CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
TIPO OBJECTIVO
MAUS TRATOS
Sumário


1. São subsumíveis no tipo legal de crime de violência doméstica as condutas do arguido que, de forma reiterada, atingem o cônjuge na sua integridade física e psíquica e, mais amplamente, na sua dignidade enquanto pessoa humana, inclusive no interior do domicílio comum, com uma clara postura no sentido de o subjugar e de o humilha.
2. Tais actos constituem uma situação de aviltamento intolerável da dignidade de qualquer pessoa e consubstanciam o quadro geral de violência, vexação e humilhação em que se traduz a violência doméstica
3. Os actos repetidos ao longo de um determinado período de tempo e inequivocamente demonstrativos de uma conduta maltratante, humilhante e de apoucamento da vítima, são susceptíveis de conduzir ao preenchimento do tipo criminal de violência doméstica, principalmente na vertente dos “maus tratos psíquicos”, muito embora também se tenha verificado um episódio que retrata ofensas físicas e ameaças veladas.

Texto Integral


Acordam em conferência na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. No processo comum singular nº 1217/19...., que corre termos no Tribunal Judicial de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz ..., em que é arguido AA, foi proferida sentença datada de 22/02/2024, depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo:

« VII - DECISÃO
Pelo exposto, julga(m)-se a acusação/pronuncia, procedente(s), e, consequentemente:

I – Parte crime:
1. Condena-se o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a), n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de dois (02) anos e 01 (um) mês de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
2. Condena-se o arguido no pagamento de 04 UC´s de taxa de justiça, e nos demais encargos do processo.

*
II - Parte Cível: 
Julga-se o pedido de indemnização cível, parcialmente, procedente, e, consequentemente:
1. Condena-se o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
2. Custas de acordo com os decaimentos.»
*
2. Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso cujo objeto delimitou com as seguintes conclusões: (Transcrição)
“(…)
« EM CONCLUSÃO:
A- Ao arguido é imputado a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.° 152°, nºs 1, b) e c) e 2 do C.P., na sua versão revista pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, a conduta do arguido encontra-se prevista no artigo 152°, nº 1, alínea b) e c) do Código Penal, preceituando tal normativo que quem de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais ao cônjuge é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
B- Este consubstanciar-se-á, pois, na perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária. As condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus- tratos físicos (isto é, ofensas corporais simples), maus-tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça, entre outros), tratamento cruel, isto é, desumano.
C- No caso concreto, a factualidade aprovada, a entender-se como boa, o que no nosso entendimento não devia ter acontecido, não revelam a prática pelo arguido do crime de que vem acusado, mas antes evidenciam uma situação de conflito, entre o arguido e a assistente. Essencialmente a prova está suportada pelos registos das mensagens enviadas pelo arguido à assistente. E, confrontada essa mesma prova, concluímos que, anteriormente à data em que a assistente abandonou a casa de morada de família, ou seja, 29 de abril de 2019, inexiste uma única mensagem de teor injurioso enviada pelo arguido à assistente.
D- E não parece compatível com as regras da normalidade que o arguido agrida verbalmente e de forma reiterada a assistente e não haja uma única mensagem desse teor antes da separação. Ou uma mensagem em que o arguido tenha sido deselegante.
E- Na verdade, o arguido não nega o envio das mensagens. Justificou a sua conduta com o facto de ter sido privado, durante meses, de forma abruta e surpreendente do convívio do filho, o que o destabilizou de sobremaneira e, nessa medida, procurou lutar para restabelecer aqueles convívios [o que se confirma pela vasta documentação junta aos autos]. Efetivamente, foi o que aconteceu, (factos dados como provados) a assistente sem previamente dar conta ao arguido, fugiu com o filho para os ... e impediu, durante meses, que o arguido tivesse qualquer contacto com o seu filho, tendo bloqueado todos os contactos, quer do arguido, quer dos seus familiares [dai as primeiras comunicações serem efetuadas por email], o que criou uma forte instabilidade e revolta no arguido e que se espelham nas mensagens enviadas. Reforçado por um sentimento de impotência de jogo do gato e do rato, o arguido dirigia-se à ilha e a assistente abandonava a ilha ou refugiava-se na casa de familiares, impedindo desse modo os contatos com o filho por parte do arguido e também dos avós.
F- Inexistindo qualquer razão para o arguido tenha sido privado do convívio com o filho, nem se descortina qualquer razão, nem a assistente apresentou qualquer motivo para tal. Aliás, a única razão, segundo a própria assistente, é o facto de inexistir qualquer decisão judicial a regular as responsabilidades parentais [cf. fls. 605, 606, 607, 608, 610], como se isso fosse motivo para impedir o recorrente de estar com o seu filho. Todavia, sabemos, como a assistente sabia, que ausência de regulação não é motivo suficiente e válido para que o arguido fosse privado das visitas e convívio com o seu filho, como, aliás, presentemente, não está. Importa referir que a assistente quando regressou a Guimarães já tinha intenção de regressar aos ..., por essa razão, veio acompanhada com o seu pai, por essa razão, não ficou demonstrado que a assistente abandonou a casa de morada de família por ter receio do arguido.
G- Não obstante, entende o tribunal a quo que os factos provados preenchem os elementos típicos do crime pelo qual vinha o arguido acusado. O próprio Tribunal a quo, apelida o crime dos autos, como sendo, um crime de Violência Doméstica de baixa intensidade, sendo que, entendemos que os factos em causa, não se enquadram nessa tipologia de crime.
H- Ocorrendo os factos provados num quadro de relacionamento conjugal deteriorado, mas em que, apesar dessa degradação, os cônjuges se foram mantendo livremente no casamento, sem posições de dominância de um sobre o outro, interagindo sempre em condições de paridade e igualdade conjugal, gesto isolado e pouco intensa, que atingiu a integridade física da assistente, e outras ofensas ao seu bom nome, embora merecedoras de censura penal, não encontram tutela à luz do art.º 152° do CP, e sim dos art.ºs 143°, nº 1 do CP e 181°, nº1 do CP.
H- Sem prejuízo de assumir relevo criminal - por a conduta do arguido ser violadora da honra da assistente - não se afigura, só por si, suficiente para representar a afetação do bem jurídico pela norma que incrimina a violência doméstica, não consubstanciando uma ofensa à dignidade do ser humano, que coloque a assistente numa situação humanamente degradante.
J- Ora, as condutas propriamente ditas, estão delimitadas num período muito concreto, decorreu após uma saída repentina de casa de morada de família da assistente conjuntamente com o filho e, consequentemente, deu origem a um período de cerca de dois meses de total privação de convívio com entre o arguido e o filho.
K- Como supra referido, ocorrendo os factos provados num quadro específico de luta judicial e relacionamento conjugal deteriorado, mas em que, apesar dessa degradação, sem posições de dominância de um sobre o outro, interagindo sempre em condições de paridade e igualdade conjugal, as ofensas ao bom nome da assistente são merecedoras de censura penal, mas não à luz do art.º 152°, mas pelo artigo 181°, do Código Penal.
L- Assim, estes atos muito específicos numa relação deteriorada [desentendimentos pela disputa da regulação das responsabilidades parentais e de um negócio comum], pelo confronto do que se deixa exposto com a matéria de facto dos presentes autos, logo avulta que a qualificação de tais factos não tem cabimento no conceito de maus-tratos. Ou seja, os factos não são adequados a revelar uma conduta do arguido molestadora, provocatória, humilhante, em relação à pessoa da assistente, de tal modo que, materialmente, se possa considerar a sua atuação como integradora da prática de um crime de violência doméstica de que vinha acusado.
M- Pode, porém, suceder - como aconteceu no caso em apreço - que os comportamentos em causa integrem os crimes de ofensa à integridade física, e de injúria e, não obstante, não satisfaçam o tipo da violência doméstica, por não revelarem o "especial desvalor da acção" ou a "particular danosidade social do facto'' fundamentam a especificidade deste crime. Tanto assim é, que o próprio tribunal a quo apelidou de baixa intensidades as injurias.
N- Estando em causa a convolação em julgamento do crime de violência doméstica para um crime de natureza particular - crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.°, nº 1, do Código Penal - ainda que tenha havido queixa e constituição como assistente por banda da ofendida, na falta de acusação particular, o Ministério Público perdeu legitimidade para o exercício da ação penal a partir do momento em e se cristalizou aquela alteração da qualificação dos factos descritos na acusação pública ou na pronúncia, atento o disposto nos artigos 50.°, n° 1, do Código de Processo Penal e 188.º , nº 1, do Código Penal - vide acórdão da Relação de Évora.
O- Vejamos, agora, o crime parcelar - Ofensa à integridade física simples. Assim, não se compadece com as regras da normalidade que tenham ocorrido duas agressões físicas e a assistente se tenha esquecido de fazer referência na denúncia a uma delas, pelo que nos suscita a dúvida se de facto a assistente desconsiderou a agressão e não se tratou de uma verdadeira agressão, se não recordou ou se de facto não teve lugar, como alega o arguido. Adensa-nos a dúvida, o facto de nem no email que a assistente envia ao arguido, após ter abandonado a casa de morada de família, no dia 2.5.2019, volta a não fazer qualquer referência a qualquer agressão física [cf. fls. 541]. Aliás, ao avisar o arguido que fugiu de casa e que apresentou queixa por violência doméstica, refere como causas “apenas” “coação psicológica, emocional e social ao longo de cinco anos”. O que adensa ainda mais a dúvida e fragiliza a versão da assistente.
P- Assim que a factualidade provada a entender-se como boa, que reafirmamos não deveria ter acontecido, esta não consubstancia a colocação da pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal, não se verifica a “perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária”. A ofendida não se sentia amedrontada, nem humilhada, de forma grave.
Q- Assim, no nosso modesto entendimento, o Tribunal a quo deveria ter entendido que os factos provados não preenchem o elemento objetivo do tipo de crime, violência doméstica.
R- Dispõe o n.º 2 do art.º 374.º, que a fundamentação da sentença” consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como da exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
S- Não há no aresto qualquer explicação a tal respeito, o que impossibilita o recorrente e os tribunais superiores de conferirem a bondade e rigor do processo de formação e convicção do julgador, por falta de elementos que lhe permitam subscrever e sufragar ou, pelo contrário, impugnar e refutar os vectores racionais da decisão. Dai que a fundamentação se revele manifestamente insuficiente. Incorreu por isso, o douto Acórdão, na nulidade prevista na al.) a), do n.º 1.º, do art.º 379.º, nulidade que expressamente se vem arguir.
T- Não se pode aceitar como não provados os factos vertidos nos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19 na parte que consta que “disse à assistente que ela era uma “palerma”, 22 onde consta (com receio do arguido), 24 (primeira parte), 34, 47, 48.
U- No item motivação de facto, o Tribunal a quo, refere que a factualidade provada a prova no ponto 5, referente aos insultos constantes nesse ponto, que apesar do arguido ter negado os referidos insultos, relatando que o casal se dava bem e que só a insultou após a separação, a assistente desmentiu essas declarações. Ou seja, o tribunal baseou-se apenas e unicamente nas declarações da assistente para dar como provado este ponto. Note-se que inexiste qualquer mensagem enviada, pelo arguido à assistente, durante esse hiato temporal (2014 a 2019) onde conste tais impropérios, ou pelo menos aqueles tenham sido aventados. O tribunal a quo, para dar como provado este facto, faz referência a uma mensagem de 25.02.2015, com o seguinte teor “estes últimos tempos tem sido muito stressantes e é normal que ande mais nervoso”, para concluir sem mais, que o “com uma frequência não concretamente apurada, desde o ano de 2014, o arguido, dirigindo-se à assistente dizia que era uma “burra, palerma, atrasada mental, sopeira, estúpida, uma merda.”
V- Ou seja, o Tribunal a quo, lança mão de uma mensagem do ano de 2015, penalmente inócua, para concluir, conclusões muito suas, sem qualquer prova nesse sentido, que desde 2014, o arguido se dirige à assistente referindo que aquela era burra, palerma, atrasada mental, sopeira, estúpida, uma merda. Atenta as regras da experiência, chamada muitas vezes a terreiro por parte do Tribunal, o facto de o arguido, naquela mensagem referir que “estes últimos tempos tem sido stressantes e é normal que ande mais nervoso, não quer dizer por si só, que tenha insultada a assistente.
W- Tanto assim é, que tal não corresponde à verdade. Anteriormente à data em que a assistente abandonou a casa de morada de família, ou seja, 29 de abril de 2019, inexiste uma única mensagem de teor injurioso enviada pelo arguido à assistente. Note-se, que entre 2014 e 2019, decorreram 5 anos. Mais, nenhuma testemunha arrolada, pela assistente referiu, que alguma vez tenha assistido a algum tipo de impropério, proferido pelo arguido à assistente.
X- Pelo que, em nosso entender, mal andou o tribunal ao interpretar a prova no sentido de dar como provados os factos constantes do ponto 5, pois que, atendendo a falta de prova produzida em audiência de discussão e julgamento deve o tribunal de recurso proceder à alteração da decisão de facto, devendo considerar como «não provada», por falta de prova, a matéria constante do referido ponto.
Y- Quanto aos pontos 6 a 11, dos factos dados como provados sempre se dirá o seguinte: Uma vez mais, o Tribunal a quo atendeu às declarações prestadas pela assistente, apesar destas serem imprecisas, incoerentes e inconsistentes. Assim, conjugada os referidos elementos de prova, a primeira questão com que nos confrontamos de imediato é que a assistente não se queixou que foi agredida duas vezes na denúncia que apresentou. Com efeito, a denúncia apenas faz referência, por uma vez, a um aperto no braço. Tão só. Mais nenhuma prova, pericial ou testemunhal, que confirme a segunda agressão relatada pela assistente nas declarações prestadas. Ora, segundo a própria assistente, supostamente, as agressões são contemporâneas, tiveram lugar no lapso temporal imediatamente seguinte.
Z- Assim, não se compadece com as regras da normalidade que tenham ocorrido duas agressões físicas e a assistente se tenha esquecido de fazer referência na denúncia a uma delas, pelo que, devera ter suscitado a dúvida se de facto a assistente desconsiderou a agressão e não se tratou de uma verdadeira agressão, se não recordou ou se de facto não teve lugar, como refere o arguido. Adensa-nos a dúvida, o facto de nem no email que a assistente envia ao arguido, após ter abandonado a casa de morada de família, no dia 2.5.2019, volta a não fazer qualquer referência a qualquer agressão física [cf. fls. 541]. Mais, ao avisar o arguido que fugiu de casa e que apresentou queixa por violência doméstica, refere como causas “apenas” “coação psicológica, emocional e social ao longo de cinco anos”.
AA- Assim, quanto ao depoimento prestado pela ofendida, entendemos que esta não fez de todo uma «explicação pormenorizada, coerente e credível», suscetível de conduzir, por si só, à condenação do ora Recorrente, não sendo isento de um conjunto insanável de contradições, que não foram tidas em conta, nem sequer ponderadas pelo Tribunal Recorrido.
BB- No caso dos autos, conforme supra exposto, a decisão recorrida deve ser alterada, pois que, atendendo a falta de prova produzida em audiência de discussão e julgamento deve o tribunal de recurso proceder à alteração da decisão de facto, devendo considerar como «não provada», por falta de prova, a matéria constante nos pontos 6 a 11.
CC- Quanto ao ponto 19, além das declarações da assistente e do depoimento da testemunha CC (seu pai), inexiste qualquer prova nem o Tribunal pode intuir que o arguido tenha apelidado de a assistente de “palerma”. Note-se que o Tribunal quo, deu como provado esse facto, alicerçado no depoimento da testemunha CC. No entanto, considerou o depoimento dessa testemunha parcial, interessado, e essencialmente de ouvir dizer, não só pela forma como foram prestados, como pelo empolamento das condutas do arguido (palavras do Tribunal a quo). Afinal em que é que ficamos?
DD- A testemunha é credível o não é credível, ou estamos prante uma testemunha parcialmente credível.
 EE- Quanto ao ponto 22, existem uma contradição insanável entre este ponto e a conclusão tida pelo Tribunal a quo. Importa referir que a assistente quando regressou a Guimarães já tinha intenção de regressar aos ..., por essa razão, veio acompanhada com o seu pai.
FF- Ou seja, a assistente não abandonou o lar, por receio do arguido, mas sim porque já tinha intenção de ir para os ..., levando consigo o filho de ambos, sem autorização ou sequer conhecimento do arguido. Por essa razão, não ficou demonstrado, nem deveria constar como facto provado, que a assistente abandonou a casa de morada de família por ter receio do arguido.
GG- Note-se que percorrido os depoimentos das testemunhas, designadamente da (DD, EE, FF – esta Prima da assistente e GG, resultam dos mesmos, uma versão oposta à trazida pela assistente e completamente contrária a alguns factos dados como provados pelo Tribunal a quo. Note-se que estamos perante testemunhas que conviveram assiduamente com o casal, sendo que uma delas inclusive é familiar da assistente.
HH- Pelo que, em nosso entender, mal andou o tribunal ao interpretar a prova no sentido de dar como provados os factos constantes dos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19 na parte que consta que “disse à assistente que ela era uma “palerma”, 22 onde consta (com receio do arguido), 24 (primeira parte), 34, 47, 48, da matéria de facto dada como provada, pois que, atendendo a falta de prova produzida em audiência de discussão e julgamento deve o tribunal de recurso proceder à alteração da decisão de facto, devendo considerar como «não provada», por falta de prova, a matéria constante dos referidos pontos
II- Isto posto, é nosso entendimento, que não foi produzida qualquer prova, e muito menos suficiente, que vá de encontro à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, e permita concluir assim pela condenação do arguido, tendo, assim, o tribunal recorrido errado e, nesse sentido, violado de forma patente e grosseira o disposto no artigo 410.°, n.º 2, alíneas a) e c) do C.P.P., por manifesta insuficiência da matéria de facto provada para decidir que o arguido tivesse praticado o crime de Violência doméstica imputado, havendo erro notório na apreciação da prova.
 JJ- Apesar de o arguido não estar obrigado a dizer a verdade, as suas declarações podem constituir um importante elemento de prova. Se o arguido decide prestar declarações sobre os factos e fá-lo de forma convincente, se faz uma narração consistente, coerente e verosímil, por que não haverá o tribunal de dar-lhe crédito? As declarações do arguido são, a um tempo, meio de defesa e meio de prova, cujo valor probatório o tribunal aprecia livremente.
KK- Se bem entendemos, o tribunal recorrido considerou que o arguido não era merecedor de crédito, apesar de se desconhecer o motivo, uma vez que não foi explicado pelo Tribunal a quo.
LL- O arguido confessou parte dos factos, podia se remeter ao silencio e não o fez, apresentou a sua versão os factos. Tudo isto autoriza que se diga, que a decisão sobre matéria de facto revela uma tendenciosa inclinação do tribunal, que não foi, suficientemente, cauteloso na análise e valoração da prova de modo a evitar visões maniqueístas das situações: nem sempre o arguido (normalmente, o elemento masculino do casal) é o “demónio, o maltratante que mente e a (o) ofendida(o) o anjo, a vítima cândida, inocente e indefesa que merece todo o crédito.
MM- Quando se aprecia prova subjectiva (declarações do arguido, de assistente ou de demandante civil, depoimentos de testemunhas, esclarecimentos de peritos, etc.), e se pondera sobre o peso que pode ter na formação da convicção do julgador, é importante e necessário conhecer com precisão a posição desses declarantes e dessas testemunhas e as suas relações de interesse, de amizade ou de parentesco com os sujeitos processuais para descobrir qual é a possível vantagem que procuram obter com um depoimento mentiroso.
NN- A denunciante/demandante tem óbvio interesse (incluindo interesse económico- financeiro) na condenação do arguido, mas não é essa circunstância que, por si só, justifica que se aprecie e valore com redobrados cuidados as suas declarações. Tanto assim é, que a assistente, deduziu pedido de indemnização cível, no valor de 20.000,00.
OO- Em boa verdade, a denunciante não é, propriamente, aquela pessoa em quem se possa acreditar sem quaisquer reservas.
PP- Efetivamente, foi o que aconteceu, (factos dados como provados) a assistente sem previamente dar conta ao arguido, fugiu com o filho para os ... e impediu, durante meses, que o arguido tivesse qualquer contacto com o seu filho, tendo bloqueado todos os contactos, quer do arguido, quer dos seus familiares [dai as primeiras comunicações serem efetuadas por email], o que criou uma forte instabilidade e revolta no arguido e que se espelham nas mensagens enviadas. Reforçado por um sentimento de impotência de jogo do gato e do rato, o arguido dirigia- se à ilha e a assistente abandonava a ilha ou refugiava-se na casa de familiares, impedindo desse modo os contatos com o filho por parte do arguido e também dos avós.
KK- Inexistindo qualquer razão para o arguido tenha sido privado do convívio com o filho, nem se descortina qualquer razão, nem a assistente apresenta qualquer motivo. Aliás, a única razão, segundo a própria assistente, é o facto de inexistir qualquer decisão judicial a regular as responsabilidades parentais como se isso fosse motivo para impedir o recorrente de estar com o seu filho.
RR- Todavia, sabemos, como a assistente sabia, que ausência de regulação não é motivo suficiente e válido para que o arguido fosse privado das visitas e convívio com o seu filho, como, aliás, presentemente, não está. Na realidade, há motivos bem fortes para questionar a fiabilidade das declarações da denunciante e se não a movem interesses egoístas e mesquinhos.
SS- Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e por isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus-tratos. É merecedora de um juízo tão generoso, como o que o tribunal fez da denunciante?
TT- Ora, como cremos ter demonstrado, a fundamentação probatória da decisão recorrida é, manifestamente, insuficiente, pois não explicita o porquê da decisão tomada relativamente aso factos considerados provados. Não pode dizer-se que o tribunal justificou, de forma linear, transparente, objetiva, consistente e perfeitamente inteligível por que não o convenceram as declarações do arguido, mas, em contraponto, conferiu crédito irrestrito a quem não se mostra dele merecedor. Em suma, a decisão sob escrutínio não revela, cristalinamente, qual o iter lógico e racional seguido pelo tribunal a quo no seu processo de decisão e por isso está feria de nulidade (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a)., do Cód. Proc. Penal.
UU- Ainda que assim se não entenda, sempre cumprirá invocar a violação, por parte do Tribunal recorrido, do basilar princípio in dubio pro reo, de acordo com o qual, e nas palavras deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão de 09/09/2009, in www.dgsi.pt, “implica que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à "dúvida razoável" do Tribunal. Nesse sentido, considerando todo o supra exposto, não se tendo feito prova bastante, dos factos imputados ao arguido, conducentes à prática do crime de Violência Doméstica, conforme tudo o que já se deixou dito.
VV- Atendendo à prova produzida e nada havendo que confirme e justifique, sem deixar alguma dúvida, que o arguido HH, mentiu em audiência de julgamento, devemos considerar como verdadeiras as declarações por ele prestadas em audiência de julgamento e no que a este imputado crime, tange. É que, se mais prova não houvesse ou se divergente fosse sempre o princípio in dubio pro reo, deveria ter sido respeitado, porque, em consciência acreditamos, que o tribunal a quo ficou com dúvida e elas emergem de todo o texto da decisão recorrida.
WW- Estão, errados e incorretamente julgados, os pontos, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19, 22, 24, 34, 47 e 48.
XX- As concretas provas que impõem decisão, diversa da recorrida, são as seguintes: Declarações do arguido, acta de julgamento de 02-11-2023, gravada em suporte digital. Declarações da testemunha GG, acta de julgamento de 07-12- 2023, gravada em suporte digital. Declarações da testemunha DD, acta de julgamento de 01-02-2024, gravada em suporte digital. Declarações da testemunha EE, acta de julgamento de 01-02-2024, gravada em suporte digital. Declarações da testemunha FF, acta de julgamento de 01-02-2024, gravada em suporte digital.
YY- Não poderia, assim o Tribunal a quo ter dado como provado a matéria de facto vertido nos citados pontos dos factos provados, os quais deveriam antes ter sido dados como não provados.
ZZ- Tudo isto, pugnamos pela revogação da sentença recorrido no sentido preconizado e pela absolvição do arguido recorrente.
AAA- O demandado, ora recorrente, foi condenado a pagar à demandante, BB a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais.
BBB- O recorrente, pugna pela revogação da sentença, pelo que o pedido de indemnização cível terá forçosamente de improceder.
CCC- Não obstante, caso assim se não entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se aventa, caso se mantenha a condenação do arguido no crime de que foi acusado, o valor ao qual foi condenado, a título de danos patrimoniais é manifestamente excessivo e desproporcional. Tanto assim é, que o Tribunal a quo, apelidou o crime de violência doméstica de baixa intensidade. Pelo que o mesmo, terá de ser revisto e alterado.
Nestes termos,
E nos melhores de Direito que V. Ex.as sempre mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente absolvição do Arguido, sendo feita inteira JUSTIÇA!!!»
*
3. Admitido o recurso, em 1ª instância O Ministério Público apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos: (Transcrição)
(…)
«Delimitação do objecto do recurso 
 Por sentença datada de 22/02/2024, o Tribunal decidiu condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de dois (02) anos e 01 (um) mês de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
 Desta decisão, vem o arguido interpor recurso alegando, em síntese, que:
- não se encontram preenchidos os elementos do tipo de ilícito de violência doméstica; 
- se verifica a nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal; 
- foi incorrectamente julgada a matéria de facto;     - foi violado o princípio in dubio pro reo.
 I – Do crime de violência doméstica
Nas suas alegações o arguido refere que os factos dados como provados não preenchem o elemento objectivo do crime de violência doméstica. 
Salvo melhor opinião, entendemos que não assiste razão ao recorrente. 
 Nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1 do Código Penal “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/7/2014, in.www.dgsi.pt, “A ação típica do crime de violência doméstica tanto se pode revestir de maus tratos físicos como psíquicos. No conceito de maus tratos físicos cabem as ofensas à integridade física; nos maus tratos psíquicos abrangem-se as humilhações, provocações, molestações e ameaças. Essencial é que os comportamentos assumam uma gravidade tal que justifique a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar.”
 Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/2/2008, in.www.dgsi.pt, “O bem jurídico tutelado com a incriminação das condutas abrangidas no n.º 2 do art.º 152º CP, quer se considere ser a saúde física, psíquica ou mental quer se entenda ser a paz familiar, é diferente daqueles que são protegidos por outras incriminações que a conduta do agente pode, eventualmente, também ter preenchido, como sejam a integridade física e diferentes dimensões da liberdade.”
Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/4/2008, refere que “A qualificação de uma determinada acção como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um outro tipo de ilícito, da mesma forma que a aptidão de uma determinada acção para preencher o conceito de mau trato não significa, sem mais, a verificação do «crime de violência doméstica, tudo dependendo da respectiva situação ambiente e da imagem global do facto» (Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Julgar, nº 12 Especial, Setembro/Dezembro, 2010, pág. 19).”
O conjunto dos factos dados como provados, globalmente apreciados, permite concluir que foi alcançado e ultrapassado o patamar mínimo de gravidade que justifica a integração na previsão normativa do crime de violência doméstica, não só pela reiteração, como pela gravidade dos actos. 
Assim, in casu, dúvidas não restam que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica imputado ao arguido. 
 II - Da nulidade da sentença
 Nas suas alegações de recurso, o arguido considera que a fundamentação é manifestamente insuficiente e que, nessa medida, se verifica a nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Ora, salvo devido respeito, discordamos do arguido uma vez que o Tribunal a quo fundamentou devidamente a sentença indicando os meios de prova que serviram para formar a sua convicção no ponto III da sentença proferida.
 Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/1/2011, in.www.dgsi.pt, “II - De acordo com o art.374, nº2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal;
III - O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada;
(…)
VI - Não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al.a, com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP”
 In casu, o Tribunal a quo analisou criticamente todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento. Na sua fundamentação, o Tribunal menciona os concretos meios de prova, nomeadamente documental e testemunhal, com base nos quais formou a sua convicção. 
Para além do mais, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/2/2019, in.www.dgsi.pt “Os factos psicológicos que traduzem o elemento subjetivo da infração são, em regra, objeto de prova indireta, isto é, só são suscetíveis de serem provados com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos, analisados à luz das regras da experiência comum”
 Pelo exposto, podemos concluir que não assiste, nesta parte, razão ao recorrente.

