PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
CONFIANÇA PARA FUTURA ADOÇÃO
Sumário

I - Não se justifica prolongar a medida de acolhimento residencial, quando uma das crianças nunca conviveu com os progenitores em ambiente familiar e em relação às três crianças, de acordo com um juízo de prognose, não se pode esperar que os progenitores venham a adotar um comportamento diferente e pretendam assumir as suas responsabilidades e aprender a investir na relação de filiação.
II - O processo de promoção e proteção visa a promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens e o acompanhamento da família de origem justifica-se enquanto medida necessária para afastar a situação de perigo ou risco em que se encontram as crianças, pautando-se por isso, pela defesa e interesse das crianças e jovens. Quando se constata que a família biológica não reúne as condições para cumprir tais funções, o processo visa definir um projeto de vida para as crianças e jovens, com vista à sua integração social e normal desenvolvimento, de preferência junto de uma família, constituindo a adoção um dos caminhos para alcançar essa família (art.º 4º/h) da LPCJP).

Texto Integral

Promoção-Proteção-Conf-Adoção-354/19.5T8ETR.P1


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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )

I. Relatório

O Ministério Público instaurou processo judicial de promoção e proteção relativamente a AA, BB e CC, nascidos, respetivamente, a ../../2016, ../../2017 e ../../2023, todos filhos de DD e de EE, os dois primeiros acolhidos no CENTRO DE ACOLHIMENTO ... DE ... e o último aos cuidados do CENTRO DE ACOLHIMENTO 1....


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Quanto às crianças AA e BB, realizou-se a fase da instrução, sendo que, em Conferência de 19 de junho de 2019 (ref. 107483433) foi aplicada, por acordo, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP.

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Em 27 de abril de 2020, foi apresentado relatório de acompanhamento da medida de promoção e proteção (ref. 10066704), pugnando a Sr.ª Técnica Gestora, face à incompetência da família de origem e à ausência de alternativas na família alargada e na comunidade, pela aplicação da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial.

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Não tendo sido possível a obtenção de solução negociada em conferência de 27 de agosto de 2020 (ref. 112426065), realizou-se debate judicial (ref. 113525136, 113920938), tendo sido, em 4 de dezembro de 2020, obtido acordo de promoção e proteção para aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais pelo período de 1 (um) ano, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP.

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Tal medida foi revista, por despacho de 29 de setembro de 2021 (ref. 117984783), tendo-se decidido mantê-la até ao seu final e determinado a realização de “perícia médico-legal para avaliar as competências parentais dos progenitores e para avaliação psicológica”.

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Por despacho de 28 de abril de 2022 (ref. 121469411), foi determinada a prorrogação da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais pelo período de 6 (seis) meses.

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Em 23 de maio de 2022, foram juntos aos autos os relatórios de avaliação psicológica dos progenitores (ref. 13039215, 13039204).

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Em 17 de agosto de 2022, realizou-se Conferência de Progenitores, tendo sido obtido novo acordo de promoção e proteção no sentido da aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP.

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Em 16 de fevereiro de 2023, foi aplicada, por despacho com a ref. 126005835, quanto às duas crianças, a medida provisória, cautelar e urgente, de acolhimento residencial, pelo período de 3 (três) meses, ao abrigo do disposto nos art.º 37.º, n.º 1, 35.º, n.º 1, alínea f) e 91.º, todos da LPCJP. Mais foi determinada a realização de perícia sexual forense a ambas as crianças, tendo os respetivos relatórios sido juntos aos autos a 24 de fevereiro de 2023 (ref. 126111362).

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Foi realizada perícia médico-legal às crianças de âmbito psicológico, tendo os respetivos relatórios sido juntos aos autos em 13 de julho de 2023.

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Realizou-se Conferência em 9 de outubro de 2023 (ref. 129384734), tendo sido aplicada, por acordo, a medida de acolhimento residencial pelo período de 1 (um) ano.

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Em 10 de abril de 2024, é junto relatório de acompanhamento da medida de promoção e proteção (ref. 159968886), em que os Sr.s Técnicos Gestores pugnam pela alteração da medida de promoção e proteção para confiança com vista a futura adoção.

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Após, realizaram-se duas Conferências, em 29 de abril e 20 de maio de 2024 (ref. 132814376 e 133154031), com a presença dos progenitores e dos Srs. Técnicos Gestores, tendo sido explorada a possibilidade de aplicação de medida diferente da sugerida, designadamente apoio junto de outro familiar ou de pessoa idónea, o que se gorou, por inexistência de alternativas na família alargada e na comunidade.

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Não tendo os progenitores aceitado a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista à adoção, foram notificados, tal como a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 114.º da LPCJP.

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Nesta sequência, foram apresentadas alegações com as ref. 16223400, 16230616 e 16231384, 16231406 (apenso A).

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Realizou-se debate judicial, com observância do legal formalismo.

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Quanto à criança CC, nascido a ../../2023, os autos tiveram origem em requerimento da Digna Magistrada do Ministério Público de 31 de março de 2023, tendo sido, em tal data, aplicada medida provisória cautelar e urgente de acolhimento residencial (ref. 126786354).

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal Coletivo, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, alínea g), 4.º, 35.º, n.º 1, alínea g), 38.º-A, da LPCJP e 1978.º, n.ºs 1, alíneas c) e e) e 3, do Código Civil e de acordo com a posição assumida pelo Ministério Público aplicar, em benefício das crianças AA, BB e CC, nascidos, respetivamente, a ../../2016, ../../2017 e ../../2023, todos filhos de DD e de EE, a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção, indicando-se para o efeito os CENTRO DE ACOLHIMENTO ... DE ... e CENTRO DE ACOLHIMENTO 1..., onde as crianças se encontram – artigos 3.º, 34.º, 35.º, n.º 1, alínea g) e 38.º-A da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (LPCJP) e 1978.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2 e 3 do Código Civil –, não havendo lugar a visitas por parte da família natural (artigo 62.º-A, n.º 6, da LPCJP), nomeando-se curadores provisórios das crianças os Diretores de tais CAR, que exercerão estas funções até ser promovida a adoção das crianças.

Declaram-se os pais DD e EE, inibidos do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978.º-A do Código Civil).

Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, alíneas a) e i), do Regulamento das Custas Processuais).


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Até ser instaurado processo de adoção, solicite à Segurança Social que, de seis em seis meses, preste informação sobre os procedimentos em curso com vista à adoção (artigo 62.º-A, n.º 3 da LPCJP).

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Após trânsito, comunique à competente Conservatória do Registo Civil, devendo salvaguardar-se sempre o segredo da identidade dos pais biológicos e dos adotantes.

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Registe e notifique (com expressa informação de que a presente decisão é suscetível de recurso e de qual a forma e o prazo de interposição do recurso, tudo nos termos do disposto nos artigos 122.º-A, 123.º e 124.º, da LPCJP e, bem assim, da obrigatoriedade de constituição advogado, para a fase de recurso – cf. artigo 58.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 126.º da LPCJP), incluindo à Segurança Social e às CAR onde as crianças se encontram integradas e, bem assim, à “Comissão Nacional para a Adoção”.

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Ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 156/78, de 30/06 e ainda do Despacho Normativo n.º 5/2014, de 11/03/2014, Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28/12, pague-se a cada um dos Exmos. Senhores Juízes Sociais a quantia correspondente aos dias em que se deslocaram a Juízo no âmbito do debate judicial em que participaram, a suportar pelo IGFEJ. D.N.

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Os progenitores vieram interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentaram os progenitores formularam as seguintes conclusões:

1. Analisando os Pontos que o Tribunal a quo considerou provados, não podem os ora Recorrentes deixar de considerar como incorretamente julgados os Pontos 42, 44, 45, 50 e 51 do acórdão aqui em apreço. Salvo o devido respeito, fazendo uma análise factual de tudo o que resultou

do debate judicial, jamais tais factos poderiam ser considerados como provados.

2. O Tribunal a quo considerou provado que: “Os progenitores e a avó paterna continuam a residir na mesma morada e, em termos financeiros, a situação continua a revelar fragilidades, sobrevivendo de prestações sociais e biscates realizados pelo progenitor, encontrando-se a mãe desempregada.” E ainda que, “Os progenitores continuam a oferecer resistência à mudança de comportamentos que proporcionem saúde, segurança e bem-estar aos filhos, não apresentando, por opção própria de vida, condições ao nível pessoal, familiar, económico e habitacional para terem as crianças ao seu cuidado, nem reúnem competências parentais”.

3. Na formação da sua convicção, o Tribunal teve em consideração os depoimentos prestados pelas testemunhas e pelos progenitores em sede de debate judicial. Porém, da prova produzida nos autos, jamais se poderiam considerar como provados os factos acima descritos. Na realidade, não se logrou provar que os progenitores continuam a oferecer resistência à mudança de comportamentos que proporcionem saúde, segurança e bem-estar aos filhos, nem tampouco, que mantenham as condições a nível, pessoal, familiar, económico e habitacional, muito pelo contrário.

4. Quanto a esta matéria, foi inquirida a testemunha Dra. FF, Técnica Gestora do processo, que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024 sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática disponível em uso no Tribunal a quo, tendo sido a terceira pessoa a prestar o seu depoimento e que confirmou a melhoria das condições na habitação.

5. Do depoimento da testemunha resultou que as condições habitacionais alteraram, melhoraram, reunindo todas as condições para receber os menores, verificando-se assim que os progenitores não continuaram a oferecer resistência à mudança. Referiu, ainda, que a sua preocupação no processo não tem a ver com as condições habitacionais do agregado, mas sim com o alegado abuso sexual. Para a aludida testemunha, que realçamos ser a Técnica Gestora do processo, as condições habitacionais não são preocupantes, o que nos indica que estão reunidas as condições habitacionais para receber os menores, no entanto é de salientar que este é um dos motivos que originou o processo em apreço.

6. Assim sendo, se a Técnica Gestora do processo indica que as referidas condições não a preocupam e confirma a melhoria não se vislumbrará uma mudança no comportamento dos progenitores? Não estarão os progenitores a alterar o comportamento para que consigam proporcionar saúde, segurança e bem-estar aos seus filhos? Não estará o tribunal a quo “preso” a um alegado abuso sexual que nem sequer se encontra provado? Posto isto, é caso para ponderar se a decisão do Tribunal a quo ao aplicar a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção não será desadequada e desproporcional. Ora, e salvo o devido respeito, a resposta terá de ser positiva!

