ACIDENTE DE TRABALHO
QUEDA DURANTE A CONVALESCENÇA
IPATH
Sumário


Uma queda de sinistrado laboral, que devido ao acidente e tendo em vista a recuperação da marcha usa canadianas, ocorrida no período de convalescença, ainda em recuperação, designadamente com fisioterapia; quando se deslocava em sua casa, com uso das canadianas, pretendendo descer as escadas que ligam a parte superior à inferior da sua habitação, confere direito a reparação nos termos do nº 5 do artigo 11º da LAT.
A incapacidade deve ser definida por coeficientes expressos em percentagens, sendo incongruente atribuir um grau inferior a 100% a incapaz para todo e qualquer trabalho.
A TNI constitui um instrumento visando ajudar os peritos da determinação da incapacidade, com equidade entre todos os sinistrados. Contudo, podem os peritos afastar-se dos valores dos coeficientes previstos, de forma fundamentada, conforme ponto 7º das instruções gerais.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

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Na fase conciliatória dos presentes autos em que figuram como sinistrado AA, melhor identificado nos autos, e como responsáveis pelo ressarcimento de danos emergentes de acidente de trabalho, a entidade patronal, “EMP01..., Lda.”, e a seguradora “Companhia de Seguros EMP02..., S.A.”, idf. nos autos; decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo, uma vez que a seguradora não aceitou a existência do acidente, a sua caracterização como acidente de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões e bem assim o resultado do exame médico-legal, não aceitando a responsabilidade pelo acidente por entender que a sua a ocorrência teve lugar devido a negligência grosseira por parte do sinistrado, designadamente pela não utilização dos meios adequados para a execução dos trabalhos.
Por sua vez, a entidade patronal aceitou a existência e caracterização do acidente ocorrido em 20.09.2018 como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões dele resultantes, não aceitando, porém, o resultado do exame médico-legal no que à incapacidade diz respeito, manifestando desconhecer os contornos do evento ocorrido em 13.04.2019.
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Em 24.08.2022, o sinistrado AA, representado pela sua acompanhante BB, requereu a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora “Companhia de Seguros EMP02..., S.A.” e “EMP01..., Lda.”, formulando o seguinte pedido:

“deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e consequentemente:
a) ser a Ré COMPANHIA DE SEGUROS EMP02..., S.A condenada a pagar ao A.:
a1) pensão anual, vitalícia e atualizável, de 7.371,07 €, devida desde o dia 30.11.2019, dia seguinte ao da alta (nos termos do art. 48°, nº 3, al. b), da LAT), atualizada para 7.422,61 €, desde 04.12.2020, por força da portaria nº 278/2020;
a2) a quantia de 5.661,48 €, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente (cfr. artº 67°, nºs 3 da LAT e Portaria nº 21/2018, de 18/01);
a3) a quantia de 7.311,47 €, de diferenças na indemnização por lt' s;
a4) quantia mensal de 479,34 €, a título de prestação suplementar para assistência a 3ª pessoa, devida desde 29/11/2019, dia seguinte ao da alta (cfr. artº 54, nº/s 1 e 4, da Lei 98/2009 de 04/09 e Portaria 24/2019 de 17/01), atualizada para o montante mensal de 482,70 €, desde 01/01/2020 (cfr. Portaria nº 27/2020 de 31/01);
a5) A quantia de 5.661,48 €, a título de subsídio para readaptação da habitação (cfr. artº 68°, nºs 1 e 2 da LAT e Portaria nº 21/2018, de 18/01);
a6) Fornecimento de ajudas técnicas;
a7) Prestação de apoio regular em consultas de fisiatria, terapia ocupacional e terapia da fala, para prevenção do agravamento do estado clínico;
a8) À quantia de 20,00 €, a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao GML
b) ser a Ré EMP01..., LDA condenada a pagar ao A.:
b1) Pensão anual, vitalícia e atualizável, de 259,42 €, devida desde o dia 30.11.2019, dia seguinte ao da alta (nos termos do art. 48°, nº 3, al. b), da LAT), atualizada para 261,24 €, desde 04.12.2020, por força da portaria nº 278/2020;
b2) A quantia de 273,74 € de indemnização por lts.”
Alegou, para o efeito, em síntese, ter sofrido um acidente de trabalho no dia 20 de setembro de 2019, pelas 14 horas, quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade empregadora “EMP01..., Lda.”, desempenhando as funções de pedreiro, ocorrido nas seguintes circunstâncias: quando se encontrava em cima de um andaime, ao apoiar-se numa das traves laterais, esta cedeu, provocando o seu desequilíbrio e queda ao solo.
Na sequência do acidente, o Autor foi assistido no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar ..., EPE e, posteriormente, nos serviços clínicos da Ré Seguradora, dele resultando, uma “fratura do calcâneo direito”, tendo sido sujeito a tratamento cirúrgico e estado em situação de incapacidade temporária absoluta desde ../../2018 até ../../2018, data em que a Ré seguradora lhe comunica a descaracterização do acidente como acidente de trabalho.
Necessitando as lesões sofridas de tratamentos e cuidados clínicos, o Autor foi obrigado a socorrer-se do médico de família, que lhe atribuiu incapacidade temporária absoluta para o trabalho e o encaminhou para a especialidade de ortopedia, passando a ser seguido no Centro Hospitalar ..., EPE, onde lhe foi retirado o gesso em 07.01.2019 e prescrita a realização de fisioterapia.
Acontece que, em 13.04.2019, ainda em período de convalescença da fratura do calcâneo, quando se deslocava de canadianas, no seu domicílio, uma das canadianas resvalou, provocando a sua queda nas escadas, que se encontrava a descer. Desta queda resultou para o Autor traumatismo crânio-encefálico grave, tendo sido transportado para o Hospital ... e intervencionado por Neurocirurgia e ali permanecendo por um período de cerca de 3 meses, até que foi orientado para o Centro de Reabilitação ..., em ..., ..., onde esteve por um período de seis semanas, e posteriormente para os Cuidados Continuados de ... e posteriormente para os Cuidados Continuados de ... até ao dia ../../2019, data em que lhe foi atribuída alta, tendo-lhe sido fixada pelo perito Médico do GML uma IPP de 86,55%, com IPA.
Mais alegou que desde 30.11.2019 e até ../../2021, frequentou o Centro de Dia da ..., tendo suportado a quantia de € 1.763,44, que deixou de frequentar por falta de recursos financeiros, passando a ser acompanhado pela esposa, filha e sogra, que se reorganizaram para esta acompanhamento.
Ademais, desde ../../2021, que o Autor frequenta tratamentos de fisioterapia e de terapia da fala, que continuará a seguir regularmente, estando dependente de terceiros para a realização de todas as atividades da vida diária e bem assim de intervenções na sua habitação para eliminação de barreiras arquitetónicas, de ajudas técnicas para melhorar a sua mobilidades e posicionamento.
Mais alegou que a entidade empregadora do Autor tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para Ré Seguradora
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O Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital de ... IP, deduziu contra a Ré pedido de reembolso dos subsídios pagos ao Autor no valor de € 3.660,34, reportado às prestações pagas no período entre 01.12.2018 e 04.09.2019.
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Ambas as Rés contestaram.
A Ré Seguradora, aceitando a transferência da remuneração do sinistrado através de contrato de seguro de apólice n.º ...21, pela retribuição anual de € 9213,84, enjeitou a sua responsabilidade por considerar que o acidente ocorrido no dia 20.09.2018 se ficou a dever a negligência grosseira do Autor e, quando ao acidente ocorrido em Abril de 2019, por se tratar de um acidente doméstico, sem qualquer nexo de causalidade com o primeiro acidente, sendo que, quando o mesmo ocorreu, a fratura sofrida no primeiro acidente estava já consolidada, não se justificando que o Autor deambulasse com recurso a muletas.
A Ré “EMP01..., Lda.”, quanto ao acidente ocorrido em 20.09.2018, referiu que o mesmo lhe foi relatado com tendo ocorrido uma queda de um muro, sendo que, posteriormente, já nas instalações hospitalares e depois de acionado o seguro, foi referido que o acidente se deu quando o sinistrado se encontrava em cima de um andaime e não de um muro, referindo que no local e hora do acidente existiam condições de segurança impostas pela Ré. Já quanto ao acidente ocorrido em 13.04.2019, não assume qualquer responsabilidade, por não considerar existir nexo de causalidade entre os acidentes.
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Por decisão proferida em 07.09.2023 do apenso foi determinado que o sinistrado:
» esteve afetado(a) do(s) seguinte(s) período(s) de incapacidade temporária:
- incapacidade temporária absoluta desde o dia ../../2018 a ../../2019;
» está clinicamente curado(a), sendo portador(a) de sequelas que determinam uma incapacidade permanente parcial de em 89,25 [(50% + 5% + 4,5%) x fator de bonificação em razão da idade de 1,5], com IPA (incapacidade para todo o trabalho).
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Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:
“ Face ao exposto, julga-se a presente ação procedente, e, em consequência:
A. condena-se a Ré “Companhia de Seguros EMP02..., S.A.” a pagar ao Autor AA:
» a pensão anual e vitalícia de € 7.630,49, com início em 30.11.2019, atualizada em 01/01/2020 para € 7.422,67, em 01/01/2022 para € 7.496,89, em 01/01/2023 para € 8.126,63, e, em 01/01/2024 para € 8.614,23, a que acrescem juros legais contados desde o dia a seguir à alta (30.11.2019) até efetivo e integral pagamento;
» a quantia de € 7.330,40, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento, deduzida a quantia a reembolsar ao ISS, IP;
» a quantia de € 5.752,03, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente, acrescida de juros legais desde o dia a seguir à alta (30.11.2019) até efetivo e integral pagamento;
» o valor mensal de € 479,34, a pagar catorze vezes por ano, a título de prestação suplementar para terceira pessoa, com início em 30.11.2019, atualizada em 01/01/2020 para o valor de € 482,69, em 01/01/2022 para o valor de € 487,52, em 01/01/2023 para o valor de € 528,47, e, em 01/01/2024 para o valor de € 560,19, a qual acrescem juros legais contados desde o dia a seguir à alta (30.11.2019) até efetivo e integral pagamento;
» a pagar as despesas de readaptação da habitação do Autor, a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença, nos termos prescritos no artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, com o limite máximo de € 5.752,08, a que acrescerão juros de mora contados à taxa legal desde a data da sentença que proceder à liquidação e até integral pagamento;
» a prestar a assistência médica e medicamentosa onde se inclui os tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala;
» a fornecer ao Autor barras de apoio para a sanita, cadeira de duche, poltrona com funções de posicionamento;
» a pagar a quantia de € 20, a titulo de despesas de deslocação pela comparência a atos judiciais, acrescida de juros de mora desde a data da realização da diligência de não conciliação (11.11.2021) até integral pagamento;
B. a “EMP01..., Lda.” a pagar ao Autor AA:
» a pensão anual e vitalícia de € 259,42, com início em 30.11.2019, atualizada em 01/01/2020 para € 261,24, em 01/01/2022 para € 263,85, em 01/01/2023 para € 286,01, e, em 01/01/2024 para € 303,17, a que acrescem juros legais contados desde o dia a seguir à alta (30.11.2019) até efetivo e integral pagamento;
» a quantia de € 274,31, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento, deduzida a quantia a reembolsar ao ISS, IP;
C. condena-se os Réus “Companhia de Seguros EMP02..., S.A.” e “EMP01..., Lda.”, na medida das responsabilidades, a reembolsar o “Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital de ... IP” da quantia paga ao Autor a título de subsídio de doença, no montante de € 3.660,34.
(…)”
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Inconformada a ré seguradora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1) O sinistro de 13 de abril de 2019 não pode ser enquadrado no âmbito do disposto no art. 11º, nº5 da LAT;
2) Foi alegado pelo sinistrado, no art. 14º da petição inicial que a queda sofrida a 13 de abril de 2019 ocorreu quando o mesmo se deslocava em casa de canadianas e uma delas resvalou, precipitando a sua queda nas escadas que se encontrava a descer;
3) O referido no art 14º da petição inicial, encontra-se dado como parcialmente provado no ponto 15 do acervo fáctico constante da sentença:
“13 de abril de 2019, quando o Autor se encontrava em período de convalescença da fratura do calcâneo e se deslocava de canadianas, no domicílio, o Autor caiu nas escadas, que na altura se encontrava a descer.”;
4) O art. 11º, nº5 da LAT estabelece dois critérios para que uma doença ou lesão subsequente a um acidente de trabalho mereça também direito à reparação em sede infortunística.