 III - Da matéria de facto         
 Nas suas alegações de recurso, o arguido considera que os pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19 (na parte que consta que disse à assistente que ela era uma palerma), 22 (onde consta com receio do arguido), 24 (primeira parte), 34, 47 e 48 da matéria de facto dada como provada foram incorrectamente julgados e deveriam ter sido dados como não provados.  
Ora, salvo devido respeito, discordamos do arguido uma vez que, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resultou provada a supra mencionada matéria de facto. O Tribunal apreciou correctamente a prova produzida em audiência, retirando as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, fazendo apelo ao princípio consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, sem olvidar que a audiência de julgamento obedece também ao princípio da imediação que se encontra estreitamente ligado ao principio da oralidade, não se verificando pois erro na apreciação da prova.
Com efeito, a sentença recorrida é, quanto a nós, exímia em todos os seus aspectos, analisando minuciosamente todas as questões suscitadas pelo arguido.
No que respeita à prova testemunhal, é de salientar que a mesma foi valorada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. 
Nos termos do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, “a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Háde traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. (Cfr. sobre esta matéria, para além dos autores já citados, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, ii, 1993, pp. 107 e segs.; Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, ii, 1986, pp. 257 e segs., e J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. iv, Coimbra, 1981, pp. 566 e segs.).”
Entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20 de Março de 2006, in www.dgsi.pt, refere que “o recurso da matéria de facto não se destina, assim, a postergar o princípio da livre apreciação da prova que tem consagração expressa no artigo 127.º do CPP, pois que a decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais. – Prof. Figueiredo Dias. Direito Processual Penal. vol. I. ed.1974. pag. 204. Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof. Alberto do Reis, citando Chiovenda: ”ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar. – Anotado. vol. IV, págs. 566 e segs. Finalmente, é ainda o artigo 127.º citado que nos indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, devendo notar-se, no entanto, a este propósito que se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo coma sua livre convicção” (sublinhado nosso). O mencionado acórdão acrescenta, ainda, com interesse para o presente caso, “o recorrente, na sua motivação, não alega que a descrição que a sentença faz do conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, na realidade, disseram o queixoso e as testemunhas, dizendo antes que devido a contradições e imprecisões dos depoimentos, não lhes devia ter sido dada credibilidade. Mas a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito, pois como, aliás, já há muito ensinava o prof. Enrico Altavilla “O interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeira, certas partes e negar crédito a outras. – Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed. pág. 12. Ou seja: ataque à decisão da matéria de facto é feito pela via da credibilidade que o colectivo deu a determinados depoimentos pressuporia a revogação pela Relação da já mencionada norma do artigo 127.º do CPP, a que os tribunais devem, naturalmente, obediência e que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, pelo que, ao visar a alteração da matéria de facto pela via da revogação do princípio da livre apreciação da prova, o recurso é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitado – artigo 420.º, n.° 1 do CPP” (sublinhado nosso).
 Por fim, podemos, ainda, salientar o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19/12/2019, in.www.dgsi.pt, que refere que “I - o “exame crítico” das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
II - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo.
III- Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise
todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles.
IV - Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum”.
No que respeita ao ilícito penal em apreço, de acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/11/2010, in.www.dgsi.pt, “Sabendo-se que a violência de são vítimas as mulheres ocorre sobretudo no seio do agregado familiar, escapando em larga medida ao conhecimento público, tem vindo a receber progressivamente aceitação geral a ideia de que estando em causa crimes cuja prática é menos visível ou rodeado até de certo secretismo os depoimentos dos ofendidos devem merecer especial relevo probatório. O que não quer significar, porém, que se deva ter como certo que o acusado mente e a(o) ofendida(o) conta sempre a verdade, mas sim que o tribunal deve estar particularmente atento às declarações e à atitude de um e de outro, pois são eles, especialmente a(o) ofendida(o) quem forma as bases em que vai assentar a convicção do julgador.”
 Ora, in casu, o Tribunal expôs na sua fundamentação o processo racional e lógico que percorreu para dar como provados os factos aqui em apreço. Na sua apreciação crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento o Tribunal explica, de forma clara e compreensível para os destinatários da sentença, as razões que o levaram a dar mais relevo a certos depoimentos. 
Pelo exposto, podemos concluir que não assiste, também nesta parte, razão ao recorrente. 

 IV - Violação do princípio in dubio pro reo
 Nas suas alegações de recurso, o arguido refere, ainda, que foi violado o princípio do in dubio pro reo.
Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/12/2010, in www.dgsi.pt, “O princípio “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade.
O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa.
Não se trata porém de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dúbio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto.”
 Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo expôs na sua motivação os elementos de prova produzidos com base nos quais formou a sua convicção, não tendo resultado qualquer dúvida inultrapassável que o Tribunal tivesse de valorar a favor do arguido.
Tal como acima já deixamos dito, o Tribunal expôs na sua fundamentação o processo racional e lógico que percorreu para dar como provado os factos aqui em apreço. 
 Pelo exposto, podemos concluir que não assiste, também nesta parte, razão ao recorrente. 
*
Pelo acima exposto, cotejadas as conclusões das alegações de recurso, afigura-se-nos que não assiste razão ao arguido. 
Assim, com a devida vénia e por razões de economia processual, aderimos por inteiro às considerações tecidas pelo Mmo. Juiz a quo e pugnamos pela manutenção da sentença ora colocada em crise.
 Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantendo, na íntegra, a douta sentença recorrida, farão como sempre, a costumada JUSTIÇA»
*
4. Também a assistente respondeu ao recurso, rematando com as seguintes:
«CONCLUSÕES

I – O presente recurso está centrado na impugnação da decisão sobre a matéria de facto e de direito;
II – A decisão do tribunal “a quo” não merece qualquer reparo, uma vez que a prova produzida demonstrou que o arguido além de ter confessado todas as mensagens juntas aos autos, teve comportamentos, como refere a douta sentença, pag. 35 “…quando considerados avulsamente são adequados a gerar grandes transtornos na personalidade da vítima quando se transformam num padrão de comportamento no âmbito da relação”;
III – O arguido faltou à verdade, conscientemente, sobre os factos praticados no período de 2004 a 2019, olvidando os documentos juntos na audiência e julgamento, cfr. ATA de 31-12-23, e como se refere supra – pags, 4 e 5 – dando como provados todos os impropérios injuriosos, como “labrega e sopeira, no ponto 5, a pags. 23 e 24, assim como - burra, palerma, atrasada mental, estúpida, uma merda”. referidos pelas testemunhas, seus familiares, que passavam, a espaços, temporadas com a Assistente, dos factos provados e fundamentados na respetiva “Motivação”;
IV – Os outros factos provados fora daquele período tiveram como prova as testemunhas arroladas e as certidões e documentos conjugados com os respetivos depoimentos; 
V - Como refere e bem o douto acórdão do TRL “….grande parte do comportamento do arguido não teve como causa a separação conjugal ;
VI – O Arguido, não há dúvidas, que confessou todas as mensagens injuriosas, mas além disso tem uma propensão para a mentira e para transmitir uma imagem mais positiva de si mesmo e/ou do seu funcionamento, como refere o “Relatório Médico Forense” (2º Vol. – fls, 616-Instrução);
VII– A nulidade alegada de “Omissão de Pronúncia” deve improceder, pelos argumentos apontado supra, pag.6 e 7;
VIII – É de realçar como importante para o enquadramento do “crime de violência doméstica” o que refere a pag. 35 a douta sentença:
“………Há que considerar como abrangidos pelo tipo penal os casos de “micro violência continuada” caracterizando-se pela opressão exercida e assegurada normalmente através de repetidos atos de violência psíquica, que apesar da sua baixa intensidade quando considerados avulsamente são adequados a gerar grandes transtornos na personalidade da vítima quando se transformam num padrão de comportamento no âmbito da relação” (negrito nosso)
IX - As conclusões da motivação do arguido, nos pontos “PP, KK e RR”, não correspondem à verdade, devendo ser desconsideradas, caso o entendimento de Vossas Excelências, seja no sentido contrário ao decidido, no ponto 116 dos “factos provados” do tribunal “a quo”;   
X – Pelo exposto decidiu bem o tribunal a quo, dando como provados os factos de que vinha acusado, condenando o Arguido numa pena de um crime de violência doméstica p. p. pelo artigo 152º, nº 1, al. a),  nº 2, al. a) do C.P.
Pelo exposto – e pelo que for doutamente suprido por Vossas Excelências – deve a douta sentença, objeto de recurso ser confirmada, negando-se provimento ao recurso interposto, fazendo-se assim, a habitual e necessária JUSTIÇA.»
*
5. Neste Tribunal o Digníssimo Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, culminando com as seguintes conclusões:
«Em conclusão:

1. A sentença colocada sob apreciação não padece de nulidade, tendo realizado um suficiente e legal exame crítico das provas, possuindo, por isso, pertinente fundamentação;
2. O recurso do arguido deverá ser julgado improcedente relativamente à impugnação da concreta factualidade de que diverge, pois que não se verifica um qualquer erro de julgamento que importe reparar, por inexistência de quaisquer provas que imponham decisão diversa e por aquele, irremediavelmente, não haver especificado as concretas passagens da prova gravada onde alicerça o seu propósito, como obriga o disposto no art.º 412, n.ºs 3 e 4 do CPPenal, e por o texto da decisão não revelar a existência dos vícios previstos no n.º2 do art.º 410 do CPPenal, mormente resultante da violação do princípio in dubio pro reo, princípio cuja aplicação em seu favor não recolha fundamento pois que o apelo que a ele faz decorre da sua apreciação da prova descobrindo nela dúvidas que o julgador não teve, agindo, assim, em confronto com o disposto no art.º 127 do CPPenal;
3. A concretizada qualificação jurídica dos factos tornando o arguido recorrente autor de um crime de violência doméstica coloca-se fora de qualquer censura em face dos reiterados maus-tratos que aquele infligiu à vítima ao exercer domínio sobre esta, estando presentes humilhações que são humanamente degradantes;
4. Deve ser confirmada integralmente a decisão recorrida, rejeitando-se o recurso na parte cível, nos termos do art.º 400, n.º2 e art.º 420, n.º1, al. b), ambos do CPPenal.
c)
Recurso a julgar em conferência, cumprindo-se o disposto no art.º 417, n.º 2 do CPPenal.
*
6. Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.
*
7. Efetuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II – Fundamentação

Delimitação do Objeto do Recurso

Como é pacífico (Cfr. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.

Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, as questões suscitadas no recurso prendem-se com:

1ª - A matéria de facto:
-Nulidade da sentença, por falta de fundamentação;
- Vícios da decisão (impugnação restrita) previstos no art. 410º, nº 2, do CPP;
- Impugnação ampla da matéria de facto (erro de julgamento);
- Violação do in dubio pro reo;
2ª Direito
- Qualificação jurídica dos factos;
3ª Indemnização civil
- Montante fixado
*
Decidindo

São os seguintes os factos considerados provados e não provados, bem como a motivação, de facto e de direito, da decisão impugnada. (Transcrição)
(…)
«II – Fundamentação:
1. Factos Provados:
 Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
 
