ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE AGRAVADA DO EMPREGADOR
FALTA DE OBSERVAÇÃO DAS REGRAS SOBRE SEGURANÇA
HIGIENE E SAÚDE NO TRABALHO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Sumário


I – A matéria conclusiva, agravada pela circunstância de contender diretamente com o tema a decidir não pode constar do segmento da sentença, no qual se declaram os factos provados. É de realçar que a sentença deve conter a separação entre factos e direito, pelo que, ainda que tivessem sido alegados em tempo oportuno, teriam de ser agora desconsiderados – 607.º, n.º 3 e 4, CPC.
II - A responsabilidade agravada da entidade empregadora com fundamento na falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) que sobre o empregador impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquele não as haja efetivamente observado; c) que se demonstre a relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
III – A factualidade apurada não nos permite concluir nem pela conduta omissiva do empregador relativamente à formação profissional a ministrar aos seus trabalhadores, nem nos permite concluir que foi a falta de formação profissional que determinou que o acidente tivesse ocorrido e tal é o que basta, para que não se possa concluir pela responsabilidade agravada do empregador.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Frustrada a tentativa de conciliação, AA, viúva, residente na Travessa ..., ..., freguesia ..., ..., intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra EMP01..., S.A., com sede Avenida ..., ... ... e, EMP02..., LDA., com sede na Rua ..., ... ..., pedindo a condenação das Rés na medida da respetiva responsabilidade:

- no pagamento da pensão anual e vitalícia no montante de €18.914,38, com início no dia 11/6/2021;
- subsídio por morte no montante de €5.792,29;
- subsídio de despesas de funeral no valor de €1.930,76; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.  
Alega em síntese que foi casada com BB, que este sofreu um acidente de trabalho em 10/06/2021 quando prestava serviço de manobrador sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré EMP02..., Lda. Na altura o sinistrado encontrava-se com o colega de trabalho, CC, a realizar tarefas de manutenção numa viatura ligeira de mercadorias, que havia sido previamente colocada nas rampas de elevação, tendo-se esta deslocado de forma inesperada para a frente, entalando a sinistrado contra a parede do edifício existente e provocando-lhe ferimentos graves que resultaram na sua morte, ainda no local. O sinistrado auferia a remuneração anual ilíquida de €21.488,24. À data do acidente o empregador tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré seguradora, sendo a retribuição transferida relativamente ao sinistrado de €18.914,38.
Regularmente citadas, apenas a Ré Seguradora contestou.
A R. seguradora, alegou, em síntese, que não se responsabiliza pela reparação do acidente porque o mesmo se ficou a dever à violação das regras de segurança pela entidade empregadora do sinistrado.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizados os temas de prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
Por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Condenar a R. seguradora a pagar à A. a pensão anual e vitalícia de €5.674,18, com início em 11/6/2021, bem como €5.792,29 de subsídio por morte e €1.930,76 de subsídio de funeral, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%;
Condenar a R. “EMP02...” a pagar à A. a pensão anual e vitalícia de €772,26, com início no dia 11/6/2021, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.
Custas pela R. seguradora e pela entidade empregadora, na proporção da respectiva responsabilidade.
Valor: €100.378,16.
Registe e notifique.
Comunique ao I.S.P.

Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães e terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

