I - Mostra-se adequado e proporcional para ressarcir o dano biológico, na vertente de danos futuros de natureza patrimonial, a quantia de €100.000,00, ponderando os critérios e valores de indemnização praticados na jurisprudência, o facto da lesada ter 14 anos na data do sinistro, ser transportada como passageira em motociclo que se despistou, com culpa exclusiva do condutor, ter sofrido múltiplos traumatismos na face, com fratura do maxilar, foi submetida a intervenções cirúrgicas, era estudante do 8º ano de escolaridade, ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 34 pontos, sem repercussão permanente na atividade escolar, a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular, com necessidade contínua de ajudas medicamentosas acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e Reabilitação e Medicina Dentária.
II - Considera-se adequada para compensar os danos não patrimoniais, segundo um juízo de equidade, a quantia de €50.000,00, considerando, o défice de integridade físico-psíquica o período de internamento hospitalar, tratamentos, dores e incómodos, critérios e valores arbitrados na jurisprudência.
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I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTORES: AA, divorciada, residente na rua ..., ..., ... e BB, viúvo, residente na rua ..., ..., por si e na qualidade de legais representantes da sua filha menor CC, solteira, residente na rua ..., ..., ...; e
- RÉ: A..., S.A., (atualmente, B..., S.A.) com sede na Avenida ..., Lisboa,
vieram os autores peticionar a condenação da ré no pagamento:
a) à A. CC a quantia de € 78.755,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento, sem prejuízo da ampliação do pedido em função da prova a produzir, mormente a pericial;
b) aos AA. AA e BB a importância global de € 6.000,00.
Alegaram para o efeito que no dia 06/04/2016, pelas 22,10 horas, na Rua ..., em ..., ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o ciclomotor de matrícula ..-FN-.., conduzido por DD, e onde seguia a A. CC como passageira. O condutor do ..-FN-.. conduzia de forma distraída, a mais de 70 km/hora. Quando se preparava para descrever uma curva à direita, atento o seu sentido de marcha (este – oeste), o condutor do ..-FN-.. perdeu o controlo do ciclomotor que entrou em despiste e tombou sobre a via. O seu condutor e a A. CC foram projetados para o solo e andaram cerca de dois metros de rojo. O condutor do ..-FN-.. não tinha autorização legal para conduzir, e conduzia sob o efeito do álcool e de substâncias psicotrópicas.
A responsabilidade civil por danos causados a terceiros na circulação do ciclomotor encontrava-se transferida para a Ré.
Requereu a intervenção acessória provocada de DD, por este ter furtado o ciclomotor cerca das 21,40 horas ao seu proprietário, e conduzir o mesmo sob o efeito do álcool e de substâncias psicotrópicas, pelo que a Ré tem direito de regresso contra o mesmo.
a) a 09/08/2019 (juntou cópia legível do articulado e dos documentos), ampliou o pedido feito a título de danos não patrimoniais em € 5.000,00 para o total de € 27.000,00;
b) a 25/01/2023:
1º - ampliou o pedido formulado a título de dano biológico de €25.000,00 para €175.000,00;
2º - ampliou o pedido formulado a título de danos não patrimoniais de € 27.000,00 para € 60.000,00;
3º - ampliou os pedidos formulados a título de danos patrimoniais em € 1.356,00;
c) a 24/04/2023, ampliou o pedido formulado a título de danos patrimoniais em € 135,00;
d) a 30/06/2023, ampliou o pedido formulado a título de danos patrimoniais em € 90,00.
“Julgo, pelo exposto, a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré:
I – a pagar aos AA. AA e BB a quantia de € 3.000,00.
Absolvo a Ré do demais peticionado por estes AA..
II - a pagar à A. CC:
a) a quantia de € 101.725,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
b) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da prolação da sentença e até integral pagamento;
c) o que se vier a liquidar quanto aos danos referidos na parte final de III-A-2º
(necessidade contínua de ajudas medicamentosas, acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e de Reabilitação, ajuste e confeção de novas goteiras, terapia medicamentosa, incluindo a viscossuplementação com ácido hialurónico, tratamento ortodôntico e reabilitação com implantes dentários, eventual enxerto ósseo, colocação de coroas de cerâmica sobre implantes e respetivas consultas de acompanhamento de Medicina Dentária).
Absolvo a Ré da restante quantia peticionada, sendo certo que (apesar da desnecessidade deste acrescento) caso se concretize a previsão constante do nº 38.º dos Factos Provados assistirá à A. CC o direito de pedir tais danos, a seu tempo, em ação própria.
Custas por A. e RR. na proporção de vencido”.
1.ª - O presente recurso visa a revogação da douta Sentença, porquanto se discorda da indemnização fixada a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo em conta os danos provados;
2.ª - No que respeita à fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial, diga-se que atendendo à gravidade das lesões sofridas, ao período de doença, às sequelas permanentes e ao sofrimento físico e moral, a indemnização atribuída pela sentença recorrida peca escassa dada a dimensão dos danos provados.
3.ª - Entendemos, com o devido respeito e apesar do evidente cuidado posto na sentença, a Mmº Juiz acabou por subvalorizar os danos assim advindos, nesta perspetiva, à aqui recorrente, em claro e inequívoco alheamento dos dispositivos legais que regulam esta matéria, da doutrina e jurisprudência dominante e mais recente dos nossos Tribunais.
4.ª - A Autora sofreu graves danos, sendo, ainda, estudante e menor de idade à data do acidente, ficando a sofrer de uma IPP de 35 pontos;
Tais danos vêm devidamente plasmados nos factos dados como provados nos autos e merecem, indubitavelmente, a tutela do direito.
5.ª - Ora, ponderando todos factos dados como provados, considerando a idade da A. (14 anos de idade à data do acidente ) que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 34 pontos, e que a incapacidade é definitiva.
6.ª – Que a A. era uma jovem saudável, alegre e sociável à data do acidente, que não padecia de nenhuma doença ou deformidade física; esteve internada no Hospital durante 14 dias, tendo sido sujeita a tratamento cirúrgico – nos. 12, 15 e 16 dos FP. No dia 06/03/2019 foi de novo internada para extração do material de osteossíntese – no 22 dos FP. Tem estado sempre a ser acompanhada no CHUSJ e a realizar tratamentos ortodônticos na C....
7.ª - O quantum doloris é fixável no grau 4/7. O dano estético é fixável no grau 4/7.
8.ª - Durante o período de internamento, a CC manteve-se em profundo sofrimento – no 47 dos FP.
E nos primeiros dias de internamento estava irreconhecível, dadas as lesões na face – no 49 dos FP.
Tinha muitas dores na cabeça e não tinha força para se movimentar e tinha que ser auxiliado em todas as suas tarefas diárias, tais como tomar banho, vestir-se, ir à casa de banho, comer – no 53 dos FP.
E só bebia líquidos com a ajuda de uma palhinha, pois não podia mastigar – no 54 dos FP.
Quando regressou à escola ainda tinha a cara muito inchada e com dores no corpo, o que provocava o gozo e a chacota dos colegas. Não podia mastigar devido à falha de dentes e das fraturas que foi alvo na face. Queixava-se de muitas dores no corpo, em particular no maxilar – o que a impedia de falar de forma percetível – e da dificuldade em permanecer sentada por longos períodos. E manifestava também tristeza causada pelos comentários depreciativos relativamente ao seu aspeto físico por parte de alguns alunos da escola e disso dava conta aos professores.
9.ª - Atualmente, a A. CC, em virtude das lesões advindas do presente sinistro, padece de:
a) fenómenos dolorosos na boca; b) sensação de falta de força na boca, sobretudo na arcada dentária inferior, onde lhe faltam quatro dentes, o que lhe dificulta a mastigação de alimentos como bife e maçã; c) só come fruta passada; d) só consegue comer pão mole; e) sente diminuição da sensibilidade da metade direito da região oral; f) sensação de abano na mandibula ao correr; g) alteração na face. Passou a ser uma pessoa uma pessoa triste, sisuda e com tendências para o isolamento.
10.ª - No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a A. CC sofreu um enorme susto e sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas.
11.ª - Atento o quadro retratado nos autos, o montante indemnizatório a atribuir à Autora a título de danos não patrimoniais haverá de fixar-se em não menos da quantia de € 80.000,00;
12.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art.º 494º; 496º nº. 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
13.ª - Quanto à fixação da indemnização decorrente do DANO BIOLÓGICO.
O valor indemnizatório nesta espécie de danos não é diretamente determinável e quantificável, sendo necessário recorrer à equidade na determinação do quantum indemnizatório, ainda que se possa recorrer a tabelas financeiras ou matemáticas, mas apenas e só como meros auxiliares, como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano.
14.ª - Quanto a este dano biológico há a considerar:
- A idade da autora – 14 anos - à data do acidente;
- A esperança média de vida fixável nos 83 anos:
- O limite de vida ativa fixável nos 67 anos;
- O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 35 pontos;
- O salário médio nacional e a necessidade de fazer esforços acrescidos para exercer essa profissão e da atividade do dia a dia;
- A progressão na carreira e os aumentos salariais daí decorrentes;
- A taxa de juro, hoje muito próxima dos 0% ou mesmo negativa.
15.º - Considera-se que a referência para efeitos de cálculo da indemnização da incapacidade funcional em que se traduz o dano biológico não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido muitas vezes, quando o lesado não exerce atividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce uma profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.
16.º - A informação estatística da base de dados Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt indica que o ordenado base médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano em 2021 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.294,10 (mil duzentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos).
17.º . Neste contexto, não esquecendo, que a autora, ainda muito jovem, tinha potencialidades que lhe auguravam uma evolução profissional positiva, evolução essa que, com a amplitude que poderia ter, está irremediavelmente comprometida, refletindo-se negativamente - mesmo fazendo o autor esforços acrescidos no desempenho da sua atividade -, na evolução profissional da Autora, consideramos justo, adequado e proporcional, a fixação da quantia de € 150.000,00 a título de dano biológico acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
18.º - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.º 483.º, 562.º e 564.º do Código Civil.
Termina por pedir que se julgue procedente o recurso e, em consequência, seja revogada a sentença recorrida.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
A questão a decidir consiste em apurar se o montante arbitrado a título de indemnização pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais garante a reparação e compensação dos danos sofridos.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1 – No dia 06/04/2016, pelas 22,10 horas, o ciclomotor de matrícula ..-FN-.. circulava na Rua ..., em ..., conduzido pelo chamado DD (A).
2 – Neste ciclomotor seguia como passageira a A. CC (B).
3 – O ciclomotor entrou em despiste (C).
4 - CC nasceu a ../../2002 e foi registada como filha de BB e de AA – fls. 127/130 (D).
5 – O Chamado DD não tinha autorização legal para conduzir (E).
6 – Conduzia com uma TAS de 0,8 g/l e sob o efeito de substâncias psicotrópicas (F).