7. Quanto à matéria supra descrita, foi inquirida, também, a testemunha GG que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024, sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo sido a oitava pessoa a prestar o seu depoimento, e que demonstrou que os progenitores se encontram a tentar alterar as condições económicas, indicando que a progenitora iria iniciar nova atividade profissional poucos dias após o debate judicial.

8. Relativamente às condições económicas também foi inquirido o Progenitor, Sr. EE que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024, sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo sido o primeiro a prestar o seu depoimento e que indicou estar reformado por invalidez e que faz uns biscates e confirmou que a esposa iria iniciar nova atividade profissional.

9. Não podem os progenitores, mais uma vez, concordar com a decisão do Tribunal a quo, nem tampouco, aceitar que se dê como provado que os progenitores não estão a promover pela alteração das condições económicas, nem pode ser esse um dos argumentos utilizados para a tomada da decisão do Tribunal. O progenitor encontra-se reformado por invalidez não conseguindo exercer qualquer atividade profissional face à sua condição, porém a progenitora iniciou atividade profissional em 08/07/2024 e está a trabalhar como cantoneira/jardineira na Junta de Freguesia ..., tendo assinado contrato de 1 ano, procurando assim alterar as condições económicas do seu agregado familiar.

10. Assim sendo, não podemos deixar de concluir que dos depoimentos prestados resulta que os progenitores estão a tentar alterar as condições económicas para que lhes seja possível promover por todos os cuidados de saúde, segurança e bem-estar aos filhos. Constatamos, também, que os progenitores não oferecem qualquer resistência à mudança de comportamentos e que, efetivamente, o comportamento tem alterado gradualmente, sendo exemplo disso o tratamento ao alcoolismo por parte do progenitor que, iniciou e mantém, uma vez que era sabido que era um dos motivos que deu origem ao processo em apreço; o início da atividade profissional por parte da progenitora; a melhoria das condições na habitação, que foi confirmada pela Técnica Gestora do processo.

11. Nesta conformidade, o Tribunal a quo deveria ter julgado como não provados os factos n.º 42 e 45 constantes no acórdão ora objeto de recurso.

12. O Tribunal a quo considerou ainda provado que: “Não são conhecidos familiares próximos ou outras pessoas que possam e queiram assegurar a prestação dos cuidados necessários às crianças AA, BB e CC.” Do exposto, o Tribunal a quo dá estes factos como provados sem sustento na prova produzida em audiência de julgamento.

13. Resultou da prova produzida que o avô paterno dos menores se encontra na disponibilidade de assegurar e ajudar com os cuidados necessários ao bem-estar dos menores, no entanto não carece de condições habitacionais para que os mesmos pernoitem na sua residência.

14. A testemunha GG que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024, sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo sido a oitava pessoa a prestar o seu depoimento, explicou que, quando os menores residiam na habitação dos progenitores, ajudava com a educação e cuidados básicos com os menores.

15. Do exposto, depreendemos que existem familiares próximos que não asseguram a pernoita dos menores na sua residência por uma questão de impossibilidade física da habitação, porém encontram-se disponíveis para auxiliar quer na educação, quer no bem-estar das crianças.

16. Assim, e se tal como explanado anteriormente, existem familiares dispostos a auxiliar os progenitores coloca-se, mais uma vez, a questão se não será a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção desadequada e desproporcional? Não existirão outras medidas que acautelem os interesses dos menores BB, AA e CC?

17. Além do mais, demonstrando os pais que é sua intenção a reunificação familiar e que se encontram a alterar as suas condições quer económicas, quer comportamentais não deveria o Tribunal a quo ter mantido a medida de acolhimento residencial? Ora, e salvo o devido respeito, a resposta terá de ser positiva!

18. O Tribunal a quo considerou ainda provada a matéria constante no Relatório de Avaliação Psicológica relativo à BB, bem como no Relatório de avaliação psicológica do AA, não podendo os progenitores concordar com o teor dos mesmos.

19. Não ficou provada a existência de abusos sexuais por parte dos progenitores ao menor AA. É do conhecimento dos progenitores que são denunciados no processo-crime com o

n.º 909/23.3T9AVR que corre os seus termos no DIAP de Aveiro, 3ª Secção, no entanto, até à presente data, nenhum dos pais foi constituído arguido, nem tampouco foram notificados para prestar declarações no âmbito do referido processo. Além do mais, foram efetuadas perícias físicas que não concluíram qualquer tipo de abuso.

20. Quanto a esta matéria, foi inquirida a testemunha Dra. FF, Técnica Gestora do processo, que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024 sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática disponível em uso no Tribunal a quo, tendo sido a terceira pessoa a prestar o seu depoimento, e que reforçou que não são as condições habitacionais que a preocupam mas sim o alegado abuso sexual, bem como que não existe qualquer prova física do alegado abuso.

21. Os progenitores são denunciados no processo-crime, mas não são arguidos no processo, nem tampouco foram condenados no âmbito do mesmo. Assim, é incompreensível e é de todo descabida a decisão tomada quando os progenitores de tudo têm feito para melhorar as suas condições e baseando-se num alegado abuso sexual, sem se ter em atenção que o processo se encontra em fase de inquérito e que na nossa jurisdição vigora o princípio do in dubio pro reo.

22. Quanto a esta matéria, foi inquirida, também, a progenitora DD, que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024 sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática disponível em uso no Tribunal a quo, tendo sido a segunda pessoa a prestar o seu depoimento, e que corrobora que não existiu qualquer abuso sexual por parte do Sr. EE ao filho AA, uma vez que a mesma se encontrava sempre na residência e nunca assistiu a qualquer tipo de abuso.

23. Dos depoimentos anteriores e prova produzida verificamos que não existe qualquer fundamento para o tribunal se basear num alegado abuso sexual para fundamentar a sua decisão.

24. Ademais, verificamos que a motivação que consta no acórdão refere: “(…) Com relevo, foram ainda ponderadas as declarações dos progenitores, DD e EE, os quais, em suma, reconheceram a falta de ligação com os filhos e as fragilidades que apresentam na gestão da vida doméstica e na educação das crianças, negando apenas os alegados atos abusivos, sem, contudo, apresentarem uma justificação para o comportamento do pai perante o AA”. Sucede, porém, que, peca quando não indica quais os comportamentos do pai perante o AA, pois, caso seja intenção do Tribunal referir-se aos alegados abusos sexuais, é imperativo ressalvar que não existe qualquer prova de que os mesmos tenham sucedido, nem tampouco o pai foi condenado por tal, além do mais não é da competência do Tribunal a quo condenar os progenitores, tal como implicitamente fez!

25. Aliás, a existir abuso sexual – o que não se consente – não existe qualquer perigo para os menores estabelecerem convívio com os progenitores, uma vez que se encontram institucionalizados. Assim, verificamos que, deveria manter-se a medida de acolhimento residencial, sendo a decisão tomada, a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção, para além de injusta, bastante precipitada.

26. Nesta senda, perguntamo-nos, reiteradamente, se a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção não será desadequada e desproporcional? E tendo sido os alegados abusos sexuais abordados, repetidamente, durante o debate judicial, perguntamo-nos se não deveria o Tribunal ter aguardado o desfecho de tal processo para tomar uma decisão de cariz definitivo e que quebra, na sua totalidade, com os laços familiares?

27. Tal como referido anteriormente, a motivação do acórdão refere que:“(…) Com relevo, foram ainda ponderadas as declarações dos progenitores, DD e EE, os quais, em suma, reconheceram a falta de ligação com os filhos e as fragilidades que apresentam na gestão da vida doméstica e na educação das crianças (…)”. Acontece que, não corresponde à realidade que os progenitores tenham reconhecido a falta de ligação com os filhos, nem que apresentam fragilidades na gestão da vida doméstica e na educação das crianças. Da prova produzida em debate judicial concluímos apenas que a ligação dos progenitores com os filhos se está a dissipar uma vez que foram vedados de conviver com os seus filhos BB e AA. No entanto, Continuam a efetuar visitas ao seu filho CC!

28. Se tivessem reconhecido a falta de ligação com os filhos não mantinham as visitas ao CC, nem tampouco teriam sido efetuados inúmeros requerimentos ao Tribunal a requerer

autorização para visitas aos menores BB e AA, bem como a pedir autorização para, na altura do Natal, lhes levarem presentes. A única pretensão dos progenitores é reunirem todas as condições para que os menores regressem ao seio familiar. Assim sendo, não é de todo admissível que o Tribunal sustente a sua decisão em falácias!

29. Quanto a esta matéria, foi inquirida, a progenitora DD, que prestou o seu depoimento no debate judicial de 04/07/2024 sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática disponível em uso no Tribunal a quo, tendo sido a segunda pessoa a prestar o seu depoimento, que indicou não concordar com a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção, uma vez que iria começar uma atividade profissional e que teria condições para prestar os cuidados aos seus filhos.

30. Abordada, ainda, quanto às visitas aos seus filhos indicou visitar o CC, no entanto não visitar os menores BB e AA porque não lhe permitem.

31. Ora, não resulta da prova produzida qualquer indicação de que os pais reconheçam a falta de ligação com os filhos! Resulta sim, que os mesmos foram vedados de visitar/conviver com os menores BB e AA com base num processo-crime que se encontra em fase de inquérito, demonstrando assim, mais uma vez, que o Tribunal a quo já “condenou” os pais por um alegado abuso sexual, reiterando que não tem sequer competência para tal.

32. Assim sendo, a prova produzida em debate judicial impunha e impõe, uma decisão diversa sobre a matéria de facto devendo, em consequência, dar-se como não provados os factos sob apreciação e censura. Por tudo o exposto, não é possível aceitar a decisão tomada de medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção, uma vez que se entende que já não se verificam as circunstâncias que originaram o processo ora em apreço.

