I - O artigo 70º do CP estabelece como critério de escolha da pena que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, pelo que, se impõe ao juiz, neste como nos demais casos em que a lei pune a prática de um crime com pena privativa e não privativa da liberdade, o poder/dever de ponderar e justificar a não aplicação da pena não privativa da liberdade, que só pode fundar-se na sua inadequação e insuficiência para a realização das finalidades da punição definidas no artigo 40º, sob pena de omissão de pronúncia e consequente nulidade da decisão condenatória, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97º, n.º 5, 374º, n.º 2, 375º, n.º 1, e 379º, n.º 1, als. a) e c), todos do CPP e do artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa .
II - Todavia, a preferência pelas penas não privativas da liberdade, quando previstas em alternativa à de prisão ou em sua substituição, constituindo uma inegável aquisição civilizacional e clara opção de política criminal do nosso ordenamento jurídico, em vista dos reconhecidos malefícios das penas curtas de prisão, pela estigmatização, dessocialização dos condenados e prejuízo para a finalidade ressocializadora de toda a punição, nomeadamente pelo efeito criminógeno que a prisão sempre acarreta, não se confunde com a sua obrigatoriedade ou automaticidade aplicativa, podendo ser afastada quando, mas só quando, justificada e fundamentadamente, se conclua pela sua inadequação e insuficiência para a realização daquelas finalidades, no caso concreto em apreciação e no momento da decisão .
III - Poder/dever que a decisão recorrida cumpriu, fundamentado a opção pela pena de prisão em detrimento da pena alternativa de multa prevista para dois dos crimes de burla e para os crimes de falsidade informática, com respeito pelos princípios e critérios normativos antes enunciados e doutrinal e jurisprudencialmente acolhidos, tendo em conta o contexto concreto da sua prática e as razões de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir e únicas que relevam neste domínio da escolha da pena.
IV - Aliás, em situações de pratica de um crime punível em alternativa com pena de prisão e de multa, como suporte e em desenvolvimento ou aproveitamento de outro ou outros com os quais esteja numa relação de concurso efetivo a que corresponda e deva ser aplicada pena de prisão, como ocorre in casu entre os crimes de falsidade informática e os de burla, a doutrina e a jurisprudência do STJ desaconselham a aplicação da pena de multa, o mesmo sucedendo se e quando for manifesta a impossibilidade do seu cumprimento por ausência ou escassez de rendimentos do condenado, como aqui também se verificava à data do acórdão recorrido e neste momento, em que a própria recorrente reconhece a sua incapacidade para ressarcir plenamente os prejuízos causados aos ofendidos, pedindo a redução da pena única de prisão para medida não superior a cinco anos e a suspensão da respetiva execução condicionada ao ressarcimento parcial e fracionado daqueles prejuízos.
V - A pena única de 6 (seis) anos de prisão aplicada à recorrente em resultado do cúmulo jurídico das 7 (sete) penas parcelares de prisão em que foi condenada , [2 (dois) anos e 3 (três) meses e 2 (dois) anos de prisão por cada um dos 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 1, do CP, 3 (três) anos e 4 (quatro) meses e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a), do CP, e 1 (um) ano de prisão por cada um dos 3 (três) crimes de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1, da Lei 109/2009, de 15.09], atentas as regras de punição estabelecidas nos artigos 40º, 71º e 77º do CP, cuja moldura abstrata ou legal se situa entre os 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, correspondente à mais elevada daquelas penas, e os 14 (catorze) anos e 1 (um) mês de prisão, correspondente à soma das mesmas, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da sua culpa, mostrando-se, além disso, muito mais próxima do limite mínimo do que do limite máximo ou sequer médio da correspondente moldura abstrata ou legal e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes.
Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Por acórdão, de 19.01.2024, do Juízo Central Criminal de ... (J.....) – J 10, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi a arguida AA, nascida a ... de ... de 1984, com os demais sinais dos autos, condenada, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:
«11. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em:
(…)
- Condenar AA, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de dois anos e três meses de prisão.
- Condenar AA, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de CC, na pena de dois anos de prisão.
- Condenar AA, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de DD na pena de três anos e quatro meses de prisão;
- Condenar AA, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pessoa de EE, na pena de três anos e seis meses de prisão.
- Condenar AA, pela prática de três crimes de falsidade informática, p. e p., pelo art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Dezembro, na pena de um ano de prisão, por cada um dos crimes.
- Em cúmulo jurídico, condenar AA na pena única de seis anos de prisão.
- Declarar perdido a favor do Estado o computador portátil da marca ASUS, modelo X556U e o telemóvel da marca Huawei P30PRO, apreendidos à arguida a fls. 377, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal.
(…)».
2. Inconformada interpôs a referida arguida, em 19.02.2024, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), apresentado as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição)
« Pelo que, e CONCLUINDO:
1. A recorrente foi condenada como autora material pela prática 4 crimes de burla qualificada e de 3 crimes de falsidade informática na pena única de 6 anos de prisão efectiva.
2. O recurso vem limitado à questão da medida da pena.
3. O quantum da pena é manifestamente excessivo e ultrapassa a medida da culpa, as necessidades de prevenção geral e não considera as necessidades de ressocialização da recorrente.
4. Acresce, desvalorizar as circunstâncias que militam a favor da recorrente.
5. Mormente, a confissão integral e sem reservas, a admissão do desvalor da sua conduta, o arrependimento, o ressarcimento total do lesado DD e parcial do lesado EE e o pedido de desculpas aos lesados e ser primária.
6. A forma de execução do crime não foi especialmente ardilosa.
7. Os lesados foram temerários e não demonstraram os cuidados que o “homem médio” teria perante os factos.
8. A recorrente trabalha, está inserida familiar e socialmente, e tem a seu encargo exclusivo a filha de ... anos.
9. O comportamento anterior e posterior aos factos não permite concluir que se esteja em presença de mais do que um facto esporádico e irrepetível.
10. Aos 3 crimes de falsidade informática deveria ter sido aplicada uma pena de multa.
11. Relativamente aos 4 crimes de burla qualificada, ainda que se concorde com as penas parcelares, entende a recorrente que a pena única deverá ficar abaixo dos 5 anos, ser suspensa por igual período, com a condição de ressarcir, pelo menos parcialmente, os lesados.
12. A simples ameaça de cumprimento da pena de prisão afigura-se suficiente para demover a recorrente da prática de novos crimes.
13. Cumprindo-se, deste modo, os fins das penas, as necessidades de prevenção geral e especial e a ressocialização da recorrente.
Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, fazendo, como sempre, Vossas Excelências serena e objectiva
Justiça!
(…)».