7 – A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do ciclomotor de matrícula ..-FN-.. encontrava-se transferida para a Ré, à data do acidente,
mediante contrato titulado pela apólice de seguro do ramo automóvel nº ...0....29 – fls. 152/155 (G).
8 - O ora Chamado DD foi condenado, por sentença proferida a 26/04/2018, no processo comum singular nº 242/16.7PAOVR, e transitada em julgado a 28/05/2018, pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo art.º 148.º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 – fls.216/242.
9 – Na referida sentença proferida no processo comum singular nº 242/16.7PAOVR foram dados como provados (além do mais que não interessa reproduzir) os seguintes factos:
“1º - No dia 06/04/2016, pelas 22,10 horas, quando o arguido – sem habilitação legal para conduzir, e sob a influência de álcool – conduzia no sentido Este – Oeste, o ciclomotor de matrícula ..-FN-.. pela Rua ..., em ...;
2º - … Contornou uma curva à direita sem adequar nem diminuir a velocidade de, pelo menos, 60 km/hora, e sempre superior a 50 km/hora, que vinha imprimindo ao veículo que conduzia;
3º - … Apesar de se tratar de local assinalado no sentido Este – Oeste com sinais de trânsito verticais C13 e A1 – respetivamente de proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km e sinal de perigo, curva à direita.
4º - … Razões por que perdeu o controlo do ciclomotor, entrou em despiste e acabou por se imobilizar junto ao lancil do passeio existente na via por onde circulava, projetando no solo a ofendida, CC, que transportava como passageira.
5º - Em consequência direta e necessária do embate resultaram, além do mais, para a ofendida, CC, traumatismo no membro inferior esquerdo, traumatismo com perda de consciência e traumatismo da face e região mentoniana com laceração frontal supraciliar e supra labial esquerda, edema da face com hematoma periorbitário esquerdo, alteração da oclusão com evidente fratura mandibular complexa, laceração do pavimento anterior da boca e esfacelo da língua, língua assimétrica com desvio do eixo para a direita e fratura da mandíbula com perda de dentes 31, 32, 41 e 42.
6º - O arguido conduzia distraído, descuidada e imprevidentemente, a uma velocidade que lhe não permitia parar no espaço livre e visível à sua frente, superior à indicada para o local, que não adequou ao local, nem diminuiu especialmente, como devia, incumprindo a regra obrigatória devidamente sinalizada, ao contrário do que bem se sabia obrigado.
8º - Daí o embate, ocorrido em arruamento urbano de pavimento flexível em aglomerado asfáltico em estado regular de conservação, com dois sentidos de trânsito, delimitada por linha contínua, local em curva com inclinação descendente na hemifaixa do lado direito, de boa visibilidade e com tempo bom e boa visibilidade em toda a sua largura e extensão, sem obstáculos naturais” – fls. 218 e 219.
10 – A A. CC seguia no ciclomotor com o capacete de proteção aposto na cabeça.
11 – O local do acidente situa-se na cidade ....
12 – A A. CC após o acidente foi transportada para o Serviço de Urgência do Hospital ..., na cidade do Porto, onde deu entrada, no dia 06/04/2016, pelas 23,48 horas, vítima de acidente de viação, do qual resultou: fratura tríplice mandibular (ângulo direito, ângulo esquerdo e para-sínfise esquerda); fratura palatina; fratura malar esquerda; fratura dos ossos próprios do nariz; fratura da arcada zigomática esquerda; fratura do pavilhão da órbita esquerda.
13 - À entrada apresentava-se consciente, colaborante e orientada, apresentando uma pontuação de 15 na escala de Glasgow. Evidenciava "Laceração frontal supraciliar esquerda e labial superior esquerda", "Edema da face, sobretudo lábios e hemiface esquerda, com hematoma peri-orbitário esquerdo", "Alteração da oclusão com evidente fratura mandibular complexa", "Aparente retrussão malar esquerda", "...laceração do pavimento anterior da boca e da língua... limitação da abertura da boca".
14 - Realizou TAC cerebral que mostrou: "Hematoma epicraniano frontal e periorbitário a esquerda. Sinais de diversas fraturas incluindo: - Fraturas com desalinhamento de todas as paredes do seio maxilar esquerdo, associadas a hemossinus. - Parede lateral e, aparentemente, do pavimento da orbita esquerda. - Lamina interna do processo pterigóideo esquerdo. - Fratura da vertente media do arco zigomático esquerdo. Hemossinus maxilar esquerdo e preenchimento dos seios esfenoidais, de predomínio a direita".
15 - Foi internada para tratamento cirúrgico o qual se veio a verificar no dia 14/04/2016 com: sutura de esfacelo da língua; exodontia do dente 48 incluso; constatação de secção do nervo mentoniano direito, sem possibilidade de anastomose; osteossíntese com placas e parafusos das fraturas da mandíbula; constatação do dente 41 sem viabilidade, solto do alvéolo; bloqueio com 4 IMFs e elásticos; redução fechada da fratura do malar esquerdo.
16 - O internamento decorreu sem complicações e em 20/04/2016 teve alta com indicação de efetuar a medicação prescrita, manter alimentação líquida/mole, manter elásticos e ser presente no Serviço de Cirurgia Maxilo-Facial no dia 27/04/2016.
17 - Foi pela primeira vez presente em consulta deste serviço no dia 06/06/2016. À data apresentava boa evolução da sua situação clínica, sem limitação da abertura da boca. Efetuou ortopantomografia de controlo.
18 - Foi de novo presente em tal consulta em 16/01/2017 manifestando queixas de dor e língua presa. Apresentava dor à palpação do vestíbulo à esquerda.
19 - Em consulta datada de 14/05/2018 encontrava-se descrito “ao fim deste tempo aparece com mordida aberta anterior e mordida x a esq, associada a dores na tam dta? Reabsorção cond ou ef da ortodontia”
20 – Em 21/05/2018 apresentava agravamento considerável da oclusão, verificando-se, em 27/08/2018, melhoria clínica com mais contatos dentários, a usar elásticos, em classe III.
21 - Em relatório datado de 25/10/2018 está descrito que a examinanda se encontra a realizar tratamento ortodôntico no exterior, aguardando por cirurgia para extração de material de osteossíntese.
22 - No dia 06/03/2019 foi internada no CHSJ, tendo sido submetida a extração do material de osteossíntese (exceto parte da placa inferior e dois parafusos que não foram removidos por osteointegração) e tendo sido também realizada extração dos dentes 18 e 28. Teve alta no dia seguinte com marcação de consulta de Cirurgia Maxilofacial para o dia 15/03/2019.
23 - Em 15/04/2019 foi observada em tal consulta, constando-se: "Bem, sem queixas de novo. Mantem mordida aberta anterior, só contatos molares. Peço modelos para avaliar possibilidade de cirurgia maxilar - pondrara remoção do aparelho...ver reação em 47".
24 - Em relatório clínico do CHSJ - Consulta Externa de Cirurgia Maxilofacial, datado de 07/11/2019, encontra-se reportado: "Neste momento encontra-se a realizar tratamento ortodôntico, após o qual iniciou queixas de dtm e apresenta alterações de oclusão".
25 – Informação clínica do Serviço de CMF do Hospital ... datada de 18/04/2021: “acidente de viação, em 06/04/2016, com veículo de 2 rodas, com projeção e perda de consciência associada, trazida pela VMER. Proteção apenas com capacete sem proteção mandibular. À entrada com: - múltiplas escoriações, esfacelo supraciliar esquerdo e do lábio superior também à esquerda; - fratura tripla complexa da mandíbula, ângulo direito, cominutiva da sínfise ângulo esquerdo; - fratura palatina e maxilar esquerdas; - fratura do complexo zigomático malar esquerdo; -fratura dos ossos próprios do nariz; - traumatismo alveolodentarío da sinfise mandibula.
Foi submetida a correção cirurgia com osteossínteses múltiplas e bloqueia intermaxilar com tração elástica. Acabou por perder no total os incisivos inferiores (31, 32, 41 e 42).
Entretanto por necessitar de reabilitação oral foram removidas as placas e os parafusos colocados ao nível da sínfise. A evolução foi favorável e não ficou com alterações de oclusão significativas. Iniciou reabilitação oral com prótese removível inferior correção ortodôntica fixa.
Em consulta a 14/05/2018 é observada e apresenta alterações de oclusão de novo, com mordida cruzada molar à esquerda e aberta anterior associada a queixas temporomandibulares. Por progressão das queixas articulares e das alterações de oclusão decidiu-se interromper e remover a correção ortodôntica fixa. As queixas de DTM persistiram e realizou Ressonância magnética das Atms em 29/03/2021, com o seguinte relatório:
"Articulação temporo-mandibular direita: Discretos sinais degenerativos do côndilo com áreas de irregularidade da cortical. Sem outras alterações ósseas. Ligeira dismorfia do disco, que se encontra discretamente luxado, anteriormente com a boca fechada, reduzindo com a abertura bucal. Pequeno derrame articular. Sem alterações dos músculos da mastigação. Articulação temporo-mandibular esquerda: Aspeto dismórfico do côndilo, com redução do seu diâmetro. Anteroposterior e incipiente osteofitose. Sem outras alterações ósseas. Normal morfologia do disco, que se encontra discretamente luxado. Anteriormente com a boca fechada, reduzindo com a abertura bucal. Sem derrame articular. Sem alterações dos músculos da mastigação".
Neste momento tem consulta de reavaliação clínica programada para 19/04/2021, para eventual decisão cirúrgica. Continua com alterações de oclusão graves adquiridas após a colocação de aparelho fixo para correção dentária.
26 - Informação clínica do Serviço de CMF do Hospital ... datada de 19-04-2021:”Em relação ao relatório anterior e após observação hoje em consulta acrescenta-se o seguinte: Mesmas queixas de DTM mista bilateral. Não está a fazer correção postural nem a usar goteira. Eo- sem limitação da abertura da boca, sem desvios. Sem clicks associados. Péssima postura cervical e contraturas masseterianas. Agravamento da mordida cruzada à esq e aberta anterior. Será urgente tomar uma decisão quanto ao iniciar tratamento ortodôntico de novo ou começar a usar goteira oclusal em relação cêntrica, de modo a diminuir a carga articular e a evitar cirurgia da ATM. Deve fazer fisioterapia das atms e cervical e reeducação postural”.
27 – Informação do relatório clínico da C..., datado de 17/01/2019:“A referida paciente apresentou-se nesta clínica requisitando ser observada. A paciente referiu ter sofrido uma queda por acidente rodoviário. A paciente está a ser seguida a nível hospitalar. Após observação, a paciente apresentava o seguinte diagnóstico clínico: - ausência das peças dentárias 3.1, 3.2, 4.1 e 4.2. Cl. II Div I com mordida cruzada esquerda.
O plano de tratamento consiste:
- tratamento ortodôntico fixo autoligado por um período nunca inferior a 48 meses e dependerá da colaboração da paciente.
- reabilitação protética provisória removível com prótese acrílica dos dentes 3.1, 3.2, e por último, já em fase adulta, colocação de 3 implantes com 4 coroas metalo-cerâmicas implanto-suportadas para reabilitação fixa dos dentes 3.1, 3.2, 4.1, 4.2.
À presente data a paciente já se encontra em tratamento tendo já colocado aparelho ortodôntico fixo autoligado no dia 23.05.2017 e já foi reabilitada provisoriamente com uma prótese removível acrílica para substituição dos dentes perdidos.
A referida paciente colocou aparelho autoligado no dia 23.05.2017. neste momento está com arco super-expandido superior .016x.022 e arco inferior .020 aço com próteses.
Última consulta foi a 06.01.2019 onde foi realizado o seguinte tratamento:
- arco super-expandido aço .016x.022 superior;
- arco aço .018 inferior;
- colocação durante o dia e noite elásticos 4,5oz curto nos dentes 13-43 e 26-33 e à noite 4,5oz 13-23-33-43-13”.
28 - Foram facultados relatórios da C..., subscritos pela Dr.ª EE, que se transcrevem:
a) "Venho por este meio proceder ao envio dos registos clínicos da paciente CC até ao dia 09.05.2019. A referida paciente colocou aparelho autoligado no dia 23.05.2017. Neste momento está com arco aço super-expandido superior .018 e arco aço inferior .018 aço com próteses acrílica dente 31, 32, 41 e 42. Além disso está a colocar durante o dia elásticos 4,5oz nos dentes 43-13 e 36-23 e à noite elásticos 6,7oz 13-45 e 23-35.
Em colaboração com o médico assistente do Hospital ..., a paciente será sujeita a uma cirurgia para reposicionamento do maxilar superior e fecho da mordida aberta”.
b) "Venho por este meio dar o meu parecer positivo quanto à cirurgia maxilo-facial para reposicionamento do maxilar superior. Envio os moldes em gesso”, datado de 29/09/2019.
c) Informação C... datada de 27-07-2020, dos dados clínicos com data posterior a setembro 2019:
- No dia 18-11-2019: Restauração classe II em compósito no dente 1.7;
- No dia 17-02-2020: remoção dos aparelhos ortodônticos fixos superior e inferior por indicação da equipa médica do Hospital ....
- No dia 12-03-2020: restauração classe I em compósito no dente 3.4.
- No dia 07-05-2020: Restauração classe II em compósito no dente 3.5.
- No dia 19-05-2020: restauração classe II em compósito no dente 3.7.
- No dia 09-06-2020: exodontia simples do dente 3.6.
29 - Junto à documentação C... datada de 27-07-2020 consta um documento manuscrito cuja autoria se presume ser da Dra. FF, sem data: “Cara
colega, como deve saber, do ponto de vista da oclusão, a CC está muito pior após colocar o aparelho fixo do que estava antes (pode-se ver pela ortop. de controlo pós-operatório).
Neste momento não penso que uma cirurgia maxilar, mesmo que com disfunção associada resolva o problema”.
30 – A A. CC apresenta as seguintes sequelas relacionáveis com o evento:
Face: cicatriz nacarada, transversal, muito pouco aparente, na metade lateral da região supraciliar direita, com 1,2 cm de comprimento; cicatriz nacarada, pouco aparente, em forma de "Z", na metade esquerda da região frontal, medindo os seus segmentos 2 cm, 1 cm e 0,5 cm de comprimento; cicatriz nacarada, transversal, pouco aparente, na metade lateral região supraciliar esquerda, com 1,5 cm de comprimento; discreta cicatriz nacarada, na região suprageniana esquerda, com 0,8 cm de comprimento; cicatriz nacarada, pouco aparente, na face inferior da metade esquerda da região mentoniana, com 1 cm de comprimento; assimetria da língua com desvio do seu eixo para a direita; cicatriz nacarada, transversal, ligeiramente deprimida, pouco aparente, no terço médio do dorso da língua, com 2 cm de comprimento; prótese dentária em substituição dos dentes 31, 32, 41 e 42; distância de abertura máxima da boca entre arcadas dentárias, ao nível dos incisivos, mede 4cm de comprimento. E, ainda, desvio mandibular para a esquerda, com mordida cruzada esquerda.
Limitação nos movimentos de protusão, retrusão, lateralidade esquerda e direita, assim como em movimentos de abertura máxima (limitada a 35 mm até sentir dor). Dores na articulação temporo-mandibular – fls. 395v..
Membro inferior esquerdo: área pigmentada acastanhada, com padrão estriado transversal, pouco aparente, no terço distal da face anterior da coxa, com 2 cm de diâmetro; cicatriz nacarada violácea no quadrante supero-medial do joelho, com 3 cm x 0,5 cm; área pigmentada acastanhada, pouco aparente, no quadrante ínferomedial do joelho, com 3,5 cm x 2 cm.
31 – A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 16/01/2017.
32 – O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 17 dias.
33 – O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 279 dias.
34 – O período de repercussão temporária total para as atividades escolares é fixável num período de 72 dias.
35 - O período de repercussão temporária parcial para as atividades escolares é fixável num período de 224 dias.
36 – O quantum doloris é fixável no grau 4/7.
37 – O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 34 pontos.
38 – É de perspetivar a existência de dano futuro, tendo em conta a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular.
39 – As sequelas de que a A. ficou a padecer são compatíveis com o exercício da atividade escolar habitual da A. CC.
40 – O dano estético é fixável no grau 4/7.
41 – Dependências permanentes: a A. CC apresenta como dependências a necessidade contínua de ajudas medicamentosas, acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e de Reabilitação, ajuste e confeção de novas goteiras, terapia medicamentosa, incluindo a viscossuplementação com ácido hialurónico, tratamento ortodôntico e reabilitação com implantes dentários, eventual enxerto ósseo, colocação de coroas de cerâmica sobre implantes e respetivas consultas de acompanhamento de Medicina Dentária.
42 – A 15/04/2016, a CC manifestou ligeira odinofagia e dificuldade em deglutir a saliva – fls. 67.
43 - No dia 18/04/2016, a CC estava melhor do edema mas mantinha oclusão, referia otalgia esquerda e ainda se recusava a engolir a saliva – fls. 66.
44 - No dia 19/04/2016, a CC ainda se encontrava com otalgia e com alguma dificuldade na deglutição da saliva e na higiene oral – fls. 66.
45 - No dia seguinte, a autora já se apresentava melhor do edema da face e já conseguia engolir a saliva e ingerir líquidos – fls. 66.
46 - Neste dia, foram removidos os pontos da face.
47 - Durante o período de internamento, a CC manteve-se em profundo sofrimento.
48 - A A. AA, mãe da A. CC, permaneceu ao lado da sua filha durante todo o período de internamento.
49 - A CC, nos primeiros dias de internamento, estava irreconhecível, dadas as lesões na face.
50 - Foi emitido atestado médico, na data da alta clínica, com a indicação de durante quinze dias não comparecer no seu local de ensino por aguardar pós-operatório, e após esse período, não fazer educação física nem atividades físicas durante dois meses – fls. 121.
51 - Durante quinze dias após a alta hospitalar, a A. CC, por indicação médica, manteve-se em repouso e quase sempre retida no leito, só se levantando, com dificuldade, para tomar as suas refeições diárias e fazer a sua higiene diária.
52 - Quem tratou da CC foi a sua mãe, que assim teve de faltar ao emprego.
53 - A A. CC tinha muitas dores na cabeça e não tinha força para se movimentar e tinha que ser auxiliado em todas as suas tarefas diárias, tais como tomar banho, vestir-se, ir à casa de banho, comer.
54 - Só bebia líquidos com a ajuda de uma palhinha, pois não podia mastigar.
55 - No dia 12/05/2016 a A. CC regressou à escola, tendo frequentado apenas as aulas do período da manhã, voltando para casa depois do almoço por se sentir incapaz, física e psicologicamente, para permanecer na escola.
56 - A CC ainda tinha a cara muito inchada e com dores no corpo, o que provocava o gozo e a chacota dos colegas.
57 - Não podia mastigar devido à falha de dentes e das fraturas que foi alvo na face.
58 - Queixava-se de muitas dores no corpo, em particular no maxilar – o que a impedia de falar de forma percetível – e da dificuldade em permanecer sentada por longos períodos.
59 - E manifestava também tristeza causada pelos comentários depreciativos relativamente ao seu aspeto físico por parte de alguns alunos da escola e disso dava conta aos
professores.
60 - A CC realizou mais duas tentativas de frequência das aulas, mas as suas limitações físicas levaram-na a desistir logo nas primeiras aulas do dia.
61 - A CC tinha muitas dores, principalmente no maxilar, que a impediam de dormir.
62 - Estava psicologicamente abalada e que não apresentava condições, quer físicas quer psicológicas, para frequentar a escola.
63 - As justificações de falta foram aceites dado que, quando a aluna compareceu na escola após o acidente, foram visíveis as suas limitações físicas – fls. 122/123.
64 – A A. CC, não foi avaliada no terceiro período por falta de assiduidade, justificada por ter sido vítima de um acidente de viação no dia 6 de abril.
65 - Como consequência desta situação, obteve classificação, ao abrigo do artigo 29, ponto 1 do Despacho Normativo n.º1-F/2016, de 5 de abril de 2016, mantendo os níveis atribuídos no final do segundo período: ficou com dois níveis um, a Matemática e Ciências Naturais, seis níveis dois, a Português, Espanhol, História, Geografia, Físico-Química e Educação Cívica, e nível três às disciplinas de Educação Visual, Educação Tecnológica, Educação Física e Tecnologias da Informação e Comunicação, o que perfaz oito disciplinas com níveis inferiores a três.
66 - O Conselho de Turma analisou a situação da aluna e considerou que não apresentava condições para transitar de ano.
67 - A A. CC frequentou as consultas externas no Hospital ..., na cidade do Porto, mas nunca foi sujeita a tratamento dentário.
68 – A A. CC, porque não suportava a ausência de dentes, as dores constantes na boca, o facto da limitação forte da mastigação que não lhe permitia comer carne e alimentos mais duros e a vergonha e chacota social de que era alvo, recorreu aos serviços da C..., L.da, em ..., onde passou a ser seguida pela Dra. EE.
69 – Os AA. AA e BB já pagaram € 2.800,00 à C..., L.da, relativamente aos cuidados médico-dentários prestados à A. CC – fls. 449 e 450.
70 - Atualmente, a A. CC, em virtude das lesões advindas do presente sinistro, padece de: a) fenómenos dolorosos na boca; b) sensação de falta de força na boca, sobretudo na arcada dentária inferior, onde lhe faltam quatro dentes, o que lhe dificulta a mastigação de alimentos como bife e maçã; c) só come fruta passada; d) só consegue comer pão mole; e) sente diminuição da sensibilidade da metade direita da região oral; f) sensação de abano na mandibula ao correr; g) alteração na face.
71 – À data do acidente, a A. CC era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica, alegre, social e sociável e não sofria de qualquer aleijão ou diminuição física, funcional, laboral e de utilização do seu corpo.
72 - E nunca havia sofrido qualquer outro acidente.
73 - As lesões e sequelas provocadas pelo acidente em questão, provocaram à A. uma forte angústia e tristeza, pois com apenas 14 anos de idade, sentia-se gozada pelas outras colegas de escola,
74 - No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a A. CC sofreu um enorme susto.
75 - Sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas.
76 - Passou a ser uma pessoa uma pessoa triste, sisuda e com tendências para o isolamento.
77 - A A. CC viu danificadas e inutilizadas as peças de vestuário, que usava na altura da ocorrência do acidente, nomeadamente 1 blusa, 1 camisola, 1 par de calças, 1 par de sapatos e toda a roupa interior.
78 - Durante o período de internamento da CC no Hospital ..., os demandantes, pais, fizeram deslocações diárias, em viatura própria, desde a respetiva residência até àquele estabelecimento, a fim de visitar e acompanhar a sua filha.
79 - Acompanharam a sua filha a três Consultas Externas no Hospital ....
80 – Os AA. AA e BB sofreram muito com o padecimento da sua filha, tendo-a acompanhado a todo o momento, viram-na chorar com as dores, após o acidente, choro que durou vários meses.
81 - Durante muitas semanas, os demandantes pais atravessaram períodos de intranquilidade, com tristeza e angústia, que lhes perturbava o próprio sono.
82 – E sofreram os incómodos e transtornos ligados com as deslocações que tiveram que saber por via dos tratamentos médicos a que a menor CC foi sujeita.
83 – A A. CC despendeu em tratamentos dentários em consequência do acidente dos autos:
a) € 300,00, a 12/02/2021 – fls. 425v. e 426v.;
b) € 550,00, a 06/07/2021 – fls. 426;
c) € 45,00, a 17/12/2021 – fls. 427;
d) € 45,00, a 08/03/2022 – fls. 427v.;
e) € 73,00, a 23/06/2023 – fls. 428;
f) € 73,00, a 05/08/2022 – fls. 428v.;
g) € 73,00, a 20/05/2022 – fls. 429;
h) € 10,00, a 22/04/2022 – fls. 429v.;
i) € 63,00, a 22/04/2022 – fls. 430;
j) € 45,00, a 01/10/2022 – fls. 430v.;
k) € 73,00, a 14/11/2022, no total de € 1.350,00 – fls. 431;
l) € 45,00, a 30/01/2023 – fls. 446;
m) € 45,00, a 14/04/2023 – fls. 447;
n) € 45,00, a 06/03/2023 – fls. 448;
o) € 45,00, a 24/05/2023 – fls. 453;
p) € 45,00, a 26/06/2023 – fls. 454.
a) o ciclomotor circulava a velocidade superior a 70 km/hora;
b) a CC no início do terceiro período manifestava uma tendência clara de melhoria o que lhe ia permitir passar de ano, não fosse o acidente;
c) os AA. AA e BB tivessem pago um total de € 6.450,00 à C...;
d) a A. CC sofre de sensação de paralisia momentânea no membro inferior esquerdo;
e) a A. CC engordou em consequência do acidente dos autos;
f) sofreu muitas dores de estômago, devido à agressividade dos medicamentos;
g) valor da roupa que a A. CC usada na altura do acidente;
h) os AA. AA e BB acompanharam a filha a uma clínica de estomatologia;
i) quanto é que os AA. AA e BB despenderam em gasolina e desgaste do carro no período em tiveram de se deslocar ao Hospital com a filha ou para ver a filha.
A presente ação insere-se no âmbito das ações de indemnização por responsabilidade civil, por acidente de viação.
Nas conclusões de recurso a apelante insurge-se apenas contra o montante arbitrado a título de indemnização para reparação do dano biológico e compensação dos danos não patrimoniais.
A questão que se coloca prende-se com a avaliação dos concretos danos: dano biológico e danos não patrimoniais.
Na petição e posteriormente, na ampliação do pedido, a autora/apelante veio peticionar a indemnização de danos patrimoniais futuros, a título de dano biológico, que quantificou em €175.000,00. Quanto aos danos não patrimoniais peticionou a indemnização de € 60.000,00.
Na sentença arbitrou-se a título de danos não patrimoniais a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros) e a título de indemnização por danos futuros, na vertente de dano biológico, a indemnização de €100.000,00 (cem mil euros).
A apelante pretende que a indemnização a título de dano biológico se fixe no montante de €150.000,00.
Alega para o efeito que o valor indemnizatório nesta espécie de danos não é diretamente determinável e quantificável, sendo necessário recorrer à equidade na determinação do quantum indemnizatório, ainda que se possa recorrer a tabelas financeiras ou matemáticas, mas apenas e só como meros auxiliares, como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano.
Entende que quanto a este dano biológico há a considerar:
- a idade da autora – 14 anos - à data do acidente;
- a esperança média de vida fixável nos 83 anos;
- o limite de vida ativa fixável nos 67 anos;
- o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 35 pontos;
- o salário médio nacional e a necessidade de fazer esforços acrescidos para exercer essa profissão e da atividade do dia a dia;
- a progressão na carreira e os aumentos salariais daí decorrentes;
- a taxa de juro, hoje muito próxima dos 0% ou mesmo negativa.
Considera, ainda, que a referência para efeitos de cálculo da indemnização da incapacidade funcional em que se traduz o dano biológico não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido muitas vezes, quando o lesado não exerce atividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce uma profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.
Entende que a informação estatística da base de dados Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt indica que o ordenado base médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano em 2021 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.294,10 (mil duzentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos).
Conclui que a autora, ainda muito jovem, tinha potencialidades que lhe auguravam uma evolução profissional positiva, evolução essa que, com a amplitude que poderia ter, está irremediavelmente comprometida, refletindo-se negativamente - mesmo fazendo a autora esforços acrescidos no desempenho da sua atividade -, na evolução profissional da autora.
Trata-se, assim, de apurar se a indemnização arbitrada respeita o critério legal e se mostra proporcional e adequada para reparar o dano sofrido.
Cumpre ter presente que está em causa a indemnização pelo dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspetivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira “capitis deminutio” para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido e constitui um dano autónomo e pode ter como consequência danos patrimoniais e danos de natureza não patrimonial.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o conceito de dano “biológico” tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial[2].
O dano biológico é suscetível de ser indemnizado quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado[3].
Acresce que neste âmbito se situa a ponderação da privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal.
O dano biológico, enquanto “ofensa à integridade física e psíquica”, no dizer da Portaria 377/2008 de 16 de maio[4], e que, conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência, sendo independente e cumulativo com o dano relativo à perda da capacidade de ganho, reporta-se ao maior esforço no desempenho de toda a atividade do sinistrado, incluindo a profissional sem repercussão nos rendimentos auferidos.
Dispõe o art.º 566º CC que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Por outro lado, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.
Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art.º 566º/3 CC.
Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, conforme decorre do art.º 564º/2 CC.
Consagram-se, assim, a teoria da diferença e a equidade como critério de compensação de danos futuros.
Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização por danos futuros, deve a mesma calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, em termos de normalidade de vida, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer; e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art.º 566°, n.º 3, do C.C.[5]
O recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (cf. art.13º, nº1, da CRP), o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso. Quer isto significar que as decisões judiciais devem ter em consideração os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC).
Neste sentido, entre outros, se tem pronunciado a jurisprudência nos Ac. STJ 30 de maio de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1 (www.dgsi.pt ), Ac. STJ 10 de maio de 2020, Proc. 3907/17.2T8BRG.G1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020:3907.17.2T8BRG.G1.S1-(www.dgsi.pt)), Ac. STJ 30 de abril de 2020, Proc. 370/16.9T8BGC.G1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020: 370/16.9T8BGC.G1.S1 (www.dgsi.pt)), Ac. STJ de 10 de setembro de 2019, Proc. nº 16/13.7TVPRT.P1.S1 e Ac. STJ 05 de novembro de 2019, Proc. nº 7053/15.5T8PRT.P1.S1, in Sumários dos Acórdãos do STJ – Secções Cíveis, e de Ac. STJ 01 de outubro de 2019, Proc. nº 683/11.6TBPDL.L1.S2, www.dgsi.pt),
Na avaliação do dano, a jurisprudência, partindo de um juízo de equidade tem apontado vários critérios, sendo certo que o que melhor reflete o princípio geral enunciado no art.º 562º CC – reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão – segue basicamente a ideia, que o montante da indemnização em dinheiro deve corresponder a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de receber, durante o período em que poderia trabalhar, de forma a esgotar-se no tempo provável de vida ativa.
Em todos os critérios surgem como elementos comuns: a ponderação da idade do lesado, a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade; deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado; deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infrator ou da sua seguradora; deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.
Na sentença para apurar o montante da indemnização consideraram-se alguns destes aspetos, referindo-se para o efeito:
“O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da A. CC foi fixado em 34 pontos – nº 37 dos FP. Trata-se de um valor muito elevado. A A. CC na altura do acidente era estudante e referiu na audiência de julgamento ser atualmente operadora fabril. Trata-se de um trabalho pesado, pelo que terá certamente de o realizar com esforços suplementares ao das restantes pessoas. Provou-se, com efeito, que tem como dependências permanentes (além do mais) a necessidade contínua de ajudas medicamentosas e o acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e de Reabilitação – nº 41 dos FP.
[…]
Tem vindo a ser entendido que o aumento do custo físico e psíquico para exercer a profissão e, porventura, para se dedicar complementarmente a outros trabalhos como forma de aumentar o seu rendimento, tem também de ser compensado.
O dano biológico da A. é indesmentível e merece, sem dúvida, ser compensado, enquanto sacrifício, maior esforço e penosidade para o exercício dos atos da sua vida profissional, que não se sabe qual virá a ser, pessoal, social e familiar.
Ponderando todos estes factos, considerando a idade da A. (14 anos de idade à data do acidente e 21 anos de idade atualmente), que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 34 pontos, e que a incapacidade é definitiva, entendemos que o valor de € 100.000,00 é justo e adequado para indemnizar a A.”.
Sugere a apelante que na avaliação do ano se deve ponderar:
- a idade da autora – 14 anos - à data do acidente;
- a esperança média de vida fixável nos 83 anos;
- o limite de vida ativa fixável nos 67 anos;
- o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 35 pontos;
- o salário médio nacional e a necessidade de fazer esforços acrescidos para exercer essa profissão e da atividade do dia a dia;
- a progressão na carreira e os aumentos salariais daí decorrentes;
- a taxa de juro, hoje muito próxima dos 0% ou mesmo negativa.
Considera, ainda, que a referência para efeitos de cálculo da indemnização da incapacidade funcional em que se traduz o dano biológico não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, mas o ordenado base médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano em 2021 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.294,10 (mil duzentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos).
Entendemos, porém, que no caso concreto não se justifica aplicar este critério e que o montante arbitrado se mostra adequado para indemnizar o dano sofrido.
Quando está em causa a avaliação da perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual, tem a jurisprudência[6] considerado como parâmetros a atender os seguintes:
a) – o capital produtor do rendimento que a vítima deixará de auferir e que se extinguiria no período de vida profissional provável;
b) – no cálculo a equacionar de forma equitativa, o relevo das regras da experiência que, segundo o curso normal das coisas, seja razoável atentar;
c) – as tabelas financeiras como mero instrumento auxiliar, sem substituição da equidade;
d) – o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.
Porém, no caso presente e como decorre dos factos provados, não se pode atender desde logo à perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual, porque a lesada na data em que ocorreu o acidente não exercia qualquer profissão remunerada, era estudante e em julgamento declarou exercer a profissão de operária fabril (ponto 39 dos factos provados).
Nada se apurou a respeito das suas habilitações, nomeadamente se prosseguiu os estudos ou se tem alguma formação profissional diferenciada, elementos relevantes para aferir das possibilidades de progressão na carreira, com possíveis aumentos salariais.
Ainda que se possa utilizar como base de cálculo o ordenado base médio mensal dos trabalhadores por conta de outrém[7], como defende a apelante, já não se justifica a aplicação de tal valor por referência ao ano em 2021, quando o acidente ocorreu em 2016. Em 2016 o ordenado base médio mensal dos trabalhadores do sexo feminino, por conta de outrem, ascendia ao montante de € 840,30 (https://www.pordata.pt – última atualização a 19 de dezembro de 2023).
De igual forma, não se pode acompanhar a afirmação segundo a qual a taxa de juros hoje está muito próxima do 0%. A taxa de juros, ainda que baixa, tem vindo a aumentar verificando-se uma tendência para a sua estabilidade, ainda que em baixa.
Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la de imediato, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia.
Essa redução tem por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido (taxa de capitalização) – na medida em que, colocando o capital a render, o beneficiário sempre receberá os correspondentes juros ou rendimentos remuneratórios.
Conforme se salienta nos acórdãos do STJ de 25 de novembro 2009, (Proc. nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 15 de março de 2018 (Proc. nº 4084/07.2TBVFX.L1.S1), ambos in www.dgsi.pt, a jurisprudência tem situado essa dedução, com recurso à equidade, entre os 10% e os 33%.
Porém, no atual quadro económico, em que se tem assistido a uma redução substancial dos rendimentos gerados com aplicações financeiras do capital tem-se optado pela aplicação de uma taxa mínima, na ordem dos 10%.
Observa-se no Ac. STJ de 30 de março de 2017, Proc. 2233/10.2TBFLG.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt) “a antecipação da disponibilidade do capital justifica uma redução deste, embora de forma mais moderada, por efeito das taxas de juros mais baixas”.
Também neste sentido se pronunciou o Ac. STJ 19 de maio de 2020, Proc. 3907/17.2T8BRG.G1.S1, ECLI:PT:STJ:2020:3907.17.2T8BRG.G1.S1(www.dgsi.pt)):”[n]a verdade, conforme é público e notório, no âmbito das aplicações financeiras, as taxas de rendimento têm vindo a baixar constantemente para níveis quase negativos, desconhecendo-se em absoluto qual a sua evolução, particularmente ao longo dos anos de expetativa de vida da autora. Isto para já não falar das situações de perda total ou parcial das aplicações financeiras, que a história recente bem demonstra.
[…]Ora, tendo em conta a atual situação do baixo rendimento do capital, afigura-se-nos como correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução situada à volta dos 10%”.
Seguindo o mesmo entendimento o Ac. 30 de abril de 2020, Proc. 370/16.9T8BGC.G1.S1, ECLI:PT:STJ:2020:370.16.9T8BGC.G1.S1- www.dgsi.pt.
É certo que no Ac. STJ 19 de abril de 2018, Proc. 196/11.6TCGMR.G2.S1 (disponível em www.dgsi.pt) defendeu-se: “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzida […], o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento”.
Porém, a posição ali assumida justifica-se no contexto dos concretos factos ali provados[8], circunstâncias essas que no caso concreto não se verificam e por isso, tal interpretação não se justifica no caso concreto, até porque não tem sido essa a tendência da mais recente jurisprudência.
Verifica-se que na avaliação do dano não se deduziu ao valor arbitrado uma percentagem por efeito de ocorrer antecipação do pagamento de todo o capital, o que significa que ainda que se atribuísse um valor superior ao arbitrado sempre seria de deduzir esse montante e que não se aplica, em obediência ao principio consagrado no art.º 635º/5 CPC.
Analisando os valores arbitrados na jurisprudência dos tribunais superiores, em obediência ao princípio da igualdade, sempre presente num juízo de equidade e tomando como referência, entre outros, os arestos a seguir indicados é de considerar que a indemnização arbitrada se situa nos valores médios considerados como adequados para indemnizar o dano sofrido.
Ponderando as doutas decisões proferidas nos seguintes processos- Acórdão do STJ de 19 de setembro de 2019, Proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt):
- “Tendo em conta que o recorrente: (i) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; (ii) contava com 45 anos à data do acidente; (iii) auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00, acrescido de € 80,00 de subsídio de alimentação; afigura-se ser acertado o montante indemnizatório de € 200 000,00, considerando o benefício emergente da entrega antecipada do capital, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico)”;
- Ac. do STJ de 23 de maio de 2019, Proc. 2476/16.5T8BRG.G1.S2, in Sumários dos Acórdãos do STJ – Secções Cíveis:
“Resultando da factualidade provada que a autora, em consequência do acidente de viação de que foi vítima e das sequelas ao nível da coluna cervical de que ficou a padecer, (i) ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades; (ii) auferia uma retribuição mensal de € 1 706,20, catorze meses por ano; (iii) ficou com um défice funcional de 26 pontos; e (iv) tinha 44 anos de idade à data do acidente, é de confirmar o montante de € 250 000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, aqui incluída a vertente patrimonial do dano biológico.
- Ac. STJ 30 de abril de 2020, proc. 6918/16.1T8VNG.P1.S1, ECLI:PT:STJ:2020:6918.16.1T8VNG.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt )
- O défice funcional permanente de 15 pontos de que o autor se encontra afetado, sem esquecer que as sequelas de que ficou a padecer definitivamente o impedem de exercer a sua profissão habitual (cf. pontos 21, 26, 28 e 29, dos factos provados).
- A circunstância de o referido dano funcional ter com elevada probabilidade determinado a sua reforma, sendo de notar que, não obstante não se tratar de uma incapacidade total, as limitações que o autor apresenta, associadas à sua idade (prestes a fazer 59 anos, à data da consolidação das lesões) e às crescentes exigências do mercado laboral, permitiriam formular um juízo de prognose muito reservado quanto à obtenção de emprego, no futuro, ainda que noutro ramo de atividade, pelo menos com a estabilidade daquele que possuía e que, não fora o acidente, provavelmente manteria.
- A idade do autor (tinha 56 anos, à data do acidente) e os demais vetores acima referidos para projetar o rendimento perdido.
- Os proventos auferidos: à data do acidente dos autos, exercia a profissão de motorista profissional, com um salário mensal de € 596,57, acrescido de subsídio de alimentação no montante de € 50,60€ e de subsídio de diuturnidade no valor de € 80,82 (cf. ponto 20, dos factos provados).
- A redução do capital que assim se obtiver, em resultado da sua entrega antecipada, para que o valor encontrado corresponda a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinga no final do período provável de vida deste.
Neste quadro factual, tudo ponderado, afigura-se-nos ser mais acertado o montante indemnizatório de € 60.000,00 para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico)”.
Verifica-se que nas situações de facto presentes nos doutos arestos, apesar do défice funcional se situar próximo daquele que foi atribuído à autora/apelante nos valores arbitrados considera-se sempre a indemnização de perda de capacidade de ganho e o dano biológico.
Trata-se de situações em que os lesados com idade diferente da autora (mais velhos na sua grande parte), sofreram lesões que para além de originarem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, determinaram um impedimento para o exercício da atividade profissional habitual, algumas com incapacidade parcial permanente, o que não ocorre no caso concreto.
Por outro lado, se analisarmos comparativamente os valores arbitrados na jurisprudência para reparação do dano em situações idênticas às dos autos, por estar em causa jovens com idades compreendidas entre os 16 e 18 anos, estudantes, ou com profissões não qualificadas, com lesões semelhantes às da autora, determinantes de défice funcional permanente de integridade físico-psíquica ainda que inferior ou próximo daquele que foi fixado à autora, verificamos que os valores indemnizatórios não excedem os € 90 000,00.
Ponderando as doutas decisões proferidas nos seguintes processos (todos acessíveis em www.dgsi.pt) verifica-se:
- Ac. STJ 28.01.2016 - Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1
Tendo ficado provado que, em consequência de acidente de viação, o lesado, então com 17 anos de idade, sofreu uma lesão de um membro inferior que o deixou incapacitado para a sua profissão habitual, da qual se reformou, e com uma incapacidade geral permanente de 23%, atenta a esperança de vida média à data do acidente (70 anos para os homens nascidos em 1977), e uma vez que teria ainda pela frente várias décadas com a oportunidade de “progredir na vida” - mesmo desconhecendo-se as suas habilitações, mas havendo indícios de que as mesmas não seriam elevadas - considerou-se adequado fixar, a título de indemnização por danos patrimoniais derivados da perda de capacidade de ganho, o valor de €50.000,00, o qual se reduz para €45.186,50, devido à limitação do pedido.
- Ac. STJ 30 de maio de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1
- Factos que ocorreram em agosto de 2011 (lançamento de balonas) tendo o lesado 16 anos à data do acidente e ficando a padecer de uma lesão permanente da visão, em virtude da qual lhe foi atribuída incapacidade geral permanente de 16%, considerou-se inteiramente adequado – e conforme com os parâmetros seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal – que o montante da parcela indemnizatória pela afetação da sua capacidade geral de ganho tenha sido aumentado de € 40.000,00 para € 60.000,00.
- Ac. STJ 30 de maio de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1
- Ponderado a incapacidade geral de que a autora, com 17 anos, ficou a padecer em virtude do acidente de viação em que foi interveniente o veículo no qual seguia como passageira (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, compatível com o desenvolvimento de atividade profissional mas a implicar esforços acrescidos), o salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem com formação média (dado que na altura do acidente, a vítima era estudante, não tendo ainda ingressado no mercado de trabalho) e a esperança média de vida das mulheres (e não apenas a esperança de vida ativa), sem que tais critérios se afastem dos habitualmente usados pelo STJ em casos semelhantes, não merece censura o valor de € 80 000,00, fixado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.
- Ac. STJ 10 de dezembro de 2019, Proc. 497/15.4T8ABT.E1.S1
- Atendendo a que a lesada tinha à data do sinistro 17 anos, uma esperança de vida de 63, que, em consequência das lesões sofridas, apresenta, atualmente, ao nível da cognição e afetividade, dificuldade em lidar com situações de stress, ficando ansiosa e não conseguindo reagir bem, que tem dificuldade em estar muito tempo nas aulas, em manter a atenção, facilmente se cansando nessas situações, que tem dificuldade de concentração e de memória - sequelas que lhe determinaram um défice permanente da integridade físico-psíquica, não concretamente determinado, mas não inferior a 14,5 pontos nem superior a 21,6 pontos - que, por causa das lesões sofridas perdeu dois anos escolares, que deseja continuar a estudar para tentar ingressar no ensino superior em medicina veterinária, que, se não fosse a acidente, estaria provavelmente para a ano (com 25 anos de idade) com o seu percurso escolar concluído e em condições de entrar na vida laboral ativa como médica veterinária ou com outra formação superior, auferindo, provavelmente, um valor equivalente ao salário médio nacional, ate a idade da reforma, e daí em diante o valor da reforma, afigura-se ajustada, tendo em consideração todas estas circunstâncias e, ainda, a padrão indemnizatório seguido pela jurisprudência, a indemnização de € 70 000,00 a título de danos patrimoniais futuros.
- Ac. STJ 04-07-2019, Proc.633/14.8TBPFR.P1.S1 - 1.ª Secção
- Decorrendo dos factos provados que: (i) a autora contava com 18 anos na data do acidente; Resultando dos factos provados que a autora ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 18% que se repercutirá nas demais diversas tarefas da sua vida e nas atividades profissionais, justifica-se que, atendendo à idade da demandante e à esperança média de vida, se fixe a indemnização no valor de € 90 000, em vez do valor de € 60 000 fixado pela Relação.
- Ac. STJ 04 de fevereiro de 2020, Proc. 46/08.0TBVVD.1.G1.S1, ECLI:PT:STJ:2020:46.08.0TBVVD.1.G1.S1
- Lesado com 18 anos na data em que ocorreu o acidente e ficou afetado com uma IPP 18% foi atribuída a indemnização por danos futuros, na vertente patrimonial de dano biológico de € 90 000,00.
No caso concreto, conforme resulta dos factos provados (pontos 30 a 41 dos factos provados):
30 – A A. CC apresenta as seguintes sequelas relacionáveis com o evento:
Face: cicatriz nacarada, transversal, muito pouco aparente, na metade lateral da região supraciliar direita, com 1,2 cm de comprimento; cicatriz nacarada, pouco aparente, em forma de "Z", na metade esquerda da região frontal, medindo os seus segmentos 2 cm, 1 cm e 0,5 cm de comprimento; cicatriz nacarada, transversal, pouco aparente, na metade lateral região supraciliar esquerda, com 1,5 cm de comprimento; discreta cicatriz nacarada, na região suprageniana esquerda, com 0,8 cm de comprimento; cicatriz nacarada, pouco aparente, na face inferior da metade esquerda da região mentoniana, com 1 cm de comprimento; assimetria da língua com desvio do seu eixo para a direita; cicatriz nacarada, transversal, ligeiramente deprimida, pouco aparente, no terço médio do dorso da língua, com 2 cm de comprimento; prótese dentária em substituição dos dentes 31, 32, 41 e 42; distância de abertura máxima da boca entre arcadas dentárias, ao nível dos incisivos, mede 4cm de comprimento. E, ainda, desvio mandibular para a esquerda, com mordida cruzada esquerda.
Limitação nos movimentos de protusão, retrusão, lateralidade esquerda e direita, assim como em movimentos de abertura máxima (limitada a 35 mm até sentir dor). Dores na articulação temporo-mandibular – fls. 395v..
Membro inferior esquerdo: área pigmentada acastanhada, com padrão estriado transversal, pouco aparente, no terço distal da face anterior da coxa, com 2 cm de diâmetro; cicatriz nacarada violácea no quadrante supero-medial do joelho, com 3 cm x 0,5 cm; área pigmentada acastanhada, pouco aparente, no quadrante ínferomedial do joelho, com 3,5 cm x 2 cm.
31 – A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 16/01/2017.
32 – O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 17 dias.
33 – O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 279 dias.
34 – O período de repercussão temporária total para as atividades escolares é fixável num período de 72 dias.
35 - O período de repercussão temporária parcial para as atividades escolares é fixável num período de 224 dias.
36 – O quantum doloris é fixável no grau 4/7.
37 – O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 34 pontos.
38 – É de perspetivar a existência de dano futuro, tendo em conta a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular.
39 – As sequelas de que a A. ficou a padecer são compatíveis com o exercício da atividade escolar habitual da A. CC.
40 – O dano estético é fixável no grau 4/7.
41 – Dependências permanentes: a A. CC apresenta como dependências a necessidade contínua de ajudas medicamentosas, acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e de Reabilitação, ajuste e confeção de novas goteiras, terapia medicamentosa, incluindo a viscossuplementação com ácido hialurónico, tratamento ortodôntico e reabilitação com implantes dentários, eventual enxerto ósseo, colocação de coroas de cerâmica sobre implantes e respetivas consultas de acompanhamento de Medicina Dentária.
Desde logo cumpre ter presente que a autora na data em que ocorreu a colisão tinha 14 anos de idade, era estudante e não exercia qualquer profissão remunerada. Por efeito das lesões sofridas sofreu um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, fixável em 34 pontos percentuais, a partir da data de consolidação médico-legal das lesões.
As sequelas são compatíveis com a vertente intelectual das atividades escolares que a examinada frequentava à data do acidente. É de perspetivar a existência de dano futuro, tendo em conta a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular. Em sede de dependências permanentes releva necessidade contínua de ajudas medicamentosas, acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e de Reabilitação, ajuste e confeção de novas goteiras, terapia medicamentosa, incluindo a viscossuplementação com ácido hialurónico, tratamento ortodôntico e reabilitação com implantes dentários, eventual enxerto ósseo, colocação de coroas de cerâmica sobre implantes e respetivas consultas de acompanhamento de Medicina Dentária.
Porém, quanto a despesas medicamentosas e de assistência médica, a que se reporta o ponto 41 dos factos provados, relegou-se para liquidação, a fixação do seu montante, motivo pelo qual, não podem ser consideradas nesta sede.
Apesar da gravidade das lesões - lesão no membro inferior esquerdo e fraturas múltiplas nos ossos do rosto e maxilar - a autora não ficou afetada por uma incapacidade permanente parcial, nem sofreu qualquer perda de ganho e as sequelas são compatíveis com a vertente intelectual das atividades escolares que a examinada frequentava à data do acidente e apenas sendo de perspetivar a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular.
Releva, pois, a afetação da sua saúde de forma permanente, com uma lesão que a vai acompanhar para sempre com influência na sua vida ativa e profissional, pois a situação de doença condiciona sempre o bom desempenho profissional com reflexos necessariamente nos rendimentos e proventos, apesar dos apoios sociais e do acesso ao Serviço Nacional de Saúde, que como resulta demonstrado nos factos provados não será suficiente para garantir a assistência que a apelante necessita.
Resulta da análise comparativa das várias decisões citadas que na atribuição de uma indemnização de valor superior à fixada se ponderou o facto do lesado exercer uma profissão e ocorrer perda de capacidade de ganho e incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual, circunstâncias que aqui não se verificam.
Por outro lado, para casos em que o lesado tinha uma idade próxima à da autora, era estudante e apenas se verifica um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, ainda, que em percentagem inferior ou próxima da percentagem atribuída à autora, o montante da indemnização não excede nunca os € 90 000,00, como já se referiu.
Daí entendermos que se justifica manter o montante arbitrado ponderando a idade da autora à data do sinistro (14 anos), o facto de ser estudante, em que as sequelas são compatíveis com a vertente intelectual das atividades escolares, o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica a partir da data de consolidação médico-legal das lesões fixar-se em 34 pontos percentuais e se verificar a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular.
Desta forma julgamos ser equitativo o montante arbitrado de €100.000,00 – cem mil euros.
Na petição a autora/o apelante quantificou a indemnização a título de danos não patrimoniais em € 27.000,00. Ampliou o pedido para o montante de € 60.000,00.
A questão a decidir consiste em apurar se na fixação da indemnização, segundo um juízo de equidade se observou o critério legal.
Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, a jurisprudência dos tribunais superiores tem defendido que o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Tal como escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal” em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras[9].
Tendo presente o art.º 496º/1CC, verificamos que tão só, são indemnizáveis, a título de danos morais, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e a indemnização, neste âmbito, visa compensar o dano sofrido, pois pela sua natureza o dano não é suscetível de restituição natural.
Em conformidade com o nº4 do art.º 496º CC o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º do CC e de acordo com um critério objetivo.
Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica[10].
Por outro lado, tem a jurisprudência defendido que na quantificação do dano, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado[11].
No recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, “o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”[12].
Deve atender-se, assim, nos termos do art.º 496º/4 CC, conjugado com o art.º 494º CC, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, do lesado e do titular de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas, podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência[13].
Na sentença ponderaram-se os seguintes factos:
“A A. era uma jovem saudável, alegre e sociável à data do acidente, que não padecia de nenhuma doença ou deformidade física – nº 71 dos Factos Provados.
Esteve internada no Hospital durante 14 dias, tendo sido sujeita a tratamento cirúrgico – nºs. 12, 15 e 16 dos FP. No dia 06/03/2019 foi de novo internada para extração do material de osteossíntese – nº 22 dos FP. Tem estado sempre a ser acompanhada no CHUSJ e a realizar tratamentos ortodônticos na C....
O quantum doloris é fixável no grau 4/7. O dano estético é fixável no grau 4/7.
Durante o período de internamento, a CC manteve-se em profundo sofrimento – nº47 dos FP. E nos primeiros dias de internamento estava irreconhecível, dadas as lesões na face – nº 49 dos FP. Tinha muitas dores na cabeça e não tinha força para se movimentar e tinha que ser auxiliado em todas as suas tarefas diárias, tais como tomar banho, vestir-se, ir à casa de banho, comer – nº 53 dos FP. E só bebia líquidos com a ajuda de uma palhinha, pois não podia mastigar – nº 54 dos FP. Quando regressou à escola ainda tinha a cara muito inchada e com dores no corpo, o que provocava o gozo e a chacota dos colegas. Não podia mastigar devido à falha de dentes e das fraturas que foi alvo na face. Queixava-se de muitas dores no corpo, em particular no maxilar – o que a impedia de falar de forma percetível – e da dificuldade em permanecer sentada por longos períodos. E manifestava também tristeza causada pelos comentários depreciativos relativamente ao seu aspeto físico por parte de alguns alunos da escola e disso dava conta aos professores.
Atualmente, a A. CC, em virtude das lesões advindas do presente sinistro, padece de: a) fenómenos dolorosos na boca; b) sensação de falta de força na boca, sobretudo na arcada dentária inferior, onde lhe faltam quatro dentes, o que lhe dificulta a mastigação de alimentos como bife e maçã; c) só come fruta passada; d) só consegue comer pão mole; e) sente diminuição da sensibilidade da metade direito da região oral; f) sensação de abano na mandibula ao correr; g) alteração na face. Passou a ser uma pessoa uma pessoa triste, sisuda e com tendências para o isolamento.
No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a A. CC sofreu um enorme susto e sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas”.
Estão em causa lesões na integridade física da Autora que pela sua gravidade e extensão justificam a tutela do direito, quando além do mais determinaram um défice permanente de integridade físico-psiquica e vão condicionar para sempre a sua saúde.
Conforme resulta dos factos provados a autora era uma pessoa jovem, com 14 anos à data em que ocorreu o sinistro, saudável e sociável, sem qualquer aleijão ou diminuição física (ponto 71 dos factos provados).
Apurou-se que as lesões que sofreu vão gerar, dependências permanentes, com recurso a consultas médicas regulares e medicação.
Acresce que a autora foi submetida a várias intervenções cirúrgicas e tratamentos, durante um longo período de tempo, que causaram dores (grau 4/7), dano estético (grau 4/7) e incómodos, impedindo-a de ingerir certos alimentos (pontos 30 a 41, 68 e 70 dos factos provados).
Por efeito das lesões sofridas notam-se alterações na sua personalidade, pois passou a ser uma pessoa insegura, triste e introvertida, o que condiciona a sua vida de relação (ponto 76 dos factos provados).
Acrescenta-se, ainda, o facto do acidente ter ocorrido por facto imputável, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo segurado, porque na avaliação do dano está presente o caráter sancionatório da indemnização a atribuir. O dano especificamente sofrido de caráter não patrimonial a fixar equitativamente há de ter sempre em conta o pressuposto ético que está na base da obrigação de indemnizar - que é o da sanção da conduta culposa do agente - cf. art.º 494º, 497º nº2 e 500º nº3 do Código Civil[14].
De modo particular na jurisprudência é de referir as decisões do Supremo Tribunal de Justiça (acessíveis em www.dgsi.pt.):
- Ac. STJ 04 de Junho de 2015, (Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, 7º secção ) – em acidente que ocorreu em 30 de julho de 2005, a lesada sofreu incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos; ponderou-se em sede de danos não patrimoniais: as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infração séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento; mostrou-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40 000,00.
- Ac. STJ 07 de Abril de 2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1 ) – em acidente ocorrido em 08-10-2011, a lesada com 22 anos: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, considerou-se justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00.
- Ac. STJ 21 de Janeiro de 2016 (Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, 7ª secção ) - em acidente ocorrido em 12 de Setembro de 2009 considerou-se adequado atribuir ao lesado pelas lesões sofridas em acidente de viação o montante de €50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7, envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.
- Ac. STJ 26 de Janeiro de 2016 (Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, 6ª secção ) - em acidente ocorrido em 27 de Janeiro 2000, com culpa exclusiva do causador do acidente, o lesado sofreu lesão que provocou encurtamento de 4 cm, na perna esquerda e pela lesão na perna direita coxeia, sente dores ao andar, não dobra a perna esquerda na totalidade, para lá das lesões permanentes que afetam os seus membros superiores, tendo ainda em conta que, desde os 20 anos, o Autor viu condicionada a sua integridade física, ficou afetado física e psicologicamente, não sendo razoável considerar que a sua menos valia física, relevante para quantificar o dano patrimonial, não seja valorada como sofrimento, pelo sentimento de inferioridade psicológica que representa alguém jovem e saudável, sendo desportista, e apreciador dos prazeres da vida, se vê com o corpo com cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento e relevante dano estético, com sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando à alteração do padrão de vida pessoal e social. Considerou-se adequado para compensação do dano não patrimonial, com base na equidade a quantia de € 45 000,00.
-Ac. STJ 28 de Janeiro de 2016 (Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, 2ª secção ) – em 15 de Maio de 1994, em consequência de acidente de viação, o lesado, então com 17 anos de idade, sofreu uma lesão de um membro inferior que o deixou incapacitado para a sua profissão habitual, da qual se reformou, e com uma incapacidade geral permanente de 23%,; o lesado foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efetuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7 – considerou-se que seria adequado fixar uma indemnização por danos não patrimoniais total no valor de €40.000,00.
- Ac. STJ 07 de junho de 2018, Proc. 418/13.9TVCDV.L1.S1
- Resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fraturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação antiálgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00.
- Ac. STJ 19 de abril de 2018, Proc. 196/11.6TCGMR.G2.S1
- Ponderando este quadro factual, em especial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspetivas futuras, em termos laborais, consideramos que, não obstante a apontada limitação deste Tribunal, no que concerne à sindicância de indemnização com recurso à equidade, a indemnização de €45.000,00, a título de dano não patrimonial, foi fixada prudencialmente pelas instâncias e apresenta-se como razoável, ajustada, equilibrada e adequada às circunstâncias concretas do caso vertente.
Assim, também não se justifica, quanto a este tipo de dano, a sua elevação para o montante de €150.000,00 que pretende a Autora, cuja argumentação ex adversu não merece acolhimento. Tal montante apresenta-se desfasado do que é habitual atribuir em casos similares, sendo útil lembrar até que para o mais elevado dano desta natureza, o dano morte, o Estado atribuiu aos herdeiros das vítimas mortais dos fatídicos incêndios florestais que assolaram o país, no passado verão, montante bem inferior, abonando-se e tendo como referência, para o efeito, os valores fixados pela mais recente jurisprudência”.
- Ac. STJ 11-02-2016, Proc. 1104/12.2T2AVR.P1.S1 - 2.ª Secção
- IV - Resultando dos factos provados que o lesado: (i) tinha 26 anos de idade à data do acidente (13-05-2010); (ii) prestava serviço militar na ... Portuguesa; (iii) em consequência do acidente sofreu um traumatismo crânio-encefálico, com múltiplos focos hemorrágicos, tendo ficado em coma e sido sujeito a internamento hospitalar, com medicação, ventilação, alimentação nasogástrica e traqueostomização, tendo ficando retido no leito, sempre na mesma posição, sem falar, nem comunicar com ninguém; iv) após o internamento, foi encaminhado para consulta externa de neurologia, tendo regressado à casa dos pais, onde ficou acamado por dois meses, com assistência permanente de terceira pessoa, tendo passado a receber tratamentos de fisioterapia (funcional e cognitiva); (v) ficou absoluta e definitivamente impossibilitado de prosseguir a sua carreira militar na ... ou em qualquer outro ramo das Forças Armadas, o que lhe causou profundo desgosto; (vi) sofreu dores ao longo de um período de dois anos, fixáveis no grau 5 numa escala de 7; (vii) obteve a consolidação médico-legal em 13-05-2012; (viii) ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 32 pontos; (ix) sofreu um dano estético permanente, uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer e uma repercussão permanente na atividade sexual, tudo fixado em 3 numa escala de 7; e (x) passou a sentir complexo de inferioridade, isolando-se e evitando o convívio com outras pessoas, quando antes era esbelto, saudável, forte, ágil, dinâmico, robusto e não apresentava qualquer deformidade física, tem-se como equitativa a fixação da indemnização devida, a título de danos não patrimoniais, em € 100.000 (em não em € 80.000 como foi fixado pela Relação).
-Ac. STJ 15 de setembro de 2016, Revista n.º 1737/04.0TBSXL.L1.S1 - 7.ª Secção
- IV - Mostra-se equilibrado o montante de € 80 000, a título de “dano não patrimonial” emergente de acidente de viação em que a lesada, não teve culpa e com 52 anos à data do mesmo, sofreu várias e melindrosas intervenções cirúrgicas, tratamentos dolorosos, incapacitação de exercício da sua função e incapacidade físico-psíquica de 30,94%.
- Ac. 16 de março de 2017, Proc. Revista n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1 - 2.ª Secção
- VII - Resultando da factualidade provada que o lesado, de 19 anos de idade, em consequência do acidente em causa nos autos: (i) sofreu graves lesões, que determinaram a amputação de órgãos (baço, rim direito, glândula supra renal direita, segmento do intestino) e "limitação da flexão do joelho direito"; (ii) ficou a padecer de uma taxa de incapacidade geral de 41 pontos; (iii) exerce profissão (pedreiro e carpinteiro de cofragens), que exige elevados níveis de força e destreza tísicas, tendo as lesões por si sofridas diminuído de forma "considerável e definitiva" a sua capacidade de trabalho, sendo embora compatíveis com o exercício da atividade habitual — sendo certo que, considerando as características da sua profissão, encontram-se limitadas, de forma irremediável, as possibilidades de, a médio prazo, progredir (ou mesmo prosseguir) na profissão habitual; sendo certo que, num mercado de trabalho particularmente exigente, a incapacidade geral do lesado praticamente inviabiliza as possibilidades de mudança para profissão alternativa compatível às suas competências, assim como dificulta ou inviabiliza as possibilidades de exercício de outras atividades económicas — afigura-se justo e adequado manter a indemnização de € 250.000 por perda de capacidade geral de ganho/dano biológico, fixada pelas instâncias.
VIII - Provando-se, ainda, que o mesmo lesado, em consequência do acidente, (i) foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas; (ii) esteve, no total, 92 dias internado; (iii) sofreu, para além das lesões referidas em VII, manifestações ango-depressivas como humor triste e depressivo, lentificação psicomotora, anedonia, sentimentos de insegurança e desânimo (com perda da autoestima), ansiedade e angústia, cefaleias e tonturas, intolerância ao ruído, irritabilidade fácil, dificuldades de concentração, prejuízos mnésicos; (iv) no futuro e até à sua morte terá de seguir uma dieta alimentar rigorosa devido aos problemas intestinais, digestivos e sanguíneos inerentes à amputação dos respetivos órgãos; (v) as cirurgias e tratamentos a que foi submetido foram dolorosos, sendo o respetivo quantum doloris fixável em 6/7; (vi) devido às cicatrizes que para si resultaram das lesões, sente vergonha em ir à praia ou usar roupas de verão, padecendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7, considera-se adequado e correspondente à orientação da jurisprudência do STJ, manter a indemnização de € 100 000 por danos não patrimoniais, fixada pelas instâncias.(…)”
- Ac. STJ 19 de março de 2019, Proc. Revista n.º 683/11.6TBTVR.E1.S2 - 6.ª Secção
“(…)
II - O montante de €80.000 euros mostra-se adequado a indemnizar os danos não patrimoniais sofrido pela lesada em acidente de viação, na consideração das seguintes circunstâncias: (i) durante o transporte em ambulância, que durou quatro horas, a autora sofreu dores no grau máximo de 7; (ii) foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, antecedidas de grande ansiedade, a última das quais causou inflamação e dor e implicou o uso de canadianas durante quatro semanas; (iii) esteve internada 33 dias, durante os quais foi sujeita a tratamentos dolorosos e pensos, tendo sido medicada o que lhe provocou náuseas, vómitos e intolerância alimentar e galactorreia, sentindo-se triste e sozinha por só ter um visita por dia sem contacto físico; (iv) o quantum doloris foi de grau 6 em 7 graus progressivos; (v) sofreu angústia e receio de não concluir o 3.º ano de medicina, desenvolvendo pânico, fobias, insónias e pesadelos; (vi) a queimadura de 3.º grau ocupou da superfície total; (vii) o constrangimento e vergonha com a exposição do seu corpo na sua intimidade sexual, devido à existência de cicatriz, sendo a repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 2/7”.
- Ac. STJ 23 de maio de 2019, Proc. 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção
VI - Resultando da factualidade provada que a autora, em consequência do acidente de viação de que foi vítima e das sequelas ao nível da coluna cervical de que ficou a padecer, (i) ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades; (ii) auferia uma retribuição mensal de € 1 706,20, catorze meses por ano; (iii) ficou com um défice funcional de 26 pontos; e (iv) tinha 44 anos de idade à data do acidente, é de confirmar o montante de € 250 000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, aqui incluída a vertente patrimonial do dano biológico.
VII - Tendo ficado igualmente demonstrado que a autora, em consequência do referido acidente, (i) temeu pela sua vida; (ii) sofreu gravemente com o acidente e com os tratamentos a que teve de ser submetida; (iii) teve e continua a ter que se submeter a diversas consultas médicas; (iv) ficou com sequelas psíquicas, estéticas e limitativas; e (v) sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético de grau 2, ambos numa escala de 1 a 7, atendendo aos valores atribuídos pela jurisprudência noutras situações, é igualmente de confirmar o montante de € 75 000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por danos não patrimoniais.(…)”.
- Ac. STJ 19 de setembro de 2019, Proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1 - 7.ª Secção
IV - Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de € 50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos.
- Ac. STJ 19 de maio de 2020, Proc. 376/15.5T8VFR.P1.S1,ECLI:PT:STJ:2020:376.15.5T8VFR.P1.S1
- As sequelas determinam para o Autor uma incapacidade parcial permanente geral de 25, 17858 pontos, com incapacidade total para a profissão de mecânico – (cfr. Doc. de Fls. 319 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
- Pela repercussão permanente na Atividade Profissional, “apresenta sequelas impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, em virtude das limitações nas mobilidades dos membros superior e inferiores esquerdos, por rigidez articular do joelho e cotovelos, que o impossibilitam de pegar em objetos (cfr. Doc. de Fls. 319 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O A. apresenta como Dano Estético permanente de Grau 3/7.
- E Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no Grau 2, em escala de sete graus de gravidade crescente- (cfr. Doc. de Fls. 319 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido ).
- E Repercussão Permanente na atividade sexual no grau 2/7. - E Quantum Doloris de Grau 5/7
- Data de consolidação das lesões em 4/06/12.
- Profissão mecânico automóveis
Atribuiu-se a indemnização por dano não patrimonial € 100 000,00, reduzido para € 90 000,00, na proporção da responsabilidade.
Extrai-se da análise das doutas decisões que as indemnizações arbitradas no valor sugerido pela apelante (€ 80.000,00) correspondem a situações em que os lesados sofreram lesões mais graves, com sequelas mais extensas do que aquelas de que ficou a padecer a autora, sendo o défice funcional idêntico ao que foi atribuído à autora.
Com efeito, nas situações em que se fixou o montante da indemnização em €100.000,00 verifica-se que o lesado sofreu lesões muito graves (com amputação de órgãos), com sequelas muito extensas determinantes de incapacidade permanente geral ou parcial para o exercício da profissão ou de certas atividades e incapacidades funcionais com percentagens superiores aquela que foi atribuída à autora.
Anotamos um outro grupo de situações em que as indemnizações atribuídas se situam entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, essas sim, com alguma aproximação à situação dos autos. Nestes casos, verifica-se que a natureza das lesões sofridas são semelhantes às sofridas pela autora (fraturas de membros inferiores ou superiores, com internamento hospitalar e intervenções cirúrgicas diversas), as quais determinaram sempre um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ainda que numa percentagem inferior à atribuída à autora ou de igual valor, com prejuízo estético e ainda, com limitações funcionais com repercussão nas atividades desportivas e de lazer e atividade sexual, o que não se verifica no caso concreto.
Daí entendermos, face ao critério legal, natureza compensatória da indemnização e valores fixados na jurisprudência, ponderando-se a culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do lesante, as lesões sofridas, as sequelas de que a lesada ficou afetada, que se mostra equilibrado e ajustado de acordo com um juízo de equidade manter-se a indemnização arbitrada em €50.000,00 (cinquenta mil euro).
Contudo, na sentença os juros arbitrados estão contabilizados a partir da citação, pelo que nesta parte não assiste legitimidade à apelante para impugnar a sentença, por não se mostrar vencida (art.631º/1 CPC).
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Juiz Desembargador-Relator
Jorge Martins Ribeiro
1º Adjunto Juiz Desembargador
[VOTO VENCIDO:
Declaração de voto.
I - Seguindo o entendimento, aliás também acolhido no Acórdão:
- de que a um reconhecido dano corporal corresponde de acordo com a sua gravidade um crédito indemnizatório, independentemente de este ter tradução direta ou não na perda de rendimentos laborais, porquanto sempre implicará e na medida da sua gravidade uma diminuição das competências sociais e em família e mesmo funcionais de cada indivíduo, com reflexos maiores ou menores dependendo de cada caso, não só na sua inserção social e familiar como na sua capacidade produtiva e de como nestes vários contextos terá o lesado de superar ou suportar as suas limitações com maior esforço e/ou penosidade e que
- na fixação do valor indemnizatório é de recorrer nestes casos a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto, sem prejuízo da consideração dos critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC).
II- Considerando que a lesada autora à data do acidente era uma jovem estudante de 14 anos, a qual sofreu como consequência do acidente analisado nos autos fratura tríplice mandibular (ângulo direito, ângulo esquerdo e para-sínfise esquerda); fratura palatina; fratura malar esquerda; fratura dos ossos próprios do nariz; fratura da arcada zigomática esquerda; fratura do pavilhão da órbita esquerda (fp 12); à data da entrada no hospital para onde foi transportada após o acidente apresentava ainda as lesões descritas em 13 dos fp; mostrando o TAC que então realizou, “Hematoma epicraniano frontal e periorbitário a esquerda” para além das fraturas descritas em 14 dos fp, sendo sujeita a intervenções cirúrgicas e tratamentos.
Tendo ficado afetada, como consequência das lesões, de um DFP da integridade físico-psíquica fixado em 34 pontos, sendo de perspetivar a existência de dano futuro, tendo em conta a existência de lesão articular com inevitável evolução para artrose, condicionando um agravamento do quadro álgico e rigidez articular; com necessidade contínua de ajudas medicamentosas acompanhamento futuro nas consultas de Medicina Física e Reabilitação e Medicina Dentária;
III- Representando as sequelas apuradas relevante diminuição das competências funcionais da autora, sequelas estas com previsão de agravamento – “certo e seguro” nas palavras do relatório do INML junto aos autos em 27/06/2022 – com evolução do quadro de lesão articular para artrose condicionando o quadro álgico e rigidez articular, tão mais significativo quando considerada a jovem idade com que a A. se viu afetada, será expetável um longo período em que suportará tais consequências e respetivo agravamento;
IV- analisando os padrões jurisprudenciais seguidos, entendo que deveria ter sido fixado nos € 135.000,00, o valor indemnizatório a título de dano biológico. Dando assim parcial procedência ao recurso.
Entre outros e com as respetivas especificidades considerámos o decidido no Ac. do STJ de 17/01/2023, nº de processo 5986/18.6T8LRS.L1.S1 em que foi arbitrado a uma lesada com 23 anos e afetada de uma IPG de 14,8 pontos sem rebate profissional pelo dano biológico, indemnização de € 50.000,00 a título de dano biológico; ainda o decidido no Ac. do STJ de 10/04/2024, nº de processo 987/21.0T8GRD.C1.S1, em que foi arbitrado a uma jovem de 15 anos que ficou a padecer de um DFP de 7,317 com existência de possível dano futuro (com outras repercussões apuradas, é certo que não no caso da autora) um valor indemnizatório global para danos morais e dano biológico (sem distinção entre os dois danos) o valor de € 150.000,00].
Maria de Fátima Almeida Andrade
2º Adjunto Juiz Desembargador
__________________________________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] Neste sentido, entre outros Ac. STJ 16.11.2010 – Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac STJ 23.11.2010 – Proc. 456/06.8 TBVGS.C1.S1; Ac,STJ 16.12.2010 – Proc. 270/06.0TBLSD.P1 – www. dgsi.pt
[3] Ac. STJ 19.04.2012 Proc. 3046/09.0TBFIG.S1; Ac. STJ 16.11.2010 – Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac. STJ 17.05.2011 Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1., Ac. STJ 20.10.2011 – Proc. 428/07.5TBFAF.G1.S1 – www.dgsi.pt.
[4] Alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/06.
[5] Cf. Ac. STJ 02.10.2007, CJ STJ Ano XV, III, 68 e Ac. STJ 14.09.2010 Proc. 797/05.1TBSTS.P1 – www.dgsi.pt
[6] Ac. STJ 19 de Abril 2012, Proc. 3046/09. 0TBFIG.S1, Ac. STJ 10 de Março 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1, ambos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[7] Cf. Ac. STJ 30 de maio de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1 ( acessível em www.dgsi.pt).
[8] “[…]as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspetivas futuras, em termos laborais”.
[9] Cf. Ac. STJ 17 de setembro de 2014, Proc. 158/05.2PTFUN.L2.S2, disponível em www.dgsi.pt e ainda, jurisprudência ali citada.
[10] Ac. STJ 10 de setembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Ac. STJ 10 de setembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Ac. STJ 23.09.2008 e Ac.22.10.2009 disponíveis em www.dgsi.pt.
[13] Ac. Rel. Porto de 07.07.2005 - JTRP00038287 - www.dgsi.pt.
[14] Cf. Ac. STJ 19 de fevereiro de 2015, Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt