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BURLA QUALIFICADA
FALSIFICAÇÃO
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
SUBSTITUÍÇÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário
(da responsabilidade do relator) I - As nulidades da sentença encontram-se previstas no artigo 379º do CPP, em articulação com o artigo 374º, nº 2, do CPP, aí se incluindo, além do mais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação. II - Salienta-se, no entanto, a distinção, há muito sedimentada na doutrina e na jurisprudência, entre a falta de fundamentação e a insuficiência de fundamentação. III - A impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso através de duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto. IV - A sindicância da decisão de facto no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto (art.º 410º, nº 2, do CPP) não pode extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios só podem ser verificados em face do teor da decisão, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. V - Quando o Recorrente, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, invoca um erro de julgamento em relação a vários pontos da matéria de facto dada como provada (e cumpre, na motivação de recurso, os requisitos regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP), o tribunal de recurso tem de reapreciar a prova (a prova indicada pelo Recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis) e emitir um novo juízo em matéria de facto (restrito aos pontos factuais questionados pelo Recorrente), averiguando se tal prova impõe uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tal prova impõe uma versão factual diversa da que foi dada como provada na decisão recorrida). VI - A procedência da pretensão recursiva, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, conduzindo à alteração da matéria de facto provada e não provada, impõe que se analise a questão do enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, à luz dos (novos) factos provados e não provados. VII - Quando o Tribunal da Relação, em recurso, revoga a decisão absolutória da 1.ª Instância e formula um juízo positivo sobre a culpabilidade dos arguidos (entendendo que estes devem ser punidos pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento), deve proceder à determinação da espécie e medida da pena quando a decisão recorrida contém os factos pertinentes a tal desiderato. VIII - Quando o Tribunal da Relação, em recurso, revoga a decisão absolutória da 1.ª Instância e formula um juízo positivo sobre a culpabilidade dos arguidos (entendendo que estes devem ser punidos pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento), deve proceder à apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos autos (pretensão que a assistente/demandante formulou no recurso que interpôs).
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Por sentença proferida em 31 de Maio de 2022, no processo supra identificado, foi decidido o seguinte (transcrição do Dispositivo):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido:
A – Absolver o arguido AA da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 alínea a), com referência ao 202.º alínea b) do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal.
B – Absolver o arguido BB da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 alínea a), com referência ao 202.º alínea b) do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal.
Sem custas.
C – Absolver os demandados AA e BB do pedido de indemnização cível deduzido pela demandante GG.
Custas a cargo da demandante.”.
2. Inconformados, a assistente/demandante GG e o Ministério Público (seguindo a ordem de entrada em juízo) interpuseram recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.
2.1. A recorrente assistente/demandante GG terminou a motivação do recurso com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
“1.ª O presente recurso é interposto da douta sentença proferida a 31 de maio de 2022, e depositada na secretaria do Tribunal a 1 de junho de 2022, nos termos da qual se absolveu os Recorridos (i) da prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punível nos termos dos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2 alínea a), com referência ao 202.º, alínea b), do CP, da prática, em coautoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punível nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CP, e (ii) do pedido de indemnização civil deduzido contra ambos pela Recorrente, no valor de capital de €74.942,02, acrescido de juros vencidos e vincendos.
2.ª À luz das regras da experiência comum, é manifesto, em face da prova produzida, que os Recorridos se apropriaram do valor em causa nos autos (€25.990,00, que correspondem à soma de cinco valores parcelares), no âmbito de um esquema fraudulento por ambos gizado em cuja execução atuaram de forma concertada.
3.ª De facto, mais ninguém reunia as condições para poder fazer seu o referido valor global de €25.990,00, sendo que a autoria, relativamente às cinco operações, só pode ser dos dois Recorridos, atuando em conjunto.
4.ª As versões contraditórias dos factos, e com supostas explicações completamente fracionadas, apresentadas pelos Recorridos - tentativas de responsabilização (i) mútua com exclusão da responsabilidade do próprio declarante, (ii) das três representantes da Administração Pública ..., (iii) da então tesoureira e (iv) de desconhecidos intrusos no computador do Recorrido AA -, constituem meras “cortinas de fumo” e acabam por evidenciar, de resto, a inexistência de qualquer versão alternativa, minimamente plausível, relativamente à versão, verdadeira, que consta da acusação.
5.ª De resto, não é exata a afirmação do Tribunal a quo, no sentido de que só existiriam duas hipóteses alternativas (ou os valores em causa foram entregues às suas destinatárias, ou os Recorridos apropriaram-se deles) - na realidade, essa primeira hipótese alternativa nem existe, pois são os próprios Recorridos que reconhecem que, relativamente a duas das cinco operações sub judice (as que se referem aos recibos #2 e #4), os valores parcelares em causa não foram entregue às representantes da Administração Pública … às quais se destinavam.
6.ª De qualquer modo, não é minimamente credível terem sido três representantes da Administração Pública ... (por sinal, de duas entidades públicas ... distintas), sucessiva e isoladamente (ou seja, em momentos diferentes e atuando cada uma por si), a apropriarem-se de valores destinados ao mesmo projeto.
7.ª Muito menos ainda se se tiver em conta que os valores em causa foram disponibilizados pela Recorrente sempre com base em IP’s preparadas pelo Recorrido AA, pois então sempre ficaria por saber como teria cada uma das três pessoas em causa levado o Recorrido AA a emitir essas IP’s adulteradas.
8.ª Ou seja, a única explicação plausível (e verdadeira, como resulta da prova produzida) é terem sido os Recorridos a praticar, de forma conluiada, os factos ilícitos, pois eram eles que, em conjunto, tinham o domínio e o controlo de todos os meios - a “faca” e o “queijo” da expressão popular, neste caso, num primeiro momento, a possibilidade de elaborar (com dados falsos) as IP’s que estão na origem da disponibilização do dinheiro pela Recorrente, num segundo momento, o acesso ao mesmo - para praticar os factos necessários à apropriação dos cinco valores parcelares sub judice. Os Recorridos são o único denominador comum aos cinco casos!
9.ª De facto, o Recorrido AA tinha um papel-chave, pois era por ele que, como técnico do departamento de ... responsável pelo projeto (61), passavam as planilhas originais, provenientes do ‘...’ (62), e era ele que preparava, com base nessas planilhas, as IP’s (63), para aprovação pelo seu superior hierárquico, CC (64) e para posterior execução pelo departamento financeiro, através da libertação dos meios necessários à execução da parte concreta do projeto em causa (65).
(61) V. o ponto 6 dos FP e as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 06:00 a 09:00.
(62) V. os pontos 5, 6 e 7 dos FP e as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 20:00 a 22:00 e 32:00 a 34:00.
(63) V. o ponto 7 dos FP e as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 10:00 a 11:00, 31:00 a 32:00 e de 32:00 a 35:00, bem como as declarações de CC, de 18.2.22, 03:00 a 04:00.
(64) V. o ponto 7 dos FP e as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 10:00 a 11:00.
(65) V. as declarações de CC, de 18.2.22, 01:00 a 03:00.
10.ª Assim, o Recorrido AA:
a) adulterava as planilhas originais, enviadas pelo ‘...’, nelas introduzindo factos falsos através do aditamento de novas alíneas com pedidos fictícios de recursos financeiros, como se também esses concretos pedidos proviessem do ‘...’,
b) elaborava com base nessas planilhas adulteradas as IP’s, também elas adulteradas por conterem, elas própria, esses pedidos fictícios de recursos financeiros, a entregar em dinheiro, e posteriormente,
c) apresentava-as ao seu superior hierárquico, CC, que as aprovava, julgando que estas IP’s estavam em conformidade com o que fora pedido pelo ‘...’ - o que não era o caso.
11.ª Já o Recorrido BB era quem, na aparência legitimado pelos despachos que autorizavam a despesa, com base nas IP’s elaboradas com dados falsos e inadvertidamente aprovadas por CC, acabava por movimentar, com aparência de licitude, a conta da Recorrente e por, inclusivamente, levantar o dinheiro em numerário (já que o Recorrente AA tinha o cuidado de fazer constar das IP’s que o mesmo devia ser entregue em mão).
12.ª De resto, o Recorrido BB, ao contrário do que era prática comum tanto no plano externo como no plano interno (66), não pedia ao Recorrido AA que assinasse qualquer recibo, quando lhe entregava o dinheiro (para suposta entrega posterior às representantes da ...
(66) V. as declarações de DD, de 18.2.22, 02:00 a 04:00 e 08:00 a 09:00, e as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 09:00 a 11:00 e 36.00 a 37.00.
13.ª De resto, os Recorridos louvaram-se, a propósito de alguns recibos, na circunstância de, à data dos mesmos, se encontrarem ausentes do país ou de baixa médica para tentarem defender que nada tiveram que ver com a dissipação dos valores em causa - porém, essa alegação não colhe, pois, como é óbvio, um documento falso, maxime um recibo falso, pode ter a data que o falsificador quiser e, portanto, a apropriação dos valores em apreço não teve de ocorrer (necessariamente) na data dos recibos (falsos).
14.ª Importa reter, esquematicamente, algumas ideias-chave:
a) como foi referido pelas testemunhas EE (67) e FF (68), a questão em torno dos recibos #2 a #6 e do destino dos valores a que eles se referem foi inicialmente suscitada no âmbito da prestação de contas de 2014, entre a Recorrente e a ‘...’, por nessa ocasião se ter constatado não existirem documentos de suporte (ou seja, recibos dos terceiros fornecedores dos bens em causa) para as alegadas despesas pagas nos termos das IP’s;
67 V. as declarações de EE, de 18.2.22, 01:00 a 02:00.
68 V. as declarações de FF, de 18.2.22, 01:00 a 02:00.
b) DD esclareceu que o que está em causa é a prestação de contas relativamente aos valores a que se reportam os referidos recibos #2 a #6, mas que o projeto pôde, ainda assim, ser dado como executado e concluído (69) - o que se explica pelo facto de os valores aqui em causa corresponderem a duplicações de despesa (pela análise do texto dos próprios recibos #2 a #6 resulta que, em boa parte, estão em causa consumíveis - tecidos, linhas, insumos, etc. -, despesas não especificadas ou vagas - “miscelâneas”, “apetrechamento” de loja – ou material que é produzido em grande quantidade ou de forma repetida - catálogos, brochuras, despesa de gráfica, etc. -, o que obviamente facilita essa duplicação) (70);
69 V. as declarações de DD, de 18.2.22, 06:00 a 08:00.
70 O que explica que as atividades tenham sido todas dadas como executadas, como é referido pelo Recorrido AA (18.2.22, 04:00 a 06:00), na sua tentativa de criar mais uma “cortina de fumo”.
c) as planilhas passavam pelo Recorrido AA (71);
71 V. os pontos 5, 6 e 7 dos FP e as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 20:00 a 22:00 e 32:00 a 34:00.
d) era o Recorrido AA que elaborava, com base nessas planilhas, as IP’s (72);
72 V. o ponto 7 dos FP e as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 10:00 a 11:00, 31:00 a 32:00 e de 32:00 a 35:00, bem como as declarações de CC, de 18.2.22, 03:00 a 04:00.
e) existem IP’s para cada um dos cinco casos controvertidos (73);
73 V. as seguintes cinco IP’s: a IP n.º ..., de fls. 85 e segs., a IP n.º ... (adenda), de fls. 95 e segs., a IP n.º …, de fls. 98 v. e segs., a IP n.º …, de fls. 105 v. e segs., e a IP n.º …, de fls. 110 e segs..
f) essas IP’s, incluem, todas elas, os valores controvertidos (74);
74 Idem.
g) dessas IP’s consta sempre que os valores em causa deviam ser entregues em mão (75);
75 Idem.
h) os recibos provieram todos do Recorrido AA (76).
76 V. o capítulo IV.4.
15.ª O Tribunal a quo fez errada aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tal como se encontra consagrado no artigo 127.º do CPP, no sentido em que a sentença não se guiou pelas regras da experiência comum, sendo que a valoração lógica, racional e objetiva da prova impunha que tivessem sido julgados provados os factos sobre os quais se incide no capítulo IV e, seguidamente, se tivessem tirado as conclusões jurídicas que constam do capítulo V.
16.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria do artigo 10.º da acusação, que foi julgada não provada (ponto 1 dos FNP).
Deve o Tribunal ad quem dar como provado o seguinte:
“A seguir, o arguido BB deveria entregar esse dinheiro a AA, que, por sua vez, entregaria o dinheiro ao seu legítimo destinatário, contra a assinatura do respetivo recibo”.
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelo ponto 36 dos FP, pelos documentos de fls. 25 a 30, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 14:00 a 17:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 03:00 a 04:00 e 09:00 a 11:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 08:00 a 09:00.
17.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria do artigo 13.º da acusação, que foi parcialmente julgada não provada (ponto 11 dos FP) e parcialmente julgada provada em sentido contrário ao da acusação (ponto 40 dos FP).
Deve o Tribunal ad quem eliminar o ponto 40 dos FP, alterar o ponto 11 dos FP e dar como provado o seguinte:
“Com data de 29 de julho de 2011, o AA emitiu um recibo (#1), no valor de €6.000,00 (seis mil euros), referente a equipamentos e utensílios, no âmbito do projeto, e com expressa menção à ‘Informação Proposta’ (doravante designada abreviadamente por ‘IP’) n.º 110”.
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 25 a 30 e 83, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 18:00 a 19:00 e 36:00 a 37:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 08:00 a 09:00 e 15:00 a 17:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 02:00 a 04:00 e 07:00 a 09:00.
18.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria dos artigos 15.º, 17.º, 19.º, 21.º e 23.º da acusação, que foi parcialmente julgada não provada (pontos 13 a 17 dos FP).
Deve o Tribunal ad quem alterar os pontos 13 a 17 dos FP e dar como provado o seguinte:
“Com data de …2012, o AA emitiu um recibo (#2), no valor de €6.900,00 (seis mil e novecentos euros), referente à aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para a manutenção das máquinas de costura, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ….
Com data de … 2012, o AA emitiu um recibo (#3), no valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), referente a despesas diversas e com a gráfica, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ....
Com data de … 2012, o AA emitiu um recibo (#4), no valor de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), referente à impressão de brochuras e de catálogos, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º 239….
Com data de … 2013, o AA emitiu um recibo (#5), no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), referente à aquisição de tecidos para bordados e insumos para máquinas de costura, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ….
Com data de … 2013, o AA emitiu um recibo (#6), no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), referente ao apetrechamento da ... em ..., no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º …”.
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 26 a 30 e 83, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 18:00 a 19:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 08:00 a 09:00, 13:00 a 14:00 e 15:00 a 17:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 02:00 a 04:00.
19.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria do artigo 25.º da acusação, que foi parcialmente julgada não provada (pontos 18 e 19 dos FP e ponto 8 dos FNP).
Deve o Tribunal ad quem eliminar o ponto 8 dos FNP, bem como, por facilidade, os pontos 18 e 19 dos FP, e dar como provado o seguinte:
“Nestas IP, com exceção da primeira, constavam valores que não se encontravam refletidos nas planilhas (folhas de cálculo ou tabelas) enviadas pelo ..., mas que foram forjados pelo arguido AA, como suporte da emissão de cinco cheques, à ordem do arguido BB, relativos aos valores a que se reportam os recibos #1 a #5 (Docs. n.ºs 7 a 11), sacados sobre a conta da GG da ... n.º ...:
- Cheque n.º ..., datado de …2011, no valor de 6.000,00€, emitido à ordem de DD, por ela levantado;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de 6.900,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa a BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de 4.500,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa a BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de 5.800,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa a BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2013, no valor de 6.100,00€, apresentado no balcão da ... e pago a BB”.
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos pontos 5 a 7 dos FP, pelos documentos de fls. 26 a 30, de fls. 42 e segs., de fls. 50, de fls. 53 v., de fls. 85 e segs., de fls. 89, de fls. 95 e segs., de fls. 98 v. e segs., de fls. 101 e 101 v., de fls. 102 v., de fls. 105 v. e segs., de fls. 110 e segs., de fls. 116 e segs. e pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 10:00 a 11:00, 19:00 a 20:00 e 31:00 a 32:00, pelas declarações de CC, de 18.2.22, 03:00 a 04:00 e 11:00 a 13:00, e pelas declarações de HH, de 25.3.22, 10:00 a 12:00.
20.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria dos artigos 12.º e 28.º a 32.º da acusação, que foi parcialmente julgada não provada (pontos 22 a 24 dos FP e pontos 2 e 9 a 13 dos FNP).
Deve o Tribunal ad quem eliminar os pontos 2 e 9 a 13 dos FNP, bem como, por facilidade, os pontos 22 a 24 dos FP, e dar como provado o seguinte:
“No entanto, as representantes do ..., bem como a representante da ..., não receberam a totalidade dos valores em causa, nem assinaram os cinco recibos correspondentes.
Já relativamente ao recibo #2 (com a pretensa assinatura de II), a representante do ..., II, não recebeu o dinheiro em causa, €6.900,00 (seis mil e novecentos euros) e não reconhece como sua a assinatura constante do recibo em análise.
Relativamente ao recibo #3, de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), JJ não recebeu o dinheiro e, pese embora a assinatura que consta do recibo seja parecida com a sua, não foi por si realizada, tanto mais que lhe falta uma parte.
Relativamente ao recibo #4, de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), JJ não recebeu o dinheiro em causa nem apôs qualquer assinatura no recibo correspondente, pois tal assinatura é parecida com a sua, mas não foi por si aposta.
Relativamente ao recibo #5, no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), a representante do ..., JJ, não recebeu o dinheiro, nem assinou o recibo correspondente.
Relativamente ao recibo #6, no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), a representante da ..., HH, não recebeu o dinheiro nem assinou o recibo correspondente”.
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 30, de fls. 59 e segs. e de fls. 83, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 15:00 a 18:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 07:00 a 08:00, 17:00 a 19:00 e 21:00 a 23:00, pelas declarações de II, de 25.3.22, 02:00 a 04:00 e 06:00 a 07:00, pelas declarações de JJ, de 25.3.22, 07:00 a 09:00, 10:00 a 12:00, 21:00 a 23:00, 30:00 a 36:00 e 37:00 a 38:00, pelas declarações de HH, de 25.3.22, 02:00 a 06:00 e 13:00 a 14:00, pelas declarações de FF, de 18.2.22, 02:00 a 05:00 e 09:00 a 12:00, pelas declarações de KK, de 13.5.22, 03:00 a 05:00, 14:00 a 15:00 e 16:00 a 18:00, pelas declarações de LL, de 13.5.22, 01:00 a 03:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 04:00 a 06:00.
21.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria dos artigos 33.º a 37.º da acusação, que foi julgada não provada (pontos 14 a 18 dos FNP) e que assume natureza conclusiva relativamente à demais matéria da acusação.
Deve o Tribunal ad quem eliminar os pontos 14 a 18 dos FNP e dar como provado o seguinte:
“Porquanto, o arguido AA que, no âmbito deste Projeto, fazia efetivamente as entregas em numerário às representantes do ..., não lhes entregou as cinco parcelas supra referidas.
Efetivamente, em conluio com o arguido BB, ambos os Arguidos levantaram, entre maio de 2012 e dezembro de 2013, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros) da conta da GG, que simularam ser destinado ao Projeto.
E para justificar esses levantamentos, os arguidos alteraram as planilhas e elaboraram IP, para assim simular as entregas de dinheiro às representantes do ... e ..., que se destinaria ao Projeto, pelo que emitiram cinco recibos correspondentes, #2 a #6.
Nesses recibos os Arguidos fizeram por fazer constar uma assinatura, como se da assinatura das destinatárias da quantia se tratasse, a qual não foi por estas aposta, já que a correspondente quantia também não lhes foi entregue pelos arguidos.
Assim, simulando que tais levantamentos se destinavam ao Projeto apoiado pela GG, os arguidos lograram levantar da conta bancária desta, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), do qual se apropriaram para proveito próprio, através dos quatro cheques levantados à boca de caixa pelo arguido BB e da transferência bancária para a conta do arguido AA”.
Esta decisão resulta, nomeadamente, quanto:
a) à matéria do artigo 33.º da acusação, dos pontos 4 e 5 dos FP e do exposto nos capítulos II, IV.2 e IV.6;
b) à matéria do artigo 34.º da acusação, dos pontos 10, 19 e 25 dos FP e do exposto nos capítulos II, IV.2, IV.4, IV.5 e IV.6;
c) à matéria do artigo 35.º da acusação, dos pontos 6, 7, 10, 32 e 34 dos FP e do exposto nos capítulos II, IV.4 e IV.5;
d) à matéria do artigo 36.º da acusação, do exposto nos capítulos II IV.4 e IV.6; e
e) à matéria do artigo 37.º da acusação, dos pontos 10, 19, 20 e 25 dos FP e do exposto nos capítulos II e IV.6.
22.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria dos artigos 38.º a 42.º da acusação, que foi julgada não provada (pontos 19 a 22 dos FNP) e que assume natureza conclusiva relativamente à demais matéria da acusação.
Deve o Tribunal ad quem eliminar os pontos 19 a 22 dos FNP e dar como provado o seguinte:
“Agiram os arguidos AA e BB, de forma livre, deliberada e consciente, por acordo e em conjugação de esforços, pois pensaram e quiseram montar, como efetivamente montaram, um esquema fraudulento que consistiu em alterar planilhas e elaborar IP’s, de forma a que pudessem fazer seu dinheiro da GG, fazendo crer que tal dinheiro seria destinado ao Projeto por aquela desenvolvido, e como se esse dinheiro tivesse sido entregue a pessoas envolvidas no referido Projeto, quando, na verdade, tal dinheiro não foi destinado ao Projeto nem foi entregue às referidas pessoas, antes tendo os arguidos AA e BB feito suas as quantias em causa, com as quais se enriqueceram, como era sua vontade.
Para tal os arguidos AA e BB decidiram, por um lado, alterar documentos previamente existentes, introduzindo nas planilhas os montantes a que se referem os recibos #2 a #6, usando-os seguidamente para tentar justificar (no que toca pelo menos à alteração da planilha) a diminuição patrimonial na GG, de, no total, €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros).
Destarte, alteraram os dados constantes das planilhas enviadas a CC e depois fizeram por fazer constar dos recibos as assinaturas de II, JJ e HH, para justificar o suposto recebimento das quantias em causa, bem sabendo os recibos que emitiram não correspondiam a verdadeira disposição patrimonial a favor daquelas, servindo para encobrir a apropriação ilegítima do dinheiro que fizeram seu.
Com a sua conduta os arguidos causaram um prejuízo patrimonial à GG de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), montante com o qual se locupletaram.
Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.
Esta decisão resulta, nomeadamente, quanto:
a) à matéria do artigo 38.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.2, IV.5 e IV.6;
b) à matéria do artigo 39.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.2, IV.4, IV.5 e IV.6;
c) à matéria do artigo 40.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.4, IV.5 e IV.6;
d) à matéria do artigo 41.º da acusação, do exposto nos capítulos II e IV.6; e
e) à matéria do artigo 42.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.4, IV.5 e IV.6.
23.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria dos pontos 44 e 59 dos FP, que deveria ter sido julgada não provada, pelo que deve o Tribunal ad quem eliminar o referido ponto.
Esta decisão resulta da afirmação do Tribunal a quo, na p. 19 da sentença recorrida, segundo a qual haveria forte dúvida sobre o destino das quantias em causa, e de resto, do exposto nos capítulos II, IV.4, IV.5 e IV.6.
24.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria do ponto 45 dos FP, que deveria ter sido julgada não provada, pelo que deve o Tribunal ad quem eliminar o referido ponto.
Esta decisão resulta da afirmação do Tribunal a quo, na p. 19 da sentença recorrida, segundo a qual haveria forte dúvida sobre o destino das quantias em causa, e de resto, do exposto nos capítulos II, IV.4, IV.5 e IV.6.
25.ª O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria do ponto 55 dos FP, que deveria ter sido julgada não provada, pelo que deve o Tribunal ad quem eliminar o referido ponto.
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 85 e segs., e documentação conexa, e pelas declarações de MM, de 13.5.22, 05:00 a 08:00, sendo que inexiste prova de “indicação superior” para entrega do valor em causa em mão a II.
26.ª Resulta da procedência do recurso quanto à matéria de facto que os Recorridos praticaram, em coautoria, um crime de burla qualificada, previsto e punível nos termos dos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do CP, pelo que devem ser condenados pela prática do referido crime.
27.ª Resulta da procedência do recurso quanto à matéria de facto que os Recorridos praticaram, em coautoria, um crime de falsificação de documento, p. e p. nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alíneas b), d) e e), do CP (verificando-se aqui uma alteração da qualificação jurídica relativamente à acusação e à pronúncia, havendo, assim, que dar cumprimento ao estatuído no artigo 424.º, n.º 3, do CPP), pelo que devem ser condenados pela prática do referido crime.
28.ª Julgando agora o Tribunal ad quem provados, nos termos supra expostos, os factos penalmente ilícitos de cuja prática os Recorridos vinham acusados, e condenando consequentemente os Recorridos nos termos da acusação, deve esse mesmo Tribunal ad quem, considerando também os pontos 84 a 91 dos FP, condená-los, igualmente, no pedido de indemnização civil oportunamente deduzido.
O dano patrimonial em causa é juridicamente imputável à conduta ilícita e culposa dos Recorridos, pelo que, nos termos conjugados dos artigos 483.º, 562.º e 563.º do CC, bem como dos artigos 559.º, 805.º, n.º 2, alínea b), e 806.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código, devem os Recorridos ser solidariamente condenados no pagamento à Recorrente da quantia global de €74.942,02, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, juros esses contados desde a data em que a Recorrente sofreu cada um dos prejuízos parcelares.
Por todo o exposto, deve esse Alto Tribunal decidir nos termos pelos quais se propugna na motivação de recurso e nas conclusões antecedentes, alterar e/ou revogar a douta sentença recorrida, e, no final:
a) condenar os Recorridos pela prática de crime de burla qualificada e de crime de falsificação de documento; bem como:
b) condenar os Recorridos e Demandados civis nos termos do pedido de indemnização civil oportunamente deduzido pela ora Recorrente e Demandante civil;
assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!”.
2.2. O recorrente Ministério Público terminou a motivação do recurso com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
“I. O presente recurso funda-se em divergências que se prendem com a absolvição dos arguidos AA e BB, da prática, cada um, de um crime de burla qualificada, p. e p., nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 alínea a), com referência ao 202.º alínea b) do Código Penal e, de um crime de falsificação de documento, p. e p., no artigo 256.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal.
II. A sentença posta em crise padece do vício da contradição insanável da fundamentação – artigo 410º, nº 2, al. b) do código de processo penal – Factos provados 22, 23 e 24 vs. Facto não provado 2 E Factos provados 7, 66, 68 e 69 vs. Factos não provados 8 e 16, porquanto são dados por provados determinados factos e o seu contrário.
III. A sentença posta em crise padece do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – artigo 410º, nº 2, al. b) do código de processo penal, já que tendo sido dada por provados os factos 7, 66, 68 e 69, não se compreende como é que pelo menos os crimes de falsificação e de burla relativamente ao valor que originou a emissão do recibo de €5.800,00 (o recibo #4), não foi imputado ao arguido AA.
IV. Existe erro de julgamento no que respeita à matéria respeitante à alteração das planilhas – pontos 8, 16, 20, 21 e 35 dos factos não provados – porquanto não foi atendida a prova pericial junta aos autos, pese embora a mesma tratar-se de prova pré-constituída, indicada na acusação para prova dos factos ali elencados, nem explicado o motivo pelo qual tal prova não foi apreciada.
V. Assim sendo, não tendo esta perícia sido atendida, nem explicado o motivo pelo qual assim sucede, sendo certo que os resultados obtidos naquela perícia, não foram contestados pelos arguidos, existe nulidade da sentença por falta de fundamentação, já que neste tocante não pronunciou sobre esta prova constituída no processo e que nos parece fulcral para prova de determinados factos, eximindo-se assim o Tribunal a quo de indicar e de examinar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção (artigo 379º, nº 1 com referência ao art.º 374º, nº 2, ambos o CPPenal).
VI. Existe erro de julgamento no que respeita à questão das assinaturas dos recibos 2 a 6 – pontos 10, 11, 12 e 13 dos factos não provados - já que existe prova pericial que conclui como “muito provável” que as assinaturas apostas naqueles recibos não pertençam a JJ, II e HH, sendo certo que estas testemunhas negaram igualmente tal facto (cfr. motivação da matéria de facto).
VII – Novamente, também neste tocante, não tendo a perícia junta sido atendida, nem explicado o motivo pelo qual assim sucede, sendo certo que os resultados obtidos naquela perícia, não foram contestados pelos arguidos, existe nulidade da sentença por falta de fundamentação, já que neste tocante não pronunciou sobre esta prova constituída no processo e que nos parece fulcral para prova de determinados factos, eximindo-se assim o Tribunal a 41 de 42 41 quo de indicar e de examinar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção (artigo 379º, nº 1 com referência ao art.º 374º, nº 2, ambos o CPPenal).
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido, declaradas as apontadas nulidades e erros e devolvidos os autos à primeira instância a fim de serem supridos tais vícios.
Contudo, V. Exas decidindo farão, uma vez mais, a já costumada JUSTIÇA.”.
3. Admitidos os recursos, foram apresentadas respostas pelo Ministério Público e pelo arguido/recorrido AA.
3.1. O Ministério Público respondeu ao recurso da assistente/demandante GG, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O presente recurso é interposto da sentença que absolveu os arguidos da prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punível nos termos dos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2 alínea a), com referência ao 202.º, alínea b), do CP, da prática, em coautoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punível nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CP, e, ainda, do pedido de indemnização civil deduzido contra ambos pela Recorrente, no valor de capital de €74.942,02, acrescido de juros vencidos e vincendos.
2. O recurso abrange matéria de facto, e funda-se no erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
3. Por tal motivo, o Ministério Público interpôs também recurso autónomo para cuja fundamentação, por uma questão de economia processual, remetemos e damos aqui por reproduzida, aderindo também ao alegado pela assistente, ora recorrente.
4. Razão pela qual, reproduzindo o peticionado no recurso interposto, deverá o presente recurso ser recebido e devolvidos os autos à primeira instância a fim de serem supridos os vícios existentes.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!”.
3.2. O arguido/recorrido AA respondeu aos recursos do Ministério Público e da assistente/demandante GG, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Ambos os Recorrentes, grosso modo com a mesma argumentação, vêm interpor recurso da douta sentença de 31 de maio de 2022, que absolveu os AA. da prática dos crimes, em co-autoria material, de burla qualificada e falsificação, melhor descritos nos autos e bem assim do pedido cível formulado pela Demandante, no valor de €74.942,02.
2. Segundo concluiu (e bem), o Meritíssimo Juiz «a quo», a prova produzida em julgamento, para além de contraditória, não conseguiu esclarecer de forma cabaz e segura, que foram os AA., em especial o AA, que se apropriou de qualquer verba.
3. Ao invés, a acusação (e bem assim, a assistente), falharam em demonstrar em julgamento, que os AA. tivessem arquitectado um esquema fraudulento, ao abrigo do qual pretenderam apropriar-se da quantia de €25.990,00.
4. Aliás, da prova produzida em julgamento, não só a que adveio das declarações dos Arguidos, como e essencialmente, dos depoimentos das testemunhas arroladas, por um lado, das técnicas envolvidas no projecto, bem como dos trabalhadores da própria assistente ou de peritos técnicos, não resultou qualquer dado concreto e palpável que pudesse imputar aos AA. e em especial ao A. AA, a prática do crime de burla qualificada e de falsificação.
5. Por outro lado, o A. AA fez voluntariamente todos os testes forenses que lhe foram exigidos, à letra e assinatura, não tendo o laboratório de polícia científica da PJ concluído que a letra e/ou assinatura apostas em cada um dos recibos # 2 a # 6 fosse da autoria do Arguido.
6. Ao invés, considerou ser “inconclusivo” cfr, consta do relatório de fls. 995 a 1000 dos autos, não podendo por essa via, o Tribunal dar como provado, que o A. AA pudesse ter falsificado a assinatura aposta em qualquer um dos recibos,
7. Acresce ainda que o Tribunal «a quo», perante quem a prova é produzida, à luz do princípio da imediação que norteia o processo penal, teve a perfeita noção daquilo que estava em causa nos autos: o desespero de uma entidade, aqui assistente, em pretender acusar, custe o que custasse, os Arguidos, para arranjar um bode expiatório para as suas omissões e, por outro lado, um ministério público colaborante, que mais não fez numa fase inicial, que transcrever os factos descritos na denúncia, transpondo-os, quase «ipsis verbis», para acusação.
8. A tarefa do juiz de julgamento é, também aqui, a de separar o «trigo do joio», levando aos factos provados, aquilo que considera estar provado e, em caso de dúvida ou de prova no sentido contrário, dá-lo como não provado, justificando-o.
9. Pretendem as RR. atacar de forma infundada e sem lógica, o princípio da livre apreciação da prova, lançando mão da figura dos “erros de julgamento” ou até mesmo “nulidades”, por alegada falta de fundamentação da sentença ou por alegadas contradições entre factos provados e não provados, apenas e porque consideram que o Tribunal «a quo» devia, sem qualquer fundamentação probatória, ter decidido em sentido contrário, condenando os Arguidos.
10. Consideram, portanto, que a prova produzida deveria ter levado o Meritíssimo Juiz «a quo» a decidir de forma diferente.
11. No entanto e conforme vem sendo decidido pelos Tribunais superiores (1), “o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação esteja sempre vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório (…).
(1) Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 3/07.4GAVGS.C2 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, publicado em 01-10-2008 e em que foi relator o Sr. Juiz Desembargador Simões Raposo, publicado em http://www.dgsi.pt
12. A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência (…)”.
13. O Meritíssimo Juiz «a quo», da apreciação que fez da prova produzida em julgamento, fez uso das regras da experiência que qualquer homem médio, na sua posição, teria utilizado.
14. Declarando não ter ficado convencido, perante as provas em análise, que os AA. levaram a cabo os crimes pelos quais foram acusados.
15. O Tribunal «a quo» pronunciou-se na sentença, sobre todas as questões de que se deveria ter pronunciado,
16. Não só faz referência ao Relatório pericial de escrita manual do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária de fls. 997-1000, o qual, sem margem para dúvidas, concluiu que "a qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto das escritas suspeitas das assinaturas (…) não permitem obter resultados conclusivos.
