IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AMPLIAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NOVO JULGAMENTO
MEIOS DE PROVA
Sumário

I - Nas situações mencionadas na al. h) do art. 644º nº 2 do CPC o legislador teve o cuidado de limitar o recurso às decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, nelas não se enquadrando a decisão que fixou a matéria de facto que vai a novo julgamento.
II - Também não admite recurso de apelação autónoma à luz da al. d) do art. 644º nº 2 do CPC, a decisão que rejeitou os pedidos de ampliação da matéria de facto que vai a julgamento, formulados em requerimentos apresentados na sequência do despacho que convidou as partes a apresentar prova sobre a matéria que será objecto de novo julgamento, por não consubstanciar decisão de rejeição de articulados, mas sim de rejeição das pretensões formuladas em requerimentos avulsos.
III - Apenas deverão ser realizados os meios probatórios que se destinem à prova da matéria de facto que o tribunal decidiu levar a novo julgamento, sendo impertinentes e desnecessários à decisão a proferir todos aqueles que se destinem à prova de qualquer outra matéria de facto que extravase a fixada judicialmente.

Texto Integral

Processo n.º 2856/17.9T8AGD-B.P1- Apelação Autónoma

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Sumário:
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I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos em que são Autores AA, BB, e os herdeiros habilitados nestes autos do falecido CC, DD, EE, e FF, todos em representação da herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua falecida mãe e avó paterna GG, e Réus HH e mulher II e JJ e mulher KK, realizada audiência de julgamento foi proferida sentença em 1ª Instância em 05.11.2019, Ref Citius 108966263, com o seguinte teor:
“Julgo, nos termos e pelos fundamentos expostos:
a) procedente a exceção perentória da segunda parte da alínea a) do art. 1381.º do C. Civil;
b) em consequência, julgo improcedente a ação, absolvendo os RR. dos pedidos;
c) julgo improcedentes os pedidos reconvencionais, deles absolvendo os AA..
Custas da ação pelos AA.; custas da reconvenção pelos RR. reconvintes JJ e mulher.
Não existem elementos para condenação de qualquer das partes como litigante de má-fé.
Registe e notifique.”

2. Interposto recurso de Apelação por ambas as partes, veio a ser proferido Acórdão em 22.02.2021, Ref. Citius 14382742, por este Tribunal da Relação do Porto, com o seguinte dispositivo:
“Acorda-se, em face do exposto, em:
- não conhecer do recurso interposto pela A., o que implica que não se conheça também do recurso subordinado;
- julgar improcedente a apelação dos RR. JJ e KK;
- confirmando-se, assim, a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.”

3. Novamente inconformados os AA interpuseram recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual veio a ser proferido Acórdão em 21.09.2021, Ref Citius 10329085, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, na parte impugnada, determinando-se que o Tribunal da Relação conheça do objeto do recurso de apelação interposto pela autora.
Custas do recurso pela parte vencida a final.”

4. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação do Porto veio a ser proferido Acórdão em 15.12.2021, Ref Citius 15223317, com o seguinte dispositivo:
“Acorda-se, em face do exposto, em julgar improcedente a apelação da A., a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de GG – não se conhecendo, por isso, do recurso subordinado - confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.”

5. Novamente inconformados os AA interpuseram recurso de Revista Excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, a qual foi admitida, tendo sido proferido Acórdão em 08.11.2022, Ref Citius 11210201, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, decidem:
1)
Anular o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que nela (ou, por determinação desta, na 1.ª instância, caso seja necessário) se elimine a contradição de factos, procedendo a novo julgamento quanto a esta matéria.
2)
Condenar nas custas a parte vencida a final.”

6. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação foi proferido o seguinte despacho pelo Sr Juiz Desembargador Relator:
“Remetam-se os autos à 1ª instância para aí se proceder à eliminação da contradição de factos, conforme se refere no acórdão do STJ.”

7. Remetidos os autos ao Tribunal de 1ª Instância foi proferido em 05.1.2023 Ref Citius 125022455, o seguinte despacho:
“Vi os doutos Acórdãos antecedentes.
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O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/11/2022, anulou o Acórdão da Relação do Porto recorrido e determinou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que nela (ou, por determinação desta, na 1ª instância, caso seja necessário) se elimine a contradição de factos, procedendo a novo julgamento quanto à matéria de apurar (se bem vemos) se o prédio objeto de preferência tem ou não acesso direto à via pública, se confronta ou não com a via pública.
O Tribunal da Relação do Porto ordenou a remessa dos autos à 1ª instância para se proceder à eliminação da contradição de factos.
Cumpre-nos, pois, proceder a novo julgamento a fim de apurar se o prédio objeto de preferência tem ou não acesso direto à via pública.
Nestes termos, convidam-se a partes a esclarecer que prova pretendem que seja produzida sobre este facto.
Prazo: 10 dias.
Notifique.”

8. Os aqui Apelantes apresentaram em 24.01.2023 o requerimento Ref Citius 14054462, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido face à sua extensão, no qual concluíram requerendo o seguinte:
“Termos em que, e melhores de direito, que desde já se consideram proficientemente supridos, expressam e requerem seja reconhecido o seu entendimento de que é necessário, para dilucidar a questão que agora lhe é apresentada, este Tribunal aprecie e pondere as questões precedentemente invocadas, visto serem indispensáveis, no modesto entendimento dos Réus, para uma boa eliminação e aclaramento da contradição de facto suscitada, mais requerendo, pois se trata de questões de conhecimento oficioso, sejam decididas as nulidades e abuso de direito também precedente invocados.
Para tanto, requerem seja produzida a prova documental e testemunhal que seguidamente oferecem e requerem:
A — prova documental – documentos numerados de 1 a 9, ora acompanhantes;
B — sejam notificadas a União das Freguesias ... e ... e a Câmara Municipal ... para juntarem aos Autos os esclarecimentos solicitados pelos Réus através dos requerimentos ora acompanhantes como documentos n.ºs 8 e 9 (enviando-se cópia dos mesmos com a notificação para esse efeito);
C — sejam notificadas a União das Freguesias ... e ... e a Câmara Municipal ... para informarem e documentarem o teor da decisão e do seu fundamento e o teor do eventual acordo celebrado com os Autores para a construção dos caminhos e parcelamento a que se refere o facto n.º 18 dos factos provados (com envio de cópia do teor do mesmo);
D — a produção de prova testemunhal, para o que oferecem e requerem a junção aos Autos do seguinte
Rol de Testemunhas
[todas a notificar para deporem em audiência]
1. LL, morador na Av.ª ..., n.º ..., 4.º Esq.º, ... ...;
2. MM, com domicílio profissional na C.M...., na Praça ..., ... ...;
3. NN, com domicílio profissional na C.M. ..., na Praça ..., ... ...;
4. OO, morador na Quinta ..., ..., ... ...;
5. PP, morador na Rua ..., Bloco ..., r/c esq.º, ... ...;
6. QQ, morador na Rua ..., ... ...;
7. RR, moradora na Rua ..., ..., 5.º Dto., ... ...;
8. SS, moradora na Rua ..., ..., ... ...;
9. TT, morador na Rua ..., ..., em ..., ... ....”

9. Por requerimento apresentado em 07.03.2023, Ref Citius 125022455, vieram os Apelantes requerer, para o que aqui interessa, o seguinte:
“(…) está por determinar o preço real da venda efectuada aos Réus do prédio objecto da preferência, pois só garantindo o seu pagamento pelo prévio depósito do respectivo montante podem os Autores obter ganho de causa.
Com efeito, conforme decidido no douto Acórdão do TRelPorto de 15/02/2021-Ref.ª15223317, nessa parte transitado em julgado, como repetidamente têm afirmado os Autores, estes obtiveram parcial ganho de causa quanto à impugnação da douta Decisão de Facto desta 1.ª Instância, concretamente, quanto ao Facto 41 dos Factos provados, onde, em lugar de se manter «E tem o valor de cerca de € 40.000,00», ficou a constar, relativamente ao preço da venda aos Réus do imóvel objecto da preferência, que «E foi vendido por preço não concretamente apurado, mas não inferior a 27.500,00 €».
Assim, e salvo sempre o devido respeito por melhor opinião, deverá nesta 1.ª Instância providenciar-se igualmente, e além do mais, pela determinação do preço real da venda do dito prédio, atento aquele facto, fixando-se prazo aos Autores para depósito da diferença.”

10. Vieram ainda, os aqui Apelantes, por requerimento de 22.03.2023, Ref Citius 14338791, requerer, para o que aqui importa decidir, o seguinte:
“A questão do preço real do terreno não é nova nem foi agora e a despropósito ou com intuitos dilatórios invocada pelos Réus — não sendo questão nova nem indevidamente invocada pelos Réus porque tal questão foi colocada em cima da mesa pelo douto Acórdão do TRelPorto de 15/02/2021-Ref.ª 15223317, na parte em que, dando parcial ganho de causa aos Autores quanto à impugnação do Facto 41 dos Factos provados na douta Sentença de 1.ª Instância, nele se decidiu que em lugar de se manter «E tem o valor de cerca de € 40.000,00», ficou a constar, relativamente ao preço da venda aos Réus do imóvel objecto da preferência, que «E foi vendido por preço não concretamente apurado, mas não inferior a 27.500,00 €».
Tal Decisão transitou em julgado e não pode ser ignorada, pois os Autores, como pressuposto do exercício da preferência, têm de proceder ao prévio depósito do preço real.
E essa não é questão que apenas tenha de se decidir na nova sentença a proferir. Tem de ser decidida e averiguada previamente à prolação da mesma, pois não está concretamente determinado o preço — apenas está provado que não foi inferior a 27.500,00 €, mas sem que se saiba em quanto foi superior a essa cifra, ou se foi exactamente igual, o que exige a produção de prova antes que seja proferida Sentença, pois não existem nos Autos elementos que permitam, sem mais, que nela seja fixado o preço real.
Assim, e sempre com o maior respeito, as questões suscitadas pelos Réus não são nulas nem é nulo o requerimento em que as suscitaram, assim não ocorrendo a nulidade invocada pelos Autores.”

11. Do despacho proferido em 05.01.2023 os AA interpuseram recurso de apelação autónoma, que veio a ser rejeitado por decisão singular proferida em 08.01.2024, Ref Citius 17523178, com o seguinte teor:
“O presente recurso versa sobre o despacho que, na sequência do acórdão do STJ de 8/11/2022, que anulou o acórdão da Relação do Porto, regressando os autos à 1ª instância, decidiu proceder a novo julgamento a fim de apurar se o prédio objecto de preferência tem ou não acesso directo à via pública e convidou as partes a esclarecer que prova pretendem que seja feita sobre este facto.
Vejamos.
A regra em processo civil é a de que as decisões intercalares que, sendo em abstracto impugnáveis, não admitam recurso intercalar, podem (e só podem) ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente seja interposto do despacho saneador ou da decisão final do processo, de acordo com o disposto no nº3, ou nas condições referidas no nº4 do artigo 644º do Código de Processo Civil.
Porém, a lei prevê apelação imediata para as decisões interlocutórias procedimentalmente significativas previstas, respectivamente, nos n.ºs 1 e 2 do artigo. 644º.
A apelação foi admitida ao abrigo do disposto no nº 2 al. h) do artigo 644º do CPC: “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;”
Porém, é consensual, na jurisprudência e na doutrina, que a situação de absoluta inutilidade a que alude a al. h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC é tão só aquela que se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível em termos de não poder ser colmatado pela eventual anulação do processado posterior à interposição do recurso.
A inutilidade absoluta só se verifica quando, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, a decisão não puder ser revertida de modo nenhum. Ora tal não acontece quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição. O que se pretende evitar é, deste modo, a inutilidade do recurso, e não dos actos processuais entretanto praticados, eventualidade que o legislador previu e com a qual se conformou.
O recurso só será inútil se em nada aproveitar ao recorrente, o que ocorrerá apenas quando, revogada embora a decisão impugnada, a situação se mantenha inalterada por os efeitos desta se terem tornado irreversíveis por via da demora na apreciação do recurso.
Tal não é manifestamente o caso dos autos. Se o recurso em causa eventualmente proceder o que acontece é a anulação dos actos entretanto praticados pelo que o recurso mantem a sua utilidade.
Por isso, não se admite o presente recurso por intempestivo, por prematuro.
Not.”

12. Por despacho proferido em 21.02.2024, Ref. Citius 131392480 (decisão recorrida), o tribunal a quo decidiu, no que interessa para o presente recurso, o seguinte:
“II – Por requerimento de 24/01/2023, os RR. JJ e KK aceitam que a questão a decidir de saber se o prédio objeto do direito de preferência tem ou não acesso direto à via pública, isto é, se confronta ou não com a via pública, é matéria de facto, pois se fosse matéria de direito como parece entenderem os AA., o STJ tê-la-ia decidido. Sendo matéria de facto cumpre fazer prova para ser dirimida em audiência de julgamento.
Quer dizer, este requerimento concorda com o nosso entendimento antes exposto de que os nºs. 5 e 6 dos Factos Provados apenas reproduzem o teor da inscrição matricial e o teor da descrição. A existência ou não de confinidade à via pública tem de ser feita por outros meios de prova. Os RR. extravasam, contudo, o ponto mandado averiguar quando pretendem a averiguação de outras situações, quais sejam assumirem os donos do prédio o compromisso de realizarem os trabalhos necessários, assumindo os encargos da execução das infraestruturas, e desenvolvendo outras matérias que querem ver devidamente dilucidadas como a do loteamento de uma quinta no qual (loteamento) se inclui o prédio objeto de preferência, como lote nº ..., que dizem ser ilegal (o loteamento) e matéria do conhecimento oficioso. E apresentam prova documental e testemunhal, naturalmente que para dirimir tais matérias e não só a da confinidade à via publica, que é aquela, a única, mandada apurar pelas instâncias superiores.
Por isso, rejeita-se o requerimento, por extravasar e na medida em que extravasa a matéria de facto a apurar e que é a de saber se o prédio objeto de preferência tem ou não acesso direto à via pública.
*
(…)
IV – Rejeita-se, por não se conterem no âmbito do objeto da questão a decidir, os requerimentos dos RR. de 07/03/2023 e de 22/03/2023 – nºs. 1 e 2 do art. 265.º do CPC: a determinação do preço real da venda. É que se nas instâncias se deu como provado no nº 41 dos Factos Provados que o prédio foi vendido por preço não concretamente apurado, mas não inferior a € 27.500,00, tal foi devido à falta de comprovação do preço realmente pago. Este ponto deveria ter sido provado pelos RR., a seu tempo, em 1ª instância. Não, agora, que os autos voltam à 1ª instância e apenas para apuramento, por decisão superior, do facto de haver ou não confinidade e acesso do imóvel objeto da preferência à via pública. Em relação a este ponto, que obriga à repetição do julgamento em 1ª instância, a determinação do preço é extravagante, sai totalmente do assunto a decidir, importando alteração, por cumulação de pedido, da instância, inadmissível por profligar com o princípio da estabilidade da instância – art. 260.º do CPC.
Em conclusão, na sequência do despacho de 05/11/2023, será designada data para julgamento com a finalidade única de apurar se o prédio objeto da preferência tem acesso direto à via pública.
Notifique.”

13. Inconformados com o referido despacho, os co-Réus interpuseram o presente recurso de apelação autónoma, no qual formularam as seguintes
CONCLUSÕES
1) No douto Despacho recorrido rejeitou-se o requerimento apresentado pelos ora Apelantes em 24/01/2024, e, bem assim, foram igualmente rejeitados os requerimentos apresentados pelos ora Apelantes em 07/03/2023 e em 22/03/2023.
2) No que se refere ao requerimento de 24/01/2024, a razão da rejeição deveu-se, essencialmente, ao facto de se entender no douto Despacho recorrido que, naquele requerimento, os Apelantes extravasaram o ponto mandado averiguar pelo douto Acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 08/11/2022-Ref.ª 11210201, porque o que se ordenou naquele douto Acórdão que seja averiguado é tão somente determinar se o prédio objecto da preferência tem ou não acesso directo à via pública, isto é, se confronta ou não com a via pública.
3) Aquele douto entendimento é excessivamente redutor e desfasado da realidade, não se extraindo do decidido no citado douto Acórdão do STJ.
4)Como, aliás, os Autores/Apelados demonstram entender no seu douto requerimento de 04/03/2024-Ref.ª 15824590, onde vêm dizer que o Tribunal deve averiguar questões e decidir questões que vão em muito para lá de saber se o prédio objecto da preferência tem ou não acesso directo à via pública, isto é, se confina com arruamento público, transformando em factos provados as menções de certidões juntas ao processo [cujo teor, como se referiu no douto Despacho recorrido, só por si, não provam essa realidade, designadamente, quanto a confinâncias], e, muito mais do que isso, convocam a pronúncia do Tribunal sobre matérias do âmbito da reconvenção, referindo que a douta Decisão sobre ela proferida já transitou em julgado,
5) Mas que, na verdade, não transitou, continuando em aberto a apreciação do respectivo recurso de Apelação interposto pelos Réus/Reconvintes e ora Apelantes, uma vez que tal recurso nunca foi apreciado e devendo sê-lo, como se extrai da douta Sentença de 1.ª Instância, que julgou a acção improcedente, do douto Acórdão do TRPorto de 15/12/2021-Ref.ª 15223317, que manteve a douta Decisão de 1.ª Instância que julgou a acção improcedente, por essa razão (absoluta desnecessidade) se tendo abstido de julgar o recurso referente à matéria da reconvenção,
6) O que igualmente resulta do teor do douto requerimento de apelação da douta Decisão sobre a matéria da reconvenção e respectivas alegações, apresentado subordinadamente, para ser apreciado apenas no caso de vencimento do recurso de apelação dos Autores.
7) Aliás, a douta Sentença de 1.ª Instância mantém-se de pé, estando pendente do que vier a ser decidido quanto à matéria colocada pelo STJ.
8) Assim, a douta Decisão de 1.ª Instância, no que se refere à reconvenção, ainda não transitou em julgado.
9) Na sequência do recurso de apelação interposto pelos Autores da douta Sentença de 1.ªInstância que julgou improcedente os pedidos que formularam, o já aludido (e documentado) douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto proferido em 15/12/2021-Ref.ª 15223317, no seguimento da pretensão dos Autores e ali Apelantes de alteração dos pontos/factos 33., 34., 39. e 41. da douta Decisão de Facto da 1.ª Instância (douta Sentença incorporada na citada certidão judicial electrónica, que se dá por reproduzida), deu parcial provimento a essa pretensão.
10) Assim, no referente ao ponto/facto n.º 33, passou a constar que «Os RR. JJ e mulher adquiriram o terreno objecto de preferência nesta acção para nele implantarem uma moradia para sua habitação, e nunca para exploração agrícola».
11) Relativamente ao ponto/facto n.º 39.º, passou a constar que «Quando o prédio objecto da preferência estava na titularidade de OO este, por volta de 2002, contratou um gabinete que elaborou o esboço de construção da moradia de fls. 107/115».
12) Por sua vez, o ponto 41. passou a ter a seguinte redacção: «E foi vendido por preço não concretamente apurado, mas não inferior a 27.500,00 €».
13) A pretensão dos Autores relativamente ao ponto/facto 34. foi desatendida, mantendo-se com a seguinte redacção: «O terreno tem viabilidade construtiva e vistas deslumbrantes sobre a cidade ...».
14) Aquele douto Acórdão desconsiderou, nessa parte não dando provimento à pretensão dos Autores, o pedido por eles formulado de ampliação da matéria de facto, mantendo como não provados os factos assim considerados na douta Sentença de 1.ª Instância, designadamente, negando a pretensão dos Autores/Apelantes de que se declarasse que o prédio objecto da preferência não tinha acesso directo ou confrontação directa com qualquer arruamento público.
15) Com base na factualidade provada, este Venerando Tribunal da Relação do Porto, como consta daquele douto Acórdão, considerou dispôr de matéria de facto bastante para decidir de mérito,
16) O que fez, negando provimento à apelação e confirmando a douta Sentença da 1.ª Instância, por essa razão considerando estar prejudicada a apreciação do recurso subordinado, relativamente à matéria da reconvenção, que continuou sem ser apreciado.
17) A razão de ser da preferência estabelecida no Artigo 1380.º do CCivil é evitar a excessiva fragmentação da propriedade rústica — tipificando-se áreas (legalmente) consideradas como o mínimo exigível para garantir aquele desiderato, que, em rigor, consiste em garantir áreas mínimas de exploração agrícola, variando conforme o tipo de cultura e a região.
18) Na alínea a) do Artigo 1381.º do mesmo Diploma Legal preveem-se duas excepções àquela norma: (I) que algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano; (II) ou se destine a algum fim que não seja a cultura (não especificando quais sejam esses fins).
19) No citado douto Acórdão do STJ considera-se que os Réus excepcionaram invocando a afectação do terreno a fim diferente da cultura, concretamente, para construção urbana, Mas não demonstrando que o fim proposto é legalmente viável, designadamente, apresentando decisão administrativa nesse sentido.
20) Mas esta exigência e cuidado, nunca pode perder de vista que o objectivo da Lei não é cuidar da legalidade das edificações, mas (o que é coisa diferente) o objectivo da Lei é que não seja ferido nem prejudicado o fim último do direito de preferência em causa nestes Autos — a defesa do dimensionamento das explorações agrícolas,
21) O que, mesmo que se obtenha uma decisão administrativa no sentido da viabilidade da edificação não obsta à ofensa daquela finalidade da preferência,
22) Pois essa decisão administrativa não obriga a que efectivamente se edifique, nada impedindo que o adquirente do prédio continue a utilizá-lo para cultivo, como já era o seu desejo, que pode continuar a destinar o imóvel a exploração agrícola até ao final dos tempos,
23) O que, para a efectiva defesa da finalidade do direito de preempção fundado na confinância, levaria ao exagero de que a defesa da finalidade da Lei, deveria ser exigido ao adquirente que efectivamente incorporasse no terreno uma edificação com relevância urbana e como tal sendo classificada.
24) Assim, e salvo sempre o maior respeito pela opinião contrária e pelo douto entendimento expendido naquele douto Acórdão, não é o acesso ou a confinância directa do prédio alienado com a via pública que promove a defesa da finalidade da espécie de direito de preferência destes Autos (assegurar áreas mínimas de exploração agrícola).
25) Essa finalidade de defesa do princípio imanente à norma em questão apenas estará defendido quando o adquirente e as circunstâncias do terreno demonstrem objectivamente que aquela nunca irá utilizá-lo para exploração agrícola, tanto mais que, como no caso concreto acontece e resulta dos Autos, o mesmo já não é cultivado há mais de 30 anos, está inserido em zona eminentemente urbana, todas as pessoas consideram aquele terreno como urbano — em contraposição a rústico — e é possível toda uma plêiade de utilizações não agrícolas que não têm necessariamente de ser de edificação urbana, podendo pensar-se numa utilização para eventos de lazer, festas, parques de merendas, miradouro e etc.
26) Assim, o que importa é que o imóvel alienado não se destine a exploração agrícola, destinando-se, outrossim, «a algum fim que não seja a cultura», desde que o Tribunal fique convencido da seriedade desse propósito e assim o declare.
27) É esse o caso dos presentes Autos, pois ficou provado no ponto/facto provado n.º 33 que os Réus e ora Apelantes adquiriram o terreno ajuizado «nunca para exploração agrícola».
28) Assim, mesmo que posteriormente à aquisição se verifique ser momentaneamente difícil obter licença de construção, isso não quer dizer nem impede que possa ser obtida a breve trecho, pois, como é o caso dos Autos e consta do ponto/facto provado n.º 34 «o terreno tem viabilidade construtiva e vistas deslumbrantes sobre a cidade ...»,
29) O que de modo nenhum ofende a finalidade da norma que estabelece a preferência,
30) Sendo demasiadamente redutor circunscrever-se, como se faz no douto Despacho recorrido, a questão a dilucidar à averiguação do acesso do terreno, muito menos, reduzir o tema ‘decidendi’ à existência ou não de acesso directo e confinância directa do terreno com arruamento público.
31) Aliás, nem no citado douto Acórdão do STJ se reduz a questão exclusivamente a isso, pois o que nele se considera imprescindível é a viabilidade de construção reconhecida por decisão administrativa, invocando-se o estabelecido no Artigo 24.º, n.º 5, do RJUE (ausência de arruamentos ou de infraestruturas) como legalmente impeditivo da declaração de viabilidade ou de licenciamento.
32) Mas isso não é decisivo, pois no Artigo 25.º, n.º 1, daquele Diploma, para aquela situação, estabelece-se expressamente que «pode haver deferimento do pedido desde que o requerente, na audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários ou assumir os encargos inerentes à sua execução, bem como os encargos de financiamento das infra estruturas por um período mínimo de 10 anos».
33) Deste modo, o próprio diploma que rege a matéria não fecha em definitivo a porta ao licenciamento quando não haja acesso ou confinância directos com uma via pública,
34) Estatuindo uma solução alternativa quando não haja confinânca e acesso directos a arruamento público.
35) Por consequência, não é essencial nem pode reduzir-se a questão de averiguar ou não da viabilidade de construção apenas pela existência ou não de acesso directo ou confinância directa do terreno com arruamento público,
36) Tendo igualmente de averiguar-se e/ou permitir a demonstração da viabilidade e existência da hipótese prevista no citado n.º 1 do Artigo 25.º do RJUE.
37) Deste modo, do douto Acórdão do STJ não decorre que a questão a averiguar se circunscreva apenas a determinar a existência ou não daquele arruamento, mas também, necessariamente, averiguar outras questões que permitam ultrapassar a inexistência daquele arruamento, designadamente, as que são pressuposto da norma do n.º 1 do citado Artigo 25.ºdo RJUE,
38) E, também, imprescindível e necessariamente, as questões da matéria da reconvenção, cuja douta Decisão não transitou em julgado, pois a respectiva Apelação ainda nem sequer foi apreciada nem decidida — mas devendo sê-lo.
39) Foi assim que os ora Apelantes entenderam o citado douto Acórdão do STJ, e foi nesse pressuposto que, na sequência do douto Despacho de 05/01/2023 apresentaram o seu requerimento de 24/01/2023 e respectivos documentos acompanhantes, no qual se requereu a produção de prova documental e testemunhal, como daquele requerimento se extrai.
40) Com o mesmo objectivo, ao Apelantes apresentaram também os seus requerimentos de 07/03/2023 e de 22/03/2023.
41) Como se vê daqueles requerimentos dos Réus ora Apelantes, estes alegaram matéria de facto e requereram a produção de prova, designadamente, testemunhal, essencial, adequada e enquadrada na matéria a dirimir nos termos indicados nos Autos, designadamente, nos citados Acórdãos do STJ e da Relação do Porto.
42) No douto Despacho recorrido aqueles requerimentos dos Réus/Apelantes foram rejeitados, o que, salvo sempre o devido respeito, os prejudica, pois os impede de, como é seu direito, se pronunciarem e produzirem prova sobre a matéria a dirimir,
43) Para a qual interessa também a falta de depósito pelos Réus da parte real do preço do prédio, pois isso é condição da própria acção.
44) Por conseguinte, a douta Decisão de rejeição foi proferida, salvo sempre o devido respeito, sem fundamento atendível,
45) Pois, inclusivamente, estão de pé e têm de ser averiguadas as questões emergentes da reconvenção, cuja douta Decisão não transitou em julgado.
46) Neste enquadramento, pretender averiguar, apenas, se o terreno objecto da preferência tem ou não tem acesso ou confinância directa com a via pública é insuficiente.
47) Para além disso, pode não ter, sequer, fundamento legal, pois o fundamento invocado no douto Acórdão do STJ para a anulação do citado douto Acórdão da Relação do Porto é a contradição de factos,
48) Contradição essa que, conforme se regista no douto Acórdão do STJ, consiste em, no douto Acórdão da Relação do Porto (o que igualmente acontece na douta Sentença de 1.ª Instância) por um lado, se considerar provado que o terreno tem viabilidade construtiva (facto provado n.º 34),
49) E, por outro, darem-se como provadas as confrontações do prédio, sem que delas conste qualquer confrontação com a via pública (factos provados 5. e 6.).
50) Todavia, como se extrai dos Autos, e foi explicitado no ponto I e no ponto III do douto Despacho recorrido, nos pontos 5 e 6 dos factos provados não se dão como provados quaisquer factos, designadamente, as confrontações do prédio ajuizado, limitando-se a reproduzir ali as descrições matricial e registral do prédio, as quais, quanto a confrontações, só por si, nada provam nem tendo qualquer credibilidade para a prova da matéria de confrontações, como é unanimemente entendido,
51) Acrescendo que, como se extrai do relatório do douto Acórdão da Relação do Porto, essa matéria (confinância do prédio) foi considerada não provada.
52) Assim, e salvo sempre o devido respeito, não existe a contradição de factos invocada no douto Acórdão do STJ, assim inexistindo igualmente fundamento para a anulação do douto Acórdão da Relação do Porto.
53) Ao rejeitar os identificados requerimentos dos Réus, o douto Despacho recorrido impede-os de provar factos essenciais para o apuramento da matéria pretendida pelo douto Acórdão do STJ, assim os impedindo também de exercer plenamente o seu direito ao contraditório,
54) Assim se violando no douto Despacho recorrido, além das disposições legais anteriormente citadas, o estabelecido nos n.ºs 1, 2 e 3 do Artigo 3.º do CPCivil.
Concluíram, pedindo que seja o presente recurso provido, por consequência se revogando o douto Despacho recorrido, decidindo-se pela apreciação das matérias constantes dos identificados requerimentos do Réus e produzindo-se os meios de prova, designadamente, testemunhal, neles requeridos, e desde já se declarando a nulidade de todos os actos que forem praticados em contrário.

14. Os Autores/Recorridos ofereceram contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e pela confirmação do julgado.

15. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts 635º, nº 3 e 4, 639º, n.ºs 1 e 2 e 608º nº 2 do CPC- devendo o tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, nem estando sujeito ás alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito- cfr. art. 5º nº 3 do CPC).
Em face das conclusões de recurso dos aqui Apelantes/Réus e das conclusões vertidas nas contra-alegações, foram colocadas a este Tribunal de 2ª Instância as seguintes questões:
-se o recurso deve ser rejeitado por o despacho recorrido não admitir recurso de apelação autónoma;
- se o julgamento deve incidir sobre as questões de facto suscitadas nos requerimentos apresentados pelos Apelantes em 24.01.2023, 07.03.2023 e 22.03.2023;
- se devem ser admitidos os meios de prova requeridos pelos Apelantes nos referidos requerimentos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Para a decisão a proferir relevam os factos inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais constantes do relatório acima elaborado, tendo este Tribunal procedido à consulta integral dos autos principais para prolação da presente Decisão.


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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Inconformados com o despacho proferido pelo tribunal a quo em 21.02.2024, Ref Citius 131392480, os Apelantes dele interpuseram o presente recurso de apelação autónoma, socorrendo-se do art. 644º nº 2 al. d) e h) do CPC, defendendo que o despacho recorrido rejeita articulados dos recorrentes, rejeitando igualmente os meios de prova, sendo que a apresentação do recurso apenas com a decisão final será manifestamente inútil.
O presente recurso foi admitido pelo tribunal a quo enquadrado no mencionado preceito legal.
Estamos perante um processo declarativo no âmbito do qual foram apresentados os articulados previstos na lei e, depois de realizada audiência de julgamento foi proferida sentença, da qual foi interposto recurso por ambas as partes nos termos que melhor constam do relatório supra.
Na sequência do recurso de Revista Excepcional decidido no Supremo Tribunal de Justiça por Acórdão de 08.11.2022, os autos baixaram ao tribunal a quo para que fosse eliminada a contradição de factos nele mencionada, procedendo a novo julgamento quanto a essa matéria.
Para balizar o objecto de discussão do “novo julgamento” o tribunal a quo entendeu por bem proferir despacho a explicitar qual era, de acordo com a interpretação que fazia do decidido no referido Acórdão do STJ, a matéria de facto sobre a qual incidiria o “novo julgamento” determinado superiormente, de molde a eliminar a contradição de factos apontada.
E, fê-lo por despacho de 05.01.2023, decidindo que em cumprimento do decidido no Acórdão iria proceder a “novo julgamento a fim de apurar se o prédio objeto de preferência tem ou não acesso direto à via pública”.
Nesse mesmo despacho, convidou as partes a esclarecer que prova pretendiam que fosse produzida sobre aquele facto.
Desse despacho apenas os AA interpuseram recurso de apelação autónoma por discordarem da realização de novo julgamento quanto àquela matéria de facto (não o tendo feito os aqui Apelantes), recurso esse que foi rejeitado em decisão singular por ter sido considerado intempestivo (ser prematuro), não sendo enquadrável no art. 644º nº 2 al. h) do CPC por não se verificar uma situação de inutilidade absoluta, posição essa pela qual também os ali Apelados (aqui Apelantes) pugnaram.
Por isso os aqui Apelados sustentam agora, em sede de contra-alegações, que “o presente recurso é tão admissível quanto o era o recurso oportunamente interposto pelos AA, aqui ora apelados, do despacho proferido pela 1ª instância que, no pretenso cumprimento do Acórdão do STJ de 8/11/2022, decidiu proceder a novo julgamento para apenas se apurar se o prédio objecto de preferência tem acesso directo à via pública, recurso esse que por despacho de 8/1/2024 do Mmº. Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto não foi admitido por intempestivo ou, melhor, prematuro, em razão de ter entendido que, tal como ali sustentaram os RR agora apelantes, do despacho nele recorrido cabe recurso a interpor com a decisão final, pelo que aqui se remete para os argumentos aduzidos então pelos agora aqui apelantes nas suas contra-alegações e contidos no despacho que decidiu não conhecer do recurso no sentido de não ser inútil o recurso do despacho ora impugnado a interpor com o recurso de decisão final e, por isso, quanto à inadmissibilidade do recurso.”
Os Apelados não deixam de ter razão se virmos a questão da admissibilidade do recurso apenas à luz da alínea h) do art. 644º do CPC, uma vez que o indeferimento dos requerimentos sob apreciação no que diz respeito à ampliação da matéria de facto a levar ao “novo julgamento” pretendida pelos Apelantes e melhor descrita nos requerimentos sob apreciação, é susceptível de impugnação em sede de recurso da sentença final caso a mesma lhes seja desfavorável, não se verificando assim a hipótese da inutilidade prevista naquele preceito legal.

Nas situações mencionadas na al. h) do art. 644º nº 2 do CPC o legislador teve o cuidado de limitar o recurso às decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, o que não ocorre ainda que a mera eventual anulação do processado se possa prefigurar, como é orientação uniforme da Doutrina e Jurisprudência.
Neste sentido, refere A. Abrantes Geraldes, “o advérbio (absolutamente) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art. 734º, n.º 1 al. c), do anterior CPC, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo. (…) não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que neste se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.”[1]
No caso em apreço, o recurso da decisão sob apreciação, a interpor com o recurso da sentença final manterá utilidade na hipótese de os aqui Apelantes com ela não se conformarem, podendo até ser inútil caso a sentença lhes seja favorável.
Apenas no caso de a sentença final a proferir lhes ser desfavorável, dela os Apelantes venham a recorrer e a obter procedência, haverá porventura reabertura do julgamento para apreciação da matéria de facto que agora sustentam ter de ser apreciada no “novo julgamento” determinado no Acórdão proferido pelo STJ, pelo que a rejeição deste recurso não acarreta quaisquer consequências definitivas ou inultrapassáveis.
Se os aqui Apelantes estão convencidos que para além da matéria de facto determinada no despacho de 05.01.2023 deve ser discutida no “novo julgamento” a matéria de facto vertida no requerimento que lhes foi indeferido e é objeccto deste recurso de apelação autónoma, poderão sempre defender essa sua posição no eventual recurso que venham a interpôr da sentença final, recurso esse que neste momento será sempre eventual pois que se desconhece qual vai ser o sentido decisório perfilhado.
Os aqui Apelantes, em grande parte das suas conclusões também se insurgem contra argumentos vertidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mas não é esta a sede própria para o efeito, relembrando-se que o STJ apenas mandou descer os autos para ser eliminada uma contradição entre factos, não tendo ainda proferido a sua decisão final.
E mesmo que considerem redutor ter o tribunal a quo circunscrito no despacho recorrido a questão a dilucidar como sendo a da existência ou não de acesso directo e confinância directa do terreno com arruamento público, o que importa neste momento é que o tribunal a quo dê cumprimento ao que lhe foi ordenado superiormente, que foi apenas e só proceder a novo julgamento para eliminar determinada contradição de factos.
A questão aflorada neste recurso de que ainda têm de ser averiguadas as questões vertidas na reconvenção também extravasa completamente o que foi determinado superiormente ao tribunal a quo, que se reconduz, repetimos, à eliminação da contradição de factos apontada no Acórdão de Revista, mediante a realização de novo julgamento apenas quanto a essa matéria.
Caso venha a ser decidido que a interpretação efectuada pelo tribunal a quo foi demasiado redutora, como dizem os aqui Apelantes, tal apenas implicará uma nova descida dos autos para novo julgamento, hipótese que embora não seja desejável seguramente por nenhum dos intervenientes, não consubstancia ainda assim qualquer inutilidade absoluta ou irreversível.
Atentos esses motivos, seria de concluir pela rejeição do recurso, não fora o facto de os aqui Apelantes o terem enquadrado também na alínea d) do nº 2 do art. 644º do CPC, defendendo que o despacho recorrido rejeita articulados por eles apresentados, rejeitando igualmente os meios de prova.
Quanto à admissibilidade do presente recurso de apelação autónoma à luz do art. 644º nº 2 al. d) do CPC, torna-se necessário aferir se o despacho recorrido rejeitou efectivamente algum articulado e/ou rejeitou algum meio de prova.
Vejamos.
Apesar do alegado pelos aqui Apelantes, parece-nos inegável que qualquer um dos requerimentos por eles apresentados e que foram objecto de indeferimento no despacho recorrido (apresentados em 24.01.2023, Ref Citius14054462; em 07.03.2023, Ref Citius125022455 e em 22.03.2023, Ref Citius 14338791) não consubstanciam articulados (cuja possibilidade de apresentação há muito se havia esgotado) e, ainda que o fossem (o que não se concede) não foram rejeitados, mas apenas indeferidas as pretensões nele formuladas.
Tal como já se decidiu no Ac STJ de 28.1.2021, “para que uma concreta decisão seja passível de apelação autónoma, nos termos da al. d) do nº 2 do art. 644º, importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”.[2]
Serem ou não serem de conhecimento oficioso algumas das questões que foram suscitadas pelos aqui Apelantes nos requerimentos em apreço, ou serem questões alegadamente necessárias para eliminar a contradição de factos determinada no Acórdão proferido pelo STJ, não transforma aqueles requerimentos, apresentados na sequência do despacho proferido pelo tribunal a quo em 05.01.2023, em qualquer tipo de articulado (nem sequer como tal foram apelidados pelos aqui Apelantes quando os apresentaram), até porque há muito o processo ultrapassara a fase de apresentação dos articulados ditos normais numa ação declarativa, não tendo sido invocado pelos aqui Apelantes quando os apresentaram que consubstanciassem articulados supervenientes nem suscitaram a verificação do condicionalismo previsto no art. 588º ss do CPC.
Também o tribunal a quo não considerou que estivesse perante articulados, e muito menos rejeitou tais requerimentos por inadmissibilidade- até porque foram apresentados na sequência do despacho que convidou as partes a apresentar prova sobre a matéria que seria objecto de novo julgamento-, o que fez não foi rejeitar as peças processuais apresentadas (requerimentos), mas sim rejeitar as pretensões neles formuladas.
Deste modo, salvo o devido respeito, não se afigura sustentável o entendimento de que na decisão recorrida se rejeitaram articulados, quer porque aqueles requerimentos não são de todo articulados (peças processuais enquadráveis nos arts. 552º a 589º do CPC) mas requerimentos avulsos, quer porque não foram rejeitados, mas sim julgadas improcedentes as pretensões neles formuladas.
Sendo assim, por se considerar que o despacho recorrido não consubstancia um despacho de rejeição de articulados, com base nesse fundamento também não é admissível recurso de apelação autónoma.
O presente recurso só é admissível porquanto na decisão recorrida foram rejeitados meios probatórios requeridos pelos aqui Apelantes no requerimento apresentado em 24.01.2023.
Mas já não é admissível no que diz respeito aos restantes requerimentos de 07.03.2023 e 22.03.2023 porquanto nestes últimos nenhum meio de prova foi requerido.
Tal como vertido no relatório supra, no final do requerimento de 24.01.2023 os aqui Apelantes juntaram documentos, requereram a notificação de terceiros para prestarem informações e fornecerem determinados documentos, bem como arrolaram testemunhas.
No despacho recorrido no segmento que apreciou tal requerimento (Ponto II) o tribunal a quo concluiu do seguinte modo:
“(…) este requerimento concorda com o nosso entendimento antes exposto de que os nºs. 5 e 6 dos Factos Provados apenas reproduzem o teor da inscrição matricial e o teor da descrição. A existência ou não de confinidade à via pública tem de ser feita por outros meios de prova. Os RR. extravasam, contudo, o ponto mandado averiguar quando pretendem a averiguação de outras situações, quais sejam assumirem os donos do prédio o compromisso de realizarem os trabalhos necessários, assumindo os encargos da execução das infraestruturas, e desenvolvendo outras matérias que querem ver devidamente dilucidadas como a do loteamento de uma quinta no qual (loteamento) se inclui o prédio objeto de preferência, como lote nº ..., que dizem ser ilegal (o loteamento) e matéria do conhecimento oficioso. E apresentam prova documental e testemunhal, naturalmente que para dirimir tais matérias e não só a da confinidade à via publica, que é aquela, a única, mandada apurar pelas instâncias superiores.
Por isso, rejeita-se o requerimento, por extravasar e na medida em que extravasa a matéria de facto a apurar e que é a de saber se o prédio objeto de preferência tem ou não acesso direto à via pública.”
Sendo certo que naquele despacho não ficou dito, como se impunha, quais dos meios de prova apresentados e requeridos pelos aqui Apelantes naquele requerimento foram em concreto admitidos e quais foram rejeitados, teremos de interpretar aquela decisão no contexto do já decidido anteriormente, compatibilizando com os despachos proferidos pelo tribunal a quo posteriormente, dos quais tomamos conhecimento por consulta dos autos.
Se, de acordo com o anteriormente decidido, o tribunal a quo entendeu que o “novo julgamento” terá como finalidade única apurar se o prédio objecto da preferência tem ou não acesso direto à via pública e, se no despacho recorrido se escreveu que a rejeição foi só na medida em que extravasa a matéria de facto a apurar, não tendo nenhum dos documentos juntos com o referido requerimento sido mandado retirar do processo e ser restituído aos apresentantes, nem tendo sido considerados pelo tribunal impertinentes ou desnecessários, tem de se considerar que não houve rejeição de qualquer dos documentos juntos pelos aqui Apelantes.
E este entendimento é corroborado pelo teor dos despachos entretanto proferidos pelo tribunal a quo, designadamente pelo despacho de 29.05.2023 (ref. Citius 127621818) e despacho de 30.06.2023 (ref. Citius 128144317) nos quais foram solicitadas cópias legíveis de parte desses documentos- cópias essas que vieram a ser juntas pelos aqui Apelantes por requerimentos de 12.06.2023 e 05.07.2023-não tendo havido despacho a rejeitar qualquer um desses documentos.
Já no que toca às testemunhas a sua inquirição foi admitida aquando da marcação do julgamento por despacho de 27.06.2024 (ref Citius 133761400) tal como já haviam sido admitidas as arroladas pelos co-RR por despacho de 14.05.2024 (ref. Citius 132933085).
Deste modo os aqui Apelantes não podem ignorar que tal prova- documental e testemunhal- requerida no requerimento de 24.01.2023 nunca foi rejeitada, mormente no despacho recorrido, pelo contrário foi admitida.
O mesmo já não se passa com o pedido formulado pelos aqui Apelantes, naquele mesmo requerimento, de prestação de informações e apresentação de documentos por parte das entidades União das Freguesias ... e ... e Câmara Municipal ... (Pontos B e C do requerimento probatório) uma vez que, esses sim, na medida em que foram meios de prova apresentados para prova de factos que extravasam a matéria de facto que o tribunal a quo entendeu levar a julgamento, deve considerar-se terem sido rejeitados.
Em suma, apenas sobre a rejeição do pedido daquelas informações e apresentação de documentos é admissível recurso e, como tal apenas sobre esse segmento decisório nos cumpre emitir pronúncia.
Atendendo ao anteriormente decidido pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto a apurar no “novo julgamento” para eliminação da contradição de factos apontada pelo STJ e, não podendo este Tribunal da Relação sindicar essa decisão uma vez que nessa parte já se considerou não ser passível de recurso de apelação autónoma, no julgamento já designado apenas importará produzir prova sobre a questão de saber se o prédio objecto de preferência tem ou não acesso directo à via pública.
Ora, como se extrai do próprio teor do requerimento de 24.01.2023 apresentado pelos aqui Apelantes, o que estes pretendem averiguar com as diligências probatórias requeridas sob os Pontos B e C desse requerimento, tal como o próprio tribunal a quo escreveu, extravasa a matéria de facto mandada averiguar.
O tribunal a quo no despacho proferido a 05.01.2023 para além de ter determinado que iria “proceder a novo julgamento a fim de apurar se o prédio objeto de preferência tem ou não acesso direto à via pública”, também convidou as partes “a esclarecer que prova pretendem que seja produzida sobre este facto”, pelo que, não visando aqueles meios probatórios requeridos pelos aqui Apelantes a prova daquele facto, deve manter-se o despacho recorrido que os rejeitou por serem diligências probatórias impertinentes e desnecessárias para a decisão a proferir.
Já nos diz o art. 410º do CPC que a instrução tem por objecto os factos necessitados de prova, pelo que, tendo o tribunal fixado como matéria carecida de prova apenas aquele facto, apenas deverão ser realizados os meios de prova que se destinem a demonstrá-lo, não meios de prova que confessadamente se destinam à prova de outra matéria de facto que extravasa aquela que o tribunal decidiu levar a julgamento.
Em jeito de conclusão:
i. não se conhece do recurso que incidiu sobre o segmento do despacho recorrido que rejeitou os requerimentos apresentados pelos aqui Apelantes em 24.01.2023, 07.03.2023 e 22.03.2023 quanto à pretensão de ampliação da matéria de facto que extravasa o ponto de facto fixado pelo tribunal a quo para ser discutido em novo julgamento, por não admitir nessa parte recurso de apelação autónoma, não se integrando nas hipóteses consagradas no art. 644º nº 2 al. d) ou h) do CPC;
ii. julga-se improcedente o recurso de apelação que incidiu sobre a rejeição dos meios de prova requeridos pelos aqui Apelantes nos Pontos B e C do requerimento de 24.01.2023, mantendo-se a decisão recorrida.

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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto:
- não conhecer do recurso que incidiu sobre o segmento do despacho recorrido que rejeitou os requerimentos apresentados pelos aqui Apelantes em 24.01.2023, 07.03.2023 e 22.03.2023 quanto à pretensão de ampliação da matéria de facto que extravasa o ponto de facto fixado pelo tribunal a quo no despacho recorrido para ser discutido em novo julgamento, por não admitir nessa parte recurso de apelação autónoma;
- julgar improcedente o recurso de apelação que incidiu sobre a rejeição dos meios de prova requeridos pelos aqui Apelantes nos Pontos B e C do requerimento de 24.01.2023, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes, que ficaram vencidos.
Notifique.

Porto, 24.09.2024
Maria da Luz Seabra
João Ramos Lopes
Lina Baptista

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 116
[2] Proc. Nº 13125/16, www.dgsi.pt