I - Resulta da letra da alínea b) do art. 24º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, que a circunstância agravante do crime de tráfico e outras actividades ilícitas nela prevista, que o seu preenchimento exige que que as substâncias estupefacientes tenham efectivamente sido distribuídas por grande número de pessoas, não bastando, para tanto, o mero perigo, a simples possibilidade de as mesmas poderem ser distribuídas por elevado número de pessoas.
II - Tendo o recorrente sido detectado com o estupefaciente, na revista pessoal a que foi sujeito, logo após ter entrado no estabelecimento prisional, não foi ultrapassado o estado de mero perigo, a mera possibilidade de disseminação da droga por número considerável de pessoas, pelo que, a provada conduta do recorrente não pode ser qualificada, também, pela alínea b) do art. 24º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de ... – Juiz 2, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, b), c) e h), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa.
Por acórdão de 22 de Novembro de 2023, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, b) e h), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, na pena de sete anos de prisão.
1. O recorrente foi condenado, pela prática, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artigos 21º, nº. 1 e 24º, als. B) e h), do D.L. nº. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I- C anexa a este diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
2. O arguido aqui recorrente, não vem pôr em causa a factualidade que lhe é imputada, até porque o mesmo assumiu e confessou integralmente e sem reservas, porém, não pode concordar por razões de justeza, com a medida e excessividade da pena que lhe foi aplicada.
3. O arguido apresentou uma consciência crítica dos factos e um honesto arrependimento.
4. Devendo essa confissão integral e sem reservas, ser ponderada dentro da supra mencionada moldura abstracta, bem como o motivo da prática do ilícito (guarda e transporte do produto estupefaciente para entrega a terceiros mediante uma ameaça para saldar uma divida a outro recluso) que presidiu à conduta do arguido.
5. Nos termos do art.º 71.º, do CP, a medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, em especial, verificadas todas as circunstâncias, referidas expressamente no fundamento da sentença que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
6. Sendo que, na determinação da medida da pena, esta deverá ser realizada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do crime, depõem a seu favor ou contra o agente, conforme dispõe o art. 71º do Código Penal.
7. Entende-se, com o devido respeito, que na escolha da medida da pena não foram consideradas e sopesadas devidamente todas as circunstâncias dadas como provadas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais constituindo atenuantes, forçariam sempre a que a condenação fosse em medida mais baixa
8. Porquanto, as finalidades das penas, visam não só a protecção de bens jurídicos, mas acima de tudo, a reintegração do agente na sociedade, sendo que em caso algum, a pena deve ultrapassar a medida da culpa – art. 40º do Código Penal.
E por isso, com o devido respeito,
9. Uma vez que, tendo por base a matéria dada como provada no Douto acórdão, bem como no seu relatório social, assim como as declarações prestadas em julgamento pelo arguido, quanto às alterações sociais, uma vez que se encontrava em liberdade.
10. Tem que ser levada em conta a postura que o recorrente teve em audiência de julgamento assumindo a gravidade dos seus actos e a sua responsabilidade; e confessado integralmente e sem reservas, demonstrando arrependimento sincero.
11. Bem como, a sua conduta desde que se encontra em liberdade condicional, nomeadamente desde setembro de 2023.
12. O arguido, aqui recorrente esteve recluso 20 anos, agora encontra-se plenamente inserido socialmente, familiarmente e profissionalmente, conseguindo arranjar trabalho, cerca de dois meses depois de estar em Liberdade
13. O arguido está também a residir e a ser acompanhado na A......... ....... em ..., onde tem acompanhamento de várias psicólogas, o que não pode deixar de revelar um traço positivo da sua personalidade e uma mudança no rumo da sua vida.
14. Acresce que o tipo de estupefaciente em causa, Cannabis, vulgo haxixe, também, não se pode considerar uma droga dura para efeitos de ponderação da gravidade da conduta do arguido, pois trata-se de uma droga de menor potencialidade de dano, com menor grau de lesão dos bens jurídicos protegidas, sendo considerada como droga leve.
15. Há que ser ponderado ainda que o arguido foi intercetado na portaria do E. Prisional, o produto estupefaciente não chegou a passar os portões do E.P. que dão acesso à zona de reclusos, nunca entrou na zona de reclusos, ou teve em contacto com outros reclusos.
16. No caso concreto há que considerar que as circunstâncias relativas à execução do crime, à conduta do arguido anterior e posterior ao facto, que apesar da quantidade de estupefacientes apreendidas poder ser considerada muito elevada , o certo é que com a sua apreensão , não entraram no circuito do E.P. e desta forma não causaram malefícios, o arguido foi um mero “correio” entre quem lho entregou e a outro recluso, a quem se destinava.
17. Considerando ainda os antecedentes criminais do arguido, estas condenações reportam-se a factos anteriores, há mais de 20 anos, pelo que a relevância de tal conduta é diminuta na apreciação global da situação aqui em apreciação.
18. Atendendo a que estas circunstâncias não foram devidamente valoradas no acórdão recorrido, impõem-se assim, uma redução da pena, porquanto o grau de ilicitude colocado na comissão dos factos é de mediana gravidade e a culpa do arguido não pode ser considerada elevada, antes correspondendo a um grau normal neste tipo de crime.
19. De salientar ainda as circunstâncias relevantes apontadas pelo aqui recorrente e que resultaram apuradas em sede de julgamento relacionadas com o seu comportamento após a concessão da liberdade condicional, corroborado com documentação que comprovava a sua inscrição no centro de emprego, e efetiva procura de emprego.
20. O que veio a conseguir, após a leitura do acórdão, assim como a mudança de residência para a a......... ......., pelo que, na fixação concreta da pena de prisão aplicada ao ora recorrente, deveria ter-se atendido às necessidades de especial, que desta forma se apresentam mais reduzidas.