5) O primeiro requisito prende-se com a necessidade dessa lesão ou doença se manifestar durante um tratamento. O segundo obriga a que essa lesão ou doença seja consequência desse tratamento.
6) São por isso e tendo em conta a letra da lei, requisitos de verificação cumulativa.
7) O uso de canadianas fazia parte do tratamento prescrito ao sinistrado.
8) Não se pode aceitar o raciocínio que nos leve a equacionar que a queda se ficou a dever ao uso de canadianas, na medida em que as mesmas, por si só e em abstrato, não são idóneas a causar o referido risco.
9) Transpor para a esfera infortunística um risco que não é associável por si só a um tratamento decorrente de um acidente de trabalho é extrapolar a génese do que se encontra estatuído no art. 11º, nº5 da LAT
10) Não está preenchido o segundo dos requisitos cumulativos constantes do nº5 do art. 11º da LAT.
11) Não há prova que ateste que a queda sofrida a 13 abril de 2019 ocorreu quando o sinistrado fazia uso de canadianas, ou que foi causada pelo uso destas.
12) Competia ao sinistrado a prova de tal facto de acordo com o disposto no art. 342º do CC
13) A testemunha, CC, filha do Autor, no seu depoimento gravado em ata no dia 29.01.2024, com início às 12:08 e fim às 13:03 referiu que quando ela e a sua mãe chegaram a casa, esta testemunha, abriu o portão da rua, para o veículo conduzido pela mãe aceder à garagem.
Referiu que a mãe imobilizou o veículo na rampa de acesso à garagem e que quando abre o portão da mesma (interior e não o exterior, aberto pela filha, a aqui testemunha), vê o Autor caído junto das escadas – minuto 00:13:48 a 00:14:11 do seu depoimento.
14) A testemunha, CC, não refere, quando depõe livremente sobre o sucedido que ao falar com o pai ao telefone este lhe tenha dito que ia abrir a porta da garagem - minuto 00:13:23 ao 00:13:48 do seu depoimento;
15) É impossível retirar do depoimento desta ou de qualquer outra testemunha a conclusão de que o Autor caiu quando fazia uso das canadianas, mas muitíssimo mais importante, é impossível retirar de qualquer depoimento que a queda se ficou a dever ao uso das mesmas.
16) Não pode ser dado como provado o facto 15, por inexistir qualquer prova idónea que ateste a verificação do mesmo, não podendo, tal juízo fáctico ocorrer por meio de presunção judicial
17) A ausência de prova, obriga a que seja retirado o facto 15 – “Em 13 de Abril de 2019, quando o Autor se encontrava em período de convalescença da fratura do calcâneo e se deslocava de canadianas, no domicílio, o Autor caiu nas escadas, que na altura se encontrava a descer.” – do acervo fáctico provado, devendo passar a constar do mesmo apenas que “ em 13 de abril de 2019 no domicilio, o Autor encontrava-se caído junto às escadas”.
18) o Apelado não fez a prova de que a queda se ficou a dever ao uso das canadianas, falecendo assim qualquer nexo de causalidade entre o acidente de 13 de abril de 2019 e qualquer tratamento prescrito no âmbito do acidente de trabalho sofrido a 20 de setembro de 2018
19) Não pode por isso a Apelada ser condenada a reparar os danos decorrentes de um acidente que não tem qualquer ligação ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em setembro de 2018, pelo que apenas a incapacidade permanente parcial que decorre das sequelas sofridas com esse acidente pode ser tida em conta.
20) Compulsado o teor das juntas medicas de especialidade, designadamente a de ortopedia, verificamos que como sequelas do acidente de 20 de setembro de 2018, o sinistrado sofreu fratura do calcâneo que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial de 15%.
21) Não sendo possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre um acidente e o outro, não se pode considerar como data de alta, aquela que consta no facto 33 do catálogo dos factos provados.
22) Há necessidade de se apurar a data da consolidação das lesões ortopédicas, as únicas pelas quais a Apelante é responsável e efetivamente decorrentes do acidente de trabalho de 20.09.2018.
23) Compulsado o teor do auto de junta medica da especialidade de ortopedia, verifica-se, que em resposta unanime, os peritos entendem que tais lesões chegariam à sua consolidação clínica 9 meses após a data do sinistro
24) Tendo o acidente de trabalho ocorrido a 20.09.2018, as lesões decorrentes do mesmo terão de ser consideradas para efeitos de alta clínica, como consolidadas a 20.03.2019
25) Deve passar a constar do acervo fáctico provado que “As lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 20.03.2019”.
26) também o facto 34 do catálogo de factos provados não pode ser qualificado como tal.
27) Estando apenas em causa, para efeitos de responsabilização da Apelante, o acidente de trabalho de 20.09.2019, somente as lesões e sequelas decorrentes deste podem ser equacionadas nos presentes autos
28) Deve passar a constar da matéria de facto provada que “O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 15%”.
29) Impugna-se a matéria de facto considerada como provada na sentença, designadamente a qualificação como tal dos factos 15, 33 e 34.
30) Defende-se a inclusão dos seguintes factos no catálogo de factos provados:
- “Em 13 de Abril de 2019 no domicílio, o Autor encontrava-se caído junto às escadas”;
- “As lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 20.03.2019”;
- “O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 15%”.
31) Apelada apenas pode ser condenada a pagar a título de pensão vitalícia o Capital, que no caso será remível, após calculo, nos termos do disposto no art. 48º, nº2 e 3º, al. c) da LAT e com base numa IPP de 15%.
32) Para efeitos de período de incapacidade temporária, apenas pode ser considerado aquele que ficou assente no facto 13 do catálogo dos factos provados, o que faz com que nada mais haja a pagar ao sinistrado a esse título.
33) Ficando o período referente à incapacidade temporária balizado de acordo com o estabelecido no facto 13 da matéria de facto considerada como provada, não pode a Apelada ser responsável pelo reembolso das despesas suportadas pela Segurança Social.
34) Não pode a Apelante, tendo em conta a IPP de 15%, ser condenada a pagar qualquer subsídio nos termos e para os efeitos do disposto no art. 67º da LAT, o que obriga a sua absolvição.
35) Das sequelas decorrentes do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 20.09.2018 e tendo em conta o que consta do auto de junta medica da especialidade de ortopedia, não resulta a aplicação do disposto nos art. 53º e 68º da LAT, devendo a Apelada também ser absolvida deste pedido.
36) No que à condenação em prestações em espécie diz respeito, apenas podem ser equacionadas aquelas que sejam decorrentes do acidente de 20.09.2018.
37) A decisão proferida no apenso de fixação da incapacidade apenas com o presente recurso é passível de impugnação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 140.º, nº2 do CPT.
38) Na referida decisão considerou o MMº Juiz do Tribunal a quo que o sinistrado: “está clinicamente curado(a), sendo portador(a) de sequelas que determinam uma incapacidade permanente parcial de em 89,25 [(50% + 5% + 4,5%) x fator de bonificação em razão da idade de 1,5], com IPA (incapacidade para todo o trabalho).”
39) Dispõe o art. 19º da Lei 98/2009 no seu nº3 que “A incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho.”. Ou seja, perante a existência de sequelas decorrentes de um acidente de trabalho, o sinistrado pode ficar afetado com uma de 3 possibilidades de incapacidade permanente.
40) Não é possível a cumulação de mais do que um tipo de incapacidade.
41) Compulsado o teor das diferentes juntas medicas, verificamos que, em todas elas, por unanimidade, nenhum dos peritos atribuiu uma incapacidade de 100% ao sinistrado.
42) Havendo como há, para efeitos técnicos uma capacidade sobrante, não podem os mesmos considerar que estamos perante uma incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho. Tal afirmação é absolutamente contraria ao disposto no art. 19º, nº3 da LAT.
43) De acordo com disposto no art. 21º, nº2 da LAT, somente perante uma incapacidade de 100% se pode afirmar e considerar que se está perante uma incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho.
44) Juridicamente e por aplicação do estatuído nos art. 19º, nº3 e 21º, nº2 da LAT é impossível conjugar uma incapacidade permanente parcial com uma incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho.
45) Este erro na decisão do apenso de incapacidade, obriga a que tal decisão seja revogada, designadamente por uma que tenha em consideração os cálculos das incapacidades realizados por cada uma das juntas medicas da especialidade realizadas.
46) Com a revogação da decisão do apenso de fixação de incapacidade, tem-se por curial que seja considerado o facto provado 34 como erroneamente qualificado como tal.
47) O mesmo deve ser alterado, passando a constar apenas que o sinistrado “está clinicamente curado(a), sendo portador(a) de sequelas que determinam uma incapacidade permanente parcial de 89,25 [(50% + 5% + 4,5%) x fator de bonificação em razão da idade de 1,5]”
48) Tendo em conta a prova pericial produzida e a alteração que se impõe à decisão fáctica, designadamente com a alteração do facto 34, para no mesmo passar a constar apenas a incapacidade permanente parcial, a pensão não pode ser calculada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 48º, nº3, a), mas sim nos termos da al. c) do referido normativo.
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Sem contra-alegações.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, salientando a antinomia virtual entre uma desvalorização máxima de 100 % e uma capacidade “restante”, apenas jurídica evidentemente, de realizar outros trabalhos para além do habitual.
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Da decisão consta seguinte factualidade:

1. O Autor AA nasceu em ../../1964.
2. O Autor foi admitido em 1 de outubro de 2015, para exercer, como exerceu, por contrato de trabalho subordinado, a sua atividade profissional – Pedreiro, por conta e sob a autoridade da Ré “EMP01..., Lda.”.
3. A Ré “EMP01..., Lda.” dedica-se, entre outras atividades, à construção e reparação de edifícios.
4. O Autor exercia, entre outras, as seguintes funções: executar alvenarias de tijolo, pedra ou blocos, assentamentos de manilhas, tubos ou cantarias e outros trabalhos similares ou complementares de acabamento.
5. O período normal de trabalho do Autor correspondia a 8 horas de trabalho por dia, prestando no período da manhã – das 08h às 12h –, e no período da tarde – das 13h às 17h – correspondendo a um período normal de trabalho semanal de 40 horas.
6. No dia 20 de setembro de 2018, o Autor exercia a sua atividade mediante a retribuição anual global bruta de € 9.538,12 (€ 580 x 14 + € 5,86 x 22 x 11– salário base e subsídio de alimentação).
7. No dia 20 de setembro de 2018, o Autor, no âmbito da atividade profissional que exercia e após indicação da sua entidade empregadora, teve de ir fazer o remate de uma parede.
8. No dia 20 de setembro de 2018, cerca das 14:00 horas, na freguesia ... - ..., quando o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré “EMP01..., Lda.” numa obra sita em Rua ..., ..., ..., encontrando-se em cima de um andaime, ao apoiar-se numa das traves laterais, esta cedeu, provocando o seu desequilíbrio e queda ao solo.
9. O Autor era uma pessoa experiente e conhecedor das regras de segurança básicas para uma obra.
10. O Autor sabia que a forma adequada para efetuar o trabalho, na ausência de escadote, seria montar uma prancha de andaime, que se encontravam disponíveis no local.
11. Como consequência da queda sofrida em 20 de setembro de 2018, o Autor sofreu fratura do calcâneo direito.
12. O Autor foi encaminhado para os serviços clínicos da Ré seguradora, mais concretamente, “Centro Médico ..., Lda.”, sito na Rua ..., ..., ..., ..., onde foi observado e se colocação de dois parafusos), decorridos cerca de trinta dias após o acidente manteve em tratamentos, e posteriormente, transferido para o Hospital ..., sito na Rua ..., ..., onde foi sujeito a tratamento cirúrgico (osteossíntese com.
13. O Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta (ITA) desde ../../2018 até ../../2018.
14. Em 20 de Novembro de 2018, a Ré seguradora comunicou ao Autor a descaracterização do acidente como Acidente de Trabalho pois “o nexo causal do acidente esteve associado a negligência grosseira” por parte do trabalhador.
15. Em 13 de Abril de 2019, quando o Autor se encontrava em período de convalescença da fratura do calcâneo e se deslocava de canadianas, no domicílio, o Autor caiu nas escadas, que na altura se encontrava a descer.