 “1- Os factos dados como provados sob os números 6 a 11, impunham a subsunção do acidente dos autos ao disposto nos artigos 18º, nº1, e 79º, nº3, da LAT.
2- Dúvidas inexistem ter resultado demonstrado que por um lado, a viatura foi incorretamente colocada por cima das lombas de segurança e, por outro, que foi essa incorreta colocação da viatura nas lombas que teve na origem do sinistro.
3- A Ré empregadora não ministrou formação adequada e específica para o tipo de trabalhos que estavam a ser desenvolvidos aquando do acidente dos autos nem para a utilização correta da rampa de elevação.
4- Tal conclusão resulta do depoimento da testemunha CC, do relatório da ACT e do despacho de arquivamento do processo crime instaurado na sequência do sinistro e que constam dos autos.
5- A Ré empregadora incumpriu com o seu dever de planeamento dos trabalhos que estavam a ser desenvolvidos e dos riscos previsíveis associados à utilização da rampa de elevação.
6- É imperativa a conclusão de que foi por falta de conhecimentos específicos para a utilização daquele instrumento de trabalho que o sinistrado e seu colega de trabalho colocaram o veículo de forma errada sobre a rampa de elevação.
7- Sendo que de que outra forma se pode conceber que o sinistrado e CC tenha agido da forma que agiram senão pela falta de conhecimentos?
8- O Tribunal pode, e deve, fazer juízos de lógica e de probabilidade, podendo concluir certos factos de outros factos, esses passíveis de demonstração.
9- É inegável que o acidente se deveu ao facto de não ter sido ministrada formação adequada ao local e equipamento de trabalho que estava a ser utilizado, o que levou a que os trabalhadores tivessem colocado o veículo de forma errada sobre a rampa de elevação.
10- Partindo do pressuposto, razoável, de que ninguém pretende colocar-se em risco sério de vida, a conduta do sinistrado e do seu colega de trabalho apenas pode ser imputado à falta de conhecimentos específicos do modo de utilização do equipamento que estava a ser utilizado; por seu turno, essa falta de conhecimento reside na falta de formação para a tarefa que estava a ser realizada e para o tipo de equipamento que estava a ser utilizado.
11- A motivação que é dada na Sentença, relativamente à não demonstração da alínea c) dos factos não provados é demonstrativo que, face a toda a prova produzida e constante dos autos, tal tema de prova estava condenado ao insucesso, por impossibilidade efetiva de demonstração.
12- O que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se pode aceitar; não se pode conceber que, uma vez mais, a culpa morra solteira e que a falta de formação e falta de zelo da entidade patronal pelos seus trabalhadores seja resolvida contra a seguradora de acidentes de trabalho, aqui Recorrente. 
13- Assim, deve o facto contido na alínea c) dos factos provados ser incluído na listagem de factos provados, revogando-se a Sentença e substituindo-se por decisão que conclua que o acidente se deu por falta de observação das regras de segurança pela Ré empregadora, aplicando-se, consequentemente, os artigos 18º, nº1, e 79º, nº3, da Lei 98/209, de 4 de setembro.

Contra-alegou a Autora, suscitando a questão prévia da admissibilidade do recurso, vindo a concluir, caso se admita o recurso, pela sua improcedência.

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Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância, tendo sido emitido parecer pelo Ministério Público, no qual se concluiu pela improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil e foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – DO OBJECTO DOS RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas suas conclusões (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da impugnação da decisão da matéria de facto
2 - Da atuação culposa do empregador – inobservância das regras de segurança pelo empregador.

Em sede de questão prévia insurge-se a autora, na sua contra-alegação, quanto ao facto da Ré/Recorrente já lhe ter liquidado todas as quantias em que foi condenada, sem qualquer reserva expressa do direito ao recurso, considerando assim que a Ré se conformou com a sentença proferida pela 1.ª instância, não podendo por isso ser admitido o seu recurso, uma vez que ao aceitar tacitamente a sentença, perdeu consequente o direito em recorrer nos termos do artigo 632.º, n.º 2 e 3 do CPC.
Sem necessidade de grandes considerações, diremos que não assiste razão à recorrida.
Com efeito resulta do prescrito no artigo 632.º n.ºs 2 e 3 do CPC. que não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida, podendo a aceitação ser expressa ou tácita, sendo certo que nesta última situação tem de ocorrer a prática de um facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
Ora, no caso a Ré liquidou à Autora todas as quantias em que havia sido condenada, sem qualquer reserva expressa ao direito de recorrer, mas tal não se revelava de necessário, pois resulta do prescrito no artigo 79.º n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 4/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho) que verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
No caso está precisamente em causa uma das situações previstas no artigo 18.º, pois a Ré Seguradora entende que o acidente se ficou a dever à violação das condições de segurança imputadas ao empregador, sendo esse o fundamento do seu recurso.
Daqui resulta que independentemente da atuação culposa ou não do empregador, a Ré seguradora está obrigada em primeira linha a liquidar as prestações em que foi condenada, razão pela qual ao cumprir o determinado na sentença não está a renunciar, nem sequer tacitamente ao direito de recorrer relativamente ao apuamento da culpa na ocorrência do acidente de trabalho em causa, mas está apenas cumprir o determinado na lei.
Não se vislumbra assim qualquer razão para não admitir o recurso.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

1 - A A. é a viúva do sinistrado BB e nasceu no dia ../../1972.
2 - O sinistrado exercia a actividade de manobrador sob as ordens, direcção e fiscalização da R. “EMP02...”, com a retribuição anual ilíquida de €21.488,24.
3 - A R. “EMP02...” havia transferido a sua responsabilidade civil por acidente de trabalho para a R. seguradora, mediante contrato de seguro que abrangia o sinistrado apenas pelo valor de €18.914,38.
4 - No dia 10 de Junho de 2021, pelas 15,00 horas, quando o sinistrado se encontrava no exercício da actividade referida em 2), a realizar tarefas de reparação de uma viatura ligeira, esta viatura deslocou-se, esmagando o sinistrado contra a parede de um edifício e assim lhe provocando lesões físicas que foram causa da sua morte, ocorrida nesse mesmo momento.
5 - Na data referida em 4), o sinistrado estava a ser ajudado naquela tarefa pelo seu colega de trabalho CC.
6 - Naquele local, existia uma rampa elevatória que permite que o veículo a intervencionar seja colocado num ponto elevado relativamente ao solo, com um fosso central onde o mecânico se introduz para aceder aos órgãos inferiores do veículo.
7 - Na extremidade oposta ao local por onde os veículos sobem essa rampa, existem umas lombas de segurança, onde os rodados do veículo (da frente, caso seja introduzido em marcha para a frente, ou de trás, caso seja introduzido em marcha atrás) ficam encostados.
8 - O propósito dessas lombas é de evitar que o veículo resvale para fora da rampa de elevação.
9 - Por outro lado, no rodado que fica na extremidade oposta às referidas lombas, são colocados calços, para que o veículo não possa resvalar por esse lado.
10 - Na sequência de instruções do sinistrado, o CC subiu com o veículo, em marcha em frente, a rampa de elevação, mas, ao invés de encostar as rodas da frente às referidas lombas, subiu-as, deixando as rodas da frente do veículo por cima do vértice da extremidade das lombas, em equilíbrio.
11 - O referido CC não colocou quaisquer calços nas rodas da frente do veículo que impedissem que este resvalasse para a frente.
12 - A certa altura, quando o sinistrado se encontrava a circular pela frente do veículo, este resvalou para a frente, entalando o sinistrado contra o muro da construção.

FACTOS NÃO PROVADOS:

a) - que nem o sinistrado nem o referido CC tivessem qualquer formação ou competências de mecânica;
b) - que o espaço existente entre a extremidade da rampa de elevação e o muro da construção fosse insuficiente para permitir uma circulação em segurança dos trabalhadores e, em caso de perigo, permitir a sua fuga;
c) - que a forma como foi colocado o veículo em cima da rampa tenha resultado da falta de formação do sinistrado e daquele seu colega para a realização daquela tarefa.

IV – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

1 - Da impugnação da decisão da matéria de facto

Pretende a Recorrente que o ponto de facto que consta da alínea c) dos pontos de facto não provados passe a constar dos pontos de facto provados, dizendo que da motivação da sentença tal tema da prova estava condenado ao insucesso, por impossibilidade efetiva de demonstração, contudo resulta claro quer do depoimento testemunha CC, quer do relatório do ACT  datado de 19.08.2021, quer do despacho de arquivamento do inquérito crime, que foi a falta de formação especifica para a tarefa e para a utilização do equipamento em causa – rampas de elevação em betão – que determinou que os trabalhadores tivessem colocado o veículo e forma errada na rampa de elevação, tendo aquele se deslocado e atingido o sinistrado.

O ponto c) dos pontos de facto não provados constam o seguinte:
“que a forma como foi colocado o veículo em cima da rampa tenha resultado da falta de formação do sinistrado e daquele seu colega para a realização daquela tarefa.”
 A factualidade que agora se pretende que seja dada como provada tem forte cariz conclusivo, sendo certo que ao dar-se como provado o ponto c) dos pontos de facto não provados, estaria praticamente resolvida a questão de direito em apreciação a favor da recorrente.
Na verdade, a factualidade que consta do ponto c) dos pontos de facto não provados é matéria conclusiva, agravada pela circunstância de contender diretamente com o tema a decidir. Faz parte do núcleo essencial da questão que determina a decisão. Logo não pode constar do segmento da sentença, no qual se declaram os factos provados. É de realçar que a sentença deve conter a separação entre factos e direito, pelo que, ainda que tivessem sido alegados em tempo oportuno, teriam de ser agora desconsiderados – 607.º, n.º 3 e 4, CPC.
A conclusão que consta do ponto c) dos pontos de facto não provados terá, sim, de ser (ou não) retirada de outros factos que tenham sobressaído, por respeitar à interpretação e aplicação do direito.
Acresce dizer, que caso assim não fosse por nós entendido, ainda, assim, não poderíamos subescrever a posição da recorrente, pois nem o depoimento de CC, nem os documentos invocados nos permitem concluir que não foi ministrada formação profissional para a tarefa em causa (pois ao que tudo indica o sinistrado recebeu formação relacionada com a sua categoria profissional de manobrador, nela se incluindo normalmente uma componente de mecânica), nem nos permitem concluir que foi a falta de tal formação que teve na origem da colocação do veículo de forma errada em cima da rampa.
De tudo isto resulta que a decisão da matéria de facto que agora se pretendia alterar, mostra-se alicerçada na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, a qual foi devidamente valorada, já que não se detetou qualquer meio de prova que impusesse decisão diferente. Ao invés a decisão recorrida espelha a convicção do julgador, alicerçada precisamente em todos os factos e explicações adquiridos, fazendo um exercício de lógica e de normalidade com as regras da experiência, revelando-se o julgamento compreensível pelo senso comum, não existindo qualquer suporte factual que impusesse ser outra a factualidade provada.
Em suma, improcede na sua totalidade a impugnação da matéria de facto.

2 - Da atuação culposa do empregador – inobservância das regras de segurança pelo empregador.
Insurge-se a Ré Seguradora quanto ao facto da decisão recorrida não ter concluído pela atuação culposa do empregador na ocorrência do acidente, já que da factualidade dada como provada sob os números 6 a 11, impunha-se a subsunção da situação em apreço ao disposto nos artigos 18.º n.º1 e 79.º n.º 3 da NLAT
Importa desde já deixar consignado que por os factos em apreciação terem ocorrido em 10 de Junho de 2021, o regime jurídico aplicável é o que da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (NLAT) que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que entrou em vigor em 01 de janeiro de 2010 e que se aplica aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (artigos 187º n.º 1 e 188º).
É pacífico entre as partes que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, já que o mesmo ocorreu no local e tempo de trabalho, sendo certo que o esmagamento sofrido pelo sinistrado produziu lesões que lhe determinaram direta e necessariamente a sua morte.
Em conformidade com o disposto n artigo 8º n.º 1 da NLAT, o acidente em apreço é um típico acidente de trabalho indemnizável.
Pacífico é também o facto de as entidades responsáveis pelas consequências decorrentes deste acidente serem a Rés Seguradora e Empregadora na proporção da respetiva responsabilidade, uma vez que à data do acidente a Ré empregadora tinha apenas parcialmente transferida, através de contrato de seguro, a responsabilidade infortunística, pela ocorrência de acidentes de trabalho.
A questão que importa resolver é a de saber se ocorreu violação das regras se segurança na execução do trabalho, imputada ao empregador e consequentemente daí advirá um agravamento da sua responsabilidade nos termos previstos no artigo 18º da NLAT.  

Vejamos se lhes assiste razão:

Dispõe o artigo 18.º da NLAT, com a epígrafe “Actuação culposa do empregador o seguinte:
“1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.”
Deste normativo legal resulta desde logo que a responsabilidade agravada da entidade empregadora tem dois fundamentos distintos:
- o comportamento culposo por parte da entidade empregadora ou do seu representante – o acidente tem de ter sido provocado pelo empregador ou pelo seu representante;
- a falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora.
Tal como se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal, de 18 de Abril de 2007, processo n.º 4473/06 – 4.ª secção, a diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.
No caso em apreço apenas está em apreciação o segundo destes fundamentos, ou seja, a alegada falta de observação das regras sobre segurança no trabalho, implicando a sua verificação a existência cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Sobre o empregador tem de impender o dever de observação de determinadas regras de segurança no trabalho;
b) Que a entidade empregadora não haja efetivamente, observado as normas ou regras de segurança, sendo-lhe imputável tal omissão;
c) Que se verifique/demonstre o nexo de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.