21. Desta forma, entende-se que a medida da pena que lhe foi aplicada – na senda dos Princípios da Proporcionalidade e da Adequação – deveria ter sido reduzida em conformidade, para uma pena nunca superior a cinco (5) anos de prisão.
22. E nessa senda, se for aplicável ao crime em causa em alternativa, uma pena privativa ou uma pena não privativa da liberdade, o Tribunal deverá dar sempre preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 70º do Código Penal.
23. Devendo essa pena de prisão de cinco (5) anos, ser suspensa por igual período na sua execução, promovendo-se desse modo a ressocialização do agente e a sua plena reintegração na sociedade – princípio norteador do sistema penal português.
24. Tendo ainda em conta tudo o mais que foi referido para a escolha da pena concreta, nomeadamente os antecedentes criminais do arguido por ilícito diferente, a quantidade de estupefaciente transportada (cerca de 400 g de haxixe, considerada pela como uma Droga Leve) , as circunstâncias que envolveram os factos (sob ameaça para fazer o transporte e salvar uma dívida para com outro recluso), as condições pessoais do arguido ( com a clara mudança de vida por parte do arguido, numa ânsia de aproveitar a oportunidade de liberdade que está a ter).
25. Sempre se dirá que a existência de uma Espada pendente sobre a conduta do arguido/recorrente para não o cometimento de novos crimes, será suficiente para fazer tal juízo de prognose.
26. É imperioso ter em conta, a conduta posterior do arguido, conforme já supra exposto, o arguido está neste momento em liberdade, esteve 20 anos recluso, procura a sua reinserção, tem acompanhamento familiar e social, numa associação de apoio a reclusos, está no momento a trabalhar e após tantos anos de reclusão, está a adaptar-se a uma vida em liberdade.
27. Visando- se que o objetivo do Instituto de Suspensão da pena de prisão, ainda segundo o prof. Figueiredo Dias é, “o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes”, “e que para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.
28. Neste quadro, e tendo em conta o que já foi exposto, existem razões, em termos de prevenção, quer geral quer especial, para, correndo embora um risco prudente, esperar que as finalidades da punição fiquem suficientemente asseguradas com a simples censura do facto e a ameaça da prisão, de modo a poder suspender na respectiva execução, a pena de 5 anos .
29. Nesta perspectiva, crê-se que não será demasiado arriscado conceder uma oportunidade ao arguido, suspendendo a execução da pena, com a imposição de regras de conduta, por haver condições para alcançar a concretização da socialização em liberdade, enfim, a finalidade reeducativa e pedagógica, que enforma o instituto, e que face ao disposto no n.º 5 do artigo 50.º, terá duração entre um e cinco anos.
Assim e face ao que atrás se expôs,
Encontram-se violados os art. 40 e 71º do Código Penal, pois tudo sopesado e ponderado, atentas as circunstâncias do caso concreto, verifica-se que se mostra excessiva a pena de 7 anos de prisão, aplicada ao arguido.
EM SUMA:
Deverá este Supremo Tribunal, conceder provimento ao presente recurso, o que se requer mui respeitosamente, revogando o Acórdão recorrido no quantum da pena a aplicar, situando a mesma na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regras de conduta, tudo com as legais consequências, e
Assim se fará a devida JUSTIÇA!
1. Pede o recorrente que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que o condene na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.
2. Alega para o efeito que a pena aplicada é excessiva face, nomeadamente, à confissão, ao arrependimento demonstrado, ao facto de ter estado recluso 20 anos e actualmente estar em liberdade, inserido social, profissional e familiarmente, assim como ao facto do tipo de produto estupefaciente em causa ser Canabis, a qual não é considerada uma “droga dura”.
3. No entendimento do Ministério Público, não assiste, porém, razão ao recorrente.
4. No caso concreto, e em relação ao recorrente, o Tribunal a quo considerou todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, designadamente, que o grau de ilicitude dos factos praticados é muito elevado, atendendo, sobretudo, à quantidade de estupefaciente em causa que lhe foi apreendida no interior do Estabelecimento Prisional e o perigo verificado de disseminação por elevado número de reclusos, sendo que tal perigo não foi alcançado unicamente devido à actuação dos guardas prisionais e não devido a uma actuação voluntária do recorrente.
5. Mais considerou, nomeadamente:
- a intensidade do dolo com que o recorrente actuou, na forma de dolo directo, particularmente acentuado;
- as condições pessoais e a situação económica do recorrente, nomeadamente, aquelas agora alegadas em sede de recurso;
- o facto do recorrente ter confessado integralmente os factos, demonstrando capacidade de auto-censura, no entanto, confissão que não teve qualquer relevo para a descoberta da verdade;
- os antecedentes criminais do recorrente, sendo vasto o seu passado criminal, embora por crimes de natureza diversa;
- as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sendo que o recorrente, à data, se encontrava em cumprimento de pena privativa da liberdade;
- o tipo de estupefaciente apreendido ao recorrente.
6. Face ao exposto, parece-nos evidente que ao recorrente não poderia, nem pode, ser aplicada uma pena pelo mínimo legal, o que inviabiliza a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
7. Ao contrário do alegado pelo recorrente, o Tribunal a quo considerou as circunstâncias de vida do recorrente, o período que esteve privado de liberdade e a sua recente restituição à liberdade, a confissão efectuada em sede de audiência, assim como o facto do mesmo, actualmente, se encontrar inserido social e familiarmente, motivos pelos quais a pena do crime praticado pelo recorrente (que tem uma moldura abstracta de 5 anos a 15 anos de prisão) foi fixada na sua medida inferior, ou seja, em 7 anos.
8. Todavia, atentas todas as circunstâncias supra expostas, em especial os antecedentes criminais do recorrente, parece-nos evidente que ao mesmo não poderia, nem pode, ser aplicada uma pena pelo mínimo legal.