33. Indica o n.º 1, do artigo 35 da LPCJP quais as medidas de promoção e proteção existentes, que se elencam: apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para a autonomia de vida, acolhimento familiar, acolhimento residencial e confiança a pessoa selecionada para adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

34. As medidas indicadas devem ser adotadas atendendo ao interesse superior da criança conforme previsto na al. a) do artigo 4 da LPCJP. Prevê, ainda, o referido artigo que a intervenção deverá atender ao princípio da proporcionalidade e atualidade, devendo a intervenção ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade. Assim, os meios utilizados deverão ser ponderados e deverá ser analisada a proporcionalidade dos mesmos, bem como a sua adequação.

35. O direito à família é um direito que se encontra constitucionalmente consagrado quer no artigo 36º, bem como no artigo 67º da Constituição da República Portuguesa, sendo que é considerado como elemento fundamental da sociedade e define que incumbe ao Estado a proteção da família. Com efeito, estabelece, ainda, que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Reconhece-se assim que é um direito de qualquer criança crescer no seu seio familiar. Ora, se por seu lado, os pais têm o direito de edução e manutenção dos filhos, terão, também, as crianças o direito de crescer junto dos seus progenitores, bem como o Estado terá a obrigação de promover para que existam condições para tal.

36. Assim, se os progenitores se encontram a promover por melhores condições quer económicas, quer habitacionais, deveria atender-se aos princípios da proporcionalidade e da atualidade, conforme impõe a legislação em vigor. Não deveria o Tribunal basear-se num alegado processo-crime para tomar uma decisão tão permanente e precoce.

37. Concluindo-se assim que, deveria a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção ser substituída por outra das medidas elencadas no artigo 35º do LPCJP que não prive os menores e os seus progenitores da reunificação familiar. Até porque, na realidade, a aplicação de tal medida não acautela o superior interesse das crianças!

38. Em conclusão, ao decidir como fez, o douto Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos, 4º e 35º da LPCJP, bem como os artigos 36º e 67º da Constituição da República Portuguesa. Pelo que, não deverá a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção ser aplicada, mantendo-se, até à existência de uma decisão no processo-crime, o acolhimento residencial com a permissão de visitas por parte dos progenitores nos termos da al. f) do artigo 35º da LPCJP.

Terminam por pedir, atendendo ao superior interesse das crianças, o provimento do recurso, e em consequência, julgado procedente, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, substituindo-se a medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção, pela medida de acolhimento residencial com a permissão de visitas, nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 35º da LPCJP.


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O Digno Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso, na qual formulou as seguintes conclusões:

A. O Ministério Público entende que o recurso não tem fundamento e deve ser julgado improcedente;

B. Devem manter-se os factos dados como provados em face da prova produzida;

C. Devem os menores beneficiar da medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção.

Termina por pedir que se julgue improcedente o recurso interposto pelos recorrentes.


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O patrono nomeado à criança CC veio responder ao recurso, concluindo que a decisão não merece censura, quer quanto ao julgamento de facto, como em relação à decisão de direito.

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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova;

- da adequação da medida de acolhimento residencial, com regime de visitas, para afastar a situação de perigo e risco em que se encontram as crianças.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1.ºAs crianças AA, BB e CC são filhos de EE e de DD.

2.º Os progenitores e avó paterna residem na Rua ..., em ....

3.º O AA foi sinalizado à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ..., no dia 24 de outubro de 2017, por denúncia telefónica anónima a informar que a criança estava integrada em agregado disfuncional que podia comprometer a sua segurança e estabilidade emocional. A sinalização referia: “mãe com défice de competências parentais; pai com défice cognitivo; criança entregue aos cuidados do pai ou avó paterna (a quem já foi retirado um filho por acusação de abuso sexual); casa desorganizada e com falta de higiene.”

4.º Em consequência daquela sinalização, a CPCJ instaurou o processo de promoção e proteção com o n.º ...32, relativamente ao AA.

5.º No âmbito do processo instaurado a favor do AA, a CPCJ efetuou a avaliação diagnóstica do caso tendo “confirmado a situação de perigo, caracterizada essencialmente por insuficiência de competências parentais; fragilidades na prestação de cuidados básicos à criança; más condições habitacionais (extrema desorganização e falta de higiene); os progenitores recolhem e acumulam lixo, e a criança já foi vista a mexer no mesmo; situação financeira precária; o pai tem temperamento explosivo e dificuldade em aceitar e interiorizar o aconselhamento parental, prestado pelos técnicos; mãe pouco autónoma e sem iniciativa, atuando, tendencialmente, apenas sob orientação.”

6.º Em ../../2017, aquando do seu nascimento, o Serviço Social do Hospital ..., onde a BB nasceu, sinalizou a recém-nascida, por ali terem conhecimento que o AA era acompanhado pela CPCJ e por a “criança ter nascido num agregado disfuncional”, em consequência do que a CPCJ instaurou o processo de promoção e proteção com o n.º ...88, relativamente à BB.

7.º Em 1 de Fevereiro de 2018, a CPCJ celebrou acordo de promoção e proteção comos progenitores das crianças, com aplicação da medida apoio junto dos pais, com duração de seis meses, com os compromissos de estes, além do mais:

1) Promoverem os cuidados de alimentação, higiene, saúde, conforto, educação e segurança das crianças;

2) Assegurarem o acompanhamento médico dos filhos;

3) Promoverem um ambiente familiar sereno e seguro;

4) Garantirem a manutenção da habitação limpa e asseada;

5) Garantirem as condições habitacionais de segurança necessárias ao bem-estar das crianças;

6) Aceitarem a intervenção do CAFAP;

7) Acompanharem o percurso das crianças na Creche.

8.º Findo o prazo de duração da medida, a CPCJ verificou que as crianças se mantinham na mesma situação, permanecendo as fragilidades da família “supra” referidas.

9.º Assim, a CPCJ deliberou a manutenção da medida e, em 24-08-2018, foi celebrado novo acordo de promoção e proteção, pelo prazo de 6 meses, com a assunção dos mesmos compromissos.

10.º Em março de 2019, o CAFAP remeteu à CPCJ o Relatório da Intervenção Familiar realizada, cuja avaliação foi negativa.

11.º Do relatório apresentado pelo CAFAP resultava que: a. “Os meninos apresentam uma higiene pessoal deficitária, as roupas estão muitas vezes sujas e pouco cuidadas e são o reflexo da falta de asseio e cuidado que os próprios pais têm com eles próprios e com a habitação”; b. “Quanto à saúde das crianças (. . .) temos procurado sensibilizar os pais par a adoção de hábitos e práticas mais saudáveis e higiénicas, não só na preparação e confeção dos alimentos, prevenindo as gastroenterites constantes que os meninos têm, mas também no sentido de não fumarem (pai) dentro da habitação, nomeadamente no quarto, a fim de acautelarem as crises de bronquiolite (.), mas sem sucesso”; c. “A habitação encontra-se bastante degradada, o que coloca em causa o conforto, segurança e bem-estar de toda a família”; além disso, d. “A dimensão da casa é grande, permite a acumulação de bens, tendencialmente, desnecessários (o casal recolhe lixo dos contentores), e em resultado disto a casa fica em «estado caótico» e a higiene é deficitária”; e. “«Em termos de supervisão (. . .) as crianças andam à vontade» sem supervisão atenta, «prova disso são os acidentes domésticos que os meninos vão sofrendo (...). Esta situação torna-se mais preocupante devido às características físicas da habitação e ao facto de estarem ao alcance das crianças materiais e ferramentas perigosas (. . .)”.f. “A prática educativa dos progenitores «oscila entre um estilo permissivo com ausência de regras (. . .) e um estilo autoritário (. . .). Esta oscilação faz com que a criança teste frequentemente os limites das figuras parentais»”; g. “A relação com a família alargada é pautada por coesão e ruturas; “Financeiramente a situação é bastante precária, uma vez que a família depende exclusivamente de prestações e apoios sociais e têm dividas que não consegue regularizar.”; i. “A mãe da criança é, tendencialmente, passiva na sua vida pessoal e em todos os sectores da vida da família, incluindo a organização da vida familiar, a prestação de cuidados às crianças, etc. Esta situação «é um dos motivos de discussão entre o casal, uma vez que têm grande dificuldade em partilhar tarefas e responsabilidades»”.

12.º Paralelamente, observando longitudinalmente o percurso da família, «A equipa do CAFAP considera que as fragilidades identificadas na família persistem, e não prevemos a curto prazo uma mudança significativa na sua dinâmica. (...) O casal tem (...) uma postura pouco consciente e responsável quanto às suas fragilidades (...) o que tem condicionado e dificultado a implementação das mudanças necessárias (...) Quando confrontados (...) com as suas fragilidades, tendem a reagir de forma agressiva e intimidatória, ameaçando os serviços e os técnicos».

13.º Perante tal circunstancialismo, mantendo-se a problemática que determinou a instauração dos processos relativamente ao AA e à BB, a CPCJ entendeu que os progenitores incumpriram os termos do acordo e deliberaram a remessa dos processos ao Ministério Público.

14.º Após intervenção judicial, por acordo alcançado em 19 de junho de 2019, foi aplicada a medida de promoção e proteção de apoio junto dos progenitores a favor das crianças AA, nascido a ../../2016 e BB, nascida a ../../2017, com duração de 6 meses e com acompanhamento pelo CAFAP.

15.º A intervenção judicial encontrava-se legitimada pela situação de perigo em que as crianças se encontravam, concretamente no que dizia respeito à sua segurança, higiene, alimentação, conforto e educação, cujos cuidados eram negligenciados pelos progenitores apesar da longa intervenção da CPCJ e das entidades de primeira linha.

16.º Da avaliação efetuada pela CPCJ resultou confirmada a situação de perigo, caracterizada essencialmente por: a) insuficiência de competências parentais; b) fragilidades na prestação de cuidados básicos às crianças; c) más condições habitacionais (extrema desorganização e falta de higiene); d) os progenitores recolhem e acumulam lixo, e as crianças já foram vistas a mexer no mesmo; situação financeira precária; e) pai com temperamento explosivo e dificuldade em aceitar e interiorizar o aconselhamento parental, prestado pelos técnicos; f) mãe pouco autónoma e sem iniciativa, atuando, tendencialmente, apenas sob orientação.

