I - Atribuída ao tribunal de recurso a função de reapreciar a decisão de facto é através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do tribunal de 1ª instância e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.
II - Pretendendo obter o reconhecimento da propriedade, por título legítimo, sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, o interessado apenas pode fazer a prova de tais factos por documentos que comprovem que tais terrenos eram por título legítimo objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou antes de 22 de março de 1868, se se tratar de arribas alcantiladas (art.º 15º/2 Lei 54/2005 de 15 de novembro, a qual foi objeto de alterações pela Lei 78/2013 de 21 de novembro, Lei 34/2014 de 19 de junho e por último, pela Lei 31/2016 de 23 de agosto.).
III - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do nº 2, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, o que equivale a dizer que tinham a natureza de baldios municipais ou paroquiais (art.º 15º/3 ).
IV - O aforamento atribui o domínio útil ao foreiro, mas tal direito fica limitado pelo direito do senhorio, não constituindo o contrato de aforamento, título legítimo de aquisição da propriedade particular, nem da posse.
Domínio Público Hídrico-RMF-1376/21.1T8AVR.P1
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )
I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTORA: A..., Lda., com sede na ...; e
- RÉU: Estado Português, representado pelo Ilustre Procurador da República, veio a autora pedir:
- que seja reconhecido seu direito de propriedade privada sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ...5/19900911 da freguesia ..., situado na ..., com a área total de 83745,32 m2, a área coberta de 392,41 m2 e a área descoberta de 83352,91 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...97 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...94, composto de casa de habitação com a área coberta de 392,41 m2 e descoberta de 5009,90 m2, e por parcelas de cultura, pastagem, pinhal com mato e mato, com a área de 78.343,01 m2, a confrontar, do norte, com Herdeiros de AA, do sul, com B..., S.A., do nascente, com Estrada e artigos ...47 e ...94, e do poente, com domínio público.
Alegou para o efeito e em síntese que este prédio estava distanciado mais de 50 metros da linha de água. Passou a distanciar-se menos de 50 metros da referida linha de água em virtude das obras de ampliação do Porto de Aveiro realizadas nos anos oitenta, que fizeram com que a quota da linha de água aumentasse.
Mais alegou que originariamente, em 1855, os imóveis integravam bens próprios do Município de Estarreja. Os bens municipais, na época, eram bens alienáveis, estando na fruição conjunta dos munícipes. Os prédios da A., que provieram de outros por força de diversas anexações e desanexações, estão sob o domínio privado desde antes de 31 de dezembro de 1864.
Alegou, em síntese, que o prédio nunca se situou fora do domínio público marítimo. Impugnou igualmente toda a factualidade e documentos de prova quer quanto à propriedade privada em 1855 do prédio pelo Município de Estarreja, quer quanto ao subsequente trato sucessivo, ou que se trate de domínio privado para os efeitos jurídicos pretendidos.
Descreveu o trato sucessivo e indicou os documentos que suportam as diferentes transmissões.
Alegou, ainda, que entre 1862 e 1863 e desde 1866 que a porção de areal ou terreno a norte do terreno aforado por BB (da ...), teve como senhores do domínio útil CC, O CC, E DD, sendo que a confrontação a sul desse terreno (que partia da ... em direção ao ... e das ...) foi sempre com areal e terreno maninho pertencente ao Município de Estarreja, o qual desde a passagem do lugar da ... para a freguesia ..., concelho de Estarreja em 1855 (Decreto de 24 de outubro de 1855), é bem próprio do referido município, comprovando-se assim a fruição de particulares desde data anterior a dezembro de 1864.
Mais referiu que no Arquivo Municipal de Estarreja, segundo certidão negativa emitida pelo mesmo serviço, com data de 26 de novembro de 2020, não foram encontrados “inventários ou livros de tombo de bens municipais deste concelho anteriores a 1880, não constando, igualmente, do catálogo ou recenseamento geral da documentação”, conquanto tenham existido, pois no processo de aforamento e renúncia de CC, o CC, datado de 6 de agosto de 1862 [DOC. 41 do documento 12], vem referido na sessão camarária de 14 de janeiro de 1863 [Folhas 26-26v], que “mandando extrair cópia desta parte da sessão para com o mesmo requerimento se juntar ao respetivo processo de aforamento, e lançar a competente nota no LIVRO DE REGISTO DOS FOROS a fim de se lhe dar a competente descarga, eliminando da verba de receita desta Câmara aquele foro”, o que faz jus ao emitido pela Câmara Municipal de Estarreja, em declaração de 2 de dezembro de 2020, no sentido de justificar a inexistência da documentação acima mencionada, pelo que se cita: “declaro que os motivos que podem ter conduzido aos factos mencionados naquela certidão [de 2-12-2020], terão sido causados deste tempo não datável, por ação gradual a condições de exposição da documentação a zonas de água e de humidade que terá provocado a deterioração e posterior desfragmentação das fibras de papel orgânico usado ao tempo, levando à destruição natural dos documentos”.
Mais alegou que até à sua venda em hasta pública o imóvel integrava bens próprios do Município de Estarreja, havendo fruição conjunta com os Munícipes que, à luz da legislação da época, podiam ser alienáveis.
Proferiu-se despacho que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.
Repetiu-se a gravação da prova, na sessão de julgamento do dia 01 de fevereiro de 2023, por motivos relacionados com falhas técnicas.
“Julgo, nos termos e pelos fundamentos expostos, a ação totalmente improcedente e, em resultado disso, absolvo o Estado Português do pedido.
Custas pela A.”.
A) que seja revogada e anulada a sentença e substituída por outra que declare que não se encontrando o imóvel a menos de 50 metros de distância da linha de água anteriormente (1864), fica a Autora dispensada de provar que o seu imóvel é objeto de propriedade particular ou comum desde antes de 31 de dezembro de 1864, reconhecendo-se a propriedade privada da Autora sobre o referido prédio.
B) Em alternativa, no caso de o Tribunal a quo não o ter decidido por não saber ou ter dúvidas, que se ordene a baixa dos autos para produção de tal prova, nos termos e para os efeitos do artigo 662.º n.º 2 alíneas b) e c) do CPC, ou determinar que o Tribunal de 1.ª instância fundamente a fixação dos factos fixados como não provados, nos termos do artigo 662.º n.º 2 alínea d) do CPC.
C) Caso assim não se entenda, tendo o Tribunal a quo omitido pronúncia quanto à Certidão Camarária e seu teor, nos termos do artigo 615.º n.º1 al. d) do CPC, que se declare nula a sentença proferida.
D) Mesmo que assim não se entenda, que se altere a matéria assente como não provada, fixando tais factos como provados e declare a propriedade privada da aqui Autora do prédio em causa nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º n.º 4 da Lei 54/2005, na atual redação.
E) Em alternativa, a substituição por decisão que altere a matéria assente como não provada, fixando tais factos como provados e declare a propriedade privada da aqui Autora do prédio em causa nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º n.º 3 da Lei 54/2005, na atual redação.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- nulidade da sentença, com fundamento no art.º 615º/1 d) CPC;
- omissão de fundamentação da decisão de facto;
- omissão de diligências de prova;
- reapreciação da decisão de facto e ampliação da decisão de facto;
- mérito da causa.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1 – A A. é uma sociedade comercial com o NIPC ...38, que tem por objeto o ensino desportivo e recreativo no âmbito de desportos náuticos, equitação e outros, aluguer e venda de equipamento desportivo e de artesanato, bem como alojamento mobilado para turistas – fls. 158/159.
2 - Na Conservatória do Registo Predial da Murtosa, está descrito sob o nº ...5/19900911 da freguesia ..., com a área total de 83.745,32 m2, a área coberta de 392,41 m2 e a área descoberta de 83.352,91 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...97 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...94. composto de casa de habitação com a área coberta de 392,41 m2 e descoberta de 5009,90 m2, e por parcelas de cultura, pastagem, pinhal com mato e mato, com a área de 78.343,01 m2, a confrontar, do norte, com Herdeiros de AA, do sul, com B..., S.A., do nascente, com Estrada e artigos ...47 e ...94, e do poente, com domínio público. Descrição em Livro: nº ...14, Livro nº ...24 – fls. 8/8v..
3 - Este prédio está inscrito pela Ap. ...24 de 2019/09/26 a favor de A..., Lda., por compra a EE – fls. 8/8v..
4 - O artigo matricial rústico ...97 da freguesia ... é do seguinte teor: localizado na Quinta ..., composto por terreno de cultura, pastagem, pinhal e mato, com a área total de (ha) 7,834301, a confrontar do norte, com Herdeiros de AA, do sul, com B..., S.A., do nascente, com Estrada e artigos ...47 e ...94, e do poente, com domínio marítimo – fls. 160v..
5 - O artigo matricial urbano ...94 da freguesia ... é do seguinte teor: localizado na ..., composto por prédio sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, com um piso e 4 divisões, com a área total do terreno de 5.402,3100 m2 – fls. 161.
6 – Por escritura celebrada, a 26/09/2019, no Cartório Notarial de FF, sito na Avenida ..., Porto, à qual compareceram EE e mulher GG, que outorgaram ambos por si e ele na qualidade de gerente, em nome e representação da sociedade denominada A..., L.da, tendo o outorgante marido, na dupla qualidade em que outorga, declarado que pela presente escritura e pelo preço de € 83.026,32, já recebido, vende à sua representada A..., Lda., livre de ónus e encargos, o seguinte prédio: misto, composto de casa de habitação, cultura, pinhal com mato e mato, sito na ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...94 e na matriz rústica sob o artigo ...97, descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa, está descrito sob o nº ...35 de Torreira. Pela outorgante mulher foi dito que presta a seu marido o necessário consentimento para inteira validade da prática deste ato. Pelo outorgante marido foi ainda dito que para a sua representada aceita a presente venda nos termos exarados – fls. 170/172v..
7 – O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ...5/19900911 da freguesia ... esteve inscrito:
a) pela Ap. ...19 de 2017/09/21, a favor de EE, casado com GG no regime de comunhão de adquiridos, por doação e partilha de EE e HH – fls. 339;
b) pela Ap. ...85 de 2010/08/19, a favor de HH, casada com EE no regime de comunhão geral de bens, por compra a II – fls. 339;
c) pela Ap. ...84 de 2010/08/19, a favor de II, por partilha judicial de JJ, casado com II, no regime de comunhão geral – fls. 338;
d) pela Ap. ... de 1972/10/28, a favor de II, casada com JJ, no regime de comunhão geral, por compra a KK e mulher LL, casados no regime de comunhão geral – fls. 338.
8 – Da referida descrição predial nº ...5/19900911 da freguesia ... consta ainda:
a) descrição em Livro: nº ...34 do Livro nº ...24 – fls. 337;
b) Ap. ...84 de 2010/08/19 – Averbamento de alteração. Rústico. Situado em .... Matriz nº ...36. Composição e confrontações: terreno de mato, pinhal e parte a cultivo – norte, AA, sul, MM, nascente, ria, e, poente, terrenos do Ministério da Marinha. Desanexado do nº 42.331, fls. 126, B-109 – fls. 338 e 356.
9 – O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ...31 (Livro ...09, fls. 126) foi extratado sob o nº 820 em 11/09/1990 – fls. 352/355.
10 – E foi inscrito, pela AP. ... de 1948/12/03, a favor de KK e mulher LL, por divisão de coisa comum feita com NN e esposa OO – fls. 352 e fls. 355.
11 - O prédio descrito sob o nº ...31 (Livro ...09, fls. 126) foi desanexado do prédio descrito sob o nº ...78 (Livro ...4, fls. 54v.) – fls. 356.
12 – O prédio descrito sob o nº ...78 (Livro ...4, fls. 54v.) é o resultado da anexação dos prédios nºs. ...61 (Livro ...6, fls. 49), ...0....24 (Livro ...5, fls. 107) e nº...1....23 (livro ...7, fls. 8v.) e parte do nº ...8....43 (Livro ...0, fls. 10) – fls. 181v./182 e fls. 363.
