EXTRADIÇÃO
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
RECUSA DE COOPERAÇÃO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
Sumário


I – A obrigação de extraditar que resulta do artigo 1.º para os Estados contratantes da Convenção da CPLP apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu artigo 3.º ou os de recusa facultativa previstos no artigo 4.º, que constituem um regime próprio e taxativo em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção, inexistindo lacuna a preencher nesse domínio com recurso às normas da Lei n.º 144/99, de 31.08.
II - A Convenção CPLP obriga a um duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado requerente e com a lei portuguesa; não estando o funcionamento da prescrição no Estado requerido associado à fase do processo no Estado requerente ou à finalidade visada pela extradição (procedimento criminal ou execução da pena), o controlo há de efetuar-se com referência aos dois momentos geradores de imunidade, pelo decurso do tempo (prescrição do procedimento e da pena), que constituem motivo de proibição da extradição no caso de esta se destinar ao cumprimento de uma pena.
III - É admissível o indeferimento de diligências de prova indicadas pelo extraditando em sede de oposição, que sejam inúteis, impertinentes ou dilatórias, em obediência ao princípio da não realização de atos inúteis no processo, e à sua adequação ao fim daquele.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.06.2024, foi autorizada a extradição para o Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira AA, com o sinais dos autos, para cumprimento da pena de prisão de oito anos seis meses e dois dias.

Do acórdão da Relação recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça o extraditando, vindo este Supremo, por acórdão de 26.06.2024, a decidir nos seguintes termos:

«Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, declarar a nulidade do acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie e decida do pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil nos termos do artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, bem como, se necessário após a obtenção de informações suplementares, sobre a prescrição do procedimento invocada pelo extraditando na oposição à extradição, e, a subsistir, sobre o motivo de recusa facultativa decorrente do julgamento à revelia.»

2. Na sequência, foi proferido novo acórdão pela Relação, em 11.07.2024, tendo sido decidido autorizar a extradição, para o Brasil, do referido cidadão brasileiro, para cumprimento da pena de prisão de oito anos seis meses e dois dias.

3. Do acórdão da Relação, de 11.07.2024, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça o referido AA, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

I - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, que decidiu deferir o requerimento de Extradição apresentado pelas Autoridades Brasileiras, motivo pelo qual deve ser admitido por Despacho, e os autos enviados ao competente Supremo Tribunal de Justiça.

II - O Acórdão proferido pelo STJ no dia 26/06/2024, declarou a nulidade do Acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e determinou a sua substituição por outro que aprecie e decida adequadamente sobre o pedido de extradição.

III - O STJ determinou e, impôs ao TRL, o cumprimento de obrigações e diligências, antes de proferir uma nova Decisão sobre o pedido de Extradição.

IV - O STJ determinou a apreciação e a tomada de uma nova Decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de forma a verificar o fiel cumprimento dos requisitos legais e previstos na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, após a obtenção de informações suplementares, sobre a ocorrência ou não da prescrição e, ainda apurar sobre a questão do motivo de recusa facultativa decorrente do julgamento à revelia.

V - Sucede que não foi documentada qualquer das diligências ordenadas pelo STJ, que anulou o Acórdão anterior, pelo que o TRL se limitou a apenas proferir um novo Acórdão, no mesmo sentido do anteriormente proferido e que já tinha sido anulado.

VI - O Acórdão proferido pelo STJ em 26/06/2024, ensinou que: "Não há lugar a extradição quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena «em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido» (artigo 3.º, n.º 1, al. f), da Convenção CPLP)".

VII - O STJ ressaltou a obrigatoriedade de ocorrer um duplo controlo da prescrição, através do confronto não apenas da legislação do Estado Requerente, mas também com a Lei Portuguesa: "A Convenção CPLP obriga a um duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado requerente e com a lei portuguesa", razão pela qual identificou: "dois momentos geradores de imunidade, pelo decurso do tempo (prescrição do procedimento e da pena)".

VIII - O extraditando esteve em liberdade por, sensivelmente, 16 anos e, tamanha morosidade só pode ser atribuída às Autoridades Brasileiras. Portanto, o STJ determinou ao TRL: "Deverá apreciar-se se, face à lei portuguesa, o procedimento criminal se encontraria ou não prescrito à data do trânsito em julgado, no Brasil, da sentença que impôs a pena cuja execução se visa com o pedido de extradição, não bastando que o conhecimento da prescrição seja limitado à prescrição da pena, como decidido no acórdão recorrido, que se limita a convocar o artigo 122.0 do Código Penal".

IX - O Tribunal da Relação de Lisboa se limitou a proferir um novo Acórdão, sem sequer respeitar as orientações dadas pelo STJ, pelo que fez "tábua rasa" das orientações prestadas pelo Supremo, no Acórdão de 26/06/2024.

X - O extraditando pertence à família de classe social alta no ... e veio legalmente para Portugal em 2021, tem Autorização de Residência e sempre esteve inserido social, profissional e familiarmente.

XI - O STJ foi categórico em não admitir uma mera análise limitada sobre a questão da prescrição da pena, até porque poderia conduzir a soluções inaceitáveis e evidentes afrontas às Convenções sobre Direitos Humanos, inclusive pela violação do direito a uma decisão judicial em tempo razoável.

XII - Os factos reclamados pela Justiça Brasileira remontam ao ano de 2008, mas, o pedido de extradição só foi formalizado em 2024. Logo, estamos diante de factos antigos e longínquos, cuja punição já não se justifica, cujo atraso é atribuído às próprias Autoridades do Brasil.

XIII - Em virtude do grande lapso temporal entre a ocorrência dos factos e o advento de uma condenação, supostamente definitiva, o extraditando invocou a tese da Prescrição, que extingue a punibilidade do extraditando, ainda que através da inteligência da Prescrição Intercorrente, tendo esta última respaldo no ordenamento jurídico brasileiro.

XIV - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 26/06/2024, estabeleceu que deveria ser feita a verificação da dupla incriminação, que constitui um dos pressupostos da extradição, na forma do artigo 2.º, n.º 1, e 10.º da Convenção CPLP, que não foram perquiridos pela Decisão da Relação.

XV - Sucede que o Tribunal da Relação de Lisboa ignorou completamente a verificação da dupla incriminação, pelo que desprezou deliberadamente os critérios e requisitos exigidos pelo STJ, através do Acórdão do dia 26-06-2024.

XVI - O Acórdão proferido pelo STJ em 26/06/2024, ressaltou ainda que nos presentes autos, inexiste sequer provas da data da sentença condenatória, da pena aplicada e suas vicissitudes e informações sobre a pena a cumprir, conforme transcrito a seguir: "XI. A falta de elementos essenciais à decisão (conteúdo e data da sentença condenatória, pena aplicada e suas vicissitudes e pena a cumprir) não permite formular um juízo seguro sobre a prescrição do procedimento".

XVII - Pese embora o STJ tenha sido enfático ao afirmar que os elementos constantes dos autos não eram suficientes para formar um juízo seguro sobre a ocorrência ou não da prescrição, a verdade é que o TRL insistiu na falha e negligenciou todos os ensinamentos do Acórdão do STJ, de 26/06/2024.

XVIII - O novo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 11/07/2024, não foi precedido de qualquer diligência, nada foi apurado, nenhuma das recomendações e orientações do STJ foram tidas em conta.

XIX - O Tribunal da Relação de Lisboa se limitou a proferir nova Decisão, mas nada fez para certificar de que estávamos perante um juízo seguro sobre a questão da prescrição.

XX - Não se pode assumir o risco de determinar a extradição de uma pessoa sem ter uma certeza absoluta de que o pedido é tempestivamente formulado.

XXI - O Tribunal da Relação de Lisboa poderia e, deveria ter requerido informações suplementares às Autoridades Brasileiras, mas, optou por ignorar as recomendações do STJ e, mesmo sem apurar qualquer questão, mandou reordenar a extradição, sem qualquer convicção jurídica séria.

XXII - A Justiça Portuguesa não pode ser subserviente aos pedidos de Extradição formulados pelas Autoridades Brasileiras, sendo certo que pode e deve verificar cabalmente o duplo controlo da prescrição, através do confronto da legislação do Estado Requerente e com base na Lei Portuguesa.

XXIII - A crítica feita pelo STJ, quanto ao primeiro Acórdão proferido pelo TRL, foi expressa e directa, mas foi uma crítica construtiva, uma vez que orientou a análise do pedido de extradição do ponto de vista formal e processual, mas também quanto à sua substância, com fundamento ainda no artigo 46.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99.

XXIV - O Supremo Tribunal de Justiça foi categórico ao identificar que a primeira Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, anteriormente anulada, sequer decidiu sobre o objeto do processo, e sobre o qual tinha obrigação de decidir, pelo que constatou a existência de uma nulidade por omissão de pronúncia, conforme artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

XXV - Até porque não identificamos qualquer diferença entre o primeiro e o segundo Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, em nada, absolutamente nada, mudou a sua perspectiva, tampouco ocorreu a produção de qualquer prova ou foi obtida qualquer nova informação.

XXVI - Entre a data do Acórdão do STJ, que anulou o primeiro Acórdão do TRL, datado de 26/06/2024, e a prolação de nova Decisão, ora impugnada, nada foi feito pelo Tribunal da Relação de Lisboa, absolutamente nada.

XXVII - O Tribunal da Relação de Lisboa deveria, minimamente, ter tentado seguir as orientações disponibilizadas pelo STJ, mas, preferiu permanecer inerte e negligenciar totalmente as recomendações e exigências do Supremo.

XXVIII - O Tribunal da Relação de Lisboa sequer promoveu a notificação das Autoridades Brasileiras, tampouco pediu qualquer informação suplementar, pelo que não empreendeu quaisquer esforços para apurar sobre as datas das Decisões proferidas pela Justiça Brasileira, tampouco promoveu qualquer apuramento sobre a ocorrência ou não da prescrição.

XXIX - O Supremo Tribunal de Justiça proferiu uma decisão séria e uma directiva de actuação, no sentido de perquirir seriamente o caso, com base em juízo seguro, sobre a prescrição, através do critério da dupla incriminação.

XXX - Não existe um juízo seguro, uma convicção, uma certeza absoluta de que a condenação ou a pena do extraditando não estaria prescrito.

XXXI - Mesmo ciente do Acórdão do STJ, que enalteceu a existência de uma nulidade por omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP), verdadeiramente, nada foi feito sequer para sanar tal questão.

XXXII - O Acórdão ora impugnado, datado de 11/07/2024, não apreciou nem decidiu sobre o objeto do processo, que é constituído pelo pedido de extradição apresentado pelo Brasil, com que se iniciou o processo judicial, e que, concluída a fase administrativa do processo, foi considerado admissível (artigos 48.º a 50.º da lei 144/99), e sobre o qual tinha obrigação de decidir, pelo que se encontra ferido de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

XXXIII - O Acórdão ora impugnado é controverso, só por si, pois menciona duas datas como tendo sido datas de trânsito em julgado, designadamente nos dias 16/10/2018 e 10/04/2023, conforme factos provados 15 e 16.

XXXIV - Não existem sequer certezas sobre a data da condenação do extraditando, tampouco à respeito da data do seu efetivo trânsito em julgado, muito menos sobre a pena efectivamente aplicada e a ser cumprida.

XXXV - No caso dos autos, o próprio STJ já apontou que não existe sequer um juízo seguro, o que é indispensável para qualquer extradição.

XXXVI - O princípio da presunção de inocência estabelece que em caso de dúvidas razoáveis, o arguido deve ser absolvido, situação que também deve ser aplicado nos presentes autos, até porque no caso de incertezas jurídicas, não se pode admitir a extradição pretendida.

XXXVII - O Acórdão recorrido não analisou sequer os termos do artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tampouco analisou a questão da nulidade do artigo 379. º, n.º 1, al. c), do CPP, ou seja, negligenciou as ordens do STJ.

XXXVIII - Não foram realizadas quaisquer diligências pela obtenção de quaisquer informações suplementares, sobre a prescrição do procedimento invocado pelo extraditando na oposição à extradição.

XXXIX - O Acórdão ora impugnado não teceu uma linha sequer sobre o critério do duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado Requerente e com a Lei Portuguesa, pelo que, nesse ponto, o Acórdão também deve ser anulado, por não seguir os ditames estabelecidos pelo STJ.

XL - O Acórdão impugnado não analisou sequer o conteúdo e a prova das datas da sentença condenatória, da pena aplicada, suas vicissitudes e a questão da pena a cumprir, razão pela qual consideramos que não existe um juízo seguro sobre a questão da prescrição.

XLI - A Lei possibilita ao extraditando o direito de produzir provas e também arrolar testemunhas, mas, o TRL promoveu um evidente cerceamento de defesa, ao indeferir todas as provas da Defesa, situação que vilipendia o artigo 56.º, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

XLII - O extraditando sequer foi notificado previamente para informar a razão de ciência das testemunhas e a justificação das provas, razão pela qual não toleramos uma decisão arbitrária de indeferimento na produção de todas as provas requeridas pelo extraditando.

XLIII - O Acórdão ora impugnado desrespeita o princípio do contraditório, da ampla defesa e a própria paridade de armas entre a defesa e a acusação, situação que representa violação aos direitos e garantias consagradas no artigo 32.º da CRP.

XLIV - O Acórdão recorrido fez menção à datas e informações nunca antes referidas nos presentes autos, sem sequer foi oportunizar previamente o contraditório ao extraditando, pelo que tal decisão deve ser anulada, diante da violação aos direitos e garantias constitucionais e do contraditório.

XLV - O Acórdão impugnado representa uma "Decisão Surpresa", com informações nunca antes objeto de contraditório ao extraditando, até porque não poderia ter sido proferida uma nova Decisão sem, previamente, ter sido dado conhecimento ao extraditando.

XLVI - No que diz respeito à questão da recusa facultativa decorrente do julgamento à revelia, o Acórdão ora impugnado limitou-se apenas a afirmar não ter havido revelia, mas, sem sequer concretizar como alcançou tal entendimento, que não segue fundamentado por quaisquer documentos, razão pela qual tal interpretação não está minimamente provada.

XLVII - A Decisão ora impugnada é desleal, por não ter previamente informado ao extraditando sobre eventuais novas informações e eventuais documentos suplementares, razão pela qual existe uma nulidade insanável, que precisa ser reconhecida e determinar o regresso dos autos, para fins de previamente abrir prazo ao extraditando se manifestar.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER DETERMINADA A ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.

NESSE SENTIDO, DEVE SER ORDENADO O REGRESSO DOS AUTOS À FASE DE PRODUÇÃO DE PROVAS, UMA VEZ QUE RESTOU CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA,

PORQUE O EXTRADITANDO DEVE TER ASSEGURADA A CHANCE E A OPORTUNIDADE DE PRODUZIR PROVAS E DEFENDER AS SUAS TESES JURÍDICAS, INCLUSIVE QUANTO À EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

PARA ALÉM DISSO, DEVE SER INTEGRALMENTE CONSIDERADO O CONTEÚDO DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM 26/06/2024, QUE DETERMINOU ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS.

O ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO PROCEDEU À ANÁLISE DO CRITÉRIO DO DUPLO CONTROLO DA PRESCRIÇÃO, VIOLOU

OS ARTIGOS 3.º, n.º 1, al. f), 4.º, al. e), e 10.º DA CONVENÇÃO DE EXTRADIÇÃO ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA.

PESE EMBORA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TENHA INDICADO NO ACÓRDÃO PROFERIDO EM 26/06/2024, A NOTÓRIA FALTA DE ELEMENTOS ESSENCIAIS À DECISÃO (CONTEÚDO E DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA, PENA APLICADA E SUAS VICISSITUDES E PENA A CUMPRIR), QUE NÃO PERMITEM SEQUER FORMULAR UM JUÍZO SEGURO SOBRE A PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO, AINDA ASSIM, O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA OMITIU-SE E NADA PERQUIRIU OU APUROU, TENDO OPTADO POR PROFERIR NOVA DECISÃO, QUE SE LIMITOU A REPETIR A ORDEM DA DECISÃO ANTERIOR ANULADA.

NESSE SENTIDO, O ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO APRECIOU ADEQUADAMENTE O PEDIDO DE EXTRADIÇÃO APRESENTADO PELO BRASIL, QUER DO PONTO DE VISTA FORMAL E PROCESSUAL QUER NA SUA SUBSTÂNCIA ("CONDIÇÕES DE FORMA E DE FUNDO”), A QUE SE REFERE O ARTIGO 46.0, N.0 3, DA LEI 144/99.

PORTANTO, HÁ NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, CONFORME ARTIGO 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, QUE JÁ FOI RECONHECIDA PELA DECISÃO DO STJ DE 26/06/2024.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.

4. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, concluindo no sentido do mesmo não merece provimento.

5. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e, no exame preliminar, o Relator ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Do acórdão recorrido

1.1. No acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes factos e ocorrências processuais relevantes:

1. AA foi detido no dia 1 de Abril de 2024, pelas 16:30 horas, pela Polícia Judiciária, na cidade de Lisboa.

2. O requerido foi detido em cumprimento de Red Notice da INTERPOL com o Control Number n.º A-..15/...-...21, difusão Interpol ........97, emitido em 17 de Maio de 2023, onde é identificado como sendo fugitivo procurado para efeitos de cumprimento de pena de prisão.

3. O mandado de detenção ou captura judicial que ordena a detenção do requerido foi emitido a 15 de Abril de 2021, com o n.º .......52....................12 pela ... Vara Criminal do ... e está assinado pela Juiz Federal BB.

4. Este mandado de captura internacional visa a detenção do requerido e sua extradição para o Brasil, a fim de cumprir pena de prisão de dez anos dois meses e quinze dias.

5. O extraditando é procurado por factos praticados no Rio de Janeiro, em 21 de Maio de 2008.

6. Em 21 de maio de 2008, CC, agente da polícia Federal, verificava o conteúdo de bagagens do voo AF.42 - ..., no setor de raio-X, no Terminal I, do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, quando uma mala chamou a sua atenção por aparentar conter acentuada quantidade de substância orgânica em seu interior.

7. Ato contínuo, dirigiu-se, na companhia de outro agente da Polícia Federal, DD, até o raio-X da Receita Federal, a fim de identificar o proprietário da bagagem no momento em que o mesmo se apresentaria para a fiscalização alfandegária. De acordo com o agente DD, após a passagem no segundo raio-X, restou claro que a mala continha substância orgânica, razão pela qual foi requisitado ao acusado que abrisse a mala e esclarecesse o que a mesma continha. Desta feita, o acusado declarou tratar-se de droga, vindo identificar-se como AA.

8. Após ser encaminhado à Autoridade Policial, o acusado narrou, em síntese, a organização criminosa. Assim, a droga que trazia consigo era proveniente de .../Holanda e havia sido fornecida por pessoa de nome "EE", residente em ....

9. O acusado afirmou ter conhecido seu fornecedor por intermédio de "FF", que, por sua vez, lhe fora apresentado por amigos em comum, quais sejam "GG", "HH" e "II”, residentes da ..., sem, no entanto, fornecer maiores informações que auxiliassem na identificação certeira dos mesmos.

10. Segundo o acusado, “EE" ofereceu oportunidade de transportar as substâncias ilícitas em troca do pagamento de R$ 112.000,00 (doze mil reais). O declarante primeiramente foi a França, seguindo depois, para .../Holanda, de onde enviou um e-mail para "EE" informando o hotel em que estava hospedado. Posteriormente, com chegada de "EE" no país, ambos se encontraram com um holandês, o qual entregou a droga em embalagem lacrada.

11. No que tange ao conteúdo de suas bagagens, "sabia que estaria transportando Ectasy e Skunk, não sabendo da existência de LSD no interior da embalagem ".

12. Os autos de apresentação e apreensão compreendem 11.380 Kgs em comprimidos de Ecstasy, 290 gs. de LSD e 302 gs. de Skunk, uma variante de Cannabis e com maior concentração de substâncias psicoactivas.

13. O requerido foi condenado no 30.07.2008, em primeira instância, no Juízo da ... Vara Criminal do ..., pela prática do crime descrito no artigo 33, cominado com o artigo 40, 1 da Lei 11.343 de 2006, na pena de prisão de 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias, e de pena de multa de 388 dias.

14. O requerido confessou em julgamento que “que foi voluntariamente a ... buscar as substancias entorpecentes, justificou a atitude criminosa nas circunstancias sociais e psicológicas que o cercavam: de há muito era usuário de drogas; sua mãe passava por dificuldades financeiras e seu pai não podia mais ajudá-lo tendo em vista seu falecimento; trancamento de sua matrícula na faculdade de publicidade por falta de condições financeiras”.

15. Após recursos da defesa e do Ministério Público, primeiro junto do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e depois do Supremo Tribunal de Justiça, o requerido foi condenado na pena de prisão de 10 anos 02 meses e 15 dias e na pena de multa de 972 dias, decisão que transitou em julgado em 16.10.2018

16. No processo HABEAS CORPUS n.º ....22, do Supremo Tribunal de Justiça, que correu por mudança de orientação jurisprudencial do STJ, mediante julgamento de 28.11.2022 e decisão transitada em julgado em 10.04.2023, a pena que o requerido tem a cumprir é agora de 8 (oito) anos 06 (seis) meses e 8 (oito) dias.

1.2. A título de motivação de facto, consta do acórdão recorrido:

A convicção do tribunal assenta nos diversos documentos juntos pelo Ministério Público a instruir o presente pedido de extradição, sendo que os factos 6 a 16, em obediência ao disposto no art.º 46.º, n.º 3, in fine, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, resultam dos documentos judiciais brasileiros, designadamente, denúncia do Ministério Público Federal, sentença do Juízo da ... Vara Criminal do ..., acórdãos do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e do Supremo Tribunal de Justiça (esta instância, quer quanto ao recurso, quer quanto ao HABEAS CORPUS n.º ....22), todos em anexo ao requerimento do MP de 05.05.2024, referência citius ..77.


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2. Direito

2.1. As questões colocadas em sede de conclusões, com correspondência com o corpo da motivação, que delimitam o objeto do recurso, são, em síntese:

- a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, em razão de, na tese do recorrente, não ter conhecido das questões da dupla incriminação e da prescrição, na sequência do que foi decidido no anterior acórdão do STJ, alegando-se no recurso que o acórdão recorrido “não apreciou nem decidiu sobre o objeto do processo”, não analisou os termos do artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e não foi precedido da realização de quaisquer diligências no sentido da obtenção de informações suplementares;

- inexistência de certezas sobre a data da condenação e do seu efetivo trânsito em julgado, mencionando-se nos factos provados 15 e 16 duas datas de trânsito distintas;

- indeferimento de diligências de prova requeridas em sede de oposição à extradição;

- o acórdão recorrido como “decisão surpresa” em razão de, alegadamente, conter informações que nunca foram objeto de contraditório.

Questão prévia

O recorrente/extraditando veio, como questão prévia, questionar a distribuição do passado dia 5 de agosto, alegando a violação do princípio do juiz natural, porquanto, no seu entendimento, a circunstância de o juiz conselheiro relator (do 1.º acórdão deste STJ) estar em gozo de férias judiciais não justifica o novo ato de distribuição em férias judiciais.

O artigo 31.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao determinar “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada e lei anterior”, consagrando assim o princípio do juiz natural, pretende proibir a existência ou criação de tribunais hic et nunc para determinado feito, que se esgotam num exclusivismo pontual de jurisdição, como tribunais ad hoc, contrariando a prevista competência normal da organização judiciária, pela atribuição de competência a tribunal diferente do legalmente previsto como competente.

O alcance do princípio constitucional do juiz natural é, como se salienta no sumário do acórdão deste Supremo de 11.11.2010, 49/00.3JABRG.G1, 5.ª secção (in www.dgsi.pt), o de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e isenta.

Esquece o recorrente, porém, que o processo de extradição tem, por imposição legal, natureza urgente (o que ocorre independentemente da situação processual do extraditando), correndo, por isso, em férias, conforme dispõe o artigo 73.º, n.º2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.

O artigo 28.º, Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) dispõe: “As férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.”

De harmonia com o artigo 36.º, n.º1, da mesma Lei:

«1- Nos tribunais organizam-se turnos para assegurar o serviço que deva ser executado durante as férias judiciais ou quando o serviço o justifique.»

Estamos, por conseguinte, perante um recurso interposto já em período de férias judiciais, em processo expressamente definido por lei como “urgente”, a tramitar, por determinação legal, durante o período de férias judiciais.

Tratando-se de processo de natureza urgente, a intervenção dos magistrados de turno visa, precisamente, garantir a celeridade do processo e a continuidade da sua tramitação em férias.

O que releva para que se mostre respeitado o princípio do juiz natural é que a determinação do juiz que terá intervenção em determinado ato processual se faça com base em regras constantes de diplomas legais, bem como de acordo com outras regras que servem para determinar essa definição da concreta formação judiciária que julgará um processo, como seja, no caso concreto, as regras relativas ao preenchimento de turnos de férias, de forma a evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes.

Essa arbitrariedade ou discricionariedade é evitada, precisamente, pela circunstância de ser organizado previamente um mapa de turnos de férias judiciais, ficando, assim, definidas, com anterioridade, as formações judiciárias que, em cada período, têm competência para apreciar as questões relativas aos processos que corram em férias.

O serviço de turno no STJ para o período de férias judiciais de verão do ano de 2024 foi estabelecido através do Provimento 7/2024 do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no qual consta, para além do mais, a identidade dos Juízes Conselheiros afetos a esse serviço de turno.


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Conclui-se não ter havido qualquer preterição do juiz natural em razão da distribuição do processo realizada em 5.08.2024, entre os juízes de turno, não se evidenciando qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, carecendo o recorrente de razão quando sustenta o contrário.

2.2. O presente recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 1.ª instância – artigos 12.º, n.º 3, al. c), do CPP e 73.º, al. d), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. a), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

Por conseguinte, exorbita os poderes de cognição do Supremo a sindicância da decisão sobre a matéria de facto - atente-se que o recorrente indica que o presente recurso tem como objeto “toda a matéria de facto e de direito do Acórdão proferido nos presentes autos” -, para além do que possa integrar os vícios da decisão previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, que o recorrente, pelo menos expressamente, não invoca e que, adiantamos, não se vislumbra que se verifiquem.

2.3. O pedido de extradição foi formulado ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (doravante referida abreviadamente por "Convenção CPLP" ou "Convenção"), assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2015, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15 de setembro, publicada no Diário da República n.º 178, 1.ª Série, de 15 de setembro de 2008, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, da mesma data, que entrou em vigor, para a República Portuguesa, no dia 1 de março de 2010, nos termos do artigo 24.° da Convenção, conforme Aviso n.º 183/2011, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 11 de agosto de 2011.

Na República Federativa do Brasil, a Convenção CPLP foi aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 45, de 2009, vigorando nesse Estado, no plano jurídico externo, desde 1 de junho de 2009 (cf. Aviso n.º 183/2011). Foi promulgada pelo Decreto Presidencial n.º 7.935, de 19 de fevereiro de 2013, entrando em vigor no plano jurídico interno brasileiro na data da publicação desse Decreto, em 20 de fevereiro de 2013 (Diário Oficial da União, Secção 1, n.º 34, p. 28).

É no quadro da referida Convenção que o pedido de extradição deve ser apreciado, estabelecendo o artigo 3.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal) a prevalência das normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português. Só na sua falta ou insuficiência é aplicável a Lei n.º 144/99 e, subsidiariamente, o CPP.

Por sua vez, dispõe o artigo 25.º, n.º 1, da Convenção CPLP, que a mesma substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções, ou acordos bilaterais que, entre Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.

Estabelece o artigo 1.º da Convenção:

«Artigo 1.º

Obrigação de extraditar

Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respetivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.»

Sobre factos determinantes da extradição, prescreve o artigo 2.º nos seguintes termos:

«1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano.

2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.

3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.»

Sobre inadmissibilidade de extradição estabelece o artigo 3.º:

«1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos:

a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física;

b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal;

c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum;

d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição;

e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de exceção;

f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.

2 — Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos:

a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional;

b) Os actos de pirataria aérea e marítima;

c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;

d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949;

e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.»

Rege o artigo 4.º sobre recusa facultativa de extradição estabelecendo:

«A extradição poderá ser recusada se:

a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido;

b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;

c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido;

d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade;

e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.»

Finalmente, preceitua o artigo 10.º da Convenção o seguinte:

«1 - Quando se tratar de pedido para procedimento criminal, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada do mandado de prisão ou de acto processual equivalente.

2 - Quando se tratar de pedido para cumprimento de pena, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada da sentença condenatória e de certidão ou mandado de prisão dos quais conste qual a pena que resta cumprir.

3 - Nas hipóteses referidas nos n.ºs 1 e 2, deverão ainda acompanhar o pedido:

a) Descrição dos factos pelos quais se requer a extradição, indicando-se o lugar e a data de sua ocorrência, sua qualificação legal e fazendo-se referência às disposições legais aplicáveis;

b) Todos os dados conhecidos quanto à identidade, nacionalidade, domicílio, residência ou localização da pessoa reclamada e, se possível, fotografia, impressões digitais e outros meios que permitam a sua identificação;

e

c) Cópia dos textos legais que tipificam e sancionam o crime, identificando a pena aplicável, bem como os que estabelecem o respectivo regime prescricional.»

O anterior acórdão da Relação, na sua fundamentação de direito, dizia, apenas:

«O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades brasileiras satisfaz os requisitos do artigo 2° da citada Convenção de Extradição e artigos 16°, nº 5 e 31° da lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, tendo, a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 09 de Maio de 2024, considerado tal pedido admissível e autorizado o seu prosseguimento.

Nada de formal ou de substancial obsta à extradição para a República Federativa do Brasil, do cidadão brasileiro AA, não se identificando causas de recusa a que aludem os artigos 3° e 4° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o extraditando não é nacional português, o crime pelo qual foi condenado pelas autoridades da República Federativa do Brasil mostra-se igualmente previsto no ordenamento jurídico português e não se verifica qualquer das situações a que alude o artigo 6º alíneas a) a d), 7° e 8° da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

O requerido fundamenta a oposição na sua inserção social e familiar em Portugal, o que não é fundamento para rejeitar a extradição.

Mais invoca a prescrição da pena. No entanto, sem razão. A pena não se encontra prescrita, nos termos dos artigos 109.º a 111.º do Código Penal do Brasil e 122.º, n.º 1, al. b), do nosso Código Penal.

A propósito da prescrição, invoca ainda o requerido o instituto da prescrição intercorrente, que o próprio refere ser “um instituto jurídico presente na legislação brasileira e que possibilita o reconhecimento da perda da hipótese de o extraditando ter que cumprir a pena que alegadamente foi condenado (…); é reconhecida pela jurisprudência brasileira (… ); deverá ser objeto de especial análise pelo Ministério Público Brasileiro e pela Justiça Brasileira”. Ora, como bem refere o próprio requerido, essa questão da prescrição intercorrente deve ser suscitada pelo próprio junto das autoridades brasileiras. Não é este Tribunal de Portugal que ab initio deve invocar tal questão, quer porque entre nós não existe tal figura, quer porque resulta dos citados artigos do CP brasileiro que a pena não está prescrita. Aliás, da leitura do art.º 110.º do CP do Brasil (“A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente; § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”), invocado pelo requerido, não se vislumbra qualquer referência à denominada prescrição intercorrente.

Nada mais havendo a ponderar, é, pois, de deferir este pedido de extradição.»

Este STJ, no acórdão que conheceu do anterior recurso, teceu as seguintes considerações:

«Daí que, suscitando-se tal questão no processo de extradição passiva, nele deve ser apreciada e decidida, com a autonomia que lhe é própria, de modo a determinar-se se o procedimento criminal ou a pena estariam ou não prescritos de acordo com o direito nacional.

Nesse conhecimento, deve o tribunal levar em conta todas as informações e documentos recebidos do Estado requerente, que devem instruir o pedido, bem como solicitar a esse Estado os esclarecimentos que forem necessários à decisão (artigos 10.º e 12.º da Convenção CPLP e, subsidiariamente, artigos 23.º, n.º 3, e 45.º da Lei n.º 144/99), incluindo informações sobre “os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido”, que, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, aplicável nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da lei n.º 144/99, produzem efeitos em Portugal [como se decidiu no acórdão de 21.11.2013 (Souto de Moura), Proc. 87/13.6YREVR.S1, em www.dgsi.pt].

