido AA:

- o limite máximo fixa-se em 7 anos de prisão;

- o limite mínimo fixa-se em 2 anos e 6 meses de prisão.

Quanto aos demais arguidos:

o limite máximo fixa-se em 5 anos e 6 de prisão;

- o limite mínimo fixa-se em 2 anos e 6 meses de prisão.

Finalmente cabe fixar a pena única do concurso nos termos do disposto no art. 77º, n.° 1, parte final, do Código Penal.

Ora, tomando como base o número e o tipo de crimes praticados, a elevada censurabilidade, a existência de antecedentes criminais por factos de idêntica natureza quanto aos crimes de furto, a circunstância dos crimes não terem sido todos praticados no mesmo momento temporal, mas sucessivamente e também a fraca inserção social do arguido AA, sem hábitos de trabalho consistentes, considera-se adequado aplicar a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Quanto aos demais arguidos, considerando o número e o tipo de crimes praticados, a elevada censurabilidade, a inexistência de antecedentes criminais por factos de idêntica natureza (apesar das condenações sofridas pela arguida DD, são factos com mais de 10 anos), a circunstância dos crimes não terem sido todos praticados no mesmo momento temporal, mas sucessivamente e também a fraca inserção social dos arguidos, sem hábitos de trabalho consistentes, considera-se adequado aplicar a pena única de 3 anos e 9 de prisão.

(…)

Ora considerando as condições pessoais dos arguidos BB, DD e CC bem como não terem antecedentes criminais, no caso da CC, e no caso da DD esses antecedentes terem mais de 10 anos, e no caso do BB serem por crimes de natureza diversa, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão ainda são suficientes para afastar os arguidos da prática de outros crimes e satisfaz adequadamente as finalidades de prevenção geral e especial supra referidas. Efectivamente, os arguidos cresceram em condições desfavoráveis a uma correcta inserção, têm fraca instrução, e poucos hábitos de trabalho, mas gozam de um bom apoio familiar, apresentam perspectivas futuras propícias a uma boa reintegração, tendo a privação de liberdade que sentiram até ao momento um efeito ressocializador.

Contudo, importa impor aos arguidos condições para a suspensão da execução da pena, por forma a que os mesmos interiorizem melhor as finalidades da punição e desta forma não voltem a praticar factos desta natureza, impondo assim um regime de prova, vocacionado para a formação profissional e procura activa de emprego.

Por outro Iado, entende-se que o período de suspensão deverá ser mais alargado do que a pena para permitir a consolidação por parte dos arguidos da adopção de comportamentos pró-sociais, garantido uma maior ressocialização dos mesmos. Assim, decide-se suspender a pena de prisão por 5 anos.

Em conclusão, nos termos do disposto no art.o 50.o, n.° 1 e 5 e 53º, n.°s 1 e 2, ambos do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de 3 anos e 9 meses, por 5 anos, sujeita ao regime de prova, nos termos previstos no art.° 53.° do Código Penal.

Quanto ao arguido AA, os seus antecedentes criminais impedem a formulação de qualquer juízo de prognose favorável. Efectivamente, o arguido foi condenado a pena de prisão efectiva pela prática de crimes contra o património, praticados em 2014, bem como, em 2022 numa pena de prisão, suspensa na sua execução e com regime de prova pela prática de um crime de roubo, em 2019, tendo voltado a delinquir em 2023, com a prática dos factos agora em apreço.

Assim sendo, entende-se ser de impor o cumprimento efectivo da pena em que vai condenado.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

As questões a decidir são as seguintes

I – Recurso de AA (tal como o mesmo as configura):

1.ª – Da não verificação da circunstância modificativa prevista no art.º 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal.

2.ª – Da invalidade dos reconhecimentos efectuados pelos ofendidos EE e FF.

3.ª - Da medida da pena pela prática do crime de falsas declarações.

II – Recurso de BB e de CC.

1.ª – Nulidade por excesso de pronúncia e “deficiência” do exame crítico das provas.

2.ª – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

3.ª – Impugnação de toda a matéria de facto dada como provada.

4.ª – Violação do art.º 127.º.

5.ª – Inconstitucionalidade material (alegada violação do art.º 32.º, n.º 1 e 5 da CRP).

6.ª – Medida da pena.

B. Decidindo.

I – Recurso de AA:

1.ª – Da não verificação da circunstância modificativa prevista no art.º 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal (CP).

A divergência quanto ao decidido centra-se no conceito de chave(s) falsa(s).

Desde logo, cumpre aqui recordar o conceito legal em causa.

Assim, nos termos do art.º 202.º do CP, são (alínea f) chaves falsas: (…) II) as verdadeiras quando, fortuita ou subrepticiamente, estiverem fora do poder de quem tiver o direito de as usar; (…).