3. Por despacho de 27.02.2024, o recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O Ministério Público, em 4.04.2024, e o assistente, EE, em 27.03.2024, apresentaram fundamentadas e desenvolvidas respostas ao recurso da arguida, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acórdão recorrido, concedendo o segundo, em alternativa, que a pena única seja fixada em 5 (cinco) anos, suspensa na respetiva execução sob condição de pagamento, em 10 (dez) dias, do valor que lhe é devido e ficou fixado na transação judicialmente homologada nos autos.
5. No TRL, o Juiz Desembargador relator, em 29.05.2024, na sequência e em linha com o parecer emitido pelo Ministério Público junto desse Tribunal, em 6.05.2024, proferiu o seguinte despacho a excecionar a incompetência do TRL para conhecer do recurso interposto pela arguida, atribuindo-a ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para o qual mandou remeter o processo (transcrição parcial):
«(…) Aqui chegados e compulsados os autos, tem absoluta razão o Sr. Procurador-Geral Adjunto.
O presente recurso reporta-se apenas a matéria de direito (escolha e determinação da medida das penas parcelares pelos crimes de falsidade informática; e determinação da medida da pena única de prisão e a sua eventual substituição); a decisão recorrida é um acórdão proferido por tribunal coletivo; e a pena única de prisão aplicada é superior a 5 anos.
Se é assim, compete ao Supremo Tribunal de Justiça a apreciação do presente recurso, face aos termos do art. 432º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, que afasta a regra geral segundo a qual o recurso da decisão de 1ª instância interpõe-se para a Relação, prescrita pelo art. 427º do mesmo diploma (vide ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2017, in DR 1ª Série, de 23-06-2017].
Face ao exposto, e tendo ainda presente o preceituado pelos arts. 11º, nº 4, alínea f), 32º, nº 1, 33º, nº 1, 414º, nº 3, 417º, nº 6 e 434º do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação é incompetente para conhecer do recurso interposto, competência que se encontra atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça, o que se declara, determinando-se a remessa dos autos a esse Colendo Tribunal.
Registe e notifique».
6. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 18.06.2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:
«9 – Como decorre das conclusões acima transcritas, são objecto do recurso a espécie e a medida das penas aplicadas.
Questionadas vêm as penas parcelares aplicadas pelos crimes de falsidade informática, que a recorrente entende deveriam ter sido de multa ao invés de prisão, e a pena única, de 6 anos de prisão, que se tem por excessiva, ultrapassar a medida da culpa e as necessidades de prevenção geral e não considerar as suas necessidades de ressocialização, contrapondo-se como adequada pena única não quantificada, mas abaixo dos 5 anos de prisão, ademais suspensa na sua execução, por igual período, com a condição de ressarcir, pelo menos parcialmente, os lesados.
Assim sendo, considerem-se, antes de mais, os fundamentos que, na decisão recorrida, presidiram à determinação da medida das penas:
(…)
Como se vê, o Tribunal a quo ponderou e valorou correctamente todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico da recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção que se fazem sentir, configurando-se a escolha da espécie e a graduação das penas parcelares conformes aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 70.º e 71º, do Código Penal.
Nenhuma censura merece, pois, qualquer das penas parcelares aplicadas, seja na sua espécie, seja no seu quantum individual.
Como não suscita reparo a medida da pena única imposta à recorrente, a qual, na economia da fundamentação expressa no acórdão recorrido, se mostra de acordo com os legais ditames do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sendo de realçar que a pena fixada se situa no limiar do primeiro quarto da penalidade abstractamente aplicável, de forma alguma se podendo considerar excessiva.
E a pena aplicada, pelo seu quantum, é, como se sabe, insusceptível de suspensão na sua execução, vedando-o a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
De resto, mesmo que a pena viesse a ser alterada, fortemente comprometida sempre estaria a possibilidade de a pena vir a ser suspensa na sua execução, face à personalidade desvaliosa que a recorrente demonstrou em julgamento quando, tal como havia feito com os lesados, procurou enredar o tribunal numa teia de justificações, supostos empréstimos já aprovados, ordens de transferências bancárias emitidas e, finalmente, transferências já efectuadas, numa atitude a revelar afoiteza e manifesta desfaçatez, a anular qualquer valia favorável que se pudesse retirar daquela confissão, como se fez constar expressamente na decisão recorrida, o que leva a concluir que não estariam reunidos os pressupostos de que dependeria a suspensão na sua execução da pena.
10 – Pelo exposto, e acompanhando a posição do Ministério Público na 1ª instância, emite-se parecer no sentido de o recurso interposto pela arguida AA dever ser julgado improcedente, por ser de manter a decisão recorrida.».
7. Observado o contraditório, apenas o assistente, EE, em 1.07.2024, respondeu ao parecer do Ministério Público, aderindo e acompanhando o respetivo sentido.
8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:
a) à espécie das penas parcelares aplicadas pela prática de três crimes de falsidade informática [conclusões 1ª, 10ª e 13ª];
b) à medida da pena única de prisão aplicada [conclusões 1ª a 9ª e 13ª];
c) à suspensão da execução da pena única de prisão [conclusões 11ª a 13ª]
III. Fundamentação
1. A matéria facto fixada no acórdão recorrido, que, por não ter sido objeto de impugnação pela recorrente, nem justificar qualquer intervenção corretiva oficiosa do STJ se considera estabilizada, é a seguinte:
«(…) 2. Fundamentação
Factos provados, relevantes:
Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos, sendo certo que aqui não interessa considerar as alegações conclusivas, de direito ou meramente probatórias, que deverão ser ponderadas em sede própria deste acórdão, nem as alegações manifestamente irrelevantes para a decisão.
1. Em data concretamente não apurada do ano de 2020, mas anterior ao dia 1 de Outubro, a arguida AA (AA) decidiu apresentar-se perante terceiros como funcionária da “V..., S.A.” (V..., S.A.) e da “ER...” do Grupo M........., encarregue da venda dos veículos de serviço destas sociedades.
2. A fim de atribuir credibilidade ao seu relato, a arguida criou contas de correio electrónico, em cujo endereço fez contar o nome “V..., S.A.” e “ER...”, designadamente ..., ..., ..., ... e ..., as quais utilizou para se corresponder com eventuais interessados na aquisição de veículos.
3. Após contactar indivíduos interessados na aquisição dos veículos, a arguida solicitava que efectuassem o pagamento dos valores acordados para as contas bancárias por si tituladas, junto da Caixa Geral de Depósitos, com o NIB .........................7 e da Caixa de Crédito Agrícola, com o NIB .........................6.