17.º Impondo-se proceder à revisão da medida, e junto aos autos o relatório social de acompanhamento da execução da mesma, verificou-se que a situação das crianças permanecia inalterada e os progenitores oferecem resistência à mudança, continuando a expor as crianças aos mesmos perigos que determinaram a intervenção.

18.º De igual modo, não houve alteração na situação económica da família, continuando a sobreviver de apoios sociais e permanecendo o progenitor sem hábitos de trabalho regular.

19.º Os elementos positivos no relacionamento entre os progenitores e as crianças são os que dizem respeito à afetividade entre eles e, bem assim, o cumprimento das consultas de rotina e de vacinação obrigatória às crianças.

20.º Apesar disso, mesmo na prestação de cuidados de saúde, os progenitores revelam fragilidades na administração de medicação aos filhos, quando necessária, e os problemas de saúde das crianças são principalmente provocados pelos progenitores, relacionados com a falta de cuidados de higiene, pessoal e em casa, e com a alimentação das crianças (causando-lhes escabiose e/ou gastroenterites).

21.º O CAFAP considera que as fragilidades identificadas na família não foram ultrapassadas, apesar da intervenção, nem prevê que a família altere os seus comportamentos a curto prazo.

22.º Perante este quadro, a Segurança Social propôs a alteração da medida pela de acolhimento residencial das crianças, uma vez que não conseguiu, na família e/ou na comunidade, encontrar quem aceite cuidar das crianças.

23.º A situação habitacional em que as crianças se encontram, extremamente deficitária a nível de cuidados de higiene e organização, é potenciadora de perigos para a sua saúde e bem-estar.

24.º Perante tal quadro, e uma vez que os progenitores não manifestam qualquer intenção de mudança, não existindo na família, nem na comunidade, quem aceite cuidar das crianças, foi proposta pela Segurança Social, pelo menos enquanto os progenitores não alterassem o seu comportamento quanto à limpeza e organização da habitação, a medida de acolhimento residencial.

25.º Não obstante, em 04 de dezembro de 2020, foi assinado acordo e aplicada a medida de apoio junto dos pais, comprometendo-se estes, além do mais, a “educar os filhos, assegurando todos os cuidados necessários, nomeadamente de higiene, saúde e segurança, mantendo igualmente o espaço habitacional com condições adequadas de higiene, organização e segurança”, medida que foi sendo revista.

26.º No dia 15 de fevereiro de 2023, a Professora do AA informou que aquele apareceu na escola com a roupa e o corpo sujo, a cheirar mal, denotando falta de higiene e extremamente cansado e apático, acrescentado que decidiu conversar com ele e este disse-lhe que dormia no rés-do-chão e os pais no andar superior e que o pai o acorda de noite para lhe fazer “cócegas”, que lhe diz para ele parar e ele não para, suspeitando assim que o mesmo possa ser vitima de abuso sexual.

27.º A criança relatou ainda à professora os hábitos de consumos excessivos de bebidas alcoólicas por parte do pai, com início logo de manhã, e contou a uma auxiliar na escola que o pai o acordava a meio da noite e que o assustava, revelando medo.

28.º Apesar de comparecerem ao CAFAP quando convocados, resulta da informação prestada pela técnica que os acompanha nesta entidade que os progenitores não alteraram os comportamentos e a equipa esgotou todas as possibilidades para os reverter, informando que a família se mostrou incapaz de implementar as mudanças necessárias ao nível da arrumação e acumulação de objetos.

29.º Acrescenta que as limitações do casal, a inércia e a falta de investimento agravou-se, denotando um aumento da negligência nas diferentes áreas, revelando ainda a agressividade do pai com a Equipa e demais técnicos.

30.º Apesar das intervenções levadas a cabo no agregado familiar, a Segurança Social informou que as crianças – AA e BB, continuam em perigo atual e eminente, não recebem os cuidados necessários e adequados à sua idade, não existindo qualquer elemento na família ou na comunidade onde possam ser acolhidos, suspeitando-se que o AA possa estar a ser vítima de abusos sexuais, sugerido a aplicação de medida cautelar e urgente de acolhimento residencial.

31.º O progenitor e a avó paterna já foram condenados pela prática de um crime de abuso sexual, perpetrado na pessoa do irmão/filho respetivamente.

32.º A medida cautelar foi então aplicada e as crianças foram acolhidas na Santa Casa da Misericórdia ..., no dia 17 de fevereiro de 2023, onde se encontram desde então.

33.º No dia ../../2023, nasceu o terceiro filho do casal CC.

34.º As fragilidades que haviam determinado o recente acolhimento dos irmãos AA e BB mantinham-se, designadamente a falta de competências parentais, os consumos excessivos de álcool por parte do pai, a negligência grave nos cuidados de saúde e higiene, pelo que, apesar da alta médica, manifestamente o agregado familiar não reunia condições para receber a criança.

35.º No dia 30 de março de 2023, a progenitora procurou a assistente social do hospital informando que pretendia prestar o consentimento para que o filho fosse adotado e, apesar de sensibilizada para a possibilidade de ser acolhida com o filho em resposta especializada, a mesma recusou.

36.º Nesse dia, os progenitores assinaram declaração de intenção para que o CC fosse adotado, abandonaram o Hospital e deixaram o filho aos cuidados dos colaboradores do referido estabelecimento de saúde.

37.º No dia 31 de março de 2023, foi aplicada a medida provisória, cautelar e urgente de acolhimento residencial da criança CC, ficando aos cuidados da Instituição indicada pela Segurança Social, a Casa de Acolhimento ..., onde se encontra desde então.

38.º As crianças BB e AA estão bem-adaptadas e integradas à dinâmica da casa e às suas rotinas e mantêm uma relação muito próxima, carinhosa e cuidadora, protegendo-se reciprocamente e partilhando afeto e carinho.

39.º A progenitora telefona com uma frequência mensal para saber como estão os filhos BB e AA e o pai está ao lado e faz perguntas que a mãe repete.

40.º As crianças – BB e AA de forma espontânea, não perguntam pelos progenitores, nem manifestam saudades e, em contexto de entrevista, quando foram questionados se queriam ir para casa o AA disse que queria lá ir para buscar “…o macaco para dar à mana”, referindo-se a um peluche.

41.º Desde o seu acolhimento, o CC tem sido visitado pelos progenitores, sendo que as visitas têm habitualmente frequência quinzenal, ainda que no mês de janeiro não tenha sido realizada nenhuma visita por alegada doença respiratória do pai. Os progenitores são caracterizados como educados e colaborantes nas visitas, sendo habitual perguntar como tem estado o filho e o seu estado de saúde.

42.º Os progenitores e a avó paterna continuam a residir na mesma morada e, em termos financeiros, a situação continua a revelar fragilidades, sobrevivendo de prestações sociais e biscates realizados pelo progenitor, encontrando-se a mãe desempregada.

43.º O progenitor iniciou e mantém o acompanhamento médico para tratamento ao alcoolismo.

44.º Não são conhecidos familiares próximos ou outras pessoas que possam e queiram assegurar a prestação dos cuidados necessários às crianças – AA, BB e CC.

45.º Os progenitores continuam a oferecer resistência à mudança de comportamentos que proporcionem saúde, segurança e bem-estar aos filhos, não apresentando, por opção própria de vida, condições ao nível pessoal, familiar, económico e habitacional para terem as crianças ao seu cuidado, nem reúnem competências parentais.

46.º Perante tal situação, a Segurança Social propôs a alteração da medida de acolhimento residencial em instituição para a de confiança a instituição com vista a futura adoção, por forma a que estas crianças tenham um projeto de vida fora da CAR.

47.º Não são conhecidos antecedentes criminais à progenitora DD.

48.º O progenitor EE apresenta os seguintes antecedentes criminais:

- Por acórdão de 25 de junho de 2009, transitado em julgado em 27 de julho de 2009, foi condenado pela prática, em fevereiro de 2008, de um crime de abuso sexual agravado, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Por sentença de 17 de março de 2016, transitada em julgado a 26 de abril de 2016, foi condenado pela prática, em 25 de dezembro de 2014, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €:5,00 (cinco euros);

- Por sentença de 31 de maio de 2021, transitada em julgado a 1 de julho de 2021, foi condenado pela prática, em 10 de outubro de 2020, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €:6,00 (seis euros).

- Por sentença de 26 de maio de 2023, transitada em julgado a 26 de junho de 2023, foi condenado pela prática, em 25 de maio de 2023, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa diária de €:6,00 (seis euros).

49.º A avó paterna das crianças, HH, foi condenada, por acórdão de 6 de outubro de 2014, transitado em julgado, pela prática de um crime de abuso sexual, praticado em agosto de 2012, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

50.º No Relatório de Avaliação Psicológica relativo à BB, elaborado por Sr.ª Perita do Gabinete Médico-Legal e Forense de Aveiro, consta o seguinte: “Quando se tenta abordar a suspeita que motiva este processo de avaliação pericial, a examinada mostra-se claramente mais ansiosa e irrequieta …Como após estímulo verbal a examinada não relata qualquer facto, o Protocolo propõe a utilização de um conjunto de questões cada vez mais focalizadas, sem nunca se mencionarem informações que remetam diretamente para as suspeitas que trouxeram a criança ao momento da entrevista forense. Numa primeira sessão, a examinada simula vivências entre si e um monstro, simulações que remetem para atos que rejeita e que lhe causam sofrimento (i.e. expressão facial fechada, emoção zangada, emite sons, o mostro corre atrás de si até a alcançar). Identifica no espaço as interações, casa de banho e quarto (sic) e identifica o progenitor como a personagem do monstro (sic). Na segunda sessão, a examinada refere que “o avô colocou a pila na minha pita e aqui (boca); a mãe mostrou a pita a mim e ao mano; o pai também mostrou a pila” (sic). A examinada aquando das descrições foi capaz de identificar as zonas genitais e reproduzir o cenário supostamente vivenciado a examinada deitou-se, mostrou como o avô e o pai faziam -simulando as alegadas ações.”(…) Questionada sobre a existência de outros episódios, a examinada responde afirmativamente, referindo “também fez com o AA, eu vi a mãe o pai e vi ele- avô- a fazer ao AA”, “o AA também já me mostrou a pila dele (sic). Durante a segunda sessão, o irmão AA demostrou alguns comportamentos que aparentemente simbolizam proteção fraterna, contudo, poderão num futuro adquirir conotação de cariz sexual (e.g. pegou na irmã ao colo, sentou-a no seu colo, puxando-a para si, agarrando-a pela bacia e começou a beijar-lhe a cabeça; também na sala de espera pegou na irmã ao colo) ”(…)

“Ao longo de toda a primeira perícia a examinada foi monstro estava sempre associado à figura paterna- no banho e no quarto. Na segunda perícia, a examinada foi perseverando numa pila do avô, a minha pita e boca...”