Da acusação/pronúncia: 
1. O arguido e a assistente BB, contraíram matrimónio no dia 13/09/2007, tendo fixado residência na Rua ..., ..., Guimarães. 
2. Da sua união, em ../../2012, nasceu II. 
3. No ano de 2014, por motivos não concretamente apurados, o arguido saiu da empresa onde trabalhava, tendo criado a empresa “EMP01..., Lda”. 
4. Sucede que, a partir desse momento, o arguido, com a saída da empresa e as preocupações inerentes à criação de uma nova, começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso, e também tomava medicação prescrita pelo seu médico psiquiatra. 
5. Com uma frequência não concretamente apurada, desde o ano de 2014, o arguido, dirigindo-se à assistente, dizia que era uma “burra, palerma, atrasada mental, sopeira, estúpida, uma merda”. 
6. Em data não concretamente apurada do mês de ../../2019, o arguido, a assistente e o filho de ambos estavam a jantar, quando o casal encetou uma discussão. 
7. Para o filho não continuar a assistir à discussão, a assistente levantou-se da mesa com o intuito de ir com a criança para o quarto, altura em que o arguido, com força, a agarrou por um braço, obrigando-a a permanecer sentada, ao mesmo tempo que, dirigindo-se-lhe, em tom sério, disse “não te vais levantar outra vez”. 
8. Não obstante, a assistente levantou-se e levou o seu filho para o quarto. 
9. Quando o filho já se encontrava a dormir, o arguido foi falar com a assistente tentando justificar a sua conduta, sendo que, por continuar nervosa com o sucedido a mesma recusou-se a conversar. 
10. Nesse momento, o arguido agarrou a assistente pelos dois braços, sacudindo-a, ao mesmo tempo que, dirigindo-se-lhe, disse “aquilo não foi nada, foi só um beliscãozinho, deixa-me ver se tem alguma coisa.“
11. Em consequência da conduta do arguido, a assistente sofreu dores e mal-estar. 
12. No dia 31 de ../../2019, a assistente, em consequência do trabalho realizado na empresa que constituiu com o arguido, foi convidada para ir a ..., sua cidade Natal e onde residem os seus pais, apresentar um trabalho. 
13. Tal trabalho foi apresentado no dia 8 de Março de 2019, sendo que o arguido, embora tenha estado presente, não quis participar na apresentação, tendo nesse dia regressado a Guimarães com o seu filho, e a assistente ficado naquela cidade para participar em reuniões de trabalho. 
14. No dia 18 de Março de 2018, na companhia da sua mãe, a assistente regressou a Guimarães. 
15. No dia 21 ou 22 de Março de 2019, no quarto do casal, na sequência de uma conversa em que debateram as dificuldades económicas da empresa, o arguido, dirigindo-se à assistente, disse “tu és uma merda, o trabalho que fizeste foi uma merda, não vale nada, é uma perda de tempo, não andas a fazer nada há dois meses à conta disso”. 
16. No dia seguinte, na cozinha da residência comum, e existiu uma discussão motivada pelo facto de a assistente ter dito que ira passar a Páscoa aos ..., e que o arguido não ia. 
17. Nos dias 15 e 16 de Abril de 2019, encontrando-se a assistente em ..., o arguido, via Messenger, enviou-lhe mensagens com o seguinte teor:
“Não podemos trabalhar juntos porque trabalhamos com ritmos muito diferentes… fico sempre à espera que me envies algum elemento até nunca o enviares. Depois ficas pressionada porque estou a “exigir”  “podes falar comigo que não mordo Não sejas cobarde Serás sempre a mãe do meu filho”; “eu sempre disse a toda a gente que bebia demais Toda a gente sabe Eu próprio assumo Preciso de um médico que me ajude”; E os medicamentos que estou a tomar parecem ajudsr”; “Amor, percebe que sem ti vamos vender a casa a loja e acabar com a empresa porque não consigo olhar para ti sem poder estar contigo”; “sim também assumo” (em resposta à mensagem da assistente que lhe disse “muito álcool”); Exaltado, ansioso, nervoso, bebo demais como demais falo alto e insulto facilmente etc Já vi tudo isso Aperto no braço nunca Um beliscão Sem querer e sem medir a forca Ao qual te pedi imediatamente desculpa Amo te demais para não o fazer”. 
18. Após as férias da Páscoa, no dia 27 de Abril de 2019, a assistente regressou dos ... na companhia do seu pai. 
19. No dia 29 de Abril de 2019, cerca das 21h00, na residência comum, o arguido disse à assistente que era uma “palerma” e já lhe tinha dito que não queria o seu pai na casa de ambos, tendo nessa sequencia a assistente dito que queria o divórcio. 
20. Nesse momento, o arguido, dirigindo-se à assistente disse “leva o teu pai que eu não o quero aqui”, dizendo que ele tinha de sair, senão chamava a GNR. 
21. Após a assistente dizer ao arguido que já era tarde e que não tinha para onde levar o pai, o mesmo acabou por concordar que ali permanecesse durante a noite. 
22. Contudo, com receio do arguido, no dia seguinte, pelas 07h00, a assistente pegou no seu filho e, juntamente com o seu pai, saiu da residência comum, tendo ido para casa de familiares em .... 
23. No dia 30 de Abril de 2019 a assistente, juntamente com o seu filho, foi residir para ....
24. Contudo, não obstante a separação, o arguido, por não a aceitar, através do Messenger, WhatsApp ou correio electrónico, envia mensagens à assistente de teor ofensivo, e tenta prejudicá-la profissionalmente, quer fazendo comentários em páginas de facebook de índole profissional, quer endereçando mensagens de correio electrónico a parceiros de trabalho e imprensa, tendo-lhe bloqueado o acesso aos endereços de correio electrónico e às redes sociais relacionados com a empresa de ambos. 
25. Assim: No dia 8 de Outubro de 2019, na página de facebook da “...” e num comentário à publicação “as nossas talentosas JJ e KK do projecto #..., vão estar dia 10 de Outubro na “...”, (…), o arguido escreveu “A fazer-se passar pela empresa que abandonou em Guimarães, EMP01..., e isto em Guimarães…! Mentir e Roubar é o seu forte.
#... Inacreditável a lata com que o faz! ...; 
26. Em data não concretamente apurada, no perfil de facebook de “LL”, num comentário à publicação “olha só… JJ”, acompanhada da fotografia de uma televisão onde se vê publicidade à marca “...”, o arguido escreveu “JJ. Por ela nem no diário insular… depois de muito trabalho Eu meti esse cartaz a passar na .... Bjs”; 
27. No dia 18 de Fevereiro de 2020, pelas 17h12, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico para parceiros profissionais e imprensa, com o seguinte teor “Exmos Srs. Na sequência das vossas publicações nas redes sociais, referentes à empresa ..., empresa instalada no ..., vimos informar que esta, tem vindo a utilizar conteúdo, para a sua promoção, pertencente em exclusivo à empresa EMP01... Lda. .... As imagens, textos e participações em feiras internacionais, para apresentação de coleções ecológicas, são da autoria e propriedade da empresa EMP01... Lda e esta não deu qualquer tipo de aval para a sua utilização. Desta forma, vimos solicitar a remoção das mesmas de todas as vossas plataformas (…). 
28. No dia 30 de Abril de 2020, no perfil de facebook de “MM”, o arguido, através do perfil da empresa “EMP01...”, publicou o seguinte comentário: Pena que a JJ se tenha tentado apoderar de um percurso da empresa EMP01..., que não lhe pertence de todo, muito menos o projecto do “...”! É inacreditável como se tenta apoderar desse projecto, e fala do que nem sabe, nem tem qualquer conhecimento… nunca adquiriu qualquer tear, nem nunca trabalhou neles mas, sim a empresa EMP01.... Uma vergonha esta dita “designer”, com 12ºAno, não tendo qualquer formação, alega, que investiu algum dinheiro, quando nunca colocou um cêntimo em qualquer projecto! Sempre foi e continua a ser financiada!”  
29. A assistente, no ano de 2019, foi informada pela “...”, de que tinha ganho o prémio “...”, tendo procedido ao pagamento do valor devido para estar presente na Gala de entrega de prémios.  
30. Sucede que, o arguido, no dia 10 de Maio de 2019, fazendo-se passar pela própria assistente e com recurso ao endereço de correio electrónico profissional, procedeu ao cancelamento da recepção do prémio, tendo, no dia 14 de Maio de 2019, pedido o reembolso das inscrições na Gala.  
31. No dia 29 de Junho de 2019, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico para a ... (...”, sita em ..., ..., a cancelar o arrendamento do espaço de escritório que a assistente, através de concurso, havia conseguido, alegando que a marca “...” não era propriedade da mesma.  
32. Nessa altura, a assistente apenas não perdeu o espaço naquele local, porque lhe foi permitido pela ... concorrer a título individual.  
33. Desgastada com os comentários e mensagens do arguido, a ofendida bloqueou o seu número, bem como o acesso aos seus perfis nas redes sociais.  
34. Sucede que, tendo tido conhecimento que o arguido, no dia 2 de Junho de 2020, começou a enviar mensagens à sua irmã, a assistente desbloqueou os referidos acessos, tendo, a partir do dia 15 de Junho de 2020, recomeçado a receber mensagens de teor injurioso.  
35. Assim, via aplicação WhatsApp, o arguido enviou as seguintes mensagens à assistente:  no dia 15 de Junho de 2020, entre as 00h46 e as 0h130: “o que pretendes falar comigo sobre o meu filho? Ainda não percebeste que não és capaz de avaliar e priorizar os interesses dele? Só o prejudica com os teus crimes diários, mentiras e manipulações. Enganas toda a gente queres que fale contigo?! Trata-te”; “Até mentir já lhe ensinaste puta”; “Família de mentirosos (todos) (…)”; “Ordinária”; “Traidora”; “És mesmo maquiavélica”; “Doente”; “És uma farsa”; “Continua a seguir o que fica escrito pelo tribunal que pode ser que se vire contra ti”;  No dia 16 de Junho de 2020, entre as 21h46 e as 21h52: “Olha tamanha hipocrisia, mentira e desequilíbrio que tens e és”; “Mais falsa não podias ser”; “Falsa”;  No dia 29 de Junho, entre as 21h02 e as 22h37: “Informo-te que, o teu contacto isolado, a dares conta do NN, notas e consultas, num período de 1 ano, só demonstra a tua estupidez. O teu plano de excluir o Pai e restante família, da vida do NN é um perfeito disparate e mostra bem a tua mente doente e perturbada, que já qui a demostravas. Toda a gente sabe, diz e fala, da tua prepotência, igoismo, falta de educação e princípios, e mentiras constantes… O tua ambição, que nunca irás alcançar, ultrapassa tudo o que é razoável e causa danos que irás pagar, seja a que custo for. Acredita que não irás sair deste teu esquema maquiavélico sem devolveres tudo o que deves a tanta gente”; “não te esqueças de pagar tb o carro que roubaste aqui de casa”; “És tao estupida”; “Vai pá puta que te pariu mais os teus agradecimentos”; “Infidelidade = Crime Subtração de menor = Crime Roubo de património = Crime Violência doméstica = Crime Violência doméstica a menor = Crime Abandono do posto de trabalho = Crime Desvio de clientes = Crime Desvio de parceiros = Crime Roubo de marca = Crime Concorrência desleal= Crime Consulta de dados confidenciais = Crime Mentir em tribunal = Crime Aleanação parental = Crime Manipulação = Crime ETC…”; “Não tens noção do que fizeste porque és inconsciente”; “Trata-te e depois irás perceber a besta que és”; “Paz é uma coisa que nunca mais irás ter”; “És mesmo maquiavélica”; “Da te jeito depois de toda a merda que fizeste”; “Nojenta”; “As tuas respostas reduzidas mostram bem que tens o rabo entalado, o que toda a gente sabe”; “já mudavas essa foto em que estás bêbada”;  No dia 1 de Julho de 2020, pelas 20h29: “Quando pensares que tudo acabou será o inicio do teu fim”;  No dia 6 de Julho de 2020, entre as 23h24 e as 23h55: “só depois de pagares tudo o que devea” (depois de a assistente lhe ter dito para a deixar em paz”; “sem o que te dei não és nada”; “continuas a usar o que não é teu”; “Podes apagar o teu site em vez de serem outros a fazê lo”; “nada do que lé tem é teu”; “O MEU FILHO É TUDO E NÃO NADA COMO FALAS PORQUE NEM QUERES SABER DELE NEM DE NINGUÉM”; “Zé ninguém”; “é melhor começares a pensar regista o ... para as tuas barracas”;  No dia 7 de Julho de 2020, entre as 21h01 e as 22h51: “Boa noite, estou a organizar a minha casa, e uma vez que tens aqui coisas tuas, informo te que já estão todas embaladas, em caixas de cartão, para os poderes levantar. Caso contrário serão entregues/doadas, esta quinta feira na cercigui”; “peço desculpa mas, após análise, passo a corrigir. Uma vez que estás há mais de um ano sem residir ou mesmo vir a esta residência tens apenas 30 minutos, a contar, desde a hora que eu receba o recibo de leitura desta mensagem, para dizeres o que pretendes fazer com as tuas coisas. Caso contrário amanhã de manhã serão entregues na cercigui”; “22h33”; “é a hora”; “OK, já tiveste o teu tempo”; “amanhã serão entregues as caixas”;  No dia 14 de Julho de 2020, entre as 18h44 e as 18h47: “És tão ordinária que continuas a insultar-me juntamente com o teu Tio e a dizer só mentiras… o cerco está-vos a ficar apertado e já não sabem por onde ir…”; “Vales zero”; “isso já não é orgulho próprio mas sim estupidez”; Teste psiquiátrico e de álcool sim, vais ter que fazer porque sabes bem que tens problemas graves”; “Como disse o teu Tio, sabendo de todo o esquema maquiavélico e de mentiras, “vai haver sangue” (OO)”; “vocês são mesmo doentes”;  no dia 17 de Julho de 2020, entre as 21h21 e as 21h24: “devias ter vergonha da pessoa que és!”; “Eu tengo orgulho de não ser nojento como tu”; “Sem princípios como tu”; “Infiel”, “fraudulenta”, Ladra”; “É doentio”. 34. Atentas as mensagens enviadas pelo arguido, no dia 17 de Julho de 2020, pelas 21h25, a assistente bloqueou no seu telemóvel o contacto do mesmo, mantendo conversas com o arguido via correio electrónico e apenas no respeitante ao exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos. 
36. Posteriormente, a assistente desbloqueou o contacto do arguido no dia 20 de Julho de 2020, pelas 12h11, voltando a bloqueá-lo no mesmo dia, pelas 12h58; debloqueou-o no dia seguinte pelas 13h39 e no mesmo minuto voltou a boqueá-lo, tendo desbloqueado novamente no dia ../../2020, pelas 13h37.  
37. Assim, após o dia ../../2020, o arguido retomou o envio das mensagens via WhatsApp para o telemóvel da ofendida:  No dia 8 de Setembro de 2020, entre as 21h03 e as 21h43: “o NN, continua a dizer que não quer voltar para a Terceira nunca mais. Nunca falaste com ele sobre o assunto o que só me tem causado problemas e instabilidade nele. O teu igoismo e vontade de me diminuíres, é tão grande que te estás a marimbar para o bem estar dele. Isso eu nunca te vou permitir.
Ou mudes de atitude ou iremos ter que tomar mais medidas”; “Hoje queixou se de que nem sequer te importas te em saber dele mas sim onde estava, onde ia dormir, onde ia… Andas a perseguir e com as tuas manias”; “O teu telefonema ao teu Tio a pedir para falar com a tua amiga juíza para te dar a guarda do NN é de muita imaginação”; “Quando não tens roubas”;  No dia 24 de Setembro de 2020, entre as 21h09 e as 21h27: “Para tua informação, o NN faltou 2 dias as aulas porque tinhas as passagens marcadas para dia 10… Tu é o teu advogado só sabem mentir e metem nojo”; “Fazes te de Santa e és um nojo completo”; “Igoista de merda”; “és tão estupida”; “Não prestas”; “Porque gostas de mentir”; “E não fazias te de mula”; “Só quando pretenderes falar sério e sem mais mentiras estarei disponível”; “Já tu nem com a merda do namorado novo te manténs entretida”; . “Tens ódio dentro de ti”; “Estás convencida do contrário porque os sonsos da tua família ainda te apoiam”;  No dia 28 de Setembro de 2020, entre as 19h39 e as 19h49: “não voltes a interromper, nunca mais, o telefonema que tenho com o meu filho. O teu egocentrismo NÃO PODE afectar o NN. Se tens problemas trata-te”; “Vê se atinas miúda”; “A tua necessidade de te impores sempre foi visível aos olhos de todos”; “És malcriada”;  No dia 9 de Outubro de 2020, pelas 22h06 e 22h07: “estas bimba e gorda como um chibo”, “no melhor nas tuas origens”, acompanhadas da fotografia da assistente e de três emojis de vacas;  No dia 14 de Outubro de 2020, entre as 20h28 e as23h37:
“vocês são todos doentes e ainda tens a lata de dizer que eu é que tenho de ir ao psicólogo”; “És doente meso”; “És burra como um sapato”; “Não querias um casamento falavas e não fugir como uma cobarde a roubar tudo e todos; “Tu não disses nada… És a culpada de tudo e irás pagar por isso mais tarde ou mais cedo”; “agora desemerda te sozinha porque não me tens para abafar as tuas mentiras”; “enquanto não baixares os cornos não irás conseguir fazer nada, nem comunicar comigo saudavelmente, o que é fundamental para o NN. Mas como sempre estás te a cagar para ele é o teu umbigo é que interessa”; “antes não fui visitar porque não quis e agora vens com as tuas teorias… És completamente descompensada”.  
38. No dia 17 de Outubro de 2020, a assistente, juntamente com o filho e o seu companheiro, foi jantar a casa da sua prima FF, sita em ..., ... e, sabendo que o arguido ainda se encontra na ilha para ver o filho de ambos, mas à espera de uma decisão a proferir pelo Tribunal de Família e Menores, resolveu ali pernoitar.  
39. No dia seguinte, de manhã, o arguido, juntamente com uma fotografia da residência da ofendida, enviou para o telemóvel da ofendida a seguinte mensagem: “será melhor abrirem a porta”.  
40. Nesse mesmo dia, ao final da manhã, o arguido deslocou-se junto da casa da prima da assistente, tendo questionado o marido desta acerca do paradeiro da assistente.  
41. A assistente saiu de casa da sua prima e, no dia 19 de Outubro de 2020, foi para casa de uma amiga, tendo, contudo, deixado o seu veículo em casa daquela.  
42. Nos dias 19 e 20 de Outubro, o arguido rondou a residência da assistente, com o intuito de ver se o filho ali se encontrava, facto presenciado pelo seu vizinho PP.  
43. No dia 20 de Outubro de 2020, pelas 14h44, o arguido enviou uma mensagem à assistente, nos seguintes termos: “abre a porta de casa da FF, sei que estás aí dentro, senão eu chamo a Polícia, já vimos o teu carro”.  
44. No dia 19 de Outubro de 2020, entre as 20h26 e as 20h27, mandou, ainda, as seguintes mensagens para o telemóvel da assistente: “és doente mental”; “mentirosa de merda”; “tu é que estás doida”  
45. No dia 28 de Novembro de 2020, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico para o endereço de correio electrónico da ofendida, dirigindo-lhe, as seguintes expressões “és um zero em todos os sentidos”; “terás de pagar a minha cota parte, para o resto da tua vida”; “poderás limpar o cu às coisas que andas a fazer e que não te pertencem, e terás o que mereces. És uma vergonha e um nojo de pessoa”.  
46. Nesse mesmo dia, na rede social facebook e na sequência de publicações de índole profissional postadas pela assistente nos dias 10, 17, 23 e 27 de Julho de 2020, 10 e 25 de Agosto de 2020, 28 de Setembro de 2020, 27 de Outubro de 2020, 10, 17, 24 e 26 de Novembro de 2020, o arguido, através do seu perfil pessoal, publicou os seguintes comentários: “conteúdo roubado e por isso impróprio nesta página”; “roubar o conteúdo de outra empresa é crime. Juízo”; “tirar a formação académica mas que não tirou… ou seja diz que é, mas não é “Trabalhos roubados de outras empresas, vergonhoso”.  
47. Ao atuar como descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a assistente, sua esposa, objetivos que perseguia e alcançou na totalidade e com intenção de:  a. com as agressões, a magoar fisicamente;  com os insultos atingir a honra, consideração e dignidade pessoal da sua mulher; com as ameaças, de lhe causar medo e inquietação;  com os telefonemas, impor a sua presença e perturbar a paz e sossego.  
48. O arguido sabia ainda que praticava os factos supra descritos em 5. a 11., 16., 17., 20. e 21. na habitação do casal e na presença do filho menor de ambos.  
49. Agiu ainda o arguido sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei. 
Do PIC, com relevo para a decisão:
50. A demandante é decoradora, exercendo a sua atividade em .../ ..., tendo criado uma marca registada em seu nome, denominada ....
51. A assistente recebia de quando em vez, sempre que a sua profissão o permitia, a vista da mãe e amiúde do pai, que viviam nos ....
52. Por sua vez também teve como companhia a sua irmã - ... - que chegou a conviver com o casal, aquando da sua estada no continente quando aqui estudava e quando vinha de férias.
53. Qualquer destes familiares assistiu a desavenças entre o casal.
54. Na fábrica onde o demandado trabalhava foi-lhe atribuído o cargo de diretor de produção.
55. Quando o demandado se despediu da fábrica a assistente ficou preocupada de o ver sem fazer nada e com o rendimento familiar a ficar diminuído.
56. As questões financeiras pioraram, o que prejudicou a estabilidade familiar o que levou a discussões. 
57. Face a esta situação em 16.02.2017, o arguido constitui uma empresa denominada EMP01..., Lda, com o escopo de fabricação de produtos têxteis e outros.
58. A demandante assistente só entrou para sócia da sociedade EMP01... 25 de Setembro de 2018.
Da contestação (com relevo para a decisão) e apurado em audiência de julgamento:
59. Era o trabalho do arguido e o auxílio dos pais dele que garantia e proporcionava ao casal e ao filho destes, uma vida económica confortável.
60. A sociedade EMP01..., foi criada pelo arguido AA juntamente com o primo, QQ, tendo iniciado a sua atividade no ano de 2017
61. O arguido AA, integrou como colaboradora na sociedade, de forma a promover a afirmação pessoal e profissional da assistente.
62. Em Agosto de 2018, nas redes socias da assistente, esta escreveu “O meu mundo, o meu amor, a minha família A obter inspirações em Portugal!!! (…). Em resposta a testemunha e sua irmã RR diz, “....
....”
63. A assistente enviou pelo Messenger, as seguintes mensagens ao arguido AA “Amo-te muito”, “Obrigada ...”, “Vamos fazer o stand mais top do hall2!!! Mas preciso de ti!!!:: ”, “os dois juntinhos conseguimos”, “hoje quero jantar um crepe dos teus!!:)”.
64. Por sua vez, o arguido AA enviou em abril de 2018, as seguintes mensagens para a assistente, via Messenger “Texto para ajudar a entrevista com o ...”, “Bjs, Amo-te muito!” e recebeu da assistente “Amo-te muito amor”, “Obrigada seguido de 2 emojis de beijos”.
65. Em maio de 2018, o arguido AA, enviou pelo Messenger para a assistente um trabalho em 3D, feito por este, do stand para a feira ... em ... e escreve, “vai ficar lindo!”, “acredita em nós”, “vamos conseguir”, e recebeu da assistente a seguinte resposta, “Amo-te muito.”
66. Acresce que a partir de junho de 2018 a assistente começa a denotar alguma frustração e pouca resiliência em lidar com a falta de liquidez da empresa, porquanto o sócio QQ, - sócio/” capitalista” deixou de injetar dinheiro em quantidades avultadas como por várias vezes o teve de fazer.
67. A assistente começou a enviar mensagens ao arguido AA, com o seguinte teor, “eu estou em baixo …. ”, “a sério Bé esta ansiedade de nunca ter dinheiro matame”, “estou farta”, “não me sinto segura assim e desta forma não faço um bom trabalho”, “parece que a minha cabeça explode”, “estamos sempre a falar em pagamentos e nunca tenho dinheiro para nada!”. “Estou em pânico”, “o badamerdas vai nos tramar”, “agora estou com medo.”
68. No mês de agosto de 2018, o sócio QQ, demonstrou vontade em sair da sociedade ou de ficar com esta por completo, alegando que não conseguia trabalhar com as exigências financeiras e postura da assistente.
69. Perante tal, a assistente, passou todo o período de férias de Verão desse ano, a suplicar, perante os Pais e irmã (SS) do arguido AA, que fosse comprada a quota do sócio QQ e que se retirasse a marca “...” da sociedade, por receio de que, se esta ficasse para o sócio QQ, ele pudesse usar a marca.  
70. No entanto, o casal não tinha condições financeiras para comprar a quota do sócio QQ e por isso a ansiedade da assistente tornou-se ainda mais acentuada. 
71. Os pais do arguido, uma vez mais, perante tal cenário, disponibilizaram-se a emprestar ao casal a quantia de 30.000,00€, para aquisição da quota, do sócio QQ.
72. No entanto, mesmo após a aquisição da quota, por parte da assistente, a ansiedade desta continuava, porquanto teriam (assistente e arguido) de pagar 30.000,00€, de forma faseada aos Pais do arguido.  
73. Quando o arguido chegou a casa (Guimarães), vindo da ..., dirigiu-se ao computador. 
74. Tendo verificado, voos marcados para a assistente, filho e mãe, para a ..., para o período de férias de Páscoa. 
75. O arguido ficou perplexo, com tal atitude porque para além de a assistente não ter marcado voo para arguido. 
76. O arguido ligou de imediato para a assistente questionando-a se estava a pensar ir passar a Páscoa aos .... 
77. Aquela respondeu que tinha pensado nisso, mas que ainda não tinha decidido, pois não tinha falado com o arguido.
78. O arguido, confrontou a assistente, dizendo que estava no computador a ver as reservas de ida e volta já confirmadas e pagas. 
79. Este referiu que estava incrédulo, por saber que a assistente estava a mentir e que não confiava mais nela.  
80. A assistente por ter sido confrontada e apanhada na mentira, desligou o telemóvel, pedindo para a funcionária parar o carro num posto de abastecimento e saiu do carro, começando a chorar.
81. O arguido, apesar de tudo mostrou vontade de ir com a assistente e o seu filho até aos ... para passar a Páscoa, uma vez que as viagens já estavam marcadas para todos, excepto para deste.  
82. No entanto, a assistente afirmou “não és bem vindo em casa dos meus Pais”..
83. Após as férias da Páscoa a assistente informou o arguido de que ia regressar a Guimarães na companhia do pai, ao que, dadas as circunstância e impedimento do arguido entrar em casa dos seus sogros. 
84. O arguido informou a assistente de que também não queria que o pai desta se instalasse na casa do casal, pois tinha ficado extremamente magoado e ofendido com o que ouvira antes (não és bem-vindo na casa dos meus pais).
85. A assistente confirmou que o seu pai já tinha arrendado um apartamento para ficar, e concordou, que não era sensato ficar em casa do casal.
86. No entanto, dia 27 de abril de 2019, dia em que o arguido e filho iam para uma festa de aniversario de familiares, em ..., o arguido fez questão de esperar pela assistente para que esta tivesse oportunidade de dar um beijinho ao filho, já que esta se recusou a ir à festa para a qual também fora convidada.
87. Ao regressar a casa, no final do dia 28 de abril 2019, o arguido deparou-se com a assistente na companhia do seu pai a preparar o jantar para ambos na casa do casal.  
88. O arguido pediu para falar em privado com a assistente e questionou-a sobre qual o motivo de o pai desta, ter lá permanecido e lá continuado para jantar. 
89. A assistente alegou que o apartamento só estaria disponível na 2ª feira, 29 de abril de 2019, e que logo de manhã cedo iriam para lá, referiu ainda que a própria também ia para o apartamento com o Pai. 
90. Tendo sido nesta ocasião que a assistente referiu ao arguido, “quero o divórcio”, sendo que foi neste momento que pela primeira vez que o tema divórcio foi abordado.
91. O arguido ficou atónico com o que acabara de ouvir e referiu à assistente o seguinte:
“Não consigo perceber nem consigo olhar para a tua cara a dizeres-me isso!”, “não quero aqui o teu Pai”, dizendo ainda que caso o pai desta não saísse da casa de morada de família, chamaria a GNR. 
92. A assistente respondeu dizendo que já era tarde e que no dia seguinte logo de manhã iriam para o apartamento que alegadamente o pai daquela teria arrendado. 
93. Disse ainda que iria dormir no quarto do filho e que o levaria ao colégio de manhã.  
94. No entanto, quando o arguido acordou, por volta 7h da manhã, verificou que no quarto do filho, a cama estava intacta e não estava mais ninguém em casa, sendo que a mala de viagem da assistente e do seu pai também tinham desaparecido. 
95. Por sua vez, a porta de casa e o portão da rua estavam apenas encostados, sendo que o carro em que a assistente se deslocava habitualmente não estava no lugar onde costumava estar aparcado. 
96. O arguido entrou em pânico e ligou para os telemóveis da assistente e do seu sogro, mas ambos estavam desligados.
97. Enviou mensagens, para aqueles, no entanto não obteve qualquer resposta. 
98. Deslocou-se ao Colégio do filho para verificar se aquele se encontrava nas aulas, tendo sido informado de que a assistente teria ligado a dar conta que o filho não iria às aulas por estar indisposto e ter de ir ao médico. 
99. O arguido contactou imediatamente os seus familiares e amigos para tentarem contactar a assistente, uma vez que temia pela segurança do seu filho. 
100. Um primo do arguido, de nome TT, conseguiu falar com a assistente, tendo esta lhe transmitido que o menor estava bem e que não iria para lado nenhum com ele, muito menos para os ....
101. No dia 2 de maio de 2019, o arguido recebeu um email da assistente a dizer, “venho informar-te que ele está bem e estamos nos ...”; “O NN vai prosseguir a sua escolaridade no colégio de ....”
102. O arguido tentou contactar o filho todos os dias, de todas as forma, designadamente através do telemóvel da assistente, no entanto este estava desligado e todas as redes sociais tinham sido bloqueadas. 
103. O arguido posteriormente tomou conhecimento, através do requerimento feito pela assistente no processo n.º 2626/19...., que esta tinha um novo Cartão de cidadão com alteração de morada para o menor e inscrito o mesmo no Colégio ... na ... em pleno terceiro período escolar, mais uma vez se diga sem o conhecimento nem consentimento do arguido
104. A assistente, enviou as seguintes mensagens ao arguido, “envia-me minuta do poder parental para eu avaliar e submeter ao tribunal”; “envia-me minuta das partilhas”; “enquanto não for regulado o poder parental pelo tribunal não estão reunidas as condições para visitares o teu filho” “já falaste com ele esta semana”
105. O arguido, juntamente com os seus pais marcou viagem para ir visitar o seu filho no fim de semana de 2 de junho de 2019.  
106. No entanto, nessa altura, a assistente em inúmeros emails referiu sempre que não ia permitir, que o filho estivesse com o arguido “Podes vir a ..., mas não vais ver o NN”. “enquanto não for regularizada a guarda do poder parental, não estão reunidas as condições para essa visita”
107. Após muita insistência do arguido, a assistente, permitiu, como se tal fosse necessário, que este visitasse o filho no dia 2 de junho 2019. 
108. O reencontro com o menor, aconteceu na casa da Prima da assistente, FF, vigiado por esta e pela assistente. 
109. Neste período, o arguido ofereceu um telemóvel com cartão ... para poder contactar com o filho, onde colocou todos os contactos maternos solicitados à assistente, disponíveis. 
110. A assistente, retirou o telemóvel ao menor.
111. O arguido, no dia 10 de outubro de 2020, avisou a assistente através de correio eletrónico que na companhia dos seus pais, avós paternos do menor, se iria deslocar à ... entre os dias 17 a 21 de outubro de 2020.
112. Informou ainda que já tinha adquirido os bilhetes de avião, bem como que já se encontravam marcados os testes ao vírus SARS-Cov-2, denominado Covid-19. 
113. Face à informação prestada pelo arguido à assistente, esta respondeu através de correio eletrónico, informando este por duas vezes que “enquanto a senhora Dr.ª juíza UU, não se pronunciar, eu não vou deixar o meu filho sozinho contigo.”
114. Tal comportamento levou a que o arguido suscitasse o incidente de incumprimento (de regime de convívios) contra a assistente alegando, no essencial, que: “-por decisão proferida em janeiro de 2020 foi fixado regime de exercício das responsabilidades parentais, sendo a mesma exequível dado que o recurso interposto tem efeito meramente devolutivo; o regime fixado prevê, além do mais, que a criança goze mensalmente três dias/noite como pai na ...; a 10 de Outubro avisou a progenitora de que se deslocaria a esta Ilha entre os dias 17 e 21 de Outubro para conviver com o AA; a progenitora informou-o que não o iria deixar estar com o filho enquanto não houvesse pronúncia do tribunal.” 
115. Foi proferida sentença no âmbito do referido incidente, tendo o Tribunal decidido: declarar a existência de incumprimento, no período compreendido entre os dias 17 e 20 de Outubro 2020, do regime de convívios fixado em benefício da criança II, por parte da requerida BB; condenar a requerida no pagamento de 2,5 UC de multa, nos termos do artº 41º, nº 1 do RGPTC, conforme sentença que se junta e se dá por integralmente reproduzida. 
116. Por decisão do TRL, datado de 26.05.2022, foi revogada a parte da sentença que condenou a requerida em 2.5 UC de multa, mantendo o demais.
117. Do relatório social – o qual se dá por reproduzido - , consta além do mais, que :
“Após a separação, ocorrida em abril de 2019, AA permaneceu a residir, sozinho, na casa de morada de  amília, assegurando as despesas de consumo doméstico e manutenção da habitação, o que se mantém até ao presente. Numa fase inicial, era o arguido quem liquidava a prestação do crédito de habitação, tendo, porém, deixado de o fazer, pelo que o valor recaiu sobre o pai da ofendida, fiador do crédito. AA logrou enquadramento laboral, por conta de outrem, na empresa “EMP02..., Lda.”, na qual desempenhou funções como comercial durante cerca de dois anos. Desde ../../2023 até ao presente, trabalha como Técnico de Vendas na empresa “EMP03..., S.A.”, auferindo, segundo o recibo de vencimento apresentado, relativo a março de 2023, um vencimento base de dois mil euros. Sobre este ordenado recai uma penhora de cento e cinquenta euros mensais, relativa a execução de pensão de alimentos devida ao descendente, e uma outra, de cerca de trezentos e cinquenta euros, relativa a um crédito bancário contraído enquanto sócio gerente da empresa “EMP01..., Lda.”. AA refere, ainda, o dispêndio de cerca de duzentos euros em consumos domésticos e um gasto aproximado a quinhentos euros por mês resultante das visitas mensais que faz a ..., por forma a conviver com o filho. Desta forma, o arguido apresenta, atualmente, uma situação financeira de gestão difícil e contida, contando com o suporte dos pais a este nível sempre que necessário. Há cerca de dois anos, AA estabeleceu uma nova relação afetiva, da qual nasceu uma filha, atualmente com um ano de idade. Arguido e companheira não coabitam, por ora, atendendo ao contexto de instabilidade que o primeiro apresenta atualmente. Contudo, estão juntos em todos os fins-de-semana e, sempre que possível, durante a semana. Foi descrita por ambos, uma relação íntima positiva e gratificante, tendo sido visível uma atitude de suporte e apoio ao arguido por parte da companheira. O casal perspetiva, logo que reunidas condições, uma vivência em comum. O arguido apresenta rotinas pró-sociais, orientadas em torno da atividade laboral, o que o obriga a deslocações frequentes entre o norte e o sul do país. Vive em Guimarães, mas pernoita, com regularidade, em casa dos progenitores, no Porto, e em ..., junto da companheira, em casa dos pais desta. Beneficia de suporte estruturado e consistente por parte dos seus familiares de origem, sendo relatada coesão familiar e uma atitude solidária daqueles para com o arguido. Os convívios sociais de AA são, atualmente, mais circunscritos aos familiares, companheira e filha. Sempre que possível, privilegia o convívio com o filho que tem em comum com a ofendida, de acordo com o regime de visitas estipulado, que prevê o direito de o menor conviver com o pai durante três / quatro dias por mês, bem como em períodos de férias, feriados e épocas festivas. Nesta senda, AA desloca-se mensalmente a ... para tornar possível a aproximação ao descendente, situação que considera injusta e pela qual manifesta sentimentos de revolta, atentos os gastos envolvidos em viagens e estadia em cada visita efetuada. As entregas do menor eram inicialmente mediadas pelos pais da ofendida, mas tendo em conta a incompatibilização do arguido com estes, passaram a ocorrer no estabelecimento de ensino frequentado pelo menor. Não foram relatadas aproximações recentes entre arguido e ofendida. Das informações recolhidas junto das fontes colaterais, não surgiram indícios de consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte de AA ou de eventual descontrolo comportamental. Existem indicadores de um agravamento de sintomatologia ansiosa e, eventualmente, depressiva, evidenciada pelo arguido no seguimento do afastamento do filho e da morosidade dos vários processos em curso. O arguido é acompanhado regularmente em consulta de psiquiatria, segundo o mesmo, com periodicidade quadrimestral, cumprindo plano psicofarmacológico prescrito. Referiu, ainda, problemas relacionados com o sono, designadamente apneia do sono, o que dificultaria, antes do tratamento que efetua (medicação e utilização de dispositivo CPAP durante o sono), o seu descanso e estabilidade de humor.” 118. O arguido não tem antecedentes criminais.  
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 2. Factos Não Provados, com interesse para a decisão:
a) A empresa EMP01... aludida em 3), foi criada juntamente com a assistente.
b) Foi porque o arguido começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso juntamente com a medicação prescrita pelo seu médico psiquiatra, que o levou a que começasse a maltratar a assistente a nível físico e psicológico. 
c) O aludido em 5), ocorria com frequência semanal.
d) Nessa altura, a assistente percebeu que o casamento não estava bem e que queria terminar a relação, o que comunicou, por telefone ao arguido. 
e) Aquando do aludido em 16), o arguido apontou um dedo na direcção daquela, ao mesmo tempo que lhe disse “eu nunca te vou dar o divórcio, não vamos ser como os outros todos”.
f) Aquando do aludido em 19), foi o arguido que questionou a assistente se tinha vindo a Guimarães para o divórcio, ao que a mesma respondeu afirmativamente. 
g) Aquando do aludido em 20), o arguido disse à assistente “põe-te daqui para fora”.
h) O aludido em 42), foi por ter receio do arguido.
i) Aquando do aludido em 43), o arguido rondou a residência da assistente, com o intuito de ver se a mesma ali se encontrava.  
j) Aquando do aludido em 48), o arguido também fez perseguições à assistente.
k) A assistente é arquiteta.  
l) O demandado rejeitava a medicação com a desculpa que lhe estava a fazer mal, mas a razão mais direta é que ele queria continuar a beber, como bebia, uma garrafa de vinho ao jantar.
m) O arguido não conseguiu lidar bem com responsabilidade que tinha na empresa “EMP04...”.
n) A assistente encontrava-se a trabalhar por conta própria em modo de freelancer para a “EMP05....”
o) Para ocupar o arguido, a assistente deu-lhe algum trabalho sobre a sua orientação (administrativa).
p) Foi-lhe sugerido arranjar emprego, nem que fosse um part-time na sua área, mas ele nunca aceitou.
q) O arguido deixou de exercer as funções de Diretor de Produção, na empresa “EMP04...”, apenas, face às dificuldades económicas que atravessava a mesma, à data.
r) Por esta altura, a assistente encontrava-se desempregada há mais de 3 anos e não contribuía de forma alguma para as despesas do dia a dia, usufruindo da vida confortável que por via do arguido lhe era proporcionada.
s) No decurso do tempo, a assistente nunca conseguiu ser autónoma nas tarefas que desempenhava, necessitando sempre da ajuda de terceiros, designadamente do arguido.  
t) A troca de carinho entre a assistente e o arguido era uma constante.
u) Aquando do aludido em 6) e 7), o filho de ambos, encontrava-se à mesa a jantar, tendo pedido para que o arguido e assistente mudar de assunto, porquanto queria falar sobre os seus temas, ao que a assistente reagiu com uma enorme irritabilidade e elevando a voz,  “Cala-te, agora estou a falar com o Pai!” 
v) Neste momento, o arguido tentou chamar à razão a assistente, pedindo-lhe para que esta tivesse calma e não falasse assim com o filho.
w) A assistente, furiosa, e com um comportamento bastante errático, levantou-se da mesa e puxou o filho pelo braço, sem que este pudesse terminar o jantar, levando-o para o quarto.   
x) Perante esta situação, e dado o descontrolo da assistente, o arguido permaneceu calado, aguardando um pouco, e apenas se levantou, para ir ver se o filho estava bem no seu quarto. 
y) O arguido, permaneceu no quarto do filho, tentando-o abstraí-lo do sucedido, e conseguiu que este se deitasse na cama e adormecesse.  
z) Aquando do aludido em 74), encontrava-se aberto o email da assistente.
aa) Verificou ainda que o dia de regresso ao Continente, coincidia com dias de aulas do filho, sendo que o menor teria de faltar às aulas durante 3 dias. 
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A demais matéria alegada no PIC e contestação não é mencionada por se entender ser meramente repetitiva, conclusiva ou sem interesse para a decisão da causa.
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III – Motivação da Decisão de Facto:

O tribunal formou a sua convicção com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:
- documentos juntos aos autos, nomeadamente - Mensagens, de fls. 76 a 80, 83, 98 a 104, de fls. 46 a 58 do apenso B, 72 a 75 do apenso B, 80 a 94 do apenso B, 112 do apenso B, 118 a 124 do apenso B, 127 do apenso B, 162 a 183 do apenso B, 250 a 257 do apenso B; 319 a 368 do apenso B e de fls. 784 a 852 do apenso B; Assentos de nascimento, de fls. 86, 194 e 195; Assento de casamento, de fls. 196; Auto de notícia e aditamentos, de fls. 36 a 38, 79, 97, 235, todas do apenso B; Certidão, de fls. 125 e 126 do apenso B; Cópia, de fls. 212 a 233 do apenso B; Certidão permanente, de fls. 778 a 781 do apenso B; e demais documentação junta aos autos em julgamento.
- declarações do arguido;
- declarações da assistente;
- depoimentos das testemunhas; 
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Feita esta breve súmula da prova produzida em audiência de julgamento, há que concluir que merecem resposta positiva os factos dados como provados.
No que respeita à celebração do casamento, sua duração, onde viveu o casal, nacimento do filho, e separação, valoraram-se as declarações do arguido e da assistente, basicamente prestados no mesmo sentido, e bem assim dos documentos de fls. 86, 194, 195, e 196, e dos depoimentos das testemunhas com conhecimento directo desses factos.
No que concerne à factualidade dada como provada quanto ao facto nº 3, quer o arguido, quer a assistente, com conhecimento directo dos factos, relataram que efetivamente aquele não gostava de trabalhar em tal empresa e por isso decidiu sair e começar a trabalhar por conta própria, em empresa criada por ele e pelo primo – este último facto consta da certidão comercial.
Quanto aos facto do arguido ingerir bebidas alcoólicas em excesso juntamente com medicação, não obstante em julgamento ele o tivesse negado (referindo beber apenas de forma moderada como os demais familiares – mas admitiu que tomava medicação para dormir), o certo é que foi demonstrado através de vários meios de prova, que bebia em excesso (ainda que de forma episódica e sem um elevado grau de alcoolemia), nomeadamente através de mensagens de fls. 76 e ss., , onde ele próprio assume beber em excesso e necessitar de ajuda médica, e a fls. 992 diz “... desculpa ontem…Deixei te sozinha e bebi demais. Sei que detestas…”, quer pelas declarações da assistente que disse que ele bebia em excesso, quer corroborado pelas testemunhas VV, CC e ..., que assistiram algumas vezes, mas essencialmente ouviram, nesse sentido, as queixas da filha e irmã. Contudo, não foi demonstrado, através de nenhum meio de prova verosímil, que o arguido bebia álcool ao mesmo tempo que tomava a medicação.
No que respeita à factualidade dada como provada em 5) - referente aos insultos -, é certo que o arguido a negou e relatou que o casal se dava bem e que só a insultou após a separação. Todavia, é desmentido, não só pelas declarações da assistente, a qual esclareceu o tribunal no sentido de ser insultada amiudamente com os impropérios “estupida, palerma, labrega, sopeira, não fazes nada”, como pelas mensagens de fls. 992 e ss. - não desmentidas pelo arguido – onde a assistente se queixa que ele lhe chamava, efectivamente, de “labrega, sopeira”, ao que o arguido responde, em 25.02.2015, “(…) estes últimos tempos têm sido muito stressantes e é normal que ande mais nervoso”, e não nega os insultos, parecendo antes querer justificar a errada conduta.
Identicamente as mensagens enviadas posteriormente à separação pelo arguido e recebidas pela assistente, dadas como provadas, e por ele confessadas, vêm demonstrar que o arguido não tinha qualquer constrangimento em usar de insultos dirigidos à assistente (sua esposa), e assim que se tornou trivial tal conduta, o que após à separação se agravou de forma exponencial – atente-se que no relatório de fls. 378, é referido que “(…) perante situações de stresse tem tendência a evidenciar vulnerabilidades emocionais), embora não configure perturbação da personalidade.”.
No que diz respeito aos factos n.ºs 6 a 11, dados como provados, tal resposta positiva, resultou da admissão, parcial, do arguido, relatando que efetivamente lhe deu “um toque no braço, tipo beliscão”, mas que foi por ela estar a gritar com o filho, mas com mais verosimilhança as declarações da assistente que referiu que quando se ia levantar foi agarrada, pelo arguido, pelo braço, sentando-a, e lhe disse não te levantas, sendo que esta versão é corroborada pelas mensagens enviadas, mais tarde, pelo próprio (e não refutadas) de fls. 80 (ainda que cortadas talvez em parte que podia interessar), onde ele refere que “sem querer e sem medir a força”, ao que acresce que a assistente relatou que depois ele a agarrou pelos braços e a sacudiu, dizendo-lhe que o deixasse ver, e que não tinha sido nada, mas apenas um “beliscãozito”.
No diz que diz respeito à factualidade aludida em 12) a 14), mereceu resposta positiva, atento que foi em parte corroborada pelo arguido, que referiu ter ido à apresentação, mas regressado a guimarães mais cedo por causa das aulas do filho, que a assistente não andava bem, e que até lhe recomendou ir ao psicólogo, mas que ela não lhe falou em divórcio; e a assistente relatou que existiram vários telefonemas em que falou em separação – o que não é verosímil – atenta a demais prova produzida; e na verdade, basta atentar nas mensagens de fls. 994 e ss., do ano de 2017, para se concluir que a assistente já anunciava ao arguido estar infeliz na relação e da sua degradação – ao mesmo tempo que lhe expressava amor - , mas não falava em divórcio.
No que se refere  aos factos dados como provados em 14) e 15), mereceram tal resposta porque o arguido admitiu o primeiro, o qual foi corroborado pela assistente, sua mãe e funcionária GG; e sendo que quanto ao segundo, o arguido negou as expressões, mas foram corroboradas pelas declarações da assistente que relatou que ele estava exaltado por não ter sido adquirida passagem para ele ir também aos ..., e lhe disse “és uma merda, não és nada sem mim, esse trabalho é uma merda, não vai dar em nada”. E com efeito é o tipo de linguagem que o arguido também utiliza nas mensagens que constam ao longo dos autos.
Quanto aos factos nºs 18, o arguido confessou o envio das mensagens, as quais constam de fls76 e ss., e foram confirmadas pela assistente.
Quanto aos factos nºs 19) a 22), foram dados como provados, porque o arguido os admitiu em parte, negando, contudo, que tenha chamado “palerma” à assistente – o que não é verosímil atento o supra exposto e situação de conflito - , e explicou que não queria lá o sogro, porque aquela lhe tinha dito que os pais também não o queriam em casa deles; e a assistente relatou o acontecido mas e referiu o insulto, bem como a testemunha CC.
Os factos nºs 23) e 24), foram dados como provados, porque relatados pelo arguido – ainda que adiante a tese de que a assistente já tinha tudo preparado e que o fez para ter vantagem na guarda do filho -, como esclarecidos pela assistente que relatou que se o arguido a mandou sair e ao seu pai, decidiu sair de manhã e voltar para a .... Com efeito, o que decorre das declarações de ambos é que o arguido não disse para ela sair, mas apenas o seu pai, e porque este também não o queria em casa dele. Todavia, como a relação já tinha chegado a esse ponto – do arguido querer expulsar o pai dela do lar conjugal -, a assistente decidiu, dizer-lhe, então, não só que queria o divórcio, como de manhã abandonar o lar conjugal, até com receio que a situação se agravasse.
Já os factos nºs 25) a 45), mereceram tal resposta quer porque o arguido admitiu o envio de todas as mensagens/emails/comentários, e bem assim constam retratados nos autos através de documentos acima referidos, quer porque a assistente as confirmou, como as testemunhas infra referidas.
Os demais factos dados como provados, mereceram tal resposta, por tudo o explanado, quer quando conjugados com juízos de experiência comum e normal acontecer.
Destarte, a conjugação desta prova, revela que a tese da acusação/pronúncia é, parcialmente, consistente e verosímil, nomeadamente porque comprova que o arguido de forma mais ou menos contínua perto do final da vivência em comum e após a separação, adotou uma conduta de agressividade e superioridade sobre a ofendida, através de insultos e ameaças, agressões físicas ainda que estas de restringida gravidade.
É certo que, o que resultou da prova globalmente apreciada, é que o casal passava por dificuldades económicas, dificuldades em gerir e empresa, e bem assim tinham visões diferentes de como o fazer, sofriam, por isso, de ansiedade e angustia, e, assim, o arguido passou a exagerar episodicamente no consumo de bebidas alcoólicas, e por algum descontrole (por isso tomava medicação) e exagero produzia os insultos dados como provados – de baixa intensidade -, conduta que se foi agravando, nomeadamente passando já a usar da força física, agarrando-a pelos braços com força, isto antes da antes da separação, e após esta, ocorreu um aumento exponencial do recurso à injuria, devido à frustração que sentiu por ela e por não poder visitar o filho. É certo que o arguido, não só admitiu esta última factualidade, como até disse não se rever nela, e que só aconteceu pelo facto da assistente “ter fugido com o filho”, sendo certo que não há dúvida que houve nexo causal entre uma conduta e a outra (para o aumento exponencial) – como decorreu da prova e de juízos de experiencia comum e normal acontecer. É que a conduta da assistente revelada ao longo de um certo período, como resulta da prova, foi de impedir o arguido de ver e comunicar com o filho, sem que tivesse o mínimo motivo para o efeito – é que como relataram todas as testemunhas infra referidas e com conhecimento directo dos factos a relação entre pai e filho era e é muito forte e profícua para ambos.
Não obstante, a assistente sabendo que já não queria manter-se na relação, e que a conduta do arguido ficava cada vez mais agressiva (ficando algo receosa pelo futuro e como ia ocorrer a rutura), decidiu-se pela politica do facto consumado, e em vez de recorrer à conciliação ou aos tribunais, retirou o menor da casa de morada de família, e foi viver para os ..., impedindo voluntariamente o progenitor de continuar a contactar com o filho, quer em Guimarães, quer na ..., sem nenhuma justificação. É que as condutas dadas como provadas, antes da separação, não são só por si de molde a justificar uma atitude tão radical e danosa não só para o arguido, como para o seu filho. Falamos neste caso em violência doméstica de baixa intensidade e não de condutas graves que façam alguém fugir (com o filho) de um dia para o outro para os ... - atente-se que a própria assistente alegou ao longo dos autos que já desde 2014 que era vítima das condutas, mas só abandonou a residência comum no ano de 2019. Ademais, é muito duvidoso que se o arguido não tivesse dito ao sogro para sair da casa que senão chamava a GNR, que a ofendida tivesse logo abandonado na manhã seguinte a residência, sem avisar, sem dizer para onde levava o menor, etc. – nem que fosse por mensagem. Isto sem pôr em causa, que a conduta do arguido era mais do que bastante para fazê-la cessar a convivência comum já há muito tempo. 
Faz-se esta referência para se esclarecer que conduta da assistente também não foi inócua para a conduta (do arguido) posterior apurada, mas antes potenciadora – porque nenhum(a) progenitor(a) aceita de bom grado e sem reagir deixar de saber do paradeiro de um filho, e deixar de conviver com ele durante dias ou semanas – facto que pode ser, como foi, causador de forte perturbação psicológica e emocional (conforme decorre dos juízos de experiencia comum), apesar de também não poder ser considerada como causa de justificação da ilicitude ou da culpa dessas apuradas condutas do arguido após a separação e dadas como provadas.  
Os depoimentos das testemunhas VV e CC, pais da assistente, mostraram-se parciais, interessados, e essencialmente de ouvir dizer, não só pela forma como foram prestados, como pelo empolamento das condutas do arguido. Todavia, ainda, assim, foram relevantes para corroborar as dificuldades económicas do casal, o mal-estar existente, e que a filha lhes contava alguns dos insultos (e agressão física) de que era vítima, o que levou até que ela procurasse ajuda médica em psiquiatria. 
Já o depoimento da testemunha RR, irmã da assistente, mostrou-se, também, parcial e interessado, relatando que não assistiu a agressões físicas, mas que a assistente lhe falava dos problemas financeiros, que quando lá jantava o arguido bebia sempre em excesso e tomava ao mesmo tempo medicação, e tinha comportamentos agressivos, e a insultava na sua presença de “atrasada mental e deficiente”. Com efeito, não obstante algum empolamento e depoimento de ouvir dizer, o certo é que a parte referente aos insultos, e algum consumo excessivo de bebidas alcoólicas, foi demonstrada pela demais prova produzida.
  Já o depoimento da testemunha WW, atual companheiro da assistente, mostrou-se parcial, interessado, e essencialmente de ouvir dizer, bastando analisar a forma como foi prestado, pelo que não mereceu credibilidade.
Os depoimentos das testemunhas XX, YY e MM, relevaram apenas para corroborar o teor dos documentos (emails/comentários nas redes sociais) que já constam nos autos e não negado o seu teor pelo arguido.
A testemunha PP, prestou um depoimento inócuo.
 O depoimento da testemunha GG, relevou apenas para corroborar que a assistente não criou a empresa “EMP01...”, mas antes o arguido e o primo, bem como os desenvolvimentos posteriores, e boa relação entre o casal. Contudo, relatou o episodio ocorrido na vinda da ... e que, efetivamente, viu a assistente a chorar muito e que não queria regressar a guimarães. E, na verdade, o facto do casal ter um relacionamento normal no local de trabalho, nem por isso, infirma que em casa e no intimo as coisas fossem da forma apurada.
O mesmo se diga, quanto aos depoimentos das testemunhas ZZ, AAA, BBB, DD e EE, que nada assistiram, mas também não estavam diariamente na residência do casal e por isso não conheciam o casal na intimidade do lar. Não obstante, sempre foi sendo referidas as dificuldades financeiras do casal; e a testemunha DD até aludiu que a assistente lhe disse que as coisas entre o casal não estavam bem.
O depoimento da testemunha CCC, atual companheira do arguido, foi relevante no sentido de se verificar que, atualmente, ele mudou de alguma forma o comportamento. 
O depoimento da testemunha FF, foi relevante no sentido de se verificar que a assistente pretendeu obstaculizar as visitas por parte do arguido e seus pais, porque tinha medo que o arguido e sua família levasse o filho para guimarães.
Já no que concerne ao aspecto subjectivo da conduta, ponderou-se o iter criminis do arguido, ou seja, a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento. 
Neste jaez, a versão trazida pela acusação/pronuncia merece, por isso, credibilidade atento o que supra se disse, produzindo prova bastante, analisada à luz da experiência comum e do normal acontecer, para convencer o tribunal que o arguido praticou os factos dados como provados.
As consequências dos factos, resultaram, também, da conjugação dos documentos, com as declarações da assistente e os depoimentos das supra referidas testemunhas, as quais souberam esclarecer, designadamente a inquietação, sofrimento sofridos, pela ofendida, decorrentes da conduta apurada do arguido, o que, também, decorre e está em acordo com juízos de experiência comum e do normal acontecer. Todavia, verificou-se, também, das declarações da assistente um certo empolamento (bem como dos seus pais, irmã e atual companheiro), quer dos factos, quer das suas consequências – há aqui um interesse na lide, não só deste processo como nos demais que correm noutros tribunais – como a defesa alegou. 
Os factos da contestação que foram dados como provados, mereceram resposta positiva, porque demonstrados, quer por documentos, nomeadamente juntos com o RAI e contestação, quer pelas declarações do arguido, quer testemunhas arroladas pela defesa e supra referidas.
Os factos não provados, mereceram tal resposta, porquanto não foi feita prova verosímil e segura, através de qualquer meio probatório imparcial e coerente. Na verdade, a certidão comercial desmente a tese da acusação e da assistente no sentido de que a empresa foi também criada por ela; da conjugação da prova por declarações e testemunhal, não foi demonstrado que tenha sido por causa do abuso episódico por parte do arguido de bebidas alcoólicas e uso de medicação, que começou a ter as condutas maltratantes dadas como provadas, tendo-se antes demonstrado que passaram por dificuldades financeiras, as quais causaram ansiedade, frustração e preocupação a ambos, e que o arguido reagia agressivamente sobre a ofendida, enquanto esta já reagia vitimizando-se por causa de tal situação difícil que passava a empresa e o casal; nem foi demonstrado que os insultos antes da separação ocorressem semanalmente, sendo que a assistente nas suas declarações se mostrou titubeante a esse respeito; nem que a assistente tenha anunciado, várias vezes, antes que queria o divórcio, não só por ausência de prova verosímil, bem como porque desmentido pelas próprias mensagens onde nada disso é referido, ao que acresce que ambos relataram que ela lhe anuncia a intenção de divórcio quando ele tenta “expulsar” o sogro da residência conjugal – na verdade a assistente poderia até andar a falar nisso com a sua família, porém tinha a questão do filho e empresa para resolver, o que a impediu de o anunciar antes ao arguido – aliás quando o anunciou abandonou logo a casa com o filho, sem o arguido dar por isso; bem como que tenha sido por ter receio do arguido que a assistente se tenha ausentado da sua residência na ... – quando o arguido lá se deslocou -, mas antes porque não queria que o arguido visitasse o filho – conforme resultou da prova produzida, sendo que ele não a andava a perseguir, mas antes andava a tentar visitar o menor, o que ela não permitia (basta analisar as decisões proferidas no incidente de incumprimento para se concluir que foi condenada, ainda, que não na multa que lhe aplicou a 1ª instância) – aliás, nas declarações que prestou a assistente disse que tinha medo que o arguido fugisse com o filho porque este tinha dois cartões de cidadão (e não receio quanto à sua pessoa); nem foi demonstrado que a assistente seja arquitecta, visto não ter junto aos autos prova documental que o comprove; nem que a assistente tenha sempre trabalhado, visto que até estava inscrita no Centro de Emprego, tal qual admitiu, pelo que para além de uns pequenos trabalhos, mais não fez, até iniciar funções na empresa do arguido – como resultou das declarações dela, do arguido e das testemunhas com conhecimento directo dos factos.
Já os demais factos dados como não provados, referentes ao PIC e à contestação, mereceram tal resposta por falta de prova coerente e segura, bem como contrariar a tese apurada e dada como provada. Designadamente, os do PIC, padecem de patente empolamento da situação da demandante, não se limitando as consequências da conduta do demandado que encerram o objecto deste processo.
As condições pessoais, económicas e sociais do arguido, resultaram das suas declarações, do relatório social, bem como dos documentos supra referidos e juntos aos autos.  
A inexistência de antecedentes criminais resulta do certificado de registo criminal junto aos autos.
***
IV – Enquadramento Jurídico-Penal:

Do crime de violência doméstica:
O crime de violência doméstica de que vem acusado o arguido prevê: “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
 Este tipo legal visa, acima de tudo, proteger a dignidade humana, tutelando, não só, a integridade física da pessoa individual, mas também a integridade psíquica, protegendo a saúde do agente passivo, tomada no seu sentido mais amplo de ambiente propício a um salutar e digno modo de vida. 
 Na génese da incriminação da conduta supra descrita, está, assim, não tanto uma preocupação de preservação da comunidade, familiar ou conjugal, mas sim, e decisivamente, de tutela da pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade. 
 Daí que, directamente abrangida pelo âmbito de protecção dispensada se encontre, mais do que a integridade física propriamente dita, a saúde de cada pessoa em si mesma e enquanto tal, abrangendo o bem-estar físico, psíquico e mental do indivíduo, enquanto elemento essencial e indispensável à “mais livre realização possível da personalidade de cada homem na comunidade” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Questões Fundamentais e Doutrina Geral do Crime, 1996, pág. 63).  
 Com efeito, nos termos do artº 26.º da Constituição da República Portuguesa a todos os cidadãos é reconhecido o direito à respectiva integridade pessoal, tanto num plano físico como numa dimensão moral. Trata-se da tutela constitucional de um direito organicamente ligado à defesa da pessoa individualmente considerada, cuja proclamação faz resultar para cada um de nós a legítima expectativa de, ao conformar-se e dispor de si mesmo nas múltiplas formas de interacção social, não vir a ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, pág. 177).
 E é a evidência do que ficou dito, por demais sublinhada no contexto das sociedades modernas, que converte em objecto de consensual reprovação quaisquer actos, omissões ou condutas que sirvam para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças, coacção ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, tendo por objectivo e como efeito intimidá-la, puni-la, humilhá-la ou simplesmente mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental ou moral ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais . (sublinhado nosso)
 A conduta do agente concretiza-se através do emprego de maus tratos físicos (ofensas corporais simples) ou psíquicos (humilhações, provocações, molestações, etc.) – vide Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, p. 333.
 Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, pág. 405, “Os “maus tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas (…), incluindo toda e qualquer perturbação psíquica, tenha ou não reflexos físicos). 
Como defendeu o STJ no proc. nº 39/16.4TRGMR.S2, de 30-10-2019, in www.dgsi.pt
“A violência doméstica pressupõe um contacto relacional perdurável no seio dessa estrutura de tipo familiar, com o sedimento tradicional que esta noção inevitavelmente comporta e também, claro está, com a ponderação da realidade sócio-cultural hodierna o que se traduz numa multiplicidade de sujeitos passivos inseridos nesse contacto.
Mas pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), «de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal» redundando «numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura» que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coacção, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc. Serão estes os traços que mais vincam a natureza do crime, a sua peculiar estrutura, mais do que a discussão à volta do recorte preciso do bem jurídico protegido.
Assumindo que a violência doméstica é essa agressão levada a cabo de modo variado à autodeterminação da vítima que fica afectada pelos vários comportamentos tipificados não parece intransponível que esse ataque possa ser tido como dirigido à dignidade da pessoa e que seja esse um dos âmbitos de tutela que se visa assegurar.
Se a violência doméstica pressupõe aquela durabilidade relacional familiar e aquela outra situação de domínio e de constrangimento da livre determinação da vítima, de disposição da sua vida, num sentido mais geral, ou, dito de modo mais expressivo, «a eliminação do núcleo fundamental de autonomia da vontade e de disposição livre da mesma pela vítima» naturalmente que a intenção de matar pressupõe um “ir mais além”; pressupõe a intenção de atacar a vida da vítima, pondo-lhe fim e de, por essa via, terminar todo o envolvimento relacional que “possibilitava” uma certa conduta do agente. Atentar contra a vida humana é um plus significativo relativamente a martirizá-la com maior ou menor intensidade.”
“ (…) 
Como resulta do texto da norma, o crime de violência doméstica não exige reiteração. Ainda assim, pelas suas características é usualmente um crime que se comete de forma reiterada e, neste sentido, podemos distinguir dois vectores: o da habitualidade e o da intensidade dos actos. Seja um acto isolado ou reiterado, se se verificar que apreciado à luz da intimidade do lar, coloca em sério risco a vida em comum, por reconduzirem a pessoa ofendida a vítima, de forma permanente, ou não, a um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, encontramos preenchido o tipo de violência doméstica.» (Inês Fonseca Mendes, A natureza jurídica do crime de violência doméstica conjugal: uma perspectiva crítica)[16].” (negrito e sublinhado nossos)
Como se defendeu no Ac. TRG. nº 28/22.0GCLRA.C1, de 21-06-2023, in www.dgsi.pt “A qualificação de uma conduta como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um determinado tipo de ilícito, designadamente uma ofensa à integridade física, da mesma forma que a aptidão de determinada acção para preencher este tipo legal não significa, per se, a verificação do crime de violência doméstica, tudo dependendo da «respectiva situação ambiente e da imagem global do facto». V – O preenchimento do conceito de mau trato não exige que a concreta conduta violenta se traduza numa lesão grave ou num tratamento cruel ou brutal. VI – A violência doméstica não deve ser entendida como o mero somatório das acções violentas, típicas ou atípicas, praticadas pelo agente contra a vítima, mas antes o que desse conjunto de acções, globalmente considerado, resulta e a sua aptidão para afectar de forma significativa a saúde física, psíquica e moral da vítima e, por essa via, a sua dignidade. VII – A reiteração não é elemento imprescindível ao preenchimento do tipo objectivo da violência doméstica, embora seja pressuposta como conduta ‘norma’, e daí que o crime seja qualificado como crime habitual. VIII – A execução é reiterada quando cada acto concreto, cada conduta parcelar, realiza parcialmente o evento, constituindo o somatório dos eventos parciais, o resultado, o evento unitário, o crime único. IX – A reiteração traduz um estado de agressão permanente, não no sentido de que as condutas violentas sejam constantes, mas no sentido de que traduzem o comportamento padrão do agressor, através do qual se revela a relação de sobreposição do agente sobre a vítima, proporcionada pelo ambiente familiar ou de proximidade social, da qual resulta um tratamento incompatível com a sua dignidade.” (negrito nosso)
“Já os maus tratos psíquicos são mais difíceis de caracterizar, porque se podem traduzir numa multiplicidade de comportamentos ativos e omissivos, verbais e não verbais, dirigidos direta ou indiretamente à vítima, que atingem e prejudicam o seu malestar psicológico, nomeadamente, ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desvalorizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, criticar, desprezar, rejeitar, ignorar, descriminar, manipular e exercer chantagem emocional sobre a vitima.
Há que considerar como abrangidos pelo tipo penal os casos de “micro violência continuada”, caracterizando-se pela opressão exercida e assegurada normalmente através de repetidos atos de violência psíquica, que apesar da sua baixa intensidade quando considerados avulsamente são adequados a gerar grandes transtornos na personalidade da vítima quando se transformam numa padrão de comportamento no âmbito da relação” (negrito nosso)
Destarte cumpre concluir, tendo em conta a factualidade dada como provada, que foi feita prova de que com a sua conduta o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de que vem acusado, pelo qual deverá ser condenado.
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Da escolha e medida da pena:
Importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar à conduta do arguido.
O crime de violência doméstica em causa é punido com a pena de 2 a 5 anos de prisão. 
As finalidades das penas encontram actualmente consagração no art.º 40º do Código Penal, e visam em primeira linha a protecção dos bens jurídicos e a “estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”  (prevenção geral), e ainda a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). 
Por outro lado, o nº 2º deste normativo dispõe como manifestação do princípio “Nulla poena sine culpa” que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. A função da culpa é dupla: por um lado é pressuposto da pena uma vez que sem culpa não pode ser aplicada qualquer pena, mas eventualmente uma medida de segurança e, por outro, é o limite inultrapassável de todas, sejam quais forem, as exigências de prevenção.
Dispõe o nº 1 do artigo 71º do Código Penal, que a determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial.
Decorre do disposto no n.º 2 da referida norma, que na determinação da pena, o Tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. 
Atender-se-á, ao médio grau de ilicitude face às consequências dos factos, nomeadamente ao período temporal dos mesmos e suas consequências, o dolo directo, uma vez que o arguido agiu com consciência da ilicitude da sua conduta e, ainda, assim persistiu em praticá-la,  a admissão parcial dos factos, o facto de se mostrar arrependido de ter enviado algumas das mensagens, as suas condições sociais, pessoais e familiares, e inexistência de antecedentes criminais.
 Tudo visto e ponderado, entende-se justa, adequada e proporcional à culpa e às exigências de prevenção, a aplicação ao arguido de uma pena de 02 (dois) anos e 01 (um) mês de prisão.
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Da pena de substituição:
Dispõe o nº1 do art. 50.º do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 
A suspensão da execução é uma pena de substituição. O tribunal deverá optar pela sua aplicação sempre que “verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente às finalidades da substituição”. Como explica Figueiredo Dias, in As consequências jurídicas do Crime (pág. 331 e ss.), a primeira finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
A outra finalidade, resulta da necessidade da suspensão da execução da pena de prisão ter de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal.”
Se as não realizar, a suspensão não deve ser decretada.
No caso em apreço, verifica-se que o pressuposto formal estabelecido por aquela disposição se encontra preenchido, dado que a pena de prisão aplicada é inferior a cinco anos.
Por outro lado, entendemos que o arguido não deve, ainda, cumprir pena privativa da liberdade, isto na esperança que esta advertência solene, o alertará para a necessidade do respeito pelos valores mínimos que enformam a ordem jurídico-penal e assim para a abstenção da prática de novos factos. 
E que a simples censura do facto e a ameaça da prisão (que pesará sobre si) realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bastando para o afastar da criminalidade, não sendo de olvidar a sua integração, familiar, laboral e social, e o facto de não ter antecedentes criminais.
Na verdade, as condições para a suspensão requeridas pela assistente em sede de alegações não tem qualquer fundamento fáctico, nem probatório. É que a relação entre o arguido e o seu filho sempre foi exemplar – como resultou da prova - , aliás, bastaria atentar para o relatório de fls. 382, para se verificar que refere “(…) AA evidenciou reunir condições psicoemocionais favoráveis à condução da educação do filho, revelando assim adequadas capacidades para responder às suas necessidades.”
Ademais, quanto ao alegado receio da assistente, atenta a prova testemunhal e por declarações produzida, o que podemos concluir que ela tem é receio que o arguido abandone a ... com o filho, e não que ele atente contra a sua integridade física ou psíquica – vide por ex. o episódio em que o arguido foi aos ... visitar o filho e o ex-casal conversou pacificamente no parque – como foi relatado em julgamento pelas testemunhas.    
Assim, a suspensão da execução da pena de prisão será fixada em 02 anos e 01 mês.
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V-  Das penas acessórias:

 Em primeiro lugar, diga-se que não constam na qualificação jurídica dada na pronúncia ao contrário do que constavam na acusação.
Em segundo, atento a tudo o supra explanado, afigura-se-nos que não se mostra necessária a aplicação de qualquer uma das penas acessórias estabelecidas no art.º 152.°, n.ºs 4 e 5 do Código Penal, atento que não resultam dos autos factos ou indícios que a conduta se mantenha na actualidade, até porque o ex-casal já não vive junto, não trabalha na mesma empresa, o arguido vive nova relação amorosa, da qual nasceu outro filho, e a assistente, vive (longe) nos ..., onde refez a vida com novo companheiro.
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VI- Do Pedido De Indemnização Civil

A demandante deduziu pedido cível contra o demandado em virtude da conduta deste lhe ter trazido danos não patrimoniais nos termos supra descritos.
 Dispõe o artigo 483º, do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 129º, do Código Penal, que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", estipulando o artigo 562º do mesmo diploma que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
No caso sub judice, importa averiguar se os factos dados como provados integram os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos supracitados, de cuja verificação depende a existência da aludida responsabilidade que são: a acção, a ilicitude, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
 Mais cumpre atentar que, estabelece o artigo 563º do referido diploma, que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, consagrando-se no artigo 566º, nº 1, que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Face aos factos que foram dados como provados, não há dúvida, que se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Isto porque, resultou apurada a existência de um facto voluntário dos agentes, consubstanciado nas agressões e expressões que o demandado dirigiram à pessoa da demandante; a ilicitude, porque tal conduta violou bens jurídicos; a culpa do lesante, uma vez que se traduziu numa conduta desvaliosa (agindo com dolo directo); o nexo de causalidade, que resulta da adequação da conduta do agente à produção do resultado.  
No que respeita aos danos não patrimoniais, há que verificar se, pela sua gravidade, serão merecedores de tutela do direito (artº 496º, do C.C.) e, se se concluir positivamente, deve o montante da indemnização ser fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
 Ora, a demandante viu a sua esfera jurídica, face à factualidade dada como provada, na sua vertente não patrimonial, afectada pela conduta supracitada do demandado, nomeadamente pelas humilhação, sofrimento, vergonha e intranquilidade que sentiu, pelo que, julgo, verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar.
 O tribunal fixa o montante da indemnização equitativamente de acordo com o preceituado no artº 496º, nº 3 do Código Civil, que remete para os critérios estabelecidos no artº 494º do mesmo diploma, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.
 “A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina, pág. 608).    
Sufragando esta posição o Ac. da Rel. do Porto, Proc. nº 0443639, de 13/07/2005, www.dgsi.pt, onde se diz “A reparação judicial dos danos ou prejuízos, na jurisdição criminal, quer para os danos patrimoniais, quer para dos danos não patrimoniais, deve ser determinada, quanto ao montante da indemnização, segundo o prudente arbítrio do julgador que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ele causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor.”
 Neste jaez, e conjugando, in casu, os critérios supracitados e a factualidade dada como provada, decide-se condenar o demandado a pagar quantia de €4.000,00, à demandante, a título de danos não patrimoniais, sendo exagerado o montante peticionado, atentos danos provados, improcedendo o demais.  
 O demandado será também condenado no pagamento de juros sobre o referido montante, contados a partir da data da presente sentença, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento (cfr. Ac. uniformizador nº 4/2002, de 9/05, publicado no D.R. nº 146, de 27 de Junho de 2002).
**
Da responsabilidade tributária do arguido:
Nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal, «[é] devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição» (n.º 1); «[o] arguido é condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo» (n.º 2), e a responsabilidade pelo pagamento de tal taxa «é sempre individual (...) [sendo] o respetivo quantitativo (...) fixado dentro dos limites estabelecidos para o processo correspondente ao crime mais grave pelo qual (...) for condenado» (n.º 3). Para além disso, «[o] arguido condenado em taxa de justiça paga também os encargos a que a sua atividade houver dado lugar» (artigo 514.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
No caso dos autos, é evidente que tendo-se concluído já que o arguido deverá ser condenado pela prática do ilícito de que se encontra aqui acusado, dúvidas inexistem que tem ele, igualmente, de suportar o pagamento de taxa de justiça ajustada à tramitação do presente processo e, bem assim, proceder ao ressarcimento dos encargos a que a sua actividade deu lugar no seu âmbito, o que infra se decidirá.
Ora, no que à taxa de justiça diz respeito, dispõe o art.º 8.º do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III anexa ao mesmo, que referida taxa, em processo comum, varia entre 2 a 6UC’s, devendo o juiz fixá-la tendo em conta a complexidade da causa e dentro desses limites.
Tendo em consideração estes fatores legalmente previstos, entendemos ser adequado fixar a individual taxa de justiça devida nos presentes autos em 04 UC’s.
***
VII - DECISÃO

Pelo exposto, julga(m)-se a acusação/pronuncia, procedente(s), e, consequentemente:
I – Parte crime:
1. Condena-se o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a), n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de dois (02) anos e 01 (um) mês de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
2. Condena-se o arguido no pagamento de 04 UC´s de taxa de justiça, e nos demais encargos do processo.
*
II - Parte Cível: 
Julga-se o pedido de indemnização cível, parcialmente, procedente, e, consequentemente:
1. Condena-se o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
2. Custas de acordo com os decaimentos.»
*
III – Apreciando o Recurso.

