JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Sumário


I – A existência de pelo menos cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil não constitui automaticamente justa causa de despedimento, havendo sempre que atender à cláusula geral constante do n.º 1 do art. 351º do CT.
II - No caso, tendo a trabalhadora dado 15 faltas injustificadas, de forma interpolada no decurso de um ano, apesar de a empregadora conceder um prazo de 60 dias para justificação das faltas, tal comportamento, culposo, reveste-se de uma gravidade tal que torna e imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou – dando entrada em juízo do competente formulário - a presente acção declarativa, sob a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, pedindo desde logo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação.
A empregadora/ré apresentou então articulado motivador do despedimento (AMD) alegando para tanto, e em síntese, que o despedimento foi regular e lícito, tendo sido precedido do competente procedimento disciplinar e verificando-se justa causa para o despedimento, consistente esta em a trabalhadora/autora ter faltado injustificadamente nos quinze dias que identifica, compreendidos nos meses de Janeiro a Novembro do ano de 2022.
Juntou o procedimento disciplinar.

A trabalhadora/autora apresentou contestação em que, no fundamental e resumindo, pediu que fosse declarada a ilicitude do despedimento, por alegada nulidade do procedimento disciplinar, alegando ainda ter justificado todas as faltas consideradas pela ré como injustificadas.
Em reconvenção – e alegando ademais factos tendentes a demonstrar que sofreu danos não patrimoniais -  pede, em suma, que a ré seja condenada a proceder à sua reintegração ou, se assim viesse a optar, a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e a quantia de € 10.000,00 por danos não patrimoniais sofridos, tudo a acrescer de juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento.

A ré apresentou resposta, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela autora e, reafirmando a posição já expressa no AMD, impugna a matéria em que a autora alicerça o pedido reconvencional, designadamente a factualidade respeitante aos alegados danos não patrimoniais.