Conforme tem sido defendido pelo Supremo Tribunal, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a mera inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade, para a responsabilizar, de forma agravada, pelas consequências do acidente, pois torna-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente[1].
Por fim, importa salientar que competirá aos beneficiários do direito a esta reparação especial (quando a solicitem), ou à seguradora quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e a relação causa-efeito entre essa conduta omissiva e o acidente.
A jurisprudência tem sido pacífica ao defender que o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora compete a quem dela tirar proveito nos termos previstos no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil

Defende a Recorrente que o acidente se ficou a dever ao facto do veículo que estava a ser reparado não ter sido colocado corretamente em cima da rampa, o que teria resultado da falta de formação profissional nesse sentido que deveria ter sido ministrada ao sinistrado e ao seu colega.
A sentença recorrida, ao contrário do pretendido pela Ré Seguradora, entendeu que, no caso dos autos, os factos apurados referentes à dinâmica do acidente não nos permitem saber se a incorreta colocação do veículo em cima da rampa se ficou a dever à ignorância dos trabalhadores envolvidos na operação, por não terem tido formação ou conhecimentos de mecânica suficientes para a prática do ato, ou se se ficou a dever a qualquer outra causa, designadamente distração ou até algum facilitismo ao não se certificaram da correta colocação do viatura em cima da rampa. Por outro lado, também não se apurou-se se o sinistrado teria ou não tido tempo para se afastar do local de forma a evitar o esmagamento.
Desde já diremos que se concorda com o decidido pelo Tribunal a quo.
Com efeito, a Ré Seguradora não logrou provar não ter sido ministrada ao sinistrado e ao outro trabalhador que se encontrava a fazer a manutenção da viatura, formação profissional. Não foi feita prova da falta de conhecimento por parte dos trabalhadores para a tarefa que na altura realizavam, designadamente para a forma como deveriam colocar a viatura na rampa de elevação. Ao invés, os documentos juntos aos autos permitem concluir que quer o sinistrado, quer o seu colega tinham a categoria profissional de manobradores de equipamentos de terras, tendo frequentado 40 horas de formação nessa área, tendo também, segundo o relatório da ACT recebido formação específica relativamente à “atividade de verificação e pequenas reparações e limpezas nos equipamentos/viaturas”, ministrada pelos serviços internos de SST da empresa em 20/03/2020.
Daqui, ao invés do defendido pela recorrente, podemos concluir que o sinistrado e o seu colega tinham formação adequada para as tarefas compreendidas na sua categoria profissional.
Por outro lado, a factualidade apurada não nos permite, de forma alguma concluir, que foi por causa de hipotética falta de formação que o veículo foi colocado de forma indevida na rampa. Não se tendo provado que era a primeira vez que os trabalhadores estavam a fazer este tipo de manutenção, nem se tendo provado que estes trabalhadores não estavam habilitados a realizar trabalhos de mecânica nas viaturas, no caso não se nos afigura possível concluir que foi por não terem formação que o veículo foi indevidamente colocado na rampa. Tal poderá ter sucedido por diversas circunstâncias, nomeadamente, distração.
Acresce dizer que apenas se apurou que o acidente ocorreu porque o veículo que se encontrava em equilíbrio e sem que nada o fizesse prever, resvalou para a frente, encontrando-se o sinistrado a circular à sua frente, tendo por isso ficado entalado contra o muro da construção.
Toda esta factualidade apurada revela-se de insuficiente para se poder concluir que se tivessem formação mecânica, designadamente no âmbito da colocação dos veículos em rampas, a viatura não teria sido colocada indevidamente em cima da rampa e não se teria destravado, já que o que se procurava alcançar é que a viatura ficasse com mais altura, para se poder trabalhar debaixo dela.
Em suma, a factualidade apurada não nos permite concluir nem pela conduta omissiva do empregador relativamente à formação profissional a ministrar aos seus trabalhadores, nem nos permite concluir que foi a falta de formação profissional que determinou que o acidente tivesse ocorrido e tal é o que basta, para que não se possa concluir pela responsabilidade agravada do empregador.
Improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida

DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por EMP01..., S.A.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 19 de Setembro de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Francisco Sousa Pereira


[1] Cfr. o acórdão da 4ª secção do STJ de 11/6/2011, processo nº 1530/04.0TTCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt