I - Os recorrentes interpuseram o presente recurso extraordinário de revisão, sem comprovarem, apesar de, para tanto, convidados, o trânsito em julgado do acórdão recorrido, o que é fundamento de inadmissibilidade do recurso, determinante da sua rejeição (arts. 414º, nº 2, e 420º, nº 1, b), do C. Processo Penal).
II - Os recorrentes carecem de legitimidade para interpor o recurso porque, não obstante a sua qualidade de arguidos, foram absolvidos no acórdão recorrido, da prática dos crimes imputados, o que é. Igualmente, é fundamento de inadmissibilidade do recurso, determinante da sua rejeição (arts. 414º, nº 2, e 420º, nº 1, b), do C. Processo Penal).
III - A invocação, como fundamento do recurso, de oposição de soluções de direito, em vez da inconciliabilidade de factos, atento o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, revela um pedido manifestamente infundado
Acordam em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça
AA e BB, ambos com os demais sinais nos autos, com fundamento no disposto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, interpuseram recurso extraordinário de revisão de sentença do acórdão proferido nos autos em 20 de Setembro de 2016, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central Criminal de ... – Juiz 5, que absolveu ambos da prática de todos os crimes por que haviam sido pronunciados, bem como, dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Ministério Público e decidiu ainda a perda dos bens apreendidos nos autos a favor do Estado nos seguintes termos:
“Determinar a perda em favor do Estado dos objetos, veículos, telemóveis, computadores, metais preciosos, quantias monetárias e outros aprendidos na posse (residências e estabelecimentos) dos arguidos CC, DD, EE, FF, GG, HH e II.”
Para tanto, formularam as seguintes conclusões:
A. De acordo com o artigo 449.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
B. Ora, os factos dados como provados – que serviram de fundamento à absolvição dos aqui Recorrentes, e à sua condenação posterior, no que respeita à perda dos seus bens apreendidos à ordem dos autos a favor do Estado – no acórdão revidendo (e respetivo despacho de aperfeiçoamento) alvo do presente recurso, cujos detalhes adiante deixaremos expostos, conduzem a conclusão díspar, absolutamente oposta e em crassa contradição com os factos dados como provados e que constituem fundamento da decisão vertida no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 29.01.2014, referente ao processo n.º 549/11.0JAPRT-A.P1, e disponível em www.dgsi.pt.
C. Motivo pelo qual consideram os aqui Recorrentes que a manutenção da apreensão dos bens da sua titularidade é absolutamente ilegítima, desprovida de qualquer fundamento legal e, bem assim, suscetível de ser alvo de juízo rescidente e, por conseguinte, rescisório, em virtude de entrar em crassa oposição com os factos dados como provados no acórdão suprarreferido, os quais, quando confrontados, conduziriam a decisão absolutamente diversa.
D. Com efeito, o Tribunal quo proferiu, em 20.09.2016, o douto acórdão aqui recorrido, no qual, e em suma, absolveu os ora Recorrentes da prática de todos os crimes por que foram pronunciados e, bem assim, julgou improcedentes os pedidos de indemnização cível que contra os mesmos foram deduzidos pelo Ministério Público.
E. Para o que ora interessa, no acórdão supra foi decidida a perda dos bens apreendidos à ordem do processo a favor do Estado, nos termos seguintes: “Serão objeto de perda em favor do Estado os veículos, telemóveis, computadores, metais preciosos, quantias monetárias e outros apreendidos na posse (residências e estabelecimentos) dos arguidos CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, considerando o disposto no artigo 109.º do Código Penal. Inverificados, relativamente aos demais objetos os pressupostos estabelecidos no artigo 109.º do Código Penal, devem ser restituídos.” (sublinhado nosso)
F. A este propósito, importa referir que os ora Recorrentes foram, na fase de inquérito dos autos em causa, alvo de variadas buscas e apreensões, tendo visto a generalidade (senão a totalidade) dos seus bens pessoais apreendidos à ordem do processo.