16. Na sequência da comunicação referida em 14., necessitando as lesões sofridas de tratamentos e cuidados clínicos, o Autor foi obrigado a socorrer-se do médico de família que lhe atribuiu incapacidade temporária absoluta para o trabalho e encaminhou para a especialidade de ortopedia.
17. O Autor passou a ser seguido na Consulta Externa de Ortopedia do Centro Hospitalar ..., E.P.E, sito em ..., onde lhe foi retirado o gesso em 07.01.2019, passando posteriormente a realizar Fisioterapia.
18. Na sequência do evento referido em 15.. o Autor foi transportado para o Hospital ..., onde foi intervencionado por Neurocirurgia na mesma noite e submetido a craniotomia emergente.
19. O Autor, após a cirurgia, permaneceu internado na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Hospital ... durante 14 dias.
20. O Autor permaneceu internado no Hospital ... por um período não concretamente apurado.
21. O Autor teve alta orientado para o Centro de Reabilitação ... em ... - ..., onde esteve internado por um período não concretamente apurado.
22. Posteriormente, o Autor foi internado em ... em Cuidados Continuados, por um período não concretamente apurado, de onde foi transferido para os Cuidados Continuados de ....
23. O Autor esteve internado na unidade de Cuidados Continuados do Hospital ... – ... desde o dia ../../2019 até ao dia ../../2019.
24. Desde ../../2019 até ../../2021, o Autor frequentou o Centro de Dia da ... – Associação de Desenvolvimento Local do ..., tendo suportado a quantia de € 1 499,44.
25. A partir de Abril de 2021, o Autor deixou de frequentar Centro de Dia por falta de recursos financeiros, passando a ser acompanhado no domicílio pela esposa, filha e sogra.
26. A esposa, filha e sogra do Autor reorganizaram por completo a sua vida pessoal e profissional de forma a que o Autor tivesse acompanhamento permanente em casa, estando acompanhado até às 14h pela filha, das 14h às 16h pela sogra e a partir das 16h pela esposa.
27. A esposa do Autor alterou o seu horário de trabalho de forma a entrar mais cedo, às 06h, e sair mais cedo; e, a filha do Autor deixou o trabalho de auxiliar de saúde para poder trabalhar por turnos, enquanto operária fabril.
28. O Autor, desde ../../2021, efetua tratamentos de fisioterapia diariamente na Clinica ....
29. O Autor frequenta, ainda, na mesma Clínica, uma vez por semana, sessões de Terapia da Fala.
30. O Autor continuará a necessitar de tratamentos de fisioterapia regularmente.
31. O Autor continuará a necessitar de Terapia da fala regularmente.
32. Da queda referida em 15. resultou para o Autor traumatismo crânio-encefálico.
33. As lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 29/11/2019.
34. O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 89,25 [(50% + 5% + 4,5%) x fator de bonificação em razão da idade de 1,5], com IPA (incapacidade para todo o trabalho).
35. O Autor depende de terceiros para a realização de todas as atividades da vida diária, tais como, alimentação, cuidados de higiene, deslocações, diariamente e de forma permanente e total, durante um período de 24 horas diárias.
36. A habitação do Autor necessita de intervenções que eliminem as barreiras arquitetónicas, tais como, escadas exteriores.
37. O Autor carece de ajudas técnicas para melhorar a sua mobilidade e posicionamento, tais como, colocação de barras de apoio para a sanita, cadeira de duche, poltrona com funções de posicionamento.
38. O Autor despendeu, com despesas de deslocação para comparência obrigatória ao GML e ao Tribunal, a quantia de € 20.
39. A “EMP01..., Lda.” havia transferido para a Ré “Companhia de Seguros EMP02..., S.A.” a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, entre os quais o Autor, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz titulado pela apólice n.º ...21, pela retribuição anual global bruta de € 9.213,84 (€ 580 x 14 + € 99,44 x 11 – salário base e subsídio de alimentação).
40. O Autor é beneficiário do Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Distrital de ..., inscrito sob o n.º ...72.
41. O Centro Distrital de ... do ISS, IP pagou ao Autor o montante de € 2.964,34 a título de subsídio de doença no período de 01/12/2018 a 04/09/2019 e o montante de € 696, a título de prestações compensatórias de subsídio de Natal e subsídio de férias referente ao ano de 2019.
42. Os pagamentos referentes em 41. ocorreram em consequência dos eventos descritos em 8. e 15..
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Factos Não Provados

Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
A. Para executar o trabalho, o Autor decidiu subir a um muro, existente à frente da referida parede.
B. O muro estava a 1,50 metros da parede a rematar e a uma altura aproximada de 1,70m.
C. O Autor estava inclinado para a frente, apoiado com uma mão no muro a rematar e a outra livre para executar a tarefa.
D. Quando se encontrava a preparar-se para usar a talocha, de modo a alisar a parede, a mesma cai-lhe da mão e o Autor, na tentativa de impedir que a mesma caísse, desequilibrou-se, o que fez com que escorregasse do muro, motivando a sua queda para o solo.
E. O Autor não colocou a prancha de andaime de forma deliberada, sabendo que corria o risco de cair.
F. A queda referida em 15. ocorreu porque uma das canadianas resvalou.
G. O Autor padece de défice cognitivo e comportamental severo, tetraparesia, disfagia, incontinência e disfunção sexual, cefaleias e dor nos pés.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

- Questões colocadas:
- Impugnação da questão de facto:
- Relativa ao item 15 da factualidade provada, devendo ser considerado apenas; “em 13 de abril de 2019 no domicilio, o Autor encontrava-se caído junto às escadas”.
- Quanto ao item 33, deve ser dado como provado que “As lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 20.03.2019”.
- O item 34 da factualidade deve ser alterado ficando a constar:
“O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 15%”.
- Enquadramento o âmbito do artigo 11º, 5 da LAT do sinistro ocorrido a 13/4/42019.
- Valor das indemnizações de acordo com a incapacidade de 15%.
- Atribuição de IPA e IPP de 89,25% atribuídas/impossibilidade de existência de IPA por não atingir 100% de incapacidade.
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- Relativa ao item 15 da factualidade provada, devendo ser considerado apenas; “em 13 de abril de 2019 no domicilio, o Autor encontrava-se caído junto às escadas”.
- Quanto ao item 33, deve ser dado como provado que “As lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 20.03.2019”.