Prosseguindo os autos – e após prolação do despacho saneador em que se se julgaram de imediato improcedentes as questões relativas à alegada falta de suficiente descrição fáctica e de fundamentação da nota de culpa e da decisão final, e ainda quanto à inexistência de ponderação das circunstâncias previstas no n.º 3 do art. 351.º do CT e por alegada inexistência de provas recolhidas na fase de instrução -, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, o Tribunal decide:
a) julgar a acção improcedente e, em consequência, declara-se a regularidade e licitude do despedimento da autora;
b) julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a ré de todos os pedidos feitos a este propósito contra si pela autora.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a autora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação, em suma, das seguintes conclusões (transcrição):
“(…)
D) Apôs a prolação do despacho saneador - no qual o tribunal a quo remeteu para final o conhecimento da invalidade do procedimento disciplinar decorrente da ausência de notificação da nota de culpa e da impossibilidade da Trabalhadora apresentar a respetiva resposta e tendo procedido à identificação do objecto de litigio, enunciado os temas de prova e admissão dos meios de prova - foi produzida a prova em audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, quer em relação à matéria de facto quer na matéria de direito e no qual , em suma, foi julgado improcedente a excepção de invalidade do processo disciplinar por falta de notificação da nota de culpa, como foi dado como provado o que se encontrava imputado à Recorrente na decisão de despedimento, concluindo pela licitude do despedimento desta;
E) Ora, no que respeita à decisão quanto a matéria de facto, entende-se que o Tribunal a quo não deveria ter dado como assente a factualidade vertida no ponto 17 dos “Factos provados” : “17. A autora não tratou de justificar ou de justificar em tempo as respectivas ausências ao trabalho, apenas facultando à ré os docs. 4 a 6 juntos com a sua contestação depois de conhecer a decisão de despedimento, sendo que o doc. 3 foi por ela enviado à ré, via scan, somente a 20.11.202”, atendendo que a Recorrente justificou sempre, de forma tempestiva, as respectivas faltas e que se encontram demonstradas quer pela prova documental (Justificações juntas no final do processo disciplinar, (cfr. Refª...15 e), no qual consta as declarações médicas relativas aos dias 10/03/2022 a 12/03/2022, de 12/03/2022 a 14/03/2022, de 03/22/2022 a 7/11/2022, de 02/01, 06/3, 17/03, 03/06 e 4,5 e 9 de Junho” (cfr. documentos 3 a 6 junto com a contestação/reconvenção (refª.- ...31) e Declaração médica, datada de 08/08/2023 (cfr. requerimento com a refª.: ...14), bem como pela prova testemunhal prestada pelas testemunhas BB (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-13-02.mp3), CC (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 –gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-39-03.mp3) e, ainda, pelas declarações de parte da Recorrente (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_11-01-13.mp3), nos termos que se encontram referidos nas motivações e que por brevidade se dão por reproduzidos, pelo que tal factualidade deve ser expurgada da matéria assente;
F) Em relação aos factos não provados, em face da prova produzida em audiência e devidamente identificada nas motivações, que por brevidade, se dá como reproduzida, deve ser dado como provada a seguinte factualidade:
- 1.A residência habitual da Trabalhadora, após o seu divórcio, pelo menos a partir de ../../2020, passou a ser na Rua ..., ..., ... ... (cfr. elementos de prova: Acta de divórcio por mutuo consentimento, com a refª. ...66; Assento de casamento com a refª.- 466 ...66, Certidão emitida pela Autoridade Tributária com a refª. ...66) e pelo depoimento da testemunha BB (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-13-02.mp3) e Declarações prestadas pela Autora AA (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_11-01-13.mp3);
- 2.A Autora só teve conhecimento da decisão final, remetida para a morada referida em 5 dos provados, porque o seu filho lhe entregou o respectivo aviso. (elementos de prova: Aviso de recepção – Refª...15, Acta de divórcio por mutuo consentimento - refª. ...66, Assento de casamento -refª.- 466 ...66, Certidão emitida pela Autoridade Tributária – refª. ...66, as Declarações de parte da Recorrente (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_11-01-13.mp3);
3- . A autora justificou as faltas que deu, por motivos de saúde ou assistência aos filhos, entre as quais as referidas em 13 dos factos provados (elementos de prova: Justificações juntas no final do processo disciplinar - Refª...15 e declarações médicas ai anexas e juntas também com a contestação – refª: ...31), Declaração médica, datada de 08/08/2023 - refª.: ...14 e, ainda, através das testemunhas: BB (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 –gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-13-02.mp3), CC (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-39-03.mp3) e das declarações de parte da Recorrida (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_11-30-01.mp3);
- 4. A justificação das faltas sempre foi feita, através do envio dos correspondentes documentos, através dos scaners existentes nas instalações (meios de prova: Justificações juntas no final do processo disciplinar -(cfr. Refª...15), com um documento manuscrito pelo funcionário dos recursos humanos da Ré e declarações médicas juntas (cfr. também doc. 3 e 6 da contestação – refª: ...31), Declaração médica, datada de 08/08/2023- req. com a refª.: ...14 e através dos depoimentos das testemunhas BB (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-13-02.mp3)), CC (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-39-03.mp3) e das declarações da Recorrente (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_11-30-01.mp3);
- Artº 25ª - A justificação das faltas sempre foi tempestivamente entregue à empregadora, (através) (…) do sistema de scâner implementado por esta, que não permite ao trabalhador ficar com o comprovativo de entrega (meios de prova: Justificações juntas no final do processo disciplinar, junto com a acção (cfr. Refª...15), no qual se encontra anexa ao documento manuscrito pelo funcionário dos recursos humanos da Ré e as declarações médicas (declarações igualmente juntas como doc 3 a 6 na contestação /reconvenção -refª.- ...31), Declaração médica, datada de 08/08/2023 - requerimento com a refª.: ...14 e pelo depoimento das testemunhas BB (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-13-02.mp3)) e CC (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-39-03.mp3) e, ainda, pelas declarações de parte da Recorrida (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_11-30-01.mp3);
- Artº 36º - A Trabalhadora, ao longo dos anos que se encontra ao serviço do empregador, teve sempre uma conduta profissional adequada. (meios de prova: depoimento da testemunha BB (cfr. acta e audiência de julgamento de 16/01/2024 – gravação (Diligencia_2048-23.8T8BRG_2024-01-16_10-13-02.mp3).
G) Quer em face da alteração da matéria de facto quer mesmo que assim não se entenda, sempre se impunha decisão diversa da sentença recorrida, desde logo porque a Recorrente ao não ser notificada da nota de culpa não lhe foi permitido exercer o direito de consultar o processo e de se defender, o que por si só conduz a invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, a ilicitude da sanção disciplinar de despedimento que lhe foi aplicada;
H) Acresce que, a Recorrente apresentou tempestivamente as justificações das faltas que lhe são imputadas, não podendo ser prejudicada pelo facto da Recorrida instalar um sistema de envio das mesmas, por scâner, que não permite obter o comprovativo da sua entrega, sendo que a Recorrida, não sendo verdade a afirmação de que a Recorrente não justificou as previa ou posteriormente as referidas faltas, tal como consta da nota de culpa e decisão final;
I) Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se dirá que a sanção disciplinar de despedimento revela-se manifestamente desadequada e desproporcional ao comportamento da Recorrente, o que, também por aqui, torna a ilícita a sanção aplicada;
J) Ao julgar, como julgou, declarando a regularidade e licitude do despedimento e julgando improcedente o pedido reconvencional, absolvendo a Recorrida das respectivas consequências legais e dos pedidos contra esta formulados, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou correctamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artigos 106, nº 2, 109º, nº 3, 128º, nº 1, al. b)253º, nº 1 e 2, 254º, nº 1 e 2, 330º, nº 1, 351º, nº 1 e 2, al. g) e 3, 353º, nº 1, 355º, nº 1, 357º, nº 4 e 5, 382º, nº 2 al. c), estes do Código do Trabalho; artº 12º, nº 7 da Lei 7/2009; artºs 13º, 113º, nº 10, 277º, nº 3 e 4 e 283º, nº 5, estes do Código de Processo Penal; artº 224º, nº 1 e 2 do Código Civil; artºs 07º, nº 4 do Código de Processo Civil e artºs 32º, nº 10, 53º e 58º, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa;”