17. Como faz também referência expressa ao relatório pericial de escrita manual do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária de fls. 1116, que concluiu que: “a escrita suspeita da assinatura aposta no recibo de fls. 160, foi analisado no Relatório de exame (…), onde em "Nota" apresentamos as limitações à respectiva análise, a assinatura suspeita do Grupo III (assinaturas referentes ao nome HH) apresenta reduzida extensão, traçado maioritariamente ilegível com poucas formas definidas e apostas sob um carimbo, que dificultou a visualização das características em análise (…).
18. Considerou que “as novas recolhas de autógrafos a HH não colmataram as limitações acima referidas, mantendo-se assim a conclusão do anterior exame (…)".
19. Perante esta prova, insofismável, dúvidas não teve o Meritíssimo Juiz «a quo» em concluir que o material constante das assinaturas existentes nos recibos, é insuficiente para permitir resultados conclusivos no exame à letra e assinatura quer comparada com a letra e assinatura dos arguidos, quer com a letra e assinatura de HH ou de II.
20. A acrescer, concluiu o Meritíssimo Juiz «a quo», que o exame à letra e assinatura executado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária colocou em causa os resultados obtidos no exame efectuado a pedido da "...", fazendo desta forma e por esta via, o exame crítico do relatório pericial elaborado por esta entidade.
21. Considerou igualmente – e bem – que “(…) não se pode afirmar nem negar que as assinaturas foram efectuadas por JJ, II e HH (…) não se podendo, também, afirmar ou negar que as assinaturas tenham sido efectuadas pelos arguidos”.
22. Pelo que, em “(…) face a estes meios de prova, apenas se pode concluir que não se apurou quem foi o autor ou autores dessas assinaturas (…)”, facto este essencial a uma eventual condenação do A.!
23. O Tribunal não conseguiu determinar se as quantias que constam nos recibos #2 a #6 foram entregues às representantes do "..." - JJ e II – e à representante da "... - HH, nem tão pouco o destino dessas quantias depois de terem sido levantadas pelo arguido BB ou adiantada pelo arguido AA.
24. As declarações dos arguidos não foram consonantes quanto à responsabilidade das entregas (mas apenas consonantes no que diz respeito ao facto de as quantias em causa terem sido entregues aos destinatários – JJ, II e HH). Por outro lado, estas, quando inquiridas, afirmaram não ter recebido as quantias em causa nem assinado os recibos.
25. Perante todas estas as discrepâncias entre as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas JJ e HH, o Tribunal considerou – e bem - ter sido “(…) instalada uma forte dúvida sobre o destino das quantias em causa (…)”, considerando existir “(…) duas soluções possíveis: uma: os arguidos apropriaram-se das quantias em causa. Outra: as quantias foram entregues às destinatárias (…)”.
26. Mais considerou que esta dúvida não foi sanada pelo depoimento de outras testemunhas, funcionárias da GG, nomeadamente por DD, FF, LL, KK e NN.
27. Perante a disparidade destes depoimentos, o Tribunal considerou não ser possível “(…) afirmar com a certeza exigível que foram feitas entregas do numerário referido nos recibos denominados #2 a #6, nem que os recibos assinados tenha sido algum destes recibos.”
28. Em suma, considerou que “(…) a prova produzida é manifestamente insuficiente para afirmar que os arguidos se apropriaram das quantias em causa (…)” e que,
29. “(…) em homenagem ao princípio in dubio pro reo não foi possível formar a convicção segura sobre as questões fulcrais da entrega das quantias em causa e sobre o autor das assinaturas constantes dos recibos denominados #2 a #6 (…)”,
30. Concluindo existir dúvida insanável em ambos os sentidos, ou seja, foi incapaz de confirmar que os AA., em especial o A. AA tivesse ou fosse o autor dos crimes pelos quais vinha acusado, ou que, por outro lado, as técnicas não tivessem sido elas a receber os valores, vindo agora dizer não os ter recebido.
31. Por fim, referir que o A. AA viu sua vida financeira escrutinada nos autos, sem que se pudesse estabelecer uma relação directa e proporcional entre qualquer um dos seus comportamentos pessoais (gastos, levantamentos, depósitos nas suas contas bancárias pessoais, etc.), com as datas em que as verbas foram entregues às técnicas,
32. Não tendo o Tribunal outra alternativa, perante a prova produzida, a não produzida, o exame crítico efectuado e as dúvidas – insanáveis – levantadas pelo juiz julgador, senão recorrer ao princípio «in dúbio pro réu», absolvendo o A. da prática destes crimes e do pedido cível que lhe era dirigido.
Por todo o exposto, devem V.Ex.as Venerandos Desembargadores, confirmar a douta decisão recorrida, mantendo a absolvição do A. AA, da prática do crime, em co-autoria material, de burla qualificada e falsificação, mantendo ainda a sua absolvição do pedido cível que lhe foi dirigido,
Fazendo desta forma a costumada JUSTIÇA!”.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo que os recursos merecem provimento.
Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, o arguido/recorrido AA apresentou resposta ao parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
5. Realizado o exame preliminar (no qual foi corrigido o efeito do recurso da assistente/demandante) e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
6. Nada obsta ao conhecimento dos recursos.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objecto do recurso.
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do tribunal superior (art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (sendo certo que os recursos servem para apreciar questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova), excetuadas as questões de conhecimento oficioso.
As questões de conhecimento oficioso prendem-se com (i) a detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10- 95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”) e (ii) a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP. No caso dos autos, considerando as conclusões de cada um dos recursos interpostos, as questões a apreciar e decidir: Recurso da assistente/demandante GG:
A) Recurso quanto à matéria de facto.
B) Consequências, ao nível do sentido jurídico da decisão a proferir, da procedência do recurso quanto à matéria de facto.
C) Recurso quanto ao pedido de indemnização civil. Recurso do Ministério Público:
A) Da contradição insanável da fundamentação – art.º 410º, nº 2, al. b), do CPP (factos provados 22, 23 e 24 vs facto não provado 2; factos provados nºs 7, 66, 68 e 69 vs factos não provados 8 e 16).
B) Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – art.º 410º, nº 2, al. b), do CPP.
C) Do erro de julgamento – a alteração das planilhas – art.º 412º, nº 3, do CPP e da nulidade da sentença por falta de fundamentação (art.º 379º do CPP).
D) Do erro de julgamento – a questão das assinaturas dos recibos 2 a 6 – art.º 412º, nº 3, do CPP e da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
2. A decisão recorrida.
Definidas as questões a apreciar e decidir, importa ter presente a decisão recorrida, concretamente, os factos que dela constam e respectiva motivação, que se transcrevem:
“3.2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
Da acusação.
1. A GG com sede no ..., desenvolve projectos junto dos seus ..., sendo que entre os anos de 2011 e 2013 desenvolveu um projecto financiado pelo fundo especial de "...".
2. A "... com sede em ..., financiou o Projecto, dotando previamente a GG dos meios financeiros para o efeito, no valor de €692.481,15 (seiscentos e noventa e dois mil quatrocentos e oitenta e um euros e quinze cêntimos).
3. O "...", ..., com sede em ..., foi o responsável pela execução do Projecto.
4. No âmbito do referido Projecto, o Secretariado Executivo da GG destinou, entre outros, um conjunto de seis entregas de dinheiro, num total de €31.990,00 (trinta e um mil novecentos e noventa euros), que se destinariam a suportar despesas do "...", no âmbito do Projecto.
DOS PROCEDIMENTOS EM VIGOR
5. As entregas de dinheiro eram desencadeadas através de pedido, fundamentado, quanto à sua necessidade e finalidade, apresentado pelo "...".
6. Este pedido era dirigido ao arguido AA, técnico da Direcção de ... do Secretariado Executivo da GG, que geria o Projecto.
7. O arguido AA elaborava, então, a Informação Proposta, que era dirigida ao Director de ... da GG, CC, o qual a encaminhava à Direcção do Secretariado Executivo da GG, com base em "planilhas" enviadas à GG pelo "...", onde constavam as despesas necessárias para o desenvolvimento do projecto identificado.
8. Depois, caso a Direcção concordasse, após conhecimento dessa concordância, o então tesoureiro do Secretariado Executivo da GG, o arguido BB, emitia um cheque cruzado, geralmente à sua própria ordem (ou, em casos excepcionais, de outro trabalhador do Secretariado Executivo da GG), cheque esse que era assinado por duas pessoas autorizadas a fazê-lo (de entre um universo circunscrito que incluía o Secretário Executivo da GG, Directores e alguns pouco trabalhadores).
9. Seguidamente, o arguido BB apresentava o cheque no balcão, em Lisboa, da "...", onde o funcionário, que o conhecia, por saber que ele trabalhava para o Secretariado Executivo da GG, lhe permitia levantar imediatamente o valor que estivesse em causa, em dinheiro vivo.
DOS FACTOS
10. Os valores em questão, a que se referem as seis entregas supra-referidas, foram levantados pelo arguido BB, com fundamento em pedidos (Informação Proposta) autorizados pelo Secretariado Executivo da GG, a fim de serem entregues, em mão, a uma de duas representantes do "..." e a uma representante da "..., a saber:
- JJ – representante do "..." e presidente do mesmo;
- II – representante do "..." e consultora do mesmo;
- HH – representante da "... e coordenadora-geral de ... desta instituição.
11. Com data de … 2011, foi emitido um recibo (#1), no valor de €6.000,00 (seis mil euros), referente a equipamentos e utensílios, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta".
12. Este recibo foi assinado por II e o dinheiro por ela recebido.
13. Com data de … 2012, foi emitido um recibo (#2), no valor de €6.900,00 (seis mil e novecentos euros), referente à aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para a manutenção das máquinas de costura, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ....
14. Com data de … 2012, foi emitido um recibo (#3), no valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), referente a despesas diversas e com a gráfica, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ....
15. Com data de … de 2012, foi emitido um recibo (#4), no valor de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), referente à impressão de brochuras e de catálogos, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ….
16. Com data de … 2013, foi emitido um recibo (#5), no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), referente à aquisição de tecidos para bordados e insumos para máquinas de costura, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ….
17. Com data de …, foi emitido um recibo (#6), no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), referente ao apetrechamento da ... em ..., no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ….
18. Na primeira "Informação Proposta" constava valores que se encontravam reflectidos nas planilhas enviadas pelo "...".
19. A emissão de cinco cheques à ordem do arguido BB foi relativa aos valores a que se reportam os recibos #1 a #5, sacados sobre a conta da GG da "..." n.º ...:
- Cheque n.º ..., datado de …2011, no valor de €6.000,00, emitido à ordem de DD, por ela levantado;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de €6.900,00, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de €4.500,00, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de €5.800,00, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2013, no valor de €6.100,00, apresentado no balcão da ... e pago ao arguido BB.
20. Sendo que, no caso do valor a que se reporta o recibo #6, não foi emitido cheque, tendo antes sido excepcionalmente ordenada uma transferência bancária, da conta da GG, para a conta de que o arguido AA é titular na "...", com o n.º …, com a transferência de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros) concretizada a …/2013.
21. Relativamente às várias entregas de dinheiro, a representante do "...", II assinou o recibo #1 e recebeu o dinheiro em causa.
22. A representante do "...", II não reconhece como sua a assinatura constante do recibo #2.
23. A assinatura que consta do recibo #3 é parecida com a de JJ, tanto mais que lhe falta uma parte.
24. A assinatura do recibo #4 é parecida com a de JJ.
25. O arguido BB levantou, entre Maio de 2012 e Dezembro de 2013, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros) da conta da GG.
Contestação do arguido AA.
A – Dos procedimentos gerais.
26. A GG desenvolve projectos de apoio junto dos ... da GG.
27. No âmbito deste projecto, a "... financiou o "Projecto de apoio ao desenvolvimento da produção de ... em ...", tendo encarregue o "...", com sede em ..., da execução deste projecto.
28. A GG recebeu cerca de €692.481,15 para a execução do projecto, tendo o Secretariado Executivo da GG destinado um conjunto de diversas entregas em dinheiro, com o objectivo de suportar as despesas das técnicas/consultoras do "..." e da ... em ..., das quais se destacam seis entregas em dinheiro (#1, #2, #3, #4, #5 e #6), as quais totalizam o valor de €31.990,00.
29. O procedimento oficial iniciava-se sempre com o pedido fundamentado e justificado, pelo "...", à "..., que posteriormente o remetia para a Missão do ... junto da GG, em …, que por sua vez dava entrada do pedido no gabinete do Secretário Executivo da GG, sendo assim recebido na GG e encaminhado para as respectivas áreas, nomeadamente, para os directores, que seguidamente os encaminham para o técnico que acompanhava o projecto dentro de cada uma das direcções.
30. Os pedidos do "..." foram recebidos pela Missão do ..., junto da GG, que os faziam chegar por nota verbal ao Secretariado Executivo (na prática, muitos deles viriam a ser encaminhados por mensagem de correio electrónico).
31. Aqui, eram reencaminhados para o director de ..., CC, que o reencaminhava para o arguido AA, técnico do projecto de ....
32. Perante este pedido, devidamente justificado pelo "...", o director de ... ordenava ao técnico (ao arguido AA), que elaborasse uma Informação Proposta, a qual era redigida com base em planilhas enviadas à GG pelo próprio "...".
33. Destas planilhas constavam as verbas com as despesas, os valores a afectar a cada rubrica e a respectiva justificação.
34. Elaborada a "Informação Proposta" pelo arguido AA, este submetiaa ao director de ..., CC, que validava os dados da "Informação Proposta" e, em caso de concordância, a submetia ao director da área financeira, para cabimento orçamental.
35. Havendo cabimentação orçamental, a tesouraria, através do tesoureiro da GG (o arguido BB), emitia um cheque cruzado, no valor indicado na "Informação Proposta" (previamente aprovada pelo director de ...), assinado por duas pessoas da GG, devidamente autorizadas, que posteriormente viria a ser levantado pelo próprio arguido BB, junto da "...".
36. A prática corrente dentro da GG veio a revelar que sempre que as técnicas visitavam a GG, eram recebidas pelo técnico que acompanhava o projecto (o arguido AA),
B – Dos valores:
#1 – recibo de €6.000,00
37. Em …/2011, foi emitido um cheque pela então tesoureira da GG DD, que o descontou junto da "...", entregando a quantia de €6.000,00 ao técnico do projecto (o arguido AA).
38. O arguido AA assinou um recibo comprovativo do recebimento da entrega desse valor, previamente elaborado pela tesoureira DD.
39. Este valor teve por base a "Informação Proposta" n.º …, elaborada pelo arguido AA, com a planilha recebida na Missão do ... junto da GG e oriunda do "...", devidamente aprovada pelo respectivo director de ..., CC.
40. Com a entrega do valor, em numerário, a tesoureira procedeu igualmente à elaboração do recibo, para ser assinado pela técnica do "..." II, datado de …2011.
41. Uma vez que o arguido AA, no âmbito da sua função de técnico do projecto, ia deslocar-se a ... e a técnica já se encontrava no local (em ...), o arguido AA levou consigo o dinheiro para a técnica (assim como o recibo previamente emitido por DD), entregando-os à técnica, solicitando a assinatura do recibo respeitante ao valor recebido e entregue.
42. Que esta assinou na sua presença.
#2 – recibo de €6.900,00
43. Em 09/05/2012, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €6.900,003, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º ... de 2012.
44. Este valor destinava-se a fazer face à aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para a manutenção das máquinas de costura.
45. O valor em apreço destinava-se à técnica do "...", II, que o deveria receber aquando da passagem por …, a caminho de ..., estando perspectivada a viagem desta, do … para …, em 8 de Maio de 2012 e o embarque para ..., em 11 de Maio.
46. A técnica II adoeceu gravemente no ... e não chegou a embarcar para …, sendo submetida a intervenção cirúrgica ainda no ....
47. Em consequência, o arguido AA diligenciou junto da agência de viagens para a alteração do bilhete da viagem.
48. O arguido AA esteve de baixa médica no período compreendido entre …/2012 e …/2012.
49. A qual foi prorrogada, no período de … a … de 2012, sendo que o arguido AA apenas se manteve de baixa até ao início de …, tendo, em … de 2012 e por se encontrar já recuperado, iniciado o gozo de férias previamente agendadas com a família nos …, no período de … a … de 2012.
# 3 - Recibo de €4.500,00
50. Em …/2012, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €4.500,00, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º ... de … 2012.
51. Esta "Informação Proposta" n.º ..., de …/2012, da autoria do arguido AA, especificava a natureza das despesas a adquirir pela técnica JJ, nomeadamente as despesas com miscelâneas, insumos, matérias primas e materiais permanentes (equipamento informático), assim como as despesas com a gráfica.
52. Apesar de inicialmente fazer referência à transferência do valor para uma conta do projecto em ..., por indicação superior, foi feita referência expressa de que "este valor será entregue, em mão, à responsável do ..., entidade executora do projecto, JJ, que assinará recibo e depois apresentará as respectivas facturas".
53. O levantamento do valor no banco pelo arguido BB ocorreu no período da manhã do dia 16 de Agosto.
# 4 – Recibo de €5.800,00
54. Em …/2012, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €5.800,00, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º … de 2012.
55. Este cheque foi descontado pelo arguido BB em …2012.
56. O arguido AA encontrava-se de férias nos …
, no período compreendido entre … e 8 … de 2012.
57. Por mensagem de correio electrónico datado de … de 2012, o arguido BB contactou a técnica JJ, no sentido de combinar com esta a entrega do valor destinado às despesas do projecto
# 5 – recibo de €6.100,00
58. Em /2013, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €6.100,0011, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º … de … 2012.
59. Este valor destinava-se à aquisição de tecidos para bordados e insumos para máquinas de costura no âmbito do projecto de ....
60. Este cheque foi descontado pelo arguido BB em …2013.
61. O arguido AA não esteve com a técnica JJ, aquando da passagem desta por …, a caminho de ....
# 6 – recibo de €2.690,00
62. O arguido BB não levantou o cheque a tempo de o entregar à técnica HH, a GG não dispunha de valores monetários para entregar à técnica.
63. O arguido AA disponibilizou-se em adiantar o valor a entregar à técnica, do seu próprio bolso, para desbloquear a situação.
64. Mais tarde, o valor viria a ser transferido pela GG para a conta pessoal do arguido AA.
65. Nesse mesmo dia ... de Dezembro de 2013, após um almoço no qual estiveram o arguido AA, HH, II (da "...), NN, JC e KK, do secretariado da GG, o arguido AA, juntamente com HH, II e a colega KK regressaram à GG.
C – Da alegada falsificação de planilhas e recibos.
66. Ao elaborar a "Informação Proposta" n.º … em …/2012, o arguido AA utilizou a planilha recebida conjuntamente com o Ofício … da Missão do ... em … junto à GG, de 8 de Novembro.
67. Este oficio foi deixado por CC na mesa do arguido AA, durante o período em que esteve ausente da GG (missão em …, de 2 a 11 de Novembro, internado com … na "…", de 11 a 16 Novembro, e em casa, de baixa, a recuperar, no período de 17 a 19 Novembro), para que este elaborasse, com a indicação de que deveria "dar seguimento conforme combinado e acordado no email do dia …/2012 para a ...".
68. O arguido, juntamente com a colega KK, solicitaram ao arquivo histórico da GG, a cópia do original do Ofício …, com a planilha em anexo, do qual não consta a verba dos €5.800,00.
69. Foi localizada no seu computador do arguido AA uma versão da planilha com os €5.800,00, com data posterior à da emissão do recibo.
70. A GG com uma periodicidade semestral, comunicava à "..., com conhecimento "cc" de todos os intervenientes no processo, uma informação detalhada do andamento do projecto, remetendo-lhes um relatório com as despesas e as receitas do projecto.
Factualidade relativa à inserção familiar, socioprofissional e antecedentes criminais do arguido AA.
71. Vive com os pais.
72. Vivem em casa arrendada pela qual pagam a renda mensal de €450,00.
73. Os pais estão reformados.
74. Não tem filhos.
75. Ganha a quantia mensal de €600,00 como retribuição da sua actividade laboral.
76. Como habilitações literárias tem licenciatura em ….
77. O arguido AA não tem qualquer registo criminal.
Factualidade relativa à inserção familiar, socioprofissional e antecedentes criminais do arguido BB.
78. Vive com companheira, um filho e um enteado, com 6 e 18 anos, respectivamente.
79. Vivem em casa própria adquirida com recurso a crédito bancário pelo qual pagam a quantia mensal de €236,00 a título de amortização do empréstimo bancário.
80. Ganha a quantia mensal de €2041,00 com retribuição da sua actividade laboral.
81. A companheira trabalha.
82. Como habilitações literárias tem licenciatura em …
83. O arguido BB tem o seguinte registo criminal:
- por sentença de 12/08/2013, transitada em julgado a 30/09/2013, proferida no processo 964/13.4PCSNT do Juiz 2 do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra do Tribunal Judicial da comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foi condenado na pena de 40 dias de multa, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., no artigo 292.º n.º 1 do Código Processo Penal, por factos ocorridos a 11/08/2013;
- esta pena de multa foi declarada extinta pelo pagamento;
- por sentença de 09/09/2016, transitada em julgado a 30/09/2016, proferida no processo 7279/15.1T9SNT do Juiz 2 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, foi condenado na pena de 80 dias de multa, pela prática de um crime de desobediência, p. e p., no artigo 348.º n.º 1 do Código Processo Penal, por factos ocorridos a 03/10/2013;
- esta pena de multa foi declarada extinta pelo pagamento.
Do pedido de indemnização cível da demandante GG.
84. A demandante GG, através do Técnico Oficial de Contas do seu Secretariado Executivo, começou por apurar, no quadro da verificação das contas do Projecto, a existência de uma divergência nas mesmas, mas naturalmente sem saber qual era a sua causa.
85. A demandante GG, que tem de prestar trimestral e anualmente contas aos ... acerca da execução do fundo especial, viu-se forçada a contratar a "...", para que lhe prestasse apoio no esclarecimento desta situação.
86. A "..." para apurar a causa da acima referida divergência, realizou, nomeadamente, entrevistas a colaboradores da demandante GG, do "..." e da "....
87. A "..." procedeu também à análise dos documentos tidos por relevantes.
88. A "..." coordenou ainda uma perícia grafológica ou grafotécnica.
89. E a "..." procedeu igualmente à análise de cópias forenses dos computadores dos demandados-arguidos BB e AA e de CC.
90. A demandante GG pagou à "...", pelos serviços que esta lhe prestou, no total, €48.952,02, que correspondem a:
- €12.853,50, nos termos da factura … de …/2017;
- €2.167,20, nos termos da factura … de …/2017;
- €14.128,32, nos termos da factura … de …/2018;
- €19.803,00, nos termos da factura … de /2018.
91. Os danos sofridos pela demandante GG perfazem um total de €74.942,02.
3.2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
De relevante para a discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação.
DOS PROCEDIMENTOS EM VIGOR
1. A seguir, o arguido BB deveria entregar esse dinheiro a AA, que, por sua vez, entregaria o dinheiro ao seu legítimo destinatário, contra a assinatura do respectivo recibo.
DOS FACTOS
2. No entanto, as representantes do "...", bem como a representante da "..., não receberam a totalidade dos valores em causa, nem assinaram os cinco recibos correspondentes. Assim:
3. No recibo #2 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de II se tratasse.
4. No recibo #3 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse.
5. No recibo #4 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse.
6. No recibo #5 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse.
7. No recibo #6 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de HH se tratasse.
8. Nas "Informação Proposta" refentes aos recibos #2 a #6 constavam valores que não se encontravam reflectidos nas planilhas (folhas de cálculo ou tabelas) enviadas pelo "...", mas que foram forjados pelo[s] arguidos, como suporte da emissão de cinco cheques, à ordem do arguido BB.
9. Já relativamente ao recibo #2 (com a pretensa assinatura de II), a representante do "...", II, não recebeu o dinheiro em causa, €6.900,00 (seis mil e novecentos euros).
10. Relativamente ao recibo #3, de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), JJ não recebeu o dinheiro e a assinatura que consta do recibo não foi por si realizada.
11. Relativamente ao recibo #4, de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), JJ não recebeu o dinheiro em causa nem apôs qualquer assinatura no recibo correspondente.
12. Relativamente ao recibo #5, no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), a representante do "...", JJ, não recebeu o dinheiro, nem assinou o recibo correspondente.
13. Relativamente ao recibo #6, no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), a representante da "..., HH, não recebeu o dinheiro nem assinou o recibo correspondente.
14. Porquanto, o arguido AA que, no âmbito deste Projecto, fazia efectivamente as entregas em numerário às representantes do "...", não lhes entregou as cinco parcelas supra-referidas.
15. Os arguidos em conluio simularam que a quantia de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros) era destinada ao Projecto.
16. E para justificar esses levantamentos, os arguidos alteraram as planilhas e elaboraram "Informação Proposta", para assim simular as entregas de dinheiro às representantes do "..." e "..., que se destinaria ao Projecto, pelo que emitiram cinco recibos correspondentes, #2 a #6.
17. Nesses recibos os arguidos fizeram por fazer constar uma assinatura, como se da assinatura das destinatárias da quantia se tratasse, a qual não foi por estas aposta, já que a correspondente quantia também não lhes foi entregue pelos arguidos.
18. Os arguidos apropriam-se da quantia de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros) para proveito próprio.
19. Agiram os arguidos AA e BB, de forma livre, deliberada e consciente, por acordo e em conjugação de esforços, pois pensaram e quiseram montar, como efectivamente montaram, um esquema fraudulento que consistiu em alterar planilhas e elaborar as "Informação Proposta", de forma a que pudessem fazer seu dinheiro da GG, fazendo crer que tal dinheiro seria destinado ao Projecto por aquela desenvolvido, e como se esse dinheiro tivesse sido entregue a pessoas envolvidas no referido Projecto, quando, na verdade, tal dinheiro não foi destinado ao Projecto nem foi entregue às referidas pessoas, antes tendo os arguidos AA e BB feito suas as quantias em causa, com as quais se enriqueceram, como era sua vontade.
20. Para tal os arguidos AA e BB decidiram, por um lado, alterar documentos previamente existentes, introduzindo nas planilhas os montantes a que se referem os recibos #2 a #6, usando-os seguidamente para tentar justificar (no que toca pelo menos à alteração da planilha) a diminuição patrimonial na GG, de, no total, €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros).
21. Destarte, alteraram os dados constantes das planilhas enviadas a CC e depois falsificaram os recibos com as assinaturas de II, JJ e HH, tendo forjado tais assinaturas nos recibos para justificar o suposto recebimento das quantias em causa, bem sabendo que as assinaturas daquelas eram um acto pessoal, que não estavam autorizados a fazer, e que os recebidos que emitiram não correspondiam a verdadeira disposição patrimonial a favor daquelas, servindo para encobrir a apropriação ilegítima do dinheiro que fizeram seu.
22. Com a sua conduta os arguidos causaram um prejuízo patrimonial à GG de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), montante com o qual se locupletaram.
23. Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Contestação do arguido AA.
A – Dos procedimentos gerais.
24. O procedimento normal passava por ser o arguido BB a entregar os valores directamente às técnicas, contra a entrega de um recibo comprovativo do recebimento.
25. Sendo que tais entregas de valores ocorreriam na presença, pelo menos, dos três, ou seja, do técnico do projecto, o técnico do "..." ou da "... que fazia escala em Lisboa, vindo do ..., para levar os valores destinados a suportar as actividades previstas para o projecto, e o tesoureiro, que no acto entregava o valor, em dinheiro.
26. Sempre que, por qualquer outra ocorrência, tal não acontecia, o tesoureiro entregava o dinheiro ao técnico do projecto (o arguido AA) e este assinava um recibo respeitante ao recebimento desse valor.
27. Quando a técnica do "..." ou da "... chegava a Portugal, deslocava-se à GG e era-lhe entregue o dinheiro, contra a assinatura do recibo, já previamente elaborado pelo tesoureiro.
28. Caso o gestor do projecto não estivesse na altura na GG, cabia ao tesoureiro receber os técnicos e entregar o dinheiro, contra a elaboração do recibo do recebimento, que deveria recolher destes, deviamente assinado.
B – Dos valores:
#2 – recibo de €6.900,00
29. O recibo assinado pela técnica e comprovativo do recebimento deste valor está datado de …2012.
# 3 - Recibo de €4.500,00
30. Antes de saírem para o almoço, o arguido AA chamou o arguido BB, que lhe entregou o dinheiro, que este entregou de imediato à técnica, que se encontrava em sala, juntamente com a chefe de gabinete LL, contra a assinatura do recibo respectivo.
# 4 – Recibo de €5.800,00
31. JJ respondeu ao arguido BB que chegaria a …, a …/2012, pelo que passaria pelas instalações da GG para receber o dinheiro.
32. O arguido AA não foi interveniente na elaboração do recibo assinado por JJ.
# 6 – recibo de €2.690,00
33. No dia … 2013, o arguido AA chamou o arguido BB, que desceu à sala das visitas, trazendo em numerário €2.690,00, bem como €1.095,43, outro valor referente a ajudas de custo destinadas a HH.
34. Foi o arguido BB que trouxe ambos os valores, assim como os recibos respectivos, por si elaborados, que foram entregues e assinados por HH,
C – Da alegada falsificação de planilhas e recibos.
35. O arguido AA não alterou a planilha original
3.2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão de facto teve por base quanto à questão da culpabilidade teve por base, em primeiro lugar, a prova documental e a prova pericial, a seguir elencada.
Documental:
- Documentos/recibos de fls. 26-30, 156-160, 167-171;
- Cheques de fls. 31-40;
- Elementos bancários de fls. 111 verso a 112 verso, 147-149; 369-371; 378-491; 495-868;
- Documentos de fls. 235-240 juntos por KK em sede de inquérito referente a discrepância documental referente à nota verbal n.º … com despacho de CC anexa a planilha onde consta o valor de €5800,00 e a documentação arquivada na GG onde consta a nota verbal n.º 199 sem o despacho de CC e na planilha anexa não consta o valor de €5800,00.
Facturas da "..." de fls. 1202-1205.
Apenso I - atestados de incapacidade temporárias do arguido AA referente aos períodos de …/2012 a …/2012 e de …/2012 a …/2012 de fls. 16-17.
Foram, ainda, considerados os CRC dos arguidos.
Pericial:
- Relatório pericial de escrita manual do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária de fls. 997-1000 que concluiu:
“A qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto das escritas suspeitas das assinaturas dos Grupos I (assinaturas referentes ao nome JJ), II (assinaturas referentes ao nome II) e III (assinaturas referentes ao nome HH) e os autógrafos de JJ, II e HH, respectivamente, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos. Conforme referido em Nota, não foi possível realizar as análises periciais comparativas das escritas dos Grupos I, II e III e a dos autógrafos de BB e de AA”.
Refira-se que nesta perícia foram efectuadas com os autógrafos dos arguidos e reproduções de documentos onde constam as assinaturas de JJ, II e HH.
- Relatório pericial de escrita manual do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária de fls. 1116 que concluiu:
“A escrita suspeita da assinatura aposta no recibo de fls. 160, foi analisado no Relatório de exame (…), onde em "Nota" apresentamos as limitações à respectiva análise, a assinatura suspeita do Grupo III (assinaturas referentes ao nome HH) apresenta reduzida extensão, traçado maioritariamente ilegível com poucas formas definidas e apostas sob um carimbo, que dificultou a visualização das características em análise. Face às limitações já referenciadas as novas recolhas de autógrafos a HH não colmataram as limitações acima referidas, mantendo-se assim a conclusão do anterior exame”.
Estes elementos de prova, permitem concluir que os recibos denominados #1 a #6 existem e foram emitidos. E, ainda, que o material constante das assinaturas existentes nos recibos é insuficiente para permitir resultados conclusivos no exame à letra e assinatura quer comparada com a letra e assinatura dos arguidos quer com a letra e assinatura de HH.
O exame à letra e assinatura executado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária colocou em causa os resultados obtidos no exame efectuado a pedido da "...".
O que implica que não se pode afirmar nem negar que as assinaturas foram efectuadas por JJ, II e HH.
Por outro lado, não se pode afirmar ou negar que as assinaturas tenham sido efectuadas pelos arguidos.
Face a estes meios de prova, apenas se pode concluir que não se apurou oquem foi o autor ou autores dessas assinaturas.
Assim sendo, uma das questões fulcrais do objecto processual fica sem solução indubitável.
A outra questão fulcral do objecto processual consiste em saber se as quantias que constam nos recibos #2 a #6 foram entregues às representantes do "..." - JJ e II – e à representante da "... - HH.
Qual o destino dessas quantias depois de terem sido levantadas pelo arguido BB ou adiantada pelo arguido AA.
As declarações dos arguidos não são consonantes o arguido BB afirma que entregou o numerário ao arguido AA, este afirma que a responsabilidade pela entrega do numerário cabia ao arguido BB. Independentemente, da responsabilidade pelas entregas, ambos afirmam que as quantias em causa foram entregues aos destinatários – JJ, II e HH.
As testemunhas JJ e II prestaram depoimento afirmando que não receberam as quantias em causa nem assinaram os recibos.
Face às discrepâncias entre as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas JJ e HH fica instalada uma forte dúvida sobre o destino das quantias em causa. Existem duas soluções possíveis. Uma: os arguidos apropriaram-se das quantias em causa. Outra: as quantias foram entregues às destinatárias.
Esta dúvida não é sanada pelo depoimento de outras testemunhas, funcionárias da GG que poderiam ter presenciado as entregas ou terem efectuado entregas.
A testemunha DD chefe da tesouraria do Secretariado Executivo da GG, a qual levantou o primeiro cheque e pediu um recibo ao colega que procedeu à entrega da quantia em ..., nas férias do arguido BB ficou encarregada do Cofre, tendo feito a contagem do dinheiro que nele se encontrava e só existia o fundo de maneio no valor de cerca €800,00.
A testemunha FF foi coordenadora da direcção administrativa e financeira da GG, teve conhecimento que o Projecto não podia ser encerrado por não existir documentos de suporte para uma determinada verba. Perante si HH negou ter recebido a verba constante do recibo. Nunca teve acesso ao cofre e nem teve numerário consigo.
A testemunha LL funcionária da GG até Janeiro de 2017, afirmou não se recordar de JJ, não tendo almoçado com esta em Agosto de 2012.