13 - O prédio descrito sob o nº ...78 foi inscrito:
a) pela Inscrição nº ...28, de 14/09/1921 (Livro ..., fls. 146), a favor de PP, por compra a QQ e a RR e esposa SS. Escritura lavrada pelo notário da cidade e comarca de Aveiro, TT, a 09/09/1921 – fls. 182/183 e 364;
b) pela Inscrição nº ...03, de 11/08/1932 (Livro ...3, fls. 112v.), a favor de QQ, UU, VV e RR, por compra a PP e esposa WW. Escritura lavrada pelo notário da cidade e comarca de Aveiro, TT, a 31/07/1929 – fls. 182v. e fls.365;
c) pela Inscrição nº ...00, de 28/12/1942 (Livro ...7, fls. 25), a favor de RR e esposa XX, QQ e esposa YY, UU e esposa ZZ, AAA e marido BBB, e CCC, a transmissão de ¼ parte do prédio já descrito sob o nº ...78, por falecimento de seu irmão e cunhado VV – fls. 183 e fls. 366;
d) pela Inscrição nº ...23, de 08/06/1946 (Livro ...7, fls. 199v.), a favor de KK e de NN, por o haverem comprado a RR e esposa XX, QQ e esposa YY, AAA e marido BBB, UU e esposa ZZ, e CCC. Escritura de 24/04/1945, lavrada pelo notário desta comarca, Dr. DDD, no livro nº ...52, a fls. 28 – fls. 183v. e fls. 367.
14 - O prédio descrito sob o nº ...23 (livro ...7, fls. 8v.) é o resultado da anexação dos prédios nºs. ...01 (Livro ..., fls. 32v.) e 9325 (Livro ...5, fls. 73v.) – fls. 184, fls. 185v. e fls. 368.
15 – Este prédio descrito sob o nº ...23 foi inscrito pela Inscrição nº ...19, de 08/02/1912 (Livro ..., fls. 192v.), a favor de RR, por compra a EEE e esposa FFF. Escritura lavrada pelo notário desta comarca de Estarreja, ..., a 04/02/1912 – fls. 184 e fls. 369.
16 – sob o nº ...01 está descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja o seguinte prédio rústico: Prédio rústico. Uma porção de terreno ou areal, situado no ..., freguesia ..., a correr com a beira da ria da mesma Costa, cujo terreno tem de comprido 3430 metros com 100 metros de largo em toda a extensão, a principiar no sítio das ... no limite da parte sul do terreno aforado por DD, do Ribeiro ..., em direção ao sul a findar no regueirão que está ao norte do bico de ...; confronta pelo norte com o terreno aforado pelo dito DD, pelo sul com o dito Regueirão, que está ao norte do bico de ..., pelo poente com o areal e pelo nascente com a beira da maré da ria da Torreira, ficando entre esta e o terreno aqui descrito o espaço de terreno preciso e marcado por lei para servir de logradouro comum e para por ele se poder passar a pé enxuto em toda a beira da ria ainda nas ocasiões das marés maiores e mais vivas. Tem este prédio 343:000 metros quadrados e poderá levar de semeadura de centeio 632:700 litros.
Este prédio, segundo a declaração complementar que fica arquivada no maço nº 3 deste ano de 1871, tem o valor venal de 101.210 réis e por ora nada rende.
Fiz o presente extrato à vista da referida declaração complementar, e de uma escritura de aforamento outorgada no livro de Notas da Comarca Municipal deste concelho de Estarreja aos oito de novembro de 1871, e apresentada sob o nº 1 do diário de 20 de Dezembro do mesmo ano de 1871.
Averbamento nº 1 – Segundo a escritura de retificação de aforamento, celebrada nas Notas da Comarca Municipal deste concelho de Estarreja, aos 31 de Dezembro de 1873, e apresentada sob o nº 2 do diário do mesmo dia e ano, e requerimento que acompanha e fica arquivado no maço nº 10 deste ano de 1873, o prédio confronta pelo sul, não com o regueirão que está ao norte do Bico do ..., mas com o areal, e a sua medição começa, não no sítio das ..., mas no sítio da ..., onde finda o terreno e areal aforado por DD.
Nº 2 – Este prédio com o descrito sob o nº ...35 a fls. 73v. do Livro ...6 formam o prédio descrito sob o nº ...23 a fls. 8v. do livro ...7 – fls. 185/185v. e fls. 383.
17 – Pela inscrição nº ...73, de 20/12/1873, foi inscrito que a 20/12/1871, BB, solteiro, fidalgo cavaleiro da casa real, comendador (etc.) apresentou uma escritura da qual consta que tomara de aforamento em hasta pública à Câmara Municipal de Estarreja, este prédio descrito sob o nº ...01, pelo foro anual de 5110 réis, com vencimento a 31 de dezembro de cada ano, com laudémio de quarentena, mediante as condições constantes do auto de arrematação, designadamente a de que o enfiteuta não poderá vender ou alienar sob qualquer pretexto o dito prédio ou parte dele, sem prévia autorização desta Câmara, senhoria direta e, obtida a autorização, não efetuará a venda sem primeiro entrar no cofre do município com o laudémio de quarentena – fls. 185v./186 e fls. 384/385.
18 – Pelo averbamento nº 1 de 31/12/1873 foi inscrito que BB, solteiro, fidalgo cavaleiro da casa real, comendador (etc.) apresentou uma escritura de retificação de aforamento celebrada nas Notas da Secretaria da Câmara Municipal do concelho de Estarreja, aos 31/12/1873, da qual consta que o prédio nº ...01, descrito no Livro ..., a fls. 32v., que havia tomado de aforamento à Câmara Municipal de Estarreja, não começa a medir-se no sítio das ..., mas sim no sítio da ..., que é onde finda o aforamento feito pela mesma Câmara a DD, do lugar do ..., freguesia ...; mostrando mais, que as condições de aforamento são as mesmas a que se obrigou o dito DD nas Notas da mesma Câmara em 11/04/1866 e sobre o aforamento da outra parte do ..., ficando nesta parte alteradas as condições a que o apresentante se obrigou na escritura, nas ditas Notas, de 08/11/1871, menos quanto ao foro, que fica subsistindo o desta escritura de 08/11/1871 – fls. 186/186v. e fls. 384/385.
A referida escritura de retificação de aforamento feita pela Comarca Municipal de Estarreja, a 31/12/1873, a BB foi junta a fls. 233v./234.
19 – Pela Inscrição nº ...18 (Livro ..., fls. 60), de 20/04/1885, o prédio descrito sob o nº ...01 foi inscrito a favor de GGG e esposa HHH, por doação de BB – fls. 187 e fls. 386/387.
20 - Por escritura celebrada, a 28/08/1972, na Rua ..., da vila de Ovar, casa de residência dos primeiros outorgantes KK e mulher LL, casados no regime de comunhão geral de bens, perante III, notário do Cartório Notarial de Ovar, os referidos primeiros outorgantes (além do mais que não interessa reproduzir) declararam vender, pelo preço de cem mil escudos, que já receberam, a sua filha II, que declarou aceitar a venda, (…) b) um terreno de mato e pinhal e parte a cultivo, sito no lugar ..., limite da freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com AA, do sul com MM, do nascente com a ria, e do poente com terrenos do Ministério da Marinha, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...36, e faz parte do prédio descrito sob o nº ...31, a fls. 126 do Livro ...09, da Conservatória do Registo Predial de Estarreja, que vendem por quarenta mil escudos; c) uma casa desmontável, em forma de barca, sita no mesmo lugar ..., no limite da mesma freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte, sul, nascente e poente com eles vendedores, omissa na respetiva matriz, tendo, porém, sido feita a participação para efeitos da sua inscrição, em 13 de julho do corrente ano na qual atribuíram o valor de dez mil escudos, preço da venda, como consta do conhecimento nº 180 do pagamento da respetiva sisa, ao fim mencionado, não descrita na referida Conservatória do Registo Predial de Estarreja, como consta da certidão lá passada em 22 do corrente mês, dela constando que, no entanto, faz parte do mesmo prédio descrito sob o nº ...31, atrás mencionado da Conservatória do Registo Predial de Estarreja – fls. 211v./214.
21 – Na escritura de compra e venda celebrada, a 24/04/1945, na Secretaria Notarial de Estarreja (além do mais que não interessa reproduzir), compareceram como 1ºs. outorgantes compradores KK e NN, e como 2º outorgante JJJ, que outorgou como procurador de RR e esposa XX, QQ e esposa YY, AAA e marido BBB, UU e esposa ZZ, e CCC, solteira, maior. Pelo 2º outorgante foi dito que os seus constituintes são donos e legítimos proprietários e possuidores de um terreno parte a pinhal e parte inculto, sito na freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com KKK numa linha reta de marcos que existem no sentido nascente poente, a sul do chamado ..., do sul com a mata florestal de ..., de nascente com a ria e do poente com as areias do mar, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...77, correspondendo a 25/26 deste artigo, compreendendo este prédio ainda uma casa de habitação, inscrita na matriz sob o artigo ...25, descrito na Livro ...4 a fls. 54v., sob o nº ...78, e corresponde a 25/26 de todo um prédio dos seus constituintes do qual foi vendido 1/26 a LLL (…) parte essa vendida que ficou a constituir um prédio distinto e com área legal. (…) Que pela presente escritura e pelo preço de 250.000$00 faz venda em nome dos seus constituintes aos 1ºs. outorgantes, em comum e partes iguais, do prédio precedentemente descrito (…); e como já recebeu dos compradores o referido preço da venda por isso dele lhes dá a respetiva paga e quitação e nos compradores cede e transfere todo o domínio, direito, ação e posse que os vendedores têm tido no prédio vendido obrigando-se também em nome dos seus constituintes a fazer a venda boa, segura e de paz a todo o tempo, a aceitar a autoria e a prestar a legal evicção. Em seguida disseram os compradores que aceitam a venda, quitação do preço e obrigação nos precisos termos que ficam exarados – fls. 227v./229v..
22 – Na Secretaria Notarial de Ovar foi celebrada, a 07/04/1948, escritura de divisão, tendo comparecido como 1ºs. Outorgantes KK e esposa LL, e como 2ºs. Outorgantes NN e esposa OO. Por todos os outorgantes foi dito (além do mais que não interessa reproduzir) que são donos e legítimos possuidores, em comum, dum terreno parte a pinhal, parte de cultivo e parte inculto sito na freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com KKK, do sul com a mata florestal de ..., do nascente com a ria e do poente com as areias do mar, inscrito na matriz rústica com o artigo 1177, correspondendo a 25/26 deste artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ...78 do Livro ...4, e corresponde a 25/26 de todo um prédio do qual foi vendido 1/26 a LLL, casado, da Murtosa: que este prédio que vai ser objeto de divisão e demarcação a fazer pela presente escritura, o compraram os 1ºs e 2ºs outorgantes por escritura de 24/04/1945, lavrada pelo notário da comarca de Estarreja, Dr. DDD, a RR e esposa e outros. Que intercalados neste prédio acham-se dois prédios, um pertencente ao referido LLL e outro a MMM e outros, pelo que uma parte do prédio dividendo fica para norte dos dois prédios que nele se intercalam e outra parte fica para sul. Que pela presente escritura procedem à divisão do referido prédio comum pela seguinte forma: a parte do prédio que é sita para o norte daqueles dois prédios de LLL e MMM e outros é dividida em duas glebas de igual valor no sentido de nascente para poente, sendo a divisória uma linha reta na qual se encontram cravados vários marcos de granito. A gleba do norte fica adjudicada aos 1ºs. outorgantes e confronta do norte com KKK, do sul com os 2ºs. outorgantes, do nascente com a ria e do poente com o mar. A gleba do sul fica adjudicada aos 2ºs. outorgantes e confronta do norte com os 1ºs. outorgantes, do sul com LLL e MMM e outros, do nascente em parte com estes mesmos e com a ria e do poente com o mar. Que a parte do prédio dividendo que fica para o sul dos já mencionados dois prédios de LLL e MMM e outros é igualmente dividida em duas glebas de igual valor no mesmo sentido de nascente para poente, sendo a linha divisória uma reta na qual se acham cravados vários marcos de granito. A gleba do sul é adjudicada aos 1ºs. outorgantes e confronta do norte com os 2ºs. outorgantes, do sul com a mata nacional de ..., do nascente com a ria e do poente com o mar. A gleba do norte é adjudicada aos 2ºs. outorgantes e confronta do norte com LLL, do sul com os 1ºs. outorgantes, do nascente com a ria e do poente com o mar – fls. 214v./215v..