Como acima se referiu, após enunciar especificamente na motivação os fundamentos do seu recurso, o recorrente termina a sua peça processual formulando as conclusões dessa pretensão, resumindo as razões do pedido, sendo, pois, estas conclusões que constituem o limite do objeto do recurso, que balizam as questões a apreciar, a decidir, não podendo este Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Vejamos então.

Nulidade da sentença, por falta de fundamentação (exame crítico da prova)

Prescreve o Artigo 374.º do CPP
“Requisitos da sentença
1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.”

Por sua vez, o Artigo 379.º do CPP, prevê a:
“Nulidade da sentença
1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
O recorrente invoca que a sentença recorrida enferma de falha, por, no seu entendimento:
“Não há no aresto qualquer explicação a tal respeito, o que impossibilita o recorrente e os tribunais superiores de conferirem a bondade e rigor do processo de formação e convicção do julgador, por falta de elementos que lhe permitam subscrever e sufragar ou, pelo contrário, impugnar e refutar os vectores racionais da decisão. Dai que a fundamentação se revele manifestamente insuficiente. Incorreu por isso, o douto Acórdão, na nulidade prevista na al.) a), do n.º 1.º, do art.º 379.º, nulidade que expressamente se vem arguir.”
Como é consabido, o consagrado dever de fundamentação de uma sentença reporta-se à factualidade que seja entendida como relevante para a imputação da prática do ilícito penal, para determinação da sanção a aplicar e para efeitos de apuramento da responsabilidade civil, reportando-se tanto aos factos constantes da acusação ou da pronuncia, se existir, aos do pedido de indemnização civil, bem como aos alegados em sede de contestação, incluindo os considerados não provados.
O recorrente, embora inicie a sua impugnação invocando que a decisão recorrida padece de omissão de pronúncia, certo é que se insurge quanto ao facto do tribunal recorrido não ter explicado as razões que presidiram à sua decisão, à opção tomada na apreciação e valoração dos meios de prova produzidos, ou seja, não faz um exame crítico dessas provas, impedindo os intervenientes processuais, e este tribunal de recurso, de escrutinarem o processo que conduziu à criação da convicção tomada. 
Saliente-se, desde já, como melhor se retirará de tudo o que se irá exarar de seguida quanto à impugnação da matéria de facto, que a decisão recorrida se mostra devidamente fundamentada, fez-se uma exaustiva, rigorosa e proficiente apreciação e ponderação da prova produzida, que foi examinada de forma crítica e criteriosa, em cumprimento das exigências previstas nos artigos 379º, nº 1 al. a) e 374, nº 2, do CPP, não de verificando qualquer nulidade dessa sentença.
Compulsados os autos verificamos que na decisão recorrida foi apreciada, ponderada e valorada a factualidade em causa, efetivamente, após se indicar especificamente os meios de prova que contribuíram para suportar, ou não, as respostas conferidas, umas vistas ponto por ponto, outras analisadas em grupo, no que concerne à convicção criada aí se exarou:
 «Destarte, a conjugação desta prova, revela que a tese da acusação/pronúncia é, parcialmente, consistente e verosímil, nomeadamente porque comprova que o arguido de forma mais ou menos contínua perto do final da vivência em comum e após a separação, adotou uma conduta de agressividade e superioridade sobre a ofendida, através de insultos e ameaças, agressões físicas ainda que estas de restringida gravidade.
É certo que, o que resultou da prova globalmente apreciada, é que o casal passava por dificuldades económicas, dificuldades em gerir e empresa, e bem assim tinham visões diferentes de como o fazer, sofriam, por isso, de ansiedade e angustia, e, assim, o arguido passou a exagerar episodicamente no consumo de bebidas alcoólicas, e por algum descontrole (por isso tomava medicação) e exagero produzia os insultos dados como provados – de baixa intensidade -, conduta que se foi agravando, nomeadamente passando já a usar da força física, agarrando-a pelos braços com força, isto antes da antes da separação, e após esta, ocorreu um aumento exponencial do recurso à injuria, devido à frustração que sentiu por ela e por não poder visitar o filho. É certo que o arguido, não só admitiu esta última factualidade, como até disse não se rever nela, e que só aconteceu pelo facto da assistente “ter fugido com o filho”, sendo certo que não há dúvida que houve nexo causal entre uma conduta e a outra (para o aumento exponencial) – como decorreu da prova e de juízos de experiencia comum e normal acontecer. É que a conduta da assistente revelada ao longo de um certo período, como resulta da prova, foi de impedir o arguido de ver e comunicar com o filho, sem que tivesse o mínimo motivo para o efeito – é que como relataram todas as testemunhas infra referidas e com conhecimento directo dos factos a relação entre pai e filho era e é muito forte e profícua para ambos.
Não obstante, a assistente sabendo que já não queria manter-se na relação, e que a conduta do arguido ficava cada vez mais agressiva (ficando algo receosa pelo futuro e como ia ocorrer a rutura), decidiu-se pela politica do facto consumado, e em vez de recorrer à conciliação ou aos tribunais, retirou o menor da casa de morada de família, e foi viver para os ..., impedindo voluntariamente o progenitor de continuar a contactar com o filho, quer em Guimarães, quer na ..., sem nenhuma justificação. É que as condutas dadas como provadas, antes da separação, não são só por si de molde a justificar uma atitude tão radical e danosa não só para o arguido, como para o seu filho. Falamos neste caso em violência doméstica de baixa intensidade e não de condutas graves que façam alguém fugir (com o filho) de um dia para o outro para os ... - atente-se que a própria assistente alegou ao longo dos autos que já desde 2014 que era vítima das condutas, mas só abandonou a residência comum no ano de 2019. Ademais, é muito duvidoso que se o arguido não tivesse dito ao sogro para sair da casa que senão chamava a GNR, que a ofendida tivesse logo abandonado na manhã seguinte a residência, sem avisar, sem dizer para onde levava o menor, etc. – nem que fosse por mensagem. Isto sem pôr em causa, que a conduta do arguido era mais do que bastante para fazê-la cessar a convivência comum já há muito tempo. 
Faz-se esta referência para se esclarecer que conduta da assistente também não foi inócua para a conduta (do arguido) posterior apurada, mas antes potenciadora – porque nenhum(a) progenitor(a) aceita de bom grado e sem reagir deixar de saber do paradeiro de um filho, e deixar de conviver com ele durante dias ou semanas – facto que pode ser, como foi, causador de forte perturbação psicológica e emocional (conforme decorre dos juízos de experiencia comum), apesar de também não poder ser considerada como causa de justificação da ilicitude ou da culpa dessas apuradas condutas do arguido após a separação e dadas como provadas.  
Os depoimentos das testemunhas VV e CC, pais da assistente, mostraram-se parciais, interessados, e essencialmente de ouvir dizer, não só pela forma como foram prestados, como pelo empolamento das condutas do arguido. Todavia, ainda, assim, foram relevantes para corroborar as dificuldades económicas do casal, o mal-estar existente, e que a filha lhes contava alguns dos insultos (e agressão física) de que era vítima, o que levou até que ela procurasse ajuda médica em psiquiatria. 
Já o depoimento da testemunha RR, irmã da assistente, mostrou-se, também, parcial e interessado, relatando que não assistiu a agressões físicas, mas que a assistente lhe falava dos problemas financeiros, que quando lá jantava o arguido bebia sempre em excesso e tomava ao mesmo tempo medicação, e tinha comportamentos agressivos, e a insultava na sua presença de “atrasada mental e deficiente”. Com efeito, não obstante algum empolamento e depoimento de ouvir dizer, o certo é que a parte referente aos insultos, e algum consumo excessivo de bebidas alcoólicas, foi demonstrada pela demais prova produzida.
Já o depoimento da testemunha WW, atual companheiro da assistente, mostrou-se parcial, interessado, e essencialmente de ouvir dizer, bastando analisar a forma como foi prestado, pelo que não mereceu credibilidade.
Os depoimentos das testemunhas XX, YY e MM, relevaram apenas para corroborar o teor dos documentos (emails/comentários nas redes sociais) que já constam nos autos e não negado o seu teor pelo arguido.
A testemunha PP, prestou um depoimento inócuo.
 O depoimento da testemunha GG, relevou apenas para corroborar que a assistente não criou a empresa “EMP01...”, mas antes o arguido e o primo, bem como os desenvolvimentos posteriores, e boa relação entre o casal. Contudo, relatou o episodio ocorrido na vinda da ... e que, efetivamente, viu a assistente a chorar muito e que não queria regressar a guimarães. E, na verdade, o facto do casal ter um relacionamento normal no local de trabalho, nem por isso, infirma que em casa e no intimo as coisas fossem da forma apurada.
O mesmo se diga, quanto aos depoimentos das testemunhas ZZ, AAA, BBB, DD e EE, que nada assistiram, mas também não estavam diariamente na residência do casal e por isso não conheciam o casal na intimidade do lar. Não obstante, sempre foi sendo referidas as dificuldades financeiras do casal; e a testemunha DD até aludiu que a assistente lhe disse que as coisas entre o casal não estavam bem.
O depoimento da testemunha CCC, atual companheira do arguido, foi relevante no sentido de se verificar que, atualmente, ele mudou de alguma forma o comportamento. 
O depoimento da testemunha FF, foi relevante no sentido de se verificar que a assistente pretendeu obstaculizar as visitas por parte do arguido e seus pais, porque tinha medo que o arguido e sua família levasse o filho para guimarães.
Já no que concerne ao aspecto subjectivo da conduta, ponderou-se o iter criminis do arguido, ou seja, a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento. 
Neste jaez, a versão trazida pela acusação/pronuncia merece, por isso, credibilidade atento o que supra se disse, produzindo prova bastante, analisada à luz da experiência comum e do normal acontecer, para convencer o tribunal que o arguido praticou os factos dados como provados.
As consequências dos factos, resultaram, também, da conjugação dos documentos, com as declarações da assistente e os depoimentos das supra referidas testemunhas, as quais souberam esclarecer, designadamente a inquietação, sofrimento sofridos, pela ofendida, decorrentes da conduta apurada do arguido, o que, também, decorre e está em acordo com juízos de experiência comum e do normal acontecer. Todavia, verificou-se, também, das declarações da assistente um certo empolamento (bem como dos seus pais, irmã e atual companheiro), quer dos factos, quer das suas consequências – há aqui um interesse na lide, não só deste processo como nos demais que correm noutros tribunais – como a defesa alegou. 
Os factos da contestação que foram dados como provados, mereceram resposta positiva, porque demonstrados, quer por documentos, nomeadamente juntos com o RAI e contestação, quer pelas declarações do arguido, quer testemunhas arroladas pela defesa e supra referidas.
Os factos não provados, mereceram tal resposta, porquanto não foi feita prova verosímil e segura, através de qualquer meio probatório imparcial e coerente. Na verdade, a certidão comercial desmente a tese da acusação e da assistente no sentido de que a empresa foi também criada por ela; da conjugação da prova por declarações e testemunhal, não foi demonstrado que tenha sido por causa do abuso episódico por parte do arguido de bebidas alcoólicas e uso de medicação, que começou a ter as condutas maltratantes dadas como provadas, tendo-se antes demonstrado que passaram por dificuldades financeiras, as quais causaram ansiedade, frustração e preocupação a ambos, e que o arguido reagia agressivamente sobre a ofendida, enquanto esta já reagia vitimizando-se por causa de tal situação difícil que passava a empresa e o casal; nem foi demonstrado que os insultos antes da separação ocorressem semanalmente, sendo que a assistente nas suas declarações se mostrou titubeante a esse respeito; nem que a assistente tenha anunciado, várias vezes, antes que queria o divórcio, não só por ausência de prova verosímil, bem como porque desmentido pelas próprias mensagens onde nada disso é referido, ao que acresce que ambos relataram que ela lhe anuncia a intenção de divórcio quando ele tenta “expulsar” o sogro da residência conjugal – na verdade a assistente poderia até andar a falar nisso com a sua família, porém tinha a questão do filho e empresa para resolver, o que a impediu de o anunciar antes ao arguido – aliás quando o anunciou abandonou logo a casa com o filho, sem o arguido dar por isso; bem como que tenha sido por ter receio do arguido que a assistente se tenha ausentado da sua residência na ... – quando o arguido lá se deslocou -, mas antes porque não queria que o arguido visitasse o filho – conforme resultou da prova produzida, sendo que ele não a andava a perseguir, mas antes andava a tentar visitar o menor, o que ela não permitia (basta analisar as decisões proferidas no incidente de incumprimento para se concluir que foi condenada, ainda, que não na multa que lhe aplicou a 1ª instância) – aliás, nas declarações que prestou a assistente disse que tinha medo que o arguido fugisse com o filho porque este tinha dois cartões de cidadão (e não receio quanto à sua pessoa); nem foi demonstrado que a assistente seja arquitecta, visto não ter junto aos autos prova documental que o comprove; nem que a assistente tenha sempre trabalhado, visto que até estava inscrita no Centro de Emprego, tal qual admitiu, pelo que para além de uns pequenos trabalhos, mais não fez, até iniciar funções na empresa do arguido – como resultou das declarações dela, do arguido e das testemunhas com conhecimento directo dos factos.
Já os demais factos dados como não provados, referentes ao PIC e à contestação, mereceram tal resposta por falta de prova coerente e segura, bem como contrariar a tese apurada e dada como provada. Designadamente, os do PIC, padecem de patente empolamento da situação da demandante, não se limitando as consequências da conduta do demandado que encerram o objecto deste processo.
As condições pessoais, económicas e sociais do arguido, resultaram das suas declarações, do relatório social, bem como dos documentos supra referidos e juntos aos autos. 
A inexistência de antecedentes criminais resulta do certificado de registo criminal junto aos autos.»
Ou seja, todas as provas pré constituídas, e as produzidas em julgamento, foram vistas e apreciadas pelo tribunal recorrido. Foram ponderadas como elementos probatórios as arroladas em sede inquérito, e que conduziram à acusação, no âmbito da instrução e na audiência de discussão e julgamento, onde naturalmente se incluem as indicadas pelo contestante para infirmar o exarado no requerimento de acusação relativamente ao modo como o arguido se comportava para com a assistente.
Como consabido, através da fundamentação da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, num sentido e não noutro, e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro. A sentença há-de conter, então, "os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal coletivo num determinado sentido" – acórdão do STJ de 13-2-92, C. J. tomo I, pag. 36 e acórdão do Tribunal Constitucional de 2-12-98 DR IIª Série de 5-3-99.
Ou como ficou exarado no acórdão do STJ de 16-03-2005, Proc. n.º 662/05 - 3.ª Secção, relator Conselheiro Henriques Gaspar,
“I - O art. 374.° do CPP, que dispõe sobre os "requisitos da sentença" (relatório - n.° l; fundamentação - n.° 2; e dispositivo ou decisão stricto sensu), indica no n.° 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma "exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal".
II - A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido ("fundamentaram") da decisão.
III - A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual) a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão.
IV - O tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido numa decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo
Regressando ao caso vertente, mais concretamente à sua fundamentação acima transcrita, e tomando em conta os ensinamentos que nos são conferidos pela corrente jurisprudencial aludida, de pronto se retira que nela se mostram enumeradas as provas que foram consideradas para chegar à decisão a que se chegou, tendo inclusive revelado o concreto conteúdo delas. E procedeu à sua análise e ponderação.
Como resulta da análise da motivação de facto transcrita, a decisão do tribunal a quo procedeu à apreciação global da prova produzida, numa perspetiva crítica e à luz das regras da experiência comum, relativamente aos factos impugnados encontra-se devidamente fundamentada, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentam a sua opção, justificando os motivos que levaram a dar credibilidade à versão dos factos relatada pela assistente em detrimento da do arguido, permitindo aos sujeitos processuais e a este tribunal de recurso proceder ao exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador.
Através da motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida fica-se ciente do percurso efetuado pelo julgador a quo onde seguramente a racionalidade se impõe, mas onde a livre convicção se afirma, com apelo ao que a imediação e a oralidade, e só elas, conseguem conceber, espelhando aquela decisão a apreciação crítica da prova produzida, explicitando o resultado dessa apreciação e justificando a convicção formada quanto à matéria em causa de forma lógica e de acordo com as regras da experiência comum, que indica e não foram contrariadas pela argumentação do recorrente.
Por isso, não se evidenciando qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, nenhum reparo merece o juízo valorativo acolhido na 1ª instância, que se mostra proficientemente fundamentado.
Por tudo o exposto, não se vislumbra que o acórdão recorrido padeça da falta de fundamentação e de exame crítico, como alvitrado pelo recorrente.
Mas, não era essa a sua verdadeira intenção.
Procura o arguido através do conteúdo das mesmas, demonstrar que esse relacionamento entre o casal era funcional, cordato e de muita proximidade, o que, no seu entendimento, demonstra que não existiam as imputadas ofensas, físicas e verbais, ameaças e humilhação dele para com ela, o que é revelador da falta dos necessários maus tratos para conformar a existência de um crime de violência doméstica. Quando muito, algumas das situações poderiam configurar outro tipo de ilícito, como o de injúria.
Não foi esse o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido. E foi explicado porquê. Tendo sido conferido maior relevo às declarações prestadas pela assistente e aos demais meios de prova analisados que complementaram essas declarações.
O que ressalta da posição do recorrente é o entendimento que a decisão recorrida julgou contra o Direito, o que aliás perpassa das conclusões de recurso, porquanto não atendeu adequadamente às circunstâncias resultantes dos aludidos meios probatórios, designadamente às suas declarações e das testemunhas que aponta, e transcreve parte dos depoimentos, e, se o tivesse feito, só poderia concluir pelo bom relacionamento entre os membros do  casal e pela impossibilidade de no seio deste ocorrerem as desavenças, atitudes violentas, aviltamentos e humilhações imputadas ao arguido, ou seja, pelo não preenchimento dos elementos típicos que enformam o crime de violência doméstica.
A verdade, como dissemos, é que da simples leitura da decisão, não descobrimos qualquer erro clamoroso na apreciação e valoração da prova, que tenha sido valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, sendo que a decisão deu como provados os factos acima transcritos e fundamentou-os devidamente, referindo expressamente os motivos pelos quais conferiu credibilidade a uns, e não credibilizou outros, apontando a irrelevância de alguns deles para a descoberta da verdade.
Aliás, o recorrente acaba por não invocar verdadeiramente a falta de enunciação de factos ou o exame crítico das provas, sendo a sua real pretensão impugnar a incorreta apreciação da prova que, no seu entender, foi feita pela 1ª instância.
Porém, a divergência do recorrente quanto à forma como foi valorada a prova produzida é questão que nada tem a ver com a falta de fundamentação do acórdão, mas antes com a impugnação da matéria de facto e eventual modificação da decisão proferida.
Não se verificando, pois, a nulidade suscitada.
*
A matéria de facto.

Façamos agora a apreciação do recurso na parte relativa à matéria de facto.
Entende o recorrente que deve ser absolvido porquanto, em suma, a prova produzida é insuficiente para lhe atribuir a autoria do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado.
No seu entendimento, a sentença recorrida deu erradamente como provados os factos constantes dos pontos 5 a 11, 19, na parte que consta que “disse à assistente que ela era uma “palerma”, 22 onde consta (com receio do arguido), 24 (primeira parte), 34, 47, 48. da matéria apurada.

Vejamos.
Como sabemos o nosso sistema processual penal prevê que a matéria de facto pode ser sindicada de dois modos:
Um mais restrito, a chamada «revista alargada», que abrange os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do CPP;
Outro mais lato, a chamada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
O primeiro dos apontados modos de sindicância da matéria de facto, previsto no artigo 410º, n.º 2 do CPP, consagra que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão.
Atentemos então em cada dos vícios do artigo 410º, n.º 2 do CPP.
- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. O tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada.
Este vício não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, em que se afirma que teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Como parece transparecer do recurso do arguido.

- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Existirá contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando, por exemplo, um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

- Erro notório na apreciação da prova.
O último dos vícios previstos no artigo. 410.º, do CPP é o do n.º 2, al. c), e ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum. O erro notório na apreciação da prova terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.
Como resulta desse preceito legal, os vícios aí referidos, que são de conhecimento oficioso, constituindo um defeito estrutural da decisão, têm de resultar do respetivo texto, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença, esta terá que ser autossuficiente quanto a eles, não se podendo recorrer à prova documentada. (Cfr. o acórdão uniformizador de jurisprudência referido na nota 2. - e Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pág. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pág. 77 e ss..
No âmbito desta revista alargada, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426º, n.º 1 do CPP).
Significa isto que mesmo relativamente às declarações e depoimentos prestados oralmente e que sejam mencionados na sentença, a existência daqueles vícios tem de ser aferida exclusivamente pelo que da própria sentença sobre eles consta e não por referência aos respetivos registos áudio.
Caso não seja possível demonstrar o vício em que incorreu o julgador sem recurso ao registo áudio, então é porque o erro não emana diretamente do texto da sentença recorrida, ficando logo definitivamente afastada a sua integração no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, como vício decisório. Sendo certo que, daí não se retira que não possa haver um erro de julgamento por errada valoração da prova, nos termos do disposto no artigo 412.º do CPP, situação diversa da dos vícios da decisão.
Adiantando serviço, diremos desde já que é esta precisamente a situação em apreço. O recorrente fundamenta toda a sua impugnação reportando-se exclusivamente aos meios probatórios produzidos, concretamente às declarações e depoimentos prestados em sede julgamento, e ao teor de alguns dos documentos juntos aos autos, que considera incongruentes e mal valorados, e não propriamente a qualquer defeito na estrutura do acórdão recorrido, que resulte do seu texto, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
*
Abordemos a situação concreta.
Embora o faça de forma genérica, apreciemos os vícios suscitados pelo recorrente.