A testemunha KK assistente da organização internacional da GG referiu que, em Agosto de 2012, almoçou com o arguido AA e JJ, mas não assistiu à entrega do dinheiro.
Em Dezembro de 2013, HH em trânsito para ... fez escala em … para receber dinheiro, assistiu ao arguido AA entregar um envelope a HH, tendo esta assinado recibos.
Enfim, perante estes depoimentos não é possível afirmar com a certeza exigível que foram feitas entregas do numerário referido nos recibos denominados #2 a #6, nem que os recibos assinados tenha sido algum destes recibos.
Quanto à prova da restante factualidade fundou-se nas declarações dos arguidos, os quais com excepção das entregas de numerário, elaboração e assinatura dos recibos em causa, esclareceram os procedimentos genéricos adoptados na GG, sobretudo quanto ao acompanhamento de projectos financiados.
Estas declarações foram com os depoimentos das testemunhas OO – assessor jurídico do Secretariado Executivo da GG acompanhou o processo desde a auditoria da "..." e esclareceu os procedimentos genéricos existentes na organização da GG –, PP – foi auditor interno da GG por ausência de justificação das despesas referentes aos pagamento dos recibos em causa, sugeriu a intervenção da "..." –, CC – director da … da GG explicou a forma como se processava a execução dos projectos financiados pela GG, referiu que não é o autor das planilhas alteradas que foram encontradas no seu computador, e, ainda, que foi sugerido que fosse efectuado o pagamento em mão à entidade executora do Projecto de … –, EE – tem contrato de prestação de serviços de contabilidade com a GG, esclareceu que com a prestação de contas do Projecto de … foi detectada falta de documentação de suporte da quantia de cerca €31.000,00, posteriormente foi apresentado documentação de suporte para a quantia de €6000,00.
Todas as restantes testemunhas inquiridas não demonstraram ter conhecimento directo sobre os factos objecto do processo, razão pela qual não foram considerados.
Em suma, a prova produzida é manifestamente insuficiente para afirmar que os arguidos se apropriaram das quantias em causa.
Assim sendo, em homenagem ao princípio in dubio pro reo não foi possível formar a convicção segura sobre as questões fulcrais da entrega das quantias em causa e sobre o autor das assinaturas constantes dos recibos denominados #2 a #6.”.
3. Apreciação do mérito dos recursos.
Cumpre agora conhecer as questões/pretensões recursivas suscitadas pelos Recorrentes e acima assinaladas (em II.1. deste Acórdão), observando-se uma ordem lógica de conhecimento e procedendo-se, quando tal se justifique, a uma análise conjunta de algumas dessas questões.
3.1. Nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Uma das questões suscitadas pelo recorrente Ministério Público é a que se prende com a nulidade da sentença por falta de fundamentação (analisada conjuntamente com o erro de julgamento, por referência a vários factos não provados) – Conclusões IV a VII.
Sucintamente, entende o Recorrente (MºPº) que a sentença não se pronunciou (não teve em conta) sobre dois elementos probatórios existentes no processo (o documento elaborado pela ..., por um lado, e os depoimentos das testemunhas JJ, II e HH, por outro lado), que se revelam fulcrais para a prova de determinados factos em julgamento, escusando-se assim a indicar e examinar criticamente as provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.º 379º, nº 1, com referência ao art.º 374º, nº 2, ambos do CPP).
O Recorrido AA, por seu turno, defende que o Tribunal a quo se pronunciou na sentença sobre todas as questões de que deveria ter-se pronunciado.
O art.º 379º do CPP estabelece um regime especial de nulidades, com aplicação exclusiva a sentenças (e acórdãos), não se confundindo com o regime de nulidades (processuais) previsto nos arts. 118º a 122º do CPP (no primeiro regime estão em causa nulidades da própria decisão, i.e., relativas ao conteúdo da decisão ou tomando em consideração a decisão como acto [errores in iudicando]; no segundo regime, estão em causa vícios relativos aos trâmites processuais [errores in procedendo]), embora exista semelhança quanto às consequências nos dois regimes (mas divergindo, por exemplo, quanto ao modo de conhecimento, visto que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso – art.º 379º, nº 2, do CPP).
O regime especial de nulidades da sentença (e acórdão) também não se confunde com o regime de recursos, quando está em causa a invocação de erros de julgamento (nomeadamente, quando se invoca os vícios a que alude o art.º 410º, nº 2, do CPP ou quando se impugna a matéria de facto fixada na decisão recorrida nos termos do art.º 412º do CPP), sendo certo que a verificação dos apontados erros não determina a nulidade da sentença (ou acórdão).
A previsão de um regime especial de nulidades da sentença (e acórdão) relaciona-se directamente com a gravidade da violação do dever de fundamentação imposto pela Constituição e pela Lei, impondo tal dever que os actos decisórios sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão (art.º 205º, nº 1, da CRP e art.º 97º, nº 5, do CPP).
De acordo com o art.º 379º, nº 1, al. a), em articulação com o art.º 374º, nºs 2 e 3, al. b), ambos do CPP, são causas de nulidade da sentença: a omissão da enumeração dos factos provados e não provados; a falta de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão; a falta de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal; e a falta de decisão condenatória ou absolutória.
A nulidade acarreta a invalidade do acto em que se verifica, bem como a de todos aqueles que pela mesma possam ser afectados, tendo, por isso mesmo, que ser repetidos. O Recorrente (MºPº) invoca a nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação, na vertente da falta de indicação e exame crítico das provas.
A imposição legal (art.º 374º, nº 2, do CPP) da indicação e exame crítico das provas decorre da necessidade de potenciar a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao teor da decisão criminal e de garantir a observância e respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção, servindo de garante a um processo equitativo.
O exame crítico da prova reveste especial relevo já que é aí que o tribunal explica a convicção adquirida e qual o caminho percorrido para a atingir.
Com efeito, a citada previsão legal impõe ao dominus do processo que individualize as razões objectivas e a base racional que levou à convicção exprimida na factualidade provada e/ou não provada e bem assim os motivos que subjazem à valoração e credibilidade atribuída aos meios de prova disponíveis.
Como é bom de ver, o exame crítico só será suficiente quando exteriorize cabalmente o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada, não se confundindo com a simples enumeração dos meios probatórios ou sequer com a descrição – mais ou menos alargada – do seu conteúdo.
Mas, para tanto, o julgador não necessita de realizar exposições doutrinárias, citações jurisprudenciais ou sequer descrever (por súmula ou desenvolvidamente) o teor de cada uma das provas produzidas (i.e., a fundamentação decisória não tem de preencher uma extensão épica).
Basta que exprima com clareza e rigor as circunstâncias que determinaram a opção efectuada, tornando perceptível aos intervenientes processuais (destinatários directos) e aos cidadãos em geral (que sobre o julgado exercem um controlo indirecto) as razões da sua íntima convicção e as provas que a sustentam, seja por si só ou em conjugação com as regras de experiência e normalidade de acontecer, devendo neste caso explicitar-se o respectivo âmbito de actuação.
Como bem se compreende, essa tarefa comporta diferentes graus de complexidade, conforme as circunstâncias do caso, a amplitude e a unanimidade ou divergência da prova produzida.
Deste modo, haverá nulidade quando perante as circunstâncias do caso, a fundamentação da convicção do tribunal for insuficiente para efectuar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado, ou seja, para se perceber as razões que sustentam tal decisão. E não haverá nulidade quando a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (cfr. Ac. RP, de 14/06/2023; relatora: Maria Deolinda Dionísio; e Ac. STJ, de 27/05/2009; relator: Pires da Graça; ambos em www.dgsi.pt).
Salienta-se, no entanto, a distinção, há muito sedimentada na doutrina e na jurisprudência, entre a falta de fundamentação e a insuficiência de fundamentação.
A falta de fundamentação da decisão de facto determina, sem mais, a nulidade da sentença (ou acórdão).
A insuficiência da motivação da decisão de facto representará uma deficiência que, não recaindo num qualquer erro notório na apreciação da prova, ou não assumindo uma gravidade tal que possa ser equiparável a uma autêntica falta de fundamentação (como seria o caso de a motivação da decisão de facto ser puramente genérica e abstracta, sem qualquer referência concreta aos meios de prova, nem produzindo sobre eles qualquer exame crítico concreto), só poderá, em princípio, ser atacada por via da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
De facto, a nulidade decorrente da não observância do preceituado no art.º 374º do CPP só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que, através dele, o tribunal a quo chegou (cfr. Ac. RG, de 23/03/2015; relator: Fernando Monterroso; in www.dgsi.pt). Voltando ao caso dos autos.
A insuficiência da fundamentação, na vertente da falta de indicação e exame crítico das provas, que o Recorrente (MºPº) imputa à decisão recorrida, surge reportada, na alegação recursiva, a duas questões factuais que se revelam importantes no contexto do objecto do processo: a alteração das planilhas e as assinaturas dos recibos #2 a #6.
No que respeita à alteração das planilhas (folhas de cálculo ou tabelas – cfr. ponto 25 da acusação), cumpre referir que a motivação da decisão recorrida está longe de cumprir cabalmente o preceituado no art.º 374º do CPP.
De facto, as referências expressa às planilhas na motivação (e os arguidos encontravam-se acusados/pronunciados de alterar várias planilhas enviadas pelo ... à GG) surge a propósito da análise dos «documentos de fls. 235-240» e a propósito do depoimento da testemunha CC (“referiu que não é o autor das planilhas alteradas que foram encontradas no seu computador”), i.e., sem analisar cabalmente a questão da adulteração das planilhas que pudessem ser utilizadas como suporte das transacções (nomeadamente, na sua relação com o teor das “Informações Propostas (IP)”).
Contudo, na medida em que a motivação refere que a «restante factualidade» (onde se incluirá a questão das planilhas, visto antes não ter sido abordada) se fundou nas declarações dos arguidos e de várias testemunhas, concluindo que “a prova produzida é manifestamente insuficiente para afirmar que os arguidos se apropriaram das quantias em causa”, entende-se não existir falta de fundamentação que provoque a nulidade da sentença, mas tão só insuficiência da fundamentação, a valorar, como se verá, em sede de averiguação de erro de julgamento e inerente impugnação da decisão sobre a matéria de facto (plano onde, de resto, o Recorrente [MºPº] também coloca a questão).
No que respeita às assinaturas dos recibos #2 a #6, a referência a meios de prova na motivação está relacionada com o resultado da perícia (i.e., a decisão recorrida limita-se a concluir, em face do resultado da perícia, não se ter apurado quem foi o autor ou autores dessas assinaturas, como se não fosse possível, em abstracto, demonstrar tal autoria através de outras provas), faltando o cabal exame crítico de outras provas (nomeadamente, de carácter indiciário) susceptíveis (ou não) de demonstrar a autoria das referidas assinaturas.
Contudo, também aqui, entende-se não existir falta de fundamentação que provoque a nulidade da sentença, mas tão só insuficiência da fundamentação, a valorar, como se verá, em sede de averiguação de erro de julgamento e inerente impugnação da decisão sobre a matéria de facto (plano onde, de resto, o Recorrente [MºPº] também coloca a questão).
Assim, nesta parte, improcede o recurso do Ministério Público.
3.2. Impugnação da matéria de facto.
Insurgem-se ambos os Recorrentes (Ministério Público e assistente/demandante GG) contra a decisão da matéria de facto nas respectivas motivações do recurso.
Os poderes de cognição deste Tribunal abrangem a matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 428º do Código Processo Penal (CPP).
Como se sabe, a forma e a extensão com que a impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso assume duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto.
Na primeira modalidade (revista alargada ou impugnação restrita), está em causa a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410º, nº 2, do CPP, fazendo-se o escrutínio da decisão recorrida sem extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios (traduzidos em falha, erro, omissão ou contradição) somente podem ser verificados em face do teor da decisão, «por si só ou conjugada com as regras de experiência comum», posto que não é admissível a valoração de elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação das provas produzidas em audiência de julgamento).
Neste caso, o recorrente não tem mais que invocar a existência dos mencionados vícios (se o recurso apenas tiver como objecto tais vícios, os mesmos têm de ser invocados, sob pena de ausência de objecto; se o recurso tiver como objecto outro fundamento, tal invocação nem sequer é essencial), impondo-se ao tribunal, por dever de ofício, deles conhecer (pois que são os vícios extremos, em absoluto não tolerados pela ordem jurídica), desde que os mesmos sejam patentes e resultem da simples leitura da decisão recorrida.
Na segunda modalidade (impugnação ampla), prevista no art.º 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, está em causa uma reapreciação da decisão recorrida não restringida ao texto da decisão, mas através das provas que esta também apreciou e, consequentemente, a formulação de um juízo crítico autónomo pelo tribunal de recurso sobre a factualidade que deve ser dada como provada e não provada.
Cabem aqui todos os casos de erro (não notório) na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto. Entram neste campo o error in judicando (erro de julgamento), no qual se inclui o erro na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de prova documental, erros que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação. Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica.
Neste caso, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP. Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Em consonância, o art.º 431º, al. b), do CPP estabelece que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art.º 412º.
O recorrente tem, assim, o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio (jurídico) para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Quer dizer, não obstante as mudanças que o sistema de recursos foi sofrendo nas sucessivas alterações legislativas (em cumprimento da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto), o princípio estruturante do Código de Processo Penal permanece intocado: o verdadeiro julgamento é o da primeira instância e a apreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação é limitada (servindo a imposição de impugnação especificada como contrapartida da ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância).
No cumprimento da imposição de impugnação especificada, a censura quanto ao modo de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção. Doutra forma ocorreria uma inversão de posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão (cfr. Acs. STJ, de 05/06/2008, proc. 06P3649, de 14-05-2009, proc. 1182/06.3PAALM.S1, de 29-10-2008, proc. 07P1016, e de 20-11-2008, proc. 08P3269; Ac. RC, de 24/02/2010, proc. .../06.0GBSTR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt; Cfr. Ac. TC nº 198/2004, de 24/03/2004, in DR, II S, de 01/06/2004; Cfr. Paulo Pinto Albuquerque, «Comentário do Código de Processo Penal», Vol. II, 2023, anotações ao art.º 412º, pags. 676 e ss., e ao art.º 428º, pags. 713 e ss.; cfr. João Pedro Baptista/Sérgio Maia Tavares Marques, “O recurso do arguido sobre a matéria de facto no processo penal português e o critério da imposição de decisão diversa da recorrida. Estudo à luz dos princípios in dúbio pro reo e da culpa provada, na Constituição e no Direito da União Europeia.”, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade», Volume I, 2023, pags. 1001 e ss.). Nos recursos dos presentes autos, a impugnação da matéria de facto incluiu as duas formas acima referidas (impugnação restrita e impugnação ampla), impondo-se, assim, a respectiva apreciação, o que se fará de seguida e de modo autónomo.
3.2.1. Da impugnação restrita da matéria de facto.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto não pode extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios (traduzidos em falha, erro, omissão ou contradição) somente podem ser verificados em face do teor da decisão, «por si só ou conjugada com as regras de experiência comum», posto que não é admissível a valoração de elementos externos à decisão (nomeadamente, a avaliação das provas produzidas em audiência de julgamento).
Quer dizer, não há aqui uma reapreciação da decisão de facto pelas provas (típica da impugnação ampla), mas uma (mera) sindicância da fundamentação da decisão recorrida, pedindo-se ao tribunal de recurso que sindique a convicção do tribunal a quo, para aferir se ela existiu (se observou as regras de construção do silogismo judiciário) ou, dito doutro modo, se não padece dos vícios decisórios previstos no art.º 410º, nº 2, do CPP:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
No que respeita ao vício de «contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão» (referido nas conclusões 6ª e 8ª), o mesmo existe sempre que do texto da decisão recorrida resulte que um mesmo facto seja julgado provado e não provado, quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si e que mutuamente se excluem, ou quando do conteúdo da decisão recorrida seja de concluir que a fundamentação nela exposta determina necessariamente conclusão oposta àquela que aí foi acolhida. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.
O recorrente Ministério Público aponta como primeira contradição insanável da fundamentação a que existe entre os factos provados nºs 22, 23 e 24 e o facto não provado nº 2, alegando, em síntese, ter ficado provado que as assinaturas apostas nos recibos não pertencem a três pessoas (donde logicamente se infere que tais pessoas não fizeram tais assinaturas) e ter ficado não provado que essas mesmas pessoas não assinaram os recibos.
Admite-se que a construção fáctica adoptada pela decisão recorrida não se apresenta, à partida, de fácil compreensão, visto que a questão das assinaturas integra factos provados (nºs 22, 23 e 24) e não provados (nº 2).
Contudo, em nosso entender, não existe qualquer contradição (insanável) entre tal factualidade.
Como é sabido, um facto não provado não passa disso, de um facto não provado. Não é a prova do contrário (não podemos extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado). É, tão-só, um não facto.
Assim, quando a decisão recorrida considera não provado que as representantes do “...” e as representantes da “...” não assinaram os recibos correspondentes (facto não provado nº 2, tendo como base a matéria factual vertida no art.º 12º da acusação/pronúncia), não se pode concluir (i.e., considerar provado) que as referidas representantes assinaram tais recibos.
De igual modo, quando a decisão recorrida considera não provado que os arguidos fizeram por apor assinaturas em tais recibos (factos não provados nºs 3 a 7, tendo como base a matéria factual vertida nos arts. 16º, 18º, 20º, 22º e 24º da acusação/pronúncia), não se pode concluir (i.e., considerar provado) que os arguidos não fizeram por apor tais assinaturas (e a motivação da decisão recorrida refere que não se pode afirmar ou negar que as assinaturas tenham sido efectuadas pelos arguidos, ainda que tal conclusão hipervalorize o resultado das perícias, como à frente será analisado).
Logo, estando os factos provados nºs 22, 23 e 24 (cuja base é constituída pela matéria factual vertida nos arts. 16º, 18º e 20º da acusação/pronúncia) relacionados com a atribuição aos arguidos da autoria das assinaturas (fizeram por apor tais assinaturas), esses factos são perfeitamente compatíveis com a ausência de conclusão (acima referida) no sentido de que os arguidos não são os autores de tais assinaturas.
Analisando agora os mesmos factos na perspectiva da autoria das assinaturas pelas representantes acima identificadas, entendemos que o teor dos factos provados nºs 22, 23 e 24 não permitem concluir, sem qualquer dúvida, que as referidas assinaturas não foram apostas pelas mencionadas representantes (traduzindo tais factos meros indícios de tal realidade e, nessa medida, até se poderia defender ser dispensável a inclusão dos mesmos no elenco dos factos provados, em face da dificuldade que aportam à compreensão da construção fáctica de decisão, como já foi referido).
Quer dizer, os factos provados nºs 22, 23 e 24 e o facto provado não provado nº 2 expressam não se poder afirmar nem negar que as assinaturas foram efectuadas pelas mencionadas representantes (conforme é referido na motivação, ainda que tal conclusão hipervalorize o resultado das perícias, como à frente será analisado).
Assim, nesta parte, improcede o recurso do Ministério Público.
O recorrente Ministério Público aponta como segunda contradição insanável da fundamentação a que existe entre os factos provados nºs 7, 66, 68 e 69 e os factos não provados nºs 8 e 16 (pelo menos no que respeita ao arguido AA e ao recibo #4), alegando, em síntese, que, perante os referidos factos provados, os também referidos factos não provados mostram-se contraditórios com aqueles, devendo ser dado como provado que o arguido AA alterou a planilha oficial, introduzindo o valor de €5.800,00, e depois elaborou a Informação Proposta correspondente, com introdução do mesmo valor, para assim simular a necessidade de entrega do dinheiro por parte da GG e vir ele próprio a receber tal quantia.
Se bem percebemos a motivação da decisão recorrida (e acima já referimos que, no que respeita à alteração das planilhas, a motivação da decisão recorrida está longe de cumprir cabalmente o preceituado no art.º 374º do CPP) o tribunal a quo não teve dúvidas da existência de alteração da planilha referente ao recibo #4 (referindo a discrepância documental evidenciada pelos documentos de fls. 235 a 240 dos autos – nota verbal nº 199), mas já teve dúvidas quanto à atribuição da autoria de tal alteração ao arguido AA.
Quer dizer, na perspectiva da decisão recorrida, apesar de o arguido AA proceder à elaboração das “Informações Propostas” (incluindo a “Informação Proposta” nº 239) com base em “planilhas” e ter elaborado a referida informação com base numa planilha que provou ter sido alterada (factos provados nºs 7, 66 e 68), não se logrou provar que tal alteração tenha sido feita pelo arguido ou que tenha sido feita pelo arguido com a intenção de obter um quantia que não lhe pertencia (valorando-se em demasia, segundo cremos, a circunstância de o Ofício 199 ter sido deixado na mesa do arguido AA – facto provado nº 67 –, e não se valorando devidamente a circunstância de ter sido encontrada no computador do arguido uma versão adulterada da planilha – facto provado nº 69 – e, mais importante, que foi o arguido que elaborou a “Informação Proposta” que permitiu a apropriação ilícita da quantia monetária em causa).
Trata-se, assim, de uma questão probatória, a analisar à frente, não existindo, em nosso entender, qualquer contradição (insanável) entre tal factualidade.
Assim, nesta parte, improcede o recurso do Ministério Público.
O recorrente Ministério Público aponta como terceira contradição insanável, agora entre a fundamentação e a decisão a que consiste em não ter sido retirada a devida conclusão jurídica dos factos que foram dados como provados sob os 7, 66, 68 e 69, i.e., estes factos provados impunham a condenação do arguido AA pelos crimes de falsificação e de burla relativamente ao valor que originou a emissão do recibo de €5.800,00 (o recibo #4).
A questão agora em análise está relacionada com a questão atrás analisada (segunda contradição insanável apontada pelo recorrente Ministério Público), na medida em que está igualmente em causa a autoria da alteração da planilha referente ao recibo #4 (não havendo dúvidas para o tribunal a quo que houve alteração de tal planilha).
Como já foi referido, na perspectiva da decisão recorrida, apesar de o arguido AA proceder à elaboração das “Informações Propostas” (incluindo a “Informação Proposta” nº 239) com base em “planilhas” e ter elaborado a referida informação com base numa planilha que provou ter sido alterada (factos provados nºs 7, 66 e 68), não se logrou provar que tal alteração tenha sido feita pelo arguido ou que tenha sido feita pelo arguido com a intenção de obter um quantia que não lhe pertencia (valorando-se em demasia, segundo cremos, a circunstância de o Ofício 199 ter sido deixado na mesa do arguido AA – facto provado nº 67 –, e não se valorando devidamente a circunstância de ter sido encontrada no computador do arguido uma versão adulterada da planilha – facto provado nº 69 – e, mais importante, que foi o arguido que elaborou a “Informação Proposta” que permitiu a apropriação ilícita da quantia monetária em causa).
Trata-se, assim, de uma questão probatória, a analisar à frente, não existindo, em nosso entender, qualquer contradição (insanável) entre a fundamentação e a decisão.
Assim, nesta parte, improcede o recurso do Ministério Público.
3.2.2. Da impugnação ampla da matéria de facto.
Como já referido, a sindicância da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, implica a reapreciação da decisão de facto pelas provas, não havendo uma mera sindicância da fundamentação da decisão recorrida (típica da impugnação restrita).
A sindicância de um juízo sobre a prova – ou seja, a sindicância de uma convicção alheia, do juiz de julgamento – só se concretiza reapreciando a mesma prova, pois só esta desempenha as funções de mediação entre o facto e o juiz (cfr. Ana Barata Brito, “Os poderes de cognição das Relações em matéria de facto em processo penal”, in www.tre.tribunais.org.pt).
Assim, a reapreciação da decisão de facto pelas provas envolve necessariamente uma nova apreciação das provas produzidas e a emissão de um novo juízo em matéria de facto (pedindo-se ao tribunal de recurso que sindique a convicção alheia, para perceber se, perante as provas produzidas, essa era a convicção probatória correcta e que se impunha existir, não constituindo óbice relevante para alcançar tal desiderato a circunstância de o tribunal de recurso não ter podido intervir no processo de produção de algumas das provas), embora rigorosamente restrito aos pontos questionados pelo recorrente.
Neste caso, como já referido, o recorrente tem de obedecer, na motivação de recurso, a um conjunto de requisitos pormenorizadamente regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve obrigatoriamente especificar (desconsiderando aqui a questão da renovação da prova, que não se coloca no caso em apreciação): (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida, devendo esta segunda especificação ser feita, no caso de prova gravada, por referência ao consignado na acta, com indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Tal ónus (de impugnação especificada) tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo o recorrente indicar, em relação a cada facto, as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referir qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Este ónus cumpre, assim, a dupla função de definição da extensão da dissidência do recorrente relativamente à decisão recorrida e de delimitação dos poderes cognitivos do tribunal de recurso. Uma vez observados pelo recorrente os requisitos previstos no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP (e, no caso dos autos, os Recorrentes deram cumprimento a tais requisitos, como se verá), o tribunal de recurso tem de averiguar se as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis, impõem uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tais provas impõem uma versão factual diversa daquela dada como provada na decisão recorrida).
Como é referido no Ac. STJ, de 30/11/2006 (relator: Pereira Madeira; in www.dgsi.pt), “em sede de conhecimento do recurso da matéria de facto, impõe-se que a Relação se posicione como tribunal efectivamente interveniente no processo de formação da convicção, assumindo um reclamado «exercício crítico substitutivo», que implica a sobreposição, ou mesmo, se for caso disso, a substituição, com assento nas provas indicadas pelos recorrente, da convicção adquirida pela 1.ª instância pela do tribunal de recurso, sobre todos e cada um daqueles factos impugnados, individualmente considerados, em vez de se ficar por uma mera atitude de observação aparentemente externa ao julgamento. No caso dos autos, a análise da prova carreada para os autos, dentro dos limites da impugnação ampla da matéria de facto levada a cabo pelos Recorrentes (especialmente da assistente/demandante GG, que deu cabal cumprimento ao ónus de impugnação especificada acima referido), revela claramente, em nosso entender, a insustentabilidade da versão factual dada como provada e não provada na decisão recorrida, decorrente da existência de erro de julgamento (omissão de ponderação de provas e/ou incorrecta valoração da prova).
Quer dizer, a impugnação ampla da matéria de facto levada a cabo pelos Recorrentes (indicando as provas e desenvolvendo argumentação crítica sobre as mesmas, com especial destaque para a proficiente motivação da assistente/demandante GG) impõe uma modificação da decisão recorrida, em termos de fazer prevalecer uma versão factual diferente daquela que o tribunal recorrido considerou provada (e não provada).
Em suma, os recursos do MºPº e da assistente/demandante GG devem ser providos, proferindo esta Relação (no âmbito dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto) decisão substitutiva da que foi proferida pelo tribunal recorrido (cfr. art.º 431º do CPP).
É esta a conclusão de carácter geral alcançada por esta Relação, em apreciação dos recursos em análise, cumprindo agora concretizar os motivos que levaram a tal conclusão.
A) A acusação/pronúncia imputa aos arguidos AA e BB uma conduta traduzida na montagem de um esquema fraudulento tendo em vista a apropriação de dinheiro pertencente à GG e que era destinado ao desenvolvimento de um Projecto por esta entidade (projecto financiado pelo fundo especial de “... em ...”, tendo como financiador a ... e tendo o ... como responsável pela execução do projecto).
Assim, de acordo com a acusação/pronúncia, os arguidos, actuando por acordo e em conjugação de esforços, em execução do referido esquema frauludento, alteraram planilhas e elaboraram IPs, de forma a que pudessem fazer seu dinheiro da GG, fazendo crer que tal dinheiro era destinado ao Projecto por aquela desenvolvido (a GG [Secretariado Executivo] destinou, entre outras, seis entregas de dinheiro para suportar despesas do ..., no âmbito do Projecto), e como se esse dinheiro tivesse sido entregue a pessoas envolvidas no referido Projecto, quando, na verdade, tal dinheiro não foi destinado ao Projecto nem foi entregue às referidas pessoas, antes tendo os arguidos feito suas as quantias em causa, no total de €25.990,00, com as quais se enriqueceram, como era sua vontade.
De acordo com a acusação/pronúncia, os arguidos alteraram os dados constantes das planilhas, para justificar as quantias que deviam ser entregues, e forjaram as assinaturas de três pessoas nos recibos (II, JJ e HH), para justificar o suposto recebimento por estas pessoas das quantias em causa, assim encobrindo a apropriação ilegítima de dinheiro que levaram a cabo, causando um prejuízo patrimonial à GG no montante de €25.990,00.
A sentença (decisão recorrida), dando como provada parte relevante da matéria factual descrita na acusação/pronúncia, nomeadamente, que as quantias monetárias que constam dos recibos #2 a #6 (no total de €25.990,00) saíram da esfera jurídica da GG e que tais recibos existem (foram emitidos), deu como não provada a matéria relativa à adulteração de documentos e à apropriação do dinheiro pelos arguidos, referindo, na motivação da decisão de facto, além do mais, o seguinte:
“Em suma, a prova produzida é manifestamente insuficiente para afirmar que os arguidos se apropriaram das quantias em causa. Assim sendo, em homenagem ao princípio in dubio pro reo não foi possível formar a convicção segura sobre as questões fulcrais da entrega das quantias em causa e sobre o autor das assinaturas constantes dos recibos denominados #2 a #6.”.
A assistente/demandante GG, após afirmar ser manifesto, em face da prova produzida e à luz das regras da experiência comum, que os arguidos/recorridos se apropriaram do valor em causa nos autos (€25.990,00, que corresponde à soma de cinco valores parcelares), no âmbito de um esquema fraudulento, em que actuaram de forma concertada, identifica dez erros de julgamento (números 2 a 11 do ponto IV da motivação - «Recurso quanto à matéria de facto»), com menção dos concretos prontos de facto incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
O Ministério Público identifica erros de julgamento, no que respeita à alteração das planilhas e às assinaturas dos recibos #2 a #6.
O arguido/recorrido AA defende a manutenção da decisão recorrida, louvando-se na fundamentação aí aduzida.
B) A demonstração da existência do esquema fraudulento montando pelos arguidos, tendo em vista a apropriação de dinheiro pertencente à GG, resulta, desde logo, da ponderação de vários indícios existentes nos autos.
São frequentes as situações de ausência de prova directa quanto aos factos, havendo que recorrer, caso se mostre possível, à prova indirecta ou indiciária.
Aceita-se sem dificuldade que a ausência de prova directa não implica, necessariamente, o fracasso da acusação.
Aceita-se também que o recurso à prova por presunções naturais, de facto, simples ou de experiência não equivale à condenação com base em simples conjecturas, meras suspeitas ou equívocas aparências.
É que pode dar-se o caso de ocorrência de vários indícios numa mesma direcção, possuindo tais indícios uma elevada carga de persuasividade, permitindo, pois, que se alcance a certeza jurídica que legitima a condenação do arguido.
Como é referido no Ac. STJ, de 07/04/2011 (relator: Santos Cabral; in www.dgsi.pt), para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória.
Importa salientar, portanto, as especiais exigências a ter na apreciação da prova indirecta ou indiciária, impondo-se pacificamente que os indícios recolhidos apenas permitem fundamentar uma condenação quando os mesmos sejam graves, precisos e concordantes.
São graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão.
São precisos os indícios que não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada.
São concordantes quando os indícios convergem todos para a mesma direcção (cfr. Ac. RG, de 19/01/2009; relator: Cruz Bucho; in www.dgsi.pt).
O primeiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita ao papel fulcral dos arguidos no projecto desenvolvido pela GG (projecto financiado pelo fundo especial de “...”, tendo como financiador a ... e tendo o ... como responsável pela execução do projecto), concretamente, na disponibilização (e entrega) de dinheiro pela GG a determinadas pessoas, no âmbito de tal projecto.
Os factos dados como provados (da acusação/pronúncia e também da contestação do arguido AA) são absolutamente elucidativos da referida realidade:
“(…) 4. No âmbito do referido Projecto, o Secretariado Executivo da GG destinou, entre outros, um conjunto de seis entregas de dinheiro, num total de €31.990,00 (trinta e um mil novecentos e noventa euros), que se destinariam a suportar despesas do "...", no âmbito do Projecto.
DOS PROCEDIMENTOS EM VIGOR
5. As entregas de dinheiro eram desencadeadas através de pedido, fundamentado, quanto à sua necessidade e finalidade, apresentado pelo "...".
6. Este pedido era dirigido ao arguido AA, técnico da Direcção de ... do Secretariado Executivo da GG, que geria o Projecto.
7. O arguido AA elaborava, então, a Informação Proposta, que era dirigida ao Director de ... da GG, CC, o qual a encaminhava à Direcção do Secretariado Executivo da GG, com base em "planilhas" enviadas à GG pelo "...", onde constavam as despesas necessárias para o desenvolvimento do projecto identificado.
8. Depois, caso a Direcção concordasse, após conhecimento dessa concordância, o então tesoureiro do Secretariado Executivo da GG, o arguido BB, emitia um cheque cruzado, geralmente à sua própria ordem (ou, em casos excepcionais, de outro trabalhador do Secretariado Executivo da GG), cheque esse que era assinado por duas pessoas autorizadas a fazê-lo (de entre um universo circunscrito que incluía o Secretário Executivo da GG, Directores e alguns pouco trabalhadores).
9. Seguidamente, o arguido BB apresentava o cheque no balcão, em Lisboa, da "...", onde o funcionário, que o conhecia, por saber que ele trabalhava para o Secretariado Executivo da GG, lhe permitia levantar imediatamente o valor que estivesse em causa, em dinheiro vivo.
10. Os valores em questão, a que se referem as seis entregas supra referidas, foram levantados pelo arguido BB, com fundamento em pedidos (Informação Proposta) autorizados pelo Secretariado Executivo da GG, a fim de serem entregues, em mão, a uma de duas representantes do "..." e a uma representante da "..., a saber:
- JJ – representante do "..." e presidente do mesmo;
- II – representante do "..." e consultora do mesmo;
- HH – representante da "... e coordenadora-geral de ... desta instituição.
(…)
29. O procedimento oficial iniciava-se sempre com o pedido fundamentado e justificado, pelo "...", à "..., que posteriormente o remetia para a Missão do ... junto da GG, em Lisboa, que por sua vez dava entrada do pedido no gabinete do Secretário Executivo da GG, sendo assim recebido na GG e encaminhado para as respectivas áreas, nomeadamente, para os directores, que seguidamente os encaminham para o técnico que acompanhava o projecto dentro de cada uma das direcções.