9. Consideramos que o Tribunal a quo ponderou de forma correcta todas as circunstâncias que militam a favor e contra o recorrente, desde logo as alegadas pelo mesmo, tendo procedido à acertada definição da medida da pena, não tendo sido violado qualquer normativo legal.
10. Tendo-se por perfeitamente adequada a pena aplicada, não muito distanciada dos limites mínimos da moldura abstracta.
11.Com efeito, sendo o mínimo da moldura 5 anos e o máximo dessa moldura 15 anos de prisão, não merece qualquer reparo a condenação do recorrente na pena de 7 anos de prisão.
12. E tal decisão encontra-se devidamente fundamentada no acórdão recorrido, sendo que foi tido em conta, para além de todas as circunstâncias supra referidas, as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
13. Destarte, a decisão recorrida não enferma de qualquer violação aos art.ºs 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal, revelando-se, antes, decisão justa, adequada às necessidades de prevenção em causa, suficiente às finalidades da punição e às finalidades de reinserção social do recorrente.
Termos em que se conclui que o acórdão recorrido deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso apresentado.
Porém, V. Exas., como sempre, farão JUSTIÇA.
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Examinados os fundamentos do recurso, sufragamos integralmente a argumentação da Senhora Procuradora da República na 1ª instância, que aqui damos por reproduzida e, por todo o exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Cumpre decidir.
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1. Factos provados
A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:
“(…).
1 - Em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a .../09/2021, o arguido, enquanto recluso no estabelecimento prisional ..., sito na Estrada ..., em ..., decidiu, a troco de quantias monetárias, ceder produtos estupefacientes no seu interior a outros reclusos que o contactassem para os adquirir.
2- Na execução desse propósito, aproveitando-se do regime RAVI (regime aberto voltado para o interior) de que beneficia e de uma deslocação ao exterior do estabelecimento prisional no dia supra referido, o arguido, por meio e modo não concretamente apurados, logrou fazer chegar à sua posse os seguintes produtos:
- 3 (três) placas rectangulares, vulgo “sabonetes”, de uma substância vegetal prensada de cor acastanhada, envolvidas em pelicula transparente, com o peso total bruto aproximado de 298,83 gramas
- 11 (onze) embalagens cilíndricas, vulgo “bolotas”, de uma substância vegetal prensada de cor acastanhada, envolvidas em pelicula transparente, com o peso total bruto aproximado de 97 gramas.
3- Em acto seguido, após dissimular os produtos mencionados na sua zona genital e com o firme propósito de os fazer entrar na prisão, o arguido regressou para o estabelecimento prisional.
4- Na admissão de regresso ao estabelecimento prisional, devido a um comportamento suspeito do arguido, foi o mesmo sujeito a revista pessoal e nessa sequência detectados na sua posse os referidos produtos.
5- As três placas rectangulares tendo sido submetidas a exame pericial, revelou-se ser canábis em resina, com o peso liquido de 287 gramas, grau de pureza de 26,5% de THC, correspondente a 1521 doses deste produto estupefaciente, calculadas à luz da Portaria 94/96.
6- As onze embalagens cilíndricas tendo sido submetidas a exame pericial, revelou-se ser canábis em resina, com o peso liquido de 84,554 gramas, grau de pureza de 25,2% de THC, correspondente a 426 doses deste produto estupefaciente, calculadas à luz da Portaria 94/96.
7- O arguido adquiriu a substância estupefaciente a pessoa cuja identidade não se apurou, destinando-a a distribuição e revenda por vários consumidores que o contactassem no interior no interior do estabelecimento prisional a troco de quantias monetárias.
8- Assim agindo, detendo na sua posse aquele produto para venda ou cedência a terceiros, bem sabia da natureza e características estupefacientes do mesmo, ciente de que a sua detenção e cedência a qualquer título é proibida, e ainda assim, não se absteve de tal conduta, o que quis.
9- O arguido estava ciente de que com a sua conduta disseminava estupefacientes por várias pessoas, motivado pelo propósito concretizado de, com a sua conduta, obter vantagem económica, o que quis.
10- Bem sabia o arguido que ao introduzir e vender produtos estupefacientes na cadeia, para além dos proventos económicos mais elevados que retira pelo facto de ser um espaço restritivo, comprometia a reinserção social dos reclusos.
11- O arguido agiu livre, deliberada, e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
[Factos atinentes às condições pessoais do arguido:]
12- À data dos factos, o arguido AA encontrava-se preso desde ... de ... de 2005, cumprindo uma pena de 19 anos de prisão, por crime de homicídio qualificado.
13- Ao longo da execução da pena foi apoiado pela progenitora, que vive sozinha, em casa de quem chegou a beneficiar de licenças de saída.
14- O arguido viveu a primeira infância no seio de uma família com uma dinâmica desestruturada, caracterizada pela ruptura da relação parental. O pai, ..., era ... mas detinha problemática de alcoolismo.
15- O arguido ficou aos cuidados da progenitora mas, aos 2 anos de idade, o pai retirou-o dos cuidados daquela, sem o seu consentimento, tendo-lhe transmitido posteriormente que a mãe o teria abandonado e que entretanto falecera.
16- Assim, AA cresceu sem um enquadramento familiar adequado e sem investimento afectivo, condições indispensáveis ao seu normal desenvolvimento.
17- Passou a viver com as sucessivas companheiras do progenitor, convivendo de forma mais ou menos afastada com os irmãos consanguíneos, fruto dos sucessivos relacionamentos do pai (11 irmãos ao todo) e vivenciando acentuada mobilidade geográfica.
18- Por volta dos 6 anos foi entregue aos cuidados da família paterna, emigrante nos ..., onde experimentou pela primeira vez o consumo de estupefacientes, por influência de um tio toxicodependente.
19- Regressado dos ... aos 11/12 anos de idade, o pai tê-lo-á internado no colégio ..., na ..., onde permaneceu até aos 20 anos, sem nunca ter voltado a vê-lo. Todavia a progenitora, tendo sabido onde se encontrava, foi visitá-lo, contava o arguido então 19 anos, mas foi rejeitada devido à má imagem que dela construíra, por influência do pai.