“As chaves verdadeiras aproveitadas subrepticiamente pelo agente do crime são aquelas cuja detenção o agente alcança por manobra fraudulenta, ardil ou desvio do uso normal (…).” (2)

No caso dos autos, está em causa o facto provado 9, do qual, em síntese, consta que os arguidos utilizaram “a chave que se encontrava na fechadura, do lado de fora da porta” e “introduziram-se na residência em causa, tendo, do seu interior, retirado” uma quantia em dinheiro.

Coloca-se, então, a questão de subsumir (ou não) a utilização de uma chave que se encontrava na fechadura exterior de uma residência no conceito “sub-repticiamente”.

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (3), define-se tal conceito como “[f]azendo por ocultar, para que ninguém veja ou perceba”, “disfarçadamente, dissimuladamente”, ou seja, “≠ abertamente, ostensivamente”.

Se os arguidos utilizaram uma chave que se encontrava na fechadura, do lado de fora da porta, à primeira vista, parece que, tratando-se de uma ação à vista de todos, não dissimulada, não se poderá entender estarmos perante uma utilização sub-reptícia.

Será assim?

Maia Gonçalves (4) entende que cabem no conceito de chaves falsas as verdadeiras “mas que se encontram fortuitamente fora do poder de quem tem o direito de as utilizar e o seu furtuito detentor as utiliza”.

Este sentido de que é, efetivamente, a utilização indevida das chaves (verdadeiras) pelo agente que faz operar a qualificativa é, aparentemente, partilhado por Carlos Codeço (5), quando afirma que, “[n]a verdade, o legislador, ao versar as chaves falsas, vem colocar o acento tónico no modo como o furto é praticado – e não no objecto que é utilizado pelo ladrão. O que a lei quer evitar e, consequentemente, punir, é a abertura, ilícita e sem violência, de fechaduras ou de dispositivo semelhantes que representam em primeira linha a defesa da coisa subtraída. Daí que o emprego das chaves verdadeiras pelo ladrão seja de punir, pois já são obtidas criminosamente, ou por terem sido furtadas ou por terem sido encontradas e não devolvidas ao dono.”

Porém, mesmo para o autor imediatamente acima referido, precisamente a situação dos presentes autos deve ser excluída da qualificativa em causa. Efetivamente, “[a] razão de ser da lei parece não abarcar o caso de a chave se encontrar na própria fechadura, pois não se poderá falar, então, de porta fechada, mas antes de porta aberta.” (6)

Também no sentido de situações similares à dos presentes autos não integrarem a qualificativa mencionada, vide (7) o Acórdão do STJ de 25.05.1994 (BMJ 437, página 250) e também da RL de 19.07.1972 (BMJ 219, página 255).

Faria Costa (8) afirma, a este propósito, que a “interpretação mais correta, porque mais restritiva (…), pode ser aquela que considere que, para efeitos jurídico-penais, a fortuitidade ou o carácter sub-reptício só ganha aqui relevância se houver por parte do agente um qualquer impulso de atuação delituosa.” Estamos essencialmente de acordo com esta possibilidade interpretativa, desde que (i) o impulso de atuação delituosa inerente à utilização das chaves “verdadeiras”, apesar de ligado instrumentalmente à ação subtrativa, da mesma, de alguma forma, se autonomize e (ii) a ausência do poder de quem tiver o direito de usar as chaves “verdadeiras” tiver etiologia sub-reptícia ou fortuita.

No caso dos autos, como se infere dos factos provados, nem um nem outro dos requisitos estão preenchidos: Por um lado, a utilização da chave “verdadeira” não se autonomiza do impulso nuclear subtrativo, sendo estruturalmente inerente ao mesmo; por outro lado, como vimos, a atuação nada teve de sub-reptícia, não sendo minimamente dissimulada, apenas aproveitando uma circunstância casual (o desleixo de quem deixou as chaves na fechadura exterior da casa), situação que, como também se referiu, em nada se distingue do acesso à residência através de uma porta aberta ou da abertura de uma porta não fechada à chave.

Pelo exposto, entendemos que a mencionada qualificativa não está preenchida.

Resta, quanto a este crime, como refere o próprio recorrente, a integração da conduta na previsão da alínea f) do n.º 1 do art.º 204.º do CP.

Quanto à medida da pena, será a mesma analisada ulteriormente, quando se conhecer da 3.ª questão.

2.ª – Da invalidade dos reconhecimentos efetuados pelos ofendidos EE e FF.

Segundo o recorrente, não se extrai dos autos de reconhecimento que tenham sido cumpridas as formalidades legais e que os mesmos reproduzam fielmente o que se passou, nomeadamente quem foram os elementos que compuseram a linha de reconhecimento e se foram ou não exibidas fotografias aos reconhecedores, verificando-se que os autos em causa não estão assinados pelo arguido, pelo defensor ou pelos figurantes, omitindo-se também o nome completo destes.

O meio de prova “reconhecimento”, (para efeitos do art.º 147.º (9)) pressupõe um “conhecimento”, ou seja, que a testemunha presencie previamente determinado facto.