Alega para tanto:
“II- Isto posto, é nosso entendimento, que não foi produzida qualquer prova, e muito menos suficiente, que vá de encontro à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, e permita concluir assim pela condenação do arguido, tendo, assim, o tribunal recorrido errado e, nesse sentido, violado de forma patente e grosseira o disposto no artigo 410.°, n.º 2, alíneas a) e c) do C.P.P., por manifesta insuficiência da matéria de facto provada para decidir que o arguido tivesse praticado o crime de Violência doméstica imputado, havendo erro notório na apreciação da prova.”
Vejamos, então, o que diz a lei a respeito do primeiro dos caminhos enunciados, designadamente o Código de Processo Penal, e como interpretá-la, no segmento que aqui interessa, naturalmente:
« Artigo 410.º
Fundamentos do recurso
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada»
Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Embora o faça sem qualquer referência factual concreta ao texto da sentença recorrida, o arguido sugere que a mesma enferma deste vício.
Relativamente ao vício previsto na alínea a), do nº 2 do art. 410º o mesmo ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito, e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final; ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (Germano Marques da Silva, ibidem, pág. 324).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão de 04/10/2006, proferido no âmbito do Proc. nº 06P2678 , in www.dgsi.pt).
Dir-se-á, desde já, que não se vislumbra no texto da decisão recorrida alguma incoerência factual ou lógica que a inquine do vício decisório invocado, da alegada insuficiência da factualidade provada para a decisão final tomada, prevista no citado art. 410º, nº 2 al. a), do CPP.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que, na sua visão, erradamente foram dados como provados, sendo esta a real pretensão do recorrente. Na primeira critica-se o tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Este vício consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo á impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa. O que manifestamente não logramos alcançar que tenha acontecido na decisão recorrida.
A única situação apontada que eventualmente poderia ser alvo de consideração a este título reporta-se, para além das declarações do arguido, à seguinte alegação: “Note-se que percorrido os depoimentos das testemunhas, designadamente da (DD, EE, FF – esta Prima da assistente e GG, resultam dos mesmos, uma versão oposta à trazida pela assistente e completamente contrária a alguns factos dados como provados pelo Tribunal a quo. Note-se que estamos perante testemunhas que conviveram assiduamente com o casal, sendo que uma delas inclusive é familiar da assistente.” 
Mas não lhe assiste qualquer razão.
Efetivamente, na decisão recorrida foram apreciados, ponderados e valorados as declarações e depoimentos apontados, pura e simplesmente de forma diferente daquela que o recorrente entende que deveria ter sido, e esta situação não configura a ocorrência do vício invocado.
Se bem entendemos, o que resulta da posição assumida pelo recorrente, a maior parte dos factos deveriam ser dados como não provados, por falta de prova, ou insuficiência da mesma.
O que se conclui desta invocação do recorrente é que não se conforma com a decisão tomada no tribunal recorrido, com a convicção assumida pelo julgador, fazendo uma leitura da prova produzida relativa aos factos impugnados diferente, a sua, da efetuada na sentença recorrida, limitando-se, pois, a censurar a que apelida de errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal, que teria considerado como provados factos sem prova para tal e chegado a conclusões que não têm substrato que as estribe.
Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece da falta de factos que suportem a decisão de direito a que chegou, os apurados permitiram que se alcançasse uma decisão segura de direito, sobre aquela panóplia factual, e outros não foi possível apurar.
A diferente visão que expressa sobre os meios de prova apreciados, e a interpretação que retira dos documentos apontados, independentemente da sua bondade, não é suscetível de fundamentar a posição que manifestou, a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Revisitando o acórdão proferido em 1ª instância, verificamos que da mesma foram feitos constar factos manifestamente suficientes para conduzir, como conduziram, a um enquadramento jurídico que se entendeu como o ajustado à situação concreta. Se bem, ou mal, enquadrados é questão que aqui não cumpre abordar.
Como se extrai desta panóplia factual vertida no acórdão impugnado, que aqui se dá por reproduzida, o tribunal apreciou, ponderou e abordou os factos que podia e devia, tanto os vertidos na acusação como os alegados na contestação pelo arguido, bem como os que resultaram do decurso da audiência de discussão e julgamento, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo. Para além de que foram produzidos, apreciados e valorados, todos os meios de prova que se mostravam necessários e suficientes para se lograr alcançar a verdade material. O que se extrai da motivação aí exarada.
O que verdadeiramente é questionado pelo recorrente, como já se salientou, é a ocorrência de um erro de julgamento
Aqui chegados volta a dizer-se, que não vislumbramos qualquer falta no texto da decisão recorrida suscetível de constituir violação do enunciado no art. 410º, nº 2, alínea a), do CPP, não se logrando encontrar o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo a exarada nesse aresto suficiente para fundamentar a decisão de direito, e o tribunal não deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
Do erro notório na apreciação da prova.
Mas, para além de não termos encontrado este vício do art. 410º, nº 2 al. a), do CPP, também não logramos alcançar a existência no acórdão recorrido do previsto na al. c) do mesmo diploma legal, ou seja, que no texto desse acórdão se extraia a verificação de um erro notório na apreciação da prova.
É o último dos vícios previstos no artigo. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, e ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum. O erro notório na apreciação da prova terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.
Constituem o apontado vício o desacerto sobre facto notório, nomeadamente sobre facto histórico de conhecimento geral, a ofensa às leis da física, da mecânica e da lógica, assim como a ofensa relativamente a conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos.
Em causa está o equívoco ostensivo, de tal modo evidente a partir da simples leitura da decisão, que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta. Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, ob cit., página 341, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Pena, edição de 2008, página 1103.
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respetivos acórdãos de 14.05.2009, Processo n.º 1182/06.3PAALM.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, de 25.06.2009, Processo n.º 4262/06 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, e 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto de Moura, in local supra citado, www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal.
Ora, imputando tal vício à sentença recorrida, o recorrente fá-lo, porém, e mais uma vez, em termos que revelam uma confusão nítida entre as duas formas perfeitamente distintas que existem de reagir contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto: por um lado, a invocação do vício previsto no art. 410º, n.º 2 al. c) (na chamada revista alargada) e, por outro, a impugnação (ampla) da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Penal.
Como vimos, no primeiro caso, o recurso pode ter como fundamento qualquer dos vícios indicados, e previstos, nas várias alíneas do n.º 2 do art. 410º do CPP.
Como já se fez alusão, resulta desse preceito legal, os vícios aí referidos, que são de conhecimento oficioso, constituindo um defeito estrutural da decisão, têm de resultar do respetivo texto, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença, esta terá que ser autossuficiente quanto a eles, não se podendo recorrer à prova documentada. (Cfr. o acórdão uniformizador de jurisprudência referido na nota 2. - e Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pág. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pág. 77 e ss..
No âmbito desta revista alargada, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença em si mesma evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426º, n.º 1 do CPP).
Por outro lado, o nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
Este princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe, nos casos de dúvida fundada sobre os factos, que o Tribunal decida a favor do arguido.
Perante estas considerações, cabe concluir que, para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, prova nula ou prova vinculada, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Abordando a situação concreta.
Como resulta das conclusões do recurso apresentado, o recorrente invoca a violação da mencionada alínea c) do n.º 2 do art. 410º do CPP, sem especificamente concretizar em que parte do texto da decisão se pode extrair a ocorrência desse vício, mas ao longo das conclusões e do próprio corpo da motivação, essencialmente é alegado que o tribunal não podia dar como provado que o arguido tenha praticado os factos que lhe são imputados e constantes da acusação e da pronúncia, porquanto, atendendo às declarações e depoimentos prestados em julgamento, designadamente dos prestados pelas testemunhas aludidas, de que transcreve extratos em sede de motivação, face à sua incongruência, e ao facto de serem infirmados por estes depoimentos, não podia chegar à conclusão que a sua intervenção nos factos se passou como foi dado como provado.
Fez, pois, na sua ótica, o tribunal recorrido uma errada apreciação da prova, pois, no seu entendimento, uma correta ponderação e valoração da prova produzida teria de conduzir à sua absolvição, por falta de prova ou, no mínimo, deveria ter permanecido a dúvida quanto à sua ocorrência e autoria, ao abrigo do princípio in dubio pro reo.
Mais uma vez salientamos que, concreta e essencialmente o recorrente põe em causa a apreciação e ponderação feita no tribunal a quo aos meios de prova que foram produzidos em sede de julgamento.
Ora, dando mais uma vez por reproduzido tudo o acima transcrito da motivação de facto vertida na decisão proferida em 1ª instância, e voltando a escrutinar essa fundamentação, não nos parece que na apreciação da prova se tenha verificado qualquer erro, designadamente notório, que cumpra assinalar.
Aí se ponderou, de forma exaustiva e proficiente, como já se salientou, toda a prova pessoal trazida a julgamento e a documental que já constava dos autos, que foi conjugada, tendo sido pertinentes e cabalmente esclarecedoras da realidade dos factos, da sua ocorrência e veracidade. Não concordando, no entanto, o recorrente com a apreciação e valoração que foi dada na sentença recorrida a toda essa prova.
De uma análise atenta da posição do recorrente, da sua tomada de posição perante a apreciação e valoração da prova feita em 1ª instância, verificamos da sua motivação de recurso, e suas conclusões, que não se circunscreve ao texto da decisão recorrida, para demonstrar que, da mera leitura da mesma, resulta mostrar-se ter o tribunal a quo incorrido em erro notório na sua apreciação ao dar como provado os factos impugnados, como se impunha que fizesse, vai muito para além desse texto vertido na sentença proferida, designadamente para as declarações e depoimentos que entende correspondentes com a realidade, e com capacidade contrariar, infirmar, a versão trazida pela assistente.
O que verificamos, pois, é que o recorrente, extravasando manifestamente o âmbito da arguição do vício em questão, socorre-se da prova produzida, principalmente da oralmente prestada em audiência de julgamento, para tentar demonstrar que o tribunal recorrido a valorou erradamente, visando, assim, a reapreciação da mesma por este tribunal de recurso, com vista, essencialmente, a serem dados como não provados os factos apontados relativos ao seu comportamento para com a assistente/ofendida.
Tal erro, como já dissemos, nos termos em que é invocado, a existir, traduzir-se-á antes em erro de julgamento, objeto da impugnação alargada de decisão de facto ao abrigo do art. 412º, n.ºs 3 e 4, e não da impugnação restrita, ou revista alargada, prevista no art. 410º, n.º 2 do CPP, concretamente na alínea c) desse normativo legal.
Aquilo que o recorrente verdadeiramente questiona é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que fez do princípio da livre apreciação da mesma, uma eventual violação do disposto no art.º 127º do CPP, muito embora acabe por apontar à decisão recorrida o vício previsto na alínea c) daquele art. 410º, nº 2, do diploma legal em apreciação, mas, como se salientou, extravasando manifestamente o sentido em que esse vício deve ser entendido, ou seja, como resultando, apenas e só, do próprio texto da decisão posta em crise.
Com efeito, o recorrente invoca o apontado vício como corolário da sua própria apreciação da prova produzida, chamando à colação elementos externos ao texto da sentença recorrida, numa mistura confusa do vício resultante do texto da decisão judicial com erro de julgamento.
Pelo que, e em suma, na decisão recorrida inexiste qualquer erro, muito menos ostensivo, sobre facto notório, nomeadamente sobre os apontados factos históricos de conhecimento geral, ofensa às leis da física, da mecânica e da lógica, assim como ofensa relativamente a conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos, pelo que improcede o alegado pelo arguido na matéria ora em causa.   
Por fim, no que concerne aos vícios da decisão previstos no art. 410, nº 2, do CPP, na apreciação feita por via oficiosa, como recomenda a citada norma, cumpre dizer que não vislumbramos qualquer falta no texto da decisão recorrida suscetível de constituir violação do enunciado naquele preceito legal, não se logrando alcançar a existência no acórdão recorrido de qualquer um dos vícios previstos nas als. a), b) e c) daquele nº 2, ou seja, que no texto desse acórdão se verifique insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, al. a), contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, al. b), nem o erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do mesmo nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
*
- Do erro de julgamento.
Viremo-nos, então, para a impugnação ampla da matéria de facto - erro de julgamento.
Como vimos, o recorrente impugna a apreciação feita pelo tribunal recorrido, a forma como analisou, ponderou e valorou a prova produzida, ou seja, o uso que fez do princípio da livre apreciação da mesma, estribando-se unicamente na sua própria ponderação e valoração dessa prova.
Como das conclusões do recurso, a imputação ao tribunal de 1ª instância da indevida valoração dos ditos meios de prova acontece porque foi sobrevalorizado, essencialmente, o depoimento da ofendida/assistente, e da falta de dados fatuais objetivos que suportem a sua versão, desconsiderando as suas próprias declarações e das testemunhas referidas, DD, EE, FF – esta Prima da assistente e GG.
Ora, a impugnação de uma decisão com fundamento em erro de julgamento, exige que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
Nos termos do disposto no artigo 428.º do CPP os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Uma vez que no caso em apreço houve documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, poderia este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º 3 e 431.º, b) do CPP, ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.
Essa apreciação estende-se à análise do que contém e pode extrair-se da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP.
De qualquer forma, nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. (Cfr. Acórdãos do STJ de 14/3/2007, de 23/5/2007 e de 3/7/2008, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj)

Justamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, é que o recorrente deve expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, o seguinte:
«Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do CPP).
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º do CPP que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º do CPP). (- Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar jurisprudência no sentido de bastar, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012, de 8/3, publicado no DR, I Série, de 18/4/2012).
Como se escreveu no douto Ac. do STJ de 19-5-2010 696/05.7TAVCD.S1, rel. Cons.ª Isabel Pais Martins, que: “As indicações exigidas pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto”.
No mesmo sentido se refere no Ac. do STJ de 11-6-2014, proc.º n. 14/07.0TRLSB.S1, rel. Cons.º Raul Borges:
 “As indicações exigidas pela lei são essenciais, não se tratando de mero capricho, pois à Relação não cumpre proceder a um novo julgamento em matéria de facto, apreciando a globalidade das «provas» produzidas em audiência, antes lhe competindo, atenta a forma como se encontra estruturado o recurso, emitir juízos de censura crítica. (…)
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão/imporiam uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto”.
Como o Ac. da Rel. de Coimbra de 22-10-2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1, bem explicita “A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que a exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova”. (Arestos citados no Ac. desta RG, de 26 de junho de 2023, relatado pelo Desembargador Cruz Bucho, no qual tivemos intervenção na qualidade adjunto)
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artigo 127.º, ou seja, fora as exceções relativas a prova legal, assenta na livre convicção do julgador e nas regras da experiência, não podendo também esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite.
Como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessários, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.
São inúmeros os fatores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes na audiência.
Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à exceção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspetos de relevância indiscutível (reações do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são percetíveis pela 1ª instância.
À Relação caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Assim, se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõem uma outra convicção.
A demonstração desta imposição recai sobre o recorrente que deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado. (Cfr. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, pág. 1122, nota 9).
Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorreção decisória, mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.
Tudo isto vem para se dizer que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado. (- Cfr. Acórdãos do STJ de 23/4/2009 e de 29/10/2009, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).
O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. (Cfr. Acórdãos do STJ de 15/7/2009, de 10/3/2010 e de 25/3/2010, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj ).
A utilização do termo “impor” no artigo 412.º do Código de Processo Penal “…revela que para o legislador essa alteração terá de ter um grau de exigência elevado, ou seja, que ela só ocorrerá se a prova invocada for suficientemente forte não só para colocar algumas dúvidas, mas para determinar sem lugar a dúvidas razoáveis uma decisão diferente. Se o tribunal de recurso concluir somente que as provas admitem outra solução não haverá lugar à alteração dos factos.” (- Acórdão do STJ de 18/01/2018, proferido, em 2ª instância, no Proc.º. 563/14.... - ... Secção, disponível em www.dgsi.pt/jstj).
Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do n.º 3 do citado art. 412º, como se referiu já.
A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Note-se que o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afeta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.
Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3).
Expostas estas breves considerações sobre o sentido e alcance da impugnação ampla da matéria de facto, assim como sobre os ónus impostos ao recorrente, passemos à análise do caso concreto. Verificando, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida, e se aqueles pressupostos se mostram verificados.
À luz do que acima expendemos, de um ponto de vista formal, o recorrente cumpriu satisfatoriamente a primeira parte do apontado ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o denominado ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados.
Com a impugnação desses factos, visa a sua absolvição pela prática do crime de violência doméstica, defendendo que deveria o Tribunal a quo ter atendido especialmente às suas declarações e aos depoimentos das testemunhas por si indicadas, e ter dado indevido crédito às declarações da ofendida, e julgar como não provados todos esses factos, ou que seja dada uma diferente redação a alguns deles.
É esta a proposta de decisão alternativa sobre os mesmos pela qual pugna, e, embora indique os concretos meios de prova que impunham tal alternativa, a verdade é que se limita a defender, de uma forma genérica, que deveria o tribunal a quo ter atendido especialmente às suas declarações e aos depoimentos das testemunhas citadas, não dar credibilidade às da ofendida, cujo depoimento considera incongruente, com contradições, e que teria sido infirmado, ou pelo menos, posto em causa, pelos prestados pelas testemunhas aludidas.
Não obstante, todos os considerandos que tece limitam-se à valoração da prova produzida, com a qual discorda, não passam de uma apreciação própria, meramente subjetiva, desprovida de qualquer objetividade, insuscetível de assumir qualquer relevância para a distinta decisão proposta.
Certo que, na sua motivação, faz a indicação concreta das passagens da gravação que pretende ver reapreciadas, indicando as respetivas passagens concretas da gravação para sustentar a versão que apresentou sobre os factos. De qualquer forma as concretas passagens e os excertos que transcreveu limitam-se, aos depoimentos das testemunhas DD, GG, FF e EE, e não a quaisquer outros meios de prova que pudessem infirmar a versão apresentada pela assistente.
A falta destes elementos impede este Tribunal da Relação de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de fazer uso do critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, que não foram apresentadas, ou que, ao menos, melhor se conjugassem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos.
Foi este exercício que nos vimos impedidos de fazer.
De qualquer forma, procedeu-se à audição das gravações registadas, designadamente das passagens indicadas, e à leitura circunstanciada das transcrições das mesmas vertidas no recurso apresentado.
Os limites traçados pelo objeto do recurso, a falta de meios, ou dados, que permitissem uma reapreciação da matéria de facto impugnada, coartou a possibilidade deste Tribunal ir mais além na sua tarefa.
Ficamos confinados à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, sendo de relembrar que, em sede de avaliação da credibilidade dos depoimentos, o tribunal de 1ª instância tem a seu favor a relação de imediação que se traduz no contacto pessoal e direto entre o julgador e os diversos meios de prova.
Porém, após exame do resultado das declarações prestadas pelo arguido, pela assistente/ofendida, e pelos depoimentos das testemunhas acabadas de indicar, conjugados com os demais elementos probatórios recolhidos, designadamente os depoimentos das demais testemunhas ouvidas, reiteramos que esses meios de prova permitem, sem margem para qualquer dúvida, concluir como o fez o tribunal recorrido.
Senão, voltamos a salientar o que a este respeito foi feito constar da fundamentação de facto vertida na decisão recorrida:
“(…)
«Feita esta breve súmula da prova produzida em audiência de julgamento, há que concluir que merecem resposta positiva os factos dados como provados.
No que respeita à celebração do casamento, sua duração, onde viveu o casal, nacimento do filho, e separação, valoraram-se as declarações do arguido e da assistente, basicamente prestados no mesmo sentido, e bem assim dos documentos de fls. 86, 194, 195, e 196, e dos depoimentos das testemunhas com conhecimento directo desses factos.
No que concerne à factualidade dada como provada quanto ao facto nº 3, quer o arguido, quer a assistente, com conhecimento directo dos factos, relataram que efetivamente aquele não gostava de trabalhar em tal empresa e por isso decidiu sair e começar a trabalhar por conta própria, em empresa criada por ele e pelo primo – este último facto consta da certidão comercial.
Quanto aos facto do arguido ingerir bebidas alcoólicas em excesso juntamente com medicação, não obstante em julgamento ele o tivesse negado (referindo beber apenas de forma moderada como os demais familiares – mas admitiu que tomava medicação para dormir), o certo é que foi demonstrado através de vários meios de prova, que bebia em excesso (ainda que de forma episódica e sem um elevado grau de alcoolemia), nomeadamente através de mensagens de fls. 76 e ss., , onde ele próprio assume beber em excesso e necessitar de ajuda médica, e a fls. 992 diz “... desculpa ontem…Deixei te sozinha e bebi demais. Sei que detestas…”, quer pelas declarações da assistente que disse que ele bebia em excesso, quer corroborado pelas testemunhas VV, CC e ..., que assistiram algumas vezes, mas essencialmente ouviram, nesse sentido, as queixas da filha e irmã. Contudo, não foi demonstrado, através de nenhum meio de prova verosímil, que o arguido bebia álcool ao mesmo tempo que tomava a medicação.
No que respeita à factualidade dada como provada em 5) - referente aos insultos -, é certo que o arguido a negou e relatou que o casal se dava bem e que só a insultou após a separação. Todavia, é desmentido, não só pelas declarações da assistente, a qual esclareceu o tribunal no sentido de ser insultada amiudamente com os impropérios “estupida, palerma, labrega, sopeira, não fazes nada”, como pelas mensagens de fls. 992 e ss. - não desmentidas pelo arguido – onde a assistente se queixa que ele lhe chamava, efectivamente, de “labrega, sopeira”, ao que o arguido responde, em 25.02.2015, “(…) estes últimos tempos têm sido muito stressantes e é normal que ande mais nervoso”, e não nega os insultos, parecendo antes querer justificar a errada conduta.
Identicamente as mensagens enviadas posteriormente à separação pelo arguido e recebidas pela assistente, dadas como provadas, e por ele confessadas, vêm demonstrar que o arguido não tinha qualquer constrangimento em usar de insultos dirigidos à assistente (sua esposa), e assim que se tornou trivial tal conduta, o que após à separação se agravou de forma exponencial – atente-se que no relatório de fls. 378, é referido que “(…) perante situações de stresse tem tendência a evidenciar vulnerabilidades emocionais), embora não configure perturbação da personalidade.”.
No que diz respeito aos factos n.ºs 6 a 11, dados como provados, tal resposta positiva, resultou da admissão, parcial, do arguido, relatando que efetivamente lhe deu “um toque no braço, tipo beliscão”, mas que foi por ela estar a gritar com o filho, mas com mais verosimilhança as declarações da assistente que referiu que quando se ia levantar foi agarrada, pelo arguido, pelo braço, sentando-a, e lhe disse não te levantas, sendo que esta versão é corroborada pelas mensagens enviadas, mais tarde, pelo próprio (e não refutadas) de fls. 80 (ainda que cortadas talvez em parte que podia interessar), onde ele refere que “sem querer e sem medir a força”, ao que acresce que a assistente relatou que depois ele a agarrou pelos braços e a sacudiu, dizendo-lhe que o deixasse ver, e que não tinha sido nada, mas apenas um “beliscãozito”.
No diz que diz respeito à factualidade aludida em 12) a 14), mereceu resposta positiva, atento que foi em parte corroborada pelo arguido, que referiu ter ido à apresentação, mas regressado a guimarães mais cedo por causa das aulas do filho, que a assistente não andava bem, e que até lhe recomendou ir ao psicólogo, mas que ela não lhe falou em divórcio; e a assistente relatou que existiram vários telefonemas em que falou em separação – o que não é verosímil – atenta a demais prova produzida; e na verdade, basta atentar nas mensagens de fls. 994 e ss., do ano de 2017, para se concluir que a assistente já anunciava ao arguido estar infeliz na relação e da sua degradação – ao mesmo tempo que lhe expressava amor - , mas não falava em divórcio.
No que se refere  aos factos dados como provados em 14) e 15), mereceram tal resposta porque o arguido admitiu o primeiro, o qual foi corroborado pela assistente, sua mãe e funcionária GG; e sendo que quanto ao segundo, o arguido negou as expressões, mas foram corroboradas pelas declarações da assistente que relatou que ele estava exaltado por não ter sido adquirida passagem para ele ir também aos ..., e lhe disse “és uma merda, não és nada sem mim, esse trabalho é uma merda, não vai dar em nada”. E com efeito é o tipo de linguagem que o arguido também utiliza nas mensagens que constam ao longo dos autos.
Quanto aos factos nºs 18, o arguido confessou o envio das mensagens, as quais constam de fls76 e ss., e foram confirmadas pela assistente.
Quanto aos factos nºs 19) a 22), foram dados como provados, porque o arguido os admitiu em parte, negando, contudo, que tenha chamado “palerma” à assistente – o que não é verosímil atento o supra exposto e situação de conflito - , e explicou que não queria lá o sogro, porque aquela lhe tinha dito que os pais também não o queriam em casa deles; e a assistente relatou o acontecido mas e referiu o insulto, bem como a testemunha CC.
Os factos nºs 23) e 24), foram dados como provados, porque relatados pelo arguido – ainda que adiante a tese de que a assistente já tinha tudo preparado e que o fez para ter vantagem na guarda do filho -, como esclarecidos pela assistente que relatou que se o arguido a mandou sair e ao seu pai, decidiu sair de manhã e voltar para a .... Com efeito, o que decorre das declarações de ambos é que o arguido não disse para ela sair, mas apenas o seu pai, e porque este também não o queria em casa dele. Todavia, como a relação já tinha chegado a esse ponto – do arguido querer expulsar o pai dela do lar conjugal -, a assistente decidiu, dizer-lhe, então, não só que queria o divórcio, como de manhã abandonar o lar conjugal, até com receio que a situação se agravasse.
Já os factos nºs 25) a 45), mereceram tal resposta quer porque o arguido admitiu o envio de todas as mensagens/emails/comentários, e bem assim constam retratados nos autos através de documentos acima referidos, quer porque a assistente as confirmou, como as testemunhas infra referidas.
Os demais factos dados como provados, mereceram tal resposta, por tudo o explanado, quer quando conjugados com juízos de experiência comum e normal acontecer.
Destarte, a conjugação desta prova, revela que a tese da acusação/pronúncia é, parcialmente, consistente e verosímil, nomeadamente porque comprova que o arguido de forma mais ou menos contínua perto do final da vivência em comum e após a separação, adotou uma conduta de agressividade e superioridade sobre a ofendida, através de insultos e ameaças, agressões físicas ainda que estas de restringida gravidade.
É certo que, o que resultou da prova globalmente apreciada, é que o casal passava por dificuldades económicas, dificuldades em gerir e empresa, e bem assim tinham visões diferentes de como o fazer, sofriam, por isso, de ansiedade e angustia, e, assim, o arguido passou a exagerar episodicamente no consumo de bebidas alcoólicas, e por algum descontrole (por isso tomava medicação) e exagero produzia os insultos dados como provados – de baixa intensidade -, conduta que se foi agravando, nomeadamente passando já a usar da força física, agarrando-a pelos braços com força, isto antes da antes da separação, e após esta, ocorreu um aumento exponencial do recurso à injuria, devido à frustração que sentiu por ela e por não poder visitar o filho. É certo que o arguido, não só admitiu esta última factualidade, como até disse não se rever nela, e que só aconteceu pelo facto da assistente “ter fugido com o filho”, sendo certo que não há dúvida que houve nexo causal entre uma conduta e a outra (para o aumento exponencial) – como decorreu da prova e de juízos de experiencia comum e normal acontecer. É que a conduta da assistente revelada ao longo de um certo período, como resulta da prova, foi de impedir o arguido de ver e comunicar com o filho, sem que tivesse o mínimo motivo para o efeito – é que como relataram todas as testemunhas infra referidas e com conhecimento directo dos factos a relação entre pai e filho era e é muito forte e profícua para ambos.
Não obstante, a assistente sabendo que já não queria manter-se na relação, e que a conduta do arguido ficava cada vez mais agressiva (ficando algo receosa pelo futuro e como ia ocorrer a rutura), decidiu-se pela politica do facto consumado, e em vez de recorrer à conciliação ou aos tribunais, retirou o menor da casa de morada de família, e foi viver para os ..., impedindo voluntariamente o progenitor de continuar a contactar com o filho, quer em Guimarães, quer na ..., sem nenhuma justificação. É que as condutas dadas como provadas, antes da separação, não são só por si de molde a justificar uma atitude tão radical e danosa não só para o arguido, como para o seu filho. Falamos neste caso em violência doméstica de baixa intensidade e não de condutas graves que façam alguém fugir (com o filho) de um dia para o outro para os ... - atente-se que a própria assistente alegou ao longo dos autos que já desde 2014 que era vítima das condutas, mas só abandonou a residência comum no ano de 2019. Ademais, é muito duvidoso que se o arguido não tivesse dito ao sogro para sair da casa que senão chamava a GNR, que a ofendida tivesse logo abandonado na manhã seguinte a residência, sem avisar, sem dizer para onde levava o menor, etc. – nem que fosse por mensagem. Isto sem pôr em causa, que a conduta do arguido era mais do que bastante para fazê-la cessar a convivência comum já há muito tempo. 
Faz-se esta referência para se esclarecer que conduta da assistente também não foi inócua para a conduta (do arguido) posterior apurada, mas antes potenciadora – porque nenhum(a) progenitor(a) aceita de bom grado e sem reagir deixar de saber do paradeiro de um filho, e deixar de conviver com ele durante dias ou semanas – facto que pode ser, como foi, causador de forte perturbação psicológica e emocional (conforme decorre dos juízos de experiencia comum), apesar de também não poder ser considerada como causa de justificação da ilicitude ou da culpa dessas apuradas condutas do arguido após a separação e dadas como provadas.  
Os depoimentos das testemunhas VV e CC, pais da assistente, mostraram-se parciais, interessados, e essencialmente de ouvir dizer, não só pela forma como foram prestados, como pelo empolamento das condutas do arguido. Todavia, ainda, assim, foram relevantes para corroborar as dificuldades económicas do casal, o mal-estar existente, e que a filha lhes contava alguns dos insultos (e agressão física) de que era vítima, o que levou até que ela procurasse ajuda médica em psiquiatria. 
Já o depoimento da testemunha RR, irmã da assistente, mostrou-se, também, parcial e interessado, relatando que não assistiu a agressões físicas, mas que a assistente lhe falava dos problemas financeiros, que quando lá jantava o arguido bebia sempre em excesso e tomava ao mesmo tempo medicação, e tinha comportamentos agressivos, e a insultava na sua presença de “atrasada mental e deficiente”. Com efeito, não obstante algum empolamento e depoimento de ouvir dizer, o certo é que a parte referente aos insultos, e algum consumo excessivo de bebidas alcoólicas, foi demonstrada pela demais prova produzida.
  Já o depoimento da testemunha WW, atual companheiro da assistente, mostrou-se parcial, interessado, e essencialmente de ouvir dizer, bastando analisar a forma como foi prestado, pelo que não mereceu credibilidade.
Os depoimentos das testemunhas XX, YY e MM, relevaram apenas para corroborar o teor dos documentos (emails/comentários nas redes sociais) que já constam nos autos e não negado o seu teor pelo arguido.
A testemunha PP, prestou um depoimento inócuo.
 O depoimento da testemunha GG, relevou apenas para corroborar que a assistente não criou a empresa “EMP01...”, mas antes o arguido e o primo, bem como os desenvolvimentos posteriores, e boa relação entre o casal. Contudo, relatou o episodio ocorrido na vinda da ... e que, efetivamente, viu a assistente a chorar muito e que não queria regressar a guimarães. E, na verdade, o facto do casal ter um relacionamento normal no local de trabalho, nem por isso, infirma que em casa e no intimo as coisas fossem da forma apurada.
O mesmo se diga, quanto aos depoimentos das testemunhas ZZ, AAA, BBB, DD e EE, que nada assistiram, mas também não estavam diariamente na residência do casal e por isso não conheciam o casal na intimidade do lar. Não obstante, sempre foi sendo referidas as dificuldades financeiras do casal; e a testemunha DD até aludiu que a assistente lhe disse que as coisas entre o casal não estavam bem.
O depoimento da testemunha CCC, atual companheira do arguido, foi relevante no sentido de se verificar que, atualmente, ele mudou de alguma forma o comportamento. 
O depoimento da testemunha FF, foi relevante no sentido de se verificar que a assistente pretendeu obstaculizar as visitas por parte do arguido e seus pais, porque tinha medo que o arguido e sua família levasse o filho para guimarães.
Já no que concerne ao aspecto subjectivo da conduta, ponderou-se o iter criminis do arguido, ou seja, a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento. 
Neste jaez, a versão trazida pela acusação/pronuncia merece, por isso, credibilidade atento o que supra se disse, produzindo prova bastante, analisada à luz da experiência comum e do normal acontecer, para convencer o tribunal que o arguido praticou os factos dados como provados.»
Como vemos, nessa fundamentação de facto não se faz apenas alusão ao que foi dito por cada um dos intervenientes ouvidos, é feita uma análise cuidada e bastante circunstanciada de cada um desses depoimentos e declarações, salientando-se os pontos de maior relevância e consonantes, as divergências e contradições, as fragilidades de alguns depoimentos e o porquê do seu atendimento, ou não acatamento. Tudo feito de forma criteriosa, com explicações lógicas na sua apreciação, e revelando um recurso adequado às regras de experiência e circunstâncias da vida que permitem inferir de todas as circunstâncias que rodeiam os episódios da vida em análise outros pontos que acabaram por ser ponderados e valorados, com recurso a presunções.
Reforçando
Reexaminada toda a prova produzida declarações do arguido, da assistente, e depoimentos das testemunhas, ouvidos na íntegra, ao abrigo do disposto no artº 412º, nº6, do CPP, não se vislumbra a pretendida incorreção de julgamento.
Aquilo que o recorrente explana ao longo de grande parte da motivação, com apoio a elementos da prova pessoal produzida durante o julgamento, mais não é do que a sua discordância com a forma como a prova foi apreciada mas não “impõe” decisão fáctica diversa da assumida pelo tribunal a quo (cf. o artº 412º, nº3, al. b), do CPP).
A real pretensão do recorrente neste momento é que se altere a matéria de facto de acordo com a sua própria convicção (e muitas vezes de acordo com as declarações que prestou, de “firme negação” dos atos ali narrados) – argumentando,  ao fim e ao cabo, que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou quaisquer agressões físicas e verbais, ameaças ou comportamento humilhante, que nenhuma prova foi produzida que indicasse que o arguido de alguma forma maltratou a ofendida, olvidando (porventura) que a respetiva decisão pertence em exclusivo ao tribunal, que apreciou a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção.
O princípio contido no já citado artº 127º do CPP estabelece também um critério para a apreciação da prova de carácter eminentemente subjetivo e que resulta da livre convicção do julgador, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos.
“Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também, elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível – elementos que tornam difícil senão mesmo impossível a motivação objectivada de todos os passos do processo interior que, na base indispensável dos dados objectivos carreados para o processo, conduziram à convicção do julgador. (…)
E, nesta matéria, (…) assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só os princípios da imediação e da oralidade, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso (…).
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.” (ac. da RE de 20/12/2005, processo nº 2489/05, www.dgsi.pt).
Não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal, documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª Instância na apreciação dessas provas.
E, conforme é habitual suceder quando estão em causa condutas lesivas de bens jurídicos pessoais, levadas a efeito entre pessoas ligadas uma à outra por um laço conjugal, atual ou já dissolvido, ou por outra relação, equiparada para tanto ao casamento, em que se incluem as realidades integradoras do tipo criminal da violência doméstica, a convicção probatória do tribunal de julgamento, relativamente aos factos objetivos geradores da responsabilidade criminal do arguido, assentou, em primeira linha, mas não exclusivamente, nas declarações prestadas pela ofendida, no caso constituída assistente e demandante civil, pois as referidas condutas ocorreram, quase invariavelmente, no interior do lar familiar e fora da presença de estranhos. Não sendo despiciendo falar nos registos de mensagens trocadas, que não foram impugnados, que constituem um fator confirmador, complementar, do ambiente existente entre o casal e do comportamento assumido pelo arguido no âmbito desse cenário, a que não é estranha a querela que os dividia quanto à continuidade da relação e, principalmente, à situação do filho.
Realce-se que, embora a assistente e demandante civil, ao invés do arguido, esteja vinculada ao dever de verdade e possa incorrer em responsabilidade criminal, se a ele faltar, as declarações por ela prestadas, devido ao seu posicionamento em relação ao objeto do processo, nunca poderão beneficiar da aura da isenção, do desinteresse ou da imparcialidade.
Daí não se segue, porém, que tais meios devam ser necessariamente preteridos no processo de formação da convicção do tribunal, já que umas declarações prestadas por um sujeito processual, com interesse no desfecho do processo, não têm inevitavelmente que deixar de ser sinceras e verídicas.
“A criminalização das condutas inseridas na chamada "violência doméstica", e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto de uma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, inflige ao cônjuge, ou a quem com ele convive em condições análogas às do cônjuge, maus tratos físicos ou psíquicos.
Assim, neste tipo de criminalidade, as declarações das vitimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que maus tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicilio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal.” (ac. da RL de 06/06/2001, relatado pelo Desemb. Adelino Salvado no proc. 34263, www.dgsi.pt).
Perante semelhante parametrização e a audição levada a cabo por este tribunal, constata-se que as considerações expendidas pelo recorrente mais não representam, como já se afirmou à saciedade, do que uma tentativa de impor a sua visão sobre a forma como devem ser avaliados os elementos probatórios recolhidos mas insuscetíveis de obrigar a uma diferente decisão sobre a matéria de facto.
A ausência de testemunhas presenciais (como é habitual nestes casos) não é crucial; nada impede que o tribunal atribua especial relevância às declarações da ofendida-demandante, posto que estas sejam consistentes e fiáveis; as declarações da demandante no que respeita às palavras ofensivas, achincalhantes e humilhantes que o arguido dirigia à assistente, são corroboradas pelo teor dos depoimentos dos pais e irmã desta, atendidos com as ressalvas apontadas na fundamentação, mas confirmadas pela prova documental, vide SMS.
Como bem se salienta no parecer do Ministério Público.
«E no que concerne à credibilidade das declarações daquela, devemos recordar e seguir o que se escreveu no Acórdão deste TRG, de 17/05/2010, proc. 1379/07.9PBGMR.G1, sendo seu relator o desembargador Cruz Bucho, e que dá inteira resposta à preocupação argumentativa do recorrente.
Diz-se nele, com absoluta clareza: “Lendo a motivação da decisão de facto, facilmente se constata que foram essenciais à formação da convicção do tribunal as declarações da assistente, que o recorrente pretende a todo o custo desvalorizar.
Contrariamente ao que o recorrente proclama quando o tribunal não dispuser de outra prova, as declarações de uma única testemunha, seja ou não vítima, de maior ou menor idade, opostas, em maior ou menor medida, ao do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias dos interessados se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.
O velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal [sobre aquela regra unus testis, testis nullius, cujas origens remontam a Moisés, as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Arnaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação, cfr., desenvolvidamente, Aurélia Maria Romero Coloma, Problemática de la prueba testifical en el proceso penal, Madrid, 2000, Cuadernos Civitas, págs. 69 a 91; muito antes, no domínio do processo civil português, Alberto dos Reis afirmara que “No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” (Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357)]”.»
Uma nota final para salientar que nada permite desconfiar do juízo formulado pelo tribunal de 1ª Instância sobre a credibilidade da assistente, e, por conseguinte, não merece censura a especial preponderância atribuída às respetivas declarações para a formação da convicção sobre a matéria factual provada.
O mesmo não se pode dizer do arguido, que teve como principal preocupação negar a prática dos factos, alegando um interesse insistente da ofendida na obtenção do divórcio, e na retirada do filho do contacto com o pai, que de alguma forma se compreende face à delicadeza da situação, mas que não justifica o despautério dos epítetos dirigidos à assistente, a insistência e repetição dos mesmos, desrespeitosos, agressivos, ameaçadores e humilhantes.
Improcede, em suma, a pretendida alteração da decisão de facto, não se vendo motivo para concluir que o tribunal a quo andou mal na delimitação da matéria de facto ou que errou na apreciação da prova.
*
Do in dubio pro reo