30. Os pedidos do "..." foram recebidos pela Missão do ..., junto da GG, que os faziam chegar por nota verbal ao Secretariado Executivo (na prática, muitos deles viriam a ser encaminhados por mensagem de correio electrónico).
31. Aqui, eram reencaminhados para o director de ..., CC, que o reencaminhava para o arguido AA, técnico do projecto de ....
32. Perante este pedido, devidamente justificado pelo "...", o director de ... ordenava ao técnico (ao arguido AA), que elaborasse uma Informação Proposta, a qual era redigida com base em planilhas enviadas à GG pelo próprio "...".
33. Destas planilhas constavam as verbas com as despesas, os valores a afectar a cada rubrica e a respectiva justificação.
34. Elaborada a "Informação Proposta" pelo arguido AA, este submetia-a ao director de ..., CC, que validava os dados da "Informação Proposta" e, em caso de concordância, a submetia ao director da área financeira, para cabimento orçamental.
35. Havendo cabimentação orçamental, a tesouraria, através do tesoureiro da GG (o arguido BB), emitia um cheque cruzado, no valor indicado na "Informação Proposta" (previamente aprovada pelo director de ...), assinado por duas pessoas da GG, devidamente autorizadas, que posteriormente viria a ser levantado pelo próprio arguido BB, junto da "...".
36. A prática corrente dentro da GG veio a revelar que sempre que as técnicas visitavam a GG, eram recebidas pelo técnico que acompanhava o projecto (o arguido AA). (…)”.
Quer dizer, provou-se que os pedidos de meios financeiros apresentados pelo ... eram sempre trabalhados pelo arguido AA, que elaborava as Informações Propostas (IPs) com base nas planilhas remetidas pelo referido Instituto.
O arguido AA (como técnico do departamento de ... da GG responsável pelo projecto), recebia as planilhas originais, provenientes do ..., elaborava as IPs, para aprovação pelo seu superior hierárquico, CC, e para posterior execução pelo departamento financeiro, através da libertação dos meios necessários à execução da parte concreta do projecto em causa.
O arguido AA preparava os recibos, que seriam assinados pelas executoras dos projectos (quando recebiam as respectivas quantias monetárias).
O arguido BB (tesoureiro do Secretariado Executivo da GG), com base nas IPs elaboradas, movimentava a conta bancária da GG, levantando em numerário as quantias que seriam destinadas ao projecto (e entregues às representantes do ... e da ...).
Todos estes factos provados (sustentados, além do mais, nas declarações prestadas pelos arguidos AA e BB, conforme é referido pela recorrente GG nos números 22 a 28 [e respectivas notas de rodapé] da sua alegação recursiva) demonstram que os arguidos, em conjunto, tinham o domínio e controlo de todos os meios para praticar os factos necessários à apropriação dos cinco valores parcelares em causa nos autos (conforme também é referido pela recorrente GG).
O segundo conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à incongruência das explicações dadas pelos arguidos (nas declarações prestadas em julgamento) para a saída do valor global de €25.990,00 da esfera jurídica da GG.
Não se trata de atribuir aos arguidos qualquer espécie de ónus probatório (tanto mais que os arguidos podiam optar por não prestar declarações, exercendo o direito legal ao silêncio), mas, estando assente a relevância do papel dos arguidos no Projecto e, concretamente, no procedimento conducente à disponibilização daquele valor global aos respectivos destinatários, nos termos acima assinalados, e estando assente a saída daquele montante global da esfera jurídica da GG (com lesão patrimonial desta entidade caso tal montante global não tenha sido entregue aos respectivos destinatários – e os arguidos aceitam que os valores a que se referem os recibos #2 e #4 não foram entregues às destinatárias dos mesmos), impunha-se que os arguidos, tendo optado pela prestação de declarações sobre os factos, oferecessem uma explicação plausível para o sucedido.
Ora, ouvidas as declarações dos arguidos, tal não se verifica.
Como refere, e bem, a recorrente GG:
a) os Recorridos, nuns casos, responsabilizaram-se mutuamente pelo “desaparecimento” do dinheiro - v. os casos relativos ao recibo #2, aos recibos #3, #5 e #6, no que respeita ao Recorrido BB, e ao recibo #4, no que respeita ao Recorrido AA;
b) noutros casos tentaram responsabilizar as representantes do ‘...’ e da ‘...’ - v. os casos relativos aos recibos #3, #5 e #6, no que respeita ao Recorrido AA;
c) noutro caso ainda sugeriram ter sido a tesoureira da Recorrente, DD, a fazer seu o valor em causa - v. o caso relativo ao recibo #4, no que respeita ao Recorrido BB; e,
d) além disso, ainda que de forma vaga, tentaram atribuir a responsabilidade a terceiros desconhecidos, dando a entender ter sido o computador do Recorrido AA objeto de intrusão ilícita a partir do exterior (intrusão essa que, supõe-se, teria então servido para os pretensos autores da apropriação “plantarem” nesse computador as planilhas alteradas, de modo a incriminar o Recorrido AA).
Quer dizer, estas declarações mostram-se lacunosas e incongruentes (veja-se, por exemplo, a questão da alegada intrusão no computador do arguido AA e o que, a tal propósito, a testemunha PP, técnica informática, referiu, como salienta a recorrente GG, e a questão do fracionamento explicativo, como se fosse concebível que três pessoas diferentes – as três representantes da ... [de duas entidades públicas ...s distintas] –, agindo isoladamente e em momentos temporais distintos, actuassem da mesma forma [levando, cada uma delas, o arguido AA a emitir as IPs adulteradas], com vista à apropriação dos valores em causa, como também salienta a recorrente GG), possuindo assim pouco capital de persuasão ou convencimento (e, nessa medida, serão indício da prática pelos arguidos dos factos que lhes eram imputados na acusação/pronúncia).
De resto, como se verá, as declarações dos arguidos não resistem à confrontação com os demais meios de prova carreados para os autos.
O terceiro conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à diferente observância de procedimentos nas situações em causa nos autos.
Está pacificamente adquirido para os autos que o arguido AA recebia as planilhas e, com base nelas, elaborava as IPs (existindo IPs para os casos em causa nos autos [recibos #1 a #6]), constando de tais IPs que os valores em causa (numerário) deviam ser entregues em mão.
De acordo com o procedimento ou prática comum da GG, sempre que houvesse uma entrega de numerário, deveria existir a emissão de dois recibos: um externo e outro interno.
Este procedimento foi observado no caso do recibo #1 (sendo certo que este caso não se mostra controvertido nos autos), como refere a recorrente GG:
- Existe o recibo #1 (fl. 25), no valor de €6.000,00, emitido pelo departamento de ... da GG para ser assinado por II aquando da entrega do dinheiro à mesma (entrega de dinheiro da GG para pessoa externa a ela);
- Existe outro recibo (fl. 83), que corresponde ao recibo que o arguido AA assinou, a pedido de DD, quando esta lhe entregou previamente os €6.000,00, para posterior entrega a II (entrega de dinheiro no plano interno da GG)
Nos casos dos recibos #2 a #6 (casos controvertidos nos autos), pelo contrário, não existe qualquer recibo interno (e o arguido BB assumiu que não pedia qualquer recibo assinado ao arguido AA quando lhe entregava dinheiro para suposta posterior entrega às representantes da Administração Pública ...), sendo certo que esta falta de recibo interno, pela opacidade que transporta para o circuito do dinheiro, constitui indício do esquema fraudulento em causa nos autos.
O quarto conjunto de indícios com relevância probatória no caso dos autos é o que respeita à facilidade de duplicação das despesas a que se referem os recibos #2 a #6 (estão em causa consumíveis - tecidos, linhas, insumos, etc. -, despesas não especificadas ou vagas - “miscelâneas”, “apetrechamento” de loja - ou material que é produzido em grande quantidade ou de forma repetida - catálogos, brochuras, despesa de gráfica, etc. -, o que obviamente facilita essa duplicação), o que levou a que a questão do destino dos valores a que se referem tais recibos só tenha sido suscitada no âmbito da prestação de contas entre a GG e a ... (i.e., o dinheiro saiu da GG, mas não chegou aos alegados fornecedores dos bens a que se destinava e, por isso, estes não emitiram recibos), sem ter afectado a execução do Projecto, como sustentadamente refere a recorrente GG na sua motivação de recurso. Quer dizer, a facilidade de duplicação das despesas em causa permite a montagem de um esquema fraudulento sem risco imediato de tal esquema ser detectado, mas impõe conhecimento dos procedimentos, que os arguidos dominavam, o que constitui indício da sua participação (montagem e execução) no esquema fraudulento em causa nos autos. Em suma, perante os indícios atrás elencados (a que se somará o acervo probatório à frente analisado), mostra-se difícil (muito difícil mesmo) aderir à convicção formada pelo tribunal a quo, exposta na fundamentação, no sentido de a prova produzida ser manifestamente insuficiente para afirmar que os arguidos se apropriaram das quantias em causa (por não ter sido possível formar a convicção segura sobre as questões fulcrais da entrega das quantias em causa e sobre o autor das assinaturas constantes dos recibos denominados #2 a #6).
A legislação processual penal portuguesa estabelece como critério geral de apreciação da prova, o sistema da livre convicção, vinculando-o ao respeito pelas regras da experiência, e assinalando-lhe, ainda, algumas restrições que constituem condicionantes da apreciação valorativa (art.º 127º do CPP).
A livre apreciação da prova traduz-se na possibilidade do julgador formar uma convicção pessoal de verdade dos factos, convicção essa, ainda assim, racional (i.e., assente em provas), assente em regras de lógica e experiência (i.e., inexpugnavelmente compatível com os princípios que se reconhece regularem mentalmente a gnose), objectiva (i.e., desprovida de subjectivismo injustificável, assente em elementos reais e externos ao tribunal, afastando-se de meros conhecimentos ou presunções privadas do Homem que ocupa a posição de julgador) e comunicacional (i.e., intrinsecamente reflectida e claramente compreensível por terceiros).
O princípio da livre apreciação da prova, com os contornos atrás descritos, não constitui obstáculo a um efectivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto, a uma reapreciação da decisão sobre a matéria de facto pelas provas e não somente pela fundamentação.
E, assim, quando o tribunal de recurso, no delicado exercício de (re)avaliação probatória (percorrendo o iter epistémico traçado pelo tribunal recorrido na sua decisão e valorando por si as provas indicadas pelo recorrente), considera insustentável a versão factual que o tribunal recorrido deu como provada (e não provada), impõe-se que profira decisão substitutiva, em consonância com o juízo autónomo e próprio que formou sobre os factos.
C) Para além da ponderação de vários indícios existentes nos autos (a que se somará o acervo probatório à frente analisado), donde resulta a demonstração da existência do esquema fraudulento montando pelos arguidos, tendo em vista a apropriação de dinheiro pertencente à GG, nos termos atrás analisados, importa ter presente outra circunstância que conduz, igualmente, à afirmação da existência de erro de julgamento e à consequente insustentabilidade da versão factual dada como provada e não provada na decisão recorrida.
Trata-se da desvalorização probatória, feita na decisão recorrida, de um meio de prova mencionado na acusação e que consta dos autos: «Relatório da ... e anexos de fls. 41-125 [dos autos]».
De acordo com o que consta do mencionado «Relatório», o documento é o resultado do trabalho de “investigação independente sobre 6 pagamentos alegadamente efectuados pela GG no âmbito do projecto de “...” (“Projecto”) que terão sido entregues em dinheiro e em mão a representantes do ... (“...”) e da ... (“...”)” (cfr. fl. 42vº dos autos).
A decisão sobre a matéria de facto deve ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do juiz.
O referido «Relatório» teve na sua base diligências materiais, com resultados materiais (como refere o Recorrente Ministério Público), tratando-se, em nosso entender, de um documento cuja junção aos autos é processualmente admissível e cuja valoração probatória é substancialmente admissível de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (arts. 125º, 127º, 164º e 355º, todos do CPP).
Podemos inserir a questão em análise no âmbito mais alargado da liberdade de investigação pelos particulares, recordando que o sistema legal português estabelece a regra do monopólio estatal da força, com a inerente atribuição de competência preferencial às autoridades em matéria de investigação criminal.
A admissão de prova trazida por privados (no âmbito do princípio da liberdade dos meios de prova) tem de se compatibilizar com aquela regra de atribuição de competência preferencial, que visa assegurar a liberdade e a igualdade dos cidadãos, as garantias de imparcialidade e a equidade das decisões e intervenções, não sendo descabido chamar à colação, em determinadas situações, o regime legal das proibições de prova.
Sublinha-se, no entanto, que a posição da vítima e/ou assistente merece favor da Ordem Jurídica, sendo-lhes reconhecidas prerrogativas e beneficiando de um regime de tutela. A colaboração do assistente ou da vítima com o processo é valorada positivamente, nela se incluindo a disponibilização de material probatório.
Por outro lado, o art.º 355º, nº 1, do CPP, estabelece que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.
Esta disposição, sede do princípio da imediação no processo penal português, proíbe que a convicção do tribunal se funde em provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, ou seja, em contraditório perante o juiz que há-de proferir a decisão.
Contudo, a jurisprudência e doutrina dominantes sublinham a importância da imediação no domínio das provas pessoais ou por declarações (devendo ser produzidos em audiência, salvo os casos legalmente excepcionados, os testemunhos e declarações do arguido, do assistente ou das partes civis, sob pena de os mesmos não poderem ser valorados), mas também sublinham a mitigação de tal exigência em relação às provas não declarativas (bastando que sejam examinadas em audiência os documentos, a reconstituição do facto, o reconhecimento de pessoas ou objectos, as buscas, revistas e apreensões, as escutas telefónicas, os exames e as perícias).
De resto, a jurisprudência constitucional admite a valoração de documentos constantes do processo e indicados pela acusação como meio de prova, ainda que não se tenha procedido à sua leitura (ou ao seu expresso exame) em audiência, assim como a consideração oficiosa de documentos constantes do processo desde o inquérito, ainda que não indicados pela acusação como meio de prova, se se tiver procedido ao seu exame em audiência (cfr. Ac. TC nº 87/99 e 110/2011, ambos citados por Paulo Pinto Albuquerque (Org.), in «Comentário do Código de Processo Penal», 5ª Ed., 2023, pags. 381 a 386, cuja exposição temos seguido de muito perto).
O referido «Relatório da ... e anexos» consta de fls. 41 a 125 dos autos e foi indicado pela acusação como meio de prova.
Assim, nada obstava a que o mesmo fosse valorado para a formação da convicção do tribunal a quo, sem necessidade do seu exame em audiência (tanto mais que os sujeitos processuais tiveram a oportunidade de aí o discutir e contraditar e tanto mais que, como também refere o Recorrente Ministério Público, foi produzida em julgamento prova testemunhal sobre o teor do mesmo), e nada obsta a que possa agora ser valorado, em sede de recurso. Em suma, a desvalorização probatória do mencionado «Relatório» pelo tribunal a quo (não esquecendo, no entanto, que o tribunal a quo, na motivação da decisão recorrida, compara o resultado do exame à letra e assinatura feito pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e do exame efectuado a pedido da ...) é também indício da existência de erro de julgamento (e da consequente insustentabilidade da versão factual dada como provada e não provada na decisão recorrida).
D) Passando agora ao escrutínio probatório propriamente dito, ou seja, ao já mencionado delicado exercício de (re)avaliação probatória.
Em matéria de recurso da decisão final, a «peça chave» para aquilatar, em primeira linha, da viabilidade de qualquer sindicância é a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Isto também é assim mesmo que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova (por ex., da prova gravada), pois a fundamentação é, em regra, o «sismógrafo» do bom ou mau julgamento da matéria de facto.
Contudo, uma sentença bem motivada, na parte que aqui interessa (da motivação da matéria de facto), apenas explica adequada e suficientemente a razão do convencimento do juiz, não garantindo, por si só, que o juiz se convenceu bem.
É este controlo – o de averiguar se o juiz se convenceu bem – que o recurso da matéria de facto viabiliza, competindo ao tribunal de recurso – de acordo com o pedido do recorrente – detectar e reparar (se existir) o erro de facto, não apenas o notório, o evidente ou grosseiro.
Como já foi referido, a impugnação ampla da matéria de facto levada a cabo pelos Recorrentes (indicando as provas e desenvolvendo argumentação crítica sobre as mesmas, com especial destaque para a proficiente motivação da assistente/demandante GG) impõe uma modificação da decisão recorrida, em termos de fazer prevalecer uma versão factual diferente daquela que o tribunal recorrido considerou provada (e não provada).
A assistente/demandante GG, após afirmar ser manifesto, em face da prova produzida e à luz das regras da experiência comum, que os arguidos/recorridos se apropriaram do valor em causa nos autos (€25.990,00, que corresponde à soma de cinco valores parcelares), no âmbito de um esquema fraudulento, em que actuaram de forma concertada, identifica dez erros de julgamento (números 2 a 11 do ponto IV da motivação - «Recurso quanto à matéria de facto»), com menção dos concretos prontos de facto incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
O Ministério Público identifica erros de julgamento, no que respeita à alteração das planilhas e às assinaturas dos recibos #2 a #6.
Vejamos.
D.1) O primeiro erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG (doravante, Recorrente), diz respeito ao facto não provado nº 1, relacionado com a matéria de facto alegada no art.º 10º da acusação/pronúncia.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar o facto não provado nº 1 e levar a matéria factual aí constante (art.º 10º da acusação/pronúncia) para os factos provados.
Em face das provas indicadas pela Recorrente na motivação de recurso (e das considerações probatórias acima realizadas), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida.
Tais provas são constituídas pelas declarações do arguido/recorrente AA e do arguido BB, pelo teor do facto provado nº 36 e pelas declarações da testemunha DD, aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela assistente/demandante GG, aqui dada por reproduzida.
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação do facto não provado nº 1; e
(ii) A formulação de um novo facto provado, que passará a ser o facto provado nº 9A, com o seguinte teor (correspondente ao que constava do facto não provado nº 1 e do art.º 10º da acusação/pronúncia): “9A. A seguir, o arguido BB deveria entregar esse dinheiro a AA, que, por sua vez, entregaria o dinheiro ao seu legítimo destinatário, contra a assinatura do respectivo recibo.”.
*
D.2) O segundo erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito aos factos provados nºs 11 e 40, relacionado com a matéria de facto alegada no art.º 13º da acusação/pronúncia.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar o facto provado nº 40 e deve alterar a redacção do facto provado nº 11.
Está em causa a emissão do recibo #1 (que não integra os ilícitos em discussão nos autos, mas que assume importância para efeitos comparativos com os casos dos recibos #2 a #6). A matéria em apreciação relaciona-se com a existência de duas espécies de recibos (dois modelos diferentes de recibos), um do departamento financeiro e outro do departamento de ..., cabendo a pessoas diferentes a respectiva elaboração (sendo o arguido AA o autor da emissão do recibo do departamento de ... e sendo a testemunha DD a autora do recibo do departamento financeiro).
Em face das provas indicadas pela Recorrente na motivação de recurso (e das considerações probatórias acima realizadas), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida.
Aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela Recorrente/assistente/demandante GG (na motivação e sintetizada na conclusão nº 17):
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 25 a 30 e 83, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 18:00 a 19:00 e 36:00 a 37:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 08:00 a 09:00 e 15:00 a 17:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 02:00 a 04:00 e 07:00 a 09:00.
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação do facto provado nº 40; e
(ii) A alteração da redacção do facto provado nº 11, passando a ter o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava do art.º 13º da acusação/pronúncia): “11. Com data de … 2011, o arguido AA emitiu um recibo (#1), no valor de €6.000,00 (seis mil euros), referente a equipamentos e utensílios, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" (doravante designada abreviadamente por “IP”) n.º ….”.
*
D.3) O terceiro erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve alterar a redacção dos factos provados nºs 13 a 17.
Está em causa a emissão dos recibos #2 a #6 (que constam de fls. 26 a 30 dos autos), sendo que o Tribunal a quo não deu como provado que os arguidos elaboraram os recibos em causa (nos artigos da acusação/pronúncia atrás referidos era afirmado que “os arguidos emitiram” e nos factos provados atrás referidos é afirmado “foi emitido”).
Em face das provas indicadas pela Recorrente na motivação de recurso (e das considerações probatórias acima realizadas), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida, dando-se como provado que os recibos foram emitidos pelo arguido/recorrido AA.
Aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela Recorrente/assistente/demandante GG (na motivação e sintetizada na conclusão nº 18):
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 26 a 30 e 83, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 18:00 a 19:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 08:00 a 09:00, 13:00 a 14:00 e 15:00 a 17:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 02:00 a 04:00.
121. Desde logo, o Recorrido AA confessou ter emitido pelo menos os dois recibos a cuja entrega declarou ter assistido (recibo #4, relativo a €4.500,00, e recibo #6, relativo a €2.690,00), e, ainda, o recibo #5, no valor de €6.100,00:
“Magistrado Judicial: Mas viu os recibos de quitação?
AA: Penso que emiti e ajudei os colegas, que eu tenha recordação… ajudei a emitir os 2 recibos. Um deles foi o recibo…
Magistrado Judicial: Dos que não presenciou.
AA: Dos que não presenciei, terei emitido um recibo, do valor dos 6.100 euros”
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 18:00 a 19:00.
122. Já o Recorrido BB declarou, sem margem para dúvidas, que os recibos provinham do Recorrido AA:
“Magistrado Judicial: Então e estes recibos, tirando este foram-lhe todos entregues a si pelo colega AA?
BB: Sim.
Magistrado Judicial: Com exceção do … … com exceção. Muito bem, então agora…
BB: Não, o valor de 5.800 foi entregue, só foi entregue quando eu regressei de férias.
Magistrado Judicial: Não, está bem, mas é assim, mas eu perguntei-lhe se os recibos das outras quantias lhe foram entregues pelo seu colega AA?
BB: Sim, foi.
Magistrado Judicial: Foi ele que lhe entregou sempre os recibos?
BB: Sim, ele é que reunia com as técnicas …”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 13:00 a 14:00.
123. O Recorrido BB declarou, ainda, cabalmente:
“Mandatário do Arguido: Isto para perguntar, era o senhor que emitia alguns destes recibos ou foi sempre o AA?
BB: Foi sempre o AA.
Mandatário do Arguido: O senhor nunca emitiu recibos?
BB: Nunca”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 16:00 a 17:00.
124. De resto, como se viu já, o modelo dos recibos #2 a #6 (tal como o recibo #1, tratado no capítulo IV.3) é o modelo adotado pelo Recorrido AA, no departamento de ... (que diverge do modelo adotado no departamento financeiro).
125. Referiu-o o Recorrido BB:
“BB: E o recibo era feito num formato diferente daquele que era feito na direção administrativa e financeira.
Mandatário da Assistente: Não percebi. Esses recibos são diferentes?
BB: Nós na direção financeira tínhamos um estilo de fazer recibos e esses recibos são particularmente diferentes dos que nós utilizamos na direção financeira.
Mandatário da Assistente: Então este é o modelo, pergunto eu, este é o modelo de recibo de onde?
BB: Que o AA fez na direção de ....
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 08:00 a 09:00.
126. O Recorrido BB esclareceu ainda:
“Mandatário do Arguido: Olhe, diga-me, o senhor há pouco referiu aqui que os recibos que o senhor emitia eram diferentes daqueles que o AA emitia, mas há vários tipos de recibos na direção financeira?
BB: Nós tínhamos um formato, eu entrei na GG e encontrei esse formato de recibos e continuei com esse formato.
Mandatário do Arguido: Este dos autos ou esse que o senhor diz que tem…
BB: Outro, nos autos o AA é que fazia os recibos.
Mandatário do Arguido: O AA é que fazia esses recibos, então o AA é o autor desses recibos, é isso…
BB: Sim, sim.
Mandatário do Arguido: … e são estes recibos que são usados na GG?
BB: Não, estou a dizer há dois formatos, há um que nós utilizávamos na direção financeira que eu encontrei quando cheguei…
Mandatário do Arguido: E o que é que difere dos recibos usados no…
BB: É o estilo, é o esboço.
Mandatário do Arguido: Mas é o quê, são os anéis em cima, ou o número de anéis, é isso?
Magistrado Judicial: São diferentes, são diferentes”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 15:00 a 17:00.
127. Esta distinção entre os modelos de recibo foi igualmente traçada por DD, sendo que esta testemunha foi ainda cristalina a imputar a autoria dos recibos #2 a #6 ao Recorrido AA:
“Procuradora MP: Certo. Olhe, quem é que elaborou esse recibo da adjudicação dos 6.000 euros?
DD: Do que eu entreguei ao colega AA, fui eu ...
Procuradora MP: Foi a Senhora que fez o recibo ...
DD: Sim, sim, eram elaborados pela tesouraria, sim.
Procuradora MP: Olhe, e os outros recibos, sabe quem é que fez?
DD: Eles não têm o mesmo modelo, não foram feitos pela tesouraria ...
Procuradora MP: Os seguintes?
DD: Sim.
Procuradora MP: Não têm o mesmo modelo daquele que a Senhora emitiu?
DD: Não. Não.
Procuradora MP: E quem é que emitiu?
DD: Eram elaborados pela direção de ....
Procuradora MP: Pela direção de ...?
DD: .... Feitos pelo meu colega AA.
Procuradora MP: Pelo colega?
DD: Sim.
Procuradora MP: Pois, a direção é assim um ... pronto, então, eram feitos pelo Sr. AA ...
DD: Sim.
- v. as declarações de DD, de 18.2.22, 02:00 a 04:00.
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A alteração da redacção dos factos provados nºs 13, 14, 15, 16 e 17, passando a ter o seguinte teor (correspondente ao que parcialmente constava dos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia):
“13. Com data de … 2012, o AA emitiu um recibo (#2), no valor de €6.900,00 (seis mil e novecentos euros), referente à aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para a manutenção das máquinas de costura, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ....
14. Com data de … 2012, o AA emitiu um recibo (#3), no valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), referente a despesas diversas e com a gráfica, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ....
15. Com data de … 2012, o AA emitiu um recibo (#4), no valor de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), referente à impressão de brochuras e de catálogos, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ….
16. Com data de … 2013, o AA emitiu um recibo (#5), no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), referente à aquisição de tecidos para bordados e insumos para máquinas de costura, no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º ….
17. Com data de … 2013, o AA emitiu um recibo (#6), no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), referente ao apetrechamento da ... em ..., no âmbito do Projeto, e com expressa menção à IP n.º …”.
*
D.4) O quarto erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar o facto não provado nº 8 e deve substituir os factos provados nºs 18 e 19 por um novo e único facto provado (de teor mais próximo ao do art.º 25º da acusação/pronúncia)
Está em causa a questão dos valores constantes das IP (que estão na origem dos recibos #2 a #6) não coincidirem com os valores que constavam das planilhas originais, bem como a actuação dos arguidos em relação às planilhas e às IPs (o arguido AA forjou estes documentos, conluiado com o arguido BB), nelas introduzindo valores que não foram pedidos pelo ....
Em face das provas indicadas pela Recorrente na motivação de recurso (e das considerações probatórias acima realizadas, sendo aqui de realçar o conteúdo do «Relatório da ... e anexos de fls. 41-125 [dos autos]», cuja relevância é mencionada pelo Recorrente MºPº, na conclusão IV da sua motivação de recurso), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida.
Aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela Recorrente/assistente/demandante GG (na motivação e sintetizada na conclusão nº 19), com transcrição, quer da referida conclusão, quer do texto da motivação, em face da relevância dos factos em análise para o objecto do processo:
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos pontos 5 a 7 dos FP, pelos documentos de fls. 26 a 30, de fls. 42 e segs., de fls. 50, de fls. 53 v., de fls. 85 e segs., de fls. 89, de fls. 95 e segs., de fls. 98 v. e segs., de fls. 101 e 101 v., de fls. 102 v., de fls. 105 v. e segs., de fls. 110 e segs., de fls. 116 e segs. e pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 10:00 a 11:00, 19:00 a 20:00 e 31:00 a 32:00, pelas declarações de CC, de 18.2.22, 03:00 a 04:00 e 11:00 a 13:00, e pelas declarações de HH, de 25.3.22, 10:00 a 12:00.
134. Como resulta dos pontos 5 a 7 dos FP e já foi descrito no capítulo II, as entregas de dinheiro eram desencadeadas através de pedido (ou seja, através das planilhas) apresentado pelo ‘...’.
135. Esse pedido era dirigido ao Recorrido AA, que, como técnico do departamento de ... responsável pelo projeto, era quem recebia as planilhas originais, provenientes do ‘...’.
136. E era esse mesmo Recorrido AA que elaborava, com base nessas planilhas, as IP’s.
137. Não se trata de facto controvertido, mas vale a pena retomar, sinteticamente, as palavras do Recorrido AA, a este propósito:
“AA: Eu fazia a informação proposta, portanto, que era submetida ao diretor de ..., que dava o seu parecer favorável e que depois reencaminhava à área financeira para ser executada pelos colegas da área financeira”
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 10:00 a 11:00.
.... Bem como:
“Magistrada do MP: Olhe, diga-me uma coisa, Sr. AA: era então o Senhor que informava, que elaborava esta informação proposta e dirigida ao CC, diretor da ... da GG? É isso?
AA: Correto.
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 19:00 a 20:00. 43 139.
E, ainda:
“Mandatária do Arguido: Também referiu que destas quantias, elaborou todas as IP's?
AA: Sim”
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 31:00 a 32:00.
140. Atente-se, ainda, no que foi declarado lapidarmente por CC:
“Magistrado Judicial: É assim, o que é que aconteceu em concreto, neste caso do ...? Quem é que tratava, quem é que fazia a informação?
CC: O Sr. Dr. Juiz está a falar da informação-proposta?
Magistrada do MP: Sim.
Magistrado Judicial: Sim.
CC: Quem fazia a informação-proposta era o gestor do projeto.
Magistrado Judicial: Mas quem era o gestor do projeto?
CC: Era o meu colega AA”
- v. as declarações de CC, de 18.2.22, 03:00 a 04:00.
141. Ora, antes de mais nada, importa constatar que todas as IP’s contêm os valores controvertidos:
a) a IP n.º ..., de fls. 85 e segs., a que se refere o recibo #2, contém o valor de €6.900.00;
b) a IP n.º ... (adenda), de fls. 95 e segs., a que se refere o recibo #3, contém o valor de €4.500,00;
c) a IP n.º …, de fls. 98 v. e segs., a que se refere o recibo #4, contém o valor de €5.800,00;
d) a IP n.º …, de fls. 105 v. e segs., a que se refere o recibo #5, contém o valor de €6.100,00; e
e) a IP n.º …, de fls. 110 e segs, a que se refere o recibo #6, contém o valor de €2.690,00.
142. Consta destas IP’s o descritivo que veio igualmente a constar dos recibos #2 a #6 (v. fls. 26 a 30):
a) IP n.º ...: “aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para máquinas de costura” - v. fls. 87;
b) IP n.º ... (adenda): “despesas miscelâneas (insumos e matériasprimas)”, “despesas miscelâneas (peças, insumos e materiais permanentes)” e “despesas com gráfica” - v. fls. 95 v.;
c) IP n.º …: “impressão de brochuras e catálogos” - v. fls. 99 v.;
d) IP n.º …: “aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para máquinas de costura” - v. fls. 106 v.; e
e) IP n.º …: “apetrechamento da cooperativa/loja ...” - v. fls. 110 v..
143. As ditas IP’s, como se viu, foram elaboradas pelo Recorrido AA, pelo que foi o mesmo que introduziu nessas IP’s as referências aos valores controvertidos, que não foram objeto dos pedidos iniciais.
144. Do mesmo modo, foi da sua iniciativa a introdução, nas cinco IP’s, de menção segundo a qual os montantes em causa deveriam ser entregues em mão - v., respetivamente, fls. 87 v., fls. 95 v., fls. 99 v., fls. 106 v. e fls. 111.
145. Concretamente quanto ao valor de €6.900,00, a que se refere o recibo #2, foram identificadas quer a planilha original, não alterada - v. fls. 89 -, quer a versão alterada - v. fls. 116 e segs., tendo o teor deste específico relatório, de 27 de março de 2018, da conceituada auditora “...” (45 A seguir «...»), sido confirmado pelas testemunhas QQ e RR, que prestaram declarações respetivamente a 18.2.22 e a 25.4.22.
146. A versão original, ao contrário da alterada, não contém o valor de €6.900.00 - v., também, fls. 50.
147. Esta versão original, de fls. 89, encontra-se assinada por JJ e foi por ela remetida ao Recorrido AA, por e-mail datado de …2012, de fls. 86 e 86v.
148. Já a versão alterada foi encontrada, mais tarde, no computador do Recorrido AA, como resulta do relatório de fls. 116 e segs..
149. Segundo este relatório, de fls. 116 e segs., esta planilha foi alterada, nem mais nem menos, do que pelo utilizador “AA”.
150. Isto mesmo foi ainda explicado, de forma absolutamente clara, também em julgamento, por RR, o autor do referido relatório:
“Mandatário do Arguido: Só uma questão, Sr. Dr. Muito obrigado, Sr. Juiz. Olhe, Dr. RR, diga-me só uma coisa: aqui no seu relatório e aqui em relação ao recibo 2, refere-se aqui que um… utilizador SS, não é? É ele que aparece aqui a gravar grande parte das alterações aqui à planilha número 2.
RR: Aparece como o autor do ficheiro.
Mandatário do Arguido: Do ficheiro, exatamente. Na altura chegou a conhecer esta pessoa? Sabe se é funcionário?
Magistrado Judicial: Não conheceu ninguém?
RR: Não, não.
Magistrado Judicial: Isso é o que consta dos metadados, não é?
RR: O que consta dos … exatamente. É o que consta dos metadados e que aparece lá referenciado como autor.
Mandatário do Arguido: Terá sido a última pessoa a gravar aquele ficheiro?
RR: Não, terá sido a pessoa a criar o ficheiro.
Mandatário do Arguido: A criar o ficheiro.
RR: Depois há um outro campo para a última pessoa que atualizou que também aparece referenciado nalguns destes casos. O caso do recibo 2 aparece como AA.
Mandatário do Arguido: Que terá sido o último a alterar?
RR: Exatamente”
- v. as declarações de RR, de 25.3.22, 03:00 a 05:00.
151. Concretamente quanto ao valor de €5.800,00, a que se refere o recibo #4, constam dos autos quer a planilha original, não alterada - v. fls. 101 -, quer a versão alterada - v. fls. 102 v..