Consta da motivação do acórdão recorrido, como vimos, o seguinte:

“constata-se que foram observadas as formalidades exigidas no citado art. 147.°, n.° 2, do CPP. A lei não exige que o auto esteja assinado por todos os intervenientes na linha de reconhecimento, pelo que a ausência das assinaturas dos “figurantes” não poderá invalidar o acto processual em causa.”

“O cuidado que o legislador pôs na regulamentação do acto de reconhecimento evidencia a importância e falibilidade deste meio de prova, quando não forem todas as devidas precauções.” (10)

Vejamos o normativo nuclear:

Art.º 147.º

(com a redação introduzida pela Lei nº. 48/2007, de 29 de Agosto)

1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.

3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.

4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no nº. 2 são, se nisso consentirem, fotografadas sendo as fotografias juntas ao auto.

5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.

6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.

7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.

Entende-se que, fundamentalmente, existem três categorias de reconhecimento (11), a saber, (i) o reconhecimento por descrição, (ii) o reconhecimento presencial e (iii) o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação.

Importa referir que, após a reforma de 2007, “subsiste a questão fundamental de indefinição da natureza da prova por reconhecimento a qual tem subjacente a precisão sobre a sua finalidade. Pressuposto básico na equação da mesma questão é o de que estamos perante a prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação.”(12)

Desde logo, importa esclarecer que, obviamente, inexiste qualquer ónus da prova que impenda sobre a defesa quanto à ilegalidade do acto de reconhecimento. No entanto, tal não significa que todo o processo de reconhecimento possa ser posto em causa, irrestritamente.

Desde logo, importa sublinhar que o “auto que consubstancia o reconhecimento é um documento autêntico – artigo 363º nº 2 do Código Civil – considerando-se provados os factos materiais que dele constam enquanto a sua autenticidade, ou a veracidade do seu conteúdo, não foram colocados em causa nos termos do artigo 169º do Código de Processo Penal.” (13)

Entendemos que o recorrente não identifica cabalmente quaisquer “formalidades primárias ou essenciais” (14) que tenham sido preteridas, alegando apenas uma eventual preterição de formalidades não essenciais ou secundárias, como assinaturas e omissão do “nome completo” dos figurantes e exibição de fotografias. (15)

A este propósito, importa mencionar o teor do Acórdão do TRG de 19.05.2014 proferido no processo n.º 573/13.8GBBCL.G1 no sentido de que “… as ausências de assinatura de alguns dos intervenientes nas respectivas linhas evidenciadas em alguns dos autos constituem mera irregularidade há muito sanada, uma vez não atempadamente suscitada (art. 123º., nº1 CPP).”

Por seu turno e em sentido essencialmente semelhante, devemos aludir ao teor do Acórdão do TRP de 05.11.2014 proferido no processo n.º 301/13.8PBMAI.P1, na parte em que afirma que “a existência de um qualquer vício na preparação e execução do reconhecimento de pessoas documentado nos autos [cuja disciplina se acha prevista no artigo 147.º, do Cód. Proc. Penal] não integra o elenco das nulidades insanáveis, do artigo 119.º, do Cód. Proc. Penal. Seria, quanto muito, passível de integrar, o grupo das nulidades dependentes de arguição, do artigo 120.º, do Cód. Proc. Penal. Ora, nos termos do disposto no n.º 3, alínea c) do cit. art. estas nulidades “(…) devem ser arguidas: (…) c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (…)” e que tal “não aconteceu. O inquérito foi concluído e, pelo menos a partir dessa ocasião, os arguidos tiveram possibilidade de conhecer em pormenor as diligências efetuadas e certificarem-se do cumprimento ou não das respetivas formalidades. Então, nada arguiram. Aguardar o decurso da audiência de julgamento para só então suscitar a apreciação do cumprimento de formalidades inerentes a determinados atos do inquérito é esperar tempo demais, é deixar passar o tempo legal oportuno para arguir a eventual invalidade e irregularidade desses atos.”

A pretensão relativa ao processo de reconhecimento é, assim, improcedente.

3.ª - Da medida da pena pela prática do crime de falsas declarações [e pela prática do crime de furto qualificado nos termos conhecidos quanto à 1.ª questão].

Defende o recorrente, quanto ao mencionado crime (falsas declarações) que entende como “manifestamente exagerada”, uma vez que “não possui antecedentes criminais de natureza idêntica” e assinalando a (aparente) contradição com a pena fixada para o crime de furto simples.

Vejamos.