G. Uma vez que os Recorrentes foram absolvidos quer da prática dos crimes quer do pedido de indemnização contra eles deduzido e, bem assim, porque relativamente aos seus bens não foi declarada qualquer perda a favor do Estado, os Recorrentes requereram, em 24.10.2016, que o Tribunal a quo esclarecesse quais os bens da sua titularidade apreendidos à ordem dos autos, por forma a preparar, após o trânsito em julgado, o requerimento de restituição desses mesmos bens.
H. Isto porque, o acórdão aqui recorrido, não só é omisso quanto à especificação dos bens apreendidos, como também se limitou a decidir “a contrario”, ou seja, se absolve os ora Recorrentes e se declara inverificados, quanto aos demais objetos, os pressupostos estabelecidos no artigo 109.º do Código Penal, seria forçoso concluir que os bens a eles pertencentes deveriam ser restituídos.
J. Não obstante, por despacho de 11.11.2016, o Tribunal a quo decidiu que: “Requerem (…) AA e BB, quanto aos mesmos, a aclaração do acórdão relativamente aos objetos declarados perdidos a favor do Estado e aqueles cuja restituição se ordena. Afigura-se-nos que o acórdão é suficientemente claro nesta parte, sendo certo que resulta à saciedade da fundamentação de facto e de direito que os objetos apreendidos nos locais mencionados pertencem ao condenado JJ e são provenientes da sua atividade, tendo ficado excluída a participação de AA e BB na atividade da R..., Lda., o que justificou, aliás, a absolvição dos mesmos. Assim, não restam dúvidas de que a declaração da perda em favor do Estado abrange, neste caso, todos os objetos apreendidos na posse do arguido JJ, independentemente da localização, nada havendo a restituir.” (sublinhado nosso)
K. Ou seja, o despacho supra não pretendeu mais do que “estender” a posse dos bens que – comprovadamente – são propriedade lícita dos ora Recorrentes ao condenado JJ, alterando, dessa forma, o decidido, e declarando-os perdidos a favor do Estado, sem mais nenhum outro remoto fundamento para o efeito.
L. Não querendo de todo, nesta sede, tecer quaisquer considerações quanto ao facto da alteração da decisão supra encerrar em si uma completa alteração do decidido e, portanto, constituir uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 119.º, alínea e) do Código de Processo Penal – porquanto o alegado lapso manifesto que o Tribunal a quo pretendeu suprir através do mecanismo previsto no artigo 380.º do referido diploma legal, nunca poderia ter sido sanado pelo Tribunal que proferiu a decisão, uma vez que este esgotou o seu poder decisório no momento da prolação e leitura do acórdão sub judice.
M. Certo é que o acórdão aqui recorrido, não só é omisso quanto à especificação dos bens apreendidos, como também se limitou a decidir “a contrario”, ou seja, se absolve os ora Recorrentes e se declara inverificados, quanto aos demais objetos, os pressupostos estabelecidos no artigo 109.º do Código Penal, é imperativo concluir que os bens a eles pertencentes deveriam ser restituídos.
N. Em virtude do exposto, atento aos factos dados como provados no acórdão revidendo, bem como ao despacho de correção proferido na sua sequência, terem conduzido a uma fundamentação jurídica – e consequente decisão – em absoluta contradição com os factos dados como provados – e consequente decisão – no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, acima melhor identificado.
N. Mormente, na parte em que aquele acórdão refere que: “I – Havendo necessidade de produzir uma decisão jurisdicional que avalize a transmissão compulsiva do direito (fundamental) de propriedade para o Estado [artigo 62.º, n.º 1, da CRP], a sentença é o momento adequado à definição do destino a dar aos objetos apreendidos nos autos e ainda não restituídos, no regime penal geral. II – Se tal não acontecer, logo que transitar em julgado a sentença, os objetos apreendidos devem ser restituídos a quem de direito – a menos que a sua detenção por particulares seja proibida.” (sublinhado nosso)
O. Face à presença de decisões inconciliáveis quanto resultado final do destino dos bens apreendidos à ordem do processo, no âmbito de, por um lado, uma decisão (revidenda) que, como vimos, define a restituição dos bens apreendidos nos autos da titularidade dos aqui – e de um despacho de correção que afinal entende, discricionariamente, não restituir os bens dos aqui Recorrentes então absolvidos, porquanto estes se encontravam na posse do co-arguido JJ.