20- Com cerca de 20 anos ingressou na C... .. ...... da ..., altura em que iniciou pluriconsumos, acompanhados de comportamentos desviantes, designadamente furtos.
21- Tendo abandonado a C... .. ...... foi acolhido por um amigo do pai, onde permaneceu durante 4 meses, até ter sido preso pela primeira vez, preventivamente, em ... de 2002.
22- Enquanto preso a mãe conseguiu efectuar uma reaproximação ao descendente, passando a visitá-lo. Acolheu-o em sua casa quando o mesmo retornou a meio livre, e onde vivia com uma irmã uterina do arguido, á data com 28 anos.
23- A relação familiar entre mãe e filho não foi fácil, tendo o arguido abandonado a casa materna em Outubro de 2002 e regressado à ..., onde passou a viver em casa de um amigo.
24- Posteriormente passou a viver na serra ... com uma companheira, tendo sido preso pela segunda vez em ... de 2005 para cumprir pena de prisão.
25- Em contexto prisional investiu no incremento de habilitações académica, tendo concluído o 12º ano e ingressado no Ensino Superior, encontrando-se a frequentar o 2º ano do curso aquando dos factos referentes aos presentes autos e que determinaram a sua suspensão do ensino.
26- Como experiência de trabalho aponta actividades indiferenciadas na área da hotelaria/restauração, como empregado fabril, na agricultura e ainda como ....
27- O arguido completou com êxito um curso E.. .., que lhe conferiu a equivalência ao 12º ano, passando a desenvolver actividade laboral como ... da escola. Foi posteriormente colocado em RAI e ingressou no ensino superior, onde se encontrava a frequentar o 2º ano do curso de ... na Universidade .... Tinha-lhe também entretanto sido aprovado o RAE, aguardando transferência de EP em razão da colocação naquele regime.
28- Paralelamente manteve a participação no Projeto Corpo em Cadeia, um projecto de dança contemporânea financiado pela fundação C. Gulbenkien, no qual se empenhou activamente e aparentava acentuada motivação.
29- Desde a data dos factos foram-lhe suspensas todas as medidas de flexibilização da pena de que beneficiava, mantendo-se inactivo, embora tenha conseguido reintegrar o Projecto Corpo em Cadeia, o qual terminou no pretérito mês de Dezembro.
30- O arguido cumpriu uma pena de 16 anos, no âmbito do processo 185/05.0..., J2, do Juízo Central Criminal de ..., tendo sido restituído à liberdade (condicional), aos 5/6 da pena, no dia .../09/2023.
[Antecedentes criminais do arguido:]
31- O arguido foi condenado:
- no Processo n.º 409/02.0..., do Tribunal da ..., pela prática, em 01/05/2002, de um crime de furto qualificado e de dez crimes de furto, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob regime de prova;
- no Processo n.º 24/01.0..., do Tribunal da ..., pela prática, em 29/05/2001, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- no Processo n.º 157/01.3..., do Tribunal da ..., pela prática, em 16/04/2002, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão.
Por sentença cumulatória proferida em 18/06/2003, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos;
- no Processo n.º 7/05.1..., do Tribunal da ..., pela prática, em 02/09/2004, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 45 dias de multa, a qual foi posteriormente convertida em 30 dias de prisão subsidiária;
- no Processo n.º 185/05.0..., pela prática, em 28/04/2005, de um crime de homicídio qualificado, na pena de 19 anos de prisão;
- no Processo n.º 10266/03.9..., pela prática, em 04/08/2003, de um crime de furto, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
(…)”.
B) Factos não provados
Inexistem factos não provados.
C) Fundamentação da medida concreta da pena
“(…).
Importa, neste momento, proceder à determinação da medida da pena dentro da moldura abstracta cominada para este ilícito.
O crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº. 1 e 24º, ambos do D.L. nº. 15/93, é abstractamente punível com pena de prisão de 5 anos a 15 anos.
Há, assim, que determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P., havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no citado artº. 71º, nº 2 do Código Penal.
Assim, há que ponderar:
O grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura muito elevado, tendo em conta, designadamente as quantidades de estupefacientes que introduziram no interior do Estabelecimento Prisional e o perigo verificado de disseminação por elevado número de reclusos, sendo de relevar que as consequências danosas do ilícito criminal em causa, não foram alcançadas, se bem que não por qualquer acto voluntário do arguido, mas por força da intervenção dos guardas prisionais que procederam à revista do recluso e à posterior apreensão do estupefaciente, impedindo assim que aquele produto viesse a ser consumido dentro do estabelecimento prisional.
É certo que a substância estupefaciente apreendida era canábis-resina. Porém, a lei não estabelece qualquer conceito ou distinção entre drogas duras e drogas leves e atentas as tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, não se vislumbra sequer onde se poderá fundar qualquer putativa ligeireza da cannabis (resina), já que todas as substâncias elencadas nas Tabelas I a III se mostram incluídas no nº. 1 do artº 21 desse diploma, sendo os comportamentos de detenção, venda, transporte, etc., de qualquer uma delas, sujeitos, englobados e punidos por idêntica moldura penal.
O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo directo, particularmente acentuado.
As condições pessoais e a situação económica do arguido que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas.
A favor do arguido depõe o facto do mesmo ter confessado integralmente os factos denotando uma capacidade de auto-censura pelo seu comportamento delituoso, confissão, porém, que não teve qualquer relevo para a descoberta da verdade.
Contra o arguido depõem os seus antecedentes criminais, sendo vasto o seu passado criminal.
Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes, com todas as consequências e sequelas graves daí decorrentes, designadamente ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade e ainda considerando enormidade do flagelo da droga, sendo necessário desincentivar eficazmente a sua comissão; e sendo as necessidades de prevenção especial, também elevadas, em relação a ao arguido, atento o seu comportamento delituoso, os seus antecedentes criminais pela prática de crimes graves, embora não da mesma natureza.