Como acima se mencionou, o tribunal a quo levou em conta, na fixação da medida da pena, o seguinte:

“Pesa contra os arguidos:

- a intensidade da culpa, atenta a modalidade do dolo (directo);

- a elevada censurabilidade da sua conduta, traduzida no modus operandi, explorando a vulnerabilidade das vítimas e utilizando como pretexto a pandemia de Covid-19 para se introduzirem em casa daquelas, revelador de uma total desconsideração pelo património alheio e pelas vítimas;

- os antecedentes criminais, no que concerne aos arguidos AA e BB;

- a fraca inserção laboral dos arguidos, sem hábitos regulares de trabalho, subsistindo com recurso a ajuda de familiares e apoios sociais;

- quanto ao arguido AA, e apenas no que respeita ao crime de falsidade de declaração, há a considerar que o arguido identificou-se com um nome falso mais do que uma vez (quer por escrito, quer oralmente perante Juiz), persistindo na sua conduta até ter sido descoberto, quanto já se encontra em reclusão.

Pesa a favor dos arguidos:

- a ausência de antecedentes criminais, no que concerne à arguida CC e os antecedentes da arguida DD terem mais de 10 anos;

- estarem inseridos familiarmente, beneficiando do apoio da família.”

A moldura punitiva é, como sabemos, prisão (não está em causa, como se deduz da própria motivação do recorrente, a pena de multa) até 3 anos (mínimo 1 mês – art.º 41.º, n.º 1 do CP).

Assim, o ½ da moldura punitiva é de 1 ano, 6 meses e 15 dias ( ½ de 35 meses = 17 meses e 15 dias + 1 mês do mínimo legal) de prisão.

Tendo a pena sido fixada em 1 ano e 6 meses de prisão, verifica-se que a mesma se situa marginalmente abaixo do ½ da referida moldura punitiva abstrata.

Atentas as circunstâncias mencionadas e valoradas pelo tribunal recorrido, de onde avultam os seus numerosos antecedentes criminais (com penas de prisão por crimes graves, inclusive violentos) e sua diversidade operativa (até perante magistrados), a fixação da pena abaixo do ponto médio da respetiva moldura abstrata não merece qualquer censura, mostrando-se equilibrada e obedecendo ao comando legal previsto no art.º 71.º do CP, não podendo atender-se à pretensão de redução para 6 meses de prisão peticionada pelo recorrente.

*

Por seu turno, quanto à medida da pena pelo crime de furto (qualificado) acima mencionado (em sede de conhecimento da 1.ª questão), é de referir que a moldura punitiva abstrata se altera de acordo com o acima conhecido, passando de prisão de 2 a 8 anos (art.º 204.º, n.º 2 do CP) para prisão de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias (art.º 204.º, n.º 1 do CP).

Devemos levar em conta as circunstâncias acima mencionadas (exceto a especificamente mencionada quanto ao crime de falsidade de depoimento).

O recorrente propugna uma redução para 9 meses de prisão.

Face sobretudo aos antecedentes criminais do arguido, entendemos como adequada uma pena de 1 ano de prisão.

Deste modo, quanto à moldura do concurso, atento o disposto no art.º 77.º, n.º 2 do CP, ela materializar-se-á num intervalo entre 2 anos de prisão (pena mais grave) e 4 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares: 6 meses + 6 meses + 1 ano e 6 meses + 1 ano + 2 anos)

Recorde-se que o acórdão recorrido, para chegar à pena única de 4 anos e 6 meses de prisão levou em conta “o número e o tipo de crimes praticados, a elevada censurabilidade, a existência de antecedentes criminais por factos de idêntica natureza quanto aos crimes de furto, a circunstância dos crimes não terem sido todos praticados no mesmo momento temporal, mas sucessivamente e também a fraca inserção social do arguido AA, sem hábitos de trabalho consistentes”, o que nos parece essencialmente adequado e de acordo com os normativos aplicáveis (acima referidos), critério que o recorrente não coloca expressamente em causa.

Considerando que a pena única foi anteriormente fixada marginalmente abaixo do ½ da moldura do cúmulo, seguindo o mesmo critério, fixar-se-á a pena única deste arguido em 3 anos e 2 meses de prisão.

II – Recurso de BB e de CC.

1.ª – Nulidade por excesso de pronúncia e “deficiência” do exame crítico das provas.

Desde já importa salientar, salvo o devido respeito, a amálgama indistinta de “argumentos” utilizados pelos recorrentes, sem qualquer fundamentação para os mesmos e estabelecendo conexões dogmática e legalmente inexistentes.

Assim, começam os mesmos por aludir ao vício do art.º 410.º, n.º 2, alínea c), que apelidam de “nulidade”, ligando tal vício ao excesso de pronúncia e invocando, imediatamente de seguida, uma impugnação da matéria de facto dada como provada, sem que se perceba o porquê desta junção argumentativa.

Deste modo, tentando conferir a ordem possível no conhecimento das questões, conhecem-se agora as duas nulidades invocadas (excluindo a referida “nulidade” do art.º 410.º, objeto de conhecimento autónomo).

Consequentemente:

(i) Nulidade por excesso de pronúncia.

Nos termos do art.º 379.º, n.º 1, alínea c):

“1 - É nula a sentença:

(…)

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

Como nos diz Mouraz Lopes (16), “não pode conhecer-se de matéria sobre a qual está além do objeto do processo”.

Segundo os recorrentes, esta “nulidade” advém da “existência de reconhecimentos positivos” (…) “sem observância das formalidades legais”.

Quanto às formalidades dos reconhecimentos, remete-se para o conhecimento de questão análoga conhecida quanto ao recurso anterior, que aqui tem completa aplicação, pelo que os reconhecimentos em causa não padecem de qualquer ilegalidade / nulidade e, se padecessem, a sua invocação seria, como também se assinalou, extemporânea, dado que não estamos perante formalidades primárias ou essenciais.

De referir que os recorrentes “pedem”(?) a “nulidade do acórdão” “ou a renovação dos factos”.

Quanto ao primeiro pedido, trata-se de uma expressão enigmática, cujo alcance não vislumbramos, sendo certo que, a tratar-se de pretensão dirigida a uma declaração de nulidade da decisão recorrida pelos motivos acima expostos, para aí se remete. Já quanto à “renovação dos factos”, desconhecemos em absoluto o que pretenderão os recorrentes, já que se desconhece de que factos se está a falar e como poderão quaisquer factos ser renovados (?).

(ii) Nulidade por “deficiência” do exame crítico das provas.

Afirmam os recorrentes que foi violado o disposto no art.º 374.º, n.º 2 “quanto à deficiência do exame crítico da prova”.

Sobre a questão do exame crítico da prova, importa lembrar o seguinte trecho do Acórdão deste TRE de 19.01.2016 proferido no processo n.º 343/11.8IDFAR.E1: “A exigência de fundamentação consiste na imposição de que “as decisões sejam eficazmente motivadas em matéria de facto e de direito”. “Motivar, na sua aproximação mais óbvia, é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior (Perfecto Andrés Ibañez, Sobre a Formação Racional da Convicção Judicial, Julgar nº 13, p. 167). O caminho percorrido desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987 sedimentou o entendimento, que temos hoje por incontroverso, de que a motivação da matéria de facto exige exame crítico das provas, de todas as provas conducentes ao conjunto dos enunciados fácticos afirmados na sentença, como provados e/ou como não provados, no sentido de que não basta enumerar, mencionar, transcrever ou reproduzir provas, impondo-se exteriorizar em que medida a prova influenciou o julgador, convencendo-o em determinado sentido. Logo nos primeiros trabalhos de interpretação e de elaboração dogmática realizados sobre o novo Código de Processo Penal, divulgados pelo Centro de Estudos Judiciários em 1988, dizia Marques Ferreira: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal (…). De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual (…). No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32º, nº1 e 210º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, exige-se não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto (…) não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.” (Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, 1988, 229/30). Ao motivar, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3). Abundante é, também, a jurisprudência do Tribunal Constitucional. No Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004, por exemplo, chama-se a atenção de que “esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis)”.

Muito embora os recorrentes não expliquem os fundamentos desta sua alegação, o que só por si faria naufragar a inerente pretensão (cfr. art.º 412.º, n.º 1), basta uma leitura perfunctória da motivação da decisão recorrida para se apreender que a decisão tomada quanto à matéria de facto se encontra (até) exaustivamente fundamentada, não se vislumbrando qualquer omissão ou deficiência da exame crítico da prova.

2.ª – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Com respeito à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o art.º 410.º, n.º 2, alínea a) estatui que:

“2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;”

Este vício traduz-se, nomeadamente, em não se dar “como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão” (17), sendo necessário que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

Esse vício sucede quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou ou não um crime, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena. (18)

Salvo o devido respeito, os recorrentes, como infelizmente acontece frequentemente nos recursos para os TR, confundem o vício da chamada “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a)) com a impugnação da matéria de facto que está regulada no art.º 412.º, n.º 3. Os tribunais superiores (com diminuto sucesso, tem de reconhecer-se), traçam, amiúde, pedagogicamente, uma distinção entre as “deficiências” da decisão (art.º 410.º, n.º 2) e os erros do julgamento (previstos no n.º 3 do art.º 412.º), explicando as diferenças conceptuais e processuais entre as duas figuras. Como resulta diretamente da lei, a impugnação da decisão da matéria de facto pode acontecer de duas formas procedimentalmente distintas, (i) arguindo-se o vício de texto previsto no art.º 410.º, n.º 2, ou seja, um sistema de reexame da matéria de facto por meio da chamada revista alargada, ou (ii) mediante o recurso amplo ou efetivo da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, que tem a sua previsão no referido art.º 412.º, números 3, 4 e 6.

Como se pode ler no Acórdão deste TRE (em que o ora relator foi adjunto) de 08.11.2022, proferido no processo n.º 23/15.5IDPTG.E1 (Relator Nuno Garcia) são situações completamente distintas: Os vícios que permitem a designada revista alargada (art.º 410.º, n.º 2) têm de resultar da própria sentença / acórdão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não pode ser feito apelo à prova que foi produzida, porque se assim se fizer está a sair-se do campo de aplicação do n.º 2 do art.º 410.º e a enquadrar-se no n.º 3 do art.º 412.º do mesmo Código.

