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ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
GERÊNCIA DE FACTO
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
Sumário
1. A responsabilidade do agente é atribuída em função do exercício efetivo do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. 2. A gerência de facto, real e efetiva, constitui requisito da responsabilidade dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito. 3. A mera nomeação (ou inscrição no registo) como gerente não constitui base factual bastante para se concluir pelo exercíciov efectivo da gerência. 4. A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade, a qual, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. 5. Tendo sido cumprida a obrigação tributária declarativa, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT)». AUJ do STJ nº 6/2008, de 9-04-2008 (I, nº 94, de 15-05-2008, proferido no P. 07P4080)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo comum, com o NUIPC nº 4494/21...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Competência Genérica de ..., com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos:
“EMP01..., LDA, pessoa coletiva n.º ...58, com sede no Lugar ..., ..., em ...; AA, nascido a ../../1948, filho de BB e de CC residente na Rua ..., ..., em ...; DD, nascido a ../../1938, filho de EE e de FF residente na Rua ..., ..., em ...; GG nascida a ../../1964, filho de HH e de II, com morada na Rua ..., ..., ..., em ...; pelos factos descritos na acusação pública, sob a qualificação jurídica de crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 5.º, n.º2, 7.º, nºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias.”,
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Após realização do julgamento, veio a ser proferida sentença com o dispositivo seguinte: (Transcrição) “(…) «III. DISPOSITIVO Por tudo considerado, decide-se: a) Absolver o Arguido AA, da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada previsto e punido pelos artigos 5.º, n.º2, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias. b) Absolver o Arguido DD, da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada previsto e punido pelos artigos 5.º, n.º2, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias. c) Condenar a Arguida EMP01..., LDA pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.e p. pelos artigos 5.º, n.º2, 7.º, nºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, numa pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,00 (cinco euros), num total de Eur.3.000,00 (três mil euros); d) Condenar a Arguida GG pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, p.e p. pelos artigos 5.º, n.º2, 7.º, nºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, numa pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um montante global de Eur.715,00 (setecentos e quinze euros). e) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido, e, em consequência: a. condenar a Demandada EMP01..., LDA a pagar ao Demandante, Instituto de Segurança Social I.P, a quantia de Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros que, à data da apresentação do pedido de indemnização civil não podem exceder Eur.8.664,03 b. condenar a Demandada GG a pagar ao Demandante, Instituto de Segurança Social I.P, a quantia de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), do valor de Eur.49.985,45 acima referido, sendo solidariamente responsável por esse pagamento com a EMP01..., Lda., acrescida de juros que, à data da apresentação do pedido de indemnização civil não podem exceder Eur.608,09. f) Absolver os Arguidos/Demandados do demais peticionado. g) Condenar as Arguidas EMP01..., LDA. e GG no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, nos termos do artigo 513.º, do Código de Processo Penal e artigos 8.º n. º 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo. h) Condenar a Demandante e as Demandadas EMP01... e GG nas custas processuais devidas pela dedução do pedido de indemnização civil, na proporção do respetivo decaimento.» (…)”
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Inconformado com o decidido a arguida GG, interpôs recurso, concluindo: (Transcrição) “CONCLUSÕES:
1.O Tribunal a quo sintetizou, na motivação da sentença, a prova produzida em audiência, não tendo, contudo, feito uma correta aplicação do art. 127º do CPP. 2.Da leitura da própria sentença resulta que, a prova produzida impõe que os factos provados 3, 6, 7, 8, 9 e 11 a 14 sejam dados por não provados. 3.Concretamente, das declarações dos arguidos e das testemunhas JJ, e da testemunha KK, resultou que, após o decesso do pai da arguida, a sociedade não era gerida, em concreto, por ninguém, sendo oferecida uma ideia de gestão conjunta e de desresponsabilização de uma pessoa concreta, pelo que, o Tribunal não podia imputar a administração à recorrente, 4.No limite, tal decisão sempre se impõe por apelo ao princípio in dúbio pro reo, pois que, se o depoimento das testemunhas e arguidos se revelou credível em partes (como resulta da própria sentença), teria de se ter revelado credível no seu todo (até porque o Tribunal não avançou qualquer fundamentação para os descredibilizar nestes particulares). 5.Da prova produzida e espelhada na sentença não resulta que a recorrente tenha, em momento algum, após o decesso do pai, atuado com animus de representação da sociedade devedora originária. 6.O facto provado 10) deve ser dado por não provado quanto à recorrente, porque a mesma não foi notificada, em nome próprio, nos termos do art. 105º, nº 4, al. b) do RGIT. 7.A notificação de fls. 348 foi exclusivamente dirigida à sociedade EMP01.... 8.O Tribunal errou na interpretação e aplicação que fez do art. 107º nº 2 e 105º nº 4 do RGIT, impondo-se a absolvição da arguida, por falta de verificação de condição objetiva de punibilidade [notificação] aplicável ao crime de abuso de confiança à segurança social. 9.Por outro lado, sem prescindir, o Tribunal não considerou que a gerência que imputa à recorrente se cinge a 3 dias, no mês de Agosto, pelo que, não pode ser responsável pelas cotizações desse mês. 10. Por último, sem prescindir, a pena concretamente aplicada à recorrente revela-se manifestamente desproporcional, porque exagerada, não tendo o Tribunal ponderado, devidamente, as condições económicas da recorrente, dadas por provadas sob os nº 22 a 24, nem a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção na sociedade. 11. S.m.o., o Tribunal devia ter fixado o quantitativo diário da multa e o número de dias no mínimo legal, tendo errado na interpretação e aplicação dos art. 12º, 15º, 105º, nº 1 ex vi 107º do RGIT e art. 40º, 47º e 71º do C.P. Termos em que, V. Exas., Venerandos Desembargadores, acolhendo a motivação e conclusões que antecedem, sempre com o mui Douto suprimento, revogando a decisão recorrida e absolvendo a arguida, farão a costumada JUSTIÇA.»
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O Ministério Público respondeu ao recurso pela seguinte forma:
«A arguida, ora recorrente, fundamenta o seu recurso nas seguintes questões: I. Erro de julgamento II. Dosimetria da pena I. Do erro de julgamento A arguida, ora recorrente, defende que o Tribunal a quo extravasou os limites do princípio da livre apreciação da prova ao dar como provados os factos 3., 6. a 9. e 11. a 14., na medida em que a prova produzida em sede julgamento,impunha que os mesmos fossem dados como não provados. a) Quanto à gerência de facto da arguida Concretamente, entende a recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro ao dar como provado que foi a própria quem, após o falecimento do seu pai, passou a exercer a gerência de facto da sociedade arguida, na medida em que a prova produzida impunha decisão diversa. Para tanto, socorre-se dos depoimentos das testemunhas JJ e KK, para sustentar a versão segundo a qual, após o decesso de HH, seu pai, a sociedade arguida não tinha um concreto gerente de facto, mas antes era gerida numa “ideia de gestão conjunta e de desresponsabilização de uma pessoa concreta”. Porém, de forma seletiva, desconsidera os depoimentos prestados pelas testemunhas LL, MM, NN, OO e PP dos quais decorre, de forma inequívoca, que após o falecimento do seu pai, os atos de gestão da sociedade arguida eram por si praticados. Ora, nos termos do disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Significa isto que a convicção que vale é a do julgador, o qual deve, em todo o caso, extrair da prova um convencimento lógico e motivado, valorado segundo os critérios da lógica do homem médio e das regras da experiência comum. Nesse sentido, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, na medida em que faz uma apreciação conjugada da prova produzida e uma valoração da mesma condizente com as regras da experiência e do normal acontecer, que de resto se encontra explanada de forma extensiva e criteriosa na sua motivação: “Esclarecidas as questões relativas ao período que antecedeu a morte de HH e perante a convicção do Tribunal de que era este o gerente de facto, embora o Tribunal não tenha ficado convencido de que a Arguida GG exercesse a gerência de facto da sociedade conjuntamente com o seu pai enquanto este era vivo, ficou demonstrado que, após essa data, foi a Arguida quem tomou as rédeas da sociedade e passou a agir como gerente de facto (facto provado 3). Para a formação da convicção do Tribunal quanto a este aspeto destacam-se os depoimentos das testemunhas LL, MM, PP, NN e QQ (funcionários da EMP01...) e RR (que fez negócios com a EMP01...) que permitiram concluir que, após morte de HH, os atos típicos de uma gerência de facto eram praticados pela Arguida. Com efeito, a testemunha LL afirmou que quando HH “faltou”, era com a Arguida GG que falava. MM e NN referiram expressamente que quando HH faleceu quem começou a dar as ordens foi a Arguida, tendo este último reforçado que quando surgia alguma questão que era preciso resolver era com a Arguida que falavam. RR, cuja empresa em que trabalhava fazia alguns transportes para a EMP01... contou que depois de HH falecer tratou dos transportes com a Arguida. Esta imputação destas condutas à Arguida é ainda reafirmada pela testemunha PP, cujo depoimento foi altamente credível, pelo descomprometimento que demonstrou (ao contrário de alguns funcionários ouvidos, que transpareceram algum comprometimento com a salvaguarda da Arguida GG, como é exemplo SS, com um depoimento muito inseguros e na tentativa de dizer o menos possível sobre a situação). A referida testemunha, PP, contribui fortemente para robustecer a convicção do Tribunal quanto a estes factos, pois, além de comungar das afirmações das restantes testemunhas, quanto a ser a Arguida a dar as ordens após a morte de HH, identificou a Arguida como sendo “quem mandava ultimamente, a patroa”. Ora, esta testemunha não teria identificado assim a Arguida se esta não atuasse como tal, não tomasse as decisões da empresa e não tomasse as rédeas do giro empresarial.” Saliente-se ainda que, pese embora a recorrente se apoie nos depoimentos das testemunhas JJ e KK para sustentar a sua tese, a verdade é que o tribunal a quo se debruçou de forma clara e explícita sobre os argumentos pelos quais essa tese não colheu: Além destes depoimentos, os depoimentos de JJ, contabilista e da testemunha KK, irmão da Arguida e, ainda, as declarações da Arguida GG e do Arguido AA, permitem, ainda, sustentar esta convicção. Senão veja-se. Estes depoimentos e estas declarações dos Arguidos procuraram transmitir a ideia de que a sociedade não era gerida, em concreto, por ninguém, sendo oferecida uma ideia de gestão conjunta e de desresponsabilização de uma pessoa concreta, como se a empresa fosse um barco que navegasse sem ninguém ao leme e por si só, apenas com intervenções pontuais e de pessoas indiferenciadas. No entanto, esta ideia não colhe qualquer credibilidade por não ser verosímil para o Tribunal, que a sociedade ficasse a ser gerida por ninguém, até porque a empresa continuou a laborar (como a própria Arguida reconheceu e como resulta do depoimento de JJ), tendo sido pagos salários e realizados negócios pelo que tinha, necessariamente, de haver alguém a tomar as decisões, a pagar os salários, a realizar as transações comerciais, falar com fornecedores e clientes e, forçosamente, a decidir sobre a afetação dos recursos financeiros à satisfação das necessidades da empresa. E, olhando aos depoimentos já acima elencados (das testemunhas LL, MM, PP, NN e QQ e RR) e, agora, aos depoimentos de JJ e de KK conjugados com as declarações dos Arguidos GG e AA, não se pode fugir à conclusão de que, esse “alguém” que, após a morte de HH, tomava as decisões sobre a empresa e exercia as demais funções típicas de uma gerência de facto, era a Arguida GG. Com efeito, a própria Arguida GG, quando perguntada sobre quem geria a empresa após a morte do pai, refere que “íamos gerindo”, contando que pedia ajuda ao irmão (testemunha KK), declarações que são corroboradas pela testemunha KK, irmão da Arguida que acaba por referir que as decisões da empresa eram tomadas pela sua irmã GG e por si, sendo que despendia tempo para “ajudar” a irmã. Por sua