P. Certo é que o acórdão revidendo, ao firmar que estão “Inverificados, relativamente aos demais objetos os pressupostos estabelecidos no artigo 109.º do Código Penal, devem ser restituídos”, o resultado factual está em crassa contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, porquanto os bens em causa jamais foram restituídos aos ora Recorrentes, tendo-lhe sido negada a sua restituição, ainda que absolvidos dos crimes por que vinham pronunciados!
Q. Pelo que, o teor do acórdão revidendo será no presente inconciliável com a acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, junto da qual ora se pugna pela citada revisão.
Termos em que, e nos melhores em direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso e respetivas alegações ser aceites por tempestivos, concedendo a douta decisão provimento ao presente Recurso Extraordinário de Revisão, revogando a determinação da perda dos bens apreendidos a favor do Estado proferida Tribunal a quo no despacho de aperfeiçoamento ao acórdão revidendo, e substituindo-a por outra que determine a restituição dos bens da titularidade dos ora Recorrentes apreendidos à ordem daqueles autos, considerando toda a motivação aduzida, assente na inconciliabilidade dos acórdãos em tratamento.
Só assim se decidindo, se fará a tão ALMEJADA JUSTIÇA!
Juntaram certidão do acórdão revidendo.
1) Os recorrentes assumiram a qualidade de arguidos no âmbitos dos autos principais, tendo sido absolvidos de todos os crimes de que se encontravam pronunciados, pelo que não tendo os mesmos sido condenados, carecem de legitimidade para interpor o presente recurso – art. 450º, nº 1 do CPP.
2) Do disposto no art. 449º, nº 1, c) do CPP resulta que a admissibilidade da revisão se prende com a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os factos provados noutra sentença, de modo a que do confronto entre uns e outros, decorram graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
3) As referidas decisões devem versar sobre a mesma pessoa condenada e sobre situações fácticas da mesma natureza.
4) Ora, o acórdão recorrido invocado pelos recorrentes proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, é a reapreciação de uma decisão proferida pela 1ª instância que apreciou e deu como provados factos que dizem respeito a outros intervenientes processuais e que, por isso, não poderão ser inconciliáveis com os factos dos presentes autos, e como tal, fundamento de um recurso de revisão.
5) Acresce que a revisão de sentença não pode ter lugar com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
Termos em que deverá ser negada a revisão do despacho recorrido, porque manifestamente infundada.
V.Exªs, porém, melhor apreciarão, decidindo conforme for de JUSTIÇA.
II. Passamos, de imediato, a suprir tal omissão, com informação sobre o mérito do pedido (artigo 454º do Código de Processo Penal):
Os recorrentes, que foram arguidos no processo principal, foram absolvidos de todos os crimes imputados, pelo que, desde logo, carecem de legitimidade para o requerimento de revisão (artigo 450º, nº1, c), a contrario, do Código de Processo Penal).
Estabelece o artigo 449.º, nº1, d) do Código de Processo Penal: A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que forem apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
No caso em apreço, o requerimento de recurso reporta-se apenas à matéria respeitante ao destino dos bens apreendidos na posse dos recorrentes, concretamente a declaração de perda em favor do Estado, questão que já foi anteriormente objeto de recurso, decidida pelo acórdão da Relação de Lisboa de 18/01/2018 (apenso AC dos presentes autos), transitado em julgado.
A decisão do destino dos objetos, embora deva constar do dispositivo da sentença/acórdão, não integra o objeto do processo e não reflete o mérito da causa (neste sentido, o acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2011, pesquisada em www.dgsi.pt.).
Assim, os recorrentes não impugnaram a fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica do acórdão proferido e não invocaram quaisquer novos factos ou meios de prova suscetíveis, em concreto, de determinar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não contendendo minimamente com o princípio res judicata pro veritate habetur.
O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que os requerentes citam em sede de fundamentação respeita a intervenientes processuais diversos, pelo nunca poderiam ser atendidos nesta sede.
Pretendem os requerentes, com o presente de recurso de revisão, a reapreciação de questão que já foi objeto de decisão transitada em julgado.
Pelo exposto, entendo que os requerentes carecem de legitimidade processual e, mesmo que assim não se entendesse, a requerida revisão deve ser indeferida, por ser desprovida de legal fundamento.
*
- Os recorrentes não instruíram o recurso com a certificação do trânsito em julgado do acórdão revidendo, e notificados para sanarem a omissão, nada fizeram, pelo que, constituindo a junção de tal documento pressuposto essencial do recurso pois só assim pode aferir-se a inconciliabilidade entre a questão de facto fixada no acórdão revidendo e os factos dados como provados no acórdão fundamento, deve o recurso ser rejeitado, nos termos dos arts. 414º, nº 2, 449º, nº 1 e 451º, nº 3 do C. Processo Penal;
- Tendo o acórdão revidendo absolvido os recorrentes da prática dos crimes por que foram pronunciados, porque o art. 450º, nº 1, c) do C. Processo Penal apenas confere legitimidade para requerer a revisão ao condenado ou ao seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias, e o condenado, para este efeito, será apenas quem foi destinatário de uma pena, de uma dispensa de pena ou de uma medida de segurança, é manifesto que os recorrentes não têm esta qualidade, pois a declaração de perda de bens dos mesmos não constitui uma condenação penal, pois sobreveio, não obstante a sua absolvição, ao abrigo do disposto no art. 109º do C. Penal, e assim, também por esta via deve o recurso ser rejeitado, nos termos dos arts. 414º, nº 2, 449º, nº 1, c) e 450º, nº 1, c) do C. Processo Penal;
Assim não se entendendo,
- Os recorrentes, como fundamento do pedido, invocam o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, afirmando que os factos que serviram para fundamentar a sua absolvição e depois, no ‘despacho de aperfeiçoamento’ daquele, para fundamentar a declaração de perda de bens a favor do Estado, estão em contradição com os factos dados como provados e que são fundamento da decisão proferida no acórdão de 29 de Janeiro de 2014 da Relação do Porto, referente ao processo nº 549/11.0JAPRT-A.P1, in www.dgsi.pt.; acontece que, em vez de invocarem uma realidade de facto fixada noutro processo que lhes dissesse respeito, contraditória com a realidade de facto apurada na decisão cuja revisão pretendem, antes convocaram um divergente tratamento jurídico de uma situação semelhante, nele sustentando um juízo de injustiça relativa, mas falhando o juízo de inconciliabilidade imprescindível ao recurso de revisão na modalidade invocada, sendo, em consequência, carecido de fundamento o pedido e,
Concluiu pela rejeição do recurso ou assim não se entendendo, por dever o mesmo ser julgado manifestamente improcedente com a consequente denegação da revisão.
Notificados para, em dez dias, querendo, se pronunciarem sobre o parecer, os recorrentes nada disseram.
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O processo é o próprio.
Cumpre decidir.
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Objecto do recurso
Tal como decorre da respectiva motivação, constitui objecto do recurso apreciar a verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal.
Há ainda que conhecer, com precedência lógica sobre o objecto do recurso, as causas de rejeição do mesmo, invocadas pelo Ministério Público, na 1ª instância e neste Supremo Tribunal, a saber, a não certificação do trânsito em julgado do acórdão revidendo e a ilegitimidade dos recorrentes.
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Dispõe o art. 451º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Formulação do pedido», no seu nº 3, que, são juntos ao requerimento a certidão da decisão de que se pede a revisão e do seu trânsito em julgado, bem como os documentos necessários à instrução do pedido.
O requerimento em causa é, como resulta do nº 1 do mesmo artigo, o requerimento a pedir a revisão.
Não subsistem, pois, dúvidas quanto a caber ao recorrente a instrução do recurso de revisão com a referida certidão e com os referidos documentos.
Na primeira página da motivação do recurso dizem os recorrentes que a mesma é acompanhada, além do mais por certidão da decisão revidenta e do respectivo trânsito. Acontece que a certidão junta, em conformidade, aliás, com o que havia sido solicitado pelos recorrentes, apenas certifica que as cópias que a integram são cópias fieis dos originais, nada certificando quanto ao trânsito em julgado do acórdão proferido nos autos e da respectiva rectificação.
Constatada a ausência de certidão do trânsito em julgado do acórdão revidendo, por despacho do relator de 12 de Abril de 2024 foi ordenada a notificação dos recorrentes para, em dez dias, certificarem nos autos o referido trânsito em julgado, sob cominação de rejeição do recurso.
Contudo, os recorrentes, nada fizeram.
A certificação do trânsito em julgado da decisão de que se pede a revisão é imprescindível para o prosseguimento do recurso, desde logo, porque o mesmo só é admissível, verificado que seja aquele trânsito (nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal).
Recaindo sobre os recorrentes o ónus de junção, além do mais, de certidão do trânsito em julgado da decisão a rever, e não tendo observado tal ónus, não obstante o convite efectuado, resta concluir pela intempestividade do recurso, por falta de comprovação nos autos do respectivo trânsito em julgado.
Há, pois, lugar, com tal fundamento, à sua rejeição (arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b) do C. Processo Penal).
Dispõe o nº 6 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa que [o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.
A nível infraconstitucional, a legitimidade para o exercício do direito à revisão da sentença encontra-se prevista no art. 450º do C. Processo Penal, que dispõe:
1 – Têm legitimidade para requerer a revisão:
a) O Ministério Público;
b) O assistente, relativamente a sentenças absolutórias ou despachos de não pronúncia;
c) O condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias.
2 – Têm ainda legitimidade para requerer a revisão e para a continuar, quando o condenado tiver falecido, o cônjuge, os descendentes, adoptados, ascendentes, adoptantes, parentes ou afins até ao 4º grau da linha colateral, os herdeiros que mostrem interesse legítimo ou quem do condenado tiver recebido incumbência expressa.
Assim, e no que ao condenado respeita, tem o mesmo legitimidade para requerer a revisão pro reo. Como é evidente, a qualidade de condenado pressupõe a existência de uma sentença condenatória, portanto, de uma sentença que lhe tenha imposto uma sanção, uma pena ou uma medida de segurança (art. 375º, nº 1 do C. Processo Penal) ou ainda, como bem nota o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer emitido, de uma sentença que tenha decretado dispensa de pena (nº 3 do mesmo artigo).
Pois bem.
Resulta da certidão do acórdão de 20 de Setembro de 2016, proferido nos autos e cuja revisão é peticionada, que os ora recorrentes nele tiveram a qualidade processual de arguidos, aí vindo a ser absolvidos da prática de todos os crimes por que estavam pronunciados nos autos.
A absolvição dos recorrentes impossibilita, necessariamente, que possam ter a qualidade de condenados, relativamente ao presente recuso extraordinário.
Por outro lado, a circunstância de invocarem o direito de propriedade sobre certos bens que vieram a ser declarados perdidos a favor do Estado, não os integra em qualquer das categorias a quem a lei confere legitimidade para interpor o recurso extraordinário de revisão (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2010, processo nº 1469/02.4JFLSB-B.S1, in www.dgsi.pt).
Deste modo, atento o disposto no art. 450º, nº 1, c), do C. Processo Penal, carecem de legitimidade para a respectiva interposição.
Assim, face à ilegitimidade dos recorrentes, também com este fundamento há lugar à rejeição do recurso (arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b) do C. Processo Penal).
1. A Constituição da República Portuguesa prevê no nº 6 do seu art. 29º o direito à revisão da sentença nos seguintes termos: Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.
A consagração constitucional deste direito radica na necessidade de estabelecer o equilíbrio entre as exigências de justiça e da verdade material, por um lado, e a imutabilidade da sentença por efeito do caso julgado, por outro (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 233).