A recorrida apresentou, também..contra-alegações:....
.. pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso,

Tal parecer mereceu resposta da recorrente, declarando dar por reproduzido os fundamentos de facto e de direito vertidos no recurso por si apresentado.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

- Impugnação da matéria de facto;
- Se o procedimento disciplinar é inválido por a autora não ter sido notificada da nota de culpa;
- Se existe justa causa para o despedimento da autora/inadequação e desproporcionalidade da sanção aplicada.
- Dependendo das respostas dadas às questões anteriores, eventualmente apurar do cabimento e amplitude da indemnização por antiguidade (pela qual a autora optou), dos vencimentos de tramitação e da peticionada indemnização por danos não patrimoniais.
                                            
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos que constam da decisão recorrida como provados e não provados:
“a) Factos Provados
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:
1. A autora foi admitida ao serviço da ré a 9.02.1995 por contrato de trabalho para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Operadora Especializada de 1ª, mediante retribuição mensal.
2. Ao serviço da ré a autora sempre cumpriu um horário de trabalho a tempo inteiro, integrada no 5.º turno parcial, dividido da seguinte forma:
- das 23h00 às 06h00 do dia seguinte às 5ªs e às 6ªs feiras;
- das 19h30 às 06h00 do dia seguinte aos Sábados e aos Domingos;
- descanso semanal à terça-feira e descanso complementar à quarta-feira
3. À data da cessação do contrato de trabalho, a autora/trabalhadora auferia as seguintes parcelas retributivas:
- retribuição base ---------------------------------------------------- € 815,00
- diuturnidades ------------------------------------------------------- € 140,44
- horas nocturnas 50%---------------------------------------------------------
- subsídio de turno 10% ---------------------------------------------- € 95,54
4. Em 03.02.2023, na sequência das faltas registadas entre os meses de Janeiro e Novembro de 2022, a ré instaurou contra a autora um processo disciplinar com vista ao seu despedimento, com alegação de justa causa.
5. A ré proferiu a nota de culpa a 03.02.2023 (onde por lapso consta: “No período compreendido entre os meses de agosto e setembro de 2022 (…)”, embora ali venham discriminadas as faltas injustificadas imputadas no período compreendido entre os meses de janeiro e novembro de 2022), remetendo-a à autora a 08.02.2023, por carta registada com AR, para a morada pela autora fornecida e constante dos serviços administrativos da ré, sita em Rua ..., ..., ..., ... ....
6. Nessa mesma data de 08.02.2023, a ré enviou à Comissão de Trabalhadores uma cópia da nota de culpa, a qual não emitiu qualquer parecer.
7. Em 9.02.2023, e na impossibilidade de entregar a nota de culpa na morada referida em 5., os Correios... deixaram na caixa de correio da autora o respectivo aviso.
8. A carta com a nota de culpa ficou disponível para levantamento da autora a 10.02.2023, no ponto de entrega dos Correios..., até ao dia ../../2023.
9. Não a tendo levantado a autora, a 22.02.2023 os Correios... registaram a carta como “objecto não reclamado”, e devolveram-na à ré.
10. Decorrido o prazo de resposta ali indicado (de 10 dias úteis), a autora não apresentou a resposta, não juntou meios de prova e/ou requereu quaisquer diligências probatórias.
11. Terminado o prazo conferido à autora para apresentar defesa (a 03.03.2023), em 08.03.2023, a ré proferiu decisão de despedimento, com efeitos imediatos, que remeteu à autora através de carta registada com AR, para a morada referida em 5., e pela mesma recebida a 23.03.2023.
12. A autora nunca comunicou à ré qualquer outra morada ou residência alternativa à referida em 5..
13. No ano de 2022, entre os meses de janeiro e novembro, a autora não compareceu ao trabalho em dias nos quais a sua presença era obrigatória, por quinze dias, concretamente, nas seguintes datas:
- 02.01.2022 (toda a jornada);
- 06.03.2022 (toda a jornada);
- 10.03.2022 (toda a jornada);
- 11.03.2022 (toda a jornada);
- 12.03.2022 (toda a jornada);
- 13.03.2022 (toda a jornada);
- 17.03.2022 (toda a jornada);
- 03.06.2022 (toda a jornada);
- 04.06.2022 (toda a jornada);
- 05.06.2022 (toda a jornada);
- 09.06.2022 (toda a jornada);
- 03.11.2022 (toda a jornada);
- 04.11.2022 (toda a jornada);
- 05.11.2022 (toda a jornada);
- 06.11.2022 (toda a jornada);
14. Das quinze faltas acima elencadas, quatro antecederam ou sucederam (imediatamente) dias de feriado ou dias de descanso semanal da autora, a saber:
- a falta de 10.03.2022 (todo o dia) sucedeu o dia de descanso de 09.03.2022;
- a falta de 17.03.2022 (todo o dia) sucedeu o dia de descanso de 16.03.2022;
- a falta de 09.06.2022 (todo o dia) sucedeu o dia de descanso de 08.06.2022 e antecedeu o feriado de 10.06.2022;
- a falta de 03.11.2022 (todo o dia) sucedeu o dia de descanso de 02.11.2022;
15. A autora sabia que as ausências ao trabalho devem ser comunicadas com antecedência mínima de cinco dias (quando previsíveis) ou logo que possível (quando imprevisíveis).
16. Apesar disso, e como era também do conhecimento da autora, a ré aceita inclusivamente justificações de falta até 60 dias depois da sua ocorrência.
17. A autora não tratou de justificar ou de justificar em tempo as respectivas ausências ao trabalho, apenas facultando à ré os docs. 4 a 6 juntos com a sua contestação depois de conhecer a decisão de despedimento, sendo que o doc. 3 foi por ela enviado à ré, via scan, somente a 20.11.2022.

*
b) Factos não provados

Ficaram por provar os seguintes factos:
1. A residência da trabalhadora, após o seu divórcio, ocorrido em ../../2017, passou a ser na Rua ..., ..., ... ....
2. A autora só teve conhecimento da decisão final, remetida para a morada referida em 5 dos provados, porque o seu filho lhe entregou o respectivo aviso.
3. A autora justificou as faltas que deu, por motivos de saúde ou assistência aos filhos, entre as quais as referidas em 13. dos factos provados.
4. A justificação das faltas sempre foi feita através do envio dos correspondentes documentos, através dos scaners existentes nas instalações.
5. A autora foi alertada pelas chefias de não ter comunicado e/ou justificado, as referidas ausências ao trabalho (faltas).
6. A ré sentiu-se vexada e humilhada por os colegas e familiares terem tido conhecimento do procedimento disciplinar, bem como sentiu preocupação e indignação depois de conhecer a decisão do despedimento.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
Da impugnação da matéria de facto:
           
A recorrente entende que a factualidade constante do ponto 17. dos Factos Provados – “17. A autora não tratou de justificar ou de justificar em tempo as respectivas ausências ao trabalho, apenas facultando à ré os docs. 4 a 6 juntos com a sua contestação depois de conhecer a decisão de despedimento, sendo que o doc. 3 foi por ela enviado à ré, via scan, somente a 20.11.2022.” - deve considerar-se não provada – cf. alínea E) das conclusões do recurso.

E que foram indevidamente dados como não provados, ou simplesmente não foram considerados provados, os factos constantes do ponto 1. dos Factos Não Provados – “A residência habitual da trabalhadora após divórcio ocorrido em ../../2017, passou a ser na Rua ..., ..., ... ...;” -, do ponto 2. dos Factos Não Provados – “A autora só teve conhecimento da decisão final, remetida para a morada referida em 5 dos factos provados, porque o filho lhe entregou o respectivo aviso;” – do ponto 3. dos Factos Não Provados – “A autora justificou as faltas que deu, por motivos de saúde ou assistência aos filhos, entre as quais as referidas em 13. Dos factos provados;” – do ponto 4 dos Factos Não Provados – “A justificação das faltas sempre foi feita através do envio dos correspondentes documentos, através dos scaners existentes na empresa;” -, do artigo 25º da contestação/reconvenção – “A justificação das 4 faltas sempre foi tempestivamente entregue à empregadora, (através) (…) do sistema de scâner implementado por esta, que não permite ao trabalhador ficar com o comprovativo de entrega” – e do art. 36º da contestação/reconvenção – “A Trabalhadora, ao longo dos anos que se encontra ao serviço do empregador, teve sempre uma conduta profissional adequada” -, factos estes, todos, que devem dar-se como provados – cf. alínea F) das conclusões de recurso.