O recorrente sugere ter havido violação do princípio do in dubio pro reo, postulado do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
No processo penal não tem aplicação o ónus da prova formal, segundo o qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porquanto, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento. Em consequência, se uma vez produzida toda a prova, persistir uma dúvida razoável sobre determinados factos no espírito do julgador, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido. Sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena”. (Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 519.)
Conforme ensina Figueiredo Dias (- In Direito Processual Penal, I, pág. 215.), “relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação, e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa. Contudo, para tanto não basta dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade revelada nos autos. Da mesma forma que também não é suficiente a circunstância de terem sido apresentadas em audiência versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes.
Acresce que não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio. (Cfr. o acórdão do STJ de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.)
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente. Em suma, o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
No âmbito dos seus poderes de cognição sobre a matéria de facto, compete ao tribunal da relação sindicar a concreta utilização do princípio in dubio pro reo por parte da primeira instância. Com efeito, a violação desse princípio pode resultar da análise do texto da própria decisão recorrida e do processo decisório nela evidenciado, ocorrendo quando se concluir que o tribunal recorrido ficou em dúvida quanto a elementos que permitem estabelecer o grau de culpabilidade do arguido e, nesse estado de dúvida, decidiu contra ele.
Para além dessa situação, de verificação pouco frequente, a imputação da violação do princípio in dubio pro reo torna necessário demonstrar a existência de erro na apreciação dos meios probatórios produzidos, através do reexame dos mesmos, com vista a evidenciar que, em face da carência ou insuficiência da prova, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida quanto a factos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido.
No caso dos autos, como ressalta da motivação da decisão de facto, o tribunal a quo considerou provados os factos impugnados para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem ter dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos, não decorrendo da sentença a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável, motivo pelo qual não houve que a valorar a favor do arguido.
Com efeito, o tribunal recorrido, como se disse supra, dando a conhecer o processo de formação da sua convicção, procedeu a uma explicitação das declarações da assistente, do arguido e dos depoimentos das testemunhas que acolheu, e das que não acolheu, bem como das razões porque lhes foi atribuída, ou não, credibilidade, não havendo outros elementos probatórios a ponderar quanto aos factos ora impugnados, por não terem sido produzidos, já que o próprio arguido, embora negando os factos, acabou por admitir a participação nos episódios factuais apurados, e assumiu a autoria das mensagens enviadas à assistente. Baseou-se, pois, o tribunal de 1ª instância num juízo de certeza e não em qualquer juízo dubitativo.
Por seu lado, pelas razões expostas supra, a propósito dos depoimentos em que o recorrente estriba a sua impugnação, e da convicção que dos mesmos retira, da análise desses depoimentos e das declarações apontadas, concluímos pela inexistência de razões que devessem ter levado o tribunal a ficar com qualquer réstia de dúvida sobre os factos impugnados. Em suma, a prova produzida em audiência permite claramente concluir pela verificação desses factos, sem qualquer afrontamento das regras da experiência comum ou apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, pelo que nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido em primeira instância, subtraído a qualquer dúvida, nada havendo a alterar.
Pelo que, não se verifica a violação desse princípio basilar do direito probatório, emanação do princípio da presunção da inocência estabelecido no art. 32º, nº 2, da CRP, como alvitrado pelo recorrente.
Pelo que, também por aqui improcede a impugnação do recorrente.
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Da Qualificação Jurídica

Crime de violência doméstica
A inocuidade dos factos descritos na sentença para o preenchimento dos elementos típicos de um crime de violência doméstica.
A este respeito, alega o recorrente que não existem, assim, factos que permitam manter a condenação do arguido pela prática dum crime de violência doméstica (art. 152º CP), devendo, pelo que, na procedência do presente, dele deve ser absolvido.
É evidente que esta posição do recorrente tem como pressuposto necessário a procedência do recurso na parte respeitante à matéria de facto, que a vingar faria cair por terra o preenchimento dos elementos típicos que enformam o ilícito de violência doméstica. Porém, não foi esse o resultado alcançado na sua impugnação, seja pela via da imputada nulidade por falta de fundamentação, seja pelo invocado erro de julgamento.

Deste modo, o que importa desde já saber, no presente caso, é se os fatos dados como provados, tal como foram fixados em 1ª instância, e sem cuidar de analisar a impugnação invocada,  preenchem os elementos do tipo de ilícito de violência doméstica, previsto no art. 152º do C. Penal:

“Artigo 152.º
Violência doméstica
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.”