51.º No relatório de avaliação psicológica do AA consta o seguinte: “da análise qualitativa das declarações do menor/técnica, da sua postura e linguagem não verbal e da análise psicométrica, permite-nos acreditar estarmos perante um relato que, muito provavelmente, corresponde a uma situação vivenciada, e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros.

“Relativamente à suspeita de abuso sexual, o examinado não verbaliza a temática, no entanto a sua linguagem não verbal (grafismo e postura) apontam para sinais da sua existência. Há fortes evidências da associação entre comprometimento da fala e da linguagem e transtornos psiquiátricos. O examinado apresenta dificuldades ao nível da linguagem (…)


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B. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a boa decisão da causa, nenhuma factualidade resultou não provada.


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Consignou-se, ainda:

“[…]de acordo com o disposto no artigo 100.º, da LPCJP, sendo o processo judicial de promoção e proteção de jurisdição voluntária, o Tribunal atendeu, também, a factualidade resultante do debate judicial e não expressamente alegada, conforme, aliás, permitido pelo artigo 986.º, n.º 2, do Cód. Processo Civil, subsidiariamente aplicável, de acordo com o disposto no artigo 126.º, da LPCJP”.


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3. O direito

- Reapreciação da decisão de facto -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 32, insurgem-se os apelantes contra a decisão de facto, pretendendo que se proceda à reapreciação dos pontos 42, 44, 45, 50 e 51 dos factos provados.

O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes vieram impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – prova testemunhal e por declarações - e decisão que sugerem. Transcreveram na motivação do recurso parte dos depoimentos que consideram relevantes para sustentar a alteração da decisão.

Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.


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Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[2].

Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[3].

Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[4].

Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[5] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.

Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[6].

Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelos apelantes, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.

Os apelantes impugnam a decisão dos seguintes factos julgados “provados”:

42.º Os progenitores e a avó paterna continuam a residir na mesma morada e, em termos financeiros, a situação continua a revelar fragilidades, sobrevivendo de prestações sociais e biscates realizados pelo progenitor, encontrando-se a mãe desempregada.

44.º Não são conhecidos familiares próximos ou outras pessoas que possam e queiram assegurar a prestação dos cuidados necessários às crianças – AA, BB e CC.

45.º Os progenitores continuam a oferecer resistência à mudança de comportamentos que proporcionem saúde, segurança e bem-estar aos filhos, não apresentando, por opção própria de vida, condições ao nível pessoal, familiar, económico e habitacional para terem as crianças ao seu cuidado, nem reúnem competências parentais.

50.º No Relatório de Avaliação Psicológica relativo à BB, elaborado por Sr.ª Perita do Gabinete Médico-Legal e Forense de Aveiro, consta o seguinte: “Quando se tenta abordar a suspeita que motiva este processo de avaliação pericial, a examinada mostra-se claramente mais ansiosa e irrequieta …Como após estímulo verbal a examinada não relata qualquer facto, o Protocolo propõe a utilização de um conjunto de questões cada vez mais focalizadas, sem nunca se mencionarem informações que remetam diretamente para as suspeitas que trouxeram a criança ao momento da entrevista forense. Numa primeira sessão, a examinada simula vivências entre si e um monstro, simulações que remetem para atos que rejeita e que lhe causam sofrimento (i.e. expressão facial fechada, emoção zangada, emite sons, o mostro corre atrás de si até a alcançar). Identifica no espaço as interações, casa de banho e quarto (sic) e identifica o progenitor como a personagem do monstro (sic). Na segunda sessão, a examinada refere que “o avô colocou a pila na minha pita e aqui (boca); a mãe mostrou a pita a mim e ao mano; o pai também mostrou a pila” (sic). A examinada aquando das descrições foi capaz de identificar as zonas genitais e reproduzir o cenário supostamente vivenciado a examinada deitou-se, mostrou como o avô e o pai faziam -simulando as alegadas ações.”(…) Questionada sobre a existência de outros episódios, a examinada responde afirmativamente, referindo “também fez com o AA, eu vi a mãe o pai e vi ele- avô- a fazer ao AA”, “o AA também já me mostrou a pila dele (sic). Durante a segunda sessão, o irmão AA demostrou alguns comportamentos que aparentemente simbolizam proteção fraterna, contudo, poderão num futuro adquirir conotação de cariz sexual (e.g. pegou na irmã ao colo, sentou-a no seu colo, puxando-a para si, agarrando-a pela bacia e começou a beijar-lhe a cabeça; também na sala de espera pegou na irmã ao colo) ”(…)

“Ao longo de toda a primeira perícia a examinada foi monstro estava sempre associado à figura paterna- no banho e no quarto. Na segunda perícia, a examinada foi perseverando numa pila do avô, a minha pita e boca...”

51.º No relatório de avaliação psicológica do AA consta o seguinte: “da análise qualitativa das declarações do menor/técnica, da sua postura e linguagem não verbal e da análise psicométrica, permite-nos acreditar estarmos perante um relato que, muito provavelmente, corresponde a uma situação vivenciada, e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros.

“Relativamente à suspeita de abuso sexual, o examinado não verbaliza a temática, no entanto a sua linguagem não verbal (grafismo e postura) apontam para sinais da sua existência. Há fortes evidências da associação entre comprometimento da fala e da linguagem e transtornos psiquiátricos. O examinado apresenta dificuldades ao nível da linguagem (…)”.

Na fundamentação da decisão de facto, procedeu-se à apreciação critica da prova nos termos que se passam a transcrever:

“Para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados, o Tribunal procedeu à análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras de experiência comum, nomeadamente a análise conjugada de toda a prova documental resultante dos autos, em conjugação com as declarações prestadas pelos Técnicos Gestores dos processos, FF e II, que, em suma, corroboraram toda a matéria elencada, confirmando o teor das informações constantes dos vários relatórios e informações sociais juntas aos autos. Tais Técnicos foram perentórios em, fundamentadamente, dizer ao tribunal que o agregado familiar não possui qualquer potencial de mudança.

Foi, ainda, tido em consideração o depoimento das seguintes testemunhas:

- JJ, professora do AA no ano de 2023, a quem este revelou as condutas abusivas do progenitor que estiveram na origem da aplicação de medica cautelar, urgente, de acolhimento residencial ao AA e à BB. Referiu, ainda, que o AA também contou o sucedido a duas auxiliares da escola. Deu conta ao tribunal que a criança comparecia às aulas notoriamente negligenciada ao nível da higiene, vestuário, alimentação e descanso;

- KK e LL, responsáveis pelas CAR onde atualmente se encontram as crianças, que relataram o estado daquelas quando aí chegaram, bem como a evolução entretanto ocorrida. Deram conta ao tribunal do tipo de vinculação que o AA e a BB parecem ter, traduzida em comportamentos concretos;

Com relevo, foram ainda ponderadas as declarações dos progenitores, DD e EE, os quais, em suma, reconheceram a falta de ligação com os filhos e as fragilidades que apresentam na gestão da vida doméstica e na educação das crianças, negando apenas os alegados atos abusivos, sem, contudo, apresentarem uma justificação para o comportamento do pai perante o AA.

Importa também ter em consideração o teor dos vários relatórios sociais diagnósticos e de acompanhamento da aplicação das medidas de promoção e proteção e as informações sociais juntas aos autos.

Foi também tido em consideração o teor dos Certificados de Registo Criminal juntos aos autos.

Por último, e com elevadíssima importância, foram considerados os relatórios dos vários exames médico-legais constantes do processo, designadamente de avaliação psicológica, que se encontram exaustivamente fundamentados, revelando a solidez dos conhecimentos científicos de quem os elaborou.


*

De referir que as testemunhas indicadas pelos progenitores, MM e NN, respetivamente avô materno das crianças e vizinha dos progenitores, não foram especialmente consideradas, por terem apresentado uma versão parcial dos factos. De salientar que, tal como é evidenciado nos autos, foi equacionada a possibilidade de o avô materno ser uma alternativa para as crianças, o que este recusou perentoriamente, fechando as portas da sua residência aos Técnicos Gestores.

*

Assim, face ao exposto, a ponderação crítica e conjugada de toda a prova referida em conjugação com a prova documental junta aos autos (já supra enunciada), a qual foi produzida de acordo com os critérios legais, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção no sentido dos factos que foram dados como provados, inexistindo factos não provados”.

Os apelantes pretendem que se altere a decisão no sentido de se julgarem “não provados” os factos impugnados.

Sustentam a alteração na prova produzida em sede de debate judicial e em excertos descontextualizados dos depoimentos das testemunhas, sem atender à prova produzida na sua globalidade, motivo pelo qual, tais depoimentos não permitem sustentar a alteração sugerida.

Nos pontos 42 e 45 julgou-se provado:

42.º Os progenitores e a avó paterna continuam a residir na mesma morada e, em termos financeiros, a situação continua a revelar fragilidades, sobrevivendo de prestações sociais e biscates realizados pelo progenitor, encontrando-se a mãe desempregada.

45.º Os progenitores continuam a oferecer resistência à mudança de comportamentos que proporcionem saúde, segurança e bem-estar aos filhos, não apresentando, por opção própria de vida, condições ao nível pessoal, familiar, económico e habitacional para terem as crianças ao seu cuidado, nem reúnem competências parentais.

Sustentam os apelantes a alteração da decisão no depoimento da testemunha FF, GG e nas declarações do progenitor EE.

Consideram os apelantes que do depoimento da testemunha FF decorre que “confirmou a melhoria das condições na habitação” e “que as condições habitacionais alteraram, melhoraram, reunindo todas as condições para receber os menores, verificando-se assim que os progenitores não continuaram a oferecer resistência à mudança. Referiu, ainda, que a sua preocupação no processo não tem a ver com as condições habitacionais do agregado, mas sim com o alegado abuso sexual”

Em relação ao depoimento da testemunha GG (pai da progenitora a vá materno das crianças) consideram “que demonstrou que os progenitores se encontram a tentar alterar as condições económicas, indicando que a progenitora iria iniciar nova atividade profissional poucos dias após o debate judicial”.

Quanto às declarações prestadas pelo progenitor referem que resulta do seu depoimento que “indicou estar reformado por invalidez e que faz uns biscates e confirmou que a esposa iria iniciar nova atividade profissional”.

Referem, ainda, que a “progenitora iniciou atividade profissional em 08/07/2024 e está a trabalhar como cantoneira/jardineira na Junta de Freguesia ..., tendo assinado contrato de 1 ano, procurando assim alterar as condições económicas do seu agregado familiar”.

Concluem que “dos depoimentos prestados resulta que os progenitores estão a tentar alterar as condições económicas para que lhes seja possível promover por todos os cuidados de saúde, segurança e bem-estar aos filhos. Constatamos, também, que os progenitores não oferecem qualquer resistência à mudança de comportamentos e que, efetivamente, o comportamento tem alterado gradualmente, sendo exemplo disso o tratamento ao alcoolismo por parte do progenitor que, iniciou e mantém, uma vez que era sabido que era um dos motivos que deu origem ao processo em apreço; o início da atividade profissional por parte da progenitora; a melhoria das condições na habitação, que foi confirmada pela Técnica Gestora do processo”.

Porém, no seu depoimento a testemunha FF fez uma análise de todas as diligências realizadas ao longos dos anos e em particular, a partir de 2019, data em que o processo de acompanhamento desta família transitou da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens para o tribunal e apresentou uma diferente versão dos factos.

Descreveu as diligências que se realizaram, as medidas que se adotaram e como se tentaram executar, bem como deu nota das fragilidades deste agregado familiar, salientado a falta de diligência em cuidar das crianças e a dificuldade dos progenitores na aceitação de um projeto de mudança.

Referiu, em concreto que “na casa não há alterações. Os indicadores sinalizados há 7 anos mantêm-se”.

Referiu, ainda, que não há familiar interessado. O avô materno revelou a sua indisponibilidade e só tem dois quartos. Já tem um neto a seu cargo e não autorizou a entrada do técnico em casa. Falou-se em padrinhos, e outro irmão, mas os pais nunca facultaram os contactos. A pessoa idónea não revelou disponibilidade.

Em relação ao estado da casa de habitação referiu: “na casa existiam 2 máquinas de lavar roupa; 3 televisores; o progenitor ameaçou com uma catana; fuma e deita as beatas no chão da sala que tem pavimento em madeira, apesar de se chamar atenção para o risco de incêndio”. […] O AA dormiu em diferentes locais: todos juntos, num quarto sozinho, num espaço na sala”.

Mais referiu que “[…]Houve melhorias na casa, mas passados 2 ou 3 meses voltou à questão da insalubridade; acumulação de objetos, pó; a casa é confusa, mobiliário, eletrodomésticos. A casa é antiga e está em constantes obras; móveis todos de um lado; arranjar a cozinha e põem no corredor. Esteve na casa pela última vez em maio de 2024; a casa é um indicador muito importante”. Disse, ainda, que “a grande preocupação neste processo durante sete anos foi investir na família, sem qualquer alteração e agora o problema dos abusos sexuais, devido ao relatório de psicologia clínica”.

Quando confrontada com a questão colocada pela ilustre patrona dos apelantes se o que preocupava a testemunha seria os alegados abusos sexuais, referiu:

“Sem dúvida, senhora doutora, a minha preocupação neste processo não tem a ver com as condições habitacionais do agregado, embora seja um indicador, realmente, de grande confusão, prontos. Mas de facto é sobretudo a intervenção de sete anos, intervenções com dois CAFAPs, ou seja, duas equipas técnicas especializadas a trabalharem a família e ambas as equipas dizerem que realmente não houve alteração nenhuma e esta questão do abuso, embora em termos clínicos não está nada comprovado, mas a psicologia forense vem nos dar aqui indícios muito preocupantes”.

O depoimento da testemunha para além de ser corroborado pelo depoimento da testemunha OO, técnico da Segurança Social, que tem feito o acompanhamento do processo em relação à criança CC, reproduz de forma sintética o que consta dos sucessivos relatórios elaborados pelo SIATT desde 18 de junho de 2019 até 10 de abril de 2024 e informações e relatório conexos elaborados pelas diferentes instituições entidades envolvidas na execução da medida de apoio junto dos pais.

Os relatórios dão nota do estado de negligência a que foram sujeitas as crianças AA e BB e de abandono, quanto à criança CC. São reveladores de carência de cuidados de higiene e de saúde, deficiência alimentar e de falta de investimento dos progenitores na edução e desenvolvimento e integração social das crianças.

Mas não bastando, resulta do depoimento das testemunhas JJ, professora do ensino básico de AA e KK, Diretora do CAR ..., em ..., que acolheu as crianças, a situação de falta de cuidados a que estas crianças estavam sujeitas e as mudanças no seu comportamento desde que integradas na instituição que as acolheu.

Referiu a testemunha JJ, professora do AA no ano 2022-2023 que “notava que a criança estava na escola prostrada, cansada, não participava. Trabalho mal feito, sujo e não tinha regras de higiene. Roupa suja e não cheirava a lavado. Estava alerta pela Dr. FF. Várias vezes adormecia na sala, em setembro e outubro (2022). Isto foi-se agravando. Em fevereiro a criança relatou coisas estranhas. O pai acordava de noite e o assustava. Não sabia dizer como. Fazia cócegas e ele dizia para parar e ele não parava. Dormia na parte de baixo da casa. Os pais na parte de cima. Comunicou com os pais. Vinham buscá-lo. O AA dizia que lhe puxavam pelas pernas e ele não gostava. O pai dizia que era os gatos”.

Referiu, ainda, “falou com os pais sobre a higiene. Ele tinha fome, deu-lhe bolachas e questionado se comeu, disse que foram ao café e deram um pingo. A mãe bebeu um copo de leite e o pai um café e uma cerveja. Quando disse ao pai que o AA adormecia na sala de aula, o pai disse que o AA se deitava às 6 da tarde e davam-lhe de comer. Não andava limpo e os pais não gostaram. O pai disse que o AA ainda fazia coco e chichi na fralda. Tinha seis anos e sugeriu que procurasse um médico”.

Referiu, ainda, que “AA comentou com as auxiliares que o pai fazia cócegas e puxava as pernas durante a noite. Notava que estava cansado e até adormeceu e por isso nem o acordava. Quando falou da questão da limpeza e saiu, o pai virou-se para as auxiliares e disse: “no dia seguinte já não vem para esta escola, vou mudar de escola”.

A testemunha KK, Diretora do CAR ..., em ..., referiu que: ”AA e BB chegaram em fevereiro de 2023. Foram sempre muitos recetivos desde que entraram na instituição. Chegaram à tarde, lancharam bem. Vinham sujos, com roupa suja, a roupa interior muito suja. O AA vinha com uma máscara de Carnaval. Roupa interior urinada, com “cocó”, sapatos muitos sujos. Convidaram a tomar banho. O AA disse que só lavava a cara, porque não queria tomar banho de água fria. Foi informado que na instituição tomavam banho com água quente e aceitou. Quando se despiu verificou-se que apresentava pisaduras no rabo na canela e no braço; a menina também tinha pisaduras no rabo”.

Referiu, ainda, que AA “fala muito do macaco, que é um boneco que o pai lhe ofereceu. Dormia no sofá em baixo, porque fazia chichi. Bebia cerveja. O pai colocava urtigas na cama, para não urinar e colocava fralda e picava”.

Neste contexto é de considerar que a decisão que julgou provada a matéria do ponto 45 não merece censura, por refletir o conhecimento que as testemunhas revelaram dos factos e que os relatórios sociais que constam dos autos demonstram.

Quanto à questão laboral da progenitora, única matéria que é impugnada em relação ao ponto 42 dos factos provados, constata-se que os progenitores referiram que a progenitora “ia começar a trabalhar na próxima segunda-feira”. O progenitor disse que “a mulher ia trabalhar com um contrato por um ano”.

Contudo, não juntaram qualquer documento que o comprovasse.

Desta forma, não merece censura a decisão que julgou provado que a progenitora se encontrava desempregada, por ser essa a situação que se verificava na data em que foi produzida a prova.

Quanto à questão de saber se existem familiares ou, pessoas idóneas, interessados em acolher as crianças, mostra-se relevante os relatórios do SIATT juntos aos autos em 13 de abril de 2023 e 17 de maio de 2024, nos quais se dá conhecimento das diligências promovidas e da falta ou recusa de disponibilidade para acolher as crianças.

A testemunha FF veio confirmar o teor de tais relatórios e indicar as diligências realizadas, sem qualquer sucesso.

A testemunha GG, avô materno, referiu que a casa onde vive tem dois quartos e por isso, não tem condições para os acolher. Disse, ainda, que se a progenitora for trabalhar toma conta dos meninos. “Na minha casa não entra a técnica. Querem mandar naquilo que é dos outros. Mandam na casa”.

A testemunha veio confirmar o que consta das informações transmitidas através dos relatórios sociais. A testemunha recusa que as técnicas da segurança social entrem na sua casa, apesar de se demonstrar a necessidade para o fazer. Esta atitude aliada ao facto de ser o próprio a admitir que a casa apenas tem dois quartos, impede que se considere estar em condições de acolher as crianças.

Desta forma, não merece censura o ponto 44 quando julgou provado que não são conhecidos familiares próximos ou outras pessoas que queiram assegurar cuidados necessários às crianças.

Por fim, os pontos 50 e 51 dos factos provados.

Os apelantes insurgem-se contra a decisão, sustentando a alteração nos depoimentos da testemunha FF e nas declarações da progenitora DD.

Os pontos 50 e 51 transcrevem o que consta dos relatórios periciais, sendo fiéis ao que ali ficou consignado, motivo pelo qual não merecem censura.

Os apelantes não concordam com as considerações que constam dos relatórios periciais, mas a seu tempo não se insurgiram contra os mesmos, nem suscitaram qualquer esclarecimento adicional ou qualquer irregularidade.

Acresce que nas declarações prestadas os progenitores não negam os factos relatados por AA, ainda que lhe atribuam um significado distinto.

Efetivamente, referiu o progenitor:

“AA – dormia no quarto dele e ás vezes ia para cozinha e dormia no sofá. Fazia cócegas em baixo do braço e na barriga. Mandava-o dormir e ele não queria dormir. O avô vem aqui e vai ralhar contigo. Acordava o menino para ir para a escola. Não acordava à noite”.

A progenitora, por sua vez referiu:

“Nunca viu o marido a fazer mal aos meninos. Estava junto das crianças quando o pai dava banho. Estava sempre em casa. Dormia com a filha ao meu lado, o “meu homem dormia aqui, eu aqui e a menina ao meu lado. O AA tinha o seu quarto. O quarto era ao lado. À noite, o marido ia ver se o menino estava bem.[…]

O quarto do AA era ao lado do meu quarto, mas outras vezes dormia no andar de baixo. Não acompanhava o marido quando ele ia ver o menino. O AA não mente. A professora é que disse para dizer.

[…]

O AA nunca lhe disse que o pai lhe fazia cócegas durante a noite”.

Conclui-se que os fundamentos invocados não sustentam a alteração da decisão.

Pelo exposto mantém-se a decisão dos pontos 42, 44, 45, 50 e 51 dos factos provados.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 32.


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- Da adequação da medida acolhimento residencial -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 33 a 38, insurgem-se os apelantes contra o segmento da decisão que aplicou a medida de promoção e proteção de confiança a instituição para futura adoção, pretendendo a sua alteração até ser proferida decisão no processo crime, no sentido de ser aplicada a medida de acolhimento residencial com permissão de visitas aos progenitores.

No acórdão recorrido considerou-se, ponderando o superior interesse da criança, que se mostrava adequada e proporcional para afastar a situação de perigo em que se encontram as crianças, a medida de confiança a instituição para futura adoção.

A questão que se coloca consiste, assim, em determinar se se justifica a substituição da medida aplicada, como forma de acautelar a situação de perigo em que se encontra a criança e se em alternativa, deve ser aplicada a medida de acolhimento residencial, com permissão de visitas aos progenitores

As crianças em causa AA, BB e CC, nasceram, respetivamente, a ../../2016, ../../2017 e ../../2023.

Dada a idade dos menores estão sujeito ao poder paternal de que são titulares os seus progenitores - art.º 122.º, 123.º, 124.º. 130.º, 187.º e 1877.º todos do Código Civil.

Como decorre do art.º 36.º n.ºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e não podem deles, ser separados, salvo quando não cumpram os deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

O poder paternal, como efeito da filiação é, nos termos do art.º 1877.º e segs. do C.Civil, definido como um conjunto de poderes-deveres funcionalmente afetados à prossecução do bem-estar moral e material do filho e que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, na atual terminologia designado por “responsabilidade parental”.

O poder paternal não se trata de um puro direito subjetivo, visto que o seu exercício não está dependente da livre vontade do seu titular, sendo antes um poder funcional, um poder-dever[7].

O poder paternal, como observa ARMANDO LEANDRO[8] constitui “um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.

Constituindo nítido exemplo de direito pessoal familiar, o poder paternal não é, porém, um direito a que se ajuste a noção tradicional de direito subjetivo, trata-se antes, de um poder-dever, um poder funcional, nos termos do qual incumbe, a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e administração dos seus bens - art.º 1878.º n.º 1, 1881.º e 1885.º, todos do C.Civil.

O menor não é apenas um sujeito protegido pelo direito, é ele próprio, titular de direitos reconhecidos juridicamente, designadamente o direito à proteção especial da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral - art.º 64.º n.º2, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa.

Como se observa no Ac. Rel. Porto 23 de fevereiro de 2016, Proc. 249/15.1T8SJM.P1 (www.dgsi.pt):”[a] criança apresenta um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social. Entre essas necessidades avultam, os cuidados físicos e de proteção; afeto e aprovação, estimulação e ensino, disciplina e controlo consistente e apropriados, oportunidade e encorajamento da autonomização gradual. O conceito de necessidades e o imperativo da sua satisfação cria as condições para o reconhecimento do direito que assiste à criança de as ver realizadas. As necessidades da criança convertem-se, assim, em direitos subjetivos extensivos que constituem normas educativas relativamente às quais se afere a qualidade, competência e adequação dos pais.

Ora, a dignidade da pessoa do filho e o papel dos pais - que exercem poderes funcionais para desempenharem deveres no interesse do primeiro – impõem que o exercício das responsabilidades parentais seja colocado ao serviço do desenvolvimento, são e harmonioso, da personalidade da criança e do seu bem-estar moral e material.
E o reconhecimento dos direitos da criança exige o estabelecimento de um equilíbrio com os dos seus responsáveis legais, contudo, a vida, a saúde e a educação do filho, como atributos fundamentais da pessoa humana, colocam-se, na escala axiológica dos valores sociais, acima do poder jurídico dos pais sobre os filhos”.

Neste sentido, podem consultar-se, ainda Ac. Rel. Porto 24 de março de 2015, Proc. 161/13.9TBOAZ.P1; Ac. Rel. Porto 12 de outubro de 2015, Proc. 1923/14.5TMPRT.P1, Ac. Rel. Lisboa 02 de julho de 2015, Proc. 1603/08.0TBTVD.L2-6 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Podemos assim concluir que a tutela da família e da paternidade e maternidade sofrem uma importante limitação, em sede de direitos fundamentais, quando está em causa a proteção da criança – art.º 67º, 68º, 69º CRP.

A Constituição prevê no art.º 69º CRP:

1. As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra toda as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

3.[…]”

O processo de promoção e proteção de crianças e jovens visa a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral – art.º 1º da Lei 147/99 de 01/09.

A intervenção justifica-se, conforme resulta do disposto no art.º 3º/1, da citada lei:

“… quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo“.

A lei de igual forma, define em que circunstâncias se deve considerar que as crianças ou jovens estão em situação de perigo – art.º 3º/2.

Na previsão da norma enquadram-se, entre outras, as seguintes situações:

“a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

[…]”.

O Estado está autorizado a intervir quando se verifique uma situação de risco que ponha em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou jovem[9].

O perigo, a que se reporta o preceito, traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efetiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento[10].

A intervenção do Estado, neste domínio, pauta-se por um conjunto de princípios orientadores, que vêm enunciados no art.4º da citada lei e que funcionam como critérios a atender na promoção do processo e na determinação da medida a aplicar e que são:

- o interesse superior da criança e do jovem;

- a privacidade;

- a intervenção precoce;

- a intervenção mínima;

- a proporcionalidade e atualidade;

- a responsabilidade parental;

- a prevalência da família;

- a obrigatoriedade da informação;

- a audição obrigatória e participação;

- a subsidiariedade.

Assim, desde logo, a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. Nisso se traduz o princípio do interesse superior da criança e do jovem (art.º 4º a) da citada lei).

A intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida, como manifestação do princípio da intervenção precoce (art.º 4º/ c) do mesmo diploma).

Por outro lado, conforme resulta do princípio da responsabilidade parental, a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem (art.º 4º f)).

A intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade, como decorre dos princípios da proporcionalidade e atualidade (art.º 4º e)).

Acresce que na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração estável (art.º 4º/h) na redação da Lei 142/2015 de 08 de setembro ).

Os apelantes sem questionarem a situação de perigo que determinou a promoção do processo e a aplicação de uma medida de promoção e proteção, insurgem-se contra a medida aplicada, por não ser adequada pretendendo que se prolongue o acolhimento residencial por mais um ano, com permissão de visitas por parte dos progenitores e até ser conhecida a decisão no processo crime pendente.

O acórdão ponderando o superior interesse da criança substituiu a medida aplicada de acolhimento residencial pela medida confiança a instituição para futura adoção, por considerar que era a única medida de promoção e proteção que se revelava suscetível de concretização efetiva e acautelava a situação de perigo em que se encontram as crianças, depois de ponderar a aplicação de outras medidas em alternativa, como seja, o apoio junto de outro familiar ou pessoa idónea e o acolhimento residencial.

A questão que se coloca consiste em saber se a medida aplicada se mostra adequada e proporcional à concreta situação de perigo em que se encontram as crianças ou se deve manter-se a anterior medida - acolhimento residencial -, por mais um ano.

Decorre do disposto no art.º 34º da Lei 147/99 de 01/09 que as medidas de promoção e proteção visam:

“a ) Afastar o perigo em que [crianças ou jovens] se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso“.

Na escolha da medida, o tribunal, em obediência ao princípio da proporcionalidade e atualidade deve considerar a intervenção adequada e necessária à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (art.º 4º/e) e art.º 121º da LPCJP).

De igual forma, a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem (art.º 4º / f) da lei citada).

Na escolha da medida adequada cumpre ponderar o princípio da prevalência da família, no sentido de na promoção de direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência ás medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adoção (art.º 4º h) da lei citada).

A lei prevê no art.º 35º, de forma taxativa, as medidas de promoção e proteção.

As medidas são classificadas em dois tipos, segundo uma ordem de preferência:

- medidas a executar em meio natural de vida – art.º 35º a), b), c), d); e

- medidas de colocação – art.º 35º e), f), g).

A medida de promoção e proteção de acolhimento residencial insere-se no grupo das medidas executadas em regime de colocação e encontra-se prevista nos art.º 49º a 54º, 57º, 58º, 61º, 62º, 63º da LPCJP.

Considerado o último recurso em termos de aplicação, consiste, como se define no art.º 49º/1:

1.[…] na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados.

2. O acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

Tendo presente os factos provados verifica-se que a medida de acolhimento residencial, por mais um ano e com permissão de vistas por parte dos progenitores, como sugerem os apelantes, não garante a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das concretas crianças, nem o efetivo exercício dos seus direitos, nem favorece a sua integração em contexto sociofamiliar seguro.