Com o recurso de revisão visa-se obter uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, que substitua uma decisão anterior transitada em julgado.
O iter deste recurso extraordinário não passa, pois, pelo reexame do primitivo julgamento e respectiva sentença – se assim fosse, seria apenas mais um recurso ordinário –, antes pressupõe um novo julgamento, assente em novos dados de facto, e a respectiva decisão (Simas Santos e Leal Henriques, op. cit., págs. 234-235).
Os recorrentes suportam a interposição do presente recurso extraordinário de revisão no fundamento previsto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal.
Nos termos do disposto nesta alínea, a revisão de sentença transitada é admissível quando os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Exige-se, portanto, uma inconciliabilidade de factos, da qual resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Assim, o fim visado é o de corrigir a injustiça da condenação.
2. Vejamos, então, se em que medida, definiram os recorrentes a imprescindível inconciliabilidade de factos.
No requerimento peticionando a revisão, os recorrentes argumentam, em síntese, que:
- Na fase de inquérito viram ser-lhes apreendida a generalidade dos bens a cada um pertencentes, designadamente, à recorrente, uma conta bancária e um veículo automóvel, e ao recorrente, duas contas bancárias e um motociclo;
- No acórdão recorrido de 20 de Setembro de 2016 [proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central Criminal de ... – Juiz 5], foram absolvidos da prática de todos os crimes por que haviam sido pronunciados [em co-autoria, crime de associação criminosa, crime de branqueamento, crime de fraude fiscal qualificada e crime de receptação], foram absolvidos dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Ministério Público, e foi ainda decidida a perda dos bens apreendidos nos autos a favor do Estado nos seguintes termos:
“Determinar a perda em favor do Estado dos objetos, veículos, telemóveis, computadores, metais preciosos, quantias monetárias e outros aprendidos na posse (residências e estabelecimentos) dos arguidos CC, DD, EE, FF, GG, HH e II.”;
- O Dispositivo do acórdão veio a ser rectificado por despacho de 30 de Setembro de 2016, passando a nele ser referido, na parte relativa à perda de bens, o co-arguido JJ;
- Uma vez o acórdão recorrido não declarou [expressamente] a perda dos bens acima identificados, mas declarou não verificados os pressupostos previstos no art. 109º do C. Penal quanto aos demais bens, em 24 de Outubro de 2016 os recorrentes solicitaram ao tribunal que esclarecesse que bens por si titulados se encontravam apreendidos à ordem dos autos, a fim de, após trânsito, pedirem a sua restituição;
- Por despacho de 11 de Novembro de 2016 o tribunal decidiu como segue:
“Requerem (…) AA e BB, quanto aos mesmos, a aclaração do acórdão relativamente aos objetos declarados perdidos a favor do Estado e aqueles cuja restituição se ordena.
Afigura-se-nos que o acórdão é suficientemente claro nesta parte, sendo certo que resulta à saciedade da fundamentação de facto e de direito que os objetos apreendidos nos locais mencionados pertencem ao condenado JJ e são provenientes da sua atividade, tendo ficado excluída a participação de AA e BB na atividade da R..., Lda., o que justificou, aliás, a absolvição dos mesmos.
Assim, não restam dúvidas de que a declaração da perda em favor do Estado abrange, neste caso, todos os objetos apreendidos na posse do arguido JJ, independentemente da localização, nada havendo a restituir.”;
- Só com este esclarecimento é que os recorrentes ficaram a saber que, apesar da sua absolvição e da ordem de restituição dos seus bens, não os poderiam reaver, quando o tribunal estava obrigado, caso tivesse entendido que os bens deveriam ser declarado perdidos a favor do Estado, a pronunciar-se expressamente sobre o seu destino;
- Assim, começa por decidir que, relativamente a certos bens, não estavam verificados os pressupostos da declaração de perdimento para, depois, considerar que, relativamente aos bens dos recorrentes, já os mesmos estavam verificados;
- Daqui resulta que os factos dados como provados no acórdão recorrido e o despacho de correcção proferido na sua sequência, conduziram a uma fundamentação jurídica e consequente decisão em contradição absoluta com os factos dados como provados e consequente decisão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Janeiro de 2014, proferido no processo nº 549/11.0JAPRT-A.P1, designadamente, na parte em que refere,
“I – Havendo necessidade de produzir uma decisão jurisdicional que avalize a transmissão compulsiva do direito (fundamental) de propriedade para o Estado [artigo 62.º, n.º 1, da CRP], a sentença é o momento adequado à definição do destino a dar aos objetos apreendidos nos autos e ainda não restituídos, no regime penal geral.