No que concerne a este crime de violência doméstica, a reforma penal de 95 introduziu significativas alterações neste domínio, enfrentando a importância crescente de agressões, humilhações, vexames, insultos e outros atos que acontecem, designadamente, no âmbito familiar e conjugal.
A necessidade de criminalização de tais condutas, apesar de encapotadas, adveio da progressiva consciencialização acerca da gravidade, por se tratar de um fenómeno social de proporções alarmantes e altamente lesivo pelas suas repercussões ao nível da formação individual e da integridade do próprio tecido social.
Condutas de que são vítimas pessoas particularmente vulneráveis e indefesas em razão dos vínculos, nomeadamente de natureza familiar ou análoga, que as ligam às pessoas dos seus agressores e em resultado dos quais se estabelecem entre estes e as vítimas relações de subordinação ou de domínio de facto, que as colocam em situação de dependência económica e/ou emocional.
O tipo de ilícito em apreço, integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo relativo aos crimes contra a integridade física, visa tutelar, não a comunidade familiar e conjugal, mas sim a pessoa individual na sua dignidade humana, abarcando, por isso, os comportamentos que lesam esta dignidade. (Como refere Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense, I, pp. 329 a 339).
Assim, o bem jurídico protegido por este tipo de crime – a saúde física, psíquica e mental – é complexo e pode ser atingido por todos os comportamentos que afetem a dignidade pessoal da vítima. (V. Ac. da RP de 31/1/2001, p. 0041056-in dgsi.pt.).
O preenchimento do tipo legal não se basta com qualquer ofensa à saúde física, psíquica e emocional ou moral da vítima: «O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à degradação pelos maus tratos» (Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, nº 8, p. 305).
Por outro lado, tal crime pode unificar, através do elemento da reiteração – embora este seja hoje um requisito não imprescindível – uma multiplicidade de condutas que, consideradas isoladamente, poderiam integrar vários tipos legais de crime, mas que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma.
A unidade de ação típica não é excluída pela realização repetida de atos parciais, quer estes atos integrem, ou não, em si mesmos, outros tipos de crime. O tipo legal inclui na descrição da ação uma pluralidade indeterminada de atos parciais. Trata-se do que, na doutrina, é designado por realização repetida do tipo (21 Cfr., designadamente, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., pp. 998-999, e Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, pp. 546-547).
Muito embora, em princípio, o preenchimento do tipo não se baste com uma ação isolada do agente (tão-pouco com vários atos temporalmente muito distanciados entre si), já vinha sendo entendido pela jurisprudência que, em certos casos, uma só conduta, pela sua excecional violência e gravidade, basta para considerar preenchida a previsão legal. (V., entre outros, os Acs. do STJ 14/11/97, CJ 3º/235, de 5/4/06 (p. 06P468) e de 6/4/06 (p. 06P1167) e da RE de 29/11/05 (p. nº 1653/05-1).
A entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 4/9 introduziu algumas alterações a tal ilícito, mas, no essencial e para o que aqui interessa, continua a ser punível, e em termos idênticos, a conduta do agente que inflija maus tratos físicos ou psíquicos à pessoa do seu companheiro, esclarecendo-se, então expressamente, que tal atuação pode ser “de modo reiterado ou não” e que aqueles maus tratos incluem “castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais”.
Todavia, no que respeita ao segundo dos elementos mencionados e tendo presente apenas o conceito de “maus tratos físicos”, há que atentar em que não basta para o seu preenchimento que o agente pratique factos que se subsumam na previsão do art. 143º, n.º 1 (ofensas à integridade física simples). É, também, necessário, que a atuação atinja o bem jurídico tutelado com a incriminação em apreço, ou seja que lese a dignidade, enquanto pessoa, da vítima (Cfr. Taipa de Carvalho, ob. Cit., p. 332). E para tal, não basta a simples e/ou isolada agressão ao cônjuge.
Necessário é que a conduta do agente, nesse conspecto, seja ofensiva do bem-estar da vítima, considerado, quer numa perspetiva física, quer numa vertente psíquica e mental.
Por outro lado, por regra, relevam as condutas que se traduzam na prática reiterada de agressões a tal bem jurídico. Em caso de agressão isolada, por regra, estar-se-á apenas diante da possibilidade de verificação de um crime de ofensa à integridade física, de ameaça, de injúria, de coação, etc.
E, a partir da Lei 19/2013, de 21/2, o preceito passou a abranger as aludidas condutas quando sejam relativas, não apenas ao ex-cônjuge, mas também a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
Voltando ao caso concreto, importa analisar, e caracterizar, o quadro global da imputada agressão essencialmente psíquica, mas também física, de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos, o que por si mesmo, constitui, nas palavras de Nuno Brandão (“Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, n.º 12 (Especial), 2010), «um risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima», e impõe a condenação pelo crime de violência doméstica.
O que releva é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela  pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma é susceptível de se classificar como “maus tratos”. Conforme se escreveu no Ac. da RE de 30-06-2015, P. 1340/14.7TAPTM.E1, relatora Ana Brito).
Sendo certo que, «essa conduta deverá revelar ainda um “plus” de danosidade, quando, face ao restante entorno factual se pode concluir pela sua adequação a afetar a dignidade pessoal do outro elemento do casal». Esta decisão foi sintetizada pelo seguinte modo: «A imagem global do facto e a apreensão/percepção de todo o episódio de vida em apreciação relevam na delimitação da fronteira entre condutas que têm dignidade punitiva à luz do tipo de crime de violência doméstica e aquelas que não devem relevar para o direito penal, aqui. Condição necessária para a intervenção penal é sempre a ofensa efectiva de um bem jurídico (digno de protecção penal). A ratio do tipo “violência doméstica” não reside, na protecção da família, mas na protecção da pessoa individual na família, na tutela da sua dignidade, protegendo-a de um abuso de poder na relação afectiva. Ocorrendo os factos provados num quadro de relacionamento conjugal deteriorado, mas em que, apesar dessa degradação, os cônjuges se foram mantendo livremente no casamento, sem posições de dominância de um sobre o outro, interagindo sempre em condições de paridade e igualdade conjugal, uma agressão isolada e pouco intensa, que atingiu a integridade física da assistente, e outras ofensas pontuais ao seu bom nome, embora merecedoras de censura penal, não encontram tutela à luz do art. 152º do CP, e sim dos arts 143º, nº 1 do CP e 181º, nº1 do CP.».
Ou, ainda, como se salientou, duma forma, porventura mais impressiva, no sumário do Ac. deste Tribunal de 15-10-2012, relator Fernando Monterroso:
«A delimitação dos casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, deve fazer-se com recurso ao conceito de “maus tratos”, sejam eles físicos ou psíquicos. Há “maus tratos” quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima». (Cfr. Ac. RG, de 14/09/2020, relatado por Ausenda Gonçalves, in www.dgsi.pt)
Se da imagem global dos factos não resultar este quadro de maus tratos, nos moldes e com os referidos contornos, que justifiquem aquela especial tutela e punição agravada, a situação integrará a prática de um ou dos vários crimes em causa e que de outra forma seriam consumidos por aquele.
Como se disse, o recorrente, para sustentar a não verificação dos requisitos do crime de violência doméstica começa por direcionar o seu entendimento para o domínio dos factos ou para o juízo que faz sobre o que deveria ser tido por provado.
Naturalmente que, não podendo confundir-se matéria de facto com matéria de direito, uma vez que se nos afigura poder ser ultrapassada essa questão da procedência, ou improcedência total da impugnação da decisão sobre aquela, a subsunção jurídica vai ser feita mediante a matéria de facto já tida por fixada.
 Quanto à imputação deste crime de violência doméstica ao arguido e ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos deste ilícito vamos aqui transcrever o que foi exarado na sentença proferida em 1ª instância, que sufragamos:
“ (…)
A conduta do agente concretiza-se através do emprego de maus tratos físicos (ofensas corporais simples) ou psíquicos (humilhações, provocações, molestações, etc.) – vide Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, p. 333.
 Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, pág. 405, “Os “maus tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas (…), incluindo toda e qualquer perturbação psíquica, tenha ou não reflexos físicos). 
“ (…) 
Como resulta do texto da norma, o crime de violência doméstica não exige reiteração. Ainda assim, pelas suas características é usualmente um crime que se comete de forma reiterada e, neste sentido, podemos distinguir dois vectores: o da habitualidade e o da intensidade dos actos. Seja um acto isolado ou reiterado, se se verificar que apreciado à luz da intimidade do lar, coloca em sério risco a vida em comum, por reconduzirem a pessoa ofendida a vítima, de forma permanente, ou não, a um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, encontramos preenchido o tipo de violência doméstica.» (Inês Fonseca Mendes, A natureza jurídica do crime de violência doméstica conjugal: uma perspectiva crítica)[16].” (negrito e sublinhado nossos)
Como se defendeu no Ac. TRG. nº 28/22.0GCLRA.C1, de 21-06-2023, in www.dgsi.pt “A qualificação de uma conduta como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um determinado tipo de ilícito, designadamente uma ofensa à integridade física, da mesma forma que a aptidão de determinada acção para preencher este tipo legal não significa, per se, a verificação do crime de violência doméstica, tudo dependendo da «respectiva situação ambiente e da imagem global do facto». V – O preenchimento do conceito de mau trato não exige que a concreta conduta violenta se traduza numa lesão grave ou num tratamento cruel ou brutal. VI – A violência doméstica não deve ser entendida como o mero somatório das acções violentas, típicas ou atípicas, praticadas pelo agente contra a vítima, mas antes o que desse conjunto de acções, globalmente considerado, resulta e a sua aptidão para afectar de forma significativa a saúde física, psíquica e moral da vítima e, por essa via, a sua dignidade. VII – A reiteração não é elemento imprescindível ao preenchimento do tipo objectivo da violência doméstica, embora seja pressuposta como conduta ‘norma’, e daí que o crime seja qualificado como crime habitual. VIII – A execução é reiterada quando cada acto concreto, cada conduta parcelar, realiza parcialmente o evento, constituindo o somatório dos eventos parciais, o resultado, o evento unitário, o crime único. IX – A reiteração traduz um estado de agressão permanente, não no sentido de que as condutas violentas sejam constantes, mas no sentido de que traduzem o comportamento padrão do agressor, através do qual se revela a relação de sobreposição do agente sobre a vítima, proporcionada pelo ambiente familiar ou de proximidade social, da qual resulta um tratamento incompatível com a sua dignidade.” (negrito nosso)
“Já os maus tratos psíquicos são mais difíceis de caracterizar, porque se podem traduzir numa multiplicidade de comportamentos ativos e omissivos, verbais e não verbais, dirigidos direta ou indiretamente à vítima, que atingem e prejudicam o seu malestar psicológico, nomeadamente, ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desvalorizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, criticar, desprezar, rejeitar, ignorar, descriminar, manipular e exercer chantagem emocional sobre a vitima.
Há que considerar como abrangidos pelo tipo penal os casos de “micro violência continuada”, caracterizando-se pela opressão exercida e assegurada normalmente através de repetidos atos de violência psíquica, que apesar da sua baixa intensidade quando considerados avulsamente são adequados a gerar grandes transtornos na personalidade da vítima quando se transformam numa padrão de comportamento no âmbito da relação” (negrito nosso)
Destarte cumpre concluir, tendo em conta a factualidade dada como provada, que foi feita prova de que com a sua conduta o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de que vem acusado, pelo qual deverá ser condenado.”
Relativamente à factualidade típica da violência doméstica, trata-se de um crime “de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir nas mais variadas acções ou omissões” Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8 (especial), p. 306..
Contrariamente ao defendido pelo recorrente, os factos em apreço não são criminalmente inócuos, carregando em si evidente intenção criminosa.
Ainda que um ou outro, de per si, pudesse assumir menor ressonância, e não obstante o distanciamento temporal que separa a perpetração de alguns deles, afigura-se-nos não existirem dúvidas que globalmente considerados, mesmo circunscritos a um longo período de tempo, são reveladores de um comportamento de um constante importunar, maltratar verbalmente, achincalhar, amesquinhar, ameaçar e importunar fisicamente a assistente, de uma vontade plenamente conseguida de a humilhar, inclusive perante os seus familiares. Aproveitando-se de uma evidente vulnerabilidade e indefesa da vítima, explicável em razão dos vínculos de natureza familiar que os ligava, e em resultado dos quais se estabelecem relações de subordinação ou de domínio de facto, como os factos denotam, que com certeza a colocavam em situação de dependência económica e/ou emocional perante o seu marido. Repare-se que na fase inicial, antes da separação, os autos não reportam que a assistente exercesse qualquer profissão ou atividade económica, tendo começado a trabalhar na empresa constituída pelo arguido e por um primo. São manifestas as preocupações resultantes do facto do arguido ter deixado a empresa onde inicialmente laborava, e das repercussões que daí poderiam resultar na situação económico/financeira, bem como do mesmo tipo de situação que acabou por afetar a empresa EMP01..., Lda.  
Dentro dessa panorâmica, suficientemente caracterizada na factualidade considerada assente, são patentemente adequadas a ofender, assustar, humilhar e aviltar a então sua mulher, como resulta da factualidade constante dos números: 5. (Com uma frequência não concretamente apurada, desde o ano de 2014, o arguido, dirigindo-se à assistente, dizia que era uma “burra, palerma, atrasada mental, sopeira, estúpida, uma merda”.), 15. (No dia 21 ou 22 de Março de 2019, no quarto do casal, na sequência de uma conversa em que debateram as dificuldades económicas da empresa, o arguido, dirigindo-se à assistente, disse “tu és uma merda, o trabalho que fizeste foi uma merda, não vale nada, é uma perda de tempo, não andas a fazer nada há dois meses à conta disso”.), 23. (No dia 30 de Abril de 2019 a assistente, juntamente com o seu filho, foi residir para .... 24. (Contudo, não obstante a separação, o arguido, por não a aceitar, através do Messenger, WhatsApp ou correio electrónico, envia mensagens à assistente de teor ofensivo, e tenta prejudicá-la profissionalmente, quer fazendo comentários em páginas de facebook de índole profissional, quer endereçando mensagens de correio electrónico a parceiros de trabalho e imprensa, tendo-lhe bloqueado o acesso aos endereços de correio electrónico e às redes sociais relacionados com a empresa de ambos.), 25.       (Assim: No dia 8 de Outubro de 2019, na página de facebook da “...” e num comentário à publicação “as nossas talentosas JJ e KK do projecto #..., vão estar dia 10 de Outubro na “...”, (…), o arguido escreveu “A fazer-se passar pela empresa que abandonou em Guimarães, EMP01..., e isto em Guimarães…! Mentir e Roubar é o seu forte. #... Inacreditável a lata com que o faz! ...; 26. (Em data não concretamente apurada, no perfil de facebook de “LL”, num comentário à publicação “olha só… JJ”, acompanhada da fotografia de uma televisão onde se vê publicidade à marca “...”, o arguido escreveu “JJ. Por ela nem no diário insular… depois de muito trabalho Eu meti esse cartaz a passar na .... Bjs”; 27. (No dia 18 de Fevereiro de 2020, pelas 17h12, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico para parceiros profissionais e imprensa, com o seguinte teor “Exmos Srs. Na sequência das vossas publicações nas redes sociais, referentes à empresa ..., empresa instalada no ..., vimos informar que esta, tem vindo a utilizar conteúdo, para a sua promoção, pertencente em exclusivo à empresa EMP01... Lda. .... As imagens, textos e participações em feiras internacionais, para apresentação de coleções ecológicas, são da autoria e propriedade da empresa EMP01... Lda e esta não deu qualquer tipo de aval para a sua utilização. Desta forma, vimos solicitar a remoção das mesmas de todas as vossas plataformas (…)., 28. (No dia 30 de Abril de 2020, no perfil de facebook de “MM”, o arguido, através do perfil da empresa “EMP01...”, publicou o seguinte comentário: Pena que a JJ se tenha tentado apoderar de um percurso da empresa EMP01..., que não lhe pertence de todo, muito menos o projecto do “...”! É inacreditável como se tenta apoderar desse projecto, e fala do que nem sabe, nem tem qualquer conhecimento… nunca adquiriu qualquer tear, nem nunca trabalhou neles mas, sim a empresa EMP01.... Uma vergonha esta dita “designer”, com 12ºAno, não tendo qualquer formação, alega, que investiu algum dinheiro, quando nunca colocou um cêntimo em qualquer projecto! Sempre foi e continua a ser financiada!”), 29. (A assistente, no ano de 2019, foi informada pela “...”, de que tinha ganho o prémio “...”, tendo procedido ao pagamento do valor devido para estar presente na Gala de entrega de prémios.), 30. (Sucede que, o arguido, no dia 10 de Maio de 2019, fazendo-se passar pela própria assistente e com recurso ao endereço de correio electrónico profissional, procedeu ao cancelamento da recepção do prémio, tendo, no dia 14 de Maio de 2019, pedido o reembolso das inscrições na Gala.), 31. (No dia 29 de Junho de 2019, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico para a ... (...”, sita em ..., ..., a cancelar o arrendamento do espaço de escritório que a assistente, através de concurso, havia conseguido, alegando que a marca “...” não era propriedade da mesma.), 32. (Nessa altura, a assistente apenas não perdeu o espaço naquele local, porque lhe foi permitido pela ... concorrer a título individual.), 35.  (Assim, via aplicação WhatsApp, o arguido enviou as seguintes mensagens à assistente:  no dia 15 de Junho de 2020, entre as 00h46 e as 0h130: “o que pretendes falar comigo sobre o meu filho? Ainda não percebeste que não és capaz de avaliar e priorizar os interesses dele? Só o prejudica com os teus crimes diários, mentiras e manipulações. Enganas toda a gente queres que fale contigo?! Trata-te”; “Até mentir já lhe ensinaste puta”; “Família de mentirosos (todos) (…)”; “Ordinária”; “Traidora”; “És mesmo maquiavélica”; “Doente”; “És uma farsa”; “Continua a seguir o que fica escrito pelo tribunal que pode ser que se vire contra ti”;  No dia 16 de Junho de 2020, entre as 21h46 e as 21h52: “Olha tamanha hipocrisia, mentira e desequilíbrio que tens e és”; “Mais falsa não podias ser”; “Falsa”;  No dia 29 de Junho, entre as 21h02 e as 22h37: “Informo-te que, o teu contacto isolado, a dares conta do NN, notas e consultas, num período de 1 ano, só demonstra a tua estupidez. O teu plano de excluir o Pai e restante família, da vida do NN é um perfeito disparate e mostra bem a tua mente doente e perturbada, que já qui a demostravas. Toda a gente sabe, diz e fala, da tua prepotência, igoismo, falta de educação e princípios, e mentiras constantes… O tua ambição, que nunca irás alcançar, ultrapassa tudo o que é razoável e causa danos que irás pagar, seja a que custo for. Acredita que não irás sair deste teu esquema maquiavélico sem devolveres tudo o que deves a tanta gente”; “não te esqueças de pagar tb o carro que roubaste aqui de casa”; “És tao estupida”; “Vai pá puta que te pariu mais os teus agradecimentos”; “Infidelidade = Crime Subtração de menor = Crime Roubo de património = Crime Violência doméstica = Crime Violência doméstica a menor = Crime Abandono do posto de trabalho = Crime Desvio de clientes = Crime Desvio de parceiros = Crime Roubo de marca = Crime Concorrência desleal= Crime Consulta de dados confidenciais = Crime Mentir em tribunal = Crime Aleanação parental = Crime Manipulação = Crime ETC…”; “Não tens noção do que fizeste porque és inconsciente”; “Trata-te e depois irás perceber a besta que és”; “Paz é uma coisa que nunca mais irás ter”; “És mesmo maquiavélica”; “Da te jeito depois de toda a merda que fizeste”; “Nojenta”; “As tuas respostas reduzidas mostram bem que tens o rabo entalado, o que toda a gente sabe”; “já mudavas essa foto em que estás bêbada”;  No dia 1 de Julho de 2020, pelas 20h29: “Quando pensares que tudo acabou será o inicio do teu fim”;  No dia 6 de Julho de 2020, entre as 23h24 e as 23h55: “só depois de pagares tudo o que devea” (depois de a assistente lhe ter dito para a deixar em paz”; “sem o que te dei não és nada”; “continuas a usar o que não é teu”; “Podes apagar o teu site em vez de serem outros a fazê lo”; “nada do que lé tem é teu”; “O MEU FILHO É TUDO E NÃO NADA COMO FALAS PORQUE NEM QUERES SABER DELE NEM DE NINGUÉM”; “Zé ninguém”; “é melhor começares a pensar regista o ... para as tuas barracas”;  No dia 7 de Julho de 2020, entre as 21h01 e as 22h51: “Boa noite, estou a organizar a minha casa, e uma vez que tens aqui coisas tuas, informo te que já estão todas embaladas, em caixas de cartão, para os poderes levantar. Caso contrário serão entregues/doadas, esta quinta feira na cercigui”; “peço desculpa mas, após análise, passo a corrigir. Uma vez que estás há mais de um ano sem residir ou mesmo vir a esta residência tens apenas 30 minutos, a contar, desde a hora que eu receba o recibo de leitura desta mensagem, para dizeres o que pretendes fazer com as tuas coisas. Caso contrário amanhã de manhã serão entregues na cercigui”; “22h33”; “é a hora”; “OK, já tiveste o teu tempo”; “amanhã serão entregues as caixas”;  No dia 14 de Julho de 2020, entre as 18h44 e as 18h47: “És tão ordinária que continuas a insultar-me juntamente com o teu Tio e a dizer só mentiras… o cerco está-vos a ficar apertado e já não sabem por onde ir…”; “Vales zero”; “isso já não é orgulho próprio mas sim estupidez”; Teste psiquiátrico e de álcool sim, vais ter que fazer porque sabes bem que tens problemas graves”; “Como disse o teu Tio, sabendo de todo o esquema maquiavélico e de mentiras, “vai haver sangue” (OO)”; “vocês são mesmo doentes”;  no dia 17 de Julho de 2020, entre as 21h21 e as 21h24: “devias ter vergonha da pessoa que és!”; “Eu tengo orgulho de não ser nojento como tu”; “Sem princípios como tu”; “Infiel”, “fraudulenta”, Ladra”; “É doentio”.); 37. (Assim, após o dia ../../2020, o arguido retomou o envio das mensagens via WhatsApp para o telemóvel da ofendida:  No dia 8 de Setembro de 2020, entre as 21h03 e as 21h43: “o NN, continua a dizer que não quer voltar para a Terceira nunca mais. Nunca falaste com ele sobre o assunto o que só me tem causado problemas e instabilidade nele. O teu igoismo e vontade de me diminuíres, é tão grande que te estás a marimbar para o bem estar dele. Isso eu nunca te vou permitir.
Ou mudes de atitude ou iremos ter que tomar mais medidas”; “Hoje queixou se de que nem sequer te importas te em saber dele mas sim onde estava, onde ia dormir, onde ia… Andas a perseguir e com as tuas manias”; “O teu telefonema ao teu Tio a pedir para falar com a tua amiga juíza para te dar a guarda do NN é de muita imaginação”; “Quando não tens roubas”;  No dia 24 de Setembro de 2020, entre as 21h09 e as 21h27: “Para tua informação, o NN faltou 2 dias as aulas porque tinhas as passagens marcadas para dia 10… Tu é o teu advogado só sabem mentir e metem nojo”; “Fazes te de Santa e és um nojo completo”; “Igoista de merda”; “és tão estupida”; “Não prestas”; “Porque gostas de mentir”; “E não fazias te de mula”; “Só quando pretenderes falar sério e sem mais mentiras estarei disponível”; “Já tu nem com a merda do namorado novo te manténs entretida”; . “Tens ódio dentro de ti”; “Estás convencida do contrário porque os sonsos da tua família ainda te apoiam”;  No dia 28 de Setembro de 2020, entre as 19h39 e as 19h49: “não voltes a interromper, nunca mais, o telefonema que tenho com o meu filho. O teu egocentrismo NÃO PODE afectar o NN. Se tens problemas trata-te”; “Vê se atinas miúda”; “A tua necessidade de te impores sempre foi visível aos olhos de todos”; “És malcriada”;  No dia 9 de Outubro de 2020, pelas 22h06 e 22h07: “estas bimba e gorda como um chibo”, “no melhor nas tuas origens”, acompanhadas da fotografia da assistente e de três emojis de vacas;  No dia 14 de Outubro de 2020, entre as 20h28 e as23h37: “vocês são todos doentes e ainda tens a lata de dizer que eu é que tenho de ir ao psicólogo”; “És doente meso”; “És burra como um sapato”; “Não querias um casamento falavas e não fugir como uma cobarde a roubar tudo e todos; “Tu não disses nada… És a culpada de tudo e irás pagar por isso mais tarde ou mais cedo”; “agora desemerda te sozinha porque não me tens para abafar as tuas mentiras”; “enquanto não baixares os cornos não irás conseguir fazer nada, nem comunicar comigo saudavelmente, o que é fundamental para o NN. Mas como sempre estás te a cagar para ele é o teu umbigo é que interessa”; “antes não fui visitar porque não quis e agora vens com as tuas teorias… És completamente descompensada”.), 44. No dia 19 de Outubro de 2020, entre as 20h26 e as 20h27, mandou, ainda, as seguintes mensagens para o telemóvel da assistente: “és doente mental”; “mentirosa de merda”; “tu é que estás doida”); 45. (No dia 28 de Novembro de 2020, o arguido enviou uma mensagem de correio electrónico para o endereço de correio electrónico da ofendida, dirigindo-lhe, as seguintes expressões “és um zero em todos os sentidos”; “terás de pagar a minha cota parte, para o resto da tua vida”; “poderás limpar o cu às coisas que andas a fazer e que não te pertencem, e terás o que mereces. És uma vergonha e um nojo de pessoa”.); 46. (Nesse mesmo dia, na rede social facebook e na sequência de publicações de índole profissional postadas pela assistente nos dias 10, 17, 23 e 27 de Julho de 2020, 10 e 25 de Agosto de 2020, 28 de Setembro de 2020, 27 de Outubro de 2020, 10, 17, 24 e 26 de Novembro de 2020, o arguido, através do seu perfil pessoal, publicou os seguintes comentários: “conteúdo roubado e por isso impróprio nesta página”; “roubar o conteúdo de outra empresa é crime. Juízo”; “tirar a formação académica mas que não tirou… ou seja diz que é, mas não é “Trabalhos roubados de outras empresas, vergonhoso”.)»  
Ora, atentando-se na matéria de facto provada, resulta, cremos, claramente demonstrado que as condutas do arguido são subsumíveis no tipo legal de crime em referência, porquanto o mesmo empreendeu, de forma reiterada, um comportamento para atingir a ofendida, sua cônjuge, na sua integridade física e psíquica e, mais amplamente, na sua dignidade enquanto pessoa humana, inclusive no interior do domicílio comum, sendo de notar uma clara postura do arguido no sentido de subjugar e humilhar a vítima, o que constitui um aviltamento intolerável da dignidade de qualquer pessoa, consubstanciado o quadro geral de violência, vexação e humilhação em que se traduz a violência doméstica.
São atos repetidos ao longo de um determinado período de tempo, embora com mais incidência após a separação da casal, inequivocamente demonstrativos de uma conduta maltratante, humilhante e de apoucamento, e bem assim, suscetíveis de conduzir ao preenchimento do tipo criminal de violência doméstica, principalmente na vertente dos “maus tratos psíquicos”, muito embora também se tenha verificado um episódio que retrata ofensas físicas e ameaças veladas.
A circunstância agravante do nº2 al. a), do artº 152º do CP - domicilio da vítima, próprio ou comum ao agressor – consolidou a necessidade de uma tutela acrescida, “num contexto em que é no domicílio que se multiplicam as agressões a coberto de uma certa sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e pela ausência de testemunhas” Plácido Conde Fernandes, ob. cit., p. 314, para além da agressão física ter sido perpetrada na presença do filho menor.
A subsunção dos factos considerados assentes ao crime de violência doméstica também p. e p. nos termos do referido nº 2 al. a), do artº 152º é correta, encontrando-se bem explanada na sentença recorrida, de forma precisa e detalhada.
Assim como nenhuma dúvida suscita a conexão dos ditos factos com o elemento subjetivo do tipo criminal introduzido nos Factos Provados 47 a 49.
Trata-se de ilícito necessariamente doloso e o elemento subjetivo está claramente espelhado naqueles factos provados; ao consignar, especificamente, que “47. (Ao atuar como descrito, o arguido quis maltratar física e psicologicamente a assistente, sua esposa, objetivos que perseguia e alcançou na totalidade e com intenção de:  a. com as agressões, a magoar fisicamente;  com os insultos atingir a honra, consideração e dignidade pessoal da sua mulher; com as ameaças, de lhe causar medo e inquietação;  com os telefonemas, impor a sua presença e perturbar a paz e sossego.); 48.( O arguido sabia ainda que praticava os factos supra descritos em 5. a 11., 16., 17., 20. e 21. na habitação do casal e na presença do filho menor de ambos.); 49.(Agiu ainda o arguido sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.»
Entendemos, pois, que as condutas previstas no artigo 152.º emergem do facto dos maus-tratos decorreram de uma relação de poder versus submissão/dependência, em contexto familiar, verifica-se uma situação de vulnerabilidade ou fragilidade da vítima face ao agressor, que a mantinha submissa e amedrontada. E, segundo cremos, é com base nesta relação de confiança, que é expectável em qualquer seio familiar, ou não sendo em contexto familiar entre uma pessoa com algumas fragilidades face ao agressor, que levou o legislador a autonomizar este tipo de condutas que, por se situarem num contexto relacional, propendem para a reiteração ou até permanência, diferentemente do caráter ocasional das simples ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças.
Portanto, o que aqui está em causa é não só a saúde física e mental mas, também, a dignidade, a liberdade e a autonomia da pessoa, enfim, a integridade física, psíquica e moral da ofendida inserida num contexto relacional assente num vínculo ou numa expectativa legítima de confiança.
Assim, verificamos que são várias e diferentes as condutas passíveis de preencherem o tipo de ilícito no caso vertente, desde as ofensas corporais, a humilhações, injúrias e ameaças, entre outras.
Porquanto, os factos praticados, isolados ou reiterados, integrarão este tipo legal de crime se, apreciados à luz do circunstancialismo concreto da vida familiar ou tão só afetivo/amoroso, a sua repercussão sobre a mesma, transmitirem este quadro de degradação da dignidade de um dos elementos, incompatível com a dignidade e liberdade pessoais inerentes ao ser humano.
No crime de violência doméstica, o conceito de maus tratos, de que fala a norma, exige o desprezo, humilhação, especial desconsideração pela vítima e a gravidade destas manifestações.
(…) Com efeito, a letra da lei, ao englobar no tipo objetivo a existência de uma mera relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, aponta claramente no sentido de não exigir para o preenchimento do tipo a exclusividade da relação ou até a necessidade de uma habitação comum. Porquanto, como se disse, importa considerar a natureza do bem jurídico tutelado pelo tipo de crime – a integridade física e moral, no quadro de uma relação afetiva, de proximidade existencial e interdependência emocional -, justificando um quadro legal penal de proteção aos membros dessa relação, emergente da sua especial fragilidade resultante da exposição e entrega pessoal recíproca, que é característica desse tipo de relacionamento.
Em suma, apuraram-se uma série de condutas, compreendendo ofensas corporais, humilhações, injúrias e ameaças, (umas verificadas naquela que era a habitação do casal e outras por via de SMS enviados por meios eletrónicos), que integram sem dúvida o tipo de crime de que vem o arguido acusado, transmitindo, nos termos aludidos, um quadro de degradação da dignidade da ofendida, bem como da confiança que deveria existir. As condutas do arguido revelam uma total indiferença pela ofendida, humilhando-a e rebaixando-a a um nível desumano e indigno, quer através da agressão física, quer através das agressões psicológicas e emocionais com completo desrespeito pela pessoa que foi com quem durante anos partilhou momentos íntimos.
O comprovado comportamento assumido pelo arguido durante o período em que esteve casado e partilhou habitação com a assistente, e após a separação  do casal, é, pois, manifestamente passível de preencher o conceito de “maus tratos” que a lei exige para que se consubstancie a prática do ilícito de violência doméstica, extravasando do mesmo que sempre manifestou desprezo, desejo de humilhar, de vexar, e total desrespeito e desconsideração pela sua então mulher, e mãe do seu filho.
Em situação idêntica ao caso vertente, escreveu-se no acórdão do TRC de 07-10-2009, Proc. 317/05.8GBPBL.C2, com o relator Mouraz Lopes: a “ocorrência de várias condutas reiteradas no tempo, diferenciadas no grau e no tipo de conduta, que por si só não assumam uma especial gravidade mas que quando interpretadas e vistas no enquadramento de uma relação conjugal assumem ou podem assumir claramente uma conformação de maus tratos. Ou seja, ao longo de um determinado período de tempo, no âmbito da relação conjugal, um dos cônjuges, agride, humilha, ameaça, injuria ou pratica outros actos que põem em causa a saúde do cônjuge, mesmo que não revista cada um deles de per si uma gravidade significativa”
 Pelo que, não subsistem dúvidas que os factos provados, que aqui damos por reproduzidos, preenchem os elementos típicos objetivos e subjetivo que preenchem o ilícito penal de violência doméstica imputado ao arguido, pelo que improcede a sua posição a este título tomada.
Refira-se aqui, tal como já salientado na sentença recorrida, que a querela mantida entre o arguido e a assistente quanto às responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos em nada justifica as condutas assumidas por aquele.
Face ao exposto, e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou culpa, teria o arguido de ser condenado, como foi, pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152º, nº 1, al. a) e nº 2, alínea a), do Código Penal.”
Improcedendo também esta sua posição.
*
Da indemnização civil

Vejamos.
A assistente/demandante formulou pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do arguido/demandado no pagamento, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 20.000,00. Cfr: Ref: ...67
Também havia peticionado, no mesmo articulado, a condenação daquele demandado em danos de natureza patrimonial, a liquidar indemnização (danos emergentes e lucros cessantes), acrescidos de juros, mas, por despacho de fls. 871 dos autos, o PIC formulado foi parcialmente rejeitado, concretamente no que a este pedido concerne.

Na sentença sob escrutínio foi decidido:
«- Parte Cível: 
Julga-se o pedido de indemnização cível, parcialmente, procedente, e, consequentemente:
1. Condena-se o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
2. Custas de acordo com os decaimentos»

O recorrente insurge-se, também, contra este segmento da decisão proferida, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante/assistente, alegando para tanto:
“O demandado, ora recorrente, foi condenado a pagar à demandante, BB a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais.
O recorrente, pugna pela revogação da sentença, pelo que o pedido de indemnização cível terá forçosamente de improceder.
Não obstante, caso assim se não entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se aventa, caso se mantenha a condenação do arguido no crime de que foi acusado, o valor ao qual foi condenado, a título de danos patrimoniais é manifestamente excessivo e desproporcional. Tanto assim é, que o Tribunal a quo, apelidou o crime de violência doméstica de baixa intensidade. Pelo que o mesmo, terá de ser revisto e alterado.”
O recorrente acaba por impugnar apenas o montante arbitrado,  não colocando em causa o direito que assiste à demandante/assistente, face ao naufrágio da sua pretensão relativamente à condenação criminal, a ser ressarcida dos danos que o seu comportamento acarretou.
Na decisão recorrida entendeu-se:
« Face aos factos que foram dados como provados, não há dúvida, que se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Isto porque, resultou apurada a existência de um facto voluntário dos agentes, consubstanciado nas agressões e expressões que o demandado dirigiram à pessoa da demandante; a ilicitude, porque tal conduta violou bens jurídicos; a culpa do lesante, uma vez que se traduziu numa conduta desvaliosa (agindo com dolo directo); o nexo de causalidade, que resulta da adequação da conduta do agente à produção do resultado.  
No que respeita aos danos não patrimoniais, há que verificar se, pela sua gravidade, serão merecedores de tutela do direito (artº 496º, do C.C.) e, se se concluir positivamente, deve o montante da indemnização ser fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
 Ora, a demandante viu a sua esfera jurídica, face à factualidade dada como provada, na sua vertente não patrimonial, afectada pela conduta supracitada do demandado, nomeadamente pelas humilhação, sofrimento, vergonha e intranquilidade que sentiu, pelo que, julgo, verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar.
 O tribunal fixa o montante da indemnização equitativamente de acordo com o preceituado no artº 496º, nº 3 do Código Civil, que remete para os critérios estabelecidos no artº 494º do mesmo diploma, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.
 “A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina, pág. 608).    
Sufragando esta posição o Ac. da Rel. do Porto, Proc. nº 0443639, de 13/07/2005, www.dgsi.pt, onde se diz “A reparação judicial dos danos ou prejuízos, na jurisdição criminal, quer para os danos patrimoniais, quer para dos danos não patrimoniais, deve ser determinada, quanto ao montante da indemnização, segundo o prudente arbítrio do julgador que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ele causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor.”
Neste jaez, e conjugando, in casu, os critérios supracitados e a factualidade dada como provada, decide-se condenar o demandado a pagar quantia de €4.000,00, à demandante, a título de danos não patrimoniais, sendo exagerado o montante peticionado, atentos danos provados, improcedendo o demais.  
O demandado será também condenado no pagamento de juros sobre o referido montante, contados a partir da data da presente sentença, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento (cfr. Ac. uniformizador nº 4/2002, de 9/05, publicado no D.R. nº 146, de 27 de Junho de 2002)»
(…)”
Ora, face à factualidade dada como provada, facilmente se constata, sem necessidade de grandes considerações, que relativamente ao crime de violência doméstica de que foi vítima a ofendida/assistente BB, se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, constituindo-se, assim, o arguido na obrigação de indemnizá-la.
Com efeito, no caso dos autos, nenhuma dúvida é legítima quanto à voluntariedade da conduta do arguido, sendo certo que a ilicitude e a culpa resultam da violação dolosa da liberdade e dignidade como pessoa humana, da integridade física e psíquica, da vítima.
Verificada que foi a presença "in casu" da totalidade dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, cumpre fixar o "quantum" indemnizatório.
Trata-se aqui de danos patrimoniais e não patrimoniais que merecem indiscutivelmente a tutela do direito (art. 496.°, n.º 1, do C.C.).
Estabelece o art.º 494.º, como fatores a atender, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
No tocante à culpa do agente, há que ter em consideração que estamos em presença de um crime doloso. Importa, ainda, considerar as lesões e a perturbação decorrentes da conduta do arguido.
Por outro lado, resultou provado que o demandado/arguido; “Desde ../../2023 até ao presente, trabalha como Técnico de Vendas na empresa “EMP03..., S.A.”, auferindo, segundo o recibo de vencimento apresentado, relativo a março de 2023, um vencimento base de dois mil euros. Sobre este ordenado recai uma penhora de cento e cinquenta euros mensais, relativa a execução de pensão de alimentos devida ao descendente, e uma outra, de cerca de trezentos e cinquenta euros, relativa a um crédito bancário contraído enquanto sócio gerente da empresa “EMP01..., Lda.”. AA refere, ainda, o dispêndio de cerca de duzentos euros em consumos domésticos e um gasto aproximado a quinhentos euros por mês resultante das visitas mensais que faz a ..., por forma a conviver com o filho. Desta forma, o arguido apresenta, atualmente, uma situação financeira de gestão difícil e contida, contando com o suporte dos pais a este nível sempre que necessário.”
Por sua vez, resultou apurado que; “A demandante é decoradora, exercendo a sua atividade em .../ ..., tendo criado uma marca registada em seu nome, denominada ....”
Quer o arguido quer a vítima poderão ser considerados como integrantes da chamada classe média portuguesa.
Por fim, há que ter em conta, por razões de igualdade e harmonia, a evolução dos quantitativos praticados pela nossa jurisprudência, nomeadamente a respeito do dano morte, considerado o dano não patrimonial máximo e que, portanto, não devem ser ultrapassados.
No que concerne aos danos, apenas poderemos relevar aqueles que resultam da matéria de facto provada pela prática da qual o arguido vinha pronunciado, ou seja, que praticou factos violadores da liberdade e dignidade da ofendida enquanto pessoa humana, bem como a sua integridade física e psíquica, que constituem maus tratos suscetíveis de serem considerado violência doméstica.
Também sabemos que o arguido atuou querendo maltratar física e psicologicamente a assistente, sua esposa, objetivos que perseguia e alcançou na totalidade e com intenção de a magoar fisicamente e de a atingir na sua honra, consideração e dignidade pessoal, de lhe causar medo e inquietação e de perturbar a paz e sossego.  
Agiu ainda o arguido sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei. 
Sendo o dano toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica( ) é evidente que a ofendida sofreu, em consequência da conduta do arguido, e face aos factos provados supra, danos não patrimoniais, que não são suscetíveis de avaliação pecuniária. 
Dispõe o art. 496.º, n.º 1 do Código Civil (aplicável, ex vi art. 129.º do Código Penal) que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º, como a situação económica do lesante e do lesado.
Não se duvidará de que os danos sofridos pela ofendida assumem gravidade suficiente para merecerem, seguramente, a tutela do direito. No entanto, em proporções manifestamente inferiores às que normalmente se verificam em resultado da prática deste tipo de ilícitos criminais. Com efeito, para além daquela factualidade apurada quanto à conduta criminal do arguido, e das normais consequências que costumam acarretar, não logramos encontrar quaisquer outros dados que permitam alcançar qual a dimensão dos danos, concretamente de natureza não patrimonial, que a demandante possa ter sofrido por força da conta do demandado/arguido. Cfr. O pedido cível formulado e a factualidade provada relativa ao mesmo.
De qualquer forma, não podemos olvidar o que resultou apurado relativamente à situação económica do arguido e da assistente.
Assim, teremos de considerar o número de condutas em questão, a sua natureza dolosa, a gravidade das mesmas, e suas repercussões na dignidade de qualquer pessoa, designadamente da demandante. Teremos também de considerar que o sujeito passivo da obrigação de indemnizar, o arguido, é detentor de uma situação económica que se pode qualificar de estável, embora dificultada pelos encargos que tem de cumprir.
Assim sendo, ponderando todos esses fatores, entendemos que a compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela demandante/ofendida, fixada no montante de € 4.000,00, como foi determinado pela 1ª instância, se revela ajustada, aos danos sofridos por aquela em consequência da conduta do arguido.
Verba que se nos afigura arbitrada com uso da equidade, e procurando realizar a justiça do caso concreto, pelo que entendemos que essa indemnização será mantida no seu montante, tendo em conta a natureza do crime praticado e o número de vezes em que o arguido incorreu em comportamentos ilícitos, e as respetivas consequências
Improcedendo, portanto, também nesta parte o recurso interposto.
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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, e, consequentemente, decidem confirmar a sentença recorrida.

Custas a suportar pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (art. art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma).
Custas da instância civil a suportar pelo demandado, na proporção do respetivo decaimento.

Notifique
*
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)
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Guimarães 11 de julho, de 2024

Os Juízes Desembargadores
Relator - José Júlio Pinto
1ª Adjunta – Isilda Pinho
2º Adjunto – António Teixeira