A criança CC nunca residiu na companhia dos seus progenitores, nem de qualquer elemento da família alargada. Desde a data do seu nascimento (../../2023) até 31 de março de 2023 manteve-se internada no estabelecimento hospitalar onde nasceu e depois desta data, com a aplicação da medida de acolhimento residencial manteve-se e mantém-se na instituição Casa de Acolhimento ... (pontos 33 a 37 dos factos provados).

Desde o seu acolhimento, o CC tem sido visitado pelos progenitores, sendo que as visitas têm habitualmente frequência quinzenal, ainda que no mês de janeiro não tenha sido realizada nenhuma visita por alegada doença respiratória do pai. Os progenitores são caracterizados como educados e colaborantes nas visitas, sendo habitual perguntar como tem estado o filho e o seu estado de saúde (ponto 41 dos factos provados).

Quanto às crianças AA e BB resulta dos factos provados que desde o respetivo nascimento estão sujeitos a medidas de promoção e proteção, devido às condições de vida dos progenitores que apresentaram desde sempre muitas limitações ao nível das competências parentais. Apesar das sucessivas medidas aplicadas de apoio junto da concreta família, com intervenção de diferentes entidades especializadas neste domínio, para além dos apoios económicos, dado que nenhum dos progenitores exerce com regularidade uma atividade profissional, as medidas aplicadas não surtiram qualquer efeito (pontos 1 a 32, 42 a 45 dos factos provados).

Durante este período - cerca de sete anos - aplicaram-se diferentes medidas no sentido de promover e atribuir competências aos progenitores para cuidarem destas duas crianças, acautelando-se os auxílios necessários, mesmo em termos económicos, como se referiu.

Acresce os factos que de forma abundante e exaustiva descrevem o enquadramento sócio familiar dos progenitores, dão nota que residem em casa arrendada, onde se acumula lixo e objetos de diferente natureza, mantendo a habitação num estado caótico e com grande falta de limpeza, onde as crianças não dispõem de um espaço próprio para dormir, apesar da casa dispor de diferentes quartos e compartimentos. O progenitor pauta-se por um comportamento impulsivo e a progenitora apresenta limitações cognitivas, apresentando uma postura de grande dependência em relação ao progenitor, não têm hábitos de trabalho, subsistem dos rendimentos sociais e apesar de terem mais filhos fora da respetiva relação de união de facto, nunca os filhos viveram na sua companhia. Acresce que o progenitor consome bebidas alcoólicas, o que motivou o tratamento da dependência. Os factos provados revelam ainda, que os progenitores não prestaram os cuidados médicos que as crianças careciam e não investiam na promoção da sua formação escolar e socialização (pontos 21 a 30 dos factos provados).

Os factos são reveladores que nunca houve da parte dos progenitores interesse e empenho em estreitar os laços de filiação, nem um mínimo esforço em tentar aprender, sendo certo que da parte dos técnicos e assistentes sociais, com a colaboração de outros organismos sempre se verificou uma grande determinação em fomentar tal relação e colaborar no plano do apoio social e económico, para que fosse possível.

Acresce que no Relatório de Avaliação Psicológica - pontos 50 e 51 dos factos provados – são revelados factos e circunstâncias que podem vir a indiciar a prática de crimes de abuso sexual ou de maus tratos às crianças reveladores da situação de perigo em que se encontram estas crianças (art.º3º/1/2/b) LPCJP).

Decorridos quase sete anos e cerca de 15 meses em relação à criança CC, verifica-se que estas crianças viveram numa situação de falta de cuidados ao nível da habitação, higiene e organização potenciadora de perigos para a sua saúde e bem estar, para além dos maus tratos indiciados nos relatórios de avaliação psicológica e o CC não conheceu a realidade de um ambiente familiar. Pretender que se prolongue por mais um ano o acolhimento residencial, ou até ser proferida decisão em sede de processo crime, vai contra todos os princípios que orientam a aplicação de uma medida de promoção e proteção, porque de acordo com um juízo de prognose, não se pode esperar que os progenitores venham a adotar um comportamento diferente e pretendam assumir as suas responsabilidades e aprender a investir na relação de filiação.

O processo em causa visa a promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens e o acompanhamento da família de origem justifica-se enquanto medida necessária para afastar a situação de perigo ou risco em que se encontram as crianças, pautando-se por isso, pela defesa e interesse das crianças e jovens. Quando se constata que a família biológica não reúne as condições para cumprir tais funções, o processo visa definir um projeto de vida para as crianças e jovens, com vista à sua integração social e normal desenvolvimento, de preferência junto de uma família, constituindo a adoção um dos caminhos para alcançar essa família (art.º 4º/h) da LPCJP).

Os factos provados permitem concluir que a situação de perigo se mostra de tal forma grave que não é possível de todo o regresso das crianças ao seio da família biológica. Os progenitores revelaram-se incapazes de estabelecer um projeto de vida para estas crianças e o acolhimento residencial, com um horizonte incerto não constitui a medida que melhor tutele o superior interesse das crianças.

Considerou-se no acórdão sob recurso, que a situação de facto se enquadrava na previsão do art.º 1978º/1 d) e 3 do C. Civil e 3º, n.º 2, c) da LPP e tal enquadramento não merece censura.

Prevê o art.º1978º/1 d) CC:

“1. O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) […]

b) […]

c) […]

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

[…]”

Na alínea d) enquadram-se as condutas nas quais se pressupõe a relação pais/filhos embora seriamente comprometida pelo facto, dos progenitores colocarem a criança numa situação de forte possibilidade de dano grave, aferindo-se a situação de perigo pelo critério do art.º 3º/2 da LPCJP[11].

Como observa PAULO GUERRA “basta […]a história pessoal dos pais – repetimos grave e negra, em termos de condições objetivas e subjetivas para cuidar de uma criança -, e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo, para que esta alínea possa funcionar para efeitos de se considerar uma criança em estado de adoptabilidade”[12].

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acolhendo tal critério de interpretação podem consultar-se, entre outros, o Ac. STJ 04 de maio de 2010, Proc. 6611/06.3TBCSC.L1.S1; Ac. STJ 20 de janeiro de 2010, Proc. 701/06.0TBETR.P1.S1; Ac. STJ 28 de maio de 2015, Proc. 8867/07.5TMSNT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Como já se deixou dito, a situação de perigo grave, em relação aos progenitores está demonstrada nos factos apurados, a qual compromete de forma definitiva os vínculos da filiação, pois apesar de todos os apoios disponibilizados para o desenvolvimento das capacidades parentais dos progenitores, sempre sem esquecer as particulares necessidades destas crianças, constata-se que não aproveitaram essas oportunidades e não se preocuparam minimamente em organizar um projeto de vida.

Efetivamente, no decurso destes cerca de sete anos, contados desde a data em que se iniciou o processo de acompanhamento na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (pontos 3, 4 e 5 dos facos provados) até à data em que foi proferido o acórdão recorrido, não se verifica alteração na conduta dos progenitores, nem será expectável que tal venha a acontecer, atento o comportamento dos mesmos no passado e as suas atuais condições de vida (pontos 28 a 30 dos factos provados).

As meras visitas dos progenitores e telefonemas esporádicos para o local onde as crianças foram acolhidas (pontos 39 e 41 dos factos provados), não revelam só por si o interesse, esforço, dedicação dos progenitores.

Não resulta dos factos provados a preocupação por parte dos progenitores em criar um ambiente de segurança e bem-estar, para promover a educação, saúde, formação ou desenvolvimento destas crianças.

Não se afigura legítimo que os progenitores que continuadamente não souberam e não quiseram assumir as responsabilidades parentais, levando à aplicação da medida de acolhimento residencial, pretendam perpetuar tal situação, prolongando-a até ao momento futuro, incerto e hipotético, em que, porventura, consigam adquirir as capacidades, disponibilidades e competências que, até ao momento, lhes faltaram para cuidar diariamente destas crianças.

Não é expectável qualquer alteração na conduta dos progenitores, sendo improvável a aquisição das capacidades e condições que permitam, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais.

Revela-se inconciliável com a tutela e prossecução do superior interesse do menor a adoção de soluções “experimentais”, que o tribunal justificadamente considera de viabilidade e eficácia duvidosa e que a frustrarem-se, conduziriam seguramente a acrescidos danos para a segurança e estabilidade e projeto de vida destas crianças.

A conduta dos progenitores revela que estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.

Acresce referir, contrariando os argumentos dos apelantes, que não é apenas o facto de estar pendente processo crime, que se justifica a aplicação desta medida, até porque se desconhece o seu desfecho. Por tudo que se deixou dito, o que releva é o caráter contínuo, continuado e atual de falta de competências parentais com prejuízo grave para estas crianças e a incapacidade por parte dos progenitores de adotarem conduta distinta, comprometendo o futuro destas crianças.

O conjunto de circunstâncias enunciadas e atuais são suscetíveis de afetar gravemente a formação, a educação e o desenvolvimento destas crianças e justificam que a intervenção do tribunal se paute pela prevalência do interesse da criança na determinação da medida concreta a aplicar e que essa medida seja a confiança a instituição para futura adoção – art.º 1978º, n.º 2 do CC e 4º, al. a) da LPCJP.

Desta forma, improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 33 a 38.


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Nos termos do art.º 4º/2/f) Regulamento Custas Processuais o processo está isento de custas.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.


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Sem custas.

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Porto, 23 de setembro de 2024

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)

Assinado de forma digital por

Ana Paula Amorim

Juiz Desembargador-Relator

Eugénia Cunha

1º Adjunto Juiz Desembargador

Miguel Baldaia de Morais

2º Adjunto Juiz Desembargador


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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.        
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.

[4] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.

[5]  Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.    
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.
[7] Cf. ARMANDO LEANDRO in “Poder Paternal”, Temas de Direito da Família, Almedina, Coimbra, 1986, pág.119.
[8] Cf. ARMANDO LEANDRO in “Poder Paternal”, Temas de Direito da Família, ob. cit., pág.119. 
[9] PAULO GUERRA Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – Anotada, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 23.
[10] TOMÉ D`ALMEIDA RAMIÃO Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – Anotada e Comentada , 6º edição, Quid Juris, Lisboa 2016, pág. 28
[11] Cf. PAULO GUERRA Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – Anotada, ob. cit., pág. 95.
[12] Cf. PAULO GUERRA Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – Anotada, ob. cit., pág. 95.