- O item 34 da factualidade deve ser alterado ficando a constar:
“O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 15%”.
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Quanto ao ponto 15.

Consta o facto:
15. Em 13 de Abril de 2019, quando o Autor se encontrava em período de convalescença da fratura do calcâneo e se deslocava de canadianas, no domicílio, o Autor caiu nas escadas, que na altura se encontrava a descer.
Quanto a este facto consta da sentença:
“ Já relativamente ao acidente ocorrido em 13.04.2019 (ponto 15. e alínea F.), a prova produzida foi menos direta, pois que, nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu ao acidente. Não obstante, atentou-se no depoimento da testemunha CC, filha do Autor, que apresentou um depoimento particularmente emocionado, numa exteriorização dificilmente simulável, e por isso credível e sincero, e referiu que no dia 13 de Abril, o pai caiu, em casa, nas escadas interiores, de acesso à parte de baixo da casa, mencionando que, efetivamente não viu o acidente, mas que o mesmo terá ocorrido assim porquanto poucos minutos antes de chegar a casa tinha estado a falar ao telefone com o pai e que este lhe disse que iria abrir a porta da garagem, tendo sido nessa circunstância que terá se deslocado para o acesso à parte de baixo da casa, sendo que, quando chegou a casa, com o mãe, o pai já se encontrava caído no chão das escadas.
Importa, atentar, ainda, no relatório junto a fls. 123, do Hospital ... datado de 12.01.2020, de onde resulta que o doente foi vítima de uma queda em altura (escadas), mencionando ainda as lesões advenientes dessa queda – traumatismo crânio encefálico -, não sendo absolutamente relevante a (in)existência de outras lesões associadas a uma queda. Com efeito, desconhece-se se o Autor caiu no início das escadas ou já no seu fim. O único relato que temos é, pois, o da referida testemunha, filha do Autor, que falou com o pai minutos antes de chegar a casa e que este lhe terá dito que ia abrir a porta da garagem, tendo sido encontrado caído nas escadas, inconsciente, pelo que, ficou o tribunal convencido que, efetivamente, o Autor caiu das escadas, que se encontrava a descer, que se deslocava de canadianas – que também foi confirmado pela testemunha – e que, nessa altura estava em período de convalescença, pois que, conforme resulta do relatório de consulta do Centro Hospitalar ... datado de 15.01.2020 e junto a fls. 126, tinha sido solicitado consulta de medicina Física e Reabilitação e o Autor tinha uma consulta de Ortopedia agendada para o dia 06.05.2019, a que não terá comparecido por força do acidente que sofreu em Abril, resultando, ainda, do auto de junta médica realizado nos presentes autos que o tempo estimado para a recuperação total do Autor e a necessidade de deambular com recursos a muletas é de 9 meses.”
A seguradora refere a inexistência de prova no sentido de que o sinistrado fazia uso das canadianas e que a queda se ficou a dever ao uso destas. Ninguém presenciou o sinistro. Refere que a filha não aludiu a que o pai disse que ia abrir a garagem.
No seu depoimento a CC, filha do sinistrado, referiu-se o acidente de 20 setembro de 2018 e depois a 13 de abril. O pai tirou gesso em janeiro. Tinha canadianas. 
No dia do segundo sinistro, a depoente e a mãe foram às compras… ele ficou em casa. Estavam a pagar na caixa e ele ligou, queria qualquer coisa, disse-lhe que não ia para trás e vieram para casa. A depoente foi fechar o portão de fora e a Mãe foi abrir portão da garagem. abriu e viu pai caído nas escadas, “uma canadiana para o lado”. Ligaram para o 112. Mais adiante, 27:50m da gravação, refere que ele tinha autorização para andar pela fisiatria. Mais referiu, perguntada se teve perceção como terá ocorrido a queda, a tentar subir ou descer, se “quando ele telefonou, a perguntar onde estava, …não terá dito onde se encontrava…?”, respondeu que ele disse que “ia abrir a porta da garagem”. Depoente referiu, “e podes?”, “posso, agora já estou a fazer exercício para isso, tenho é que ir de canadianas…”. As escadas são interiores e de acesso à da parte de baixo.
Trata-se de prova indireta, contudo conforme às regras da experiência comum, da normalidade da vida. Tendo o sinistrado ficado em casa, na parte de cima, e sendo encontrado caído nas escadas de acesso à parte de baixo, e considerando ainda o estado em que se encontrava, o nível das lesões sofridas na queda, é de concluir que caiu quando as descia, usando canadianas. Tendo em consideração que sabia que a esposa e filha estavam a regressar, que razões poderia ter para se deslocar ao piso inferior, senão esperar aquelas?
Conquanto a depoente não tenha referido num primeiro momento em que falou sobre a ocorrência, que o pai referiu que ia abrir a garagem, do modo como depôs não resulta que tenha tal facto não seja verdadeiro. O depoimento apresenta-se ao que pode percecionar-se da gravação, credível e coerente. Tendo em conta o impacto emocional do depoimento na depoente, pode entender-se que num primeiro momento não tenha referenciado o facto, apenas o fazendo a pergunta mais especifica. De todo o modo, e como já referido, o que poderia ter levado o sinistrado a descer as escadas? Naturalmente, no mínimo, ir esperar pela esposa e filha que vinham das compras, abrindo ou não a garagem.
É de manter o decidido.
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Quanto aos pontos 33 e 34:
33. As lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 29/11/2019.
34. O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 89,25 [(50% + 5% + 4,5%) x fator de bonificação em razão da idade de 1,5], com IPA (incapacidade para todo o trabalho).
Pretende-se quanto ao 34, que seja dado como provado que “as lesões sofridas pelo Autor atingiram a sua consolidação médico-legal em 20.03.2019”.
Sustenta-se como que consta no relatório médico de ortopedia, onde se refere, resposta unanime, que tais lesões chegariam à sua consolidação clínica 9 meses após a data do sinistro, o que implicaria 20.3.2019 – (Seria mais corretamente 20/6/2019, como aliás refere a junta invocada).
Ora, a 13-4-2019 ainda o autor se encontrava incapacitado, usando canadianas, e tendo ainda acompanhamento, veja-se relatório de consulta do Centro Hospitalar ... datado de 15.01.2020, em medicina Física e Reabilitação e Ortopedia, tendo agendada consulta de ortopedia para o dia 06.05.2019. Aliás, a resposta dos peritos é uma resposta teórica, de normalidade, sem apoio na circunstância concreta.
Quanto ao item propriamente dito refere que desse ver dado como não provado. Refere a natureza não laboral do sinistro de abril de 2019. Independentemente da questão de direito, que aqui não importa apreciar, o facto assentou conforme sentença no apenso, das juntas efetuadas.
Refere ainda que ocorre uma “incoerência semântica “ e erro grave, por não ser possível e cumulação de mais que um tipo de incapacidade.
O autor ou está com incapacidade de 89,25%, eventualmente com incapacidade para trabalho habitual, ou está totalmente incapacitado para o trabalho.
Importa apreciar o facto. A lei 98/2009, de 4 de setembro (LAT), prevê expressamente no seu art. 48º, a forma de cálculo das pensões a atribuir nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, fazendo a distinção entre a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e incapacidade permanente parcial.
A IPA corresponde a 100% de incapacidade, seja, a unidade, sem capacidade restante.

Consta desta:
  Artigo 21.º
Avaliação e graduação da incapacidade
1 - O grau de incapacidade resultante do acidente define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.
2 - O grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.
(…)
E o artigo 20 refere:
Determinação da incapacidade
A determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, elaborada e atualizada por uma comissão nacional, cuja composição, competência e modo de funcionamento são fixados em diploma próprio.
Como se refere no Ac. RG de 13-7-2022, processo nº 3654/18.8T8PNF.G1:
“Ora, a função da TNI não é criar uma ficção jurídica relativamente à situação real do sinistrado, em termos de capacidade de trabalho. O seu objetivo é fornecer aos peritos um instrumento de forma a surpreender essa realidade, culminando da fixação da incapacidade, por referência à “unidade”, conforme nº 2 do artigo 21º - ponto 1 das instruções gerais -. A unidade expressa em percentagem são 100%, e como claramente refere o nº 2 deste artigo 21º, a “unidade” representa “disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho”.
No mesmo sentido o ponto 3 das instruções gerais da TNI:
3- A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
Foi o que se pressupôs no Ac. RE de 30-3-2017, processo nº 298/14.7TTFAR.E1, ao referir “Nesta conformidade, e considerando que o Autor se encontrava afetado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afetado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base”.
As normas da tabela relativas à majoração em 1.5%, fazem parte desta e visam ajudar os peritos e o tribunal no sentido de surpreender a real afetação do sinistrado.
Assim refere o corpo da instrução 5 da TNI:
5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
b) A incapacidade será igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo fator 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspeto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afete, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
(…)
Seja, é da aplicação das regras da TNI, no seu todo, incluindo as normas das respetivas instruções, que se fixa o grau, até à unidade, que corresponde à disfunção total. Não pode ser de outro modo, é uma questão matemática.”
Importa, no entanto, e como também se refere no Ac. citado, “não esquecer o que refere a instrução nº 7, “sempre que circunstâncias excecionais o justifiquem, pode ainda o perito afastar-se dos valores dos coeficientes previstos, inclusive nos valores iguais a 0.00 expondo claramente e fundamentando as razões que a tal o conduzem e indicando o sentido e a medida do desvio em relação ao coeficiente em princípio aplicável à situação concreta em avaliação”. Os peritos devem concluir por um determinado grau, sem criar ficções, grau esse que representa a situação do sinistrado.”
Refere-se na sentença:
“Quanto aos factos provados sob os Pontos 32. a 37. teve-se em atenção os exames por junta médica efetuados nos autos, designadamente o da especialidade de neurocirurgia (quanto aos pontos 30., 31., 33. e 35.) no qual os Senhores Peritos responderam aos quesitos formulados por unanimidade e bem assim o parecer de avaliação dos impactos dos acidentes na funcionalidade e das necessidades de reabilitação do CRP... que permitiu, ainda, a prova da factualidade constante dos pontos 30. e 31.”
Na decisão proferida no apensa consta:
“Realizadas as juntas médicas consideraram os Ex.mos peritos, por unanimidade, que por força do acidente sofrido, o sinistrado:
a) Na especialidade de neurocirurgia:
» é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,50 (0,75 após aplicação do fator de bonificação de 1,5 por força da idade), com IPA (incapacidade permanente para todo o trabalho);
b) na especialidade de ortopedia:
» é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,10 (0,15 após aplicação do fator de bonificação de 1,5 por força da idade);
b) na especialidade de psiquiatria:
» é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,10 (0,10 após aplicação do fator de bonificação de 1,5 por força da idade).
Mais consideraram os Senhores peritos que:
» o sinistrado esteve em situação de incapacidade temporária absoluta entre ../../2019 e ../../2019…
Tendo em conta o parecer unânime dos peritos intervenientes nas juntas médicas, as respostas aos quesitos e a respetiva fundamentação e atendendo aos demais elementos constantes dos autos, nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão a que chegaram todos os Ex.mos Peritos intervenientes nos autos.”
Resulta da fundamentação que o julgador pretendeu atribuir a incapacidade que resulta do parecer dos peritos, designadamente da referência no sentido da incapacidade absoluta por parte da junta de neurocirurgia.
Verifica-se que cada junta fixou a incapacidade relativa à sua área, competindo uma apreciação conjunta das várias incapacidades, já que os efeitos dessa conjugação podem divergir – com efeito agravativo – relativamente à mera soma aritmética das incapacidades parcelares. A instrução nº 7 dá sustento a esta possibilidade. No caso não foi considerada necessária a realização de uma junta final em face do teor das respostas dadas pelos peritos.
Na junta de neurocirurgia refere-se em resposta à pergunta sobre se o sinistrado se encontra com incapacidade para todo e qualquer trabalho; “sim, ver quadro anexo”. No quadro anexo fixa-se 50%. A resposta parece dúbia, mas considerando as respostas às perguntas seguintes, depreende-se que consideram o sinistrado incapaz para qualquer profissão.
Assim às questões, f) “o Autor encontra-se dependente de terceiros para a de todas as atividades da vida tais como, cuidados de higiene,” e g) “Em caso afirmativo, durante quantas horas”, respondem, sim e 24 horas por dia.
A junta de psiquiatria responde igualmente de forma afirmativa à questão da incapacidade para o todo trabalho, adiantando que relativamente à especialidade de psiquiatria é de 10% x 1,5.