4. Depois de recebidas as quantias monetárias por si solicitadas, a arguida não lhes entregava qualquer veículo, fazendo seus tais montantes.
5. Com efeito, e na execução do plano traçado, em data concretamente não apurada de 2020, mas anterior ao dia 1 Outubro, a arguida AA informou DD [DD] que era funcionária da V..., S.A. e que esta sociedade estava a renovar a sua frota, motivo pelo qual pretendiam vender um Land Rover Evoque, com matrícula de Janeiro de 2018, pelo valor de 21.500,00 euros; um Peugeot 308, com matrícula de Janeiro de 2018, um Renault Clio e um veículo pesado da marca Mercedes, por valores concretamente não apurados.
6. A fim de atribuir credibilidade ao seu relato, a arguida AA enviou várias mensagens de correio electrónico a DD e à sua companheira, FF [FF], utilizando para o efeito o endereço por si criado, com a designação ..., das quais fez constar que tinham sido enviadas por “GG – Coordenadora do Departamento A... – gestão de frota interna”), bem como apôs o logotipo da V..., S.A..
7. Porque acreditou que a arguida AA trabalhava efectivamente para a V..., S.A. e iria vender-lhe os supra descritos veículos, DD determinou que fosse entregue, em duas datas concretamente não apuradas situadas entre os dias 1 e 3 de Outubro de 2020, 9.805,00 euros em numerário à arguida.
8. DD mais transferiu 22.195,00 euros para a conta com o NIB .........................7, titulada pela arguida junto da Caixa Geral de Depósitos, os seguintes montantes:
- no dia 03/10/2020 – 1.850,00 euros;
- no dia 03/10/200 – 1.850,00 euros;
- no dia 09/10/2020 – 7.270,00 euros;
- no dia 09/10/2020 – 5.375,00 euros;
- no dia 04/11/2020 – 5.850,00 euros.
9. Os aludidos montantes foram efectivamente recebidos pela arguida AA, a qual é a única titular da conta com o NIB .........................7.
10. A arguida enviou depois, no período compreendido entre os dias 2 Outubro e 20 de Novembro de 2020, pelo menos, 47 mensagens de correio electrónico, a partir da conta ..., das quais fez constar o logotipo da V..., S.A. e a indicação de que tinham sido redigidas por “GG – Coordenadora do Departamento A... – gestão de frota interne”), a adiar a entrega dos veículos, alegando diferentes motivos.
11. AA nunca entregou qualquer veículo a DD, o qual se deslocou às instalações da V..., S.A. tendo apurado que a arguida nunca ali trabalhou e que os mesmos não dispunham de qualquer veículo para venda.
12. Em data concretamente não apurada, anterior a 30 de Julho de 2021, AA devolveu a DD, 32.000,00 euros.
14. No dia 12 de Janeiro de 2021, EE contactou a arguida para o telemóvel com o n.º .........98 (registado em seu nome), tendo a mesma confirmado a informação supra mencionada, designadamente que trabalhava naquela sociedade como “analista de aterros” e que tinha vários veículos para vender, designadamente da marca Renault, Citroen, Peugeot, Volvo, BMW e Mercedes.
15. A fim de atribuir maior credibilidade ao seu relato, a arguida enviou, pelo menos, seis mensagens de correio electrónico a EE, utilizando para o efeito o endereço por si criado, com a designação ..., fazendo constar dos mesmos o logotipo da V..., S.A. e a indicação de que tinham sido redigidos por “Engenheiro HH, Direcção Administrativa – Gestão Frota Interna)”
16. EE negociou com a arguida a compra e venda dos seguintes veículos:
- um Renault Clio, pelo valor de 6.200,00 euros;
- um Citroen C4 Picasso, pelo valor de 9.500,00 euros;
- um Peugeot 3008, pelo valor de 10.750,00 euros;
- um Volvo XC60, pelo valor de 14.500,00 euros.
17. Porque acreditou que a arguida AA trabalhava efectivamente para a V..., S.A. e iria vender-lhe os supra descritos veículos, EE efectuou as seguintes transferências, para a conta bancária com o NIB .........................7, conforme indicado por aquela:
- no dia 12/01/2021 – 4.200,00 euros;
- no dia 14/01/2021 – 4.500,00 euros;
- no dia 14/01/2021 – 5.250,00 euros;
- no dia 18/01/2021 – 6.000,00 euros;
- no dia 19/01/2021 – 8.750,00 euros;
- no dia 28/01/2021 – 6.500,00 euros;
- no dia 09/02/2021 – 3.750,00 euros.
no valor global de 38.950,00 euros.
18. AA enviou, no período compreendido entre os dias 22 de Janeiro e 8 de maio de 2021, pelo menos, cinquenta mensagens de correio electrónico a EE, utilizando para o efeito os endereços por si criados, com as designações ... e ..., fazendo constar dos mesmos o logotipo da V..., S.A. e a indicação de que tinham sido redigidos por “Engenheiro HH (Direcção Administrativa – Gestão Frota Interna)”, por “II, (Presidente da Comissão Executiva Direcção Complementar de Apoio Administação) e “JJ”, (Administração Executiva).
19. Das aludidas mensagens a arguida fez constar várias justificações para o atraso na entrega dos veículos pagos, designadamente que tinham ocorrido problemas informáticos, falta de pessoal e a actual situação de pandemia global.
20. Os aludidos montantes transferidos por EE foram efectivamente recebidos pela arguida AA, a qual é a única titular da conta com o NIB .........................7.
21. Os veículos pretendidos por EE nunca lhe foram entregues.
22. Após insistência por parte de EE, a arguida entregou-lhe um suposto comprovativo de transferência bancária, no valor de 38.950,00 euros, a qual porém, nunca foi concretizada porquanto à data de 14 de Maio de 2021, a conta da Caixa Geral de Depósitos, titulada por aquela apresentava um saldo de apenas 3,70 euros.
23. No período compreendido entre os dias 17 de Maio e 14 de Setembro de 2021, a arguida devolveu a EE o valor global de 14.750,00 euros.
25. Em data concretamente não apurada de Junho de 2021, BB contactou a arguida para o telemóvel com o n.º 963.310.898 (registado em seu nome), tendo a mesma confirmado a informação supra mencionada.
26. BB acordou com a arguida a compra e venda dos seguintes veículos:
- um KIA, modelo RIO 1.4 CRD, pelo valor de 4.000,00 euros;
- um KIA, modelo RIO 1.4 CRD, pelo valor de 2.800,00 euros;
- um BMW X2 DS Drive Pack M – pelo valor de 5.500,00 euros;
- um BMW x3 20 D XDrive – pelo valor de 5.500,00 euros.