152. A versão original encontra-se assinada por JJ e não continha o referido valor de €5.800,00 - v., também, fls. 53 v..
153. Já a versão sobre a qual recaiu o despacho de CC - v. fls. 101 v., em comparação com fls. 100 -, superior hierárquico do Recorrido AA, versão essa que, portanto, este apresentou àquele para decisão, contém o dito montante.
154. Como é manifesto, foi introduzida nesta planilha, de forma aliás tosca, a alínea “Impressão Brochuras e Catálogos” - v. fls. 102 v..
155. De notar, de resto, que a planilha alterada foi encontrada não apenas nos arquivos da própria Recorrente, como resulta do relatório inicial da ... de fls. 42 e segs., mas também no computador do Recorrido AA, como resulta do segundo relatório da ..., de fls. 116 e segs..
156. Já no que respeita ao valor de €6.100,00, a que se refere o recibo #5, foram identificadas quer a planilha original, não alterada, quer a versão alterada - v. fls. 116 e segs..
157. Refere-se nesse relatório da ..., de 27 de março de 2018:
“- Identificámos a planilha original nos dados extraídos do computador do CC (que não reconcilia rigorosamente com a ..., mas exclui o recibo suspeito no montante de €6.100).
- Não detetámos nos dados analisados a planilha em excel adulterada com a inclusão do recibo suspeito de €6.100. Identificámos nos dados extraídos do computador de CC um ficheiro com a digitalização (ficheiro pdf) da planilha adulterada, a qual inclui duas linhas, uma com o texto ‘R1-A1.1.29 – Aquisição de tecidos, ferros de engoma, linhas, etc.’ e o montante de €6.100 e outra com o texto ‘Repasse da GG para … seguido do texto ‘Despesas: Aquisição de tecidos, ferros de engoma, linhas, etc.’ e o montante de €6.100”.
158. Ou seja, ambas as versões foram encontradas no computador de CC, superior hierárquico do Recorrido AA.
159. A este propósito, CC esclareceu que a planilha alterada, encontrada no seu computador, não foi por si elaborada:
“Mandatário da Assistente: Sim, Sr. Dr. Juiz, sim, com a devida vénia, é só um esclarecimento e se calhar já está respondido, mas é só uma questão. Consta do relatório, que no seu computador foram encontradas planilhas, que descrevem como originais e outras que descrevem como planilhas adulteradas, portanto significa isso aqui, que relativamente a uma mesma rubrica ou a mesma fase, existem planilhas diferentes. Essas planilhas diferentes, foram alteradas pelo senhor?
CC: Não.
Mandatário da Assistente: Ou seja, recebeu primeiro as planilhas nos termos, que recebeu mais tarde, juntamente com a IP essas outras planilhas alteradas, é isso?
CC: Sim”
- v. as declarações de CC, de 18.2.22, 11:00 a 13:00.
160. Portanto, esta concreta planilha, como todas as outras, foi remetida ao CC pelo gestor do projeto: o Recorrido AA.
161. A propósito do valor de €2.690,00, a que se refere o recibo #6, é de referir ter HH declarado que no ... não se usa o termo “apetrechamento”, que consta da IP n.º …, e que este nunca surgiu na documentação assinada pelo ...:
“HH: Me recordo e recordo muito bem. No âmbito do projeto aprovado pelo ..., não [impercetível] a pressão que nos deu essa cooperativa. A cooperativa, inclusive, nem estava formalizada à época e [impercetível] qual era a previsão dessa [impercetível] e você pode procurar em todo o projeto que foi firmado com o ... e não existe a palavra apetrechamento. Apetrechamento não é um termo usual no ... e então nunca teria assinado um recibo com o termo apetrechamento, com um valor para utilizar no âmbito de um projeto, porque não é uma palavra usual no português em voga no .... Portanto, a cooperativa [impercetível] e não houve provisão nenhuma e tão pouco procedeu a qualquer ação ou qualquer coisa chamada cooperativa”
- v. as declarações de HH, de 25.3.22, 10:00 a 12:00.
162. Ou, seja, o referido termo foi introduzido posteriormente ao envio da planilha do ... para Portugal.
163. Sendo que o destinatário dessa planilha foi o Recorrido AA.
164. Em suma, foi o Recorrido AA que, conluiado com o Recorrido BB, forjou quer as planilhas, quer as IP’s,, introduzindo nestes documentos os valores controvertidos, não pedidos pelo ‘...’, como suporte para a disponibilização, pela Recorrente, do dinheiro em apreço.
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação do facto não provado nº 8; e
(ii) A substituição dos factos provados nºs 18 e 19 por um novo facto provado, com o nº 18, com o seguinte teor (teor próximo ao do art.º 25º da acusação/pronúncia):
“18. Nestas IP, com excepção da primeira, constavam valores que não se encontravam refletidos nas planilhas (folhas de cálculo ou tabelas) enviadas pelo ..., mas que foram forjados pelo arguido AA, como suporte da emissão de cinco cheques, à ordem do arguido BB, relativos aos valores a que se reportam os recibos #1 a #5 (Docs. n.ºs 7 a 11), sacados sobre a conta da GG da ... n.º ...:
- Cheque n.º ..., datado de …2011, no valor de 6.000,00€, emitido à ordem de DD, por ela levantado;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de 6.900,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de 4.500,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2012, no valor de 5.800,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …2013, no valor de 6.100,00€, apresentado no balcão da ... e pago ao arguido BB.”.
*
D.5) O quinto erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito aos factos provados nºs 22 a 24 e aos factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, deve eliminar os factos provados nºs 22 a 24 e deve fixar seis novos factos provados, com o exacto teor dos artigos 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia.
Estão em causa duas questões nucleares para o objecto do processo:
- As representantes do «...» e da ...» não assinaram os recibos #2 a #6;
- As representantes do «...» e da ...» não receberam os valores em causa nos recibos #2 a #6.
Em face das provas indicadas pela Recorrente na motivação de recurso e das considerações probatórias acima realizadas (realçando-se, mais uma vez, o conteúdo do «Relatório da ... e anexos de fls. 41-125 [dos autos]», cuja relevância é mencionada pelo Recorrente MºPº, na conclusão VI da sua motivação de recurso; de realçar também, conforme já atrás referido, a insuficiência da fundamentação da decisão recorrida, ao valorar apenas o resultado da perícia elaborada nos autos [que concluiu não ser possível apurar quem foi o autor ou autores das assinaturas apostas nos recibos #2 a #6], quando é perfeitamente possível demonstrar tal autoria, ou a sua ausência, através de outras provas existentes nos autos), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida.
Aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela Recorrente/assistente/demandante GG (na motivação e sintetizada na conclusão nº 20), com transcrição (parcial), quer da referida conclusão, quer do texto da motivação, em face da relevância dos factos em análise para o objecto do processo:
Esta decisão é imposta, nomeadamente, pelos documentos de fls. 30, de fls. 59 e segs. e de fls. 83, pelas declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 15:00 a 18:00, pelas declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 07:00 a 08:00, 17:00 a 19:00 e 21:00 a 23:00, pelas declarações de II, de 25.3.22, 02:00 a 04:00 e 06:00 a 07:00, pelas declarações de JJ, de 25.3.22, 07:00 a 09:00, 10:00 a 12:00, 21:00 a 23:00, 30:00 a 36:00 e 37:00 a 38:00, pelas declarações de HH, de 25.3.22, 02:00 a 06:00 e 13:00 a 14:00, pelas declarações de FF, de 18.2.22, 02:00 a 05:00 e 09:00 a 12:00, pelas declarações de KK, de 13.5.22, 03:00 a 05:00, 14:00 a 15:00 e 16:00 a 18:00, pelas declarações de LL, de 13.5.22, 01:00 a 03:00, e pelas declarações de DD, de 18.2.22, 04:00 a 06:00.
171. Quanto ao primeiro tema [as representantes do «...» e da ...» não assinaram os recibos #2 a #6], importa ter bem presente que, mesmo que não se saiba quem foram concretamente os autores imediatos ou os executores materiais das assinaturas nos recibos #2 a #6, é obviamente possível rejeitar que tenham sido, respetivamente, II, JJ e HH.
172. Ou seja, no limite, pode-se não saber quem abusou dessas assinaturas, mas pode-se saber que elas não proveem das referidas representantes da ...
173. E, de facto, no caso em apreço, importa dar como provado que II, JJ e HH não assinaram os recibos #2 a #6.
174. O Tribunal a quo refere, a este propósito, nas pp. 18 e 19 da sentença recorrida, que o relatório pericial elaborado pelo ‘Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária’ não é conclusivo.
175. Porém, como é óbvio, a prova pericial não é a única admitida para demonstração de que certas pessoas não assinaram certos documentos (v. o artigo 125.º do CPP).
176. Ora, ainda que com o valor de prova documental e não de prova pericial (v. o artigo 163.º do CPP), importa atender ao relatório de fls. 59 e segs., elaborado pela ‘...’ e, concretamente, por duas Mestres Peritas em Documentoscópica Judicial.
177. Concluiu-se neste relatório:
a) ser muito provável a assinatura de II, aposta no recibo #2, não ser de seu punho;
b) ser provável as assinaturas de JJ, apostas nos recibos #3 a #5, não serem de seu punho; e
c) ser muito provável a assinatura de HH, aposta no recibo #6, não ser de seu punho.
178. Acresce, quanto ao recibo #2, que II afirmou claramente não ter assinado este documento:
“Magistrada do MP: Olhe, e assinou o documento? Assinou o recibo?
II: Não.
Magistrada do MP: Também não? A senhora viu, já teve oportunidade de ver o recibo?
II: Já tive oportunidade de ver, inclusive a data do recibo, que aparece. Eu não estava em Portugal”
- v. as declarações de II, de 25.3.22, 03:00 a 04:00.
179. Quanto ao recibo #6, HH rejeitou de forma igualmente lapidar tê-lo assinado:
“Magistrada do MP: Certo. Olhe, vou-lhe mostrar aqui a assinatura. Vê?
HH: Vejo.
Magistrada do MP: E então?
HH: Não é minha essa assinatura.
Magistrada do MP: Não é sua?
HH: Não.
Magistrada do MP: Sim, senhor. Diz lá em cima que a senhora recebeu então esta quantia de 2.690,00 ... não recebeu? Não terá recibo, então, e a assinatura não é sua?
HH: Não é minha […]”
- v. as declarações de HH, de 25.3.22, 05:00 a 06:00.
180. Sendo que segundo FF, já durante a prestação de contas a referida HH rejeitara ter assinado o referido documento:
“Mandatário do Arguido: Pronto, tudo bem. Obrigado. Já agora uma última questão. A senhora recorda-me do procedimento aqui da última entrega de valores no processo? Ou do que está aqui em causa, que é destes 2.690 euros, algum tempo depois de ter estado com a Sra. HH, no seu gabinete e ter tido uma reunião em que também estaria o AA e em que ela foi confrontada com os recibos?
FF: É assim, a Sra. HH esteve no meu gabinete… eu não me lembro da presença do Sr. AA no meu gabinete mas, efetivamente, esteve no meu gabinete porque constou-se, na altura, quando foi necessário o juntar de mais do que menos de despesa para completar a prestação de contas, que as pessoas não estavam a reconhecer que tinham recebido aquele dinheiro e uma das senhoras que tinha demonstrado…
Mandatário do Arguido: Foi a Sra. HH?
FF: Exatamente. Exatamente.
Mandatário do Arguido: E na altura lembra-se de lhe ter exibido o recibo onde ela, alegadamente, recebe este valor? Recorda-se de …
FF: Eu tinha esse recibo na …
Mandatário do Arguido: Consigo? Estava consigo?
FF: Estava na prestação de contas, não é? Estava com …
Mandatário do Arguido: Mas mostrou à Sra. HH?
FF: Sim, a senhora viu.
Mandatário do Arguido: E ela o que é que lhe disse? Que assinou? Que não assinou? Que a assinatura era a dela?
FF: A reação dela, na altura, foi logo de negação, que ela não tinha assinado aquele documento.
Mandatário do Arguido: Mas disse que a assinatura era muito parecida, que era a dela?
FF: Não, ela disse que não tinha assinado aquele documento, que não era a assinatura dela.
Mandatário do Arguido: Não assinou?
FF: Sim”
- v. as declarações de FF, de 18.2.22, 09:00 a 12:00.
181. Não podem, pois, subsistir dúvidas de que II e HH não assinaram os recibos em causa (o recibo #2, quanto à primeira, e o recibo #6, quanto à segunda).
182. É certo que já JJ não respondeu de forma tão taxativa à questão de saber se assinou ou não os recibos #3 a #5.
183. Contudo, do seu depoimento, de resto algo confuso e marcado por sucessivas interrupções pelo Tribunal a quo, resulta que não o fez por manifesto excesso de cautela, afirmando, em face de documentos que lhe estavam a ser exibidos através da aplicação para telemóveis ‘WhatsApp’ e, portanto, com falta de qualidade de imagem, não ser “perita”.
184. Mas dessas declarações resulta, se forem bem contextualizadas, que considera que as assinaturas não são suas.
185. Antes de mais nada, importa reiterar que, segundo o próprio Recorrido AA, os recibos eram assinados contra a entrega dos valores em causa:
“AA: E era nesse momento que elas assinavam, mediante a entrega dos valores, sim […]”
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 16:00 a 17:00.
186. Assim, pode-se ter como assente que se o dinheiro não foi entregue, o recibo também não foi assinado.
187. Quanto ao recibo #3, JJ até referiu o seguinte:
“JJ: A seguir é a JJ … 6.000 … ora, 4.500. Eu não lembra de ter recebido esse recurso, mas eu lembro que foi numa prestação de contas entre a tesoureira, a Sra. Clara e o MM, no dia da prestação, e eles conseguiram elencar esse valor com a planilha de custos. Eu não lembro … se esse recibo … nele está faltando um pedaço da minha assinatura na cópia, só que nós nunca pudemos ver o original, porque no dia da reunião, a original não foi extraviada”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 07:00 a 09:00.
188. Mas, mais importante, quando perguntada se porventura teria assinado o recibo em causa perante o Recorrido BB, como foi afirmado pelo Recorrido AA, JJ respondeu, firmemente, o seguinte:
Mandatário da Assistente: Eu tenho, então, as seguintes questões. Relativamente àquele recibo que foi o primeiro recibo… portanto, estão em causa 6, já sabemos, 3 deles foram assinados… ou supostamente assinados por si, os recibos. Estão em causa dinheiros que a senhora, supostamente, teria recebido, pronto. Em relação ao primeiro… ao primeiro desses recibos que se refere a um valor de 4.500 euros, a senhora recorda-se se terá, porventura, assinado esse recibo à frente de um tal BB?
JJ: Não, porque eu nunca o conheci.
Mandatário da Assistente: Pronto, então, quando é que a senhora conheceu este Sr. BB?
JJ: No dia da reunião, no dia … de 2017”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 21:00 a 23:00.
189. De resto, já a instâncias finais do Tribunal a quo, a referida testemunha acabou por declarar não ter recebido dinheiro em mão, por conta deste projeto.
190. O que obviamente inclui este valor de €4.500,00:
“Magistrado Judicial: Alguma vez recebeu dinheiro em mão por conta deste projeto?
JJ: Que eu lembre, não!”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 37:00 a 38:00.
191. Já quanto aos recibos #4 e #5, JJ manteve em parte o mesmo discurso essencialmente defensivo, acima referido, mas do seu depoimento resulta, ainda assim, de forma clara, que não recebeu os valores em causa e, portanto, também nada assinou relativamente a esses recebimentos inexistentes.
192. Assim, quanto ao valor €5.800,00, a que se refere o recibo #4, declarou o seguinte:
“Magistrado Judicial: Sra. Dra., pode prosseguir porque depois … enquanto vem o resto do processo …
Magistrada do MP: Está bem. Está muito bem. Olhe, neste momento ainda não temos o processo disponível para lhe conseguir mostrar o tal documento que eu falava, vamos prosseguir então, está bem? Com outros, com outros…
JJ: No dia 13/12.
Magistrada do MP: Este valor foi recebido por vós?
JJ: Não, esse não, [impercetível] porque, se bem entendi, eu parti para … vinda de Lisboa [impercetível]
Magistrada do MP: Sim?
JJ: Então, à data do recibo não estava em Lisboa”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 10:00 a 12:00.
193. Se JJ não recebeu o dinheiro em questão e nem sequer se encontrava em Lisboa à data do recibo, a conclusão a extrair, também à luz da própria afirmação supra citada do Recorrido AA (segundo a qual os montantes eram entregues contra a assinatura do recibo), é que não assinou o recibo respetivo.
194. Já quanto ao valor de €6.100,00, a que se refere o recibo #5, JJ negou a versão dos factos apresentada pelo Recorrido AA, segundo a qual foi o próprio Recorrido BB que foi entregar o dinheiro a JJ, ao aeroporto, onde também estaria TT.
195. JJ afirma que só conheceu o Recorrido BB em 2017, razão pela qual não se encontrou com ele no aeroporto, em 2013:
“Mandatário do Arguido: Sr. Dr., sobre o valor do recibo 5…
Magistrado Judicial: Sim?
Mandatário do Arguido: … que é no valor de 6.000 e …
Magistrado Judicial: Sei, sei.
Mandatário do Arguido: … se ela se recorda de ter estado no aeroporto com o Sr. TT, se viu o Sr. BB entregar um cheque ao TT? Se não lhe terá entregue um cheque também a ela? Um cheque não, um valor a ela.
JJ: Não.
Magistrado Judicial: Não? Pronto, não.
JJ: Não. Sabe porquê?
Magistrado Judicial: Não! Ó D. JJ, é não, é não.
JJ: Mas …
Magistrado Judicial: Não, não é preciso. Não é não, pronto. Chega!
Mandatário do Arguido: Mas ela não se recorda de estar lá o Sr. TT?
Magistrado Judicial: Não se lembra … mas esteve no aeroporto com esse Sr. Salomão, ou não?
JJ: Não.
Magistrado Judicial: Não”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 34:00 a 36:00.
196. Em suma, se JJ nada recebeu do Recorrido BB, então, nos termos que foram referidos pelo próprio Recorrido AA, também nenhum recibo assinou.
197. Ou seja, quanto ao primeiro tema dos artigos 12.º e 28.º a 32.º da acusação, importa concluir que II, JJ e HH não assinaram os recibos #2 a #6.
198. Já quanto ao segundo tema [as representantes do «...» e da ...» não receberam os valores em causa nos recibos #2 a #6] desses mesmos artigos, a resposta, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, só pode ser que II, JJ e HH também não receberam os valores em causa.
199. É o que resulta, desde logo, do que foi afirmado, em termos absolutamente credíveis, pelas testemunhas em causa, representantes da ...
200. Essas declarações foram confirmadas por outros testemunhas.
201. E não foram desmentidas de modo minimamente consistente [p]elos Recorridos, cujas versões dos factos são, inclusivamente, contraditórias entre si (46 V. o capítulo II).
202. Note-se que a tese do Recorrido BB é que entregou os valores em causa ao Recorrido AA (exceto no caso a que se refere o recibo #4, em que o Recorrido BB diz ter deixado o dinheiro no cofre):
“Magistrado Judicial: Muito bem. É assim, mas uma coisa tem a certeza, todas estas verbas foram levantadas por si?
BB: As quatro porque a primeira não estava e outra que não houve levantamento porque foi…
Magistrado Judicial: Exato, as quatro verbas foram levantadas por si e entregues ao colega AA, é isso?
BB: Ao colega, para entregar às técnicas do ... e à HH que é do ...”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 07:00 a 08:00.
203. O Recorrido AA nega, pelo menos quanto aos valores a que se referem os recibos #2 e #5.
204. Importa então atender ao que foi afirmado por cada uma das supostas destinatárias dos valores em causa e confrontar essas declarações com outra prova.
205. Efetivamente, quanto ao valor de €6.900,00, a que se refere o recibo #2, II afirmou categoricamente que só recebeu dinheiro em mão uma única vez, tratando-se dos €6.000,00 a que se refere o recibo #1, pelo que não recebeu estes €6.900,00:
“Magistrada do MP: Mais para cá? Ok. Muito obrigada. Olhe, deixe-me perguntar-lhe uma coisa: a senhora alguma vez recebeu em dinheiro, no âmbito deste projeto, entre a GG e a ...?
II: Sim. Quando o projeto foi iniciado, em ..., nós não tínhamos conta aberta nos bancos locais.
Magistrada do MP: Sim.
II: Então, eu recebi um dinheiro do Sr. AA, que fui com ele ao banco, e a JJ, recebemos o dinheiro, e depois eu prestei contas desse dinheiro ...
Magistrada do MP: Lembra-se de qual era a quantia?
II: ... com todos os recibos.
Magistrada do MP: Olhe, lembra-se de qual era a quantia desse primeiro dinheiro?
II: Acho que eram 6.000 euros.
Magistrada do MP: 6.000 euros?
II: Não tenho bem a certeza, mas … sim, 6.000 euros.
Magistrada do MP: 6.000 euros? Sim, senhora. Olhe, e para além desses 6.000 euros, [03:00] voltou a receber dinheiro, no âmbito deste ...?
II: Não.
Magistrada do MP: Não?
II: Tem um recibo, que apareceu no meu nome de 6.900 euros, mas eu não recebi esse dinheiro.
Magistrada do MP: Não recebeu esse dinheiro? Pronto. Sim, senhora.
II: Não”
- v. as declarações de II, de 25.3.22, 02:00 a 04:00.
206. Esta ideia foi ainda reiterada pela mesma testemunha, em termos categóricos, quando inquirida a instâncias do ilustre Defensor do Recorrido AA:
“II: Não. Os 6.000 euros... se eu não me engano, os 6.000 euros, em 2011, eu falei que recebi. E já prestei contas com notas de [impercetível] de .... Prestei contas, ficou tudo esclarecido.
Mandatário do Arguido: Sim. Mas isso foi depois.
II: Agora esses 6.900 que aparece no meu nome, eu nunca recebi esse dinheiro”
- v. as declarações de II, de 25.3.22, 06:00 a 07:00.
207. De resto, contrariando a tese do Recorrido AA, segundo a qual teria sido o Recorrido BB a supostamente entregar o dinheiro a II, declarou o próprio Recorrido BB (47 No que, aliás, foi secundado por II, ao minuto 05:00 das suas declarações, mas em termos que não são percetíveis na gravação.) que só a conheceu por ocasião da realização da auditoria, em 2017:
“Mandatária do Arguido: Portanto, também referiu que não conhecia as pessoas a quem se destinava…
Magistrado Judicial: Sim, só conheceu agora no final de 2017.
Mandatária do Arguido: No final de 2017.
BB: A HH acabei por conhecê-la em 2015, em ....
Magistrado Judicial: Então a…
BB: A HH, da ....
Magistrado Judicial: … a JJ conheceu-a em 2015…
Mandatária do Arguido: 2017.
BB: Não.
Magistrado Judicial: Não.
BB: Em 2017.
Magistrado Judicial: A JJ…
BB: A JJ e a II.
Magistrado Judicial: … conheceu em 2017, aonde? Aqui no âmbito do processo e a outra conheceu antes, que era a?
BB: HH.
Magistrado Judicial: HH, que conheceu em 2015?
BB: Em 2015 aquando do ... em ....
Magistrado Judicial: 2015 em .... Sra. Dra., pode continuar”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 21:00 a 23:00.
208. Já quanto ao valor de €2.690,00, a que se refere o recibo #6, a tese do Recorrido AA é a de que o Recorrido BB teria entregue o valor em causa (para despesas do projeto), juntamente com outro relativo a ajudas de custo, a HH.
209. Alegadamente na presença de KK, PP e do próprio Recorrido AA:
“AA: […] Em relação ao valor dos 2.690 euros, estiveram presentes outras pessoas no ato da entrega, nomeadamente uma colega que era a KK e uma outra representante da ..., da ..., a PP”
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 16:00 a 18:00.
210. Afirma, de resto, que nessa altura HH assinou ambos os recibos, relativos a ambos os valores, tendo esses recibos sido elaborados pelo Recorrido BB.
211. Ora, se tudo se tivesse passado como o Recorrido AA afirmou, então o recibo #6 respeitaria o modelo do departamento financeiro (v. fls. 83), que era o departamento do Recorrido BB, e não o modelo do departamento de ..., que é o departamento do próprio Recorrido AA
212. Mas, pelo confronto entre o recibo #6, de fls. 30, e o recibo de fls. 83 (recibo proveniente do departamento financeiro), vê-se que não é assim, sendo antes que o recibo #6 respeita o modelo utilizado pelo Recorrido AA, no departamento de ....
213. Além disso, acontece que o Recorrido BB nega esta versão dos factos, dizendo que só conheceu HH em 2015, em ...:
“BB: A HH acabei por conhecê-la em 2015, em ...”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 21:00 a 22:00.
214. E, portanto, nada lhe entregou.
215. PP não foi inquirida.
216. Já KK acabou por declarar ter visto HH a assinar recibos, mas não ter visto o que ela assinou e, portanto, não saber se se tratava de dois recibos distintos (sendo um deles o recibo #6) ou se o mesmo recibo em duplicado:
“Mandatário da Assistente: Aí está, pronto, então ... nesse caso, então, ia ... a minha última questão, relativamente à questão dos recibos, agora, já sim, relativamente ao outro caso, o tal outro caso que temos aqui assim dos 2.650 ... a Senhora disse que viu serem assinados...
Magistrado Judicial: Ó Sr. Dr., qual é, qual é ... é assim, sabe bem que eu não gosto que se repitam as perguntas, a Senhora já se pronunciou sobre isso, qual é a dúvida que tem sobre esta questão?
Mandatário da Assistente: Se uma delas era de ajudas de custos e se a outra era a cerca do quê? O que é que a Senhora viu?
Magistrado Judicial: Sabe porque é que eram os recibos? Viu os recibos?
KK: Eu vi os recibos e vi ela assinar os recibos.
Magistrado Judicial: Mas não leu o que estava lá?
KK: Não li o teor dos recibos.
Magistrado Judicial: Não sabe a que respeitam ...?
KK: Não”
- v. as declarações de KK, de 13.5.22, 16:00 a 18:00.
217. De resto, também não viu o dinheiro e, portanto, não sabe se HH recebeu também os €2.690,00 ou apenas as ajudas de custo que foi buscar:
“KK: Sim. Nós fomos almoçar, depois, quando nós voltamos, ficamos na sala de espera. Eu não sei se o AA avisou o colega BB que ela já estava lá e o colega BB desceu com uns recibos, um envelope - deveria ser o dinheiro - eu não vi o dinheiro, mas... e entregou para ela […]”.
- v. as declarações de KK, de 13.5.22, 03:00 a 05:00.
218. Já HH - e isso é o mais importante - negou cabalmente ter recebido o dinheiro em causa.
219. Pois afirmou ter recebido várias vezes dinheiro em mão, mas apenas para ajudas de custo e nunca para o projeto:
“Magistrada do MP: Muito bem. Quanto é que foi essa quantia que a senhora recebeu? Tem ideia?
HH: Eu não me lembro, mas, durante todo o projeto, as pessoas recebiam ajudas de custo, para as missões a .... Foram essas as quantias que eu recebi. Eu não saberia dizer, porque faz muito tempo, como o projeto durou muitos anos, eu não saberia dizer.
[…]
Magistrada do MP: Como é que os senhores, normalmente, recebiam o dinheiro? Como é que os senhores recebiam o dinheiro? Como é que o dinheiro era pago? Era em dinheiro vivo, transferência, cheque... como é que era?
HH: Era em dinheiro vivo.
Magistrada do MP: Dinheiro vivo.
HH: No caso … no caso das despesas relacionadas aos per diem.
Magistrada do MP: Aos quê, perdão?
Magistrado Judicial: Per diem.
HH: Per diem, ajuda de custo”
- v. as declarações de HH, de 25.3.22, 02:00 a 06:00.
220. HH referiu ainda, negando ter recebido o valor em causa:
“HH: Eu recebi alguns valores referentes aos per diem, que eu não me lembro qual foi o valor, mas não foi esse.
Mandatário do Arguido: A senhora diz que recebeu um valor referente a quê?
Magistrado Judicial: São os per diem, é a ajuda de custo.
HH: Ajudas de custo, diárias.
Mandatário do Arguido: Certo.
HH: Que eram pagamentos logo, que era feito.
Mandatário do Arguido: Mas não sabe se era referente a isto? Diga-me outra coisa...
Magistrado Judicial: Ó Sr. Dr., é assim, o per diem é uma ajuda de custo da pessoa.
Mandatário do Arguido: Eu sei, Sr. Dr., eu sei.
Magistrado Judicial: Não tem nada a ver com aquele projeto.
Mandatário do Arguido: Claro. Certo, certo. Era aí que eu ia chegar.
Magistrado Judicial: Não, não! Ó Sr. Dr., não é preciso chegar a esse lado, porque isso não ... isso está claro! Isso não é preciso chegar a lado nenhum”
- v. as declarações de HH, de 25.3.22, 02:00 a 06:00.
221. A mesma testemunha declarou, a instâncias da ilustre Defensora do Recorrido BB:
“Mandatária do Arguido: Só preciso de um esclarecimento, portanto... já sabemos que a assinatura que está aqui neste recibo, diz que não foi aposta por si. Mas recebeu dinheiro neste dia?
Magistrado Judicial: Ó Sra. Dra., outra vez?! Foi o per diem, Sra. Dra.!
Mandatária do Arguido: Sim. Recorda-se que valores é que recebeu? Qual foi o montante que recebeu?
Magistrado Judicial: Já disse.
HH: Eu já disse que não me recordo, mas não foi esse valor tão alto, porque é assim, o valor unitário dos per diem que estão … é relativamente baixo, eu não me recordo qual foi o valor”
- v. as declarações de HH, de 25.3.22, 13:00 a 14:00.
222. Já quanto aos valores a que se referem os recibos #3 a #5, já se viu supra que JJ não recebeu os valores em causa.
223. Como se viu já (mas se repete, atenta a máxima relevância desta declaração), JJ acabou por declarar não ter recebido dinheiro em mão, por conta deste projeto:
“Magistrado Judicial: Alguma vez recebeu dinheiro em mão por conta deste projeto?
JJ: Que eu lembre, não!”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 37:00 a 38:00.
224. Além disso, quanto ao valor de €4.500,00, a que se refere o recibo #3, o Recorrido BB afirmou ter entregue o dinheiro ao Recorrido AA.
225. O qual, por seu turno, declarou que o dinheiro em causa foi entregue a JJ, diante do Recorrido BB e de LL:
“Magistrado Judicial: […] Portanto este dinheiro era-lhe entregue pelo Sr. BB…
AA: Esse dinheiro era levantado pelo BB, o colega, na altura tesoureiro, e quando as pessoas que estavam…
Magistrado Judicial: Entregava-lhe então a si?
AA: Entregava-me a mim, perante a presença, portanto, já das representantes do secretariado executivo da GG.
[…]
AA: […] Por exemplo, em relação ao valor dos 4.500 euros que estive presente e posso confirmar que estive presente, e que recebi esse valor do colega BB, esse valor foi entregue na presença, na altura, da chefe de gabinete que era a Sra. Dra. LL, por exemplo”
- v. as declarações do Recorrido AA, de 18.2.22, 15:00 a 18:00.
226. Ora, JJ foi perentória de que não assinou qualquer recibo perante o Recorrido BB, como foi afirmado pelo Recorrido AA:
“Mandatário da Assistente: Eu tenho, então, as seguintes questões. Relativamente àquele recibo que foi o primeiro recibo… portanto, estão em causa 6, já sabemos, 3 deles foram assinados… ou supostamente assinados por si, os recibos. Estão em causa dinheiros que a senhora, supostamente, teria recebido, pronto. Em relação ao primeiro… ao primeiro desses recibos que se refere a um valor de 4.500 euros, a senhora recorda-se se terá, porventura, assinado esse recibo à frente de um tal BB?
JJ: Não, porque eu nunca o conheci.
Mandatário da Assistente: Pronto, então, quando é que a senhora conheceu este Sr. BB?
JJ: No dia da reunião, no dia primeiro de abril de 2017”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 21:00 a 23:00.
227. O Recorrido BB confirma a declaração de JJ e nega a versão dos factos do Recorrido AA, já que também ele, em sintonia com aquela afirma que só se conheceram em 2017:
“Mandatária do Arguido: Portanto, também referiu que não conhecia as pessoas a quem se destinava…
Magistrado Judicial: Sim, só conheceu agora no final de 2017.
Mandatária do Arguido: No final de 2017.
BB: A HH acabei por conhecê-la em 2015, em ....
Magistrado Judicial: Então a…
BB: A HH, da ....
Magistrado Judicial: … a JJ conheceu-a em 2015…
Mandatária do Arguido: 2017.
BB: Não.
Magistrado Judicial: Não.
BB: Em 2017.
Magistrado Judicial: A JJ…
BB: A JJ e a II”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 21:00 a 22:00.
228. Também LL, arrolada com testemunha pelo próprio Recorrido AA, acabou por desmentir categoricamente a versão deste mesmo Recorrido:
“Mandatário do Arguido: Eu vou-lhe fazer perguntas mais diretas a ver se nos consegue aqui ajudar. A Senhora conhece uma Sra. JJ, do ...? Lembra-se de ter estado com ela em …?
LL: Não.
Mandatário do Arguido: Não lhe diz nada, este nome?
LL: Nada.
Mandatário do Arguido: A Senhora recorda-se se em agosto de 2012 almoçou com o AA e com esta senhora?
LL: Agosto de 2012, ainda não estava na GG. E não almocei com nenhum deles.
Mandatário do Arguido: Não se lembra de nada disso?
LL: Não.
Mandatário do Arguido: Não assistiu a nenhuma entrega de dinheiro a esta senhora?
LL: Não. Eu só entrei na GG em setembro de 2012.
Mandatário do Arguido: Terá sido em setembro, se calhar. Eu fiz em agosto, mas terá sido em setembro.
LL: Não…
Mandatário do Arguido: Não se recorda nunca de ter feito com esta senhora, ou com o AA? E de ter presenciado que o AA, no exercício das funções dele estava a entregar dinheiro a alguém? Ou a receber?
LL: Não, de maneira nenhuma”
- v. as declarações de LL, de 13.5.22, 01:00 a 03:00.