No caso dos autos, os recorrentes laboram no aludido frequente erro, invocando os mencionados “reconhecimentos nulos” e que “não se fez qualquer prova” dos factos impugnados.

É evidente que estão fora da revista alargada que invocam e navegam nas águas do recurso amplo da matéria de facto (citadas alíneas do art.º 412.º).

É, assim, a pretensão inerente a esta questão notoriamente improcedente.

3.ª – Impugnação de toda a matéria de facto dada como provada.

Constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do art.º 428.º.

O recorrente afirma, como acima mencionámos, que ocorre a invocada insuficiência para prova dos aludidos factos e que, assim, foi violado o art.º 340.º.

A este propósito, importa lembrar o que dispõe o art.º 412.º, com referência à motivação do recurso e conclusões:

“(…)

3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Como consta do Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque (19), em anotação à referida norma, “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)”; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”, a que “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova «impõe» decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”

Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspeto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.

Tal exigência decorre da circunstância de que todos os recursos – à exceção do recurso de revisão – se encontrarem “concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o ato impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocadas.

Ora é exatamente para isso que serve a motivação: permitir ao recorrente apontar ao Tribunal ad quem o que na sua perspetiva foi mal julgado e oferecer uma proposta de correção para que o órgão judiciário o possa avaliar.” (20)

Por outro lado, pretendendo o recorrente “impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.” (21)

As exigências previstas nos números 3 e 4 do art.º 412.º não se revestem de natureza meramente secundária ou formal: ao invés, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e só a sua estrita observância permitirá ao tribunal de recurso conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre um objeto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão.

Complementarmente se dirá que a ratio das aludidas exigências repousa na circunstância de o recurso sobre a matéria de facto não ter como escopo “a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância” (22), como sucede quando “o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário” (23), por exemplo, “se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto (…) [ou] se, apesar de afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiros” (24).

Por outro lado, é de sublinhar que, “se, perante determinada situação de facto em concreto, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente (tenha ele, nos autos, a posição processual que tiver), ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que por ela opte, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova”. (25)

A razão de ser de tais exigências decorre da circunstância de o recurso sobre a matéria de facto não visar “a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância” (26).

Em primeiro lugar, o tribunal a quo não deu como provados, como a mera leitura da motivação permite concluir, quaisquer factos “apenas com base em reconhecimentos”, sendo invocada (muita) outra prova, nomeadamente testemunhal e documental.

Por outro lado, como vimos, de nenhum vício padecem os reconhecimentos feitos nos autos (e se padecessem, como também já referimos, a sua invocação estaria vedada por extemporaneidade).

Em síntese, a pretensão inerente a esta questão é também notoriamente improcedente.

4.ª – Violação do art.º 127.º do CPP.

Segundo os recorrentes, foi violado, por erro de interpretação, o disposto no art.º 127.º do CPP.

Muito embora, à semelhança de outras questões anteriores, os recorrentes não expliquem os fundamentos desta sua alegação, o que só por si faria naufragar a inerente pretensão (cfr. art.º 412.º, n.º 1), sempre diremos o seguinte:

A credibilidade da prova (nomeadamente testemunhal) é já um aspecto que não tem a ver com a impugnação da matéria de facto, mas sim com uma realidade outra.

Com efeito, segundo o artt..º 127º 127..º, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente..

“A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional (27) e, portanto, imotivável Há--de traduzir--se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, , requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. (28)

Atendendo a tal aspecto, o art.º 374.º, n.º 2 determina que a sentença deverá conter “uma exposição tanto possível completa,ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito , que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.

Contudo , apesar da objectivação da apreciação dos factos, a decisão do juiz deve assentar sempre numa numa ““convicção pessoal –– até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (vg a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais..”” (29)

Por outro lado, não podemos separar a livre apreciação da prova do princípio da oralidade. Segundo Alberto dos Reis, a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de se extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal.

Nos casos em que a decisão do juiz, com a devida fundamentação, traduzir uma das soluções plausíveis, atentas as regras da experiência, ela será insindicável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que aquele julgue de acordo com a sua livre convicção .

Da fundamentação da decisão resulta à saciedade que a opção pela prova dos factos traduz uma das soluções plausíveis, nada havendo a apontar à mesma.

A pretensão inerente a esta questão é, assim, também notoriamente improcedente.

5.ª – Inconstitucionalidade material (alegada violação do art.º 32.º, n.º 1 e 5 da CRP)

Relativamente à alegada violação do art.º 32.º, números 1 e 5 da CRP, é a mesma totalmente insubsistente porque não é alegada qualquer interpretação normativa que viole aquele comando constitucional ou quaisquer outros, sendo também hermética / incompreensível a referência à inconstitucionalidade do “acórdão”: os acórdãos não são (não podem ser) inconstitucionais, apenas as interpretações normativas dos mesmos o podem ser.

Em síntese, trata-se de alegação totalmente improcedente.

6.ª – Medida da pena.

Quanto a esta questão, remete-se, com as devidas adaptações, para o decidido quanto a questão semelhante conhecida no recurso anterior.

Especificamente quanto a estes arguidos (e aos demais arguidos), importa relembrar que do acórdão recorrido consta:

“A actuação dos arguidos ocorreu no âmbito de um plano previamente delineado, para o qual conjugaram esforços e intentos, razão pela qual as penas a aplicar devem ter idêntica dosimetria, em relação aos crimes praticados em co- autoria.”

Vejamos.

Desde logo, importa mencionar que a “dosimetria” das penas, podendo ter como bússola orientadora a “uniformidade” participativa dos arguidos nos factos, não deve, em nossa opinião, esgotar-se nessa circunstância, devendo valorar-se de forma diferenciada, nomeadamente, a feição dos antecedentes criminais, e, especialmente, a sua ausência, na medida em que é exata tradução de razões de prevenção especial atenuadas.

Assim, atentas as mencionadas circunstâncias e o disposto no art.º 402.º, n.º 2, alínea a) (ou seja, o decidido quanto ao arguido AA aproveita aos demais, já que estamos perante um caso de comparticipação), consideramos adequadas as seguintes penas:

Arguida CC:

1 – Cada um dos crimes de furto simples – 4 meses de prisão;

2 – Crime de furto qualificado (convolado nos termos conhecidos no recurso do arguido AA) – 8 meses de prisão;

3 – Crime de roubo – 18 meses de prisão.

Deste modo, quanto à moldura do concurso, atento o disposto no art.º 77.º, n.º 2 do CP, ela materializar-se-á num intervalo entre 18 meses (pena mais grave) de prisão e 34 meses de prisão (soma das penas parcelares: 4 meses + 4 meses + 8 meses + 18 meses)

Recorde-se, mais uma vez, com relevância para esta arguida, que o acórdão recorrido, para chegar à pena única ali fixada levou em conta “o número e o tipo de crimes praticados, a elevada censurabilidade (…), a circunstância dos crimes não terem sido todos praticados no mesmo momento temporal, mas sucessivamente (…)”, o que nos parece essencialmente adequado e de acordo com os normativos aplicáveis (acima referidos). Considerando que a pena única foi anteriormente fixada marginalmente abaixo do ½ da moldura do cúmulo, seguindo critério análogo devidamente atenuado, fixar-se-á a pena única desta arguida em 20 meses de prisão, com execução suspensa por 3 anos sujeita ao regime de prova, atentas as razões que constam da decisão recorrida, que se consideram plenamente válidas e operativas.

Arguido BB:

1 – Cada um dos crimes de furto simples – 5 meses de prisão;

2 – Crime de furto qualificado (convolado nos termos conhecidos no recurso do arguido AA) – 10 meses de prisão;

3 – Crime de roubo – 20 meses de prisão.

Deste modo, quanto à moldura do concurso, atento o disposto no art.º 77.º, n.º 2 do CP, ela materializar-se-á num intervalo entre 20 meses (pena mais grave) de prisão e 40 meses de prisão (soma das penas parcelares: 5 meses + 5 meses + 10 meses + 20 meses)

Levando em conta, com as devidas adaptações, o critério seguido pelo tribunal recorrido na fixação da pena única e considerando que mesma foi anteriormente fixada marginalmente abaixo do ½ da moldura do cúmulo, seguindo critério análogo com alguma atenuação, fixar-se-á a pena única deste arguido em 26 meses de prisão, com execução suspensa por 3 anos e 6 meses sujeita ao regime de prova, atentas as razões que constam da decisão recorrida, que se consideram plenamente válidas e operativas.

Arguida DD:

Deve observar-se o decidido quanto ao arguido BB, com idêntica fixação das penas parcelares e da pena única.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar os recursos de:

I – AA – Parcialmente procedente, reduzindo as penas parcelares nos termos acima expostos e a pena (única) em que foi condenado a 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva, improcedendo quanto ao demais peticionado.

II – BB e CC - Parcialmente procedente, reduzindo as penas parcelares nos termos acima expostos e a pena (única) em que foram condenados a, respetivamente, 26 (vinte e seis) meses de prisão, com execução suspensa por 3 anos e 6 meses sujeita ao regime de prova e 20 (vinte) meses de prisão, com execução suspensa, respetivamente também, por 3 (três) anos e 3 (três) anos 6 (seis) meses sujeita ao regime de prova, improcedendo quanto ao demais peticionado.

Ao abrigo do disposto no art.º 402.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, a pena única da arguida DD será reduzindo as penas parcelares nos termos acima expostos e a pena (única) em que foi condenada a 26 (vinte e seis) meses de prisão, com execução suspensa por 3 (três) anos e 6 (seis) meses sujeita ao regime de prova.

Sem custas. (art.º 513.º, n.º 1 a contrario do Código de Processo Penal)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

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1 Diploma a que pertencerão todas as referências normativas ulteriores sem indicação diversa.

2 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, 2021, página 856.

3 Da Academia das Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, 2001, página 3469.

4 In Código Penal Português, Almedina, 18.ª edição, 2007, página 714.

5 In O Furto no Código Penal e no Projecto, Athena Editora, 1981, página 221.

6 Idem, ibidem., com referência expressa a posição concordante de Magalhães Noronha, Direito Penal II, 1969, página 235.

7 Apud Maia Gonçalves in Ob. cit., página 715.

8 In Comentário Conimbricense do Código Penal, 2,ª edição, Gestlegal, Coimbra, tomo II, volume I, 2022, página 23.

9 Em qualquer das modalidades aí previstas, ou seja, o reconhecimento por descrição, presencial ou por fotografia, filme ou gravação.

10 No mesmo sentido, vide o Acórdão do TC n.º 425/05 e Santos Cabral in Código de Processo Penal Comentado, 3.ª edição revista, 2021, Almedina, página 562.

11 Bárbara Sousa e Brito e Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, Volume I, 5.ª edição, 2023, página 603) ainda mencionam uma quarta categoria, o “reconhecimento com resguardo”, que, salvo o devido respeito, entendemos não revestir autonomia essencial quanto às demais. Nesta obra ainda se mencionam outras possíveis categorizações, sem interesse nesta sede específica.

12 Santos Cabral in Ob. cit., página 565.

13 Santos Cabral in Ob. cit., página 563.

14 Ver, para uma identificação de tal tipo de formalidades, Bárbara Sousa e Brito e Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário cit., página 612: violação da estrutura do reconhecimento, a escolha de apenas uma pessoa com semelhanças com o identificado, a seleção de pessoas sem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, a colocação em separado do identificando, a apresentação do identificando e das outras pessoas em condições diferentes daquela em que o identificando se encontraria à data do facto da primitiva visualização, sendo possível apresentá-los nas mesmas condições, a formulação de perguntas «dirigidas» à identificação de uma pessoa concreto. De referir que, não existindo qualquer ónus da prova da preterição de tais formalidades, não bastará, em face do teor do respetivo auto e da sua força probatória, a invocação nebulosa e imprecisa de uma eventual preterição das mesmas, importando que a mesma se encontre comprovada.

15 De mencionar que a referência às “fotografias apresentadas” constante dos autos em causa (os mencionados na decisão recorrida) integra, como o visionamento dos mesmos (a que procedemos), permite revelar notoriamente, o “modelo” normalizado utilizado pela GNR, sendo certo que, inexistindo qualquer referência anterior (ou posterior) a quaisquer fotografias, aquela referência é espúria, considerando-se que os reconhecimentos foram realizados (apenas) em face do grupo de pessoas identificado, como resulta expressamente das referências contextuais concretas inscritas em cada um dos mencionados modelos.

16 In Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, 2022, Almedina, página 801.

1717 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Recursos Penais, 9.ª edição, 2020, Editora Rei dos Livros, página 75.

18 Vide concordantemente, entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020 proferido no processo n.º 5824/18.0T9LSB-3, o Acórdão da Relação do Porto de 09.01.2020 proferido no processo n.º 1204/19.8T8OAZ.P1 e o Acórdão deste TRE de 07.05.2019, proferido no processo n.º 112/14.3TAVNO.E1.

19 5.ª edição, UCP Editora, Volume II, 2023, páginas 677/678. 20 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.

21 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10 de Março de 2004 – Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004, referindo-se a uma versão do art.º 412.º, n.º 3 e nº 4 do Código de Processo Penal que era menos exigente do que a atual relativamente aos ónus dos recorrentes.

22 Acórdão deste TRE de 19.05.2015, proferido no processo 441/10.5TABJA.E2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais mencionados sem indicação diversa.

23 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.05.2017, proferido no processo 324/14.0SGPRT.P1.

24 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.02.2004, proferido no processo 0315956.

25 Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 15.03.2011 proferido no processo 212/04.8TACTX.E1.

26 Acórdão deste TRE de 19.05.2015, proferido no processo 441/10.5TABJA.E2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais mencionados sem indicação diversa.

27 Uma espécie de ''corazonada'', não exteriorizável nem controlável noutras instâncias. Enrique Ruiz Vadillo, La Actividad Probatoria en El Proceso Penal Español in La Prueba en El Proceso Penal apud Paulo Saragoça da Matta, A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença nas Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra, 2004, página 221.

28 Acórdão do TC nº 1165/96 disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.

29 Jorge de Figueiredo Dias Jorge de Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, vol. I , 1974 , página 20.