27. BB informou CC [CC], sua cunhada, que AA era funcionária da “ER...” do Grupo M... ....., e que estava encarregue de proceder à venda da respectiva frota automóvel, vindo aquela a mostrar-se interessada na aquisição de um veículo da marca BMW, modelo X3, pelo valor de 7.500,00 euros.
28. A fim de atribuir maior credibilidade ao seu relato, a arguida enviou a BB, no período compreendido entre 18 de Junho e 1 de Julho de 2021, pelo menos oito mensagens de correio electrónico, utilizando para o efeito o endereço por si criado, com a designação ..., fazendo constar dos mesmos o logotipo do Grupo M......... e a indicação de que tinham sido redigidos por KK”, “Directora Geral do Departamento de Gestão de Frota E... – Grupo M.........”.
29. Porque acreditou que a arguida AA trabalhava efectivamente para o Grupo M......... e iria vender-lhe os supra descritos veículos, BB transferiu, no dia 16 de Junho de 2021, 2.000,00 euros para o NIB .........................0, titulada por LL, conforme havia sido indicado por aquela.
30. No próprio dia 16 de Junho de 2021, LL levantou os 2.000,00 euros em numerário e entregou à arguida, conforme solicitado por esta.
31. Porque acreditou no negócio proposto pela arguida, BB transferiu ainda, para a conta bancária com o NIB .........................6, titulada por aquela junto da Caixa de Crédito Agrícola, os seguintes montantes:
- no dia 18/06/2021 – 1.900,00 euros;
- no dia 21/06/2021 – 2.500,00 euros;
- no dia 22/06/2021 – 3.100,00 euros;
- no dia 24/06/2021 – 1.800,00 euros;
- no dia 12/07/2021 – 1.000,00 euros;
- no dia 12/08/2021 – 1.800,00 euros;
no valor global de 12.100,00 euros.
32. Porque acreditou que a arguida AA trabalhava efectivamente para o Grupo M......... e iria vender-lhe o supra descrito veículo, CC transferiu, para a conta bancária com o NIB .........................6, titulada por aquela junto da Caixa de Crédito Agrícola, os seguintes montantes:
- no dia 01/07/2021 – 1.700,00 euros;
- no dia 04/07/2021 – 5.800,00 euros.
33. Os aludidos montantes foram efectivamente recebidos pela arguida AA, a qual é a única titular da conta com o NIB .........................6.
34. Os veículos adquiridos nunca foram entregues a BB ou a CC.
35. AA enviou a BB e a CC, no período compreendido entre os dias 2 de Julho e 17 de Setembro de 2021, pelo menos 74 mensagens de correio electrónico, utilizando para o efeito os endereços por si criado, com a designação ... e ..., fazendo constar dos mesmos o logotipo do Grupo M.......... e a indicação de que tinham sido redigidos por KK (Directora Geral de Departamento de Gestão de Frotas) e MM (Direcção de Operações Gerais E... – Grupo M.).
36. Das aludidas mensagens a arguida fez constar várias justificações para o atraso na entrega dos veículos pagos, designadamente que tinham ocorrido problemas informáticos, falta de pessoal e a actual situação de pandemia global.
38. No dia 20 de Setembro de 2021, a arguida tinha na residência por si utilizada, sita na Rua ..., ..., os seguintes objectos:
- um computador portátil da marca ASUS, modelo X556U, utilizado para a prática dos factos supra descritos:
- uma Pendrive, da marca Philips;
- um telemóvel da marca Huawei P30PRO, utilizado para a prática dos factos supra descritos.
39. A arguida actuou sempre com o propósito de determinar DD, EE, BB e CC a entregar-lhe, respectivamente, 32.000,00 euros, 38.950,00 euros, 14.100,00 euros e 7.500,00 euros, pensando estes que iriam receber em troca os veículos anunciados por aquela, bem sabendo a arguida que os mesmos não iriam transferir qualquer montante, caso soubessem que a mesma não era funcionária da V..., S.A. ou do Grupo M......... e que não iria entregar-lhes qualquer veículo.
40. Com efeito, a arguida, ao apresentar-se como funcionária da V..., S.A. e do Grupo M......... e ao enviar mensagens de correio electrónico a partir de endereços por si criados com a designação V..., S.A. e ER..., criou naqueles a convicção de que aquela era funcionária das referidas sociedades e que o negócio proposto era real.
41. A arguida, ao criar as contas de correio electrónico com os endereços ..., ..., ..., ... e ..., nos quais fez constar as designações das sociedade V..., S.A. e ER..., actuou com o intuito de fazer crer aos destinatários das mensagens que depois redigiu e enviou a partir destas contas, que se estavam a corresponder com funcionários das referidas entidades - facto que a arguida bem sabia não corresponder à realidade - assim dando maior credibilidade ao negócio fictício de compra e venda de veículos que celebrou com os supra descritos indivíduos.
42. A arguida agiu sempre de forma deliberada e voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas conduta eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se apurou:
43. Na audiência de 12.10.2023, a arguida admitiu integralmente os factos pelos quais vinha acusada.
44. Na mesma ocasião, a arguida manifestou intenção de ressarcir os lesados, informando ter solicitado um empréstimo bancário, no valor de 100.000 €, que se encontrava aprovado, sendo o seu pai o fiador.
45. Por requerimento datado de 14.12.2023, data agendada para continuação da audiência de julgamento, a arguida juntou aos autos, 3 ordens de transferência bancárias: uma para a conta de BB no valor de €15.000, outra para a conta de CC, no valor de € 9.000 e outra para a conta de EE, no valor de €33.000, agendadas para dia 18-12-2023, as quais não foram executadas, não tendo ocorrido qualquer transferência.
46. No dia 21.12.2023, data agendada para continuação da audiência de julgamento, a arguida juntou aos autos dois documentos designados “Comprovativo de operação Caixadirecta”, nos quais constavam como tendo sido realizadas, uma ordem de transferência no montante de €15.000, a favor de EE, e outra, no valor de € 9.650, a favor de CC, as quais não foram executadas, não tendo ocorrido qualquer transferência.
47. O pai da arguida não foi fiador de qualquer empréstimo bancário solicitado pela mesma.
48. O montante que a arguida entregou a DD proveio, em parte, de montantes entregues por EE e, em parte, de montantes que pediu aos pais e que os mesmos lhe deram.
49. O montante que a arguida entregou a EE proveio de montantes que pediu aos pais e que os mesmos lhe deram.
Condições pessoais e antecedentes criminais da arguida
50. Natural de ..., o processo de crescimento de AA ocorreu no seio de um agregado familiar de condição socioeconómica estável, constituído pelos pais e um irmão mais velho.
51. Aos pais foi atribuído um papel fundamental na transmissão de valores e regras socialmente adequadas.
52. No plano relacional, a dinâmica familiar assentou em laços afectivos coesos e de proximidade.
53. A arguida iniciou os estudos em idade regular, tendo concluído o 12º ano através da via profissional, no curso de ..., na Escola Profissional de ..., em ....
54. Após o termo do referido curso, trabalhou cerca de seis meses como operadora no grupo A......
55. Passou, então, para a W....., onde exerceu funções nos serviços pós-venda, tendo permanecido neste local de trabalho aproximadamente um ano.
56. Posteriormente, passou por outras empresas, destacando-se os seis anos que prestou serviços para a empresa “Ar...”, da qual saiu na sequência do encerramento da empresa.
57. Nessa altura, mudou de residência para ..., onde trabalhou cerca de dois anos como administrativa.
58. Entretanto, regressou a ..., altura em que sentiu alguma dificuldade em arranjar trabalho, situação que acabou por se agravar com o surgimento da pandemia.
59. Na vertente relacional, manteve uma primeira relação afectiva cerca de oito anos, tendo desta relação nascido uma filha, à data do julgamento com ... anos de idade.
60. Finda esta, iniciou um novo relacionamento, com quem veio a viver cerca de dois anos em ....
61. Há nove anos [por referência a 2023], encetou uma nova relação, que veio a ser oficializada através do matrimónio há quatro e que perdura até ao presente.
62. À data dos factos que levaram ao presente processo, AA encontrava-se desempregada, situação que manteve até Maio de 2022.
63. Em termos familiares, residia com o marido e a filha numa casa arrendada, em ..., pela qual pagavam o valor de 350 euros.
64. Na vertente económica, o agregado mantinha uma situação modesta, uma vez que apenas o marido trabalhava, auferindo um vencimento de cerca de 1800 euros.
65. No campo das despesas, a arguida suportava, para além da renda da casa, a mensalidade do carro, no valor de 209 euros, as despesas com a casa e com a educação da filha (sendo que estas eram suportadas na totalidade pela arguida, porquanto o pai da menor não pagava a pensão de alimentos).
66. Em Novembro de 2022, AA e o seu agregado familiar mudaram-se para a casa dos pais desta, no sentido de reduzirem as despesas, residência onde se mantêm até ao presente.
67. Em termos laborais, em Maio de 2022, a arguida começou a trabalhar como administrativa na empresa “T........”, onde permaneceu até Janeiro de 2023, data em que mudou para a empresa “C...”.
68. Desde então, tem permanecido nesta empresa, com as funções de supervisora no departamento de atendimento, com contrato de trabalho sem termo.
69. No quadro económico, o vencimento da arguida é de aproximadamente 1300 euros e o seu marido mantém os 1800 euros.
70. A arguida continua a suportar a mensalidade do carro, no valor de 209 euros e as despesas que partilha com os pais, com a gestão da casa.
71. Não paga qualquer valor monetário aos pais por residir em casa deles.
72. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão.
(…)».
2. Tratando-se de recurso interposto de acórdão condenatório em pena de prisão superior a cinco anos, proferido por tribunal coletivo e restrito à matéria de direito, é inquestionável a competência do STJ para o respetivo conhecimento, nos termos dos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, do mesmo diploma legal, conforme acertadamente decidiu o TRL, ao excecionar a respetiva incompetência e mandar remeter-lhe o processo.
Avancemos, pois, para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o seu objeto, abrangendo a espécie das três penas parcelares relativas aos crimes de falsidade informática e a medida da pena única de prisão em que a arguida foi condenada e a suspensão da execução da última.
Tanto mais quanto é certo que o objeto assim definido se enquadra na jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 5/2017, publicado no DR. n.º 120/2017, Série I, de 23.06.2017, a pp.3170 – 3187, segundo a qual «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas».
2. 1. A espécie das penas parcelares relativas aos três crimes de falsidade informática.
Apesar de na conclusão 2ª consignar que ”o recurso vem limitado à questão da medida da pena” e de não questionar a espécie da pena relativamente aos dois crimes de burla qualificada em que foi condenada, relativamente aos ofendidos BB e CC, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 1, do CP, também puníveis, em alternativa, com pena de prisão ou multa, nas conclusões 10ª e 13ª, a recorrente sustenta que aos três crimes de falsidade informática em que foi condenada, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, “deveria ter sido aplicada pena de multa”, cuja medida não indica, em lugar da pena de 1 ano de prisão que lhe foi aplicada por cada um deles, uma vez que são puníveis com pena de prisão até 5 anos ou pena de multa de 120 a 600 dias, e, refere na motivação, o tribunal considerou que “o modo de execução dos mesmos (,,,) não revela especial elaboração ou sofisticação” e assim o determinar o artigo 70º do CP.
E, na verdade, o mencionado artigo 70º estabelece como critério de escolha da pena que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, pelo que, se impõe ao juiz, neste como nos demais casos em que a lei pune a prática de um crime com pena privativa e não privativa da liberdade, o poder/dever de ponderar e justificar a não aplicação da pena não privativa da liberdade, que só pode fundar-se na sua inadequação e insuficiência para a realização das finalidades da punição definidas no artigo 40º, sob pena de omissão de pronúncia e consequente nulidade da decisão condenatória, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97º, n.º 5, 374º, n.º 2, 375º, n.º 1, e 379º, n.º 1, als. a) e c), todos do CPP e do artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP)2.
Todavia, como igualmente referem os autores supra e infracitados, em rodapé, como a generalidade da doutrina, a preferência pelas penas não privativas da liberdade, quando previstas em alternativa à de prisão ou em sua substituição, constituindo uma inegável aquisição civilizacional e clara opção de política criminal do nosso ordenamento jurídico, em vista dos reconhecidos malefícios das penas curtas de prisão, pela estigmatização, dessocialização dos condenados e prejuízo para a finalidade ressocializadora de toda a punição, nomeadamente pelo efeito criminógeno que a prisão sempre acarreta, não se confunde com a sua obrigatoriedade ou automaticidade aplicativa, podendo ser afastada quando, mas só quando, justificada e fundamentadamente, se conclua pela sua inadequação e insuficiência para a realização daquelas finalidades, no caso concreto em apreciação e no momento da decisão3.
Poder/dever que a decisão recorrida cumpriu, como evidencia o seguinte excerto da respetiva fundamentação:
«i. Penas alternativas
Atendendo à cominação de penas alternativas quanto ao crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal e de falsidade informática, p. e p., pelo art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Dezembro, importa proceder à escolha da espécie de pena a aplicar.
Releva, no caso, a pluralidade de crimes a que a arguida está associada no processo, incluindo crimes graves e que apenas consentem a aplicação de pena de prisão, a revelar sensível distanciamento da arguida face ao dever-ser, o que justifica, por exigências de prevenção especial, a opção pela pena de prisão. Em todo o caso, a mesma solução seria imposta, face às exigências de prevenção geral, decorrentes do quadro traçado. Finalmente, e face à pena de prisão cominada para os demais crimes, a opção pela pena de multa seria, em princípio, de excluir, para evitar, na prática, os inconvenientes que se associam às penas mistas de multa e prisão e que justificaram a sua expurgação do código penal [cfr. Acs. STJ proc. 04P151 (5.2.2004), 05P2106 (23.6.2005) e 2813/07 (6.12.2007), in www.dgsi.pt – isto considerando que se entende não ser possível realizar o cúmulo de penas de prisão e de penas de multa].
Assim, justifica-se a inversão da preferência legal que o artigo 70.º, do Código Penal consagra, impondo-se desta forma a opção pela pena detentiva.».
Ou seja, além de ter cumprido o referido poder/dever de fundamentação da opção pela pena de prisão em detrimento da pena alternativa de multa prevista para dois dos crimes de burla e para os crimes de falsidade informática, fê-lo com respeito pelos princípios e critérios normativos antes enunciados e doutrinal e jurisprudencialmente acolhidos, tendo em conta o contexto concreto da sua prática e as razões de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir e únicas que relevam neste domínio da escolha da pena.
Adite-se, aliás, que em situações de pratica de um crime punível em alternativa com pena de prisão e de multa, como suporte e em desenvolvimento ou aproveitamento de outro ou outros com os quais esteja numa relação de concurso efetivo a que corresponda e deva ser aplicada pena de prisão, como ocorre in casu entre os crimes de falsidade informática e os de burla, a doutrina e a jurisprudência do STJ desaconselham a aplicação da pena de multa, o mesmo sucedendo se e quando for manifesta a impossibilidade do seu cumprimento por ausência ou escassez de rendimentos do condenado, como aqui também se verificava à data do acórdão recorrido e neste momento, em que a própria recorrente reconhece a sua incapacidade para ressarcir plenamente os prejuízos causados aos ofendidos, pedindo a redução da pena única de prisão para medida não superior a cinco anos e a suspensão da respetiva execução condicionada ao ressarcimento parcial e fracionado daqueles prejuízos.
Em conformidade com este entendimento, relembre-se o que escreveram Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in ob e loc. cit.: “No que se refere à aplicação da pena de multa, algumas decisões afastam-na ao constatarem que a insuficiência de meios económicos do arguido levará à impossibilidade de cumprimento deste tipo de pena, Esta pena, em regra aplicada em dias, tem o propósito de impor ao condenado um sacrifício financeiro, que o reduza à satisfação das necessidades essenciais, aferidas diariamente, pelo que o condenado numa pena de prisão estará dificilmente em condições de angariar meios para pagar a multa, certo que, se ele dispuser já antecipadamente desses meios, será então a pena de multa que não atinge os seus objetivos. Também o STJ tem em consideração o passado criminal do arguido e se preocupa em evitar as penas mistas de prisão e multa como pode ocorrer nos cúmulos em caso de concurso de infrações”.
Tudo, por conseguinte, no sentido de confirmar a decisão recorrida e da improcedência do recurso nesta parte.
2. 2. A medida da pena única de prisão aplicada.
Por sua vez, nas conclusões 2ª a 9ª e 13ª, a recorrente discorda da medida da pena única de 6 (seis) anos de prisão em que foi condenada, pretendendo vê-la reduzida para medida não superior a 5 (cinco) anos, por considerar o seu quantum excessivo, superior a medida da culpa e das necessidade de prevenção geral, descurando as de prevenção especial ou de ressocialização, que no caso se fazem sentir, por apelo ao disposto nos artigos 77º, n.ºs 1 e 2, 71º e 72º do Código Penal (CP).
Para sustentar essas suas pretensões alega que o tribunal não valorou na justa medida as circunstâncias que militam a seu favor, designadamente e em síntese:
A sua inserção familiar e profissional, ter uma filha menor de ... anos a seu cargo, a ausência de antecedentes criminais, a confissão integral e sem reservas dos factos de que vinha acusada e pelos quais foi condenada, o ressarcimento integral e parcial dos ofendidos DD e EE, o modo de execução dos crimes não particularmente ardiloso, o arrependimento e o pedido de desculpa aos lesados, e a admissão do desvalor das suas condutas.
Antes de prosseguir, importa relembrar e esclarecer que, a moldura penal, abstrata ou legal, da pena única resultante do cúmulo jurídico das 7 (sete) penas parcelares de prisão em que foi condenada, vista a improcedência da anterior questão relativa à aplicação de pena de multa aos crimes de falsidade informática, atentas as regras de punição estabelecidas no artigo 77º do CP, é a considerada no acórdão recorrido, ou seja, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, correspondente à mais elevada pena parcelar aplicada, e os 14 (catorze) anos e 1 (um) mês de prisão, correspondente à soma das 7 (sete) penas parcelares de prisão aplicadas [2 (dois) anos e 3 (três) meses e 2 (dois) anos de prisão por cada um dos 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 1, do CP, 3 (três) anos e 4 (quatro) meses e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a), do CP, e 1 (um) ano de prisão por cada um dos 3 (três) crimes de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1, da Lei 109/2009, de 15.09]
Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).
Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.
Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».
«(…)5. Determinação da sanção aplicável
O crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.º1 do Código Penal, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
O crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.º2, al. a) do Código Penal, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
O crime de falsidade informática, p. e p., pelo art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Dezembro, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.
De igual modo, entende-se não dever relevar, nem no caso de DD, nem no de EE, a atenuação especial prevista no n.º 3 do aludido artigo 206.º, já que a parte das reparações que não ocorreram com dano ilegítimo de terceiro, foram suportadas pelos pais da arguida e não pela própria; acresce que, tendo em conta os demais factos relativos ao comportamento posterior da arguida, sempre se entenderia não ser de atenuar especialmente a pena, por inexistirem “circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” (artigo 72.º do Código Penal).
(…).
- o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente [releva, no que tange aos crimes de burla, por um lado, a sofisticação do engano provocado, que apresenta elaboração, com a criação de identidades falsas, utilização do nome comercial de entidades terceiras e da credibilidade que lhes é reconhecida, para melhor ludibriar os destinatários, a que acresce o tempo durante o qual, em cada caso, manteve o cenário criado;
o desvalor do resultado, traduzido, em cada caso, nos prejuízos causados, a afastar-se relevantemente dos limites legais previstos para a qualificação; pese embora tenha ocorrido reparação integral dos prejuízos causados no caso de DD e parcial, no caso de EE – o que diminui objectivamente a gravidade das consequências dos factos – tal ficou a dever-se ao esforço dos pais da arguida e a montantes que a mesma obteve pelo mesmo meio ilícito, de terceiros, e não à iniciativa da própria arguida, que não devolveu qualquer quantia apropriada.
No que se refere aos crimes de falsidade informática, o modo de execução dos mesmos não revela especial elaboração ou sofisticação, relevando, o número de endereços criados em cada caso, número de mensagens enviadas a partir dos mesmos, bem como a circunstância de utilizar domínios de entidades terceiras, sem autorização.
A violação dos deveres impostos foi, em todos os casos, frontal].
- a intensidade do dolo ou negligência [o dolo foi directo e intenso, como se manifesta na repetição delitiva];
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [obtenção de vantagem patrimonial, com desprezo por direitos patrimoniais alheios];
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica [o processo de socialização da arguida decorreu num contexto sócio familiar normalizado e favorável; dispõe de apoio familiar por parte do marido e dos pais, encontrando-se laboralmente integrada];
- a conduta anterior ao facto e posterior a este [a arguida não tem antecedentes criminais registados; admitiu a prática dos factos em audiência de julgamento; porém, e tal como ocorrera antes, relativamente aos lesados, procurou enredar o tribunal numa teia de justificações, supostos empréstimos já aprovados, ordens de transferências bancárias emitidas e, finalmente, transferências já efectuadas, numa atitude a revelar afoiteza e manifesta desfaçatez, a anular qualquer valia favorável que se pudesse retirar daquela confissão];
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [nada se apurou com relevo nesta sede, que não tenha já sido valorado].
Neste quadro, é sensível a culpa da arguida e prementes as exigências de prevenção especial e geral (dados os reflexos comunitários destes crimes patrimoniais).
Tendo em conta estes dados, julga-se ajustada a fixação das seguintes penas:
(…)
Vê-se que os crimes ora imputados à arguida se encontram numa relação de concurso para os efeitos do artigo 77.º, n.º1 do Código Penal, importando assim proceder à realização do respectivo cúmulo.
Face ao disposto no n.º 2 do citado artigo 77.º, a moldura penal determinada pelo presente concurso tem como limiar máximo, catorze anos e um mês de prisão e como limiar mínimo, três anos e seis meses de prisão.
Como nos demais casos, a pena há-de corresponder à medida da culpa, a qual constitui a sua medida e o seu fundamento. Neste enfoque e atento o preceituado no artigo 77º, nº 1 do Código Penal, o Tribunal valorará na sua globalidade os factos que integram a conduta criminosa e a personalidade do arguido.
Conforme ensina Figueiredo Dias, deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, n.º 1, ambos do Código Penal, “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”, relevando, na avaliação da personalidade – unitária – do agente, “sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radicada na personalidade”, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta (in, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 290 a 292).
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. art. 77º, n.º 1, 2ª parte), monta especialmente, a diversidade de bens jurídicos violados em cada um dos crimes praticados (ainda que a falsidade informática constitua o crime meio para a burla), o período temporal durante o qual os factos ocorrem e o número de crimes que se cuida de cumular, evidenciando intensa vontade criminosa e o que tal reflecte da personalidade desvaliosa da arguida.
Pondera-se ainda a conduta posterior da arguida e que evidencia da parte da mesma, fortes necessidades de prevenção especial positiva.
Assim, reputa-se ajustada a fixação da pena única em seis anos de prisão.».
O acórdão sopesou na medida justa todas as circunstâncias que militam a favor da arguida.
Assim, ponderou a inserção e o apoio familiar e profissional de que beneficia e beneficiou até à data dos factos, sem descurar a circunstância de nesta data e até maio de 2022 ter vivenciado algumas dificuldades económicas em função do desemprego e da pandemia
No entanto, não lhe atribuiu relevo atenuativo, seja porque aquela inserção não logrou funcionar como fator inibidor do cometimento dos factos, seja porque as dificuldades económicas resultantes do desemprego e da pandemia não evidenciam diferente perfil daquelas suportadas pela generalidade da população e da própria atividade económica do país, sem que, por isso, se tivesse verificado um aumento da criminalidade, que, aliás, teve um decréscimo significativa, como as estatísticas publicas e publicadas demonstram.
De resto, as tipologias criminais pelas quais a recorrente foi condenada evidenciam antes um aproveitamento oportunista do contexto pandémico, face às apertadas restrições impostas à movimentação de pessoas e aos contactos presenciais entre elas, fomentado os de natureza virtual, de que, consciente e ardilosamente, a recorrente se prevaleceu, para pôr em prática o plano delineado para a sua execução, o que retira qualquer sentido e razoabilidade ao afirmado a pp. 4 da motivação e na conclusão 7ª do recurso sobre o comportamento “temerário e ganancioso” dos lesados, do mesmo passo que indicia uma clara tendência da recorrente para transferir para terceiros e fatores externos a responsabilidade pela sua atuação, diminuindo ou anulando a valia atenuativa que se pudesse retirar da sua confissão, eventual interiorização do desvalor daquelas condutas e consequente arrependimento da sua prática.
O que efetivamente o tribunal recorrido concluiu, essencialmente pela atuação da recorrente anterior ao julgamento e no seu decurso, no sentido de, mediante a criação de documentos e cenários fictícios, ludibriar os lesados e o próprio tribunal quanto à sua vontade e efetiva reparação dos prejuízos causados, revelando uma personalidade afoita, ardilosa e indiferente aos prejuízos causados e aos valores inerentes a uma vida pautada pela normatividade vigente, agravando as necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
Do mesmo modo que se considerou em seu favor a restituição integral e parcial dos valores entregues pelos ofendidos DD e EE, mas sem lhes reconhecer virtualidade suficiente para justificar a extinção da responsabilidade criminal ou sequer valor atenuativo especial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 218º, n.ºs 3 e 4, e 206º, do CP, decisão que a recorrente não contesta.
Todavia, mesmo sem essa especial virtualidade, o tribunal, valorando embora essa restituição, não deixou de a considerar na sua justa medida, ou seja, de diminuta importância quanto à ilicitude dos factos e à culpa da recorrente evidenciadas na sua prática, considerando a circunstância de a restituição dos valores ter sido à custa de um dos próprios lesados e dos seus pais, sem que da sua parte tivesse havido qualquer esforço ou iniciativa nesse sentido, nomeadamente através da contração de empréstimo bancário ou de parte do seu vencimento ou mesmo dos valores restantes que havia logrado obter dos quatro ofendidos que atingiram uma quantia global superior a € 90.000,00, cujo destino, salvo na parte em que ajudaram à restituição ao ofendido DD, não se apurou, mas cujo eventual dispêndio só pode traduzir uma vida incompatível com a sua condição económica, que faz recear a séria possibilidade de repetição do mesmo tipo de atuação perante contrariedade ou dificuldades semelhantes às vivenciadas durante a sua prática.
Valorada positivamente foi também a ausência de antecedentes criminais, mas dentro do que dela pode retirar-se, que em nava difere daquilo que é suposto ser o comportamento normativo da generalidade dos cidadãos e da normal convivência comunitária e social.
E se é certo que o tribunal considerou não particularmente elaborada a sua atuação quanto aos crimes de falsidade informática, que, de resto, fez refletir nas penas parcelares de prisão que lhes fez corresponder, não o é menos que considerou os de burla, para cuja consumação aqueles se revelaram de instrumental essencialidade, de sofisticada elaboração e artificiosa execução, mantendo ainda assim as respetivas punições em patamares muito mais próximos do mínimo das respetivas molduras penais abstratas ou legais do que do seu máximo.
O mesmo fazendo, de resto, quanto à pena única, cuja medida concreta se situa muito mais próxima do mínimo da respetiva moldura abstrata – 3 (três) anos e 6 (seis) meses – do que do seu limite máximo – 14 (catorze) anos e 1 (um) mês -, ou seja, considerou apenas 2 (dois) anos e 6 (seis) meses desse intervalo, o que traduz ima compressão superior a ¾ das penas aplicadas aos restantes 6 (seis) crimes por que foi condenada.
Número de crimes e sua evidente e necessária interdependência que, associado aos elevados valores envolvidos e ao contexto, duração de cerca de um ano, interrompida pela apreensão, em 20 de setembro de 2021, dos instrumentos com que tinha logrado a respetiva consumação, concreto modo de execução, pensado, elaborado sofisticadamente e intencionalmente realizado através da internet, mundo virtual consabidamente propício e aproveitado para o cometimento exponencial de crimes da mesma natureza, acentuam o grau de ilicitude dos factos e a intensidade da culpa dolosa e direta com que atuou, bem assim como as necessidades de prevenção geral.
Da mesma forma que esse modo de atuação e a sua conduta posterior, mormente em julgamento, embora não permitam afastar a sua conduta da pluriocasionalidade, no sentido de uma tendência criminosa, evidenciam uma personalidade sem filtros inibidores do recurso à mesma prática delituosa, para tando detendo os undispensáveis conhecimentos técnicos, em situações de contrariedade, insatisfação ou real dificuldade económico – financeira, agravam as necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
Acresce que o facto de ter uma filha menor de ... anos a seu cargo exclusivo não é, por si só, apesar da sua inegável importância, motivo atendível na quantificação das penas, sendo certo, por outro lado, que, no caso, podia ter exigido do pai uma pensão de alimentos e/ou recorrido ao Fundo de ... e a criança conta com o apoio dos avós maternos e do atual companheiro da arguida, com quem vive,
Pelas razões expostas e também em função da ponderação do acima referido critério específico para determinação da pena única correspondente ao concurso de crimes praticados pela recorrente, nos termos do artigo 77º, n.º 1, do CP, ou seja, o de avaliar em conjunto e na sua unidade relacional os factos praticados e a personalidade da arguida neles projetada e por eles refletida, no sentido de detetar sinais de uma “tendência ou mesmo carreira criminosa”, ou uma mera “pluriocasionalidade”, como se considerou no acórdão recorrido e acima se confirmou ser o caso da recorrente, embora assinalando a não efetiva interiorização do desvalor das suas condutas, se percebe e justifica a opção da decisão recorrida na maior, mas não total, compressão do remanescente da soma material das penas em concurso relativamente ao limite mínimo da pena conjunta, em conformidade com o disposto no artigo 77º, n.º 2, do CP, que, como dito, neste caso se fixou ligeiramente aquém do ¼.
Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e que, em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, de natureza essencialmente patrimonial e de fiabilidade dos sistemas e dados informáticos, merecendo os primeiros expressa consagração constitucional, a referida pena única de prisão, aplicada à arguida, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da sua culpa.
Mostra-se, além disso, muito mais próxima do limite mínimo do que do limite máximo ou sequer médio da correspondente moldura abstrata ou legal e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se, com as naturais diferenças decorrentes do número e natureza de alguns dos crimes, da situação pessoal dos arguidos, anterior, contemporânea e posterior aos factos, nos acórdãos de 20.10.2022, proferido no processo n.º 82/09.0PELSB.2.L2.S1, e de 24.11.2022, proferido no processo 622/17.0T9ABF.1.S1.L1.S1, relatados pelos Conselheiros Helena Moniz e Orlando Gonçalves, respetivamente6.
2. 3. A suspensão da execução da pena única de prisão
Mantendo-se inalteradas as penas aplicadas à recorrente no acórdão recorrido, situando-se a pena única acima dos 5 (cinco) anos de prisão, prejudicada fica a apreciação da sua pretensão no sentido da suspensão da respetiva execução (conclusões 11ª a 13ª), por não verificação do correspondente pressuposto formal estabelecido no artigo 50º, n.º 1, do CP.
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
a) Negar provimento ao recurso da arguida AA e manter o acórdão recorrido;
b) Condenar a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC (cfr. artigos 513º do CPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.
Lisboa, d. s. c.
(Processado pelo relator e revisto e assinado eletronicamente pelos subscritores)
João Rato (relator)
Leonor Furtado (1ª adjunta)
Vasques Osório (2º adjunto)
_________
1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.
Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em .
2. Neste sentido, pode ver-se Maia Gonçalves na anotação 6 ao artigo 70º, no seu Código Penal Português – Anotado e Comentado, 14ª Edição, Almedina, 2001, aí referenciando, no mesmo sentido, Robalo Cordeiro, in ob. e loc. infra citados.
3. Neste sentido podem ver-se também, Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, em anotação ao artigo 70º, Código Penal Anotado, II Volume, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2015, e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, em anotação ao mesmo artigo, Código Penal - Parte geral e especial - Com Notas e Comentários, 2ª Edição, Almedina, 2015, ambos com interessantes e abundantes referências doutrinárias e jurisprudenciais.
4. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.
5. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado Pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
6. Ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.