229. A este propósito, realce-se ainda que a versão do Recorrido AA é desmentida por outra testemunha sua, neste caso KK.
230. Efetivamente, o Recorrido AA afirmou, no artigo 55.º da sua contestação, que a entrega do montante em causa se fez antes do almoço, contra a assinatura do recibo respetivo.
231. Acontece que KK (que, segundo a própria, não assistiu à entrega do dinheiro, mas supostamente teria estado com JJ na altura em que essa alegada entrega teria ocorrido), declarou, em desarmonia com a alegação do referido Recorrido AA, que essa entrega se fez depois do almoço:
“Mandatário da Assistente: ... depois é que foram, portanto, à seguir ao almoço é que foram às instalações para, então, ser feita a entrega do dinheiro, é isso?
KK: Sim”.
- v. as declarações de KK, de 13.5.22, 14:00 a 15:00.
232. Já no caso do valor de €5.800,00, a que se refere o recibo #4, e como se viu já, JJ foi perentória, no sentido de que não recebeu o valor em causa:
“Magistrado Judicial: Sra. Dra., pode prosseguir porque depois … enquanto vem o resto do processo …
Magistrada do MP: Está bem. Está muito bem. Olhe, neste momento ainda não temos o processo disponível para lhe conseguir mostrar o tal documento que eu falava, vamos prosseguir então, está bem? Com outros, com outros…
JJ: No dia 13/12.
Magistrada do MP: Este valor foi recebido por vós?
JJ: Não, esse não, [impercetível] porque, se bem entendi, eu parti para ... vinda de Lisboa [impercetível]
Magistrada do MP: Sim?
JJ: Então, à data do recibo não estava em …”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 10:00 a 12:00.
233. A testemunha reiterou esta ideia, a instâncias do ilustre Defensor do Recorrido AA:
“Mandatário do Arguido: Então, este valor dos 5.800 euros eram referentes a quê? Para que é que a senhora precisaria deste valor?
JJ: Eu tenho que ir ler o que está escrito no recibo. Espera aí, um segundo.
Mandatário do Arguido: Então, mas a senhora sabia que tinha que receber este valor? Ou que teria que receber este valor?
JJ: Oi?
Mandatário do Arguido: A senhora sabia que teria que receber este valor. Já disse que não recebeu, já percebemos isso.
JJ: Não, não recebi.
Mandatário do Arguido: Mas a senhora sabia que tinha que receber um valor.
JJ: Sim, mas eu não sei, porque eu não passei por lá. E outra coisa, os valores sempre… como eu falei, são depositados.
Mandatário do Arguido: Mas a senhora não recebia o valor em dinheiro? Não era este o procedimento?
JJ: Deixa eu ver. Só um minutinho, por gentileza. “No âmbito do projeto… recebido da GG”, para quê? Impressão de brochuras. É essa?
Mandatário do Arguido: Então esse valor…
JJ: É assim… olha só, o recurso que eu recebi foi para impressão de catálogos, não são brochuras. Aqui está escrito brochuras.
Mandatário do Arguido: Mas não é a mesma coisa?
JJ: [impercetível] Para nós não é, não é?”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 30:00 a 33:00.
234. E referiu ainda, de forma igualmente cristalina:
“Magistrado Judicial: Está bem. Ó D. JJ, tenha calma, pronto. Não recebeu este valor. É assim, não é?
JJ: Em mãos, não.
Magistrado Judicial: Pronto. E por transferência?
JJ: (impercetível)…
Magistrado Judicial: Pronto.
JJ: … todas as transferências que foram juntas.
Magistrado Judicial: Adiante! Não recebeu o valor. Mais?”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 33:00 a 35:00.
235. Quanto à versão do Recorrido BB, segundo a qual o dinheiro teria ficado, por motivo de ausência sua, no cofre, ao cuidado de DD e de FF para entrega por estas a JJ (48 V. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 04:00 a 06:00.), DD foi lapidar:
“Mandatário da Assistente: Com a devida vénia. Concretamente e relativamente a esta questão do cofre, o que está em causa aqui, neste caso, é o recibo 4 no valor de 5.800 euros... aquilo que é dito é que teria sido feita a contagem do dinheiro, o dinheiro estaria no cofre antes do BB ir de férias. Foi feita a contagem do cofre?
DD: Foi, sim.
Mandatário da Assistente: Então, o que é que estava lá dentro?
DD: Estava lá dentro o dinheiro do fundo de maneio, que é aquele que serve para pagar táxis, correios... que o máximo que lá tem são 200 euros. Eu, agora, neste momento, não sei precisar qual é que era o montante que estava na altura, mas, não estaria mais do que... ou seja, não deviam estar mais do que estes 200 euros.
Mandatário da Assistente: Ou seja, não estava lá, certamente, estes 5.800 euros?
DD: Não.
Mandatário da Assistente: E, também, não lhe foi dito expressamente que ia ser contactada pelas Sras., e pelas técnicas do ... para fazerem a entrega, ou que se destinava, ou que havia dinheiro para ser entregue às Sras. do ...?
DD: Não.
Mandatário da Assistente: Assim, essa conversa, não houve com o BB?
DD: Não”
- v. as declarações de DD, de 18.2.22, 04:00 a 06:00.
236. O mesmo se passando com FF:
“Mandatário da Assistente: Tenho apenas mais uma questão que é a seguinte: há um valor que… de cerca de 5.800 euros que se refere ao recibo 4 - é que nós temos o recibo 4 no processo, é um dos 6 casos - em que teriam ficado … este valor teria ficado no cofre. Pergunto-lhe se este dinheiro lhe terá sido entregue a si?
FF: Não. Eu nunca … nunca tive numerário comigo. Isso eram sempre assuntos que eram tratados pelo tesoureiro e… de todo!
Mandatário da Assistente: O BB não falou consigo, dizendo: “Olha, há aqui este dinheiro que é para ser entregue a uma técnica que há de vir cá para receber?
FF: Eu… era um bocadinho ao contrário, não é? Funcionava era um bocadinho ao contrário. As entregas de dinheiro eram orientações que já vinham ou dos ..., ou da direção da ... … portanto, essas informações já eram transmitidas ao departamento administrativo e financeiro, nomeadamente ao Sr. Tesoureiro, para ele fazer a entrega.
Mandatário da Assistente: Pronto, mas neste caso, aqui o que o BB disse é que teria o dinheiro ficado no cofre, ao seu cuidado, para ser entregue à técnica?
FF: Não, de todo. Eu nem nunca tive acesso ao cofre. De todo! Isso não é possível”
- v. as declarações de FF, de 18.2.22, 02:00 a 05:00.
237. Ou seja, no cofre só se encontravam cerca de €200,00, de fundo de maneio, mas não os €5.800,00.
238. De notar, de resto, que carece de sentido lógico a alegação do Recorrido BB, segundo a qual teria visto o recibo #4 e que isso lhe teria bastado para o sossegar (49 V. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 12:00 a 13:00.), pois como o próprio referiu (v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 07:00 a 09:00), o recibo #4 (aliás, como todos os demais aqui em discussão), corresponde ao modelo de recibos do departamento de ... e não ao modelo do departamento financeiro.
239. Assim, a referida alegação nem sequer é coerente com a afirmação do próprio Recorrido BB, segundo a qual deveria ser DD (sua colega no departamento financeiro) a entregar o dinheiro em causa a JJ, pois se assim fosse o modelo do recibo seria o do departamento financeiro e a constatação de que não era esse o caso devia tê-lo alarmado, em vez de o sossegar.
240. No que respeita ao valor de €6.100,00, a que se refere o recibo #5, o Recorrido AA, afirma que o Recorrido BB não lhe entregou o dinheiro em causa e que foi o próprio Recorrido BB que foi entregar o dinheiro a JJ, ao aeroporto, onde também estaria TT.
241. Só que, como se viu já, JJ afirma que só conheceu o Recorrido BB em 2017, razão pela qual não se encontrou com ele no aeroporto, em 2013 - de quem, portanto, nada recebeu.
242. Além de que JJ também nega ter estado no aeroporto com TT:
“Mandatário do Arguido: Sr. Dr., sobre o valor do recibo 5…
Magistrado Judicial: Sim?
Mandatário do Arguido: … que é no valor de 6.000 e …
Magistrado Judicial: Sei, sei.
Mandatário do Arguido: … se ela se recorda de ter estado no aeroporto com o Sr. TT, se viu o Sr. BB entregar um cheque ao TT? Se não lhe terá entregue um cheque também a ela? Um cheque não, um valor a ela.
JJ: Não.
Magistrado Judicial: Não? Pronto, não.
JJ: Não. Sabe porquê?
Magistrado Judicial: Não! Ó D. JJ, é não, é não.
JJ: Mas …
Magistrado Judicial: Não, não é preciso. Não é não, pronto. Chega!
Mandatário do Arguido: Mas ela não se recorda de estar lá o Sr. TT?
Magistrado Judicial: Não se lembra … mas esteve no aeroporto com esse Sr. UU, ou não?
JJ: Não.
Magistrado Judicial: Não”
- v. as declarações de JJ, de 25.3.22, 34:00 a 36:00.
243. Ou seja, JJ nem sequer esteve no aeroporto com TT.
244. Note-se ainda, a este propósito, que o próprio Recorrido BB nega a versão dos factos do Recorrido AA:
“Magistrado Judicial: Ó Sr. Dr., agora não percebi. A primeira entrega?
Mandatário do Arguido: Não, nos 6.100,00, Sr. Dr., aqui é o recibo 5, é o recibo 5.
Magistrado Judicial: Ah! Está bem.
Mandatário do Arguido: É o recibo 5.
BB: Eu recordo-me de ter ido ao aeroporto, encontrado com técnicos do…
Mandatário do Arguido: De outro projeto?
BB: … de outro projeto.
Mandatário do Arguido: E o senhor terá levado mais envelopes para entregar dinheiro às técnicas que estariam no aeroporto, recorda-se disso?
BB: Não, eu nem conheci elas. Eu só as conheci em 2017, não ia entregar um dinheiro a um desconhecido, um valor avultado”
- v. as declarações do Recorrido BB, de 18.2.22, 17:00 a 19:00.
245. Por todo o exposto, afigura-se manifesto que os autos revelam, com total evidência, que as duas representantes do ‘...’ e a representante da ‘...’ também não receberam os valores a que se referem os recibos #2 a #6 (que, de resto, também não assinaram).
246. Essa evidência não é abalada pelas versões trazidas ao processo pelos Recorridos, que são manifestamente falsas (são as tais, descaradas, “cortinas de fumo” …).
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação dos factos não provados nºs 2, 9, 10, 11, 12 e 13; e
(ii) A substituição dos factos provados nºs 22, 23 e 24 por seis novos factos provados, com os nºs 10A, 22, 23, 24, 24A e 24B, com o seguinte teor (teor exacto dos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia):
“10A. No entanto, as representantes do ..., bem como a representante da ..., não receberam a totalidade dos valores em causa, nem assinaram os cinco recibos correspondentes. Assim:
22. Já relativamente ao recibo #2 (com a pretensa assinatura de II), a representante do ..., II, não recebeu o dinheiro em causa, €6.900,00 (seis mil e novecentos euros) e não reconhece como sua a assinatura constante do recibo em análise.
23. Relativamente ao recibo #3, de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), JJ não recebeu o dinheiro e, pese embora a assinatura que consta do recibo seja parecida com a sua, não foi por si realizada, tanto mais que lhe falta uma parte.
24. Relativamente ao recibo #4, de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), JJ não recebeu o dinheiro em causa nem apôs qualquer assinatura no recibo correspondente, pois tal assinatura é parecida com a sua, mas não foi por si aposta.
24A. Relativamente ao recibo #5, no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), a representante do ..., JJ, não recebeu o dinheiro, nem assinou o recibo correspondente.
24B. Relativamente ao recibo #6, no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), a representante da ..., HH, não recebeu o dinheiro nem assinou o recibo correspondente.”.
*
D.6) O sexto erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito ao facto provado nº 25 e aos factos não provados nºs 14 a 18, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 33º a 37º da acusação/pronúncia.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar os factos não provados nºs 14 a 18º e deve fixar cinco novos factos provados (que incluem o facto provado nº 25), com o exacto teor dos artigos 33º a 37º da acusação/pronúncia.
No âmbito deste erro de julgamento, apesar de não ser expressamente referido pela Recorrente, impõe-se também a análise dos factos não provados nºs 3 a 8, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 16º, 18º, 20º, 22º e 24º da acusação/pronúncia.
Deve ser ponderada, neste âmbito, a eliminação dos factos não provados nºs 3 a 8º e a inclusão nos novos factos provados a da matéria factual que consta dos artigos 16º, 18º, 20º, 22º e 24º da acusação/pronúncia.
Está igualmente em causa uma questão nuclear para o objecto do processo.
Tendo-se concluído, atrás, que as representantes do «...» e da ...» não assinaram os recibos #2 a #6 e que não receberam os valores em causa nos recibos #2 a #6, está agora em causa saber se foram (ou não) os arguidos, em conluio, que levantaram a quantia total de €25.990,00 da conta da GG, simulando ser destinada ao Projecto identificado nos autos, que alteraram as planilhas e elaboraram IP, que emitiram cinco recibos correspondentes (os recibos #2 a #6), que em cada um desses recibos fizeram por fazer constar uma assinatura, como se da assinatura das destinatárias das quantias correspondentes se tratasse, logrando assim a apropriação para proveito próprio das quantias em causa (num total de €25.990,00).
No fundo, está em causa a execução do esquema fraudulento, cuja montagem a acusação/pronúncia imputa aos arguidos AA e BB, tendo em vista a apropriação de dinheiro pertencente à GG e que era destinado ao desenvolvimento de um Projecto por esta entidade (projecto financiado pelo fundo especial de “... em ...”, tendo como financiador a ... e tendo o ... como responsável pela execução do projecto).
A Recorrente/assistente/demandante GG, na indicação das «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», aludindo à natureza essencialmente conclusiva dos artigos da acusação em causa relativamente ao exposto nos artigos anteriores e referindo o propósito de evitar repetições, remeteu a análise das «concretas provas» relevantes para o erro de julgamento agora em análise para o manancial probatório exposto e analisado a propósito de outros erros de julgamento apontados à decisão recorrida (com expressa menção dos concretos pontos da motivação para os quais é feita a remissão).
A motivação do recurso (sintetizada na conclusão nº 21), não obstante a mencionada remissão, mostra-se perfeitamente esclarecedora quanto às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida».
Em face das provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na motivação de recurso e das considerações probatórias acima realizadas (realçando-se o papel relevante da prova indiciária na demonstração dos factos agora em análise, nos termos acima assinalados, e realçando-se, mais uma vez, o conteúdo do «Relatório da ... e anexos de fls. 41-125 [dos autos]», cuja relevância é mencionada pelo Recorrente MºPº, na conclusão IV da sua motivação de recurso; de realçar também, conforme já atrás referido, a insuficiência da fundamentação da decisão recorrida, ao valorar apenas o resultado da perícia elaborada nos autos [que concluiu não ser possível apurar quem foi o autor ou autores das assinaturas apostas nos recibos #2 a #6], quando é perfeitamente possível demonstrar tal autoria, ou a sua ausência, através de outras provas existentes nos autos), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida.
Aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela Recorrente/assistente/demandante GG (na motivação e sintetizada na conclusão nº 21), ressalta-se o seguinte:
Esta decisão resulta, nomeadamente, quanto:
a) à matéria do artigo 33.º da acusação, dos pontos 4 e 5 dos FP e do exposto nos capítulos II, IV.2 e IV.6;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «primeiro erro de julgamento, relativo à matéria de facto alegada no art.º 10º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 22 a 24 e aos factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
b) à matéria do artigo 34.º da acusação, dos pontos 10, 19 e 25 dos FP e do exposto nos capítulos II, IV.2, IV.4, IV.5 e IV.6;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «primeiro erro de julgamento, relativo à matéria de facto alegada no art.º 10º da acusação/pronúncia», na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia», na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
c) à matéria do artigo 35.º da acusação, dos pontos 6, 7, 10, 32 e 34 dos FP e do exposto nos capítulos II, IV.4 e IV.5;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia» e na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia».
d) à matéria do artigo 36.º da acusação, do exposto nos capítulos II IV.4 e IV.6; e
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
Salienta-se, ainda, a propósito do art.º 36º da acusação/pronúncia, a nota de rodapé nº 50 da motivação Recorrente/assistente/demandante GG, com a qual se concorda e à qual se adere (50 Tem-se aqui presente que não está provado terem sido os Recorridos os autores imediatos do abuso de assinatura das três representantes da ... nos recibos #2 a #6. Porém, afigura-se evidente, por todo o exposto, que pelo menos foram eles que “fizeram por fazer constar” (v. o artigo 36.º da acusação) essas assinaturas dos referidos documentos.).
Aqui também se inclui a matéria dos factos não provados nºs 3 a 7, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 16, 18, 20, 22 e 24 da acusação/pronúncia, estando em causa a concretização da actuação dos arguidos por referência a cada um dos recibos (#2 a #6) (“Neste recibo fizeram por apor uma assinatura…”)
e) à matéria do artigo 37.º da acusação, dos pontos 10, 19, 20 e 25 dos FP e do exposto nos capítulos II e IV.6.
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação dos factos não provados nºs 3, 4, 5, 6 e 7;
(ii) A eliminação dos factos não provados nºs 14, 15, 16, 17 e 18; e
(iii) Fixar seis novos factos provados, com os nºs 25, 25A, 25B, 25C, 25D e 25E, com o seguinte teor (teor dos arts. 16º, 18º, 20º, 22º e 24º da acusação/pronúncia, com pequenos ajustes de redacção [reproduzindo o que constava dos factos não provados nºs 3 a 7], e teor exacto dos arts. 33º a 37º da acusação/pronúncia [com inclusão do que constava do facto provado nº 25]):
“25. Porquanto, o arguido AA que, no âmbito deste Projecto, fazia efectivamente as entregas em numerário às representantes do ..., não lhes entregou as cinco parcelas supra referidas.
25A. Efectivamente, em conluio com o arguido BB, ambos os Arguidos levantaram, entre Maio de 2012 e Dezembro de 2013, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros) da conta da GG, que simularam ser destinado ao Projecto.
25B. E para justificar esses levantamentos, os arguidos alteraram as planilhas e elaboraram IP, para assim simular as entregas de dinheiro às representantes do ..., que se destinaria ao Projecto, pelo que emitiram cinco recibos correspondentes, #2 a #6.
25C. Nesses recibos os Arguidos fizeram por fazer constar uma assinatura, como se da assinatura das destinatárias da quantia se tratasse, a qual não foi por estas aposta, já que a correspondente quantia também não lhes foi entregue pelos arguidos.
25.D. Assim:
- No recibo #2 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de II se tratasse;
- No recibo #3 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse;
- No recibo #4 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse;
- No recibo #5 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse;
- No recibo #6 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de HH se tratasse.
25E. Assim, simulando que tais levantamentos se destinavam ao Projecto apoiado pela GG, os arguidos lograram levantar da conta bancária desta, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), do qual se apropriam para proveito próprio, através dos quatro cheques levantados à boca de caixa pelo arguido BB e da transferência bancária para a conta do arguido AA.”.
*
D.7) O sétimo erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito aos factos não provados nºs 19 a 23, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 38º a 42º da acusação/pronúncia (a Recorrente indica os factos não provados nºs 19 a 22, mas trata-se de lapso de escrita, de carácter manifesto, visto que a referência aos arts. 38º a 42º da acusação/pronúncia inclui necessariamente o facto não provado nº 23).
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar os factos não provados nºs 19 a 23 e deve fixar cinco novos factos provados, com o teor dos artigos 38º a 42º da acusação/pronúncia, com excepção do art.º 40º da acusação/pronúncia, para o qual propõe redacção diversa.
Está em causa a matéria factual relacionada com as conclusões e com os elementos subjectivos da conduta que a acusação/pronúncia imputa aos arguidos AA e BB (sendo que a parte objectiva da conduta dos arguidos AA já foi acima analisada).
A Recorrente/assistente/demandante GG, na indicação das «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», remeteu para a exposição precedente (o manancial probatório exposto e analisado a propósito de outros erros de julgamento apontados à decisão recorrida, com expressa menção dos concretos pontos da motivação para os quais é feita a remissão) e concluiu pela verificação dos referidos elementos subjectivos
A motivação do recurso (sintetizada na conclusão nº 22), não obstante a mencionada remissão, mostra-se perfeitamente esclarecedora quanto às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida».
Em face das provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na motivação de recurso e das considerações probatórias acima realizadas (realçando-se o papel relevante da prova indiciária na demonstração dos factos agora em análise, nos termos acima assinalados, e realçando-se, mais uma vez, o conteúdo do «Relatório da ... e anexos de fls. 41-125 [dos autos]», cuja relevância é mencionada pelo Recorrente MºPº, na conclusão IV da sua motivação de recurso; de realçar também, conforme já atrás referido, a insuficiência da fundamentação da decisão recorrida, ao valorar apenas o resultado da perícia elaborada nos autos [que concluiu não ser possível apurar quem foi o autor ou autores das assinaturas apostas nos recibos #2 a #6], quando é perfeitamente possível demonstrar tal autoria, ou a sua ausência, através de outras provas existentes nos autos), resulta evidente, em nosso entender, a imposição, nesta parte, de decisão diversa da recorrida.
Aderindo-se à análise crítica levada a cabo pela Recorrente/assistente/demandante GG (na motivação e sintetizada na conclusão nº 22), ressalta-se o seguinte:
258. Por tudo que já se expôs, é manifesto que os Recorridos, de forma livre, deliberada e consciente, por acordo e em conjugação de esforços, pensaram e quiseram montar, como efetivamente montaram, um esquema fraudulento (51), assente na alteração de planilhas e, sobretudo, na elaboração de IP’s com dados falsos (52), tudo de modo a poderem fazer seu, como efetivamente fizeram, €25.990,00 pertencentes à Recorrente (53), mas em termos tais que parecesse que esse dinheiro se destinava a um projeto de desenvolvimento do ... em ..., quando não era assim.
259. De resto, os Recorridos justificaram ainda junto da Recorrente o suposto recebimento dos montantes em causa com base nos recibos #2 a #6, que o Recorrido AA elaborou (54) e dos quais os Recorridos fizeram com que constassem assinaturas parecidas às das três representantes da Administração Pública ..., mas que não foram por elas apostas (55).
260. A atuação dos Recorridos e o esquema por eles engendrado, destinado não apenas a permitir a apropriação dos valores em causa sem que isso levantasse suspeitas (adulteração de planilhas e de IP’s, com introdução nestas da suposta necessidade de entrega dos valores em mão, inexistência de recibos no plano interno, aquando das entregas de dinheiro do Recorrido BB a AA, etc.), como também os atos praticados destinados a encobrir a prática dos crimes (apresentação de recibos com assinaturas falsas), revelam, sem margem para dúvidas, que os referidos Recorridos atuaram em conjugação de esforços (cada um contribuiu com aquilo que lhe era materialmente possível, dentro da estrutura da Recorrente), bem sabendo que não tinham direito aos valores dos quais se locupletaram e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei).
261. Impõe-se, pois, que o Tribunal ad quem elimine os pontos 19 a 2[3] dos FNP, levando a matéria em causa, que consta dos artigos 38.º a 42.º da acusação, aos FP.
262. Concretamente quanto ao artigo 40.º da acusação, o mesmo deve ser levado aos FP com o seguinte teor:
“Destarte, alteraram os dados constantes das planilhas enviadas a CC e depois fizeram por fazer constar dos recibo as assinaturas de II, JJ e HH, para justificar o suposto recebimento das quantias em causa, bem sabendo que os recibos que emitiram não correspondiam a verdadeira disposição patrimonial a favor daquelas, servindo para encobrir a apropriação ilegítima do dinheiro que fizeram seu”.
Esta decisão [eliminar os pontos 19 a 23 dos factos não provados e fixar cinco novos factos provados] resulta, nomeadamente, quanto:
a) à matéria do artigo 38.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.2, IV.5 e IV.6;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «primeiro erro de julgamento, relativo à matéria de facto alegada no art.º 10º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
b) à matéria do artigo 39.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.2, IV.4, IV.5 e IV.6;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «primeiro erro de julgamento, relativo à matéria de facto alegada no art.º 10º da acusação/pronúncia», na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia», na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
c) à matéria do artigo 40.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.4, IV.5 e IV.6;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia», na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
Salienta-se, ainda, a propósito do art.º 40º da acusação/pronúncia (cuja redacção não apresenta sintonia com a redacção do art.º 36º da acusação/pronúncia), a nota de rodapé nº 50 da motivação Recorrente/assistente/demandante GG, com a qual se concorda e à qual se adere, tendo aplicação à nova redacção proposta para o art.º 40º da acusação/pronúncia (50 Tem-se aqui presente que não está provado terem sido os Recorridos os autores imediatos do abuso de assinatura das três representantes da ...nos recibos #2 a #6. Porém, afigura-se evidente, por todo o exposto, que pelo menos foram eles que “fizeram por fazer constar” (v. o artigo 36.º da acusação) essas assinaturas dos referidos documentos.).
d) à matéria do artigo 41.º da acusação, do exposto nos capítulos II e IV.6; e
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
e) à matéria do artigo 42.º da acusação, do exposto nos capítulos II, IV.4, IV.5 e IV.6;
Quer dizer, relevaram aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia», na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação dos factos não provados nºs 19 a 23;
(ii) Fixar cinco novos factos provados, com os nºs 25F, 25G, 25H, 25I e 25J, com o seguinte teor (teor dos artigos 38º a 42º da acusação/pronúncia, com excepção do art.º 40º da acusação/pronúncia, para o qual propõe redacção diversa, conforme decorre do atrás exposto):
“25F. Agiram os arguidos AA e BB, de forma livre, deliberada e consciente, por acordo e em conjugação de esforços, pois pensaram e quiseram montar, como efetivamente montaram, um esquema fraudulento que consistiu em alterar planilhas e elaborar IP’s, de forma a que pudessem fazer seu dinheiro da GG, fazendo crer que tal dinheiro seria destinado ao Projeto por aquela desenvolvido, e como se esse dinheiro tivesse sido entregue a pessoas envolvidas no referido Projeto, quando, na verdade, tal dinheiro não foi destinado ao Projeto nem foi entregue às referidas pessoas, antes tendo os arguidos AA e BB feito suas as quantias em causa, com as quais se enriqueceram, como era sua vontade.
25G. Para tal os arguidos AA e BB decidiram, por um lado, alterar documentos previamente existentes, introduzindo nas planilhas os montantes a que se referem os recibos #2 a #6, usando-os seguidamente para tentar justificar (no que toca pelo menos à alteração da planilha) a diminuição patrimonial na GG, de, no total, €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros).
25H. Destarte, alteraram os dados constantes das planilhas enviadas a CC e depois fizeram por fazer constar dos recibos as assinaturas de II, JJ e HH, para justificar o suposto recebimento das quantias em causa, bem sabendo que os recibos que emitiram não correspondiam a verdadeira disposição patrimonial a favor daquelas, servindo para encobrir a apropriação ilegítima do dinheiro que fizeram seu.
25I. Com a sua conduta os arguidos causaram um prejuízo patrimonial à GG de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), montante com o qual se locupletaram.
25J. Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”.
*
D.8) O oitavo erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito aos factos provados nºs 44 e 59, relacionados com os factos alegados pelo arguido/recorrido AA na sua contestação.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar os factos provados nºs 44 e 59.
A Recorrente refere que o tribunal a quo deu como provado (nos mencionados factos) que os valores em causa se destinavam efectivamente às finalidades indicadas nos recibos.
Contudo, para além da afirmação vertida nos mencionados factos colidir com a afirmação que o tribunal a quo profere na sentença recorrida, segundo a qual haveria forte dúvida sobre o destino das quantias em causa (pag. 19: “fica instalada uma forte dúvida sobre o destino das quantias em causa”), resulta evidente da análise probatória atrás empreendida que os valores em causa foram alvo de apropriação pelos arguidos/recorridos, conforme é também salientado pela Recorrente, relevando aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia», na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação dos factos provados nºs 44 e 59.
Não se vislumbra, com a eliminação dos factos provados nºs 44 e 59, qualquer necessidade de fixação correspondente de factos não provados, porquanto o destino dos valores resulta evidente dos factos provados já fixados.
*
D.9) O nono erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito ao facto provado nº 45, relacionado com os factos alegados pelo arguido/recorrido AA na sua contestação.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar o facto provado nº 45.
A Recorrente refere que o tribunal a quo deu como provado (no mencionado facto) que o valor em causa (recibo #2) se destinava efectivamente a ser entregue à técnica do “...”, II.
Contudo, para além da afirmação vertida no mencionado facto colidir com a afirmação que o tribunal a quo profere na sentença recorrida, segundo a qual haveria forte dúvida sobre o destino das quantias em causa (pag. 19: “fica instalada uma forte dúvida sobre o destino das quantias em causa”), resulta evidente da análise probatória atrás empreendida que o valor em causa foi alvo de apropriação pelos arguidos/recorridos, conforme é também salientado pela Recorrente, relevando aqui (para além das considerações probatórias acima realizadas) as provas indicadas pela Recorrente/assistente/demandante GG na análise do «terceiro erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 13 a 17, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 15º, 17º, 19º, 21º e 23º da acusação/pronúncia», na análise do «quarto erro de julgamento, relativo aos factos provados nºs 18 e 19 e ao facto não provado nº 8, relacionados com a matéria de facto alegada no art.º 25º da acusação/pronúncia» e na análise do «quinto erro de julgamento, relacionado com os factos provados nºs 22 a 24 e os factos não provados nºs 2 e 9 a 13, relacionados com a matéria de facto alegada nos arts. 12º e 28º a 32º da acusação/pronúncia».
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação do facto provado nº 45.
Não se vislumbra, com a eliminação do facto provado nº 45, qualquer necessidade de fixação correspondente de facto não provado, porquanto o destino do valor resulta evidente dos factos provados já fixados.
*
D.10) O décimo (e último) erro de julgamento, identificado no recurso da assistente/demandante GG, diz respeito ao facto provado nº 52 (a conclusão 25.ª da motivação de recurso refere, por lapso manifesto, o ponto 55 dos FP), relacionado com os factos alegados pelo arguido/recorrido AA na sua contestação.
Entende a Recorrente que este Tribunal deve eliminar o facto provado nº 52.
A Recorrente refere que o tribunal a quo deu como provado (no mencionado facto) que, relativamente ao valor em causa (€4.500,00 – recibo #3), teria havido uma referência anterior à transferência do concreto montante em causa para uma conta do projecto em ... e teria existido uma posterior “indicação superior” para entrega do valor em causa em mão.
A Recorrente/assistente/demandante GG, na indicação das «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», exposição a que se adere, explica cabalmente a razão pela qual o facto em análise deve ser excluído dos factos provados:
277. Acontece que analisada a IP n.º ..., de fls. 85 e segs., e documentação conexa, não se vislumbra qualquer referência anterior à transferência do concreto montante em causa para uma conta do projeto em ....
278. Do mesmo modo, não se vislumbra qualquer “indicação superior” para entrega do valor em causa em mão a II.
279. Antes pelo contrário: a este propósito, declarou MM, testemunha indicada pelo próprio Recorrido AA:
“MM: Então, a partir desse momento, retornei para o ..., pedi esses documentos, não é? E fiz uma avaliação geral, um parecer técnico em cima desses documentos e aí aconteceram algumas inconsistências, digamos, e nós decidimos onde havia inconsistências relacionadas a datas, ou seja, datas em momentos em que as consultoras estavam em …, não coincidia com as datas que estavam nos recibos, assim como as assinaturas não estavam completas, faltando... é incompletas, digamos assim, essas assinaturas. Tanto que, eu fiz uma série de questionamentos, fiz um parecer, fiz uma série de questionamentos para a GG e devolvi para eles, só que eles me responderam, mas, de uma forma geral, não entraram nos detalhes. Eu, no meu caso, no meu parecer eu mandei detalhes, pedindo explicações dessas inconsistências, no qual, eles argumentavam que tinha... que a JJ, a II e a HH tinham recebido valores, mas ainda… ainda mais valores em mãos, não é? Que não é o correto diante da situação em que nós vivemos e, agora, principalmente, lá atrás. Enfim...
Mandatário do Arguido: Mas, o Senhor sabe se esses pagamentos eram feitos mesmo em mão? Ou seja, se isso era alguma instrução do ...? Era o ... que dava essa ordem?
MM: Então, a respeito desse caso, o que é que aconteceu? Pelo que por mim passou, pelo que eu me lembro lá atrás, o ... ele fazia solicitação dos equipamentos para a compra dos materiais, ele fazia até cotações - participava no processo de cotações - mas quem fazia a compra em si era a GG que fazia a compra, não é? E também fazia a logística de passar esse material para ....
Mandatário do Arguido: Mas, veja uma coisa, eu estou-lhe a perguntar é sobre a entrega dos valores não é tanto a compra dos materiais. Essa entrega era feita em numerário? Sabe se essa era uma ordem dada pelo ...? Queria que as técnicas recebessem em dinheiro, sabe alguma coisa disso?
MM: Não, não, isso de aí também não … não passa pelo ..., não. Pelo menos, o que eu acompanhei no período, não é? Tanto que os consultores - tanto a JJ, como a II - desconhecem, não é? Esse processo de receber em espécie esses valores, principalmente, a HH, que era da ... que até o nome dela foi envolvido, não é? Então ...”
- v. as declarações de MM, de 13.5.22, 05:00 a 08:00.
Assim, operando-se a modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto, imposta pela procedência da pretensão recursiva, nos termos atrás analisados, determina-se:
(i) A eliminação do facto provado nº 52.
Não se vislumbra, com a eliminação do facto provado nº 52, qualquer necessidade de fixação correspondente de facto não provado, porquanto dos factos provados já fixados resulta evidente o que aconteceu com relação ao valor em causa (recibo #3).
** Em suma, operada a modificação da decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre matéria de facto, por força da procedência das pretensões recursivas que versaram sobre a impugnação (ampla) da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 3, do CPP (e do disposto no art.º 431º, al. b), do CPP), conforme atrás analisado, os factos provados e não provados fixados nos presentes autos (não se incluindo aqui a factualidade relativa à inserção familiar, socioprofissional e antecedentes criminais dos arguidos AA e BB [factos provados nºs 71 a 83] e a factualidade do pedido de indemnização cível da demandante “ GG” [factos provados nºs 84 a 91], visto não ter havido impugnação (ampla) destes factos nos recursos interpostos nos autos) passam a ser os seguintes (constando a negrito os factos modificados e sendo feita menção aos factos eliminados, procurando manter-se a sequência factual que constava da sentença recorrida):
“3.2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Da acusação.