23 – Por escritura celebrada, a 31/07/1929, no Cartório Notarial de Aveiro, à qual (além do mais que não interessa reproduzir) compareceram pessoalmente como primeiro outorgante comprador JJJ, na qualidade de procurador de QQ, de UU, de VV e de RR, e como segundos outorgantes e vendedores PP e esposa WW. E pelos vendedores foi dito que pela presente vendem de hoje para sempre a QQ, de UU, de VV e de RR, para eles em partes iguais, o seguinte de que são senhores e possuidores: um terreno lavradio e a pinhal com uma grande parte inculto, denominada a Quinta ..., situado na Torreira – à beira do mar e à beira da ria, na comarca de Estarreja, que toda confronta do norte com NNN, do sul com a mata de ..., nascente com a ria e do poente com areias públicas, alodial, e está descrita na Conservatória da comarca de Estarreja a fls. 54v.do Livro ...4 sob o nº ...78. Que lhe fazem esta venda pela quantia de 11.000$00, que do comprador já receberam em moeda corrente, pelo que dela lhe dão paga e quitação e nos constituintes do 1º outorgante transferem toda a posse e domínio que até hoje têm tido à propriedade aqui vendida e pertenças, sujeitando-se à evicção. Disse o 1º outorgante que para os seus constituintes aceita este contrato – fls. 222/223.
24 - Por escritura celebrada, a 09/09/1921, na Rua ..., cidade de Aveiro, morada de PP, à qual (além do mais que não interessa reproduzir) compareceram pessoalmente como primeiro outorgante e comprador PP, e como segundo, vendedor, NNN, e esposa SS. Pelo 2º outorgante foi dito que, na sua qualidade, vende de hoje para sempre ao 1º outorgante comprador, para ele e seus sucessores, o seguinte de que os seus constituintes são senhores e possuidores: um terreno lavradio e a pinhal sito na ..., freguesia ..., comarca de Estarreja, a confrontar do norte com NNN, do sul com a mata de ..., nascente com a ria e do poente com areias públicas, descrito na Conservatória a que pertence com os nºs. ...61, ...24, ...23 e parte do nº ...8....43 (…). Que lhe faz esta venda pela quantia total de 6.900$00, que do comprador já recebeu em moeda corrente pelo que da mesma e na sua qualidade dá ao comprador paga e quitação e nele transfere desde já toda a posse e domínio que os seus constituintes até hoje têm tido nas propriedades aqui vendidas e pertenças, sujeitando-se na sua qualidade, à evicção. Disse o comprador que aceita esta escritura na forma exarada (…) – fls. 220v./221v..
25 – Por escritura celebrada, a 04/02/1912, no Cartório Notarial de Estarreja, à qual (além do mais que não interessa reproduzir) compareceram pessoalmente como primeiro outorgante RR, e como segundo outorgante EEE, que também usa o nome EEE, por si e na qualidade de procurador de sua esposa FFF. E pelo segundo outorgante foi dito que ele e constituinte esposa são senhores e possuidores por herança de seu sogro e pai GGG de três lotes de areal inculto, sitos na ..., destinados à sementeira de pinhão, medindo o primeiro lote, de norte a sul, 3.430 metros e de nascente a poente 100 metros; o segundo lote, a seguir ao sul daquele, mede de norte a sul 400 metros e de nascente a poente 800 metros; e o terceiro lote, que é a seguir ao sul deste, mede de norte a sul 700 metros e de nascente a poente 800 metros, formando hoje estes três lotes, por serem pegados, uma só propriedade que mede 1.223.000 metros quadrados, (…) e foi descrita no inventário por falecimento de seu referido sogro e pai GGG com a denominação de ..., confrontando atualmente pelo norte com ..., nascente com a beira ria, poente com comprador e outros, indo pelo sul até ao limite do concelho; não é foreira por terem sido seus foros remidos à Câmara Municipal e não está sujeita a qualquer outro encargo, e como tal em seu nome e no da sua constituinte a vende ao primeiro outorgante RR pela quantia de 500.000 réis, que neste ato recebeu do comprador e por isso lhe dá paga e quitação cedendo no comprador todo o direito, domínio, ação e posse que tinha nos lotes de terreno vendidos (…). E pelo primeiro outorgante comprador foi também dito que aceitava esta escritura da maneira que se acha feita. (…) por mim notário que declaro que o 1º lote acha-se descrito no Livro ... a fls. 132 sob o nº 2.201, e o 2º e ...º descritos no Livro ...6 a fls. 73v., sob o nº 9.325 – fls. 230/231.
26 – Por escritura celebrada, a 05/04/1885, no Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, à qual compareceram, na qualidade de doador BB, solteiro, de maior idade, e na qualidade de donatário seu sobrinho GGG. E pelo primeiro outorgante foi dito que desde já para todo o sempre doa ao segundo outorgante seu sobrinho GGG (além do mais) uma porção de areal no limite da ..., da freguesia ..., que confronta do norte com DD, do sul com OOO, do nascente com a margem do rio que segue de Ovar para Aveiro, e do poente com areal do mar, cuja porção de terreno tem de comprido de norte a sul 3.430 metros e do nascente a poente tem 100 metros. Assim a outorgaram e cada um disse que pela sua parte a aceita – fls. 236v./238v..
27 - Por escritura celebrada, a 20/04/1885, por HHH, casada com GGG, autorizada por seu marido que também estava presente para autorizar sua dita mulher, foi dito que ratifica a aceitação que o seu dito marido fez da doação que a 05/04/1885 lhe fez o tio BB, e condições que pelo doador lhe foram impostas, como se ela mesma outorgante tivesse estado presente – fls.239/239v..
28 – No dia 03/09/1871, foi arrematado, à Câmara Municipal de Estarreja, por BB, por 5.110 réis, o foro anual de uma porção de terreno ou ..., que tem de comprido 3430 metros com 100 metros de largo, em toda a sua extensão, a principiar no limite da parte sul do terreno, aforado por DD, onde chamam as ... e a findar no regueirão que está ao norte do ... ou ..., a correr este terreno todo com a beira da maré da Ria e confronta, pelo norte, com o dito terreno aforado por DD, do sul, com o dito Regueirão que está no norte do ..., do poente, com o mesmo areal ou terreno maninho e, do nascente, com a beira da maré da Ria, ficando entre ela e este terreno que anda em praça o terreno preciso e em conformidade das leis em vigor para servirem de logradouro comum e para se poder passar a pé enxuto pela beira da Ria, e ainda nas ocasiões de maiores marés – fls. 231v./233.
29 - A escritura do auto de arrematação efetuou-se no dia 08/11/1871 no respetivo Livro de Notas do Escrivão da Câmara de Estarreja – fls. 231v..
30 - Esta escritura foi retificada pela de 31/12/1873 quanto à demarcação do terreno aforado, que tem os seguintes limites: “começa no sítio da ..., onde termina, pelo lado do sul, o terreno aforado ao dito DD, seguindo dali para sul o terreno aforado ao segundo outorgante na extensão acima aferida – fls. 233v./234.
31 – Por carta régia nº 20295, Dom Luís, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc., faz saber que, procedendo às diligências, anúncios e solenidades da lei e estilo, arrematou em hasta pública, na Repartição de Finanças do Distrito de Aveiro, no dia 22/12/1879, BB, pela quantia de 108.200 réis, na conformidade da lei de 28/08/1869, o seguinte foro, que pertencia à Câmara Municipal do Concelho de Estarreja – Foro de 5.110 réis, imposto numa porção de terreno de areal na ..., que confronta do norte com DD, do sul com OOO, nascente com a beira ria e poente com o areal; medindo de comprimento, de norte para sul, 3.430 metros, e de largo, de nascente para poente, 100 metros; com laudémio de quarentena enfiteuta – o comendador BB. (…) Hei por bem transmitir-lhe, por irrevogável e pura venda, toda a posse e domínio que no referido foro tinha a mencionada corporação, para que o arrematante seus herdeiros e sucessores o gozem, possuem e desfrutem como próprio – fls. 240/240v..
32 – A Câmara Municipal de Estarreja, na sessão ordinária de 06/08/1862, apreciou o requerimento de CC, em que pedia lhe dê de aforamento 40.000 m2 de terreno maninho ou ... ao sul dos palheiros da beira da ria no sítio onde chamam ... próximo à praia da mesma ria e deferiu o pedido – fls. 270v./271.
33 - A 19/08/1862 teve lugar a marcação do terreno de 40.000 m2 na presença do requerente CC, o CC, no lugar pretendido do ..., no lugar designado ..., que tem pelo lado nascente 250 metros de comprimento a correr com o marachão próximo à praia em direção ao ... do norte ao sul e pelo lado do poente a correr também do norte ao sul tem igual comprimento e, pelo lado do norte, a correr do nascente ao poente a contar do dito marachão tem a largura de 160 metros e pelo lado do sul, igual largura, tendo-lhe arbitrado o foro anual de 1030 réis na razão de 20 réis por alqueire – fls. 271/273.
34 - Na sessão da Câmara Municipal de Estarreja de 17/09/1862 foi aprovado o aforamento e mandado fosse afixado edital a publicitar a arrematação – fls. 274v./275v..
35 - A 12/10/1862, PPP arrematou por 8.000 réis o foro de uma porção de terreno inculto no ... com 40.000 m2 no sítio denominado a ..., demarcado com estacas de pinheiro nas extremidades e levará de semeadura 51,5 alqueires de centeio, nos termos e condições de fls. 278/280.
36 - No mesmo ato, após receber o ramo da arrematação, PPP cedeu e trespassou todo o direito, posse e ação que tinha pela arrematação ao terreno aforado em CC, obrigando-se este ao cumprimento exato de todas as cláusulas e condições neste auto exaradas e estipuladas, às quais ele arrematante se havia obrigado, trespasse que foi autorizado – fls. 279v./280.
37 - CC renunciou ao contrato de aforamento, tendo sido o requerimento deferido na sessão da Câmara Municipal de Estarreja de 14/01/1863 – fls. 270.
38 - Da escritura de aforamento de 11/04/1866, celebrada na Secretaria da Câmara Municipal de Estarreja, consta que compareceram perante o escrivão da Câmara de uma parte o atual presidente da Câmara Municipal deste concelho o doutor QQQ, e da outra, como segundo outorgante, DD e mulher RRR, tendo pelo segundo outorgante sido dito que havia arrematado em hasta pública, procedendo a ela as solenidades legais, no dia 25 de março findo, uma porção de terreno de areia, sita no ..., à beira ria da mesma costa, no sítio onde chamam as ..., a qual tem de comprido 800 metros a contar do sítio das ... com direção à ..., e com 100 metros de largo em toda a sua extensão, cujo terreno confronta do norte, sul e poente com o areal e terreno maninho pertencente a este Município, e do nascente com um marachão que em partes existe à beira da mesma ria, vindo todo o terreno por ele arrematado a ter 80.000 metros quadrados (…), cuja arrematação fez pelo foro anual de 2.080 réis, que serão pagos no dia 31 de dezembro do corrente ano, cujo pagamento será feito no cofre deste Município em moeda metal sonante; ficando mais ele segundo outorgante obrigado às condições seguintes (…) Que eles segundos outorgantes não poderão vender nem alienar, sob qualquer pretexto, o terreno aqui aforado sem prévia licença ou consentimento da Câmara Municipal deste concelho, concedida esta, a venda se não realizará sem o pagamento do laudémio que será de quarenta um para a Câmara Municipal, pago no mesmo cofre (…) – fls. 234v./236.
39 – O prédio identificado em 2 dos Factos Provados confronta atualmente, do nascente, com Estrada Nacional, e esta é ladeada, no troço em que confrontam, a nascente, pela Ria de Aveiro.
40 – O referido prédio encontra-se a menos de 50 metros da linha de água.
41 - Este canal da Ria de Aveiro é um curso de água navegável e flutuável, sujeito à influência das marés e sob jurisdição marítima.
42 – Durante os anos 80 do século XX ocorreram obras de ampliação do Porto de Aveiro.
Não se provou qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) o prédio identificado em 2 dos Factos Provados distanciava-se mais de 50 metros da linha de água;
b) a quota da linha de água aumentou, em virtude das obras de ampliação do Porto de Aveiro, fazendo com que o prédio passasse a distanciar-se menos de 50 metros da linha de água.
- Nulidade da sentença -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas T) e U), a apelante suscita a nulidade da sentença, com fundamento no art.º 615º/1 d) CPC por entender que o tribunal “a quo” não se pronunciou, quanto ao relevo probatório da certidão Camarária, com data de 07 de julho de 2021, que atesta a inexistência de inventários ou tombos anteriores a 1880, já que nenhuma decisão foi proferida quanto à mesma (se é um facto provado, se é um facto não provado, se não é importante para a decisão da causa).
Cumpre, pois, apreciar da apontada nulidade.
A sentença na sua formulação pode conter vícios de essência, vícios de formação, vícios de conteúdo, vícios de forma, vícios de limites[2].
As nulidades da sentença incluem-se nos “vícios de limites” considerando que nestas circunstâncias, face ao regime do art.º 615º CPC, a sentença não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia[3].
A omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar ou o conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento constitui um dos fundamentos de nulidade da sentença, previsto no art.º 615º/1 d) CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto no art.º 608º/2 CPC, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A respeito do conceito “questões que devesse apreciar” refere o Professor ANSELMO DE CASTRO que deve “ser tomada em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras ) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”[4].
O Professor LEBRE DE FREITAS, por sua vez, tem a respeito de tal matéria uma visão algo distinta, pois considera que devendo: “o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 660º/2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado”[5].
Para melhor precisar o seu entendimento remete para o estudo do Professor ALBERTO DOS REIS cuja passagem se transcreve:
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art.º 511º/1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.º 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”[6].
Seguindo os ensinamentos dos ilustres Professores, atendendo ao regime processual vigente, afigura-se-nos ser esta a interpretação que melhor reflete a natureza da atividade do juiz na apreciação e decisão do mérito das questões que lhe são colocadas, pois o juiz não se encontra vinculado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Resulta desta interpretação que a sentença não padece de nulidade porque não analisou um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
Contudo, no caso presente, a apelante suscita a nulidade da sentença, porque não foi ponderado um determinado meio de prova - uma certidão emitida pelos serviços do Município de Estarreja – e certos factos. No que concerne à ponderação dos elementos de prova e omissão de pronúncia sobre factos alegados, a irregularidade, a verificar-se, não configura uma nulidade porque não estamos perante a apreciação de questões, pois não se trata de omissão de pronúncia sobre questões jurídicas, suscitadas pela apelante. Não se trata de um vício de limites, pois não está em causa a omissão de pronúncia sobre os fundamentos do pedido os quais foram devidamente apreciados na sentença.
Conclui-se, assim, que a sentença não padece do vício apontado e os fundamentos alegados não preenchem a invocada nulidade.
Improcedem as conclusões de recurso, sob as alíneas T) a U).
Nas conclusões de recurso, sob a alínea S), a apelante insurge-se contra a decisão da matéria de facto não provada, por falta de fundamentação, pretendendo que se determine que o tribunal de 1ª instância fundamente a decisão, nos termos do art.º 662º/2 d) CPC.
Trata-se, assim, de apurar se a sentença é omissa a respeito da fundamentação das alíneas a) e b) dos factos não provados, que têm o seguinte teor:
a) o prédio identificado em 2 dos Factos Provados distanciava-se mais de 50 metros da linha de água;
b) a quota da linha de água aumentou, em virtude das obras de ampliação do Porto de Aveiro, fazendo com que o prédio passasse a distanciar-se menos de 50 metros da linha de água.
Cumpre ter presente antes do mais, o excerto da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da decisão de facto, que se passa a transcrever:
“[…]Nºs. 39 a 42 dos Factos Provados e alíneas a) e b) dos Factos Não Provados:
Inspeção Judicial (fls. 314v.).
O A., nas declarações de parte que prestou, disse que o imóvel fica face à estrada. Esta tem 7 ou 8 metros de largura. Existe, depois, um enrocamento de proteção da estrada e imediatamente a seguir a ria. Acrescentou que quando era criança (finais dos anos 50, inícios dos anos 60) a ria tinha um areal utilizado para jogarem à bola. Tal areal tinha uns 30 metros de largura. Nos anos 80 foi alargada a barra do Porto de Aveiro, para entrarem barcos maiores, o que faz com que entre e saia muito mais água com muito mais velocidade.
A testemunha SSS disse ter sido amigo na juventude do Eng. EE (sócio-gerente da A.). No início dos anos 70 foi fazer piqueniques ao prédio que hoje pertence à A.. O prédio confrontava com a estrada. Costumavam tomar banhos na ria. Entre a estrada e a ria havia uma extensão de areal de 20 a 30 metros de largura. Houve alterações da linha de água. Foi aprofundado o canal de acesso ao porto, o que fez com que se alterasse a amplitude das marés – sobem e descem mais alguns centímetros. Houve outra empreitada de remoção de areias, que fez com que as margens baixassem e as águas se aproximassem da estrada.
A testemunha TTT, técnica superior da APA, disse que uma pequena parte do prédio identificado em 2 dos Factos Provados está inserida na margem da Ria de Aveiro. Não há cartografia de 1864. Os documentos antigos referem que o prédio confronta com a ria. As fotografias juntas a fls. 301v. e seguintes não têm qualidade e não permitem concluir que o avanço das águas foi de mais de 50 metros. As dragagens do Porto de Aveiro são regulares e não têm grande influência no local onde se situa o prédio. De vez em quando é preciso dragar para aprofundar o canal e melhorar a navegação.
Conjugada toda a prova entendemos não ter resultado provado que o prédio se distanciava mais de 50 metros da linha de água e que foram as obras de ampliação do Porto de Aveiro que fizeram com que a quota da linha de água aumentasse e o prédio se passasse a distanciar-se menos de 50 metros da linha de água.
Em primeiro lugar, todos os documentos até à escritura celebrada, a 28/08/1972 (inclusive), referem que o prédio confronta, a nascente, com a ria. Depois, das coberturas aerofotogramétricas juntas a fls. 301 e segs. não resulta, só por si, que o prédio estava distanciado mais de 50 metros da linha de água, nem como é que estava a linha de água em 1864”.
“1. (… )
2. (… )
3. (… )
4.Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência.
5. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6. (… ).“
Deste regime decorre que cumpre ao juiz explicar os motivos que influenciaram e determinaram a decisão acerca da matéria de facto, fazendo uma análise crítica da prova.
Nesse processo de decisão cumpre concretizar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção, mas não tem que catalogar as razões que se foram revelando no decurso da audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal, mas apontar seletivamente, entre as razões que “decidiram“, aquela ou aquelas que tiveram a maior força persuasiva[7].
Face ao critério estabelecido na lei e no sentido de garantir a transparência das decisões, cumpre ao juiz no ato de julgar a matéria de facto demonstrar o raciocínio lógico que conduziu à decisão, ponderando os diversos meios de prova e a sua natureza, a razão de ciência da testemunha e nisso se traduz a análise crítica da prova[8].
A doutrina tem defendido que cumpre explicar o motivo pelo qual se deu particular relevância a um depoimento em detrimento de outro, bem como, se deu particular relevo a um relatório pericial em prejuízo de outro, ou relevância ao depoimento de um perito em detrimento de um laudo pericial[9].
A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à sua valoração.
TEIXEIRA DE SOUSA vai mais longe, sugerindo um método de análise:“[s]e o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos“[10].
Contudo, a lei apenas prevê um critério e não impõe um método de análise, permitindo desta forma ao julgador procurar a fórmula que melhor preencha o critério legal, face ao caso concreto.
A necessidade de fundamentação não importa perda de liberdade de julgamento, a qual se mostra garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 607º/5 CPC[11].
Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação, mas não dispensa a fundamentação, porque só através desse ato é possível apurar o convencimento do juiz.
Como refere LEBRE DE FREITAS: “[q]uando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui um complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas), evidencia a importância do modo, como ele depôs, as suas reacções, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento. Ainda que a prova seja gravada e, portanto, susceptível de ser reapreciada pela Relação (art. 712º /1 a contrario ), a necessidade de fundamentação séria, leva, indirectamente, o tribunal a melhor confrontar os vários elementos de prova, não se limitando às suas intuições ou às suas impressões mais fortes recebidas na audiência decorrida e considerando, um a um todos os factores probatórios submetidos à sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei, os relativos à conduta processual da parte. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o auto-controlo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional”[12].
A falta de motivação determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no art.º 662º/2 d) CPC ou a anulação do julgamento, ao abrigo do art.º 662º/2/c) CPC.
Daqui decorre que a determinação da fundamentação sobre certos pontos da matéria de facto cede quando seja impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção de prova (art.º 662º/3 b) e d) CPC).
A verificar-se esta situação o juiz do tribunal “a quo” tem de justificar a razão da impossibilidade cabendo à Relação valorar a relevância de tal impossibilidade, nomeadamente para determinar a eventual anulação da decisão proferida[13].
De igual modo, cumpre salientar, que apenas a falta de fundamentação em relação a factos essenciais, justifica a remessa do processo à 1ª instância para efeitos de fundamentação da decisão.
Julgado provado ou não provado um facto, sem fundamentação, que não se revele concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante.
No caso concreto, analisado o segmento da decisão que se pronunciou sobre a fundamentação da decisão de facto, conclui-se que o juiz do tribunal “a quo”, fazendo um juízo crítico da prova, observou o critério legal, na fundamentação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos não provados.
Desde logo, começou por ponderar os vários meios de prova - inspeção ao local, declarações de parte e depoimento das testemunhas - e em seguida, expôs a relevância dos vários meios de prova, para apurar os factos controvertidos, de forma crítica, ou seja, procedeu à valoração da prova, indicando a razão de ciência das testemunhas e a relevância do seu depoimento na apreciação dos factos, para concluir por que motivo deu relevância a certos depoimentos das testemunhas ou não os valorou.
No conjunto da prova produzida, de acordo com as normas da experiência e com observância do princípio da livre apreciação da prova, indicou o que se afigurou decisivo para a fundamentação da decisão, fazendo menção de forma expressa aos motivos pelos quais formou a sua convicção, no sentido de julgar provada a matéria em causa e assim o afirma de forma expressa na parte final da motivação, indicando as razões pelas quais não julgou provada a versão da Autora.
Na fundamentação crítica da decisão da matéria de facto cumpre apenas indicar os fundamentos que foram decisivos, para a decisão, pois não se trata de catalogar as razões que se foram revelando no decurso da audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal, nem se exige a fundamentação facto a facto, sobretudo quando está em causa matéria de facto conexa entre si, como ocorre no caso presente.
Conclui-se, que o juiz do tribunal “a quo” procedeu a uma análise crítica da prova, pois conheceu do conteúdo dos vários meios de prova, determinou a relevância e procedeu à respetiva valoração, com indicação dos fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
Neste contexto, a fundamentação da matéria de facto respeita o critério legal, motivo pelo qual não se justifica a remessa do processo à 1ª instância para completar a fundamentação, nem a anulação da decisão.
Nos termos do art.º 662º/2/b) CPC a Relação deve, mesmo oficiosamente, ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova.
Conforme resulta da fundamentação da decisão, o juiz do tribunal “a quo” não manifestou qualquer dúvida a respeito dos factos que lhe cumpria julgar.
Por outro lado, a lei atribui ao Tribunal da Relação a faculdade de produção de novos meios de prova quando se verifique “dúvida fundada sobre a prova realizada”. Os fundamentos indicados pela apelante não sustentam tal dúvida e por isso, não se justifica a produção de prova pericial.
Improcedem as conclusões de recurso, sob a alínea S).
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a P) e V), insurge-se a apelante contra a decisão de facto e pretende, ainda, a ampliação da matéria de facto.
Na alínea V) das conclusões considera a apelante que o tribunal de 1ª instância omitiu a pronúncia sobre factos, pretendendo que se considere provado todo o teor da certidão emitida pela Câmara com data de 07 de julho de 2021.
Nos termos do art.º 666º/2 /c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão.
A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[14].
Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.
Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[15].
Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 682º/3 CPC.
Na situação concreta, na petição aperfeiçoada a apelante alegou:
- “No Arquivo Municipal de Estarreja, segundo certidão negativa emitida pelo mesmo serviço, com data de 26 de novembro de 2020, não foram encontrados “inventários ou livros de tombo de bens municipais deste concelho anteriores a 1880, não constando, igualmente, do catálogo ou recenseamento geral da documentação”.
A certidão constitui um documento e como meio de prova que é, destina-se a fazer a prova dos factos que constituem os fundamentos da ação (art.º 362º CC, art.º 410º e 423º CPC).
Tal circunstância impede que se proceda à ampliação da matéria de facto, por não estar em causa um facto essencial, mas um facto instrumental, que consiste no conteúdo da certidão.
Acresce que a mera alegação não representa em si um facto essencial para os efeitos de sustentar os fundamentos da ação, quando a autora não alegou que dispunha em data anterior a 31 de dezembro de 1864 de documento, ou título legítimo, que demonstrasse a propriedade particular do prédio reivindicado.
Estando em causa o reconhecimento da propriedade privada sobre recursos hídricos, no caso margem de águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis prevê o art.º 15º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro (alterada pela Lei 78/2013, de 21 de novembro, Lei 34/2014, de 19 de junho, Lei n.º 31/2016 de 23 de agosto):
“1. […]
2. Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3. Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5.[…]”.
Prevendo-se a dificuldade na obtenção de prova documental, como se exige no nº2 do preceito, o nº 4 prevê um regime mais flexível, pois permite:
- que a prova seja feita relativamente a uma data anterior a 1 de dezembro de 1892;
- admite que seja feita prova da propriedade ou da posse, indiferentemente.
Porém, como salientam JOSÉ MIGUEL JUDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO – “[…]o autor só poderá mobilizar esta causa de pedir na hipótese de não dispor, ou não dispor nas devidas condições dos documentos anteriores a 1864 ou a 1868 – ainda que, neste caso, se especifique que tais documentos se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente”[16].
No caso dos autos, a autora não alegou, ao abrigo do disposto no art.º 15º/2 que dispunha de documento com data anterior a 31 de dezembro de 1864, que comprovasse a propriedade particular do prédio em causa, pois o que está em causa nesta ação é a propriedade particular, por contraposição à propriedade comum.
A certidão apenas certifica: “não foram encontrados inventários ou livros de tombo de bens municipais deste concelho anteriores a 1880, não constando, igualmente, do catálogo ou recenseamento geral da documentação”.
Os inventários descrevem os bens do município e os livros de tombo contêm os registos dos bens objeto de contratos de aforamento ou foros, de particular importância para o apuro das receitas do município, como salientou a testemunha UUU.
Os documentos em causa não comprovam a propriedade particular ou privada (expressões da lei).
A inexistência de documento que comprove a propriedade particular não equivale à sua ilegibilidade ou destruição, nas circunstâncias previstas no nº 4 do art.º 15º e por esse motivo não poderia a apelante fazer uso de tal regime para demonstrar a propriedade particular da parcela de terreno.
Em conclusão o alegado facto certificado na certidão indicada pela apelante não constitui um facto essencial e por isso, não se justifica a ampliação da decisão de facto, com tal fundamento.
O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – prova testemunhal e documental - e decisão que sugere.
Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, em relação à alínea a) e b) dos factos julgados não provados.
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[17].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[18].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[19].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[20] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.
Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[21].
Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.
A apelante impugna a decisão dos seguintes factos julgados “não provados”:
a) o prédio identificado em 2 dos Factos Provados distanciava-se mais de 50 metros da linha de água;
b) a quota da linha de água aumentou, em virtude das obras de ampliação do Porto de Aveiro, fazendo com que o prédio passasse a distanciar-se menos de 50 metros da linha de água.
Na fundamentação da decisão ponderou-se, como se passa a transcrever:
“[…] alíneas a) e b) dos Factos Não Provados:
Inspeção Judicial (fls. 314v.).
O A., nas declarações de parte que prestou, disse que o imóvel fica face à estrada. Esta tem 7 ou 8 metros de largura. Existe, depois, um enrocamento de proteção da estrada e imediatamente a seguir a ria. Acrescentou que quando era criança (finais dos anos 50, inícios dos anos 60) a ria tinha um areal utilizado para jogarem à bola. Tal areal tinha uns 30 metros de largura. Nos anos 80 foi alargada a barra do Porto de Aveiro, para entrarem barcos maiores, o que faz com que entre e saia muito mais água com muito mais velocidade.
A testemunha SSS disse ter sido amigo na juventude do Eng. EE (sócio-gerente da A.). No início dos anos 70 foi fazer piqueniques ao prédio que hoje pertence à A.. O prédio confrontava com a estrada. Costumavam tomar banhos na ria. Entre a estrada e a ria havia uma extensão de areal de 20 a 30 metros de largura. Houve alterações da linha de água. Foi aprofundado o canal de acesso ao porto, o que fez com que se alterasse a amplitude das marés – sobem e descem mais alguns centímetros. Houve outra empreitada de remoção de areias, que fez com que as margens baixassem e as águas se aproximassem da estrada.
A testemunha TTT, técnica superior da APA, disse que uma pequena parte do prédio identificado em 2 dos Factos Provados está inserida na margem da Ria de Aveiro. Não há cartografia de 1864. Os documentos antigos referem que o prédio confronta com a ria. As fotografias juntas a fls. 301v. e seguintes não têm qualidade e não permitem concluir que o avanço das águas foi de mais de 50 metros. As dragagens do Porto de Aveiro são regulares e não têm grande influência no local onde se situa o prédio. De vez em quando é preciso dragar para aprofundar o canal e melhorar a navegação.
Conjugada toda a prova entendemos não ter resultado provado que o prédio se distanciava mais de 50 metros da linha de água e que foram as obras de ampliação do Porto de Aveiro que fizeram com que a quota da linha de água aumentasse e o prédio se passasse a distanciar-se menos de 50 metros da linha de água.
Em primeiro lugar, todos os documentos até à escritura celebrada, a 28/08/1972 (inclusive), referem que o prédio confronta, a nascente, com a ria. Depois, das coberturas aerofotogramétricas juntas a fls. 301 e segs. não resulta, só por si, que o prédio estava distanciado mais de 50 metros da linha de água, nem como é que estava a linha de água em 1864”.
A apelante sugere que se julguem provados os factos não provados e sustenta a alteração no depoimento da testemunha SSS e nas fotografias obtidas através da Direção Geral do Território.
Cumpre ter presente uma súmula dos depoimentos prestados sobre a matéria de facto impugnada:
- EE, 66 anos, reformado, engenheiro mecânico; legal representante da autora.
Referiu que a Autora adquiriu o prédio ao depoente em 2019. A mãe doou ao declarante. Pertenceu desde 1948 à família – mãe, avô e bisavô.
O prédio tem uma área de 86 000m2 e confronta a nascente com a ria, agora estrada e com um terreno que lhe pertence onde está a barca, poente dunas de ... (Estado), sul com primo e a norte com outro primo. O imóvel fica à face da estrada. Tem a estrada e tem um enrocamento de 2 ou 3 metros da linha de água da ria, para evitar que a água entre.
Disse, ainda, que “no início não havia a estrada era tudo areia. Anos 50 estrada de saibro e uma praia até à água. Um areal grande, que utilizavam como praia. Nos anos 60 era utilizado pela família. O avô tinha uma casa e reuniam-se os filhos, 4 com os seus filhos. Areal de cerca de 40 metros e dependia da maré cheia ou vaza. Com a estrada havia 30-40 metros de areal. Desde os anos 60 até esta data”.
Referiu, ainda, que “a água agora está mesmo à face da estrada e por causa da construção nos anos oitenta a construir o porto de Aveiro. Estão constantemente a dragar aquilo. Entra muita água e sai muita água. Dizem que ainda vão dragar mais”.
SSS, casado, 63 anos, engenheiro civil, Ovar.
Referiu conhecer sócio gerente da autora por ser seu conhecido de Ovar, local onde residiu e conhece o prédio porque tem uma singularidade devido à barca que ali se encontra construída e quando tinha 15 anos fazia piqueniques com família e amigos. No início dos anos 70, em 1970 ou 71.
Disse que o prédio confronta com a estrada e do outro lado havia uma pequena praia. Piquenique na propriedade. Tomavam banho na ria antes de comer, por causa das congestões.
Mais referiu que “houve alterações no nível da ria, porque se têm feito intervenções. Maior amplitude da maré e trabalhos de dragagem que alteraram as margens. Entre a estrada e a ria havia areia e hoje não existe. Hoje é estrada enrocamento e ria. Havia 20-30 m de areal, mas não me pergunte se era na baixa mar ou preia mar. Mas na preia ainda havia areia”.
Referiu que participou nas obras realizadas no porto de mar de Aveiro. “Subiu a preia e desceu com a baixa. Uma ou outra empreitada nas margens. Aprofundados o canal da ria e as margens baixaram. As águas aproximaram-se da estrada”.
Disse, ainda, que “as alterações ocorreram por ação do homem, mas o mecanismo da maré não se alterou. As correntes são mais fortes, devido ao aprofundamento do canal e pode causar o alagamento das margens”.
Por fim referiu que o prédio nos anos 70 era da propriedade do Eng.º EE.
TTT, divorciada, 60 anos, engenheira do ambiente, Técnica superior da APA, Lisboa.
Disse que no prédio em causa, “uma parcela do prédio está dentro da margem da ria de Aveiro.
Não tem conhecimento de avanço. A linha do limite do leito é junto à estrada. A água não passa da estrada. A data relevante é 1864 e não tem cartografia que demonstre que era outra a linha de água. As fotografias não relevam. Não está demonstrado o avanço das águas. Os documentos anteriores referem sempre a confrontar com a ria”.
Mais referiu que “conhece o prédio, onde esteve, a última vez em 2022. Esteve na ria de Aveiro e a ver vários prédios. Trabalhou sempre em Lisboa e com colegas da região hidrográfica do Centro. Não conhece cartografia do local”.
Disse, ainda, que “em 1947 não havia estrada. A estrada é de 1950. A data de referência é 1864, a margem por referência a esta data”.
Sobre as obras realizadas no porto de Aveiro disse: “fizeram-se dragagem no porto de Aveiro, porque não vê diferença na linha de limite do leito. As dragagens permitem a navegabilidade do leito, com mais profundidade do canal. A água é a mesma, apesar de aumentar a profundidade. Em 1958 poderia a água não bater na estrada, mas anda ali perto. As fotografias que recebeu não tem qualidade suficiente, porque tem parte branca que deve ser areia, mas não se consegue ver. A linha de água é definida em determinadas épocas do ano. Aqui não há um processo de delimitação”.
Analisando a prova.
O depoimento da testemunha SSS mesmo considerando os excertos transcritos na motivação das alegações de recurso, não justifica a alteração da decisão, porque do seu depoimento apenas se pode extrair que ocorreram obras de dragagem no porto de Aveiro e no canal da ria onde situa o prédio, o ciclo das marés mantém-se o mesmo e o limite da água da ria aproximou-se da estrada, devido ao facto de se aprofundar o canal. Porém, foi o próprio a afirmar “não me pergunte na baixa ou preia mar”, evidenciando que a determinação da linha limite do leito da água do mar depende da sequência das marés e não propriamente de uma obra pontual de dragagem. Em concreto, do seu depoimento não se extrai que ocorreu uma alteração na distância entre a linha limite do leito e o limite do prédio.
Sob este aspeto o depoimento da testemunha TTT mostrou-se objetivo e esclarecedor, porque indicou a linha limite do leito, como se obtém e o motivo pelo qual os elementos que constam das fotografias não permitem concluir pela verificação de qualquer alteração nessa linha, com projeção nos limites do prédio reivindicado, o qual desde sempre vem referenciado nos documentos com a mesma confrontação – a ria de Aveiro.
Em relação às imagens obtidas através dos documentos aerofotogramétricos é de referir que a primeira imagem foi recolhida em 1967, não esclarecendo a apelante como pela sua análise se pode concluir que em 1864 o prédio distanciava mais de 50 m da linha da ria de Aveiro (apesar de o afirmar sob a alínea M) das conclusões de recurso).
Não foi produzida prova documental por referência aos anos anteriores a 1864 que permita concluir objetivamente pela verificação de uma alteação na linha limite do leito.
Entendemos, pois, que considerada a prova produzida na sua globalidade a decisão que julgou não provada a matéria de facto impugnada não merece censura.
Improcedem as conclusões de recurso, sob as alíneas A) a P) e V).
Na apreciação das restantes questões cumpre ter presente os factos provados e não provados tal como constam na sentença e acima transcritos, os quais não foram objeto de qualquer alteração.
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas Q) a R) e W) a E), a apelante insurge-se contra a decisão de direito, pretendendo que se revogue a sentença e se reconheça a seu favor a propriedade particular do prédio.
A ação foi instaurada ao abrigo do art.º 15º/1/2/3/4 da Lei 54/2005 de 15 de novembro, que veio definir a titularidade dos recursos hídricos, a qual foi objeto de alterações pela Lei 78/2013 de 21 de novembro, Lei 34/2014 de 19 de junho e por último, pela Lei 31/2016 de 23 de agosto.
Nesta ação está em causa apurar se o prédio, cuja propriedade a autora visa reconhecer, foi objeto de propriedade particular ou posse em nome próprio de particulares ou esteve na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa desde data anterior a 31 de dezembro de 1864.
Na sentença considerou-se em relação à pretensão de ver reconhecida a propriedade privada, por a “propriedade original ter sido da Câmara Municipal de Estarreja, verifica-se que os bens municipais, na época, era bens alienáveis, estando na fruição conjunta dos munícipes, ou seja, suscetíveis de posse por privados”, que a autora carecia de legitimidade, improcedendo o pedido com tal fundamento.
Escreveu-se na sentença e passa a citar-se:
“A A. (parece) propôs-se demonstrar, simultaneamente, por documentos, os dois fundamentos que o nº 3 do art.º 15.º da Lei nº 54/2005 apresenta como alternativos; ou seja, que, antes de 31/12/1864, os terrenos do prédio inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ...5/19900911, estavam: a) na posse, em nome próprio, de particulares, isto é, eram propriedade privada; b) na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa; isto é, eram baldios.
[…]
2ª - O segundo meio de obter o reconhecimento da propriedade é a do nº 3: na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas4, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
Trata-se de situações alternativas que se excluem reciprocamente e que valem para a falta de documentos que comprovem que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31/12/1864 (situação do nº 2, antes considerada).
A alínea a) do nº 2 do art.º 15.º da Lei nº 54/2005, correspondente ao atual nº 3, tirava desta prova a presunção de que os terrenos eram particulares, ou estavam na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa (eram baldios). O nº 3 do art.º 15.º (redação atual) eliminou esta presunção: feita a prova de que os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa antes de 31/12/1864, é conclusão definitiva a tirar daí que os terrenos são particulares ou baldios.
Desta norma retira-se que, não existindo documentos para a prova exigida pelo nº 2 do art.º 15.º, pode ser provado que os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares, se forem privados a arrogar-se a propriedade dos terrenos ou que estavam na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, se forem estas (município ou junta de freguesia) a arrogar-se a propriedade dos terrenos.
Não podem, pois, os particulares (no nosso caso, a A.) virem invocar a propriedade dos terrenos com os dois fundamentos como fazem nas alíneas a) e b) dos pedidos (fls. 10), como veremos à frente.
Nesta situação, parece que não existe restrição de prova. No entanto, é óbvio que, dado o tempo decorrido, a prova testemunhal tem de limitar-se à prova indireta: ouvir dizer a quem ouviu dizer de terceiros que ouviram dizer de outrem.
Os “particulares” a que o nº 3 do art.º 15.º da Lei nº 54/2005 faz referência são terceiros em relação ao pretendente a proprietário e sem ligações com ele, familiares ou outras. São aqueles que, antes de 31/12/1864, conseguiram a posse em nome próprio, a propriedade, dos terrenos. E claro nos parece que os pretendentes à propriedade dos terrenos têm de fazer a prova de que se mantiveram assim até ao presente, tal como na situação anterior.
[…]
Na presente ação, os pedidos têm apenas a ver com as situações acima referidas na situação 2ª. Portanto, a situação respeita a saber se, à falta de documentos que comprovem que os terrenos, antes de 31/12/1864, eram, por título legítimo propriedade particular ou comum, os referidos terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, isto é, que tinham entrado no domínio privado ou comum.
Parece-nos que “propriedade comum” do nº 2 e “fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa” desenham a mesma realidade: o domínio comum, a propriedade comunal dos vizinhos de certas circunscrições ou de parte dela (baldios).
A ser assim, não podem os privados pretender obter o reconhecimento da sua propriedade particular, individual, de bens em propriedade comum, um baldio. Daí que o fundamento da alínea a) dos pedidos seja totalmente de descartar, em si mesmo considerado.
Pela razão simples de que o reconhecimento dos terrenos como baldios deveria ser feito pelos respetivos órgãos que, atenta a data da propositura desta ação, é o conselho consultivo – alínea h) do art.º 21.º da Lei nº 72/2014, de 02/09; antes, a assembleia de compartes – alínea j) do art.º 6.º do D.L. nº 39/76, de 19/01.
Por conseguinte, a A. não tem legitimidade para este o pedido.
De resto, o nº 3 do art.º 15.º do D.L. nº 54/2005 está redigido em termos alternativos: a pretensão é formulada pelos particulares quanto aos bens que estavam em nome próprio dos particulares; pelos órgãos competentes quanto aos bens que estavam na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
Os baldios são definidos nos arts. 1.º do D.L. nº 39/76, de 19/01, e do D.L. 68/93, de 19/01, republicada pela Lei nº 72/2014, de 02/09, que o alterou, e do art.º 2.º da Lei nº 72/2014, de 02/09.
As definições têm um denominador comum que caracteriza os baldios: são terrenos possuídos e administrados por comunidades locais ou como tais possuídos e geridos no passado e que não foram objeto de extinção.
Parece que importa distinguir baldios e bens do concelho, embora alguns bens do concelho possam ser baldios. Estão neste último caso os bens do concelho que estavam no uso das pessoas do concelho.
Finalizamos o antes exposto com a conclusão de que a A. não podia socorrer-se dos fundamentos da última parte do nº 3 do art.º 15.º do D.L. nº 54/2005, por não ter legitimidade para reclamar os terrenos como baldio.
Com efeito, de duas uma: ou os terrenos estavam, antes de 31/12/1864, na fruição conjunta de indivíduos do Município de Estarreja, como baldios obviamente, ou se encontravam na posse, em nome próprio, de particulares como propriedade privada”.
A apelante não se insurge contra tal segmento da decisão.
Resta, pois, a reapreciação da decisão na perspetiva do reconhecimento do direito de propriedade particular.
Cumpre, antes do mais, ter presente desde logo as particularidades do regime jurídico.
Como determina o art.º 84º/1 a) da CRP pertencem ao domínio público as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos.
Por sua vez o art.º 84º/2 CRP prevê que a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.
É neste contexto que se enquadra a Lei 54/2005 de 15 de novembro, que veio definir a titularidade dos recursos hídricos, a qual foi objeto de alterações pela Lei 78/2013 de 21 de novembro, Lei 34/2014 de 19 de junho e por último, pela Lei 31/2016 de 23 de agosto.
Atendendo à data da instauração da presente ação - 2021 - aplicam-se, no caso dos autos, as alterações introduzidas ao art.º 15º, pela Lei 34/2014 de 19 de junho, pois a alteração introduzida pela Lei 31/2016 de 23 de agosto não tem reflexo no caso presente por ter como destinatário as Regiões Autónomas.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro, o domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas, incluindo-se, além do mais, no domínio público marítimo as águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas (alínea b) do artigo 3º da Lei nº 54/2005).
O domínio público lacustre e fluvial pertence ao Estado ou, nas regiões autónomas, à respetiva região (artigo 6º, nº 1, da Lei nº 54/2005).
Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades, compreendendo-se no leito os mouchões, os lodeiros e os areais nele formados por deposição aluvial (artigo 10º, nº 1, da Lei nº 54/2005).
O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais, sendo essa linha definida, em cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no caso do mar e em condições de cheias médias, no caso das demais águas sujeitas à influência das marés (artigo 10º, nº 2, da Lei nº 54/2005).
A margem é uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas (artigo 11º, nº 1, da Lei nº 54/2005), tendo a largura de cinquenta metros no caso das águas do mar, bem como das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias (artigo 11º, nº 2, da Lei nº 54/2005).
São particulares, sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens de águas do mar e de águas navegáveis e flutuáveis que forem objeto de desafetação e ulterior alienação, ou que tenham sido, ou venham a ser, reconhecidos como privados por força de direitos adquiridos anteriormente, ao abrigo de disposições expressas desta lei, presumindo-se públicos em todos os demais casos (alínea a) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 54/2005).
A autora visa com a presente ação o reconhecimento de propriedade privada sobre uma parcela de terreno que se situa na margem da ria de Aveiro – prédio descrito sob o ponto 2 dos factos provados.
Nas alíneas Q) a R) das conclusões de recurso insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que julgou improcedente a ação, por não se provar que o imóvel se encontrava a mais de 50 metros de distância da linha de água por referência à data de 1864 e que a quota de linha de água aumentou, em virtude das obras de ampliação do porto de Aveiro, fazendo com que o prédio passasse a distanciar-se menos de 50 metros da linha de água.
Contudo, atendendo aos factos provados é de concluir que a decisão não merece censura, na medida em que a impugnação da decisão tinha como pressuposto a alteração da decisão de facto por efeito da reapreciação, o que não se verificou.
Acresce que decorre dos factos provados:
39 – O prédio identificado em 2 dos Factos Provados confronta atualmente, do nascente, com Estrada Nacional, e esta é ladeada, no troço em que confrontam, a nascente, pela Ria de Aveiro.
40 – O referido prédio encontra-se a menos de 50 metros da linha de água.
41 - Este canal da Ria de Aveiro é um curso de água navegável e flutuável, sujeito à influência das marés e sob jurisdição marítima.
42 –Durante os anos 80 do século XX ocorreram obras de ampliação do Porto de Aveiro.
Da conjugação dos factos resulta que o prédio em causa se encontra a menos de 50 metros da linha de água e integra-se de acordo com o regime da Lei 54/2005 de 15 de novembro na área do domínio público hídrico – art.º 2º, 3º/e - “As margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés”.
A apelante/autora pretende através da presente ação, ao abrigo do art.º 15º do citado diploma, que se reconheça a propriedade privada em toda a extensão do prédio, incluindo as referidas margens que fazem parte do domínio público hídrico.
O art.º 15º do citado diploma passou a prever o modo como os particulares podem obter o reconhecimento da propriedade particular sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos seguintes termos:
“1. Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
2.Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3. Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5. O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
6. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, compete às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira regulamentar, por diploma das respetivas Assembleias Legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respetivos territórios.
Como se tem entendido na doutrina[22] e jurisprudência[23] o regime assim previsto visa reconhecer os direitos adquiridos sobre esses terrenos – parcelas de leitos e margens públicos - por sujeitos privados, antes da entrada em vigor do Decreto de 31 de dezembro de 1864 e do Código Civil de 1867, diplomas que os declararam bens do domínio público e assim se mantiveram.
De igual forma se tem considerado que o regime previsto no art.º 15º da Lei 54/2015 de 15 de novembro (com as alterações introduzidas) mantém no essencial a disciplina do art.º 8º do DL 468/71 de 05 de novembro, que regia sobre tal matéria.
No caso concreto, cumpre analisar as hipóteses em que se pretende o reconhecimento da propriedade com fundamento no nº2, ou, com base no nº3 e no nº4, do citado preceito, por ser com tais fundamentos que vem proposta a ação.
O nº2 do preceito prevê as situações em que o interessado dispõe de documentos que lhe permitam provar que os terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade privada antes de 31 de dezembro de 1864 ou, tratando-se de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
No nº3 o interessado no reconhecimento não dispõe dos documentos suscetíveis de comprovar a propriedade, mas ainda assim encontra-se em condições de demonstrar que nas datas referidas no nº1 os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
No nº 4 quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
Na primeira situação, os atos ou factos a invocar são anteriores àquele período temporal e podem fundamentar o reconhecimento da propriedade privada, porque nesse período a propriedade privada era admitida[24].
Na segunda hipótese, não se exige a demonstração da propriedade, mas da simples prova da posse privada ou fruição conjunta sobre os terrenos, no referido período temporal (antes de 31 de dezembro de 1864 ou, tratando-se de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868).
Daqui resulta que o reconhecimento da titularidade pode ser alcançado mediante a alegação e prova da propriedade (nº2) ou da posse (nº3).
Contudo, a jurisprudência não tem assumido uma posição uniforme quanto aos requisitos de que depende o reconhecimento do direito.
Segundo um segmento da jurisprudência, alicerçado na posição de JOSÉ MIGUEL JUDICE: defende-se que “o autor tem que provar não apenas que o imóvel em causa estava na propriedade particular quando em 1864 e 1868, se estabeleceram as presunções de dominialidade, como também que nessa condição (propriedade privada) se manteve até à data atual, só assim podendo afastar a mencionada presunção de dominialidade que ensombra a parcela de terreno em causa”.
Esclarece o referido autor que: “compete ao autor demonstrar e provar a originária propriedade privada do bem e a posterior manutenção do bem nessa condição.[…] a presunção de dominialidade terá que ser afastada relativamente a toda a “história” do bem, pois não há garantia de que o bem não tenha ingressado, depois daquelas datas, e por um qualquer motivo admissível, no domínio público”[25].
Tal entendimento justifica-se pelo facto de o ónus da prova recair de forma absoluta, sobre o autor e por isso terá o autor que demonstrar que o bem foi e continua a ser propriedade privada.
Igual interpretação se defende quando em vez do autor alegar a propriedade invoca a posse ou fruição conjunta.
Como observa JOSÉ MIGUEL JUDICE: “o autor continua a ter que demonstrar e provar, para além da posse ou da fruição conjunta anteriores a 1864 ou a 1868, que a propriedade privada se manteve ininterruptamente depois daquelas datas até à atualidade”[26].
Em qualquer das duas situações – propriedade ou posse – o autor tem de alegar e provar, ainda, que é o atual legítimo proprietário do prédio ou parcela que reclama.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Ac. Rel. Évora 23 de março de 2017, Proc. 473/13.1TBTVR.E1, Ac. Rel. Porto 04 de outubro de 2021, Proc. 183/19.6T8PVZ.P1, Ac. Rel. Porto 23 de março 2017, Proc. 2634/11.9TBVCD.P1, Ac. Rel. Porto 10 de setembro de 2018, Proc. 25717/16.4T8PRT.P1, Ac. Rel. Porto 09 de março de 2020, Proc. 1925/13.9T2AVR.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Contudo, num outro sentido se tem manifestado a jurisprudência, quando partindo do elemento literal e teleológico na interpretação da norma, considera que para se reconhecer a propriedade privada se mostra suficiente que o autor faça prova da propriedade ou posse no período anterior a 31 de dezembro de 1864 ou antes de 22 de março de 1868, se se tratar de arribas alcantiladas, por título legítimo (à luz do Código Civil de Seabra) e ainda, a prova da propriedade atual da parcela que visa reconhecer como fora do domínio público hídrico, não sendo necessária a prova de toda a história de transmissões do bem e do reatamento do trato sucessivo até ao momento presente.
Defende-se, ainda, que se o bem ingressou, depois daquelas datas, e por um qualquer motivo admissível, no domínio público tais factos constituem um ónus de alegação e prova do réu, nos termos do art.º 342º/2 CC, por se tratar de um facto impeditivo do direito do autor. Sendo o réu o Estado, não pode deixar de se entender que é a parte que em melhores condições se encontra para alegar o ingresso no domínio público durante esse período temporal e dispor dos instrumentos aptos a fazer essa prova.
Considera-se que “o entendimento amplo do preceito, segundo o qual o particular interessado deve fazer prova que o terreno permaneceu na condição de “propriedade privada” desde 1864 até ao momento atual, para além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º, nº 2, do Código Civil), não está de acordo com a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), nem é exigido pela razão de ser do regime jurídico em causa, que teve por objetivo a proteção de direitos adquiridos”[27].
Nesse sentido podem consultar-se, entre outros, os Ac. Rel. Évora 08 de novembro de 2018, Proc. 1675/17.7T8PTM.E1, Ac. Rel. Lisboa 20 de outubro de 2016, Proc. 411/13.1TBPTS.L1-2, Ac. Rel. Lisboa 14 de julho de 2020, Proc. 6948/18.9T8SNT.L1-6, Ac. Rel. Lisboa 15 de dezembro de 2020, Proc. 2960/14.5TBSXL.L1-7 e ainda, o Ac. STJ 30 de novembro de 2021, Proc. 2960/14.5TBSXL.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Constitui um elemento comum às duas posições, considerar que recai sobre o autor o ónus de alegação e prova da propriedade ou posse privada, com início em data anterior a 31 de dezembro de 1864.
Retomando a análise dos autos.
Nas alíneas W) a CC) e LL) considera a apelante que se justifica reconhecer a propriedade privada, com fundamento no art.º 15º/4 da Lei 54/2005, na atual redação.
Os factos não permitem tal enquadramento, porque não resulta dos mesmos que existissem documentos que comprovassem a aquisição da propriedade por particulares, por título legítimo, em data anterior a 31 de dezembro de 1864 e que tais documentos são ilegíveis ou ficaram destruídos, nas circunstâncias previstas no citado preceito (“por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente”).
Recaía sobre a autora/apelante a alegação e prova de tais factos (art.342º/1 CC), o que não logrou fazer.
Conclui-se que não se justifica o reconhecimento da propriedade particular com tal fundamento.
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas DD) a KK), a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que não reconheceu a propriedade privada da parcela de terreno com fundamento no art.º 15º/2/3 Lei 54/2005, na atual redação.
Nos termos do art.º 15º/2 do diploma em análise, quem invoque um título legítimo para a aquisição da titularidade tem de apresentar prova documental. A demonstração far-se-á mediante prova de que a propriedade privada em causa foi adquirida por título legítimo antes daqueles marcos temporais (31 de dezembro de 1864 ou se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868).
Para a prova da posse a lei não prevê qualquer modalidade especifica, podendo por isso a prova da titularidade fazer-se por qualquer meio de prova legalmente admitida, com exceção da confissão, por se tratar de direitos indisponíveis (art.º 354º/b) conjugado com o art.º 202º/2 CC).
O legislador distingue os meios de prova a utilizar, consoante se invoca a propriedade ou a posse privada, sendo certo que recai sobre o interessado o ónus da prova dos pressupostos que a lei prevê para o reconhecimento da titularidade.
Portanto, pretendendo obter o reconhecimento de propriedade particular, por título legítimo, sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, o interessado apenas pode fazer a prova de tais factos por documentos que comprovem que tais terrenos eram por título legítimo objeto de propriedade particular antes de 31 de dezembro de 1864 ou antes de 22 de março de 1868, se se tratar de arribas alcantiladas (art.º 15º/2 ).
Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares (art.º 15º/3).
Neste caso são admitidos todos os meios de prova[28], com exceção da confissão, como já se observou, podendo, por isso, o tribunal socorrer-se da prova testemunhal, pericial, inspeção ao local, por presunções judiciais (Ac. Rel. Guimarães de 30 de junho de 2016, Proc. 1564/14.7T8VCT.G1 (www.dgsi.pt) e usando um critério de menor exigibilidade (como se observa no Ac. Rel. Lisboa 20 de outubro de 2016, Proc. 11950-15.0T8SNT.L1-8 (www.dgsi.pt )[29]).
O legislador apenas fez exigências específicas de prova nos casos do nº2 do art.º 15, ao exigir que o autor faça prova documental que tais terrenos eram por título legítimo objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou antes de 22 de março de 1868, se se tratar de arribas alcantiladas.
Quanto à prova de que os terrenos permaneceram ininterruptamente na propriedade privada, ou, na posse, em nome próprio de particulares, depois daquelas datas ou atos, mediante reconstituição dos atos transmissivos subsequentes será admissível qualquer meio de prova[30].
A lei não exige um meio especifico de prova e a certeza e a segurança que exigem a prova por documentos de factos tão longínquos (anteriores a 1864 ou 1868) não se justificam em relação a factos mais recentes, que se podem demonstrar por recurso a outros meios de prova.
No caso concreto, provou-se, com base em prova documental:
31 – Por carta régia nº 20295, Dom Luís, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc., faz saber que, procedendo às diligências, anúncios e solenidades da lei e estilo, arrematou em hasta pública, na Repartição de Finanças do Distrito de Aveiro, no dia 22/12/1879, BB, pela quantia de 108.200 réis, na conformidade da lei de 28/08/1869, o seguinte foro, que pertencia à Câmara Municipal do Concelho de Estarreja – Foro de 5.110 réis, imposto numa porção de terreno de areal na ..., que confronta do norte com DD, do sul com OOO, nascente com a beira ria e poente com o areal; medindo de comprimento, de norte para sul, 3.430 metros, e de largo, de nascente para poente, 100 metros; com laudémio de quarentena enfiteuta – o comendador BB. (…) Hei por bem transmitir-lhe, por irrevogável e pura venda, toda a posse e domínio que no referido foro tinha a mencionada corporação, para que o arrematante seus herdeiros e sucessores o gozem, possuem e desfrutem como próprio – fls. 240/240v..
32 – A Câmara Municipal de Estarreja, na sessão ordinária de 06/08/1862, apreciou o requerimento de CC do ..., em que pedia lhe dê de aforamento 40.000 m2 de terreno maninho ou ... ao sul dos palheiros da beira da ria no sítio onde chamam ... próximo à praia da mesma ria e deferiu o pedido – fls. 270v./271.
33 - A 19/08/1862 teve lugar a marcação do terreno de 40.000 m2 na presença do requerente CC, o CC, no lugar pretendido do ..., no lugar designado ..., que tem pelo lado nascente 250 metros de comprimento a correr com o marachão próximo à praia em direção ao ... do norte ao sul e pelo lado do poente a correr também do norte ao sul tem igual comprimento e, pelo lado do norte, a correr do nascente ao poente a contar do dito marachão tem a largura de 160 metros e pelo lado do sul, igual largura, tendo-lhe arbitrado o foro anual de 1030 réis na razão de 20 réis por alqueire – fls. 271/273.
34 - Na sessão da Câmara Municipal de Estarreja de 17/09/1862 foi aprovado o aforamento e mandado fosse afixado edital a publicitar a arrematação – fls. 274v./275v..
35 - A 12/10/1862, PPP arrematou por 8.000 réis o foro de uma porção de terreno inculto no ... com 40.000 m2 no sítio denominado a ..., demarcado com estacas de pinheiro nas extremidades e levará de semeadura 51,5 alqueires de centeio, nos termos e condições de fls. 278/280.
36 - No mesmo ato, após receber o ramo da arrematação, PPP cedeu e trespassou todo o direito, posse e ação que tinha pela arrematação ao terreno aforado em CC, obrigando-se este ao cumprimento exato de todas as cláusulas e condições neste auto exaradas e estipuladas, às quais ele arrematante se havia obrigado, trespasse que foi autorizado – fls. 279v./280.
37 - CC renunciou ao contrato de aforamento, tendo sido o requerimento deferido na sessão da Câmara Municipal de Estarreja de 14/01/1863 – fls. 270.
38 - Da escritura de aforamento de 11/04/1866, celebrada na Secretaria da Câmara Municipal de Estarreja, consta que compareceram perante o escrivão da Câmara de uma parte o atual presidente da Câmara Municipal deste concelho o doutor QQQ, e da outra, como segundo outorgante, DD e mulher RRR, tendo pelo segundo outorgante sido dito que havia arrematado em hasta pública, procedendo a ela as solenidades legais, no dia 25 de março findo, uma porção de terreno de areia, sita no ..., à beira ria da mesma costa, no sítio onde chamam as ..., a qual tem de comprido 800 metros a contar do sítio das ... com direção à ..., e com 100 metros de largo em toda a sua extensão, cujo terreno confronta do norte, sul e poente com o areal e terreno maninho pertencente a este Município, e do nascente com um marachão que em partes existe à beira da mesma ria, vindo todo o terreno por ele arrematado a ter 80.000 metros quadrados (…), cuja arrematação fez pelo foro anual de 2.080 réis, que serão pagos no dia 31 de dezembro do corrente ano, cujo pagamento será feito no cofre deste Município em moeda metal sonante; ficando mais ele segundo outorgante obrigado às condições seguintes (…) Que eles segundos outorgantes não poderão vender nem alienar, sob qualquer pretexto, o terreno aqui aforado sem prévia licença ou consentimento da Câmara Municipal deste concelho, concedida esta, a venda se não realizará sem o pagamento do laudémio que será de quarenta um para a Câmara Municipal, pago no mesmo cofre (…) – fls. 234v./236.
Nenhum dos apontados documentos comprova que em data anterior a 31 de dezembro de 1864 a parcela de terreno foi adquirida, em propriedade, por um particular.
Na data da celebração da escritura pública, na sequência da arrematação em hasta pública, o prédio pertencia ao Município de Estarreja. Não resulta demonstrado que fazia parte dos baldios municipais ou paroquiais. Por outro lado, o que se constata é que através do contrato celebrado não se transmitiu nem a propriedade, nem a posse do prédio para a esfera jurídica de um particular, porque o contrato apenas concedeu o uso do prédio mediante o pagamento de uma contrapartida, o foro.
Os contratos em causa revestem a natureza de contratos de enfiteuse, figura jurídica atualmente extinta no nosso ordenamento jurídico.
Em tese geral, a enfiteuse era classificada como um dos direitos reais de gozo e tinha de característico provocar o aparecimento de dois domínios, denominados direto e útil. Ao titular do domínio direto atribuía-se o nome de senhorio ou senhorio direto; o titular do domínio útil designava-se por foreiro ou enfiteuta.
O domínio útil era considerado um direito de gozo, tendencialmente perpétuo; o domínio direto, que em geral cabe a quem era antigo proprietário pleno, tinha a sua principal manifestação na faculdade de perceber um ónus real, o foro[31].
O foreiro não é proprietário, porque os poderes normalmente contidos na propriedade estão repartidos pelo senhorio e foreiro[32].
No caso concreto esta distinção está bem patente, atenta a redação dos contratos e ainda, pelo facto de em 1879, por carta régia, o particular ter adquirido a propriedade plena da parcela de terreno, o que revela que até àquela data apenas dispunha do direito de uso e não da propriedade particular.
Com efeito, pretendendo obter o reconhecimento da propriedade particular, ao abrigo do art.º 15º/3 do citado diploma, recaía sobre a autora o ónus de provar a posse em nome próprio de particulares ou a fruição conjunta de certos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa e que são os baldios municipais ou paroquiais[33].
O Município de Estarreja não é um particular e os factos provados não permitem concluir que o prédio fazia parte dos baldios municipais ou paroquiais, o que se refere, sem embargo do já exposto quanto ao trânsito em julgado da sentença em relação à parte que não foi objeto de impugnação.
Desta forma, não resulta demonstrada, por documentos, a aquisição da propriedade por particular, por título legítimo, em data anterior a 31 de dezembro de 1864, nem a constituição da posse por particular, pois o uso pelo enfiteuta estava limitado pelos direitos do senhorio e por isso, não se pode afirmar que o enfiteuta agia como proprietário e os factos provados não revelam que tenha ocorrido uma inversão do título de posse (considerando os argumentos das alíneas HH) a KK) das conclusões de recurso).
Inexistindo uma aquisição anterior a 31 de dezembro de 1864, por particulares, a ulterior transmissão da propriedade por carta régia com data de 22 de dezembro de 1879 não releva para efeitos de reconhecer a propriedade privada de tal parcela, nem a posse.
A apelante não logrou demonstrar a propriedade privada, nem a posse, da parcela de terreno desde data anterior a 31 de dezembro de 1864.
Não merece censura a sentença quando concluiu que a parcela de terreno faz parte do domínio público hídrico.
Atento o exposto improcedem as conclusões de recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
Porto, 23 de setembro de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Juiz Desembargador-Relator
Anabela Mendes Morais
1º Adjunto Juiz Desembargador
Jorge Martins Ribeiro
2º Adjunto Juiz Desembargador
[2] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. III, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1982, pág. 297.
[3] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, ob. cit., pág. 308.
[4] ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra, Almedina, 1982, pág. 142.
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 704.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora Lim., 1984, pág. 143.
No mesmo sentido pode ainda ler-se o ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 688.
[7] RUI AZEVEDO DE BRITO apud ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES “Temas da Reforma de Processo Civil “, vol. II, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2000, pág. 258.
[8] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob. cit., pág. 257 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, ob. cit., pág. 661.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob. cit., pág. 256 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, ob. cit., pág. 660.
[10] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª EDIÇÃO, Lisboa, Lex, 1997, pág. 348.
[11] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob. cit., pág. 259.
[12] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pág. 281 e ainda, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum - À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 316.
[13] Cf. LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES Código Processo Civil Anotado, vol. III, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 126.
[14] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 240.
[15] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pág.77.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pág. 78.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pág. 467-468.
[16] JOSÉ MIGUEL JUDICE . JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, 2ª edição, Almedina, Coimbra, outubro 2015, pág. 103.
[17] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[18] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[19] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.
[20] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[21] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.
[22] JOÃO MIRANDA “A titularidade e a Administração do Domínio Público Hídrico Por Entidades Públicas” in RUI GUERRA DA FONSECA e MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, coord. Direito Administrativo do Mar, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 169.
[23] Cf. Ac. STJ 04 de junho de 2013, Proc. 6584/06.2TBVNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[24] Cf. JOSÉ MIGUEL JUDICE . JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, 2ª edição, Almedina, Coimbra, outubro 2015, pág.95.
[25] JOSÉ MIGUEL JUDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, ob. cit., pág. 97.
[26] JOSÉ MIGUEL JUDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, ob. cit., pág. 101.
[27] Cf. Ac. STJ 30 de novembro de 2021, Proc. 2960/14.5TBSXL.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[28] Cf. JOSÉ MIGUEL JUDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, ob. cit., pág. 126.
[29] Transcreve-se o excerto da fundamentação para ilustrar a forma como podem ser apreciados os vários meios de prova, fazendo funcionar as presunções judiciais:” No caso dos autos não há dúvida que estamos perante terrenos que se inserem na previsão dos artigos 3º alª e) e 11º da referida Lei 54/2005.
“Assim sendo sempre teria a autora de provar, em primeiro lugar, que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular antes de 22 de Março de 1868, uma vez que se tratam de arribas alcantiladas – cf. art. 15º nº 2, da Lei 54/2005, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 78/2013, de 21-11, e 34/2014, de 19-06.
Nos presentes autos temos provada, de forma directa, a propriedade privada desde 13-05-1876, data em que os referidos prédios foram alvo de partilhas amigáveis por banda de J... e J..., por óbito de F... e M..., pais daqueles.
Mas se as partilhas são feitas por óbito dos seus pais – que faleceram respectivamente em 1870 e 1873 – teremos necessariamente que afirmar que, pelo menos a essa data já eram os referidos terrenos objecto de propriedade privada.
Mas nem uma propriedade privada que remonte a 1873 nem a 1870 é suficiente para o ónus que se exige para a procedência da presente acção.
Mas sabemos mais: sabemos que M..., mãe de J... e J..., era natural das Azenhas do Mar e filha de M..., o qual já em 1833 pagava contribuições pelas suas vinhas e hortas no lugar de Azenhas do Mar. E mais ainda: que casou em 1835 e para ali foi residir com F....
Entendemos que tal é suficiente para fazer a prova que a Lei 54/2005 exige e que atenta a sua dificuldade terá de, necessariamente, ser objecto de um critério de menor exigibilidade, sob pena de a mesma se assemelhar a uma diabólica probatio, que torne quase impossível, na prática, a sua demonstração. Isto porque não existe documentação das Conservatórias de Registo Predial para todo o território nacional, datada de 1864 e 1868 – a este respeito ver “Guia de Apoio sobre a Titularidade dos Recursos Hídricos”, Setembro 2014, Agência Portuguesa do Ambiente, Governo de Portugal –, não obstante a lei exigir, para prova desta propriedade prova documental.
Mas, ainda assim, poder-se-á dizer que nada nos autos indica que essas vinhas, pelas quais eram pagos impostos já em 1833, eram do terreno que aqui e agora se discute.
Mas o facto é que existem nos documentos registais elementos que à data nos mostram que a propriedade que aqui se discute teria necessariamente uma vinha que era explorada em data anterior a 1868.
Vejamos:
A descrição inicial do prédio sob o nº 4..., feita em 1878, fala já «vinha pegada», sendo do conhecimento comum que semeada uma videira a mesma sempre demora a dar fruto – a pegar – cerca de 5 a 6 anos.
Ora, em Janeiro de 1870 ou Janeiro de 1873 quando morreram F... e M... os mesmos já deixaram vinhas – conforme consta da escritura amigável de partilhas efectuada pelos seus filhos – razão pela qual no limite, recuando 5 anos, já em 1865 ou 1868 as mesmas se encontravam na posse de particulares, no caso F... e M..., tudo levando a crer que os mesmos tivessem iniciado a sua exploração quando foram para lá viver em 1835, quando casaram, ou na pior das hipóteses quando a tivessem herdado de M..., que já em 1833 pagava impostos sobre as mesmas.
Por tudo o exposto somos do entendimento que logrou a autora fazer a prova que tais terrenos eram objecto de propriedade particular antes de 22 de Março de 1868, cumprindo assim o ónus que lhe impunha o nº 2 e 3 do artº 15º da Lei 54/2005”.
[30] Cf. JOSÉ MIGUEL JUDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, ob. cit., pág. 128.
[31] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO Direitos Reais, Almedina, Lisboa 1978, pág. 483; FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, Limitada, 1972, pág. 483.
[32] FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, vol. III, ob. cit., pág. 486. Sem ignorarmos que existem diferentes posições sobre a natureza deste direito, não desconhecendo que para certos autores ambos – senhorio e foreiro - assumem a posição de proprietários, mas ainda para outros, se trata de uma comunhão irregular, acolhemos a posição de FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, exposta no texto.
[33] Cf. JOSÉ MIGUEL JUDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, ob. cit., pág. 99.