13. O artigo 3.º, n.º 1, al. f), da Convenção obriga, assim, a um duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado requerente e com a lei portuguesa. Não estando o funcionamento da prescrição no Estado requerido associado à fase do processo no Estado requerente ou à finalidade visada pela extradição – procedimento criminal ou execução da pena –, esse controlo há de efetuar-se com referência aos dois momentos geradores de imunidade, pelo decurso do tempo, do procedimento e para execução da pena, que constituem motivo de proibição da extradição, no caso de esta se destinar ao cumprimento de uma pena. Foi este o entendimento subjacente e seguido nos recentes acórdãos de 14.7.2022 (Carmo Silva Dias), Proc. 16/22.6YRPRT-A.S1, e de 6.9.2022 (Ana Barata Brito), Proc. 181/22.2YRPRT.S1, em www.dgsi.pt, em que, em situações idênticas à do Proc. 254/22.1YRCBR.S1, se suscitou, apreciou e decidiu a questão da prescrição do procedimento criminal em pedidos de extradição para o Brasil, para efeitos de cumprimento de penas de prisão aplicadas por decisões transitadas em julgado.

Ou seja, tendo sido suscitada a questão da prescrição do procedimento, tal questão não poderá deixar de ser apreciada no âmbito deste processo, à luz do direito brasileiro e das informações obtidas (como indicado supra) e do direito português, levando em conta o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99.

Esta apreciação não pode, todavia, conduzir a uma decisão sobre a prescrição do procedimento por aplicação da lei brasileira, matéria que é da competência dos tribunais brasileiros. Os tribunais portugueses apenas podem e devem levar em conta os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito brasileiro.

Assim sendo, diversamente do que vem sustentado no acórdão recorrido, não poderá deixar de apreciar-se, com base nos elementos referidos, se, face à lei portuguesa, o procedimento criminal se encontraria ou não prescrito à data do trânsito em julgado, no Brasil, da sentença que impôs a pena cuja execução se visa com a apresentação do pedido de extradição. Não bastando que o conhecimento da prescrição seja limitado à prescrição da pena, como decidido no acórdão recorrido, que se limita a convocar o artigo 122.º do Código Penal, que dispõe sobre os prazos de prescrição das penas.»

Quer isto dizer que foi censurada ao tribunal recorrido a circunstância de, tendo sido suscitada a questão da prescrição do procedimento, tal questão não ter sido devidamente apreciada, à luz do direito brasileiro e das informações obtidas, e do direito português, levando em conta o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, acrescentando-se que tal apreciação não pode, todavia, conduzir a uma decisão sobre a prescrição do procedimento por aplicação da lei brasileira, matéria que é da competência dos tribunais brasileiros, pois os tribunais portugueses apenas podem e devem levar em conta os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito brasileiro. Para além disso, foi censurada a circunstância de não ter sido apreciado se, face à lei portuguesa, o procedimento criminal se encontraria ou não prescrito à data do trânsito em julgado, no Brasil, da sentença que impôs a pena cuja execução se visa com a apresentação do pedido de extradição, porquanto o acórdão recorrido limitou-se a convocar o artigo 122.º, n.º 1, al. b), do nosso Código Penal, relativo à prescrição da pena.

Quanto à questão da dupla incriminação, o anterior acórdão da Relação limitava-se a dizer, nos factos provados, sob o n.º10, que «Tais factos são também puníveis na legislação portuguesa, pelo DL. 15/93 de 22 de Janeiro», sem indicar qual o tipo de crime, dos previstos neste diploma legal, que se mostra preenchido pelos factos em causa.

Além disso, o STJ ficou na dúvida sobre se os factos provados no 1.º acórdão da Relação, indicados nos respetivos pontos 7 e 8 da matéria de facto, correspondiam aos factos dados como provados na sentença condenatória proferida no Brasil, ou se a Relação decidiu com base na sua própria apreciação da matéria de facto – o que lhe está legalmente vedado (artigo 46.º, n.º 3, da Lei 144/99), assinalando-se, também, prevalecerem dúvidas sobre o conteúdo e a data da sentença condenatória, bem como quanto à data do trânsito em julgado da condenação, à pena aplicada, suas vicissitudes e à pena que falta cumprir. Acresce que o 1.º acórdão da Relação centrou a sua apreciação no mandado de detenção internacional com vista à extradição difundido pela «red notice» («notícia vermelha») da Interpol, que considerou «válido e regular» (ponto 4), o qual esgotou a sua função na efetivação da detenção antecipada e na sua manutenção até à apresentação do pedido de extradição, mas não o substituiu.

Finalmente, do ponto 11. do anterior acórdão da Relação constava que «O requerido não esteve presente no tribunal quando a decisão foi proferida, mas foi suficientemente informado do julgamento ou teve oportunidade de se defender», suscitando-se uma incerteza quanto à data do trânsito em julgado e sobre a questão de saber se, no caso, ocorre o motivo de recusa facultativa da extradição previsto na al. e) do artigo 4.º (condenação à revelia).

Por todas as referidas razões, este STJ decidiu:

«Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, declarar a nulidade do acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie e decida do pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil nos termos do artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, bem como, se necessário após a obtenção de informações suplementares, sobre a prescrição do procedimento invocada pelo extraditando na oposição à extradição, e, a subsistir, sobre o motivo de recusa facultativa decorrente do julgamento à revelia.»

Importa desde já sublinhar que o STJ não determinou a obrigatoriedade de realização de quaisquer diligências em ordem à obtenção de informações suplementares, questão que deixou ao critério da Relação, como de forma manifesta se apresenta ao dizer “se necessário”.

O novo acórdão da Relação, agora recorrido, reconfigurou a decisão de facto, passando a assinalar, como motivação, que os factos 6 a 16, em obediência ao disposto no art.º 46.º, n.º 3, in fine, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, resultam dos documentos judiciais brasileiros, designadamente, denúncia do Ministério Público Federal, sentença do Juízo da ... Vara Criminal do ..., acórdãos do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e do Supremo Tribunal de Justiça (esta instância, quer quanto ao recurso, quer quanto ao HABEAS CORPUS n.º ....22), todos em anexo ao requerimento do MP de 05.05.2024, referência CITIUS ..77.

Na sua fundamentação de direito, disse a Relação no acórdão ora recorrido:

«O requerido foi condenado no 30.07.2008, em primeira instância, no Juízo da ... Vara Criminal do ..., pela prática do crime descrito no artigo 33, cominado com o artigo 40, 1 da Lei 11.343 de 2006, na pena de prisão de 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias, e de pena de multa de 388 dias.

Após recursos da defesa e do Ministério Público, primeiro junto do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e depois do Supremo Tribunal de Justiça, o requerido foi condenado na pena de prisão de 10 anos, 02 meses e 15 dias e na pena de multa de 972 dias, decisão que transitou em julgado em 16.10.2018

No processo HABEAS CORPUS n.º ....22, do Supremo Tribunal de Justiça, que correu por mudança de orientação jurisprudencial do STJ, a pena que o requerido tem a cumprir é agora de 8 (oito) anos, 06 (seis) meses e 8 (oito) dias.

Os factos cometidos pelo requerido são puníveis na legislação portuguesa, pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22 de Janeiro, com moldura abstracta entre 4 e 12 anos de prisão.


*


O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades brasileiras satisfaz os requisitos do artigo 2° da citada Convenção de Extradição e artigos 16°, e 31° da lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, tendo, a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 09 de Maio de 2024, considerado tal pedido admissível e autorizado o seu prosseguimento.

Nada de formal ou de substancial obsta à extradição para a República Federativa do Brasil, do cidadão brasileiro AA, não se identificando causas de recusa a que aludem os artigos 3° e 4° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o extraditando não é nacional português, o crime pelo qual foi condenado pelas autoridades da República Federativa do Brasil mostra-se igualmente previsto no ordenamento jurídico português e não se verifica qualquer das situações a que alude o artigo 6º alíneas a) a d), 7° e 8° da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

O requerido fundamenta a oposição na sua inserção social e familiar em Portugal, o que não é fundamento para rejeitar a extradição.

Mais invoca a prescrição da pena.

A propósito da prescrição, invoca ainda o requerido o instituto da prescrição intercorrente, que o próprio refere ser “um instituto jurídico presente na legislação brasileira e que possibilita o reconhecimento da perda da hipótese de o extraditando ter que cumprir a pena que alegadamente foi condenado (…); é reconhecida pela jurisprudência brasileira (… ); deverá ser objeto de especial análise pelo Ministério Público Brasileiro e pela Justiça Brasileira”. Ora, como bem refere o próprio requerido, essa questão da prescrição intercorrente deve ser suscitada pelo próprio junto das autoridades brasileiras. Não é este Tribunal de Portugal que ab initio deve invocar tal questão, quer porque entre nós não existe tal figura, quer porque resulta dos citados artigos do CP brasileiro que a pena não está prescrita. Aliás, da leitura do art.º 110.º do CP do Brasil (“A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente; § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”), invocado pelo requerido, não se vislumbra qualquer referência à denominada prescrição intercorrente.

Cumpre dizer que a pena também não está prescrita face ao direito nacional, tendo em conta que a decisão de condenação na pena de prisão de 10 anos, 02 meses e 15 dias e na pena de multa de 972 dias, transitou em julgado em 16.10.2018, e a do HABEAS CORPUS, que reduziu a pena de prisão para 8 (oito) anos, 06 (seis) meses e 8 (oito) dias, transitou em 10.04.2023. Ora, fazendo uma ponderação mais favorável ao arguido – pena inferior a 10 anos já desde 16.10.2018 – não estaria prescrita face ao disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. b), do Código Penal português (prazo de prescrição é de 15 anos).

Também não houve prescrição do procedimento criminal, pois, apesar dos factos serem de Maio de 2008, quando transitou a decisão de condenação -16.10.2018 - ainda não tinham decorrido os 15 anos referidos no art.º 118.º, n.º 1, al. a), i), do Código Penal português (o crime de tráfico de droga tem uma moldura máxima abstracta de 12 anos – art.º 22., nº. 1, do DL 15/93, de 22.01).

No requerimento inicial (ponto 11), o MP refere que o requerido não esteve presente no tribunal quando a decisão foi proferida, mas não é isso que resulta da acta de audiência do julgamento, dela constando que o requerido confessou em julgamento que “que foi voluntariamente a ... buscar as substancias entorpecentes, justificou a atitude criminosa nas circunstancias sociais e psicológicas que o cercavam: de há muito era usuário de drogas; sua mãe passava por dificuldades financeiras e seu pai não podia mais ajudá-lo tendo em vista seu falecimento; trancamento de sua matrícula na faculdade de publicidade por falta de condições financeiras”. Por não ter havido revelia, não há, assim, que ponderar a causa de recusa facultativa prevista no art.º 4.º, al. e), da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da CPLP.

Face ao exposto, estão verificadas as condições de forma e de fundo para a concessão da extradição (cfr. art.º 46.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

Nada mais havendo a ponderar, é, pois, de deferir este pedido de extradição.»

A primeira observação é a de que a reconfiguração da decisão de facto não se operou mediante o recurso a informações nunca antes objeto de contraditório, pois os documentos judiciais brasileiros, designadamente, denúncia do Ministério Público Federal, sentença do Juízo da ...Vara Criminal do ..., acórdãos do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e do Supremo Tribunal de Justiça (esta instância, quer quanto ao recurso, quer quanto ao HABEAS CORPUS n.º .....2), foram juntos aos autos em anexo ao requerimento do Ministério Público de 05.05.2024, referência CITIUS ..77, em data anterior, por conseguinte, à data da audição do extraditando (15.05.2024) e à dedução de oposição.

Não se vislumbra fundamento para que o recorrente considere o acórdão recorrido como uma “decisão surpresa”, pois todos os documentos em causa encontravam-se nos autos desde a apresentação do pedido de extradição pelo Brasil – que instruíram -, podendo, por conseguinte, ser objeto de contraditório, aquando da audição do extraditando ou em sede de oposição, não se vislumbrando que possa ser alegado o desconhecimento dos mesmos.

Aliás, o recorrente censura o tribunal recorrido pela circunstância de, na sequência do acórdão do STJ, não ter pedido qualquer informação suplementar – o que, já dissemos, não foi imposto pelo dito acórdão - , mas, simultaneamente, alega não ter sido previamente informado sobre eventuais novas informações e eventuais documentos suplementares, quando é certo que os autos documentam que não foram obtidas novas informações, nem colhidos documentos suplementares, pois os factos que a Relação deu como provados assentaram na documentação que instruiu o pedido de extradição dirigido a Portugal. E se outras informações não foram solicitadas foi porque o tribunal recorrido considerou que os elementos contidos nos autos eram bastantes para suprir as deficiências que foram identificadas no acórdão declarado nulo.

Relativamente à questão da dupla incriminação, o acórdão anterior da Relação limitava-se a dizer, como já se disse, nos factos provados, sob o n.º10, que «Tais factos são também puníveis na legislação portuguesa, pelo DL. 15/93 de 22 de Janeiro», sem indicar qual o tipo de crime, dos previstos neste diploma legal, que se mostra preenchido pelos factos em causa.

Diversamente, o acórdão recorrido assinala que os factos cometidos pelo extraditando são puníveis na legislação portuguesa, pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22 de janeiro, com moldura abstrata entre 4 e 12 anos de prisão, não havendo quaisquer dúvidas sobre a verificação de dupla incriminação – o crime por que o extraditando foi condenado encontra correspondência na referida disposição legal do DL 15/93.

A dúvida sobre se os factos provados no 1.º acórdão da Relação, indicados nos respetivos pontos 7 e 8 da matéria de facto, correspondiam aos factos dados como provados na sentença condenatória proferida no Brasil, ou se a Relação decidiu com base na sua própria apreciação da matéria de facto, está, a nosso ver, dissipada: os pontos 6 a 16 da matéria de facto do novo acórdão resultam da documentação referida na motivação da decisão de facto, correspondendo, nas suas circunstâncias, em síntese, aos factos dados como provados na sentença condenatória proferida no Brasil e desenvolvimentos subsequentes em sede recursiva, documentados nos autos.

Relativamente à prescrição, estabelece o artigo 3.º, n.º1, al. f), da Convenção, que não haverá lugar a extradição quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.

A Convenção CPLP obriga a um duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado requerente e com a lei portuguesa; não estando o funcionamento da prescrição no Estado requerido associado à fase do processo no Estado requerente ou à finalidade visada pela extradição (procedimento criminal ou execução da pena), o controlo há de efetuar-se com referência aos dois momentos geradores de imunidade, pelo decurso do tempo (prescrição do procedimento e da pena), que constituem motivo de proibição da extradição no caso de esta se destinar ao cumprimento de uma pena.

Como disse o STJ, no acórdão anteriormente proferido, suscitada a questão da prescrição do procedimento, deverá esta ser apreciada no processo, à luz do direito brasileiro e das informações obtidas e do direito português, levando em conta o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99; esta apreciação não pode, todavia, conduzir a uma decisão sobre a prescrição do procedimento por aplicação da lei brasileira, matéria que é da competência dos tribunais brasileiros. Os tribunais portugueses apenas podem e devem levar em conta os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito brasileiro.

O acórdão recorrido, diversamente do acórdão anulado, pronunciou-se expressamente quanto à questão da prescrição do procedimento criminal face à lei portuguesa (o acórdão anterior limitara-se a convocar o artigo 122.º, n.º 1, al. b), do nosso Código Penal, relativo à prescrição da pena).

Realmente, o artigo 118.º, n.º1, al. a), do Código Penal português estabelece o prazo de 15 anos para a prescrição do procedimento criminal (ao crime previsto no artigo 21.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22 de janeiro, corresponde moldura penal abstrata entre 4 e 12 anos de prisão). Apesar de os factos serem de 21 de maio de 2008, quando transitou a decisão de condenação -16.10.2018 - ainda não tinham decorrido os referidos 15 anos. Isto sem necessidade de considerar, sequer, os diversos factos interruptivos e suspensivos da prescrição previstos no Código Penal.

Por sua vez, na perspetiva da prescrição da pena, assinalou o acórdão recorrido que a pena também não está prescrita face ao direito nacional, tendo em conta que a decisão de condenação na pena de prisão de 10 anos 02 meses e 15 dias e na pena de multa de 972 dias, transitou em julgado em 16.10.2018, e a do HABEAS CORPUS, que reduziu a pena de prisão para 8 (oito) anos 06 (seis) meses e 8 (oito) dias, transitou em 10.04.2023. Mesmo que se tomasse como referência o prazo de 15 anos previsto no artigo 122.º, n.º 1, al. b), do Código Penal português (tendo em vista o redimensionamento em consequência do designado Agravo Regimental em Habeas Corpus), é manifesto que a pena não estaria prescrita.

Aqui chegados, importa reter que inexiste qualquer contradição entre as duas datas de trânsito em julgado indicadas, porquanto se mostra explanada e percetível a razão processual porque surgem duas datas, aqui se relembrando o teor dos factos dados como provados sob os números 15 e 16, do seguinte teor:

15. Após recursos da defesa e do Ministério Público, primeiro junto do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e depois do Supremo Tribunal de Justiça, o requerido foi condenado na pena de prisão de 10 anos 02 meses e 15 dias e na pena de multa de 972 dias, decisão que transitou em julgado em 16.10.2018

16. No processo HABEAS CORPUS n.º ....22, do Supremo Tribunal de Justiça, que correu por mudança de orientação jurisprudencial do STJ, mediante julgamento de 28.11.2022 e decisão transitada em julgado em 10.04.2023, a pena que o requerido tem a cumprir é agora de 8 (oito) anos 06 (seis) meses e 8 (oito) dias.

O que se extrai é que o extraditando foi condenado, em 30.07.2008, em 1.ª instância, no Juízo da ... Vara Criminal do ..., pela prática do crime descrito no artigo 33, cominado com o artigo 40, 1 da Lei 11.343 de 2006, na pena de prisão de 3 (três) anos 8 (oito) meses e 10 (dez) dias, e de pena de multa de 388 dias.

Após recursos da defesa e do Ministério Público, primeiro junto do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e depois do Supremo Tribunal de Justiça, a pena foi redimensionada para 10 anos 02 meses e 15 dias de pena privativa da liberdade e pena de multa de 972 dias, decisão que transitou em julgado em 16.10.2018.

Sobreveio nos autos o designado Agravo Regimental em Habeas Corpus, pelo STJ, por meio do qual a pena foi redimensionada para 8 (oito) anos 06 (seis) meses e 2 (dois) dias (e não 8 dias, como se diz por lapso de escrita no ponto 16 do acórdão recorrido, corrigido no dispositivo do mesmo acórdão). É esta a decisão transitada em julgado em 10.04.2023 – a do Agravo Regimental em Habeas Corpus, meio processual extraordinário que não contende com a afirmação do trânsito em julgado referida no ponto 15 dos factos provados.

Estabelece o artigo 109.º do Código Penal Brasileiro:

«Prescrição antes de transitar em julgado a sentença

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1.º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.»

O artigo 110.º, por seu turno, dispõe:

«Prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1.º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.»

Ao crime de tráfico descrito no artigo 33 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, corresponde pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, podendo as penas beneficiar de redução de um sexto a dois terços desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosa nem integre organização criminosa (§4.º), e podendo ser aumentadas de um sexto e dois terços se, entre o mais, a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do facto evidenciarem a transnacionalidade do delito (art. 40 – I).

Temos, assim, que o prazo de prescrição da pretensão punitiva, tendo em vista o art. 109 do Código Penal Brasileiro e tomando em conta a pena privativa de liberdade, abstratamente cominada ao delito, em seu limite máximo, era de 20 anos, havendo que considerar, ainda, as causas de interrupção da prescrição.

Estando em causa factos de maio de 2008, e tendo a condenação transitado em julgado em 16.10.2018, não se vislumbra que o referido prazo de prescrição tenha sido excedido (e o mesmo ocorre se, por hipótese, fosse de considerar o trânsito do Agravo Regimental em Habeas Corpus), uma vez mais sem se considerar a intercorrência de causas de interrupção da prescrição que se tenham verificado.

Invocou o extraditando / ora recorrente a chamada “prescrição intercorrente”, entendendo o tribunal recorrido que essa questão deve ser suscitada pelo próprio junto das autoridades brasileiras, acrescentado que, entre nós, não existe tal figura, além de resultar dos citados artigos do CP brasileiro que a pena não está prescrita, referindo-se o art.º 110.º do CP do Brasil e respetivo § 1.º.

Aliás, é o próprio extraditando a alegar, na oposição que apresentou, que se trata de matéria a apreciar e decidir pelas autoridades brasileiras.

Ora, o pedido de extradição analisa a questão da prescrição e é perentório na afirmação de que o crime não está prescrito.

A designada prescrição intercorrente vem tratada no art. 110, § 1.º, do Código Penal, determinando que, aplicada a pena na sentença e não havendo recurso da acusação, a partir da data da publicação da sentença começa a correr o prazo prescricional, calculado sobre a pena concretizada e não sobre a pena abstrata. Ou seja, a sentença tem de estar “transitada” para a acusação ou, em caso de recurso do MP, este tem de ser improvido ou não visar ao aumento da pena imposta em primeiro grau (isto porque, tendo apenas o réu apelado, havendo trânsito em julgado para a acusação, a quantidade da pena aplicada já não pode mais ser alterada).

In casu, foi dado como provado que a condenação em 1.ª instância, no Juízo da ...Vara Criminal do ..., foi objeto de recursos da defesa e do Ministério Público, do que veio a resultar uma majoração da pena inicialmente imposta.

Por conseguinte, depois da sentença condenatória de 1.ª instância, não houve trânsito em julgado para a acusação, pelo que a prescrição continuou a regular-se pela pena abstrata e não pela pena aplicada.

Mesmo quando a pena foi redimensionada para 10 anos 02 meses e 15 dias de pena privativa da liberdade e pena de multa de 972 dias, a consideração do prazo de prescrição sobre a pena aplicada (no período intermédio até ao trânsito em julgado para acusação e defesa, ocorrido em 16.10.2018) seria de 16 anos.

Por fim, o prazo de prescrição da pretensão executória é calculado com base na pena aplicada na decisão que transitou em julgado.

Não há razões para duvidar da afirmação, por parte das autoridades judiciárias brasileiras, de que o crime não está prescrito, independentemente do que o recorrente possa vir a suscitar perante essas autoridades.

Nos termos do artigo 379.º, n.º1 , al. c), do CPP, é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

O acórdão recorrido, ainda que de forma muito sintética, não deixou de se pronunciar sobre as questões em causa.

A censura dirigida ao 1.º acórdão da Relação, no sentido de que centrou a sua apreciação no mandado de detenção internacional com vista à extradição difundido pela «red notice» («notícia vermelha») da Interpol, que considerou «válido e regular», como resultava dos pontos 1 a 5 dos «factos provados», não subsiste quanto ao acórdão recorrido, por via da reconfiguração dos factos provados, cujos pontos 6 a 16 resultam da documentação referida na motivação da decisão de facto, correspondendo, nas suas circunstâncias, em síntese, aos factos dados como provados na sentença condenatória proferida no Brasil e desenvolvimentos subsequentes em sede recursiva, documentados nos autos. Não se pode dizer, por isso, que o acórdão recorrido se circunscreveu à apreciação do mandado de detenção internacional difundido pela “red notice”.

De forma sintética, o acórdão recorrido considerou que o pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades brasileiras satisfaz os requisitos do artigo 2° da citada Convenção de Extradição e artigos 16°, e 31° da lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, tendo, a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 09 de Maio de 2024, considerado tal pedido admissível e autorizado o seu prosseguimento.

Mais assinalou que nada de formal ou de substancial obsta à extradição para a República Federativa do Brasil do cidadão brasileiro em causa, não se identificando causas de recusa a que aludem os artigos 3.º e 4.º da Convenção, “nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o extraditando não é nacional português, o crime pelo qual foi condenado pelas autoridades da República Federativa do Brasil mostra-se igualmente previsto no ordenamento jurídico português e não se verifica qualquer das situações a que alude o artigo 6º alíneas a) a d), 7° e 8° da Lei 144/99, de 31 de Agosto”.

Não oferece dúvidas que, para o efeito, tomou por base os elementos documentais que instruíram o pedido, nos termos do artigo 10.º da Convenção.

O acórdão recorrido refere expressamente as questões da dupla incriminação e da prescrição e exclui a questão da revelia, assinalando:

«No requerimento inicial (ponto 11), o MP refere que o requerido não esteve presente no tribunal quando a decisão foi proferida, mas não é isso que resulta da acta de audiência do julgamento, dela constando que o requerido confessou em julgamento que “que foi voluntariamente a ... buscar as substancias entorpecentes, justificou a atitude criminosa nas circunstancias sociais e psicológicas que o cercavam: de há muito era usuário de drogas; sua mãe passava por dificuldades financeiras e seu pai não podia mais ajudá-lo tendo em vista seu falecimento; trancamento de sua matrícula na faculdade de publicidade por falta de condições financeiras”. Por não ter havido revelia, não há, assim, que ponderar a causa de recusa facultativa prevista no art.º 4.º, al. e), da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da CPLP».