1. A GG com sede no ..., desenvolve projectos junto dos seus ..., sendo que entre os anos de 2011 e 2013 desenvolveu um projecto financiado pelo fundo especial de "...".
2. A "... com sede em ..., financiou o Projecto, dotando previamente a GG dos meios financeiros para o efeito, no valor de €692.481,15 (seiscentos e noventa e dois mil quatrocentos e oitenta e um euros e quinze cêntimos).
3. O "...", ..., com sede em ..., foi o responsável pela execução do Projecto.
4. No âmbito do referido Projecto, o Secretariado Executivo da GG destinou, entre outros, um conjunto de seis entregas de dinheiro, num total de €31.990,00 (trinta e um mil novecentos e noventa euros), que se destinariam a suportar despesas do "...", no âmbito do Projecto.
DOS PROCEDIMENTOS EM VIGOR
5. As entregas de dinheiro eram desencadeadas através de pedido, fundamentado, quanto à sua necessidade e finalidade, apresentado pelo "...".
6. Este pedido era dirigido ao arguido AA, técnico da Direcção de ... do Secretariado Executivo da GG, que geria o Projecto.
7. O arguido AA elaborava, então, a Informação Proposta, que era dirigida ao Director de ... da GG, CC, o qual a encaminhava à Direcção do Secretariado Executivo da GG, com base em "planilhas" enviadas à GG pelo "...", onde constavam as despesas necessárias para o desenvolvimento do projecto identificado.
8. Depois, caso a Direcção concordasse, após conhecimento dessa concordância, o então tesoureiro do Secretariado Executivo da GG, o arguido BB, emitia um cheque cruzado, geralmente à sua própria ordem (ou, em casos excepcionais, de outro trabalhador do Secretariado Executivo da GG), cheque esse que era assinado por duas pessoas autorizadas a fazê-lo (de entre um universo circunscrito que incluía o Secretário Executivo da GG, Directores e alguns pouco trabalhadores).
9. Seguidamente, o arguido BB apresentava o cheque no balcão, em …, da "...", onde o funcionário, que o conhecia, por saber que ele trabalhava para o Secretariado Executivo da GG, lhe permitia levantar imediatamente o valor que estivesse em causa, em dinheiro vivo.
9A. A seguir, o arguido BB deveria entregar esse dinheiro a AA, que, por sua vez, entregaria o dinheiro ao seu legítimo destinatário, contra a assinatura do respectivo recibo.
DOS FACTOS
10. Os valores em questão, a que se referem as seis entregas supra-referidas, foram levantados pelo arguido BB, com fundamento em pedidos (Informação Proposta) autorizados pelo Secretariado Executivo da GG, a fim de serem entregues, em mão, a uma de duas representantes do "..." e a uma representante da "..., a saber:
- JJ – representante do "..." e presidente do mesmo;
- II – representante do "..." e consultora do mesmo;
- HH – representante da "... e coordenadora-geral de ... desta instituição.
10A. No entanto, as representantes do ..., bem como a representante da ..., não receberam a totalidade dos valores em causa, nem assinaram os cinco recibos correspondentes. Assim:
11. Com data de … 2011, o arguido AA emitiu um recibo (#1), no valor de €6.000,00 (seis mil euros), referente a equipamentos e utensílios, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" (doravante designada abreviadamente por “IP”) n.º ….
12. Este recibo foi assinado por II e o dinheiro por ela recebido.
13. Com data de … 2012, o arguido AA emitiu um recibo (#2), no valor de €6.900,00 (seis mil e novecentos euros), referente à aquisição de tecidos, linhas de bordar e insumos para a manutenção das máquinas de costura, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ....
14. Com data de … 2012, o arguido AA emitiu um recibo (#3), no valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), referente a despesas diversas e com a gráfica, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ....
15. Com data de … 2012, o arguido AA emitiu um recibo (#4), no valor de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), referente à impressão de brochuras e de catálogos, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ….
16. Com data de … 2013, o arguido AA emitiu um recibo (#5), no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), referente à aquisição de tecidos para bordados e insumos para máquinas de costura, no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ….
17. Com data de … 2013, o arguido AA emitiu um recibo (#6), no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), referente ao apetrechamento da ... em ..., no âmbito do Projecto, e com expressa menção à "Informação Proposta" n.º ….
18. Nestas IP, com excepção da primeira, constavam valores que não se encontravam refletidos nas planilhas (folhas de cálculo ou tabelas) enviadas pelo ..., mas que foram forjados pelo arguido AA, como suporte da emissão de cinco cheques, à ordem do arguido BB, relativos aos valores a que se reportam os recibos #1 a #5 (Docs. n.ºs 7 a 11), sacados sobre a conta da GG da ... n.º ...:
- Cheque n.º ..., datado de …-2011, no valor de 6.000,00€, emitido à ordem de DD, por ela levantado;
- Cheque n.º ..., datado de …-2012, no valor de 6.900,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …-2012, no valor de 4.500,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …-2012, no valor de 5.800,00€, apresentado no balcão da ... e pago à boca de caixa ao arguido BB;
- Cheque n.º ..., datado de …-2013, no valor de 6.100,00€, apresentado no balcão da ... e pago ao arguido BB.
19. --------------
20. Sendo que, no caso do valor a que se reporta o recibo #6, não foi emitido cheque, tendo antes sido excepcionalmente ordenada uma transferência bancária, da conta da GG, para a conta de que o arguido AA é titular na "...", com o n.º …, com a transferência de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros) concretizada a …2013.
21. Relativamente às várias entregas de dinheiro, a representante do "...", II assinou o recibo #1 e recebeu o dinheiro em causa.
22. Já relativamente ao recibo #2 (com a pretensa assinatura de II), a representante do ..., II, não recebeu o dinheiro em causa, €6.900,00 (seis mil e novecentos euros) e não reconhece como sua a assinatura constante do recibo em análise.
23. Relativamente ao recibo #3, de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), JJ não recebeu o dinheiro e, pese embora a assinatura que consta do recibo seja parecida com a sua, não foi por si realizada, tanto mais que lhe falta uma parte.
24. Relativamente ao recibo #4, de €5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros), JJ não recebeu o dinheiro em causa nem apôs qualquer assinatura no recibo correspondente, pois tal assinatura é parecida com a sua, mas não foi por si aposta.
24A. Relativamente ao recibo #5, no valor de €6.100,00 (seis mil e cem euros), a representante do ..., JJ, não recebeu o dinheiro, nem assinou o recibo correspondente.
24B. Relativamente ao recibo #6, no valor de €2.690,00 (dois mil seiscentos e noventa euros), a representante da ..., HH, não recebeu o dinheiro nem assinou o recibo correspondente.”.
25. Porquanto, o arguido AA que, no âmbito deste Projecto, fazia efectivamente as entregas em numerário às representantes do ..., não lhes entregou as cinco parcelas supra referidas.
25A. Efectivamente, em conluio com o arguido BB, ambos os Arguidos levantaram, entre Maio de 2012 e Dezembro de 2013, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros) da conta da GG, que simularam ser destinado ao Projecto.
25B. E para justificar esses levantamentos, os arguidos alteraram as planilhas e elaboraram IP, para assim simular as entregas de dinheiro às representantes do ..., que se destinaria ao Projecto, pelo que emitiram cinco recibos correspondentes, #2 a #6.
25C. Nesses recibos os Arguidos fizeram por fazer constar uma assinatura, como se da assinatura das destinatárias da quantia se tratasse, a qual não foi por estas aposta, já que a correspondente quantia também não lhes foi entregue pelos arguidos.
25.D. Assim:
- No recibo #2 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de II se tratasse;
- No recibo #3 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse;
- No recibo #4 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse;
- No recibo #5 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de JJ se tratasse;
- No recibo #6 fizeram por apor uma assinatura como se da assinatura de HH se tratasse.
25E. Assim, simulando que tais levantamentos se destinavam ao Projecto apoiado pela GG, os arguidos lograram levantar da conta bancária desta, um total de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), do qual se apropriam para proveito próprio, através dos quatro cheques levantados à boca de caixa pelo arguido BB e da transferência bancária para a conta do arguido AA.
25F. Agiram os arguidos AA e BB, de forma livre, deliberada e consciente, por acordo e em conjugação de esforços, pois pensaram e quiseram montar, como efetivamente montaram, um esquema fraudulento que consistiu em alterar planilhas e elaborar IP’s, de forma a que pudessem fazer seu dinheiro da GG, fazendo crer que tal dinheiro seria destinado ao Projeto por aquela desenvolvido, e como se esse dinheiro tivesse sido entregue a pessoas envolvidas no referido Projeto, quando, na verdade, tal dinheiro não foi destinado ao Projeto nem foi entregue às referidas pessoas, antes tendo os arguidos AA e BB feito suas as quantias em causa, com as quais se enriqueceram, como era sua vontade.
25G. Para tal os arguidos AA e BB decidiram, por um lado, alterar documentos previamente existentes, introduzindo nas planilhas os montantes a que se referem os recibos #2 a #6, usando-os seguidamente para tentar justificar (no que toca pelo menos à alteração da planilha) a diminuição patrimonial na GG, de, no total, €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros).
25H. Destarte, alteraram os dados constantes das planilhas enviadas a CC e depois fizeram por fazer constar dos recibos as assinaturas de II, JJ e HH, para justificar o suposto recebimento das quantias em causa, bem sabendo que os recibos que emitiram não correspondiam a verdadeira disposição patrimonial a favor daquelas, servindo para encobrir a apropriação ilegítima do dinheiro que fizeram seu.
25I. Com a sua conduta os arguidos causaram um prejuízo patrimonial à GG de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), montante com o qual se locupletaram.
25J. Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Contestação do arguido AA.
A – Dos procedimentos gerais.
26. A GG desenvolve projectos de apoio junto dos ... da GG.
27. No âmbito deste projecto, a "... financiou o "Projecto de apoio ao desenvolvimento da produção de ... em ...", tendo encarregue o "...", com sede em ..., da execução deste projecto.
28. A GG recebeu cerca de €692.481,15 para a execução do projecto, tendo o Secretariado Executivo da GG destinado um conjunto de diversas entregas em dinheiro, com o objectivo de suportar as despesas das técnicas/consultoras do "..." e da ... em ..., das quais se destacam seis entregas em dinheiro (#1, #2, #3, #4, #5 e #6), as quais totalizam o valor de €31.990,00.
29. O procedimento oficial iniciava-se sempre com o pedido fundamentado e justificado, pelo "...", à "..., que posteriormente o remetia para a Missão do ... junto da GG, em …, que por sua vez dava entrada do pedido no gabinete do Secretário Executivo da GG, sendo assim recebido na GG e encaminhado para as respectivas áreas, nomeadamente, para os directores, que seguidamente os encaminham para o técnico que acompanhava o projecto dentro de cada uma das direcções.
30. Os pedidos do "..." foram recebidos pela Missão do ..., junto da GG, que os faziam chegar por nota verbal ao Secretariado Executivo (na prática, muitos deles viriam a ser encaminhados por mensagem de correio electrónico).
31. Aqui, eram reencaminhados para o director de ..., CC, que o reencaminhava para o arguido AA, técnico do projecto de ....
32. Perante este pedido, devidamente justificado pelo "...", o director de ... ordenava ao técnico (ao arguido AA), que elaborasse uma Informação Proposta, a qual era redigida com base em planilhas enviadas à GG pelo próprio "...".
33. Destas planilhas constavam as verbas com as despesas, os valores a afectar a cada rubrica e a respectiva justificação.
34. Elaborada a "Informação Proposta" pelo arguido AA, este submetiaa ao director de ..., CC, que validava os dados da "Informação Proposta" e, em caso de concordância, a submetia ao director da área financeira, para cabimento orçamental.
35. Havendo cabimentação orçamental, a tesouraria, através do tesoureiro da GG (o arguido BB), emitia um cheque cruzado, no valor indicado na "Informação Proposta" (previamente aprovada pelo director de ...), assinado por duas pessoas da GG, devidamente autorizadas, que posteriormente viria a ser levantado pelo próprio arguido BB, junto da "...".
36. A prática corrente dentro da GG veio a revelar que sempre que as técnicas visitavam a GG, eram recebidas pelo técnico que acompanhava o projecto (o arguido AA),
B – Dos valores:
#1 – recibo de €6.000,00
37. Em …/2011, foi emitido um cheque pela então tesoureira da GG DD, que o descontou junto da "...", entregando a quantia de €6.000,00 ao técnico do projecto (o arguido AA).
38. O arguido AA assinou um recibo comprovativo do recebimento da entrega desse valor, previamente elaborado pela tesoureira DD.
39. Este valor teve por base a "Informação Proposta" n.º …, elaborada pelo arguido AA, com a planilha recebida na Missão do ... junto da GG e oriunda do "...", devidamente aprovada pelo respectivo director de ..., CC.
40. [Eliminado]
41. Uma vez que o arguido AA, no âmbito da sua função de técnico do projecto, ia deslocar-se a ... e a técnica já se encontrava no local (em ...), o arguido AA levou consigo o dinheiro para a técnica (assim como o recibo previamente emitido por DD), entregando-os à técnica, solicitando a assinatura do recibo respeitante ao valor recebido e entregue.
42. Que esta assinou na sua presença.
#2 – recibo de €6.900,00
43. Em …/2012, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €6.900,003, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º ... de … de 2012.
44. [Eliminado]
45. [Eliminado]
46. A técnica II adoeceu gravemente no ... e não chegou a embarcar para …, sendo submetida a intervenção cirúrgica ainda no ....
47. Em consequência, o arguido AA diligenciou junto da agência de viagens para a alteração do bilhete da viagem.
48. O arguido AA esteve de baixa médica no período compreendido entre 03/04/2012 e 14/04/2012.
49. A qual foi prorrogada, no período de 15 de Abril a 15 de Maio de 2012, sendo que o arguido AA apenas se manteve de baixa até ao início de Maio, tendo, em 11 de Maio de 2012 e por se encontrar já recuperado, iniciado o gozo de férias previamente agendadas com a família nos ..., no período de 11 a 20 de Maio de 2012.
# 3 - Recibo de €4.500,00
50. Em …/2012, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €4.500,00, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º ... de … de 2012.
51. Esta "Informação Proposta" n.º ..., de …/2012, da autoria do arguido AA, especificava a natureza das despesas a adquirir pela técnica JJ, nomeadamente as despesas com miscelâneas, insumos, matérias primas e materiais permanentes (equipamento informático), assim como as despesas com a gráfica.
52. [Eliminado]
53. O levantamento do valor no banco pelo arguido BB ocorreu no período da manhã do dia 16 de Agosto.
# 4 – Recibo de €5.800,00
54. Em …/2012, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €5.800,00, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º … de … de 2012.
55. Este cheque foi descontado pelo arguido BB em …/2012.
56. O arguido AA encontrava-se de férias nos …, no período compreendido entre 27 de Novembro e 8 de Dezembro de 2012.
57. Por mensagem de correio electrónico datado de 27 de Novembro de 2012, o arguido BB contactou a técnica JJ, no sentido de combinar com esta a entrega do valor destinado às despesas do projecto
# 5 – recibo de €6.100,00
58. Em …/2013, o arguido BB emitiu um cheque no valor de €6.100,0011, que descontou na "...", o qual teve por base a "Informação Proposta" n.º … de … de 2012.
59. [Eliminado]
60. Este cheque foi descontado pelo arguido BB em …/2013.
61. O arguido AA não esteve com a técnica JJ, aquando da passagem desta por …, a caminho de ....
# 6 – recibo de €2.690,00
62. O arguido BB não levantou o cheque a tempo de o entregar à técnica HH, a GG não dispunha de valores monetários para entregar à técnica.
63. O arguido AA disponibilizou-se em adiantar o valor a entregar à técnica, do seu próprio bolso, para desbloquear a situação.
64. Mais tarde, o valor viria a ser transferido pela GG para a conta pessoal do arguido AA.
65. Nesse mesmo dia ... de Dezembro de 2013, após um almoço no qual estiveram o arguido AA, HH, PP (da "...), NN, JC e KK, do secretariado da GG, o arguido AA, juntamente com HH, NN e a colega KK regressaram à GG.
C – Da alegada falsificação de planilhas e recibos.
66. Ao elaborar a "Informação Proposta" n.º … em …/2012, o arguido AA utilizou a planilha recebida conjuntamente com o Ofício … da Missão do ... em … junto à GG, de 8 de Novembro.
67. Este ofício foi deixado por CC na mesa do arguido AA, durante o período em que esteve ausente da GG (missão em ..., de 2 a 11 de Novembro, internado com gastroenterite aguda na "… para que este elaborasse, com a indicação de que deveria "dar seguimento conforme combinado e acordado no email do dia …/2012 para a ...".
68. O arguido, juntamente com a colega KK, solicitaram ao arquivo histórico da GG, a cópia do original do Ofício …, com a planilha em anexo, do qual não consta a verba dos €5.800,00.
69. Foi localizada no seu computador do arguido AA uma versão da planilha com os €5.800,00, com data posterior à da emissão do recibo.
70. A GG com uma periodicidade semestral, comunicava à "..., com conhecimento "cc" de todos os intervenientes no processo, uma informação detalhada do andamento do projecto, remetendo-lhes um relatório com as despesas e as receitas do projecto.
**
3.2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Da acusação.
DOS PROCEDIMENTOS EM VIGOR
1. [Eliminado]
DOS FACTOS
2. [Eliminado]
3. [Eliminado]
4. [Eliminado]
5. [Eliminado]
6. [Eliminado]
7. [Eliminado]
8. [Eliminado]
9. [Eliminado]
10. [Eliminado]
11. [Eliminado]
12. [Eliminado]
13. [Eliminado]
14. [Eliminado]
15. [Eliminado]
16. [Eliminado]
17. [Eliminado]
18. [Eliminado]
19. [Eliminado]
20. [Eliminado]
21. [Eliminado]
22. [Eliminado]
23. [Eliminado]
Contestação do arguido AA.
A – Dos procedimentos gerais.
24. O procedimento normal passava por ser o arguido BB a entregar os valores directamente às técnicas, contra a entrega de um recibo comprovativo do recebimento.
25. Sendo que tais entregas de valores ocorreriam na presença, pelo menos, dos três, ou seja, do técnico do projecto, o técnico do "..." ou da "... que fazia escala em …, vindo do ..., para levar os valores destinados a suportar as actividades previstas para o projecto, e o tesoureiro, que no acto entregava o valor, em dinheiro.
26. Sempre que, por qualquer outra ocorrência, tal não acontecia, o tesoureiro entregava o dinheiro ao técnico do projecto (o arguido AA) e este assinava um recibo respeitante ao recebimento desse valor.
27. Quando a técnica do "..." ou da "... chegava a Portugal, deslocava-se à GG e era-lhe entregue o dinheiro, contra a assinatura do recibo, já previamente elaborado pelo tesoureiro.
28. Caso o gestor do projecto não estivesse na altura na GG, cabia ao tesoureiro receber os técnicos e entregar o dinheiro, contra a elaboração do recibo do recebimento, que deveria recolher destes, deviamente assinado.
B – Dos valores:
#2 – recibo de €6.900,00
29. O recibo assinado pela técnica e comprovativo do recebimento deste valor está datado de 10 de Maio de 2012.
# 3 - Recibo de €4.500,00
30. Antes de saírem para o almoço, o arguido AA chamou o arguido BB, que lhe entregou o dinheiro, que este entregou de imediato à técnica, que se encontrava em sala, juntamente com a chefe de gabinete LL, contra a assinatura do recibo respectivo.
# 4 – Recibo de €5.800,00
31. JJ respondeu ao arguido BB que chegaria a Lisboa, a 29/11/2012, pelo que passaria pelas instalações da GG para receber o dinheiro.
32. O arguido AA não foi interveniente na elaboração do recibo assinado por JJ.
# 6 – recibo de €2.690,00
33. No dia ... de Dezembro de 2013, o arguido AA chamou o arguido BB, que desceu à sala das visitas, trazendo em numerário €2.690,00, bem como €1.095,43, outro valor referente a ajudas de custo destinadas a HH.
34. Foi o arguido BB que trouxe ambos os valores, assim como os recibos respectivos, por si elaborados, que foram entregues e assinados por HH,
C – Da alegada falsificação de planilhas e recibos.
35. O arguido AA não alterou a planilha original.”.
A consequência jurídica da modificação da matéria de facto provada e não provada será questão a analisar de seguida.
*
3.3. Qualificação jurídica dos (novos) factos.
Operada a modificação da decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre matéria de facto, por força da procedência das pretensões recursivas que versaram sobre a impugnação (ampla) da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 3, do CPP (e do disposto no art.º 431º, al. b), do CPP), conforme atrás analisado, deverá o tribunal ad quem (este Tribunal) enquadrar juridicamente os (novos) factos resultantes daquela alteração factual, quer porque tal dever resulta da lei (a decisão do tribunal de recurso deve ser completa, conhecendo do objecto do recurso na sua totalidade), quer porque tal apreciação lhe foi pedida pela Recorrente/assistente/demandante GG, cabendo-lhe, desde logo, formular um juízo positivo ou negativo sobre a culpabilidade dos arguidos (à luz do novo enquadramento factual).
Na sentença recorrida, os arguidos/recorridos AA e BB foram absolvidos da prática (em co-autoria e em unidade de resolução criminosa) de um crime de burla qualificada (p. e p. nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 alínea a), com referência ao artigo 202.º alínea b) do Código Penal) e de um crime de falsificação de documento (p. e p. no artigo 256.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal), de que se encontravam acusados/pronunciados.
A Recorrente/assistente/demandante GG entende que, por via da procedência do recurso quanto à impugnação ampla da matéria de facto (com inerente alteração da matéria de facto provada e não provada), os arguidos/recorridos AA e BB devem ser condenados pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de burla qualificada (p. e p. nos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal) e de um crime de falsificação de documento (p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, alíneas b), d) e e), do Código Penal) (o Recorrente MºPº, por seu turno, pugnou, em recurso, pela declaração das nulidades e erros que apontou à sentença recorrida e pela devolução dos autos à 1ª Instância a fim de serem supridos tais vícios, o que não acontecerá, como já analisado).
Vejamos.
A) Crime de burla qualificada.
Dispõe o artigo 217º, nº 1, do Código Penal: “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”.
Dispõe o artigo 218º, nº 2, al. a), do Código Penal: “A pena é a de prisão de dois a oito anos se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado.”.
O prejuízo de valor consideravelmente elevado é aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto (cfr. art.º 202º, al. b), do Código Penal), i.e., aquele que exceder €20.400,00 (desde 20/04/2009 que a UC está fixada em €102,00).
Como salienta Almeida Costa (“Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo II, pag. 293 e, agora, em “A Burla no Código Penal Português”, 2020, pags. 38 e ss.), a burla constitui um crime material ou de resultado, cuja consumação depende da verificação de um evento que se traduz na saída dos bens ou valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do detentor dos mesmos ao tempo da infracção.
Por outro lado, a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento. Traduz-se ela na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
A análise do art.º 217º, nº 1, do CP, permite distinguir os seguintes elementos objectivos do tipo de crime:
a) Na delimitação do círculo de autores indica-se que qualquer pessoa (“quem”) pode cometer o crime;
b) Requer-se o emprego de “astúcia” pelo agente;
c) Prevê-se o “erro ou engano” da vítima devido ao emprego da astúcia;
d) Refere-se a “prática de actos” pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida;
e) Exige-se o “prejuízo patrimonial” – da vítima ou de terceiro – resultante da prática dos referidos actos.
Ao nível da imputação, a consumação da burla passa por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.
Relativamente ao tipo subjectivo, o crime de burla caracteriza-se por o agente actuar com dolo, a que acresce um elemento subjectivo especial – o chamado “dolo específico”.
Assim, o agente deverá actuar com conhecimento e vontade de realização da globalidade dos elementos do tipo objectivo e ainda com a específica intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo.
A forma qualificada do crime (prevista no art.º 218º) leva pressuposta uma especial censurabilidade (assente, no caso do nº 2, al. a), na circunstância objectiva de o prejuízo patrimonial ser de valor consideravelmente elevado i.e., aquele que exceder 200 UC avaliadas no momento da prática do facto [art.º 202º, al. b), do Código Penal], i.e., valor superior a €20.400,00).
O elenco de circunstâncias do tipo qualificado é taxativo e de funcionamento automático e as circunstâncias têm de ser abrangidas pelo dolo do agente, embora em relação às circunstâncias atinentes ao valor seja exigível apenas um dolo geral. Revertendo para o caso dos autos.
A afirmação da existência de um esquema fraudulento significa, em termos normais, que está em causa um crime de burla, o que se confirma no caso dos autos.
Como já foi referido na motivação da decisão de facto, discute-se nos autos, a imputação aos arguidos/recorridos AA e BB de uma conduta traduzida na montagem de um esquema fraudulento tendo em vista a apropriação de dinheiro pertencente à GG (que era destinado ao desenvolvimento de um Projecto por esta entidade – projecto financiado pelo fundo especial de “... em ...”, tendo como financiador a ... e tendo o ... como responsável pela execução do projecto).
Após a fixação dos factos provados e não provados (i.e., após a modificação da decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre matéria de facto, por força da procedência das pretensões recursivas que versaram sobre a impugnação (ampla) da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 3, do CPP (e do disposto no art.º 431º, al. b), do CPP), conforme atrás analisado), a actuação dos arguidos, em termos gerais, pode ser assim descrita (de acordo com os factos dados como provados):
25F. Agiram os arguidos AA e BB, de forma livre, deliberada e consciente, por acordo e em conjugação de esforços, pois pensaram e quiseram montar, como efetivamente montaram, um esquema fraudulento que consistiu em alterar planilhas e elaborar IP’s, de forma a que pudessem fazer seu dinheiro da GG, fazendo crer que tal dinheiro seria destinado ao Projeto por aquela desenvolvido, e como se esse dinheiro tivesse sido entregue a pessoas envolvidas no referido Projeto, quando, na verdade, tal dinheiro não foi destinado ao Projeto nem foi entregue às referidas pessoas, antes tendo os arguidos AA e BB feito suas as quantias em causa, com as quais se enriqueceram, como era sua vontade.
25G. Para tal os arguidos AA e BB decidiram, por um lado, alterar documentos previamente existentes, introduzindo nas planilhas os montantes a que se referem os recibos #2 a #6, usando-os seguidamente para tentar justificar (no que toca pelo menos à alteração da planilha) a diminuição patrimonial na GG, de, no total, €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros).
25H. Destarte, alteraram os dados constantes das planilhas enviadas a CC e depois fizeram por fazer constar dos recibos as assinaturas de II, JJ e HH, para justificar o suposto recebimento das quantias em causa, bem sabendo que os recibos que emitiram não correspondiam a verdadeira disposição patrimonial a favor daquelas, servindo para encobrir a apropriação ilegítima do dinheiro que fizeram seu.
25I. Com a sua conduta os arguidos causaram um prejuízo patrimonial à GG de €25.990,00 (vinte e cinco mil novecentos e noventa euros), montante com o qual se locupletaram.
25J. Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Esta descrição (súmula conclusiva) da actuação dos arguidos contém os momentos objectivos e subjectivos do crime de burla (incluindo a qualificativa imputada nos autos aos arguidos).
Os factos provados nºs 1 a 25E descrevem pormenorizadamente as circunstâncias em que os arguidos/recorridos, por acordo e em conjugação de esforços, levaram a cabo o aludido esquema fraudulento, nomeadamente, descrevem a utilização de um meio enganoso complexo (com vários actos ou etapas) pelos arguidos/recorridos, tendente a induzir, como induziu, a ofendida ( GG) em erro, levando esta, em consequência de tal actuação, a realizar deslocações monetárias para os arguidos, de que resultou para a ofendida, como consequência directa, um prejuízo patrimonial no valor global de €25.990,00.
Provou-se ainda que os arguidos/recorridos actuaram livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de obter, para si, como efectivamente obtiveram, um enriquecimento ilegítimo, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Em resumo, a conduta dos arguidos/recorridos, descrita nos factos provados, integra a prática, em co-autoria, do crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal).
Uma breve nota final, respeitante à questão da existência de unidade ou pluralidade criminosa.
De acordo com o art.º 30º, nº 1, do Código Penal, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
A conduta dos arguidos/recorridos, descrita nos factos provados, desdobra-se em distintas actuações temporais, conducentes a distintas atribuições patrimoniais.
Contudo, os factos provados englobam as mencionadas distintas actuações no âmbito de um único esquema fraudulento e causando um prejuízo patrimonial de valor global.
De resto, a acusação/pronúncia imputa a prática do crime de burla qualificada aos arguidos/recorridos «em unidade de resolução criminosa».
Como escreveu Eduardo Correia (“A Teoria do Concurso em Direito Criminal: Unidade e Pluralidade de Infracções”), a propósito do índice da unidade ou pluralidade de determinações volitivas (as resoluções criminosas), a unidade de tal determinações volitivas existe quando as actividades do agente estão ligadas por uma conexão temporal tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.
Ora, «resolução neste sentido [para efeitos de determinação do número de infracções cometido pelo agente] é o termo daquele específico momento do processo volitivo em que o “eu” pondera o valor ou desvalor, os prós e os contras dum projecto concebido. É o termo daquela específica fase da volição, que metaforicamente se costuma descrever como constituída por uma luta de motivos e contra motivos, na qual o próprio “eu” intervém activamente numa afirmação da sua personalidade. Deste modo, quando se trate de um projecto criminoso que entra em execução, é precisamente no momento em que o agente toma a resolução de o realizar que a ineficácia da norma, na sua função de determinação, se verifica. Se, pois, diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade criminosa, diversas vezes deixa a norma de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os fundamentos para os juízos de censura em que a culpa se analisa».
Aplicadas as considerações expostas ao caso que aqui nos ocupa, não se mostra difícil concluir que, tal como proposto na acusação/pronúncia, os arguidos/recorridos actuaram «em unidade de resolução criminosa».
Em resumo, os arguidos/recorridos praticaram, em co-autoria e na forma consumada, um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal).
*
B) Crime de falsificação de documento.
Dispõe o artigo 256º do Código Penal (CP), na parte que aqui releva: «1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (…) b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documentos; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou (…) é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.».
No crime de falsificação de documento pretende-se proteger o valor probatório dos documentos, sendo que a confiança na prova documental tem de ser tutelada pelo Estado para que os documentos possam merecer fé pública.
Trata-se de um delito pluri-ofensivo no qual se protege, por um lado, a fé pública do documento e, por outro, os interesses específicos que estão assegurados ou garantidos pelo documento como meio de prova.
Contudo, estes não são os únicos bens jurídicos particularmente protegidos com a incriminação. De facto, face ao elemento típico subjectivo consubstanciado na “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo” ou (na versão da Lei nº 59/2007, de 04-09) “de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”, é de admitir que o tipo em causa visa proteger aqueles primeiros valores, mas (também) em razão do prejuízo que os atentados contra eles podem causar a interesses de particulares. Esses interesses particulares, se bem que não exclusivamente, são, pois, protegidos de modo particular pela incriminação, constituindo um dos objectos imediatos da incriminação.
Como sabido, a falsificação de documentos abrange quer a falsificação material, quer a falsificação ideológica. Na falsificação material “ocorre uma alteração, modificação total ou parcial do documento”, enquanto na falsificação ideológica “o documento é inverídico: tanto é inverídico o documento que é diferente do declarado, como o documento que, embora conforme com a declaração, incorpora um facto falso juridicamente relevante” (cfr. Helena Moniz, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo II, pag. 676).
Integram ainda a tipicidade do crime de falsificação as condutas consubstanciadas em fraude na identificação ou abuso de assinatura de outra pessoa (i.e., a integração no documento de uma assinatura de outra pessoa – al. c) do nº 1 do art.º 256º) e em circulação do documento falso (i.e., o uso, detenção ou cedência de documento falso por pessoa que não o autor da fabricação ou falsificação, seja qual for a modalidade de falsificação ideológica ou material – al. e) do nº 1 do art.º 256º).
É elemento subjectivo do crime de falsificação de documentos a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo ou (na versão da Lei nº 59/2007, de 04-09) de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
O art.º 255º do CP define documento para efeitos penais, como a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.
Esta noção de documento sofreu a influência de uma evolução e acaba por nos dar um conceito de documento com todas as características que permitem assegurar as funções de perpetuação, probatória e de garantia que são exigidas ao documento enquanto objecto material do crime falsificação de documentos.
Documento, para efeitos de direito penal, não é material que corporiza a declaração, mas a própria declaração, independentemente do material em que está corporizada. E declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação).
O que permite integrar na noção de documento não só o documento autêntico ou autenticado, do direito civil, que tem força probatória plena, mas qualquer outro – escrito, isto em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico – que integre declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante (quer tal destino lhe seja dado desde o início - documentos intencionais - quer posteriormente - documentos ocasionais).
Trata-se de uma noção bastante mais ampla do que a inscrita no âmbito do direito civil, e que permite já considerar como documento as declarações inscritas através de qualquer novo meio técnico de gravação, ponto é que se trate de uma declaração idónea a provar facto juridicamente relevante (função probatória) e que permita reconhecer o emitente (função de garantia).
Documento é, pois, a declaração de um pensamento humano que deverá ser corporizada num objecto que possa constituir meio de prova, só assim se compreendendo que o crime de falsificação de documento proteja o espaço bem jurídico que é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório.
Não é relevante que se trate de um documento intencional – que abrange todos os documentos que são criados com o objectivo constituírem um meio de prova num processo – ou se trate de um documento ocasional – documentos que representam uma determinada declaração de vontade, mas que, no momento da sua produção ou elaboração não foram criados com intenção de servirem como meio de prova, embora tal destino lhes viesse a ser dado posteriormente (no âmbito dos documentos intencionais distingue-se entre documentos dispositivos – que contêm uma declaração de vontade, enquanto declaração contratual no sentido de formar, extinguir ou modificar alguma relação jurídica, sendo documentos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos – e documentos testemunhais – o seu conteúdo resume-se ao testemunho de algum facto pelo autor).