Estabelece o artigo 662.º n.º 1 do CPC , sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” (sublinhamos)

Decorre com clareza das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo,   proceder à transcrição   dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda  que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados.

No caso em análise entendemos que, concatenando as conclusões do recurso com a sua motivação, a recorrente deu suficiente cumprimento aos assinalados ónus, pelo que cumpre começar por conhecer do recurso nesta vertente.

Assim, e quanto aos factos que a recorrente pugna para que transitem da lista dos factos provados para os não provados:
A recorrente sustenta, em essência e síntese, que a matéria de facto em questão está contraditada pelo documento manuscrito por DD e que constitui a antepenúltima folha do PD, assim como as declarações médicas que constituem as penúltima e última folhas deste procedimento, e que igualmente foram juntas com a sua constestação/reconvenção (doc.s 3 a 6) e ainda pelos depoimentos das testemunhas BB e CC e pelas declarações de parte que a própria autora prestou, nos segmentos das respectivas gravações áudio que identifica e transcreve.
           
Analisados tais documentos e tendo-se procedido à audição integral de todos os depoimentos testemunhais e das declarações de parte, não podemos concordar com a recorrente.

A Mm.ª Juiz a quo fundamentou de forma clara e exaustiva a razão do seu convencimento quanto à factualidade em questão como, aliás, decorre da citação que a recorrente faz nas suas alegações da motivação da matéria de facto.

Começa-se por assinalar que não estamos perante prova dita tarifada, caindo a análise e ponderação dos ditos meios de prova na previsão da primeira parte do número 5 do art. 607.º do CPC (ex vi do art. 1.º/2 a) do CPT), i. é, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção.

Ora, quanto à dita folha manuscrita que constitui a antepenúltima folha do PD quer (e de forma especial) a pessoa que a elaborou, a testemunha DD, quer, de forma convergente, a autora nas declarações que prestou, quer ainda a testemunha EE, que também estaria presente aquando da elaboração de tal documento, explicaram, para além do contexto – no decurso de uma reunião que EE (trabalha na ré como técnico superior de RH) e a DD (trabalha na ré como técnica de RH) tiveram com a autora quando esta, no próprio dia em que fora notificada da decisão proferida no processo disciplinar, apareceu nas instalações da ré a queixar-se da, a seu ver, sem razão para o procedimento disciplinar e injustiça do despedimento -  o que levou à feitura desse documento e o que nele se pretendeu consignar, no fundo, fazer um «lembrete» do que tinha sido falado na reunião.

Quanto aos demais documentos referidos, analisando aquele junto à contestação como doc. 3, constata-se que se encontra datado de 14.8.2022, posto o que (e independentemente da sua idoneidade, ou não, para o efeito), pretendendo a A. justificar com ele faltas relativas ao dia 09 de Junho de 2022 e outros dias anteriores a este - 02/1, 6 e 17/3, 3, 4, 5 e 9/6, de 2022 - e podendo justificar as faltas até 60 dias depois da sua ocorrência (ponto 16 dos factos provados, não impugnado) tal justificação sempre seria extemporânea, mas sucedendo até que, conforme resultou dos depoimentos das testemunhas EE e DD tal documento só foi entregue à ré em 20.11.2022.
Estas testemunhas igualmente afirmaram, e de forma que também se nos afigura crível, que a autora não entregou/fez chegar à ré – até ao seu despedimento, só os tendo entregue na reunião já aflorada - os doc.s n.ºs 4, 5 e 6 da contestação.

As testemunhas BB e CC nada de concreto/específico revelaram saber que pusesse em crise o afirmado pelas testemunhas indicadas pela ré acima identificadas, baseando aquelas primeiras testemunhas, BB e CC, a convicção de que a autora apresentou as justificações porque a própria autora o diz.

Ora, as declarações desta – relembre-se, parte, e por isso, desnecessário é frisá-lo, interessada no desfecho da acção - também não se afiguraram claras e congruentes de modo que, por si só, permitam firmar convicção no sentido que pretende, mostrando-se tais declarações “incoerentes e contraditórias”, como a propósito se escreveu na motivação da matéria de facto.

Relativamente aos factos que, tendo sido considerados não provados, ou simplesmente não foram considerados provados, a recorrente quer que se tenham como provados, desde logo:
– A residência habitual da trabalhadora após divórcio ocorrido em ../../2017, passou a ser na Rua ..., ..., ... ...; e
– A autora só teve conhecimento da decisão final, remetida para a morada referida em 5 dos factos provados, porque o filho lhe entregou o respectivo aviso;
Diga-se em primeiro lugar que estes factos – que, no que que tange à possível relevância jurídica, apenas contenderão com a segunda questão supra enunciada – nos parecem irrelevantes para a decisão a proferir.
Admitindo-se ainda assim que se possa congeminar alguma solução jurídica para que assumam alguma relevância, parece-nos que não é de acolher a pretensão da recorrente.

Com efeito, a própria autora declarou, de forma espontânea, “tenho duas moradas, a de ...…e a de ..., ...”, “todos os dias durmo em ... mas todos os dias vou a ... [à casa de ...]”, explicando que na residência de ..., que pertence a si e ao ex marido, pois apesar do divórcio ainda não fizeram partilhas, é onde vivem os dois filhos e que a continua a frequentar, não ficando esclarecido se, por ex. aí confecciona e toma as refeições, ou alguma(s) delas, mas a própria assumindo, de forma reiterada, que tem “duas moradas”, e ficando a ideia que não vai à morada de ... como mera visita, mas aí vivenciando também o seu dia a dia.
Ademais, o doc. 2 da contestação/reconvenção, «atestado de residência», está datado de 22 de Junho de 2023 e, “atesta” que a autora é residente na morada aí indicada, sita na freguesia ..., mas não diz desde quando, nem, de qualquer forma, esse atestamento se mostra incompatível com o declarado com a autora quanto a ter outra morada.
Os doc.s juntos, através do req.º refª. ...66, a fls 84 e ss dos autos – acta de divórcio por mútuo consentimento, assento de casamento e certidão emitida pela autoridade tributária – poderiam ter interesse como elementos probatórios adjuvantes, contribuindo para sedimentar uma convicção que já resultasse de outros meios de prova. Não é o caso, e de per si não provam a factualidade que agora está em causa.
No que tange ao depoimento do BB, e como resulta evidente do próprio excerto que a recorrente, transcrevendo-o, enfatiza, é muito inseguro, parecendo até denotar que a testemunha ignora que – e tal facto foi afirmado pela própria autora – o ex marido da autora é emigrante na ..., pelo que pelo menos boa parte do tempo viverá nesse País, bem como, relembre-se, é a própria autora que afirma que todos os dias vai à residência de ..., e ainda que não nos agarremos ao teor literal – todos os dias -, por certo que se não fosse lá pelo menos quase todos os dias, habitualmente, a autora não utilizaria essa expressão.

Quanto aos factos:
– A autora justificou as faltas que deu, por motivos de saúde ou assistência aos filhos, entre as quais as referidas em 13. Dos factos provados; e
– A justificação das faltas sempre foi feita através do envio dos correspondentes documentos, através dos scaners existentes na empresa; e
– A justificação das 4 faltas sempre foi tempestivamente entregue à empregadora, (através) (…) do sistema de scâner implementado por esta, que não permite ao trabalhador ficar com o comprovativo de entrega.
A falta de prova desta factualidade já decorre do que acima se consignou a propósito da persistência como provada da matéria constante do ponto 17. da lista dos factos provados.

Por fim, quanto ao segmento:
A Trabalhadora, ao longo dos anos que se encontra ao serviço do empregador, teve sempre uma conduta profissional adequada.
Para além da natureza conclusiva da afirmação em causa, a recorrente apenas invoca como meio de prova que impõe uma resposta positiva o depoimento da testemunha BB, conforme segmento da respectiva gravação que transcreve.
Ora sempre este meio de prova seria manifestamente insuficiente para o fim pretendido, até porque esta testemunha, como declarou, embora também trabalhador da ré e por via disso contactasse profissionalmente com a autora, não trabalhava no mesmo local que a autora.
 
Destarte, a impugnação da matéria de facto improcede in totum.

- Da invalidade do procedimento disciplinar por a autora não ter sido notificada da nota de culpa:
           
Não se suscita qualquer dúvida quanto a ser o procedimento disciplinar inválido caso o trabalhador/arguido não tenha sido (oportunamente) notificado da nota de culpa – cf. designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 353.º/1 e 382.º/2 a) do CT.

Onde bate o ponto é em saber-se se a trabalhadora/autora foi – talvez melhor dito, deve considerar-se – notificada da nota de culpa.

E, tal como se sufragou na decisão recorrida, entendemos também que sim.

É certo que a carta contendo a nota de culpa não foi efectivamente entregue à autora, tendo sido devolvida à ré pelos Correios... – v. ponto 9. dos factos provados.

Sucede, contudo, que como estipula o art. 224.º/2 do CC, “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”
Como se lê em anotação à citada norma em Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, trata-se de uma “medida de protecção do declarante”[1].
Ora, reportando ao caso dos autos, e não obstante o a propósito expendido pela autora, entendemos que se impõe a conclusão de que a autora não recebeu a carta que a ré lhe enviou com a nota de culpa por culpa sua.
Efectivamente, tendo de presumir-se que a autora (pelo menos, também) tinha residência na morada para a qual foi enviada tal carta, pois que a própria o havia comunicado à ré – cf. ponto 5 dos factos provados -, competia-lhe diligenciar pelo correio que fosse depositado no respectivo receptáculo postal e, no caso, proceder ao levantamento atempado da carta – cf. n.ºs 7., 8. e 9. do elenco dos factos provados.

Mas ainda que assim não fosse, e a autora já não residisse na morada para onde foi enviada a carta, a culpa do seu não recebimento continuaria a ser exclusivamente sua pois que nunca comunicou à ré qualquer outra morada – v. n.º 12. dos factos provados e art.s 227.º e 762.º n.º 2 do CC e 106.º/2 e 109.º/3 do CT.

A autora agiu, pois, de forma claramente negligente, e a comunicação da nota de culpa, que a ré lhe enviou nos termos supra referidos, é relevante - por culpa própria é que a autora não recebeu a carta mencionada.

O entendimento sufragado tem sido sustentado pelos nossos Tribunais Superiores, de que são ex. o Ac. do STJ a propósito citado na sentença (ressalvando-se o lapso evidente quando na identificação do acórdão se refere que é do ano de 2025 ao invés do ano que se quis dizer, 2015) e o acórdão desta Relação identificado no douto parecer emitido pela Exma. PGA.[2]

Em suma e concluindo, não se verifica a invocada invalidade do procedimento disciplinar.

- Se existe justa causa para o despedimento da autora:

Posto que são proibidos os despedimentos sem justa causa (cf. art. 338.º do CT, norma, como é consabido, inspirada no art.º 53.º da CRP), será ilícito o despedimento por inexistência de justa causa?

Na sentença recorrida sustenta-se, nomeadamente, o entendimento de que “Ora, as descritas quinze faltas injustificadas dadas pela autora de janeiro a novembro de 2022, se consideradas globalmente, revestem-se de uma gravidade tal que, de um ponto de vista objectivo, implicam uma quebra irremediável e sem retorno da relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe, justificando, nessa medida, o despedimento com justa causa, por ser a única medida reactiva de cariz disciplinar que se revela proporcional, adequada e eficaz à infracção verificada.
Não podemos esquecer que integrando a autora um turno parcial, que funciona sobretudo em horário nocturno e, além disso, com dois dias ao fim-de-semana, que não será fácil para o empregador substitui-la de forma rápida e imediata, por outro lado, a atitude despreocupada da autora, revela no mínimo um grau de negligência anormal, ao sentir-se autorizada a faltar, sem comunicar à ré, ainda que só após constatada a impossibilidade de se deslocar para o serviço, assumindo-se as faltas como imprevisíveis, por meses a fio (veja-se que a autora só tentou justificar as sete faltas dadas entre janeiro e março, com a obtenção de um atestado em agosto de 2022, e enviado à ré em novembro de 2022), sem cuidar sequer de esclarecer o motivo das ausências e da falta de justificação.
Assim, e em consequência, ponderados os factos e as circunstâncias apuradas, temos de concluir que o despedimento levado a cabo pela ré/ empregadora tem de ser declarado lícito, por proporcional e adequado à conduta infractora da autora.”.

Concordamos no essencial com este entendimento.

De harmonia com o disposto no art. 351.º, n.º 1, do CT, constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Exige-se, pois, a verificação, cumulativa, de um requisito de natureza subjectiva – traduzido num comportamento culposo do trabalhador – e um requisito de natureza objectiva – que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho - e, ainda, existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Como decorre do art. 342.º, n.º 2, do C.C. e 387.º, n.º 3, do CT, é sobre o empregador que recai o ónus de alegar e provar a factualidade que esteve na base do despedimento, a culpa do trabalhador e a impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral.
E nos termos do art. 351.º, n.º 3, do CT, “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. (v. também n.º 4 do art. 357.º.)

Atentemos ainda que segundo o disposto no art. 128.º do CT o trabalhador está sujeito a diversos deveres, designadamente prevê no seu n.º 1, e nas diversas alíneas, os deveres que a ré invoca expressamente, elencados nas alíneas b), c) e h):
“Deveres do trabalhador
1 – Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
(…)
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
(…)
h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
“(…)”

E nos termos do n.º 2 do já citado artigo 351.º do CT, cuja epígrafe é Noção de justa causa de despedimento:
“(…)
2 – Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
(…)
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
(…)”

Ora, os factos provados traduzem efectivamente a violação de deveres que, enquanto trabalhadora da recorrida, impendiam sobre a recorrente, designadamente do dever de assiduidade.
Com efeito, a conjugação de toda a factualidade descrita nos diversos itens da lista dos factos provados, e muito particularmente dos factos insertos nos pontos 13. a 17., traduz um comportamento culposo da autora violador daquele dever de assiduidade, tendo dado 15 faltas injustificadas – desde logo porque não solicitou, ou não o fez atempadamente, a justificação das faltas - ao longo do ano de 2022.

É certo que a autora trabalhou para a ré quase três décadas – foi admitida em a 9.02.1995 e despedida em 23.3.2023 -, sem que haja notícia (a ré sequer o alegou) que anteriormente já lhe tivesse sido aplicada qualquer sanção disciplinar.

Entendemos, ainda assim, que não pode exigir-se à recorrida a manutenção da relação laboral.

A essa conclusão não pode obstar, por manifestamente não ser idóneo para tanto, o facto de a recorrida nunca antes ter sido punido disciplinarmente e ter até um bom passado profissional; os factos atingem um grau de gravidade tal, que o bom passado em termos disciplinares/profissionais muito pouca relevância acaba por poder assumir, pois em nada reduz a obrigação de assiduidade da recorrente e, quando tenha fundamento para faltar, ou tenha faltado, justificadamente, de o comunicar atempadamente à recorrida/entidade patronal, sendo que no caso até lhe era facultado um prazo dilatado (60 dias) para o fazer.
Sendo pacífico que o preenchimento de justa causa de despedimento não se basta com a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, pois é ainda necessário que o comportamento, culposo, do trabalhador torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, é este um caso em que a gravidade da conduta imputada à recorrente demonstra por si esta impossibilidade prática da subsistência da relação laboral.
           
E como se lê na fundamentação de Ac. do STJ de 16-12-2020, “A ausência de antecedentes disciplinares é um fator a ter em conta no juízo sobre a adequação do despedimento, mas tal não acarreta que seja sempre excessivo despedir um trabalhador sem antecedentes disciplinares, seja qual for a infração disciplinar por este cometida, ou que seja sempre necessário fazer o juízo de prognose a que a reclamação se refere. Acresce que a responsabilidade disciplinar é independente da criminal, desempenhando uma função de prevenção geral na empresa.”[3]

Como também se sintetizou em douto acórdão do STJ,
“VII - O dever de assiduidade – consagrado no art. 121.º, n.º 1, al. b) – está relacionado com a diligência que o trabalhador coloca na realização da sua actividade, sendo certo que o enunciado preceito proíbe as faltas e os atrasos injustificados.
VIII - Visto que a relação laboral pressupõe uma execução continuada, as faltas sucessivas integram um cumprimento defeituoso do vínculo, susceptível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador e, em consequência, potenciar o seu legítimo despedimento.”[4]

Nem, ante o que ficou dito, pode aceitar-se que a sanção do despedimento não é adequada, ou não é proporcionada, à gravidade da conduta e grau de violação dos deveres laborais.
Com efeito, 15 faltas injustificadas num ano traduzem um comportamento de total desinteresse pelo bom funcionamento e eficiência da empregadora, por isso muito grave e altamente censurável, e assim, apesar da mais gravosa das sanções disciplinares elencadas no artigo 328.º n.º 1 do CT, proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator.

Em conclusão, entendemos que o despedimento não é ilícito.

Face à solução que a que acabamos de chegar para a questão enunciada em terceiro lugar, fica prejudicada a restante, isto é, apurar da indemnização por antiguidade (pela qual a autora optou), dos vencimentos de tramitação e da indemnização por danos não patrimoniais tudo créditos a que, obviamente, a autora não tem direito.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrida.
Notifique.
Guimarães, 19 de Setembro de 2024

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Vera Maria Sottomayor


[1] Coimbra Editora, Vol. I, 4.ª Ed., pág. 214
[2] Ac. STJ de 22-01-2015, Proc. 649/11.6TTFUN.L1.S1, Leones Dantas, e Ac. RG de 06-5-2021, Proc. 2706/20.9T8BRG.G1, Vera Sottomayor, ambos em www.gsi.pt
[3] Proc. 13533/19.6T8LSB.L1.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt; no mesmo sentido, por ex., No mesmo sentido Ac. RP de 28-11-2022, Proc. 6337/21.8T8VNG.P1, António Luís Carvalhão, www.dgsi.pt, em cujo ponto II do sumário se diz “(…) não sendo a duração da relação laboral sem registo de infrações disciplinares anteriores que afasta o juízo que se formula que é de crer que a Ré passasse a ter a dúvida sobre idoneidade futura da conduta da Autora.(…)”
[4] Ac. STJ de 02-12-2010, Proc. 637/08.0TTBRG.P1.S1, Sousa Grandão, www.dgsi.pt , no mesmo sentido, por ex., Ac. RL de 11-05-2022, Proc. 1000/20.0T8CSC.L1-4, Alves Duarte, www.dgsi.pt