O texto é claro: se da ata da audiência de julgamento resulta, expressamente, que o extraditando esteve presente e até prestou declarações – sendo certo que, na sequência, foram interpostos pela defesa diversos recursos -, não se vê como seria possível concluir no sentido de uma condenação à sua revelia e consequente atuação da causa de recusa facultativa prevista no artigo 4.º, al. e), da Convenção.

Por fim, o recorrente insurge-se contra o indeferimento do pedido de diligências de prova indicado na oposição.

O juiz desembargador relator despachou nos seguintes termos:

« Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55° n° 2 da citada Lei n° 144/99, veio o Requerido deduzir oposição ao pedido de extradição, com a seguinte conclusão: “Diante do exposto, a presente Oposição deve ser acolhida, para evitar a extradição requerida pelas Autoridades Brasileiras, uma vez que não estão reunidos os pressupostos legais e de direito legalmente previstos, tendo em conta ainda que a pretensão punitiva encontra-se fulminada pela ocorrência da Prescrição Intercorrente, razão pela qual deve ser ainda reconhecida a ilegalidade da manutenção da detenção do extraditando, que deve ter restituída a sua liberdade, sendo certo ainda que o extraditando encontra-se em liberdade há mais de 16 (dezasseis) anos, estando ainda, totalmente inserido social, profissional e familiarmente em Portugal, razão pela qual deve ser recusada a extradição pretendida“.

O Requerido arrolou testemunhas, cinco das quais residentes no Brasil, bem como requereu que fosse de novo ouvido.

O Ministério Público respondeu, concluindo pelo indeferimento das diligências probatórias, pela improcedência da oposição do Requerido e que se determine a extradição do Requerido para o Brasil.

O art.º 55.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, determina que “a oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição”.

A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09, consagra o seguinte nos seus artigos 3.º e 4.º:

“Artigo 3.º

Inadmissibilidade de extradição

1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos:

a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física;

b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal;

c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum;

d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição;

e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção;

f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.

2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos:

a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional;

b) Os actos de pirataria aérea e marítima;

c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;

d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949;

e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.

Artigo 4.º

Recusa facultativa de extradição

A extradição poderá ser recusada se:

a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido;

b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;

c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido;

d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade;

e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.”

O Requerido invoca dois fundamentos para ser recusada a extradição: (i) a inserção social, profissional e familiar em Portugal; (ii) a prescrição.

Como resulta, a contrario, dos artigos supracitados da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, a inserção social, profissional e familiar em Portugal não é fundamento para a inadmissibilidade ou recusa facultativa da extradição. Do que se extrai que a produção de prova sobre esta matéria seria um acto inútil.

E a questão da prescrição – que conheceremos no acórdão –, sendo exclusivamente de direito, também não depende da requerida produção de prova.

Nesta medida, indefere-se as requeridas diligências probatórias, por se entender desnecessárias para a decisão de extradição, daí que não se designe, por inútil, dia para produção de prova (conforme o previsto no art.º 56.º, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

Notifique.»

Dispõe o n.º 1, do artigo 56.º, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto:

«As diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz relator entender necessárias, designadamente para decidir sobre o destino de coisas apreendidas, devem ser efetivadas no prazo máximo de 15 dias, com a presença do extraditando, do defensor ou advogado constituído e do intérprete, se necessário, bem como do Ministério Público.»

A formulação normativa reproduz o que se estabelecia no artigo 58.º do anterior diploma, que regulava a cooperação judiciária internacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro, já nesse âmbito se tendo debatido os poderes do juiz na condução do processo, e decidido que «[e]ste poder de direção do processo, (…) é, aliás, co-natural à própria natureza e exercício da função jurisdicional constitucionalmente consagrada no artigo 205.º [da Constituição da República Portuguesa], por se afigurar de todo indispensável à administração da justiça e à efetiva realização dos fins constantes daquele preceito constitucional», e que «a atribuição ao juiz da causa de um poder de direção do processo, que lhe permita indeferir diligências inúteis, impertinentes ou dilatórias, aferidas estas em vista da realização dos fins do respetivo processo, não representa violação das garantias de defesa do arguido em processo criminal» (Acórdão do TC n.º 113/95, de 23.02.1995).

Neste STJ tem-se entendido ser admissível o indeferimento de diligências de prova indicadas pelo extraditando em sede de oposição (Acórdão de 3.05.2012, processo n.º 205/11.9YRCBR; de 09.07.2015, processo n.º 65/14.8YREVR.S1; de 11.10.2023, processo n.º 1669/23.3YRLSB.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, como outros citados no presente acórdão sem outra indicação).

Não há razão para não continuar a sustentar esta jurisprudência, pois a letra da lei, apelando às diligências que tiverem sido requeridas, consente uma interpretação que exclua a realização de diligências que sejam inúteis, impertinentes ou dilatórias, em obediência ao princípio da não realização de atos inúteis no processo, e à sua adequação ao fim daquele.

No caso em apreço, a oposição apresentada limitou-se à invocação da prescrição e da inserção social, profissional e familiar do extraditando em Portugal.

A obrigação de extraditar que resulta do artigo 1.º da Convenção apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu artigo 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu artigo 4.º, o que constitui um regime próprio em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção.

A questão da prescrição é, manifestamente, de direito, pelo que a sua apreciação e decisão não dependia da produção de prova pessoal – nova audição do extraditando e depoimentos testemunhais que aquele indicou em número de oito, dos quais cinco de residentes no Brasil.

No que toca à alegada inserção social, profissional e familiar em Portugal por parte do extraditando, não se indicou na oposição, nem se vislumbra que pudesse ser indicada, qualquer causa de inadmissibilidade ou recusa facultativa da extradição com esse fundamento, pois não preenche nenhum dos motivos previstos nos artigos 3.º e 4.º da Convenção, tendo em vista que esse artigo 4.º estabelece motivos de recusa facultativa de extradição que são taxativos, não se podendo invocar, supletivamente, o motivo de denegação facultativa da cooperação previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99 (acórdãos de 30.10.2013. proc. n.º 86/13.8YREVR.S1; de 14.7.2022, proc. 16/22.6YRPRT-A.S1; de 6.9.2022, proc. 181/22.2YRPRT.S1; de 29.12.2022, proc. 254/22.1YRCBR.S1).

Não se verificando, por um lado, por serem infundados, os motivos apresentados na oposição, para ser recusada a extradição (importando ter presente o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 144/99, que dá prevalência nomeadamente às Convenções que vinculem o Estado Português), e, por outro, sendo a prescrição questão de “direito”, a ser apreciada com base na lei e nos elementos documentais dos autos, era inútil proceder a nova audição do extraditando e à inquirição das testemunhas indicadas.

Compreende-se, assim, o despacho acima transcrito, que indeferiu a produção das provas indicadas, por manifesta desnecessidade, seguindo os autos para os vistos e à conferência, por ser proibido ao tribunal praticar atos inúteis.

O estabelecido no artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, permite ao juiz o indeferimento de diligências inúteis que tenham sido requeridas pelo extraditando, não constituindo tal decisão qualquer violação das garantias de defesa e, muito menos, qualquer nulidade, entendimento seguido neste STJ, que sufragamos e é aplicável ao caso em apreço.


*


Conclui-se, em suma, carecer de fundamento a invocada questão prévia quanto à distribuição / constituição deste tribunal, e bem assim que o acórdão recorrido não enferma dos vícios que lhe são atribuídos, ou de quaisquer outros que sejam de conhecimento oficioso.

O recurso não merece provimento.


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III - DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes de turno do Supremo Tribunal de Justiça: A) Não reconhecer a verificação de qualquer inconstitucionalidade, por violação do juiz natural, em razão da distribuição dos autos em turno; B) Em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se o acórdão impugnado.

Sem custas (nos termos do artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, sem prejuízo do disposto no artigo 26.º, n.º 2, als. b) a d) e n.º 4, do mesmo diploma legal).

Dê conhecimento ao tribunal recorrido.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de agosto de 2024

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Vasques Osório (1.º Adjunto)

António Latas (2.º Adjunto)