Trata-se de um conceito aberto e poroso o que permitirá absorver as sucessivas formas comunicacionais que o futuro irá trazer e, em relação aos quais se colocam as mesmas questões de necessidade em termos de tutela (cfr. Ac. STJ, de 20/12/2006; relator: Santos Cabral; in www.dgsi.pt). Revertendo para o caso dos autos.
Após a fixação dos factos provados e não provados (i.e., após a modificação da decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre matéria de facto, por força da procedência das pretensões recursivas que versaram sobre a impugnação (ampla) da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 3, do CPP (e do disposto no art.º 431º, al. b), do CPP), conforme atrás analisado), a actuação dos arguidos/recorridos, por acordo e em conjugação de esforços, no que agora releva, traduziu-se no seguinte:
1. Os arguidos/recorridos fizeram por apor assinaturas nos recibos #2 a #6, como se se tratasse das assinaturas de II (no caso do recibo #2), de JJ (no caso dos recibos #3 a #5) e de HH (no caso do recibo #6) (cfr. factos provados nºs 25C, 25D e 25H).
A acusação/pronúncia alternava entre as expressões [os arguidos] “fizeram por apor”/“fizeram por fazer constar” (arts. 16, 18, 20, 22, 24 e 36) e a expressão “falsificaram os recibos com as assinaturas de II, JJ e HH, tendo forjado tais assinaturas nos recibos” (art.º 40).
Os factos provados agora fixados (na presente decisão), sanando a referida incongruência, referem que os arguidos/recorridos “fizeram por apor assinaturas” (nos recibos #2 a #6).
Tal significa, como é referido pela Recorrente/assistente/demandante GG na sua motivação de recurso, que não se conseguiu apurar quem foi o autor imediato ou o executor material de tais assinaturas (não verdadeiras), e qual a verdadeira amplitude do domínio do facto pelos arguidos/recorridos, o que afasta, neste aspecto em concreto, o preenchimento dos elementos do tipo do crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, al. c): Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento.).
Quer dizer, não se mostra possível integrar a conduta dos arguidos/recorridos na al. c) do nº 1 do art.º 256º do CP (tal como constava da acusação/pronúncia).
2. Os arguidos/recorridos, em co-autoria, por intermédio imediato do arguido/recorrido AA, alteraram as planilhas, de modo a nelas prever os valores em causa, e, seguidamente, elaboraram as respectivas IPs, contendo estas os valores em causa, sendo que as planilhas e as IPs foram usadas como suporte da disponibilização, pela Recorrente/assistente/demandante GG, desses mesmos valores (cfr., por ex., os factos provados nºs 18 e 25B).
A conduta dos arguidos/recorridos, traduzida na alteração das planilhas, integra a modalidade típica prevista no art.º 256º, nº 1, al. b), do CP: Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram (tal como constava da acusação/pronúncia), pois os arguidos/recorridos alteraram documentos (planilhas) previamente existentes.
A conduta dos arguidos/recorridos, traduzida na elaboração das IPs, integra a modalidade típica prevista no art.º 256º, nº 1, al. d), do CP: Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes factos juridicamente relevantes, pois os arguidos/recorridos declararam em tais documentos (que são documentos regulares, provenientes de quem deviam provir) factos falsos juridicamente relevantes. Como é referido pela Recorrente/assistente/demandante GG na sua motivação de recurso, os arguidos/recorridos introduziram em cada uma das cinco IPs (cuja elaboração efetivamente competia ao Recorrido AA, enquanto técnico do departamento de ...) duas menções que são juridicamente relevantes, mas não tinham razão de ser: a) por um lado, o descritivo da suposta despesa e o seu montante; b) por outro lado, a referência de que os montantes em causa deveriam ser entregues em numerário.
Uma vez que a modalidade típica prevista no art.º 256º, nº 1, al. d), do CP não constava da acusação/pronúncia, coloca-se a questão da eventual necessidade de comunicar à defesa uma alteração da qualificação jurídica (questão que é referida pela Recorrente/assistente/demandante GG na conclusão 27.ª da motivação de recurso).
Consideramos, no entanto, não haver necessidade de tal comunicação, porquanto, de acordo com o disposto no art.º 424º, nº 3, do CPP, o dever de comunicação ao arguido aí previsto só se verifica perante alteração «não conhecida do arguido», o que não acontece, por exemplo, quando tal alteração tenha derivado das conclusões do recurso da assistente (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), “Comentário do Código de Processo Penal”, Volume II, 2023, pag. 705).
Apuraram-se igualmente os elementos subjectivos do tipo legal de crime em análise, pois provou-se que os arguidos/recorridos, agindo livre, voluntária e conscientemente, quiseram actuar da forma descrita, bem sabendo que o não podiam fazer, com a intenção de obter para si um benefício a que não tinham direito (o valor correspondente a €25.990,00) e, simultaneamente, causar um prejuízo patrimonial à Recorrente/assistente/demandante GG de igual valor.
3. Os arguidos/recorridos, em co-autoria, usaram as planilhas e as IPs como suporte da disponibilização, pela Recorrente/assistente/demandante GG, dos valores em causa (cfr., por ex., os factos provados nºs 18 e 25B).
Quer dizer, a conduta dos arguidos/recorridos, traduzida na utilização das planilhas e das IPs, integra a modalidade típica prevista no art.º 256º, nº 1, al. e), do CP: Usar documento a que se referem as alíneas anteriores.
Contudo, os arguidos/recorridos não serão condenados por esta modalidade típica, porquanto, o agente que usa o documento que ele próprio fabricou ou falsificou é punível apenas pela fabricação ou falsificação (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), “Comentário do Código Penal”, 2022, pag. 1035).
4. Impõe-se, também aqui (a propósito do crime de falsificação de documento), uma breve nota final, respeitante à questão da existência de unidade ou pluralidade criminosa.
Têm aqui aplicação as considerações atrás expostas para idêntica questão, relacionada com o crime de burla qualificada.
A conduta dos arguidos/recorridos, descrita nos factos provados, desdobra-se em distintas actuações temporais, com diferentes actos de falsificação de documento e conducentes a distintas atribuições patrimoniais.
Contudo, os factos provados englobam as mencionadas distintas actuações no âmbito de um único esquema fraudulento e causando um prejuízo patrimonial de valor global.
De resto, a acusação/pronúncia imputa a prática do crime de falsificação de documento aos arguidos/recorridos «em unidade de resolução criminosa».
Aplicadas as considerações expostas ao caso que aqui nos ocupa, não se mostra difícil concluir que, tal como proposto na acusação/pronúncia, os arguidos/recorridos actuaram «em unidade de resolução criminosa».
5. Em resumo, os arguidos/recorridos praticaram, em co-autoria e na forma consumada, um crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal).
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C) Concurso de crimes (burla qualificada e falsificação de documento).
Tendo ficado assente que as condutas dos arguidos/recorridos integram a prática de um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) e de um crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal), nos termos atrás analisados, importa agora saber se tais crimes são punidos (ou não) em concurso real (conforme consta da acusação/pronúncia).
Nesta matéria, importa chamar à colação a jurisprudência fixada pelo Ac. STJ (Fixação de Jurisprudência), de 05/06/2013 (relator: Santos Cabral; in DR, I Série, de 10/07/2013, pags. 4015 e ss.), segundo a qual: “A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256º do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes”.
Concluindo, os arguidos/recorridos praticaram, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real ou efectivo, um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) e um crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal).
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3.4. As consequências jurídicas do crime (penas parcelares, pena única e penas de substituição).
Tendo esta Relação, em recurso, revogado a decisão absolutória da 1ª Instância e formulado um juízo positivo sobre a culpabilidade dos arguidos/recorridos (entendendo que estes praticaram, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real ou efectivo, um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) e um crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal)), segue-se a questão de saber se cabe a esta Relação (ou à 1ª Instância) proceder à escolha e determinação da medida concreta da pena, i.e., à determinação da sanção.
Nesta matéria, tem aplicação o Acórdão do STJ nº 4/2016 (Fixação de Jurisprudência), de 21/01/2016 (in DR, 1.ª Série, de 22/02/2016, pags. 532 e ss.), segundo a qual: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.”.
Não obstante os termos aparentemente amplos deste Acórdão, apenas estão ali abrangidas as situações em que, não obstante decisão absolutória e o disposto no art.º 369º, nº 1, do CPP, o tribunal recorrido procedeu ao apuramento e fixação dos factos relativos à determinação da pena, procedendo então o tribunal da relação às operações de determinação da sanção com base naqueles factos, nos mesmos termos em que o faz nos demais casos de determinação da pena em substituição do tribunal recorrido (cfr. António Latas/Pedro Soares de Albergaria, anotação ao art.º 424º do CPP, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo V, 2024, pag. 281).
No caso dos autos, a decisão recorrida contém os factos pertinentes para a determinação da pena a aplicar aos arguidos/recorridos (cfr. os factos provados nºs 71 a 83), procedendo então esta Relação às operações de determinação da sanção com base naqueles factos.
Cumpre salientar que no direito processual penal português o princípio geral em sede de fixação da pena concreta é o da independência judicial relativamente aos outros sujeitos processuais (com pequenas excepções que não relevam para o caso dos autos), tendo por referência os factos provados e o direito aplicável.
Vejamos.
De acordo com as coordenadas lógicas do sistema penal português, no que respeita às reacções criminais, a compreensão dos fundamentos, do sentido e dos limites das penas deve partir de uma concepção de prevenção geral de integração (a pena só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos – art.º 40º, nº 1, do CP –, visando uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada e em que a intimidação só actua dentro do campo marcado por certas orientações culturais, por modelos ético-sociais de comportamento que a pena visa reforçar), ligada institucionalmente a uma pena da culpa (a pena deve supor sempre e sem alternativa um elemento ético de censura pessoal do facto ao seu agente, por exigência constitucional de respeito da dignidade da pessoa humana, revelando a personalidade do agente para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico perpetrado; a culpa constitui ainda o limite inultrapassável da pena – art.º 40º, nº 2, do CP), a ser executada com um sentido predominante de (re)socialização do delinquente (trata-se de oferecer ou de proporcionar ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o ordenamento jurídico-penal – art.º 40º, nº 1, do CP).
I) O crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal), praticado pelos arguidos/recorridos, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
O crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal), praticado pelos arguidos/recorridos é punido com pena de prisão até 3 anos (de 1 mês a 3 anos) ou com pena de multa (de 10 a 360 dias).
II) Porque o referido crime de falsificação de documento prevê, em alternativa, a aplicação de penas de prisão e multa, importa, ao abrigo do disposto no art.º 70º do Código Penal (norma que é fruto de uma orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão), verificar a existência de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimem a aplicação aos arguidos/recorridos de uma pena não privativa da liberdade.
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de multa e a sua efectiva aplicação.
E a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa quando a aplicação da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela.
Quanto ao papel da prevenção geral, deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa de multa só não será aplicada se a aplicação da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 330 e ss.).
No caso dos autos, a opção pela aplicação aos arguidos/recorridos de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de multa, decorre, em nosso entender, das exigências de prevenção geral, na medida em que o respeito pelo património alheio encontra raízes profundas nas sociedades modernas ocidentais, impondo-se, por isso, reforçar o valor da norma violada, pacificando os receios da comunidade, sendo certo que o crime de falsificação de documento foi cometido pelos arguidos/recorridos no âmbito de um esquema fraudulento tendo em vista causar prejuízo patrimonial à sua entidade patronal.
Salientam-se, depois, as exigências de prevenção especial, na medida em que os arguidos/recorridos praticaram os crimes em causa no âmbito do exercício da sua actividade profissional, causando prejuízo à sua entidade patronal e frustrando a confiança (de regular desempenho daquela actividade) neles depositada.
De referir, ainda, a circunstância de o crime de burla qualificada, praticado pelos arguidos/recorridos em concurso real ou efectivo com o crime de falsificação de documento, apenas ser punido com pena de prisão.
Assim, no caso em apreciação, pelas apontadas razões, não se mostra ajustada, adequada e suficiente a aplicação de penas de multa aos arguidos/recorridos (pela prática do crime de falsificação de documento).
III) Determinada a moldura penal abstracta dos crimes e afastada a aplicação da pena de multa (ao crime de falsificação de documento), cumpre fixar a medida concreta das penas de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos no art.º 71º do CP.
Decorre do art.º 71º, nº 1, do CP que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando o nº 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime, “considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.
Decorre, por fim, do nº 3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
O critério e as circunstâncias do art.º 71º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente.
As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.
A culpa, não fornecendo a medida da pena (a culpa é apreciada em concreto e constitui o fundamento e o suporte axiológico-normativo da pena), indica o seu limite máximo, que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas.
O caso dos autos.
O grau de ilicitude dos factos é elevado, atendendo aos bens jurídicos lesados e ao modo de actuação dos arguidos/recorridos (obtendo as deslocações monetárias da ofendida GG à custa da montagem e execução de um esquema fraudulento).
A gravidade das consequências assume relevo, cumprindo referir, no entanto, que o valor do prejuízo patrimonial causado pelos arguidos/recorridos (€25.990,00) está próximo do valor que estabelece a qualificação do crime de burla em causa nos autos (tal valor é de €20.400,00, como já foi referido).
Os arguidos/recorridos não restituíram o referido valor monetário.
A intensidade do dolo também é relevante, visto que a prática dos factos pelos arguidos/recorridos obrigou os mesmos a terem uma conduta activa, de criação de “ardil ou artifício”, sustentado na ultrapassagem de várias etapas (no âmbito da execução do esquema fraudulento descrito nos factos provados), com vista a criar uma falsa aparência de regularidade nas disposições monetárias feitas pela ofendida GG.
As exigências de prevenção geral e de prevenção especial já foram atrás salientadas (aquando da negação da aplicação da pena de multa ao crime de falsificação de documento)
O arguido AA não possui antecedentes criminais.
O arguido BB tem dois antecedentes criminais, mas de pouca relevância para o caso dos autos (foi condenado numa pena de multa, que pagou, pela prática, em 2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez; foi condenado numa pena de multa, que pagou, pela prática, em 2013, de um crime de desobediência).
Os arguidos/recorridos não confessaram os factos, não revelando, assim, qualquer tipo de arrependimento.
As condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos/recorridos são as que constam dos factos provados (factos provados nºs 71 a 83), salientando-se, quanto a ambos, o apoio familiar, a integração social e o enquadramento laboral.
Por fim, em face da conduta dos arguidos/recorridos, descrita nos factos provados, não vê razão válida para diferenciar as penas concretas de prisão a aplicar a cada um deles.
Tudo ponderado, entende-se como proporcionadas as seguintes penas:
A) Arguido /recorrido AA:
- Crime de burla qualificada: a pena de 3 anos de prisão;
- Crime de falsificação de documento: a pena de 7 meses de prisão.
B) Arguido /recorrido BB:
- Crime de burla qualificada: a pena de 3 anos de prisão;
- Crime de falsificação de documento: a pena de 7 meses de prisão.
IV) Os arguidos/recorridos são condenados pela prática de dois crimes, cada um, estando os mesmos numa clara situação de concurso (art.º 30º e 77º do CP).
Importa, portanto, determinar a pena única a aplicar, fazendo-se o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, tendo em conta a moldura penal abstracta do concurso e sendo determinada a pena concreta a aplicar ao arguido/recorrido, para o que deverão ser considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º, nº 1, do C. Penal).
A medida concreta da pena é, pois, decidida em função da imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
Perante um concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes, da verificação ou não da identidade dos bens jurídicos.
O que interessa e releva considerar é a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime (cabendo, neste caso, atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta), ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
A opção legislativa por uma pena conjunta não pode, por certo, deixar de traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art.º 40º do CP, em matéria de fins das penas. Daí que essa orientação base, que como se sabe estabelece, como fins da pena, só propósitos de prevenção (geral e especial), e que atribui à culpa, uma função apenas garantística, de medida inultrapassável pela pena, essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta.
Sem que nenhum destes vectores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um procedimento regular, para não dizer já, de um modo de vida.
Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.
E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspectiva do ilícito global, e só na perspectiva de uma personalidade que se revela, agora, polo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto manifestada em cada um deles.
A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa[s] pena[s] parcelar[es] deverá contar para a pena conjunta. Contrariamente, se as parcelares são poucas, cada um delas pesa muito no ilícito global.
Vejamos o caso dos autos.
Estão em causa duas penas parcelares, respeitantes aos crimes de burla qualificada e falsificação de documento.
Os crimes foram praticados numa mesma altura temporal, com evidente ligação entre eles.
O arguido/recorrido AA não possui antecedentes criminais e o arguido/recorrido BB apresenta dois antecedentes criminais pouco relevantes para o caso dos autos.
A moldura penal abstracta do cúmulo vai de 3 anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso) a 3 anos e 7 meses de prisão (a soma material das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso).
Assim, fixam-se as seguintes penas únicas;
A) Arguido /recorrido AA:
Pena única de 3 anos e 2 meses de prisão.
B) Arguido /recorrido BB:
Pena única de 3 anos e 2 meses de prisão.
V) Tendo em consideração as penas únicas de prisão agora aplicadas aos arguidos/recorridos (3 anos e 2 meses de prisão), é tempo de analisar a questão da aplicação de penas de substituição.
Como é sabido, a aplicação da generalidade das penas de substituição ocorre quando as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na ponderação da aplicação das penas de substituição, dentro do quadro das finalidades da punição, o tribunal deve atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
No caso dos autos, as penas únicas de prisão concretamente aplicadas (3 anos e 2 meses) permitem a ponderação da aplicação de uma única pena de substituição, que é a suspensão da execução da pena de prisão.
Nos termos do disposto no art.º 50º do Código Penal, o tribunal tem o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É sabido que só se deve optar pela suspensão da execução da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro.
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar.
Trata-se, pois, de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (cf. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344).
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição.
Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare a suspensão, no caso, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.
A aposta que a opção pela suspensão sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta: personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.
Dentro da margem de discricionariedade que a lei concede ao tribunal na aplicação ou não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, devem ser ponderadas algumas circunstâncias que se assumem como muito relevantes.
Uma das circunstâncias que o tribunal deve ponderar na aplicação ou não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão diz respeito à existência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza. A existência de tais antecedentes demonstra uma tendência do agente, com a agravante de o agente agir com indiferença à condenação de que foi alvo, o que desaconselha a aplicação da pena suspensa.
Tal circunstância não existe no caso em apreciação.
O arguido/recorrido AA não possui antecedentes criminais e o arguido/recorrido BB apresenta dois antecedentes criminais pouco relevantes para o caso dos autos (condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, punido com pena de multa, que pagou; condenação pelo crime de desobediência, punido com pena de multa, que pagou).
Outra das circunstâncias que o tribunal deve ponderar na aplicação ou não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão diz respeito à personalidade do agente e às condições da sua vida.
Como já foi referido, os arguidos/recorridos encontram-se integrados pessoal e profissionalmente.
Assim, mostra-se possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro dos arguidos/recorridos, justificando-se a suspensão da pena única de prisão aplicada a cada um dos arguidos/recorridos (3 anos e 2 meses).
Quanto ao período da suspensão, não se vislumbra razão válida para não fazer coincidir o período de suspensão com a medida concreta da pena única de prisão concretamente aplicada (3 anos e 2 meses).
Assim, ao abrigo do disposto no art.º 50º, nº 5, do CP, suspendem-se as penas únicas de prisão aplicadas aos arguidos/recorridos, pelo período de 3 anos e 2 meses.
No entanto, considera-se conveniente e adequado para promover a reintegração dos arguidos/recorridos na sociedade que a suspensão da execução das penas únicas de prisão seja acompanhada de regime de prova, mediante um plano individual de readaptação social, que deverá incluir a obrigação de obediência às injunções da entidade que acompanha tal plano (arts. 53º e 54º do CP).
*
3.5. O pedido de indemnização civil.
Tendo esta Relação, em recurso, revogado a decisão absolutória da 1ª Instância e formulado um juízo positivo sobre a culpabilidade dos arguidos/recorridos (entendendo que estes praticaram, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real ou efectivo, um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) e um crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal)), impõe-se, igualmente, a apreciação do pedido de indemnização civil que a Recorrente/assistente/demandante GG deduziu nos autos.
Na sentença recorrida, com base no quadro factual aí fixado, os arguidos/recorridos/demandados AA e BB foram absolvidos do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante “GG”.
A Recorrente/assistente/demandante GG, no recurso apresentado nos autos, incluiu pretensão recursiva relativa à indemnização civil, pugnando pela condenação dos arguidos/recorridos/demandados no pedido de indemnização civil que oportunamente deduziu nos autos.
Referindo que o pedido de indemnização civil apenas não foi julgado procedente por o Tribunal a quo não ter julgado provados os factos penalmente ilícitos de cuja prática os arguidos/recorridos vinham acusados, defende que, por via da procedência do recurso quanto à impugnação ampla da matéria de facto (com inerente alteração da matéria de facto provada e não provada) e da inerente condenação dos arguidos/recorridos AA e BB pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo,, de um crime de burla qualificada (p. e p. nos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal) e de um crime de falsificação de documento (p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, alíneas b), d) e e), do Código Penal), deve igualmente haver condenação dos arguidos/recorridos no pedido de indemnização civil oportunamente deduzido, tanto mais que os factos pertinentes (os factos respeitantes aos pressupostos da responsabilidade civil) já se mostram fixados nos autos.
Vejamos. A Recorrente/assistente/demandante GG deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos/recorridos/demandados AA e BB, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia global de €91.089,60, acrescida de juros vincendos sobre o valor de €74.942,02, contados a partir de 20/11/2020 até efectivo e integral pagamento.
O art.º 129º do Código Penal prescreve que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, entendendo a jurisprudência que tal preceito tem em vista determinar que a indemnização seja regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, remetendo directamente para o art.º 483º do Código Civil, que regula os casos de responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos (cfr. Assento nº 7/99, de 17-06, in DR, IS-A, de 03/08/1999, pags. 5016 e ss.).
Já quanto às questões processuais do pedido cível, tem sido entendido que as mesmas são reguladas pela lei adjectiva penal.
Na determinação do quantitativo indemnizatório dever-se-á ter em conta todos os danos que sobrevieram em consequência adequada da lesão, dando-se prevalência à reconstituição natural e, sempre esta não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, substituída ou complementada pela indemnização em dinheiro.
Está em causa, no pedido cível em análise, uma indemnização por danos patrimoniais, correspondente ao prejuízo patrimonial que a conduta criminosa dos arguidos/recorridos/demandados causou à Recorrente/assistente/demandante, no valor total de €74.942,02, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, tendo a Recorrente/assistente/demandante liquidado os já vencidos (até 19/11/2020) no montante de €16.147,58.
Já se concluiu, em sede de apreciação por este Tribunal dos recursos interpostos da sentença do tribunal de 1ª Instância, que os arguidos/recorridos/demandados praticaram, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real ou efectivo, um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) e um crime de falsificação de documento (art.º 256º, nº 1, als. b) e d), do Código Penal), e que, com a sua conduta, causaram um prejuízo patrimonial à GG de €25.990,00, montante com o qual se locupletaram (cfr. facto provado nº 25I).
Assim, nesta parte, procede o pedido de indemnização civil, ficando os arguidos/recorridos/demandados obrigados a pagar à Recorrente/assistente/demandante GG, a título de danos patrimoniais, a quantia de €25.990,00.
A Recorrente/assistente/demandante GG peticiona também, a título de danos patrimoniais, a quantia de €48.952,02, correspondente ao valor que pagou à ... pelos serviços que esta entidade lhe prestou, alegando que se viu forçada a contratar esta entidade para lhe prestar apoio no esclarecimento da situação de divergência nas contas do Projecto identificado nos factos provados, sendo certo que não teria de pagar este valor à ... se os arguidos/recorridos/demandados não tivessem perpetrado a conduta ilícita e culposa também descrita nos factos provados.
Provou-se, a propósito da questão agora em análise, o seguinte:
Do pedido de indemnização cível da demandante GG.
84. A demandante GG, através do Técnico Oficial de Contas do seu Secretariado Executivo, começou por apurar, no quadro da verificação das contas do Projecto, a existência de uma divergência nas mesmas, mas naturalmente sem saber qual era a sua causa.
85. A demandante GG, que tem de prestar trimestral e anualmente contas aos ... acerca da execução do fundo especial, viu-se forçada a contratar a "...", para que lhe prestasse apoio no esclarecimento desta situação.
86. A "..." para apurar a causa da acima referida divergência, realizou, nomeadamente, entrevistas a colaboradores da demandante GG, do "..." e da "....
87. A "..." procedeu também à análise dos documentos tidos por relevantes.
88. A "..." coordenou ainda uma perícia grafológica ou grafotécnica.
89. E a "..." procedeu igualmente à análise de cópias forenses dos computadores dos demandados-arguidos BB e AA e de CC.
90. A demandante GG pagou à "...", pelos serviços que esta lhe prestou, no total, €48.952,02, que correspondem a:
- €12.853,50, nos termos da factura … de …/2017;
- €2.167,20, nos termos da factura … de …/2017;
- €14.128,32, nos termos da factura … de …/2018;
- €19.803,00, nos termos da factura … de …/2018.
Assim, também nesta parte, procede o pedido de indemnização civil, ficando os arguidos/recorridos/demandados obrigados a pagar à Recorrente/assistente/demandante GG, a título de danos patrimoniais, a quantia de €48.952,02.
Em resumo, os danos sofridos pela Recorrente/assistente/demandante GG perfazem um total de €74.942,02 (cfr, facto provado nº 91), sendo esta a quantia em cujo pagamento os arguidos/recorridos/demandados devem ser condenados. Vejamos agora a questão dos juros de mora.
A Recorrente/assistente/demandante GG peticiona o pagamento de juros de mora desde a data em que sofreu cada um dos prejuízos parcelares até efectivo e integral pagamento, tendo liquidado os já vencidos (até 19/11/2020) no montante de €16.147,58 e pedindo o pagamento dos vincendos (à taxa legal anual dos juros civis) desde 20/11/2020 (sobre o valor de €74.942,02).
Assiste-lhe parcialmente razão.
Em matéria de juros moratórios, estabelece o art.º 805º, nº 1 do Código Civil que, regra geral, eles se contam desde a data da interpelação do devedor.
Uma das excepções a essa regra verifica-se no caso de a obrigação provir de facto ilícito, em que os juros moratórios se contam desde a data da sua prática (art.º 805º, nº 2, al. b)).
Em regra, no entanto, no dia da prática do facto ilícito (por ex., no dia em que ocorreu o acidente de viação), o crédito ainda não se encontra líquido, sendo que in illiquidis non fit mora.
Mas, a lei (art.º 805º, nº 3, 2ª parte) prescinde da falta de liquidez quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, prescrevendo nestes casos que os juros moratórios se contam desde a data da citação (Ac. do STJ, de 30/5/95, in BMJ, 447º, pag. 441), a não ser que o crédito se haja tornado líquido antes da data da citação e, por isso, já haja então mora (cfr. art.º 805º, nº 3, in fine do CC). No caso em apreço, há que fazer uma distinção.
A) No que respeita à quantia de €25.990,00, montante com o qual os arguidos/recorridos/demandados se locupletaram (cfr. facto provado nº 25I), estamos perante uma situação em que o crédito se tornou líquido antes da data da citação, concretamente, tornou-se líquido no dia da prática do facto ilícito e, por isso, a mora ocorreu nesta data.
Contudo, no pedido de indemnização civil deduzido, a recorrente/assistente/demandante GG incluiu na contagem dos juros moratórios o valor do recibo # 1 (€6.000,00), com um valor de juros vencidos no montante de €2.236,27 (cfr. art.º 19.º, al. a) do pedido cível), quando é certo que não houve apropriação de tal valor pelos arguidos/recorridos/demandados.
Assim, no que respeita ao valor dos juros vencidos, à data de 19/11/2020, na parte respeitante à quantia de €25.990,00, ascende tal valor ao montante de €8.143,66 (improcedendo o pedido cível quanto aos juros vencidos peticionados no montante de €2.236,27) e sendo os juros vincendos, calculados à taxa legal anual dos juros civis, contados desde 20/11/2020 (sobre o montante de €25.990,00).
B) No que respeita à quantia de €48.952,02, correspondente ao valor que a recorrente/assistente/demandante GG pagou à ... pelos serviços que esta entidade lhe prestou, não estamos perante uma situação em que o crédito se tornou líquido antes da data da citação, sendo aplicável a regra prevista no art.º 805º, nº 3, 2ª parte, do Código Civil, i.e., os juros moratórios contam-se, no caso dos autos, desde a data da notificação dos arguidos/recorridos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil.
Assim, quanto à quantia de €48.952,02, julga-se improcedente o pedido cível quanto aos juros vencidos (no montante de €5.767,65), sendo os juros vincendos, calculados à taxa legal anual dos juros civis, contados desde a data da notificação dos arguidos/recorridos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (sobre o montante de €49.952,02).
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa, na apreciação dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pela assistente/demandante GG em:
1. Julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e totalmente procedente o recurso da assistente/demandante GG, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no ponto 3.2.2. do presente acórdão (com modificação da decisão do tribunal recorrido sobre matéria de factoc, i.e., alteração/eliminação/fixação dos factos provados e dos factos não provados aí mencionados);
2. Julgar procedente o recurso da assistente/demandante GG quanto à qualificação jurídica dos factos e, em consequência:
2.1) Revogam a sentença recorrida no que respeita à absolvição dos arguidos/recorridos AA e BB da prática de um crime de burla qualificada (p. e p. nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 alínea a), com referência ao 202.º alínea b) do Código Penal) e de um crime de falsificação de documento (p. e p. no artigo 256.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal).
2.2) Em substituição do tribunal recorrido: Parte Criminal:
a) Condenam o arguido/recorrido AA, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de burla qualificada (p. e p. pelos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 3 anos de prisão;
b) Condenam o arguido/recorrido AA, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento (p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal), na pena de 7 meses de prisão;
c) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenam o arguido/recorrido AA na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão;
d) Suspendem a pena única de prisão aplicada ao arguido/recorrido AA pelo período de 3 anos e 2 meses, com regime de prova e mediante um plano individual de readaptação social (arts. 50º, nº 2, 53º e 54º, do Código Penal).
e) Condenam o arguido/recorrido BB, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de burla qualificada (p. e p. pelos arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 3 anos de prisão;
f) Condenam o arguido/recorrido BB, pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento (p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal), na pena de 7 meses de prisão;
g) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em e) e f), condenam o arguido/recorrido BB na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão;
h) Suspendem a pena única de prisão aplicada ao arguido/recorrido BB pelo período de 3 anos e 2 meses, com regime de prova e mediante um plano individual de readaptação social (arts. 50º, nº 2, 53º e 54º, do Código Penal).
Custas pelos arguidos/recorridos, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça de cada um deles (art.º 513º, nºs 1 e 3, do CPP e art.º 8º, nº 9, do RCP, por referência à Tabela III anexa).
* Parte Cível:
Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante GG e, em consequência, condenam os arguidos/recorridos/demandados AA e BB no pagamento à Demandante, a título de danos patrimoniais, das seguintes quantias:
a) A quantia de €34.133,66, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal anual dos juros civis, sobre o valor de €25.990,00, contados a partir de 20/11/2020 até efectivo e integral pagamento;
b) A quantia de €48.952,02, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal anual dos juros civis, contados a partir da data da notificação dos arguidos/recorridos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento.
No mais, julgam o pedido de indemnização civil improcedente.
Custas a cargo da assistente/demandante e dos arguidos/recorridos/demandados, na proporção do respectivo decaimento/vencimento.
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Notifique.
Certifica-se que foi dado cumprimento ao disposto no art.º 94º, nº 2, do CPP.
Sumário da responsabilidade do relator:
Crime de burla qualificada; Crime de falsificação de documento; Sentença absolutória; Nulidade da sentença; Impugnação (restrita e ampla) da decisão sobre a matéria de facto; Qualificação jurídica dos factos; Fixação da sanção em substituição do tribunal recorrido; Penas parcelares; Pena única; Penas de substituição; Pedido de indemnização civil.
- As nulidades da sentença encontram-se previstas no artigo 379º do CPP, em articulação com o artigo 374º, nº 2, do CPP, aí se incluindo, além do mais, a nulidade da sentença por falta de fundamentação.
- Salienta-se, no entanto, a distinção, há muito sedimentada na doutrina e na jurisprudência, entre a falta de fundamentação e a insuficiência de fundamentação.
- A impugnação da matéria de facto pode ser efectuada em recurso através de duas modalidades possíveis: a chamada revista alargada (ou impugnação restrita da matéria de facto) e a impugnação ampla da matéria de facto.
- A sindicância da decisão de facto no âmbito da impugnação restrita da matéria de facto (art.º 410º, nº 2, do CPP) não pode extravasar o texto decisório em si mesmo, ou seja, os vícios decisórios só podem ser verificados em face do teor da decisão, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.
- Quando o Recorrente, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, invoca um erro de julgamento em relação a vários pontos da matéria de facto dada como provada (e cumpre, na motivação de recurso, os requisitos regulados no art.º 412º, nºs 3 e 4, do CPP), o tribunal de recurso tem de reapreciar a prova (a prova indicada pelo Recorrente, por si só ou conjugadamente com as demais provas valoráveis) e emitir um novo juízo em matéria de facto (restrito aos pontos factuais questionados pelo Recorrente), averiguando se tal prova impõe uma decisão diversa da recorrida (concretamente, se tal prova impõe uma versão factual diversa da que foi dada como provada na decisão recorrida).
- A procedência da pretensão recursiva, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, conduzindo à alteração da matéria de facto provada e não provada, impõe que se analise a questão do enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, à luz dos (novos) factos provados e não provados.
- Quando o Tribunal da Relação, em recurso, revoga a decisão absolutória da 1.ª Instância e formula um juízo positivo sobre a culpabilidade dos arguidos (entendendo que estes devem ser punidos pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento), deve proceder à determinação da espécie e medida da pena quando a decisão recorrida contém os factos pertinentes a tal desiderato.
- Quando o Tribunal da Relação, em recurso, revoga a decisão absolutória da 1.ª Instância e formula um juízo positivo sobre a culpabilidade dos arguidos (entendendo que estes devem ser punidos pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento), deve proceder à apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos autos (pretensão que a assistente/demandante formulou no recurso que interpôs).
Lisboa, 26 de Setembro de 2024
Nuno Matos
Paula Cristina C. Bizarro
Ana Paula Guedes