Estas respostas estão em conformidade com o relatório médico singular, onde se refere a impossibilidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
O CRP... no seu parecer onde se refere a necessidade de ajuda de terceira pessoa para todos os atos da vida diária, “apenas assume tarefas simples, com esforço acrescido e demorando mais tempo”. Refere-se;
“desloca-se em cadeira de rodas; consegue realizar marcha apoiado em terceiros, por pequenos percursos e em superfícies planas. Apresenta limitação da mobilidade, que compromete as atividades que requeiram funções neuro-músculo-esqueléticas de maior exigência física, tais como andar longas distâncias, em superfícies diferentes… irregulares, inclinadas e com obstáculos, transportar objetos, transpor degraus, correr e mudar posições do corpo…”
Resulta da resposta que se pretendeu considerar o sinistrado incapaz para qualquer profissão, o que os cálculos efetuados na sentença confirmam, e o que está em conformidade com o que consta dos elementos probatórios que resultam dos autos.
É assim de manter a referência a incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho, reformulando-se a resposta nos seguintes termos:
“ O Autor, em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, que resultaram dos sinistros referenciados, encontrando-se afetado de incapacidade permanente absoluta para todo o trabalho.”
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- O item 34 da factualidade deve ser alterado ficando a constar:
“O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, padece atualmente de uma incapacidade permanente parcial fixável em 15%”.
Sustenta-se no teor da junta de ortopedia, e das sequelas resultantes do sinistro ocorrido no local de trabalho.
Considerando as várias soluções plausíveis para a questão de direito, mantendo-se embora o facto 15, adiciona-se:
“ O Autor em consequência direta e necessária das lesões, queixas e sequelas, que sofreu em virtude da queda referenciada no facto 8, ficou afetado de uma incapacidade permanente parcial fixável em 15% (10%*1,5)”.
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Resolvida a questão da incapacidade, resta apreciar a questão relativa ao enquadramento no o âmbito do artigo 11º, 5 da LAT do sinistro ocorrido a 13/4/42019.

Refere esta norma:
Artigo 11.º

5 - Confere também direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento.
Pretende-se acautelar qualquer lesão ou doença que seja consequência do tratamento. Trata-se de situações com relação causal indireta com o sinistro laboral. No dizer do Ac. STJ de 14-7-2021, processo nº 138/17.5T8CVL.C1.S1, trata de situações em que, não fora o acidente não teria sido necessário o tratamento que veio a provocar a lesão. No caso abordado no acórdão, o sinistrado contraiu sépsis devidos às sucessivas deslocações ao hospital para tratamentos.
Os termos da lei, algo semelhantes ao que constava da Base VIII da L. 2127, não exigem como fazia o § 3 do artigo 4º da L. 1942, que resulte “direta e exclusivamente desse tratamento”. É necessária que intercorra uma relação entre a nova lesão e o tratamento, não bastando uma relação de “ocasionalidade”, mas não sendo necessário que a lesão decorra diretamente do tratamento.
É exemplo o caso relatado e abordado no Ac. STJ referido, em que a lesão – doença, não decorrem diretamente do tratamento, mas antes em relação com ele, decorrente de contágio no hospital onde o sinistrado tinha que se deslocar para tratamento.
Resulta claro, e aplicando ao caso dos autos, que uma queda de um sinistrado, que ficou com sequelas que demandem a utilização de canadianas, após a cura clinica e fora de uma situação de “tratamento”, nunca poderá enquadrar-se no dispositivo. Seria alargar em demasia e de forma não controlável a responsabilização laboral. É desde logo pressuposto que a lesão decorra, tenha relação, como tratamento devido às lesões ou sequelas decorrentes do sinistro laboral.
Já constituirá situação enquadrável na norma, a queda devido à necessidade de utilização de canadianas e no decurso da utilização destas, numa situação em que, não tendo ainda atingido a cura clínica, o sinistrado está a ser acompanhado, designadamente em fisiatria, sendo aconselhável para a recuperação fazer movimentos, locomover-se com auxilio das canadianas. A movimentação e utilização das canadianas, enquadram-se em tal situação, no processo recuperativo, mais ou menos longo. Resulta da factualidade que à data da segunda queda, o autor se encontrava ainda em convalescença e a fazer fisioterapia. Neste quadro de circunstâcias é de considerar enquadrar-se o sinistro no nº 5 do artigo 11º da LAT. O sinistro ocorre ainda na zona de risco laboral, tal como definida pelo legislador. O nexo não tem aqui a ver com os riscos próprios do trabalho, da laboração, devendo, contudo, o trabalho apresentar uma relação indireta com a ocorrência danosa, nos termos em que a lei a define – no caso durante o tratamento e por causa dele -.
Verifica-se um afastamento das regras gerais da responsabilidade civil, trazendo-se para o círculo de responsabilidade laboral, áreas de risco que nos termos da responsabilidade civil estariam fora dele, algumas das quais, como no caso, se incluiriam no risco geral da vida; riscos estes, acolhidos no risco laboral, com a dimensão e âmbito que a norma ela própria recorta.
Tais alargamentos não visam já e apenas ressarcir os danos causados à “força/capacidade de trabalho” decorrente da “utilização” dessa força pelo empregador a quem foi disponibilizada, mas sim a própria proteção dessa força de trabalho; colocando a responsabilidade de ressarcimento a cargo da empregadora pelo simples facto da sua “disponibilização” a este, e desde que a “relação laboral”, o “trabalho”, esteja implicado no ato lesante, nos moldes definidos pela norma.
No caso, o sinistro ocorre no período de convalescença, ainda em recuperação, designadamente com fisioterapia, quando o sinistrado se deslocava em sua casa, pretendendo descer as escadas que ligam a parte superior à inferior. A recuperação da marcha, no caso com ajuda de canadianas, enquadra-se para este efeito no conceito de tratamento.
Seria diferente se tivesse ocorrido a cura clínica e consolidada a situação, fora de um quadro de recuperação, por exemplo com fisioterapia, em que as canadianas assumiriam o estrito papel de auxiliar de marcha.
Consequentemente, por estas e demais razões constantes da decisão, é de confirmar a mesma.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
***
Custas pela recorrente.
19.9.2024

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Francisco Pereira