Tudo visto e ponderado, considera-se adequada aplicar ao arguido a pena de 7 (sete) anos de prisão.
(…)”.
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*
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:
- A de saber se foi incorrectamente determinada a medida concreta da pena de prisão;
- A de saber se pode e deve ser substituída a pena de prisão.
Oficiosamente – porque a qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2009, processo nº 09P0097, in www.dgsi.pt) –, haverá que verificar se a conduta do recorrente se mostra, também, agravada pela circunstância prevista na alínea b) do art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
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Do ponto 30 dos factos provados [copiando o parágrafo correspondente do Título 2 – Repercussões da Situação Jurídico-Penal do Arguido, do Relatório Social de 27 de Fevereiro de 2023 (referência ......87), consta:
O arguido cumpriu uma pena de 16 anos, no âmbito do processo 185/05.0..., J2, do Juízo Central Criminal de ..., tendo sido restituído à liberdade (condicional), aos 5/6 da pena, no dia .../09/2023.
Dos pontos 12 e 31 dos factos provados resulta que a pena em causa foi a de 19 anos de prisão, o que é comprovado nos autos por documento com força probatória bastante, o certificado do registo criminal do arguido (referência .......61).
É, assim, manifesta a existência de lapso de escrita no referido ponto 30 dos factos provados, e a sua eliminação não importa modificação, muito menos, essencial, do decidido.
Deste modo, ao abrigo do disposto no art. 380º, nºs 1, b) e 2 do C. Processo Penal, procedendo à correcção do acórdão recorrido, onde no ponto 30 dos factos provados se lê,
«O arguido cumpriu uma pena de 16 anos, no âmbito do processo 185/05.0..., J2, do Juízo Central Criminal de ..., tendo sido restituído à liberdade (condicional), aos 5/6 da pena, no dia .../09/2023.»,
deverá ler-se,
«O arguido cumpriu uma pena de 19 anos, no âmbito do processo 185/05.0..., J2, do Juízo Central Criminal de ..., tendo sido restituído à liberdade (condicional), aos 5/6 da pena, no dia .../09/2023.».
Após baixa dos autos, a 1ª instância diligenciará pela realização do averbamento devido, no lugar respectivo.
*
1. O arguido foi condenado no acórdão recorrido pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, b) e h), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa.
Uma vez que o arguido não deduziu impugnação ampla da matéria de facto e não se descortina no acórdão recorrido a presença de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto provada, nos exactos termos em que o foi pela 1ª instância.
A provada conduta do arguido, na parte em que, para o caso, interessa, consistiu em: estando o mesmo recluído no Estabelecimento Prisional ..., ter decidido vender produtos estupefacientes no seu interior a outros reclusos; na execução deste propósito, aproveitando o regime de RAVI de que beneficiava e uma deslocação ao exterior, de modo não concretamente apurado, entrou na posse de 371,554 gramas de canábis-resina, correspondentes a 1947 doses individuais, que dissimulou na zona genital e regressou ao estabelecimento prisional; na admissão de regresso, no estabelecimento prisional, devido ao seu comportamento suspeito, foi o arguido sujeito a revista pessoa, na sequência da qual foi detectada na sua posse a referida quantidade de canábis-resina, que destinava à venda a reclusos, a troco de quantias monetárias.
Na fundamentação de direito do acórdão recorrido, a propósito do preenchimento da previsão da alínea b) do art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, lê-se:
“(…).
Relativamente à circunstância prevista na al. b), «distribuição por grande número de pessoas», ainda que surjam dificuldades na delimitação do conceito, perfilhamos o entendimento sufragado pelo STJ, no Ac. de 30/09/99 (publicado na C.J.-STJ, 1999, t. III, pág. 162), no sentido de que para que tal circunstância se verifique é necessário que tenha sido abastecido um número de pessoas de tal modo numeroso que se possa concluir haver o traficante contribuído, consideravelmente, para a disseminação da droga;
(…).
Neste contexto jurídico provou-se que o arguido, no dia .../09/2021 levou para o interior do Estabelecimento Prisional ..., 287 gramas de canábis (resina), com um grau de pureza de 26,5% de THC, correspondente a 1521 doses deste produto estupefaciente e ainda 84,554 gramas, com um grau de pureza de 25,2% de THC, correspondente a 426 doses deste produto estupefaciente, destinando essa substância a outro(s) recluso(s) que ali se encontrava(m) recluído(s) e que pretendia cedê-la a terceiros, sabendo o arguido da elevada quantidade de tal substância e que contribuía consideravelmente para a disseminação da droga no interior do E.P..
No que respeita à quantidade de estupefacientes apreendido, é um facto o seu peso, a sua natureza e o seu grau de pureza, bem como a circunstância de ser apto a ser consumido em quase 2 000 doses, sendo que este número possibilitaria que tantas as pessoas quantas as doses diárias, no caso, reclusos no E.P., pudessem consumir uma dose cada um.
Assim, não restam dúvidas que não corresponde – pela objectividade dos números – a algo de insignificante ou sem grande repercussão, quer estejamos a referir-nos a um meio livre, quer, especialmente, se atendermos ao facto de se destinar a uma população reclusa.
É um número que já tem expressão e significado relevante.
Esta situação, é indubitavelmente subsumível nas als. b) e al. h) do art. 24º do D.L. nº 15/93, resultando evidente que a imagem global do facto não permite concluir por qualquer acentuada diminuição da ilicitude da conduta, verificando-se antes que está em causa um elevado perigo de difusão do estupefaciente pelos reclusos do estabelecimento prisional em causa.
(…)”.
Dispõe o art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com a epígrafe «Agravação», na parte em que agora releva:
As penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
(…);
b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas;
(…).
Resulta, com clareza, da letra da referida alínea b), que para o seu preenchimento se exige que as substâncias estupefacientes tenham efectivamente sido distribuídas por grande número de pessoas, não bastando, para tanto, o mero perigo, a simples possibilidade de as mesmas poderem ser distribuídas por elevado número de pessoas (Pedro Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, 2011, Universidade Católica Editora, pág. 502). E para este mesmo entendimento aponta o acórdão recorrido, quando afirma, na parte supra transcrita, que para se verificar a circunstância, é necessário que tenha sido abastecido um número de pessoas de tal modo numeroso que se possa concluir haver o traficante contribuído, consideravelmente, para a disseminação da droga.
Sucede que, tendo o recorrente sido detectado com o estupefaciente, na revista pessoal a que foi sujeito, logo após ter entrado no estabelecimento prisional, não foi ultrapassado o estado de mero perigo, a mera possibilidade de disseminação da droga por número considerável de pessoas, não tendo o arguido efectuado, dada a imediata apreensão do estupefaciente, um qualquer acto de venda ou cedência de canábis a qualquer recluso.
Em suma, pelas sobreditas razões, não pode a apurada conduta do arguido ser qualificada, também, pela alínea b) do art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Assim, tal conduta preenche o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, h), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas – qualificação que o arguido não questiona no recurso –, crime a que corresponde a moldura penal de cinco a quinze anos de prisão.
2. O recorrente, como já referimos, não questiona a qualificação jurídica dada no acórdão recorrido à sua apurada conduta. Oficiosamente, pela via do presente recurso, foi esta qualificação jurídica afinada, passando a ser feita pela prática do crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, h), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas.
Este crime é punível com prisão de cinco a quinze anos, e é contra a medida concreta da pena fixada pela 1ª instância – 7 anos de prisão – que o arguido se insurge, considerando-a, essencialmente, excessiva e desproporcional, e pretendendo a sua redução para a pena de 5 anos de prisão.
Em abono da pretensão deduzida alega – conclusões 3 a 21 – que não foram devidamente ponderadas as circunstâncias atenuantes que a seu favor militam e que determinariam, observados que fossem os critérios legais de determinação da medida da pena, uma pena de prisão não superior a 5 anos, designadamente, i) as circunstâncias de, ter confessado integralmente os factos e revelado honesto arrependimento, manifestando consciência crítica, ii) ter agido como guarda e transporte da canábis, para entrega a terceiros, portanto, como mero “correio” de droga, e sob ameaça para saldar uma dívida a outro recluso, iii) estarmos perante um estupefaciente quem, devido à sua menor potencialidade danosa, é considerado como droga leve, iv) porque foi interceptado na portaria do estabelecimento prisional, a canábis nunca entrou na área dos reclusos e não esteve em contacto com eles pelo que, apesar de a quantidade de canábis que lhe foi apreendida possa considerar-se elevada, não entrou no circuito interno do tráfico, v) está em liberdade condicional desde Setembro de 2023, o que implicou a alteração da sua situação social e no rumo da sua vida, tendo procurado emprego e logrado obtê-lo dois meses depois de restituído à liberdade, passou a residir e a ser acompanhado psicologicamente pela A......... ......., e vi) os seus antecedentes criminais têm na sua base factos de há mais de 20 anos portanto, com diminuta relevância actual.
O art. 40º, nº 1 do C. Penal, com a epígrafe «Finalidade das penas e das medidas de segurança» estabelece que, [a] aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e dispondo o seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Prevenção – geral e especial – e culpa são, assim, os factores a relevar na determinação da medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto, enquanto a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).
O critério legal de determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto no seu nº 1, a determinação da medida da pena é feita, dentro da moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, estabelecendo o seu nº 2, que, para tal efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número, umas, relacionadas com a execução do facto – alíneas a) a c) e e), parte final –, outras, com a personalidade do agente (alíneas d) e f) – e outras, ainda, com a conduta anterior e posterior do agente – alínea e).
Podemos, pois, dizer, com Figueiredo Dias, e para concluir, que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
Tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e não podendo a mesma, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua dimensão concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o seu ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como, de forma modelar, se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014, proferido no processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1 (in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Como se percebe, a determinação da medida da pena não resulta de um poder discricionário do juiz nem da sua arte de julgar, mas da aplicação de um critério legal ao caso concreto, sendo, pois, o resultado de um procedimento juridicamente vinculado.
Contudo, precisamente porque estamos no âmbito da aplicação de um critério legal que comporta a ponderação de diversos parâmetros, o resultado final, o quantum da pena, não é fixável com precisão matemática. Por tal razão, a intervenção do tribunal de recurso só deve tornar-se efectiva quando seja evidente a violação de tal critério – por falta de razoabilidade ou violação das regras da experiência comum – na configuração das operações necessárias à determinação da pena.
3. Revertendo para o caso concreto, verificamos que a 1ª instância, no acórdão recorrido, ponderou, como circunstâncias agravantes:
- O elevado grau de ilicitude do facto, suportado na quantidade de estupefaciente introduzido no estabelecimento prisional, no perigo de disseminação do mesmo por elevado número de reclusos, ainda que as consequências danosas não tenham chegado a ocorrer, por circunstâncias alheias à vontade do arguido, sendo certo que, estando em causa uma droga leve, a putativa ligeireza da canábis não resulta da lei, que trata igualmente, as substâncias elencadas nas Tabelas I a III, anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro;
- O dolo acentuado do arguido, que revestiu a forma de dolo directo;
- Os antecedentes criminais do arguido, com vasto passado nesta sede.
O acórdão recorrido ponderou como circunstâncias atenuantes:
- A confissão integral do arguido, demonstrativa de capacidade de auto-censura, mas sem relevo para a descoberta da verdade, e
- Ao que parece, as condições pessoais e a situação económica do arguido, que constam dos factos provados.
Finalmente, ponderou as elevadas exigências de prevenção geral, dada a constante prática do crime de tráfico de estupefacientes, com a grande danosidade sanitária e social associadas, bem como, as elevadas exigências de prevenção especial, quer pela conduta praticada, quer pelos antecedentes criminais, ainda que, de diversa natureza.
Duas considerações prévias se impõem.
A primeira prende-se com a circunstância de o tribunal a quo ter ponderado a confissão integral do arguido, sem que, contudo, a mesma conste dos factos provados.
A confissão, enquanto acção humana pretérita, é um facto, e é também um meio de prova, integrada nas declarações do arguido que, em certas situações, pode interferir na marcha do processo (art. 344º do C. Processo Penal).
Enquanto facto, a confissão releva para a determinação da medida concreta da pena e por isso, deve integrar o elenco dos factos provados da decisão.
Uma vez que o tribunal a quo considerou ter o arguido confessado integralmente os factos, disso dando nota no acórdão recorrido, quer na motivação de facto, quer, conforme já dito, na fundamentação de direito da determinação da medida da pena, e porque, como seria expectável, também o arguido a invoca, evidente se torna que devia a mesma ser considerada.
A segunda, prende-se com a circunstância de não terem sido especificadas as concretas condições pessoais e a situação económica do arguido relevadas, quando dos factos provados, sob o título «Factos atinentes às condições pessoais dos arguidos», constam os pontos 12 a 30, mera reprodução, praticamente ipsis verbis, do Relatório Social datada de 27 de Fevereiro de 2023 (referência ......87), Título 1 – Condições Pessoais e Sociais, quanto aos pontos 12 a 26 dos factos provados e Titulo 2 – Repercussões da Situação Jurídico-Penal do Arguido, quanto aos pontos 27 a 30 dos factos provados, do que resultou [para além do lapso de escrita constante do ponto 30 dos factos provados, já referido na questão prévia supra], a inclusão na matéria de facto provada de matéria irrelevante, sendo que a opção tomada não é, com ressalva do respeito devido, tecnicamente correcta.
Quanto ao mais.
a. Dentro da dimensão da ilicitude pressuposta pela moldura penal aplicável ao crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado – moldura penal esta, seguramente severa – não vemos que o grau de ilicitude do facto, atentas as concretas circunstâncias a atender, deva considerar-se elevado.
É certo que a quantidade total de canábis detida pelo arguido – 371,554 gramas, com um grau de pureza de 26,5% de THC, quanto a 287 gramas, e com um grau de pureza de 25,2% de THC, quanto a 84,554 gramas, apta a produzir 1947 doses individuais de consumo – se, em termos gerais, não é uma quantidade particularmente relevante, quando referida a uma comunidade fechada, com regras e população com características especiais, não pode deixar de ser considerada uma quantidade importante. Porém, o perigo da sua disseminação pelos reclusos, independentemente do seu número, aliás, não apurado, integra a ratio da circunstância agravante da prevista na alínea h) do art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, não podendo aqui ser considerada, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração.
Por outro lado, concordando com o acórdão recorrido quanto a não distinguir a lei, relativamente à qualificação jurídica, entre as substâncias incluídas nas Tabelas I a III, anexas ao diploma referido, sendo certo que a canábis se encontra prevista na Tabela I-C, não pode ignorar-se que o seu grau de toxicidade e de criação de adição é bastante inferior ao de outros estupefacientes, designadamente, aos da cocaína e da heroína, pelo que, nas mesmas circunstâncias, ao tráfico de canábis deverá corresponder uma ilicitude menos intensa do que à do tráfico das designadas drogas duras.
Também concordando com o acórdão recorrido, ainda que estejamos perante um crime de perigo, é verdade que, se bem que por razões alheias à vontade do arguido, não foi significativa a gravidade das consequências do facto.
Por tudo isto entendemos – até porque caiu a circunstância agravante prevista na alínea b) do art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, que a ilicitude do facto praticado pelo arguido assume grau médio.
Concordamos ainda com o acórdão recorrido quando considera acentuada a intensidade do dolo com que o arguido actuou. Com efeito, não só o mesmo revestiu a forma de dolo directo, como toda a conduta levada a cabo pelo arguido revela uma elevada e reflectida energia criminosa.
Concordamos, igualmente, quanto a serem muito elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que, por todo o lado, esta actividade criminosa continua a ser praticada, com pesadas consequências para a comunidade, seja a nível sanitário, seja porque o consumo de drogas, que o tráfico assegura, é um importante factor criminógeno, estando na origem de parte significativa da criminalidade violenta contra a propriedade.
Como também concordamos com o acórdão recorrido, quanto a serem elevadas as exigências de prevenção especial, quer pelo passado criminal do arguido, se bem que por crimes de distinta natureza – furto, furto qualificado e homicídio qualificado – do que integra o objecto dos autos, quer, essencialmente, pela circunstância de ter praticado o crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado [8 de Setembro de 2021] quando cumpria uma pena de 19 anos de prisão por crime de homicídio qualificado, e se encontrava próximo de atingir os 5/6 da mesma [veio a ser colocado em liberdade condicional a 22 de Setembro de 2023], o que é revelador de uma personalidade desconforme ao direito, seguramente indiferente aos valores tutelados pela norma violada e à ameaça da respectiva sanção, pois o longo tempo de reclusão sofrida [mais de 16 anos] não se revelou suficiente para o reinserir, motivando-o no sentido de se abster da prática de novos comportamentos típicos.
b. Relativamente às circunstâncias atenuantes, já vimos que o tribunal a quo considerou, e bem, a confissão integral. Com efeito, a 1ª instância, apesar de a considerar irrelevante para a descoberta da verdade [o arguido foi surpreendido em flagrante delito], entendeu ainda que a mesma revelava capacidade de auto-censura.
Pretende o arguido que também terá mostrado honesto arrependimento e consciência crítica. Podendo admitir-se que esta última corresponda à referida capacidade de auto-censura [não se ficando, portanto, a dever a uma mera opção de defesa], já o arrependimento não se encontra contemplado nos factos provados, pelo que, não pode ser considerado nesta sede.
Relativamente, se bem entendemos a argumentação, ao móbil do crime, aos fins ou motivos determinantes da sua prática, pretende o arguido que terá actuado como guarda e transportador da canábis, portanto, como mero “correio” de droga, e sob ameaça, para saldar uma dívida a outro recluso. Trata-se da versão por este apresentada na audiência de julgamento, como decorre do teor da motivação de facto do acórdão recorrido, que não foi credibilizada pelo tribunal a quo, pois não a integrou nos factos provados, razão pela qual não pode ser atendida.
A natureza e danosidade sanitária e social da canábis e a não verificação da sua efectiva disseminação no estabelecimento prisional mereceram adequado tratamento da 1ª instância, quando abordou o grau de ilicitude do facto, como supra se deixou referido.
As condições pessoais e a situação económica do arguido [que, como consta do Relatório do acórdão recorrido, nasceu a ... de ... de 1980] extraíveis dos pontos 12 a 30 dos factos provados, reconduzem-se a uma infância e juventude sem o apoio de uma família estruturada, sem enquadramento familiar e afectivo capazes de lhe proporcionarem um crescimento harmonioso, preso a primeira vez, foi apoiado pela progenitora que o acolheu quando colocado em liberdade, porém, devido a falta de entendimento entre ambos, o arguido abandonou a casa materna e passou a viver, com uma companheira, na ..., vindo novamente a ser preso, em ... de 2005, pela prática do referido crime de homicídio qualificado.
A experiência profissional do arguido reconduz-se a esporádicos desempenhos em actividade agrícolas, na restauração e em fábricas.
Enquanto recluído, o arguido investiu na sua formação académica e performativa, tendo concluído o 12º ano e ingressado no ensino superior, frequentando o 2º ano do curso de ... da Universidade ... quando praticou os factos objecto dos autos, o que determinou a sua suspensão, e tendo participado com motivação no projecto de dança contemporânea Corpo em Cadeia, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Foi colocado em liberdade condicional, por ter atingido os 5/6 da pena, no dia ... de Setembro de 2023.
A este propósito, pretende o arguido que a sua colocação em liberdade condicional provocou uma alteração na sua situação social e no rumo da sua vida, tendo logrado obter emprego dois meses depois de restituído à liberdade, e tendo passado a residir numa associação que o apoia.
Não se dúvida que a libertação condicional do arguido tenha para ele constituído uma mudança. Já as condições subsequentes e o rumo dado à sua vida, afirmados na motivação do recurso, não constam dos factos provados [aliás, não podiam constar, posto que o acórdão recorrido foi proferido dois meses após a concessão da liberdade condicional], razão pela qual não podem ser atendidos.
Finalmente, pretende o arguido que os seus antecedentes criminais, porque referentes a factos de há mais de vinte anos, têm diminuta relevância actual.
Sendo verdade que a mais próxima condenação do arguido [proferida no processo nº 185/05.0...] teve origem em factos praticados em ... de ... de 2005 [homicídio qualificado] portanto, em factos ocorridos há mais de dezanove anos, a sua relevância actual não é, propriamente, diminuta, pelo elevado grau de ilicitude que comporta, sem esquecer que implicou a sua reclusão de ... de ... de 2005 a ... de Setembro de 2023.
c. Em suma, sendo mediano o grau de ilicitude do facto, sendo elevada a intensidade do dolo, tendo o arguido confessado os factos, sem relevo para a descoberta da verdade, tendo o mesmo uma deficiente inserção familiar, social e laboral, sendo elevadas as exigências de prevenção geral e especial, entendemos, face à ponderação feita pela 1ª instância, que considerou um grau de ilicitude elevado [valorado com o concurso da circunstância agravante prevista na alínea b) ao art. 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, afastada pela via do presente recurso] , haver ainda lugar para uma diminuição do juízo de censura, considerando-se a pena de 6 (seis) anos de prisão – no arco punitivo de 5 a 15 anos de prisão – necessária, adequada e mais proporcional, do mesmo modo que se mostra plenamente suportada pela medida da culpa do arguido, estando, por outro lado, alinhada com o referente deste Supremo Tribunal (acórdãos de 21 de Fevereiro de 2024, processo nº 211/18.2PALGS.E1.S1, de 15 de Fevereiro de 2024, processo nº 2020/22.5PAALM.S1, 7 de Dezembro de 2023, processo nº 217/22.7PVLSB.L1.S1 e de 24 de Setembro de 2020, processo nº 109/17.1GCMBR.S1, todos in www.dgsi.pt).
Concluindo, por se entender necessária, adequada e mais proporcional, deve a pena a impor a arguido ser fixada em 6 (seis) anos de prisão.
4. Pretende o arguido, no pressuposto de que, pela via do presente recurso, a pena de 7 anos de prisão imposta pela 1ª instância seja reduzida para não mais de 5 anos de prisão, que esta seja suspensa na respectiva execução – conclusões 23 a 29.
A pretensão do recorrente parte de um pressuposto não verificado, o que a torna inviável.
Com efeito, a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão depende, desde logo, como seu pressuposto formal, que a pena de prisão aplicada e a substituir não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1 do C. Penal.
Assim, porque, no caso, não se verifica este pressuposto, não pode proceder a pretensão do recorrente de ver substituída a pena de prisão imposta.
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Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidem:
A) 1. Revogar o acórdão recorrido na parte em que qualificou a conduta do arguido AA como a prática, em autoria material, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, b) e h), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa.
2. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA pela prática, em autoria material, de tal crime, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
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Vasques Osório (Relator)
Celso Manata (1º Adjunto)
Jorge Bravo (2º Adjunto)