II – Se tal não acontecer, logo que transitar em julgado a sentença, os objetos apreendidos devem ser restituídos a quem de direito – a menos que a sua detenção por particulares seja proibida.”;
- O acórdão recorrido, ao decidir que, não estando verificados os pressupostos da declaração de perdimento, devem os bens dos recorrentes, apreendidos nos autos, ser-lhes restituídos [que é contrariado pelo despacho de correcção que vem entender, discricionariamente, não restituir tais bens aos recorrentes, porque se encontravam na posse de outro co-arguido], está factualmente em contradição com o identificado acórdão da Relação do Porto, pois os questionados bens nunca lhes foram entregues;
- O teor do acórdão recorrido é, pois, inconciliável, com o teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
E concluem,
Termos em que, e nos melhores em direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso e respetivas alegações ser aceites por tempestivos, concedendo a douta decisão provimento ao presente Recurso Extraordinário de Revisão, revogando a determinação da perda dos bens apreendidos a favor do Estado proferida Tribunal a quo no despacho de aperfeiçoamento ao acórdão revidendo, e substituindo-a por outra que determine a restituição dos bens da titularidade dos ora Recorrentes apreendidos à ordem daqueles autos, considerando toda a motivação aduzida, assente na inconciliabilidade dos acórdãos em tratamento. (sublinhado nosso)
Note-se que, como decorre da certidão junta, com a referência .......09, o despacho de 11 de Novembro de 2016 veio a ser impugnado pelos recorrentes, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 5 de Maio de 2017, julgado improcedente o recurso, e que o despacho de 30 de Setembro de 2016 veio a ser repetido, agora por deliberação do tribunal colectivo, e igualmente impugnado pelos recorrentes, não tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido no apenso AC, destes autos, dado provimento ao recurso.
No processo nº 549/11.0JAPRT-A.P1, onde foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Janeiro de 2014, publicado em www.dgsi.pt, cujo sumário, nesta base de dados, foi transcrito pelos recorrentes, nos termos acima referidos, estava em causa o que segue:
- O arguido foi condenado por acórdão de 29 de Novembro de 2012, pela prática de um crime de contrafacção de moeda, em pena de prisão, mas não deu destino aos objectos apreendidos nos autos;
- Por despacho de 17 de Julho de 2013, o Sr. Juiz titular, reconhecendo embora que o momento natural para decidir o destino dos objectos apreendido é o da sentença, porque tal não aconteceu e importava dar-lhes destino, decidiu declarar perdidas a favor do Estado, as notas falsas e as notas verdadeiras apreendidas nos autos, bem como todos os objectos apreendidos na busca ao domicílio do arguido, e ordenar a restituição a este das moedas e do boné apreendidos;
- O arguido interpôs recurso desta decisão, relativamente ao perdimento das notas autênticas [dez notas de € 50, sete notas de € 20, quatro notas de € 10 e onze notas de € 5] por não se destinarem as mesmas, conforme foi entendido, a servirem de molde na actividade de reprodução de notas;
- O acórdão do Tribunal da Relação do Porto [de 29 de Janeiro de 2014], seguindo o entendimento jurisprudencial segundo o qual, o momento para conhecer do perdimento de bens apreendidos ou das consequências do não perdimento, é o da sentença, não sendo possível, posteriormente, conhecer da questão omitida, concedeu provimento ao recurso, e revogou o despacho recorrido na parte em que declarou o perdimento a favor do Estado das notas autêncticas, determinando a sua restituição ao arguido.
Aqui chegados.
Resulta evidente que os recorrentes, em vez de exporem argumentos no sentido de demonstrarem a existência da indispensável inconciliabilidade de factos entre o acórdão recorrido e o identificado acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o que verdadeiramente fizeram foi um esforço demonstrativo de duas distintas soluções de direito para uma aparente identidade de situações de facto.
Como bem diz o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido, [p]retendem, isso sim, os recorrentes – mantendo incólumes os factos – discutir, num misto de recurso ordinário (quanto aos pretendidos efeitos), fixação de jurisprudência (quanto à invocada oposição entre os julgados) e revisão (meramente quanto à forma externa), os pressupostos jurídicos da declaração de perda de instrumentos ou produtos de crime.
Com efeito, cumpre notar que os recorrentes são completamente alheios aos factos integradores do objecto do processo nº 549/11.0JAPRT-A.P1, onde foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Janeiro de 2014, que, como deixámos referido, consistiu na prática, pelo respectivo arguido, de um crime de contrafacção de moeda. Assim, para além da circunstância de no acórdão recorrido estarem em causa crimes distintos daquele e de, quanto a eles, terem os recorrentes sido absolvidos, é evidente que não existe qualquer oposição entre a factualidade integradora do objecto dos processos em causa, não sendo, pois, logicamente viável a admissão de qualquer dúvida e, muito menos, grave sobre a justiça da condenação dos recorrentes (que não existiu).
Na verdade, o que os recorrentes pretenderam realçar foi, na sua perspectiva, a oposição entre o entendimento afirmado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Janeiro de 2014 no sentido de que, o momento para decidir o perdimento ou não dos bens apreendidos no processo é o da sentença, razão pela qual, omitindo esta o conhecimento da questão, fica o mesmo definitivamente prejudicado, e o decidido no acórdão recorrido que, na sua opinião, na data em que foi proferido não determinou o perdimento a favor do Estado dos bens cujo direito de propriedade se arrogam, o qual, só com a rectificação posteriormente operada, passou a considerá-los na posse de um co-arguido, com esse fundamento, os considerando perdidos a favor do Estado.
Sucede que, haja ou não oposição de soluções jurídicas – e cremos que não existe, porque as situações de facto não são idênticas, dadas as vicissitude ocorridas após a prolação do acórdão recorrido, designadamente, a alteração parcial do seu Dispositivo – ela não é pressuposto do fundamento de revisão invocado.
Esse pressuposto é, conforme dito, inconciliabilidade de factos e desta oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e como vimos, o mesmo não está verificado.
Os recorrentes não têm legitimidade para interpor o recurso porque, não obstante a sua qualidade de arguidos, foram absolvidos no acórdão recorrido.
Os recorrentes não indicaram os factos em oposição no acórdão recorrido e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Janeiro de 2014, antes argumentaram com as diferentes soluções de direito que, em seu entender, em ambas as decisões, foi dada à questão do perdimento de objectos apreendidos nos autos.
Assim:
- A não comprovação do trânsito do acórdão recorrido e a ilegitimidade dos recorrentes constituem fundamentos de inadmissibilidade do recurso, determinantes da sua rejeição, nos termos do disposto nos artigos 414º, nº 2, e 420º, nº 1, b), do C. Processo Penal;
- A invocação, como fundamento do recurso, de oposição de soluções de direito, em vez da inconciliabilidade de factos, atento o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, revela um pedido manifestamente infundado.
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Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar a revisão de sentença peticionada pelos recorrentes AA e BB, e em considerar o pedido manifestamente infundado.
Custas pelos recorrente, fixando a taxa de justiça, individualmente, em 3 UC (arts. 456º do C. Processo Penal e. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa), mais se condenando os mesmos, individualmente, na quantia de 6 UC (art. 420º, nº 3 e parte final do art. 456º do C. Processo Penal).
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Vasques Osório (Relator)
Jorge Bravo (1º Adjunto)
Agostinho Torres (2º Adjunto)
Helena Moniz (Presidente da secção)