vez, o Arguido AA afirma que, após a morte, “quem assumiu foram as duas irmãs” e JJ, contabilista conta que “eram os 3”, referindo-se à Arguida GG, ao Arguido AA e à irmã da Arguida, TT. Ora, destas versões algo incongruentes (pelo menos quanto a estas duas últimas e às duas primeiras), há um elemento comum, que é a presença da Arguida GG em todas elas. Na verdade, embora a Arguida tente desresponsabilizar-se, referindo que “iam gerindo” e que se apoiava muito na ajuda do irmão (o que este confirmou), esta afirmação acaba por traduzir uma assunção deste circunstancialismo, pois não é pelo facto de pedir ajuda ao irmão que a Arguida deixa de tomar as decisões relacionadas com o giro empresarial. Deste modo, apesar da tentativa das referidas testemunhas e também dos dois Arguidos de fazer o Tribunal crer que não era a Arguida GG que exercia as funções de gerente de facto, por as mesmas serem exercidas em conjunto com outras pessoas, a verdade é que, ainda que assim fosse (o que não se considera em virtude dos depoimentos das testemunhas supra explanados, que identificaram a Arguida como a pessoa que dava as ordens e que mandava na empresa após a morte de HH -relembre-se que PP apelidou-a mesmo de “a patroa” nos últimos tempos) isso não afastaria a consideração de que a Arguida exercia aquelas funções. Assim, considerando que a empresa tinha de ser gerida por alguém após a morte de HH(não sendo credível que ninguém estivesse encarregue disso, como se disse), ponderando os depoimentos das testemunhas que imputaram essas funções à Arguida, a própria assunção pela Arguida e pelo seu irmão de que o fazia o Tribunal formou a sua convicção acerca da realidade destes factos. Assim sendo, aquilo contra o que a recorrente verdadeiramente se insurge, é contra a convicção do tribunal a quo, a qual se afigura perfeitamente legítima e em nada contraria as regras da lógica e da experiência comum, pelo que, ao contrário do que alega a recorrente, a sentença recorrida não padece de qualquer vício. Por outro lado, defende a recorrente que, com base nas declarações dos arguidos e das testemunhas JJ e KK, e em obediência ao princípio do in dúbio pro reo, sempre teria de ser dado como não provado que foi a mesma quem passou a exercer a gerência da sociedade arguida após o falecimento do seu pai. Ora, da leitura dos trechos da sentença supra transcritos, facilmente se infere que ao tribunal a quo não quedaram quaisquer dúvidas de que a arguida, ora recorrente, foi quem, de facto, exerceu a gerência da sociedade arguida após aquela data. Nesse sentido, constata-se que não ocorreu qualquer violação do princípio in dúbio pro reo, uma vez que “a violação de tal princípio apenas existe quando se comprova que o juiz tenha ficado com dúvidas sobre factos relevantes e tenha decidido desfavoravelmente ao arguido, não bastando para o efeito a constatação da existência de versões contraditórias apresentadas por arguido e testemunhas ou mesmo entre testemunhas, ou quando o tribunal utiliza provas instrumentais e as regras de experiência como coadjuvantes da convicção adquirida”.1Nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de julho de 2012, Processo n.º 1659/10.6JAPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt Considera ainda a recorrente que o tribunal a quo andou mal ao considerá-la responsável pelas cotizações do mês de ../../2020, na medida em que, nesse mês, a sua gerência se resumiu a três dias. Uma vez mais não lhe assiste qualquer razão, pelos fundamentos aduzidos, e bem, na sentença recorrida: “Sem prejuízo, importa esclarecer a delimitação temporal dos factos em causa, por se ter apurado que a Arguida GG apenas não entregou os valores devidos relativos aos meses posteriores ao falecimento do seu pai. Como se disse, a Arguida apenas assumiu a gestão da sociedade após a morte do seu pai, pelo que apenas é responsável pela ausência de entrega das quotizações a partir dessa data. Como tal, considerando que os pagamentos têm de ser feitos até ao dia 10 e 20 do mês seguinte ao que respeitam, tem de se concluir que a Arguida não entregou as quotizações relativas às remunerações do mês de agosto, pois o mês seguinte é setembro, altura em que HH já tinha falecido e em que já era a Arguida a tomar as decisões relativas à afetação dos recursos financeiros da sociedade, e era nesse mês (por ser seguinte ao que respeitam as quotizações de Agosto), que estas deveriam ser pagas. Através do mapa de fls.281v, somando os valores não pagos relativos aos meses de agosto a outubro de 2020, obtém-se o valor de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos).” b) Quanto à notificação do artigo 105.º, n.º 4, al. b), ex vi artigo 107.º, n.º 2 do RGIT Invoca a recorrente que o Tribunal a quo errou ao não a absolver da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, porquanto se verifica a falta de uma condição objetiva de punibilidade. Ora, a alegação da recorrente carece de qualquer fundamento, na medida em que se mostra junta aos autos (a fls.348) a notificação pessoal a que alude o artigo105.º, n.º 4, al. b), ex vi artigo 107.º, n.º 2 do RGIT. Assim, naquela data, perfez-se a condição objetiva de punibilidade, porquanto foi concedida à recorrente a possibilidade de efetuar o pagamento dos montantes em dívida, o que não veio a ocorrer. II. Da dosimetria da pena Por último, defende a recorrente que a concreta medida da pena de multa e o quantitativo diário se revelaram excessivos, na medida em que não foram tidos em consideração pelo Tribunal a quo as suas condições sócio económicas, a ausência de antecedentes criminais e o facto de se encontrar inserida na sociedade, violando, dessa forma, o disposto nos artigos 12.º e 15 do RGIT e no artigo 40.º e 71.º, do Código Penal. Ora, na determinação da medida da pena, o Tribunal deve ter em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 40.º e 71.º, do Código Penal, em particular, as exigências de prevenção geral e especial que no caso se façam sentir. Nesse sentido, o Tribunal a quo teve em consideração, em benefício da recorrente, o facto de a mesma não apresentar grandes necessidades de ressocialização, em virtude da ausência de antecedentes criminais e da sua inserção social e familiar, bem como o grau diminuto da ilicitude, atendendo ao valor das cotizações não entregues. Porém, o tribunal não deixou de atender ao facto de a recorrente ter atuado na modalidade mais intensa de dolo e às exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, atenta a frequência com que este tipo de crimes ocorre no nosso ordenamento jurídico, o que frustra a confiança daqueles que procedem ao pagamento atempado daquelas contribuições. Sopesados todos esses fatores, e levando em consideração que, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do RGIT, os limites da pena se situam entre os 10 e os 600 dias, afigura-se-nos que a pena de multa de 130 dias se mostra justa e adequada. No que concerne ao quantum diário da multa, estabelece o artigo 15.º, n.º 1, do RGIT que, tratando-se de pessoa singular, os limites variam entre 1,00€ e 500,00€. Ora, o Tribunal a quo deu como provado que arguida aufere rendimentos na ordem dos 480,00€, e suporta despesas fixas na ordem dos 260,00€, tendo fixado o quantum diário no montante de 5,50€. Assim, tendo em conta que a jurisprudência vem considerando que o quantitativo diário da multa apenas deve ser fixado no limite mínimo nos casos de pobreza ou indigência, sob pena de se frustrar a finalidade da punição e o princípio da igualdade, o quantum diário de 5,50€ não merece qualquer reparo. Nestes termos e pelo exposto, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente e mantida a sentença recorrida, assim se fazendo justiça!»
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Nesta Relação a Digni.ª Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pela arguida, concluindo nos seguintes termos: (Transcrição). “(…) «As questões concretas a dirimir vêm, a nosso ver, adequadamente equacionadas e debatidas na resposta apresentadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância. Por inteiro se sufraga, pois, o entendimento e considerações ali expendidas, apenas nos permitindo, em abono destas, e procurando reforça-las deixando aqui uns breves apontamentos, socorrendo-nos essencialmente na fundamentação constante da douta sentença recorrida e da manifesta falta na motivação de recurso dos preenchimento dos pressuposto exigidos no nº3 do art. 412º, do CPP . 2.1 Como é sabido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: (i) mais restritamente através da invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código Proc. Penal ou (ii) através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma. Nesta última, a invocada pelo recorrente, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estritocumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. Neste caso, não pode pretender-se uma reapreciação total de todo o acervo de provas, um segundo julgamento, mas tão só “uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados”. No caso vertente o arguido indicou os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, cumprindo o disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP. Contudo só é permitido alterar o decidido pelo tribunal a quo se as provas indicadas impuserem decisão diversa da proferida. E, "impor”' decisão diferente não significa "admitir”' uma outra decisão diferente. É mais do que isso e quer dizer que a decisão proferida, face às provas, não é possível ou não é plausível (cfr als. b), c) do nº3 do preceito supra) Ora, a recorrente para além de não indicar as concretas passagens da prova produzida em que ancora a impugnação, especificando-as e individualizando as passagens da gravação das declarações e depoimentos prestados em audiência, e em que baseia a impugnação, a verdade é que se limita a uma diferente leituras da prova que faz não permite “impor” uma diversa decisão É que, a leitura da motivação da sentença, mormente dos excertos que se encontram reproduzidos na resposta ao recurso, constata-se que o tribunal a quo formou a sua convicção a partir do conjunto dos meios de prova que elegeu, apreciando-os de forma crítica e segundo as regras da experiência, convicção que explicou no exame crítico dos mesmos. A Mª juiz recorrida explanou na motivação da sentença o porquê da sua convicção no que concerne aos factos provados e não provados, não se nos afigurando que esta tenha sido resultado de uma ponderação arbitrária das provas, nem de uma valoração inaceitável das mesmas, sendo que não se vislumbra qualquer contra-argumento do recorrente suficientemente seguro, advindo dos meios de prova por eles indicados, que justificasse solução diferente daquela a que chegou o tribunal a quo. Teve em consideração a Mª juiz recorrida, para além da prova documental, as declarações prestadas pelo contabilista da sociedade arguida, JJ, dos funcionários da sociedade LL, MM, PP, NN e QQ, e de RR (que fez negócios com a sociedade coarguida) que lhe permitiram concluir que: “ (...) após morte de HH, os atos típicos de uma gerência de facto eram praticados pela Arguida. Com efeito, a testemunha LL afirmou que quando HH “faltou”, era com a Arguida GG que falava. MM e NN referiram expressamente que quando HH faleceu quem começou a dar as ordens foi a Arguida, tendo este último reforçado que quando surgia alguma questão que era preciso resolver era com a Arguida que falavam. RR, cuja empresa em que trabalhava fazia alguns transportes para a EMP01... contou que depois de HH falecer tratou dos transportes com a Arguida. Esta imputação destas condutas à Arguida é ainda reafirmada pela testemunha PP, cujo depoimento foi altamente credível, pelo descomprometimento que demonstrou (ao contrário de alguns funcionários ouvidos, que transpareceram algum comprometimento com a salvaguarda da Arguida GG, como é exemplo SS, com um depoimento muito inseguros e na tentativa de dizer o menos possível sobre a situação). A referida testemunha, PP, contribui fortemente para robustecer a convicção do Tribunal quanto a estes factos, pois, além de comungar das afirmações das restantes testemunhas, quanto a ser a Arguida a dar as ordens após a morte de HH, identificou a Arguida como sendo “quem mandava ultimamente, a patroa”. Ora, esta testemunha não teria identificado assim a Arguida se esta não atuasse como tal, não tomasse as decisões da empresa e não tomasse as rédeas do giro empresarial. Além destes depoimentos, os depoimentos de JJ, contabilista e da testemunha KK, irmão da Arguida e, ainda, as declarações da Arguida GG e do Arguido AA, permitem, ainda, sustentar esta convicção (...)” Importa ainda referir que é a própria arguida/ recorrente, em declarações prestadas na audiência de julgamento e questionada sobre quem geria a empresa após a morte do pai, referiu que “ (...) “íamos gerindo”, contando que pedia ajuda ao irmão (testemunha KK), declarações que são corroboradas pela testemunha KK, irmão da Arguida que acaba por referir que as decisões da empresa eram tomadas pela sua irmã GG e por si, sendo que despendia tempo para “ajudar” a irmã”. A convicção da Mª Juiz recorrida no que concerne aos factos provados mormente aos contestados pela arguido, assentam, de forma cristalina, na prova produzida que foi valorada de forma fundamentada, explicitando o porquê de dar credibilidade a determinados depoimentos em detrimento de outros, não se nos afigurando que a decisão tenha sido resultado de uma ponderação arbitrária das provas, nem de uma valoração inaceitável das mesmas, sendo que não se vislumbra minimamente qualquer contra-argumento do recorrente suficientemente seguro, advindo dos meios de prova por ela indicados, que justificasse solução diferente daquela a que chegou o tribunal a quo. Em suma, a matéria provada e questionada pela recorrente, encontra assento e resultam da documentação junta aos autos, nas declarações da própria recorrente, correlacionados com os depoimentos das testemunhas acima referidas, o que permitiu ao tribunal retirar ilações de facto relevantes quanto à gerência efetiva da sociedade por parte da recorrente Nesta medida, face à fundamentação constante na decisão recorrida, cremos que as alterações propugnadas pelo recorrente, não deverão merecer acolhimento, porquanto delas resultaria uma ofensa ao princípio da livre apreciação da prova, não se vislumbra de que modo é que a decisão é de molde a violar o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal Por outro lado, no que respeita à invocada violação do princípio in dubio pro reo, deverá o mesmo ser entendido que na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deverá recorrer a tal princípio sempre que se encontre perante uma dúvida insanável, que continue a existir após a produção da prova de forma insuperável, devendo a mesma ser também notoriamente razoável, atendendo às regras da experiência. Em função da aplicação do aludido princípio, a subsistência desta dúvida razoável, após a produção de prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido. Na verdade, não adquirindo o tribunal a «certeza» (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos a decisão tem de ser, por via deste princípio, a da absolvição - cfr. Castanheira Neves, «Processo Criminal», 1968, p. 55. Revertendo para o caso em apreço, atentando-se na fundamentação da decisão, resulta que o tribunal valorou toda a prova produzida e daí extraiu conclusões lógicas correspondentes ao modo de atuação do arguido, as quais permitiram tirar as ilações que o mesmo vem agora colocar em causa. Em tal conformidade, não existe qualquer dúvida insanável e notoriamente razoável que necessite de ser solucionada recorrendo-se ao aludido princípio, uma vez que basta apenas atentar em todos os elementos probatórios e conjugá-los com as regras da experiência a que se refere o art. 127.º do Cód. de Proc. Penal, conseguindo-se desse modo traçar toda a lógica sequencial dos factos constitutivos da conduta dos arguidos. O tribunal recorrido não teve qualquer dúvida, designadamente, quanto ao circunstancialismo em que ocorreram os factos provados, bastando para tanto atentar na motivação da decisão de facto para se constatar que o tribunal não se deparou com um estado de dúvida, antes se divisando da decisão que no seu espírito certeza bastante de que os factos ocorreram da forma como vieram a ser considerados provados. 2.2 No que diz respeita à invocada falta de uma condição objetiva de punibilidade derivada da omissão de notificar a recorrente em nome próprio nos termos e para efeitos do disposto no art. 105º, nº4, al. b) do RGIT , tal como é referido na resposta ao recurso olvidou a recorrente ter assinado a notificação pessoal constante de fls 348 verso do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido, improcedendo naturalmente o alegado vicio. 2.3 Relativamente ao facto de não poder ser assacada responsabilidade à recorrente pelo pagamento das cotizações do mês de ../../2020, esta questão foi devidamente abordada na sentença recorrida, encontrando-se na resposta ao recurso reproduzido o excerto da sentença de onde se infere que não obstante se ter dado como provado que a recorrente só assumiu a gerência apos o falecimento do anterior gerente, seu pai, a ../../2020 ( facto provado no ponto 3) o pagamento das cotizações retidas aos trabalhadores desse mês de Agosto deveria ser entregue na Segurança Social entre o dia 10 e 20 do mês de Setembro, em plena gerência da arguida, dispensando-nos, por economia, de reproduzir o excerto da sentença recorrida que se encontra exarado na resposta ao recurso . 2.4 Finalmente, e no que toca à dosimetria da pena, o crime em crise é punido com pena de prisão ou com pena de multa tendo o tribunal recorrido optado por uma pena de multa cujo limite mínimo é de 10 dias e máximo de 360 dias ( cfr arts. 12º, nº1, 105º, nº1, 107º, nº1, todos do RGIT) Ao contrário do que refere a recorrente a douta sentença recorrida analisa de forma rigorosa todas as circunstancias que levaram à determinação dos dias de multa que lhe foram aplicadas, tendo os mesmos sido fixados abaixo da media legal, de acordo com os critérios estabelecidos nos nºs 1 do art. 71º e 47º, ambos do C. Penal, ou seja, em função da culpa e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos na lei. Por outro lado, o quantitativo diário, conforme é frisado na resposta ao recurso, é estabelecido no art. 47º nº 2 do C.Penal, sendo que a cada dia de multa deve corresponder um mínimo legal de 5,00€, pelo que a fixação de um valor apenas em 0,50 € superior ao mínimo legal não atenta contra as finalidades preventivas da pena de multa, e não consubstancia um sacrifício económico desadequado para o recorrente (embora se encontre desempregado, auferindo subsidio de desemprego ) sendo que como tem sido comumente aceite pela jurisprudência o valor mínimo de €5,00 é fixada a arguidos em situações de indigência, o que não é o caso Está em causa uma multa resultante da pratica de um crime, com a inerente inflição de um sacrifício ao condenado, porquanto este é essencial à prossecução das finalidades das penas, tanto de prevenção geral, como de prevenção especial. Como refere Nieves Sanz Mulas, in “Manual de Politica Criminal” pg 339, “A determinação do quantitativo a pagar em cada caso… é um aspeto essencial, já que da sua correta determinação depende ser a multa, ou não, uma boa alternativa às penas curtas privativas da liberdade. É por isso que não deve converter-se num processo mecânico, sem que a pena seja avaliada em proporção …com as circunstâncias económicas reais do agente. A este propósito e para que não perca a sua eficácia preventiva-geral, tem que assemelhar-se em gravidade à pena privativa de liberdade, embora sem chegar a quantitativo tão elevado que … apenas conduziria a um processo de dessocialização tanto do condenado como da sua família.(…)” III-Conclusão Assim, por tudo quanto se expos e consta da resposta apresentada pelo colega do Ministério Público na 1.ª instância, cremos que a sentença recorrida deverá ser mantida devendo o recurso ser declarado improcedente»
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO:
É do seguinte teor a decisão proferida: (Transcrição) “(…) II. FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO 1.1. FACTOS PROVADOS Da audiência de julgamento, e com relevo para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos: Constantes da acusação pública: 1. A sociedade EMP01..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com o contribuinte n.º ...58, com o contribuinte da Segurança Social n.º ...83, tem sede no Lugar ..., ..., em ..., e tem como objeto social a “serração e tratamento de madeiras; exploração florestal, corte e abate de árvores e produção de lenha”. 2. A administração da referida sociedade era exercida por HH, até ../../2020, data em que este faleceu, a quem competia a gestão, administração e representação de toda a atividade exercida, a decisão de afetação dos seus recursos financeiros à satisfação das respetivas necessidades, a responsabilidade pelo pagamento aos fornecedores, pelo pagamento de contribuições e impostos, bem como salários aos trabalhadores e respetivas quotizações ao Instituto da Segurança Social. 3. A partir do falecimento de HH, a administração da sociedade passou a ser exercida pela Arguida GG, a quem competia, a partir dessa altura, a gestão, administração e representação de toda a atividade exercida, a decisão de afetação dos seus recursos financeiros à satisfação das respetivas necessidades, a responsabilidade pelo pagamento aos fornecedores, pelo pagamento de contribuições e impostos, bem como salários aos trabalhadores e respetivas quotizações ao Instituto da Segurança Social. 4. Nos meses de Junho de 2017, Setembro de 2017 a Outubro de 2017, Dezembro de 2017 a Março de 2018, Agosto de 2018 a Setembro de 2018, Novembro de 2018 a Janeiro de 2019, Maio de 2019 a ../../2020 a sociedade EMP01..., Lda. entregou, através de HH, no Instituto da Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores e dos sócios-gerentes. 5. Todavia, embora tivessem auto-liquidado as quotizações devidas à Segurança Social nas remunerações pagas aos trabalhadores e aos sócios-gerentes, HH, em representação da sociedade EMP01..., Lda. não procedeu à entrega dos respetivos valores, entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitam, que ascendem à quantia de Eur.46.778,52. 6. Nos meses de Setembro e Outubro de 2020, a sociedade EMP01..., Lda. entregou, através da Arguida GG, no Instituto da Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores e dos sócios-gerentes. 7. Todavia, embora tivesse autoliquidado as quotizações devidas à Segurança Social nas remunerações pagas aos trabalhadores e aos sócios-gerentes, GG, em representação da sociedade EMP01..., Lda., não procedeu à entrega dos respetivos valores, entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitam, ou seja, dos valores respeitantes às quotizações do mês de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, que ascendem à quantia de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos). 8. Nem regularizaram a dívida nos 90 dias volvidos aquelas datas. 9. Assim, HH deveria ter entregue à Segurança Social os montantes a seguir melhor discriminados, até ao mês de julho de 2020 e a Arguida GG, os montantes a seguir melhor discriminados relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, que deduziram do valor das remunerações pagas aos trabalhadores e aos sócios-gerentes e que integraram no património da sociedade EMP01..., Lda. e no próprio, na quantia global de 52.111,86 € (cinquenta e dois mil, cento e onze euros e oitenta e seis cêntimos): 10. Em 04.11.2022, o arguido AA e a sociedade arguida; em 10.01.2022, o arguido DD; e, em 27.07.2022, a arguida GG foram notificados pela Segurança Social para procederem ao pagamento da quantia em dívida, no prazo de 30 dias, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT, não o tendo feito. 11. Após efetuar a retenção das quotizações acima indicadas, HH e a Arguida GG, após a morte daquele, ingressou os respetivos valores no património da sociedade e no seu próprio património, bem sabendo que não eram sua pertença, mas sim da Segurança Social. 12. Pelo que HH, até à sua morte e a Arguida GG, após o falecimento daquele, agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de obter para si e para a sociedade que representa uma vantagem patrimonial a que sabia, não ter direito, apossando-se em proveito próprio e da sociedade que representava do valor das quotizações supra indicado, atuando de forma homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei. 13. Acresce ainda que a Arguida GG atuou sempre motivados pelas dificuldades económico-financeiras da sociedade que geriam, beneficiando ainda da falta de fiscalização dos serviços da Segurança Social. 14. A Arguida e HH atuaram sempre na qualidade de representantes da sociedade, em seu nome e no interesse coletivo da mesma. Constantes do pedido de indemnização civil (para além dos factos comuns e provados da acusação pública, com interesse para a decisão de causa): 15. À data da apresentação do pedido de indemnização civil, as quotizações em falta e os meses a que respeitavam eram as seguintes: Constantes da contestação (para além dos factos comuns e provados da acusação pública, com interesse para a decisão de causa): Inexistem factos provados com relevo. Quanto à situação económica, social, profissional e familiar dos Arguidos: (…)” 22. A Arguida GG está desempregada e aufere subsídio de desemprego no valor de cerca de Eur.480,00. 23. Vive sozinha, em casa arrendada, ascendendo a valor da renda a Eur.200,00. 24. As despesas com os fornecimentos básicos da habitação (água, luz, gás), ascendem à volta de Eur.60,00. 25. Tem 2 filhos de 39 e 35 anos. 26. Tem como habilitações literárias o 12.º ano. 27. A empresa EMP01..., foi declarada insolvente por sentença proferida a 7/11/2023, transitada em julgado em 28/11/2023. Quanto aos antecedentes criminais: 28. Os Arguidos não têm antecedentes criminais. 1.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Constantes da acusação pública: A. A administração da referida sociedade era exercida pelos arguidos AA e DD e até à morte de HH, também, por GG, a quem competia, em conjunto, a gestão, administração e representação de toda a atividade exercida, a decisão de afetação dos seus recursos financeiros à satisfação das respetivas necessidades, a responsabilidade pelo pagamento aos fornecedores, pelo pagamento de contribuições e impostos, bem como salários aos trabalhadores e respetivas quotizações ao Instituto da Segurança Social. B. Sucede que, nos meses de Junho de 2017, Setembro de 2017 a Outubro de 2017, Dezembro de 2017 a Março de 2018, Agosto de 2018 a Setembro de 2018, Novembro de 2018 a Janeiro de 2019, Maio de 2019 a Outubro de 2020, a sociedade EMP01..., Lda. entregou, através dos arguidos AA e DD, no Instituto da Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores e dos sócios-gerentes. C. Todavia, embora tivesse auto-liquidado as quotizações devidas à Segurança Social nas remunerações pagas aos trabalhadores e aos sócios-gerentes, os arguidos AA e DD, em representação daquela, não procederam à entrega dos respetivos valores, que ascendem à quantia global de 52.111,86 € (cinquenta e dois mil, cento e onze euros e oitenta e seis cêntimos), entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitam. D. Nem regularizaram a dívida nos 90 dias volvidos aquelas datas. E. Assim, os arguidos AA e DD deveriam ter entregue à Segurança Social os montantes a seguir melhor discriminados que deduziram do valor das remunerações pagas aos trabalhadores e aos sócios-gerente e que integraram no património da sociedade EMP01..., Lda. e no próprio: F. Após efetuarem a retenção das quotizações acima indicadas, os arguidos AA e DD ingressaram os respetivos valores no património da sociedade e no seu próprio património, bem sabendo que não eram sua pertença mas sim da Segurança Social. G. Pelo que os arguidos agiram sempre, em comunhão de esforços e intentos, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de obter para si e para a sociedade que representam uma vantagem patrimonial a que sabiam, não terem direito, apossando-se em proveito próprio e da sociedade que representavam do valor das quotizações supra indicado, atuando de forma homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior, bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei. Constantes do pedido de indemnização civil (para além dos factos comuns e não provados da acusação pública, com interesse para a decisão de causa): Inexistem factos não provados com relevo. Constantes da contestação (para além dos factos comuns e não provados da acusação pública, com interesse para a decisão de causa): Inexistem factos não provados com relevo. Os factos não especificamente dados como provados ou não provados, ou são apenas a negação ou afirmação repetida de outros especificamente considerados provados ou não provados, ou são conclusivos (em termos factuais ou por encerrarem questões de Direito ou adjetivação), ou contem matéria irrelevante para a decisão da causa. 1.3. Motivação da decisão da matéria de facto A consideração da factualidade supra referida como provada resulta da análise crítica e ponderada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com as regras da experiência comum e à luz do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Concretizando, o facto 1 decorre da análise do teor da certidão permanente daquela sociedade comercial, junta aos autos em 12/12/2023. A afirmação da realidade dos factos 2 e 3 resultou da conjugação dos depoimentos das testemunhas ouvidas, em regra trabalhadores da empresa, através dos quais o Tribunal ficou convencido de que, até ao falecimento de HH, era este quem exercia a gerência de facto da empresa, quem tomava as decisões, quem tratava dos pagamentos, contratava trabalhadores, contactava com fornecedores e clientes, geria os recursos da sociedade e tratava de todo o giro da empresa. Com efeito, as testemunhas LL, MM, PP, NN, SS e QQ, todos trabalhadores da empresa quase desde o seu início foram absolutamente unânimes e congruentes na identificação de HH como o seu “patrão”, referindo-se ao mesmo como tal, contando que este era quem dava as ordens, quem os tinha contratado, com quem falavam quando havia algum problema, reconhecendo-o, inequivocamente, como a figura de referência na empresa. Além disto, também JJ, contabilista da empresa, num depoimento sério e credível, contou que era com HH que reunia para analisar os resultados da empresa e que era este quem “dava o ok” quanto aos pagamentos da remuneração dos serviços de contabilidade, reunindo com este para analisar os resultados da empresa. De realçar ainda, o depoimento da testemunha KK, filho de HH e irmão da Arguida GG, que trabalhou na empresa algum tempo e que atribuiu a totalidade das funções de gestão ao seu pai. É certo que o laço familiar com a Arguida GG podia levar a que se entendesse que a imparcialidade do depoimento estaria comprometida, no entanto afigura-se que, perante a congruência com os depoimentos já mencionados, não há razões para o tribunal não valorar esta parte do depoimento. Foi, ainda, em razão dos depoimentos acima referidos que o Tribunal não conseguiu afirmar que esta gerência de facto era exercida, não só por HH mas também, até à sua morte, pelos Arguidos DD e AA e, ainda por GG (cf. facto não provado A). Além das referidas testemunhas terem sido perentórias na imputação dos atos de gestão da vida da sociedade a HH, não oferecendo assim elementos ao Tribunal que permitissem a afirmação de que os restantes Arguidos também os praticavam, também afirmaram, quanto aos Arguidos DD e AA, não os conhecer, ou, aqueles que conheciam, não lhes atribuíram quaisquer atos ou qualquer intervenção na vida da sociedade e, quanto à Arguida GG, que a mesma, quando o pai ainda era vivo, apenas auxiliava o pai no escritório. Concretizando, quanto aos dois primeiros Arguidos, a testemunha LL e QQ, ambos funcionários da empresa, negaram conhecer os Arguidos. Por sua vez, MM e PP, identificam os dois Arguidos DD e AA num contexto de amizade com HH e não no contexto da tomada de decisões e de intervenção na vida da empresa, pois ambos referem que os Arguidos se tratavam de amigos de HH. Neste mesmo sentido depôs UU - trabalhador de outra empresa que fazia negócios com a EMP01... - e VV – contabilista da EMP01...-, que contaram conhecer os Arguidos de “almoços e jantares” com HH (onde, como contou VV, não se falava de trabalho por opção de HH) e por serem amigos deste. É certo que PP diz, juntamente com NN, que o Arguido DD às vezes, “andava por ali” mas que não sabiam o que faziam concretamente, afirmação que MM também repete, embora relativamente ao Arguido AA. Destas afirmações é facilmente percetível que o Tribunal não consegue, através delas, afirmar a gerência de facto dos Arguidos DD e AA por total falta de elementos para o efeito. A este propósito importaria acrescentar que as cartas assinadas por estes dois Arguidos, juntas aos autos a fls.17 e 21, nas quais se intitulam de gerentes da EMP01..., não permite, por si só, afirmar esta factualidade pois, além de, naquela altura, o Arguido AA ser, efetivamente o gerente de direito da sociedade, a assunção desta qualidade por escrito, desacompanhada de quaisquer outros elementos de prova, não pode significar automaticamente a demonstração de que eram os gerentes de facto nos períodos em causa. Na verdade, foi também contado pelo Arguido AA que GG ou a irmã lhe faziam chegar cheques para este assinar, o que fazia, não se podendo presumir a gerência de facto por estes atos únicos. Se o Arguido assinava os cheques, tal seria porque era este o gerente de direito, e não por ser, efetivamente o gerente de facto. Quanto a GG, além do que já se deixou dito e que leva a que não se tenha demonstrado que, neste período, enquanto HH ainda era vivo, GG tenha exercido aquelas funções juntamente com o seu pai (não obstante aquilo que se vai concluir quanto ao período que sucedeu a morte daquele), importaria apenas concretizar que JJ, contabilista, num depoimento credível e escorreito explicou o papel da Arguida antes da morte do pai, contando que era esta quem preparava o dossier da contabilidade e que, nessa altura, tinha um papel de “funcionária”. Esta narração é corroborada por QQ que contou que as filhas trabalhavam no escritório com o pai e por RR (cuja empresa trabalhava com a EMP01...) que afirmou que a Arguida “fazia o que o pai mandava”. Face ao que se deixa dito, inexistem elementos que permitam imputar o exercício da gerência de facto a GG no período que antecedeu a morte de HH. Esclarecidas as questões relativas ao período que antecedeu a morte de HH e perante a convicção do Tribunal de que era este o gerente de facto, embora o Tribunal não tenha ficado convencido de que a Arguida GG exercesse a gerência de facto da sociedade conjuntamente com o seu pai enquanto este era vivo, ficou demonstrado que, após essa data, foi a Arguida quem tomou as rédeas da sociedade e passou a agir como gerente de facto (facto provado 3). Para a formação da convicção do Tribunal quanto a este aspeto destacam-se os depoimentos das testemunhas LL, MM, PP, NN e QQ (funcionários da EMP01...) e RR (que fez negócios com a EMP01...) que permitiram concluir que, após morte de HH, os atos típicos de uma gerência de facto eram praticados pela Arguida. Com efeito, a testemunha LL afirmou que quando HH “faltou”, era com a Arguida GG que falava. MM e NN referiram expressamente que quando HH faleceu quem começou a dar as ordens foi a Arguida, tendo este último reforçado que quando surgia alguma questão que era preciso resolver era com a Arguida que falavam. RR, cuja empresa em que trabalhava fazia alguns transportes para a EMP01... contou que depois de HH falecer tratou dos transportes com a Arguida. Esta imputação destas condutas à Arguida é ainda reafirmada pela testemunha PP, cujo depoimento foi altamente credível, pelo descomprometimento que demonstrou (ao contrário de alguns funcionários ouvidos, que transpareceram algum comprometimento com a salvaguarda da Arguida GG, como é exemplo SS, com um depoimento muito inseguros e na tentativa de dizer o menos possível sobre a situação). A referida testemunha, PP, contribui fortemente para robustecer a convicção do Tribunal quanto a estes factos, pois, além de comungar das afirmações das restantes testemunhas, quanto a ser a Arguida a dar as ordens após a morte de HH, identificou a Arguida como sendo “quem mandava ultimamente, a patroa”. Ora, esta testemunha não teria identificado assim a Arguida se esta não atuasse como tal, não tomasse as decisões da empresa e não tomasse as rédeas do giro empresarial. Além destes depoimentos, os depoimentos de JJ, contabilista e da testemunha KK, irmão da Arguida e, ainda, as declarações da Arguida GG e do Arguido AA, permitem, ainda, sustentar esta convicção. Senão veja-se. Estes depoimentos e estas declarações dos Arguidos procuraram transmitir a ideia de que a sociedade não era gerida, em concreto, por ninguém, sendo oferecida uma ideia de gestão conjunta e de desresponsabilização de uma pessoa concreta, como se a empresa fosse um barco que navegasse sem ninguém ao leme e por si só, apenas com intervenções pontuais e de pessoas indiferenciadas. No entanto, esta ideia não colhe qualquer credibilidade por não ser verosímil para o Tribunal, que a sociedade ficasse a ser gerida por ninguém, até porque a empresa continuou a laborar (como a própria Arguida reconheceu e como resulta do depoimento de JJ), tendo sido pagos salários e realizados negócios pelo que tinha, necessariamente, de haver alguém a tomar as decisões, a pagar os salários, a realizar as transações comerciais, falar com fornecedores e clientes e, forçosamente, a decidir sobre a afetação dos recursos financeiros à satisfação das necessidades da empresa. E, olhando aos depoimentos já acima elencados (das testemunhas LL, MM, PP, NN e QQ e RR) e, agora, aos depoimentos de JJ e de KK conjugados com as declarações dos Arguidos GG e AA, não se pode fugir à conclusão de que, esse “alguém” que, após a morte de HH, tomava as decisões sobre a empresa e exercia as demais funções típicas de uma gerência de facto, era a Arguida GG. Com efeito, a própria Arguida GG, quando perguntada sobre quem geria a empresa após a morte do pai, refere que “íamos gerindo”, contando que pedia ajuda ao irmão (testemunha KK), declarações que são corroboradas pela testemunha KK, irmão da Arguida que acaba por referir que as decisões da empresa eram tomadas pela sua irmã GG e por si, sendo que despendia tempo para “ajudar” a irmã. Por sua vez, o Arguido AA afirma que, após a morte, “quem assumiu foram as duas irmãs” e JJ, contabilista conta que “eram os 3”, referindo-se à Arguida GG, ao Arguido AA e à irmã da Arguida, TT. Ora, destas versões algo incongruentes (pelo menos quanto a estas duas últimas e às duas primeiras), há um elemento comum, que é a presença da Arguida GG em todas elas. Na verdade, embora a Arguida tente desresponsabilizar-se, referindo que “iam gerindo” e que se apoiava muito na ajuda do irmão (o que este confirmou), esta afirmação acaba por traduzir uma assunção deste circunstancialismo, pois não é pelo facto de pedir ajuda ao irmão que a Arguida deixa de tomar as decisões relacionadas com o giro empresarial. Deste modo, apesar da tentativa das referidas testemunhas e também dos dois Arguidos de fazer o Tribunal crer que não era a Arguida GG que exercia as funções de gerente de facto, por as mesmas serem exercidas em conjunto com outras pessoas, a verdade é que, ainda que assim fosse (o que não se considera em virtude dos depoimentos das testemunhas supra explanados, que identificaram a Arguida como a pessoa que dava as ordens e que mandava na empresa após a morte de HH - relembre-se que PP apelidou-a mesmo de “a patroa” nos últimos tempos) isso não afastaria a consideração de que a Arguida exercia aquelas funções. Assim, considerando que a empresa tinha de ser gerida por alguém após a morte de HH (não sendo credível que ninguém estivesse encarregue disso, como se disse), ponderando os depoimentos das testemunhas que imputaram essas funções à Arguida, a própria assunção pela Arguida e pelo seu irmão de que o fazia o Tribunal formou a sua convicção acerca da realidade destes factos. Importaria, a este propósito, esclarecer as razões pelas quais não se considerou que neste período a gerência de facto era também exercida pelos Arguidos AA e DD. Valem exatamente os mesmos argumentos que se deixaram expendidos quanto à ausência de demonstração de que estes eram os gerentes de factos no período que antecedeu a morte de HH. Todavia, quanto ao Arguido AA, importaria reforçar que, apesar da testemunha JJ, contabilista, ter referido que tinham sido os 3 (onde se incluía o Arguido) a assumir a gerência após aquela morte, este depoimento não tem consistência suficiente para imputar estes atos ao Arguido, quer por ter sido a única testemunha que o relatou (quando podiam muitas outras ter tido conhecimento deste mesmo facto, note-se que nem a Arguida GG referiu que o Arguido AA tinha qualquer intervenção) quer por ter reconhecido nunca ter contactado o Arguido, apenas tendo sido convocado para uma reunião em que ele estaria presente. Além disto, a mesma testemunha referiu que apenas a Arguida GG e a sua irmã sabiam das “dívidas à Segurança Social”, e não o Arguido AA. Este circunstancialismo torna insuficiente a prova de que o Arguido AA praticava, após a morte, algum daqueles atos. Relativamente aos factos 4 a 9, não há dúvidas que foram entregues as declarações de remunerações naquele período e que as quotizações foram autoliquidadas, o que resulta do depoimento da WW, Técnica Superior, concatenado com os recibos de vencimento do funcionário LL juntos a fls. 121 a 153, co a nota de fls. 154 a 156 e com os recibos de vencimento do funcionário NN, junto a fls. 163 a 189 e notas de fls. 190 a 191, resultando de todos eles a dedução dos valores a entregar à Segurança Social e, ainda, com os mapas de fls.282 a 284 e de fls.281v. do qual resulta o valor global dos descontos quer a não entrega desses montantes. Especificamente quanto à autoria dos descontos e à sua retenção, importa relembrar que, até à sua morte, sendo HH que praticava todos os atos relativos à gestão da empresa, outra conclusão não é possível (nem existem elementos nesse sentido), senão a de que era este quem procedia a este tipo de tarefas, conclusão que é reforçada pelos depoimentos das testemunhas no sentido de que os pagamentos dos salários eram feitos por HH. Já após a sua morte, poder-se-ia fazer funcionar a mesma presunção, segundo a qual, sendo a Arguida GG a gerente de facto, quem tomava as decisões da empresa e quem, necessariamente decidia sobre a afetação dos seus recursos financeiros à satisfação das respetivas necessidades (facto provado 3), então foi também esta quem procedeu a estes descontos e à não entrega à Segurança Social. Mas, sem prejuízo, esta conclusão é reforçada pela própria testemunha KK (irmão da Arguida) que, como pessoa que auxiliava a Arguida GG nesta altura, reconheceu que foi efetivamente decidido o não pagamento à Demandante, afirmando que “na hora de pagarmos aos funcionários olhávamos mais ao lado humano do que às instituições”. Ora, considerando que era a Arguida quem tomava as decisões relativas à afetação dos recursos financeiros da empresa, mormente a de não proceder aos pagamentos à Segurança Social e aquilo que foi contado pelo seu irmão, não restaram dúvidas para o Tribunal quanto à autoria dos descontos e da sua não entrega à Segurança Social. Sem prejuízo, importa esclarecer a delimitação temporal dos factos em causa, por se ter apurado que a Arguida GG apenas não entregou os valores devidos relativos aos meses posteriores ao falecimento do seu pai. Como se disse, a Arguida apenas assumiu a gestão da sociedade após a morte do seu pai, pelo que apenas é responsável pela ausência de entrega das quotizações a partir dessa data. Como tal, considerando que os pagamentos têm de ser feitos até ao dia 10 e 20 do mês seguinte ao que respeitam, tem de se concluir que a Arguida não entregou as quotizações relativas às remunerações do mês de Agosto, pois o mês seguinte é setembro, altura em que HH já tinha falecido e em que já era a Arguida a tomar as decisões relativas à afetação dos recursos financeiros da sociedade, e era nesse mês (por ser seguinte ao que respeitam as quotizações de Agosto), que estas deveriam ser pagas. Através do mapa de fls.281v, somando os valores não pagos relativos aos meses de Agosto a Outubro de 2020, obtém-se o valor de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos). Naquilo que concerne ao facto 10, foram valoradas as notificações constantes de fls. 307 (relativamente ao Arguido AA), fls. 313 (quanto à sociedade EMP01...), fls. 324 (quanto a DD) e fls.348 (quanto à Arguida GG). A ausência de pagamento foi atestada pela testemunha WW, técnica superior. De todas estas considerações produzidas, concatenadas com o princípio da normalidade do acontecer e das regras da experiência comum resultam também demonstrados os factos 11 e 12. Especificamente quanto aos elementos volitivos, sendo factos do foro psicológico e, por isso, indemonstráveis naturalisticamente, tiveram-se assentes por reporte ao conjunto da prova produzida, em confronto com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da atuação desenvolvida por HH e pela Arguida e das circunstâncias em que agiu, reveladas nos demais factos objetivos que se deram como provados. Também o conhecimento da tipicidade da sua conduta resulta das regras de experiência comum, não podendo HH e a Arguida GG desconhecer que estavam obrigados, na qualidade de representante da sociedade, a entregar as quotizações que deduziu do vencimento dos trabalhadores. O facto 13 resulta das regras da experiência comum, por ser comum que as empresas em situações de dificuldade deixem de pagar as quotizações para poder pagar aos funcionários, situação de dificuldade que foi inequivocamente trazida pelo depoimento da testemunha JJ e por KK, que contaram que, após a morte de HH, as coisas na empresa se complicaram, resultando na insolvência da empresa, já declarada (conforme certidão permanente junta aos autos). Além disso, não se olvide que KK referiu mesmo ter sido em virtude de se olhar “mais para o lado humano”, que se decidiu não pagar à Segurança Social. Também através destas considerações é possível afirmar o facto 14 sendo possível afirmar que a Arguida agiu em representação da sociedade atendendo à generalidade da factualidade demonstrada. Naquilo que concerne ao facto 15, o Tribunal socorreu-se do depoimento de WW, que referiu os montantes em dívida e os meses a que respeitam, assegurando que aqueles não se encontravam pagos. Esclareceu, ainda o Tribunal que foi celebrado um acordo de pagamento das prestações em dívida entre a empresa e a segurança social (o que igualmente tinha sido relatado pela testemunha JJ), que depois acabaram por rescindir, o que justifica as diferenças de valores constantes do facto 9 e dos que constam do facto ora em análise, apresentando um valor global em dívida inferior (sem contar com os juros) ao que foi dado como provado quando se referiu os valores que não foram entregues à Segurança Social. Quanto às suas condições sociais, económicas e pessoais valoraram-se as declarações daqueles Arguidos que as expuseram de forma natural e credível, não emergindo razões que levem a que se questione a sua veracidade. Refira-se que, em face da ausência do Arguido DD a audiência de julgamento, não foi possível apurar quaisquer circunstâncias quanto às suas condições pessoais. A insolvência da empresa resulta da certidão permanente junta aos autos. Os antecedentes criminais dos Arguidos decorrem da análise dos seus CRCs de 12/12/2023. Quanto à restante factualidade não provada, em face da não prova do ponto A (cuja motivação já se deixou em cima explicitada) soçobram necessariamente os restantes factos relativos aos Arguidos DD, AA e GG, esta exclusivamente no período que antecedeu a morte do seu pai, HH (factos não provados B a G). 2. DO DIREITO
2.1. Enquadramento jurídico-penal Da responsabilidade criminal dos Arguidos pessoas singulares Face aos factos apurados, impõe-se agora proceder à subsunção daquela factualidade ao direito. A acusação imputa à Arguida a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e punido pelo n.º1, do artigo 105.º, para o qual aquele remete, conjugado com o artigo 105.º, n.º 4 e 7, do mesmo Regime. Nos termos do referido artigo 107.º, n.º1 “As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estar legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º”, determinando o n.º2 da mesma disposição legal a aplicação dos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Por sua vez, prevê o n.º4, do artigo 105.º, do sobredito Regime que “Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito” e o n.º7 do mesmo preceito legal que “Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”. A incriminação da conduta integradora do crime de abuso de confiança da segurança social visa, em primeira linha, a tutela do bem jurídico assente nos interesses patrimoniais da Segurança Social, no entanto, visa também o reforço dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com a administração tributária – cf. CARLOS TEIXEIRA e SOFIA GASPAR, Comentário das Leis Penais Extravagantes – Vol. II, Org. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE e JOSÉ BRANCO, Universidade Católica Editora, 2010, p.475. A este propósito, e para além do património da Segurança Social como bem jurídico protegido, também o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 8/2010 considerou ser “possível ver aí, como desvalor da ação, a atitude de desobediência em relação a um comando que vincula o agente, ou, até, uma postura de rebeldia, perante a política social previdencial que o Estado promove”. Relativamente aos seus aspetos principais, este ilícito criminal é caracterizado como sendo um crime específico ou próprio, por apenas poder ser praticado por entidades empregadoras, sendo essa qualidade especial do agente que justifica a incriminação, e um crime que tem por “objeto necessário as contribuições à Segurança Social deduzidas do valor das remunerações dos trabalhadores ou dos membros dos órgãos sociais, excluindo todas as demais” (cf. ISABEL MARQUES DA SILVA, Regime Geral das Infrações Tributárias, 2.ª Edição, p. 187). O tipo objetivo do ilícito traduz-se na não entrega, em determinado prazo, das quantias que foram descontadas nas retribuições dos trabalhadores. Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/10/2021, disponível em www.dgsi.pt “O crime de abuso de confiança contra a segurança social é um crime de omissão pura, que se consuma com a não entrega, no prazo legal, à Segurança Social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais (cfr. artigo 107º, n.º 1, do RGIT)”. Para que se considere completo o tipo objetivo do crime, impõe-se que haja uma prévia dedução no valor da remuneração devida ao trabalhador ou ao membro de órgão social, no cumprimento da sua obrigação de retenção desses valores, que torna a entidade empregadora como fiel depositária dos montantes deduzidos. Ao reter os valores, passa a estar obrigada à sua entrega e é essa omissão de um dever que lhe era imposto que leva ao preenchimento do tipo objetivo do crime. No que concerne ao tipo subjetivo do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, este circunscreve-se ao dolo, traduzido na representação e no conhecimento dos elementos objetivos do tipo e na vontade de os realizar, sendo certo que se admite o dolo em qualquer uma das suas modalidades plasmadas no artigo 14.º, do Código Penal. Verificado o tipo objetivo e subjetivo do crime, para que o agente possa ser punido, o legislador impôs duas condições objetivas de punibilidade e cristalizou-as no artigo 105.º, n.º4, aplicável ex vi 107.º, n.º2, do Regime Geral das Infrações Tributárias. A primeira condição assenta no decurso de “mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação” – cf. artigo 105.º, n.º4, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias. Esta exigência justifica-se como uma forma de assegurar uma certa adequação da reação penal a uma conduta, entendendo o legislador que “para se atingir uma imagem global do ilícito suficientemente grave ao ponto de justificar uma reação criminal, não basta a omissão de entrega da prestação a que o agente estava obrigado (IRS, IVA, IRC ou contribuições e quotizações para a Segurança Social), mas sim uma mora qualificada, ou seja, o decurso de um prazo fixado legalmente sem ser liquidado o débito, que objetivamente terá que decorrer para que se sancione a conduta” – cf. TIAGO MILHEIRO, “Da punibilidade nos crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a segurança social”, in Revista Julgar, n.º11, 2010, p.60. No que respeita à segunda condição de punibilidade, vertida na alínea b) do sobredito artigo 105.º, n.º4, do Regime Geral das Infrações Tributárias que prevê como condição “A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito”. Inicialmente, este pressuposto de punibilidade surge com alguma controvérsia atinente à sua natureza, tendo sido levantadas algumas vozes que o olhavam como um elemento do tipo. No entanto, depressa o Supremo Tribunal de Justiça pôs fim à controvérsia, vindo uniformizar jurisprudência no seguinte sentido: “A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objetiva de punibilidade (…)” – cf. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 6/2008. Note-se que, como condições da punibilidade que são, o elemento subjetivo do ilícito não tem de ser dirigido a elas ou seja, “a representação do facto e a inerente vontade de realizar o tipo não reclama a sua extensão às condições objetivas de punibilidade” – cf. Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, ob.cit .p.479. Volvendo ao caso dos autos, e procurando averiguar o preenchimento dos elementos do ilícito, verifica-se, perante a factualidade demonstrada, inexistirem dúvidas quanto a não terem sido entregues, efetivamente, as quantias relativas às quotizações da Segurança Social (cf. facto provado 6 a 8), que foram previamente deduzidas nos salários dos trabalhadores (cf. facto provado 4 e 5) e retidas para posterior entrega formando-se, assim, o dever de entrega daqueles montantes à Segurança Social. Assim, firma-se a conclusão de que se verifica o tipo objetivo do crime. A questão mais complexa podia, no entanto, ser adstrita à autoria dos factos que integram esses elementos. Disse-se, já, que o crime de abuso de confiança à Segurança Social é um crime específico por poder ser somente praticado pelas entidades empregadoras. Não há dúvida que, quando se verifiquem todos os elementos do tipo, a sociedade poderá ser responsabilizada. Isto não invalida, no entanto, a responsabilidade da pessoa singular que forma e exterioriza a vontade da pessoa coletiva e a consequente imputação daquela conduta à pessoa física que, através da sociedade, a concretizou. Com efeito, dispõe o artigo 6.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias que “Quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa coletiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija: a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado; b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante atue no interesse do representado”. É certo que, a dinâmica da vida das empresas e da sua gestão, traz consigo algumas dificuldades relativas à determinação imediata do responsável pela mesma, assentes na variedade de realidades com que é possível deparar, designadamente, situações onde aquele que figura como gerente na certidão permanente da sociedade não tem qualquer atuação efetiva na empresa, situações onde quem exerce a gerência de facto não figura sequer, como gerente ou, ainda, situações de plena coincidência entre o gerente de facto e o de direito. Entre estas realidades existem inúmeras outras, com ligeiros desvios, onde o gerente que, na sua grande maioria é somente gerente de direito mas que pontualmente é chamado a tomar decisões, ou onde exerce determinadas funções, mas não todas. Daqui decorre que aquilo que se exige é uma avaliação da vida da empresa, de forma a que se afira quem reúne os poderes de facto necessários, quem tem o domínio funcional dos factos. No caso concreto e perante a factualidade provada, é inequívoco que a Arguida GG, após a morte do seu pai (e apenas após este período), e em representação da Arguida EMP01..., Lda., reunia esses poderes e possuía o domínio funcional dos factos (cf. facto provado 3). Como tal, constatando-se que era a Arguida GG a gerente de facto da sociedade após a morte do seu pai, ou seja, pelo menos a partir de Setembro de 2020, e que, nessa qualidade, em representação da EMP01..., não entregou as quantias relativas às quotizações da Segurança Social dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020 (cf. facto provado 7) conclui-se que a Arguida preencheu o tipo objetivo do crime, no período circunscrito aos meses referidos. Já relativamente ao tipo subjetivo, destaca-se que a prática daqueles atos foi acompanhada dos elementos intelectuais e volitivos do dolo, conquanto a Arguida, quis reter e reteve, em nome e no interesse da sociedade, as quotizações relativas ao valor da remuneração dos trabalhadores, não os entregando à Segurança Social como era sua obrigação, face à qualidade de representante legal que assumia, obrigação que conhecia e que quis incumprir, integrando aqueles valores no património social (cf. facto provado 11 e 12). Assim, atento tudo aquilo que ficou explanado, conclui-se que a Arguida GG, com a sua conduta, preencheu os elementos objetivos e subjetivos do crime de que vem acusada. De referir, ainda, que ao contrário da Arguida, não se tendo demonstrado que DD e AA exercessem a gerência de facto da sociedade em nenhum momento e, bem assim, que tenham, em representação da empresa, deduzido e retido as quotizações que deveriam ser entregues à Segurança Social, tem de conclui-se que os Arguidos DD e AA não preencheram qualquer elemento do ilícito. Impõe-se, assim, agora, aferir da punibilidade da prática do crime pela Arguida GG. A punibilidade da prática deste crime depende da verificação dos dois pressupostos já mencionados. Na situação sub iudice, quer um quer outro se mostram preenchidos quanto à Arguida GG, porquanto decorreram já 90 dias desde o termo do prazo legal da entrega e, bem assim, foi a Arguida notificada para o pagamento no prazo de 30 dias, não o tendo feito (cf. factos provados 8 e 10). A este propósito importaria referir - porque a questão foi levantada pela defesa-, que a circunstância de a notificação da Arguida não fazer referência a que a falta de pagamento no prazo de 30 dias implicará a instauração de procedimento criminal contra a própria, referindo, somente, a instauração daquele procedimento contra a sociedade, não significa que a Arguida não foi validamente notificada. Na verdade, a condição de punibilidade prevista no artigo 105.º, n.º4, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, apenas exige que se verifique a falta de pagamento da prestação devida à Segurança Social nos 30 dias após a notificação para pagamento, não fazendo depender a validade dessa notificação de que seja feita a advertência das consequências do não pagamento. Em face do exposto, além de se ter verificado a prática do crime, estão também preenchidos os pressupostos da punibilidade, e, inexistindo causas de exclusão de ilicitude ou da culpa, o Tribunal não pode deixar de concluir que praticou a Arguida GG um crime abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 4, alíneas a) e b) e 7 e 107.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Pelo contrário, não se tendo verificado que os Arguidos DD e AA preencheram quer o elemento objetivo quer o elemento subjetivo do ilícito, terão os mesmos de ser absolvidos da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto e punido pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 4, alíneas a) e b) e 7 e 107.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Da responsabilidade criminal da Arguida EMP01... Impõe-se, agora, analisar a responsabilidade penal da sociedade comercial aqui Arguida, a EMP01..., LDA. O artigo 7.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias estabelece que “As pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infrações previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse coletivo”. Embora o artigo 11.º do Código Penal estabeleça a regra geral de que “só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal”, o legislador português fez-lhe corresponder várias exceções, que previu no mesmo preceito e em diplomas avulsos, dos quais, o Regime Geral das Infrações Tributárias. Assim é, quando fortes razões pragmáticas o imponham, por se justificar que também as pessoas coletivas sejam responsabilizadas pelas condutas ilícitas que são, por si, cometidas. No caso das infrações tributárias, decorre do sobredito artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias que a responsabilidade penal das pessoas coletivas está na dependência de um pressuposto imprescindível e que se traduz na exigência de que a infração fiscal tenha sido cometido pelo seu representante, em seu nome e no seu interesse, não obstante esta responsabilidade não excluir a responsabilidade individual dos respetivos agentes, assim se estabelecendo uma responsabilidade cumulativa (cf. artigo 7.º, n.º3, do Regime Geral das Infrações Tributárias). Ora, no caso concreto, verificou-se que a Arguida GG praticou esta infração, conforme ficou acima explanado, em nome e na qualidade de legal representante da Arguida EMP01..., LDA., no período circunscrito aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020. Além disto, ficou também demonstrado que HH, antes de falecer e em grande parte do período a que se reportam os autos também praticou todos os factos necessários à afirmação de que praticou este ilícito criminal na qualidade de legal representante da empresa. De referir que esta demonstração da atuação de HH em representação da sociedade resultou da comunicação da alteração substancial dos factos ao Arguido, à qual não houve oposição, permitindo-se, assim, que os autos prosseguissem com estes novos factos, cuja inclusão era imprescindível para que se atribuísse responsabilidade à pessoa coletiva (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/2018, proferido no processo 364/16.4T9SNT.L1-3). Deste modo, é possível afirmar que, tendo a infração sido cometida pelos representantes legais sucessivos da sociedade comercial, a Arguida EMP01..., LDA., cometeu, igualmente, o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 7.º, 105.º, n.ºs 1, 4, alíneas a) e b) e 7 e 107.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Da punição como crime continuado Importa determinar se, no caso concreto, estão verificados os pressupostos legais necessários para a consideração da conduta das arguidas GG e EMP01..., Lda., como um crime continuado. O artigo 30º, n.º 1 do Código Penal, estipula que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. A figura do crime continuado, consagrada no nº 2, do artigo 30º do Código Penal, está dependente da verificação cumulativa de determinados pressupostos: “a) realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico); b) homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objetivo da ação); c) unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da ação) em que as diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada; d) lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado); e) persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/04/2001, disponível em www.dgsi.pt). Ora, da análise dos pressupostos do crime continuado resulta que, na vertente objetiva, se exige uma homogeneidade de comportamento total e, na vertente subjetiva, se exige uma pluralidade de resoluções criminosas, de tal forma que a nova resolução renove a anterior, “de modo que todas elas se conservem dentro de uma «linha psicológica continuada” (cf. FIGUEIREDO DIAS “Direito Penal – Sumários e notas das Lições do Professor Figueiredo Dias ao 1.º Ano do Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de 1975-1976”, p. 127, Coimbra Editora, 1976). Eduardo Correia refere, a este propósito, não haver dúvidas “de que no crime continuado, às diversas condutas correspondem diversas resoluções. Simplesmente, estas resoluções não são entre si autónomas, mas, pelo contrário, estão numa dependência tal que, nunca se pode considerar uma delas, sem necessariamente se ter de tomar em conta a anterior” (Eduardo Correia in “Unidade e Pluralidade de Infracções”, p. 277, Almedina, 1996). No caso em apreço, as Arguidas (GG e EMP01...) não fizeram chegar à Segurança Social as quantias que retiveram a título de quotizações em violação da relação de confiança que se estabelece entre a segurança social e a entidade patronal que em nome daquela procedem à retenção de cotizações, movidas pelas dificuldades financeiras pelas quais esta atravessava. E, aquando da prestação seguinte, porque as dificuldades se mantinham e nenhuma reação institucional houve à sua falta, tomaram nova decisão de não fazer as entregas. Nas seguintes, mantendo-se o quadro, repetiu-se o comportamento. Daí que a manutenção deste quadro exterior, que facilitou a repetição da atividade criminosa, torna cada vez menos censurável o comportamento do agente por não agir de acordo com o Direito. Por outro lado, apenas determinaria o afastamento da figura do crime continuado uma eventual alteração do quadro estável, por ocorrerem atos que alertem o agente para o desvalor da conduta e que, mesmo assim, o Arguido pretendesse continuar, o que não ocorreu no caso concreto pois não se verificou qualquer reação institucional da administração, ou reclamação por parte dos serviços da segurança social, nem as arguidas foram notificadas para os termos de qualquer processo crime ou tributário, coisas que a suceder, inevitavelmente, alterariam o quadro de solicitação externa em que o mesmo se movia, e que teriam reflexo no juízo concreto de censura que é lhe é dirigido (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/06/2006 no processo 1011/05-1). Assim, a factualidade provada nos presentes autos apresenta uma perfeita homogeneidade de condutas (omissão de entrega do montante de descontos para a Segurança Social, efetuados aos trabalhadores por conta de outrem) com renovação da resolução criminosa sempre que a ocasião se proporcionou, tendo como motivação subjacente sempre as mesmas dificuldades financeiras da empresa. Nessas circunstâncias, admite-se que o esforço de manter a solvabilidade da empresa, e em última instância a sua sobrevivência, e, no caso da Arguida GG, a circunstância de vir impulsionada pela conduta já anteriormente adotada pela empresa, tenha arrastado as Arguidas para a conduta desviante, em termos de tornar sucessivamente mais difícil e menos exigível contrariar o recurso a esse expediente, diminuindo consideravelmente a culpa. Pelo exposto, considera-se que ambas as Arguidas praticaram um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, nos termos do artigo 30º, n.º 2 do Código Penal. 2.2. Da determinação da pena concreta Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta das Arguidas, importa agora proceder à determinação da espécie e da medida da reação penal a aplicar. 2.2.1. Da escolha da espécie da pena aplicável à Arguida GG O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é punido, para as pessoas singulares, com pena de prisão ou com pena de multa, conforme se retira da conjugação dos artigos 105.º, n.º1, 107.º, n.º1, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Para as pessoas coletivas apenas é aplicável a multa, pelo que não há opção a fazer (cf. artigo 12.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias). Perante a previsão alternativa de uma pena privativa da liberdade e uma pena não privativa da liberdade, a primeira operação a realizar é a escolha da espécie da pena aplicável. Nos termos do artigo 70.º, do Código Penal, o Tribunal, perante uma situação destas, deve dar prevalência às medidas não privativas da liberdade se forem suscetíveis de “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim, perante o comando do legislador, e de acordo com o princípio da intervenção mínima e com a consideração de que a pena de prisão deve ser uma reação de última ratio, só aplicável quando outras se revelem inadequadas a responder às exigências de prevenção, importa determinar se a aplicação de uma pena de multa, no caso concreto, poderá ainda efetivar a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente, ou seja, os fins visados pela aplicação das penas, diretamente relacionados com a concretização de exigências de prevenção geral e de prevenção especial positiva referidos pelo artigo 40.º do Código Penal. No caso concreto, a Arguida não tem antecedentes criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema formal de justiça pelo que é verosímil que a aplicação de uma pena de multa tenha a virtualidade de a sensibilizar e de a fazer interiorizar o desvalor da sua conduta, prevenindo-se o cometimento de novos crimes e assegurando a tutela dos bens jurídicos ao mesmo tempo que se evita a reclusão e os efeitos prejudiciais que a mesma representa em termos de ressocialização do agente. Como tal, opta-se, neste caso, pela aplicação de uma pena de multa.
2.2.2. Da determinação da medida concreta da pena 2.2.2.1. Da Arguida GG Escolhida a espécie da pena, importa encontrar a moldura penal abstrata aplicável ao caso. A dosimetria do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social vai de 10 dias de multa até 360 dias de multa, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º1, 105.º, n.º1, ex vi artigo 107.º, n.º1, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Para a determinação da medida concreta da pena de multa, o legislador português, inspirado no modelo escandinavo, acolheu o sistema dos dias de multa. Este sistema, assenta na realização de duas operações sucessivas às quais presidirão critérios distintos. Num primeiro momento, o julgador será chamado a determinar o número de dias de multa, convocando os mesmos critérios que utiliza na determinação da pena de prisão pressupostos pelo artigo 71.º, do Código Penal. Num segundo momento, terá que ser fixada, dentro dos limites legais, o quantitativo de cada dia de multa, atendendo já não a critérios de prevenção e de culpa do agente mas sim à sua situação económico-financeira e aos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º, n.º1 e n.º2, do Código Penal. No âmbito da primeira operação a realizar, a determinação da medida concreta da pena de multa deve ser feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, conforme dispõe o artigo 71.º n.º1 para o qual o artigo 47.º do Código Penal expressamente remete. A referência à culpa terá de ser conjugada com a imposição de que a pena não ultrapasse, em caso algo, a medida da culpa – cf. artigo 40.º n.º2, do Código Penal-, enquanto que a referência a que se atendam às exigências de prevenção traduz a necessidade de reafirmação contrafáctica da norma violada junto da comunidade. A culpa e a prevenção funcionarão assim, como os dois vetores que oferecem os limites dentro dos quais deve ser achado o quantum da condenação, e que sempre terá de ser determinado com vista à realização das finalidades da punição, correspondendo o ponto dado pela culpa o limite máximo inultrapassável e sendo o limite mínimo desta operação dado pelo quantum da pena, imprescindível para a tutela dos bens jurídicos e para a estabilização da crença comunitária na norma violada, isto é, pelo limite abaixo do qual já não é suportável a fixação de uma pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função. Dentro destes limites atuam os pontos de vista de prevenção especial positiva, virados para a ressocialização do agente e para a sua necessidade de intervenção, que serão os que determinarão, em último termo a medida da pena. No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são elevadas, atendendo à frequência com que estes crimes são cometidos e a uma certa leviandade enraizada na comunidade quanto à sua prática, resultante de uma certa “facilidade” na perpetração destes factos, justificada, não raras vezes, com momentos difíceis pelos quais muitas empresas passam, em que os gerentes se veem obrigados a fazer escolhas quanto aos pagamentos que realizam e onde, invariavelmente, o Estado é o prejudicado por se tentar, em primeiro lugar, conservar as relações comerciais e os trabalhadores. Sem prejuízo, não podem estas práticas ser toleradas pela comunidade, impondo-se uma consistente reafirmação da norma violada, devendo o limite mínimo dado pelas exigências de prevenção geral fixar-se acima do limite mínimo estabelecido pelo legislador. Quanto à culpa, determinante do limite máximo inultrapassável, está assente que a Arguida agiu com dolo direto, a forma mais grave da culpa, tendo atuado livre e conscientemente e sendo, por isso, legítimo exigir-lhe que tivesse agido de outra forma. No que concerne às exigências de prevenção especial, são as mesmas diminutas no caso dos autos, não apresentando a Arguida necessidades de ressocialização nem de intervenção na prática de novos crimes, conquanto não tem quaisquer antecedentes criminais. Devem, agora, apurar-se, no caso concreto, as circunstâncias do complexo integral do facto que possam contribuir para a concretização das mencionadas culpa e prevenção. Para esta operação, devem ser consideradas as circunstâncias concretas que possam militar contra ou a favor do arguido e que não integrem já o tipo de ilícito (de forma a respeitar o princípio da proibição da dupla valoração), tendo o legislador auxiliado o julgador através de uma concretização exemplificativa de alguns elementos que podem ser tidos em consideração – cf. artigo 71.º, n.º2, do Código Penal. O grau de ilicitude da conduta é, diminuído, face ao valor global das quotizações não entregues pela Arguida, tendo o crime sido executado na sequência daquilo que já vinha sendo feito pelo seu pai. Quanto à intensidade do dolo milita contra a Arguida o facto de ter praticado os factos com dolo na sua modalidade mais intensa, ou seja, dolo direito (artigo 14.º, do Código Penal), uma vez que de forma deliberada, livre e consciente, quis agir e agiu da forma já descrita. Olhando para os fatores atinentes à personalidade da Arguida, realce-se a sua inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais, o que demonstra uma estabilidade desejável e que milita a favor da Arguida, bem como a expectável sensibilidade à pena que terá uma vez que este é o seu primeiro contacto com o sistema formal de justiça, sendo por isso, de esperar uma maior suscetibilidade de ser influenciada pela mesma. Assim, considera-se adequado aos critérios elencados, e às finalidades da punição – mormente, por um lado, as exigências de prevenção geral elevadas e, por outro lado, as atenuadas exigências de prevenção especial - aplicar à arguida a pena de multa de 130 (cento e trinta) dias. Segue-se, agora, a segunda operação integrante do processo de determinação da medida concreta da pena de multa e que se traduz na fixação do montante a que corresponderá o quantitativo diário da pena. Esta exigência legal justifica-se uma vez que o legislador procurou que a pena de multa fosse compreendida pelo arguido como uma verdadeira sanção pela conduta ilícita, o que só acontecerá se a multa for proporcional e adequada aos seus rendimentos, correndo-se o risco de uma mesma pena encerrar em si um quantum de sacrifício mais elevado para um arguido do que para outro que tivesse uma condição económica mais elevada. O quantitativo diário fixado deve situar-se entre os limites legalmente impostos de Eur.1,00 e Eur.500,00 - cf. artigo 15.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e para a sua determinação deve atender-se à situação económica do arguido e aos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º, n.º2, do Código Penal. Ante a factualidade provada, resulta que a Arguida se encontra desempregada, auferindo Eur.480,00 (quatrocentos e oitenta euros) de subsídio de desemprego, suportando, de renda, a quantia de Eur.200,00. Assim, afigura-se adequado, fixar o quantitativo diário em Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta). Face a todo o exposto, decide-se aplicar à Arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, a pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um montante global de Eur.715,00 (setecentos e quinze euros). 2.2.2.2. Da Arguida EMP01... Lda. No que concerne à pena de multa relativa à sociedade Arguida, a moldura aplicável é a prevista no artigo 105.º, n.º5, do Regime Geral das Infrações Tributárias porquanto o valor da apropriação global é superior a Eur.50.000,00. Assim, a dosimetria da pena vai de 240 a 1200 dias de multa (cf. artigo 105.º, n.º5, e 107.º n.º2, do Regime Geral das Infrações Tributárias. Para determinar a medida concreta da pena importa atender às circunstâncias enunciadas no artigo 71.º, n.º2, do Código Penal. Além do que se deixou dito quanto às exigências de prevenção geral deste crime, pesa, ainda, em desfavor da arguida, a grau de ilicitude da conduta, médio alto atento o período de tempo em que as omissões de pagamento ocorreram (Junho de 2017 a Outubro de 2020) e o valor global da apropriação. A seu favor aponta-se o facto de estar insolvente, o contexto de crise em que os factos foram perpetrados e o facto de não ter antecedentes criminais. Considerando os fatores mencionados afigura-se adequada e proporcional a condenação da sociedade arguida numa pena concreta de 600 (seiscentos) dias de multa. Relativamente ao quantitativo diário da pena de multa, há que atender ao disposto no artigo 15.º do Regime Geral das Infrações Tributárias que fixa, quanto às pessoas coletivas, a quantia diária entre Eur.5,00 e Eur.5.000,00 em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos. Atender-se-á, naturalmente, quanto à sociedade arguida, o facto de esta, à data dos factos, sofrer dificuldades económicas e estar insolvente, pelo que se considera que o quantitativo diário não poderá deixar de ultrapassar os Eur.5,00 (cinco euros). Deste modo, decide-se aplicar à Arguida EMP01... Lda., pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, a pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,00 (cinco euros), perfazendo um montante global de Eur.3.0000,00 (três mil euros).
3. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL O Demandante Instituto da Segurança Social, I.P. veio deduzir pedido de indemnização civil contra os Arguidos, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos, acrescida de juros de mora legais, computados à data da apresentação do pedido de indemnização civil em Eur.8.664,03 (oito mil seiscentos e sessenta e quatro euros e três cêntimos) e dos juros vincendos, até efetivo e integral pagamento. Os factos que são objeto de procedimento criminal além de fundarem a responsabilidade criminal do agente que o pratica, podem ser igualmente fundamento de responsabilidade civil, quando causem danos suscetíveis de reparação patrimonial nos termos da lei civil. O processo penal português é conformado pelo princípio da adesão, consagrado no artigo 71.º do Código de Processo Penal, que determina que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”. No âmbito do crime de abuso de confiança à Segurança Social, foi uniformizada jurisprudência no sentido da admissibilidade do pedido cível com este conteúdo, rezando o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 1/2013 “em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. no artº 107º nº 1, do R.G.I.T., é admissível, de harmonia com o artº 71.º, do C.P.P., a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objeto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social.”. De acordo com o artigo 79º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, “Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções”. Por sua vez, estabelece o artigo 24.º, da Lei Geral Tributária que “Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. Daqui resulta que, quando a prática de determinados atos causem danos a terceiros, designadamente, a prática de um crime deste tipo, é responsável pelo seu ressarcimento o gerente que, nessa qualidade, praticou o facto ilícito e culposo. Ora, no caso concreto, verifica-se que quem assumia essa qualidade de gerente de facto era, efetivamente, HH e, após a sua morte, a Arguida GG e que, nessa qualidade, praticaram os atos que consubstanciam o crime em que a sociedade foi condenada. A este propósito refira-se que a condenação no âmbito do processo crime e o futuro cumprimento da pena aplicada, não a exonera do pagamento, a título indemnizatório, dos danos que tenha causado (cf. artigo 9.º do Regime Geral das Infrações Tributárias). A análise da existência de uma obrigação de indemnizar a cargo da Arguida deve ser feita nos termos gerais da responsabilidade civil (cf. artigo 129.º, do Código Penal). Esses termos reportam-se ao artigo 483.º, do Código Civil, que estabelece que incorre na obrigação de indemnizar aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente um direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios e assim lhe causar danos. Deste modo, para emergir, da prática do facto ilícito, a obrigação de indemnizar, é necessária a verificação dos seguintes pressupostos: facto voluntário; ilicitude do facto; culpa do agente (traduzida no juízo de censura dirigido a este); existência de um dano, suscetível de avaliação pecuniária ou não; nexo de causalidade entre o facto voluntário e o dano sofrido, a aferir segundo o critério da causalidade adequada, consagrado no artigo 563.º, do Código Civil, no qual é causa do dano o facto sem o qual o resultado não se produziria, mas, ainda, é necessário que o facto seja, em abstrato, causa adequada a produzir o dano. Verificada a responsabilidade civil, emerge a obrigação de indemnizar. O princípio geral nesta matéria traduz-se na obrigação de reconstituição in natura, ou seja, a obrigação de reconstituir a situação que existia antes da lesão, ou que existiria se não tivesse havido o facto que produziu o dano. Transpondo estas considerações para o caso dos autos, relembra-se que nos casos de responsabilidade civil fundada na prática de ilícitos criminais, a afirmação dos requisitos da ilicitude e da culpa ficam facilitados, porquanto a sua verificação já foi atestada no âmbito da subsunção dos factos à prática do crime. É o que ocorre no caso concreto, onde se verifica que as Arguidas GG e EMP01... praticaram um facto ilícito e culposo conforme decorre da condenação que ora se decidiu. Sem prejuízo, relativamente aos Arguidos AA e DD, não se verificou o facto ilícito e culposo e por isso, não se verificando os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a estes, tem o pedido de indemnização civil de improceder. Relativamente aos danos, o Instituto da Segurança Social invocou um dano patrimonial que ascende a Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) correspondente ao valor global das deduções que não lhe foram entregues. No entanto, apenas ficou demonstrado a responsabilidade na produção total deste dano relativamente à Arguida EMP01..., Lda., sendo que a Arguida GG apenas foi responsável pelo prejuízo de Eur.5.333,34, incluído nesse valor. Por fim, no que concerne ao nexo de causalidade, é inequívoco que a omissão das Arguidas produziu, como consequência direta e necessária, o prejuízo monetário para a Segurança Social. Assim, enquanto o prejuízo pode ser imputado, na íntegra à sociedade EMP01..., porquanto esta é responsável pela ausência de pagamento levada a cabo através dos seus legais representantes (primeiro HH, depois GG), durante todo o período a que se reportam os autos, a conduta da Arguida GG apenas produziu o prejuízo monetário equivalente à falta de entrega das quotizações correspondentes ao mês de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, o que ascende, de acordo com o quadro do facto provado 15, a Eur.5.333,34. Assim, face a todo o exposto, conclui-se que estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil da Arguida o que forma a obrigação desta de ressarcir os danos que causou. Comprovada esta fonte obrigacional, gera-se a obrigação de indemnizar o dano sofrido pela Assistente que recai sobre as Arguidas. A obrigação de indemnizar assenta num princípio geral, nos termos do qual aquele que está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – cf. artigo 562.º, do Código Civil. A reconstituição natural é, geralmente, o objetivo da indemnização dos danos. No entanto, quando não seja possível, deve ser fixada uma indemnização – cf. artigo 564.º, n.º1, do Código Civil. Olhando à proporção dos danos causados por uma Arguida e por outra, como se disse, a Arguida EMP01... Lda. é responsável pelo pagamento dos danos que causou, que ascendem a Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) e a Arguida GG é solidariamente responsável pelo pagamento de parte desse valor, isto é, da quantia de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos). Deste modo, julga-se o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, condenando-se as Arguidas GG e EMP01... ao pagamento de uma indemnização no valor de Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), sendo a Arguida EMP01... responsável pelo pagamento total desse valor e a Arguida GG responsável solidária pelo pagamento, apenas, da quantia de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos) daquele valor. Dos juros de mora Além do valor das cotizações não pagas, o demandante peticiona ainda o valor dos juros de mora pelo que se impõe avaliar se a eles tem direito. A mora do devedor verifica-se quando, sendo a prestação ainda possível, este não a cumpra no tempo devido para o efeito (cf. artigo 804.º, n.º2, do Código Civil). O devedor constitui-se em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, não o fazendo, ou, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, se provier de facto ilícito ou se o devedor impedir a interpelação – cf. artigo 805.º, n.º1 e n.º2 do Código Civil. Conjugando o disposto no artigo 18.°, do Decreto-Lei n.º 140-D/86, de 14 de Junho e no artigo 10.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, verifica-se que as entidades empregadoras estão obrigadas a entregar nos Cofres da Segurança Social os valores retidos aos trabalhadores nos salários a estes pagos, entrega essa que deve ser mensal, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições disserem respeito. Trata-se assim de uma obrigação com termo certo, pelo que a constituição em mora do devedor não depende de interpelação, antes se verifica pelo termo do prazo previsto nos referidos artigos, sem que se tenha procedido a tal entrega. A verificação da mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor o que, nas obrigações pecuniárias, corresponde aos juros, a contar do dia da constituição em mora – cf. artigos 804.º, n.º1 e 806.º, n.º, do Código Civil. Acresce que, dispõe o artigo 16.º, n.º1 do Decreto-Lei 411/91 que “Pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fração”. Tais juros são calculados nos termos do n.º2 do mesmo preceito que dispõe que “A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma”. Daqui resulta que são devidos juros de mora pelo montante das quotizações da Segurança Social em dívida, calculados nos referidos termos. Assim sendo, atendendo a que ficou demonstrado que o valor do dano do Demandante ascende, a Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), a essa quantia deverão acrescer os juros legais calculados de acordo com o previsto no referido artigo 16º do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de outubro, sendo que o valor dos juros vencidos à data da propositura do pedido de indemnização civil não podem exceder Eur.8.664,03 (relativamente ao montante global em dívida) e Eur.608,09, relativamente ao montante de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), pelo qual, além da sociedade comercial, também a Arguida GG é responsável. DAS CUSTAS No que tange às custas criminais, dispõem os artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, que, em caso de condenação, o arguido é condenado nas custas e nos encargos processuais. Nos termos do artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, o juiz fixa a taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa, e dentro dos limites constantes da Tabela III que se fixam entre 2 a 6 UCs. Tenho havido condenação, é a Arguida GG e EMP01... Lda. responsável pelo pagamento das custas criminais sendo que, atendendo à atividade processual e à causa, o Tribunal fixa a taxa de justiça em 3 UCs. No que tange às custas relativas ao pedido cível, dispõe o artigo 4.º, n), do Regulamento das Custas Processuais (ex vi artigo 524.º, do Código de Processo Penal), que estão isentos de custas “o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respetivo valor seja inferior a 20 UC”. Ascendendo o valor do pedido a Eur.48.985,45, haverá lugar a condenação em custas no âmbito do pedido de indemnização civil, que serão determinadas nos termos do Código de Processo Civil conforme estabelece o artigo 523.º, do Código de Processo Penal. Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”. O pedido formulado pelo demandante ascende a Eur.48.985,45, tendo a Arguida EMP01..., Lda. sido condenada no pagamento deste montante. No entanto, a Arguida GG apenas foi condenada no pagamento da quantia de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), do valor peticionado e os restantes Arguidos foram absolvidos do pedido. Como tal, as custas serão a cargo da demandante e das demandadas GG e EMP01..., na proporção do respetivo decaimento.
III. DISPOSITIVO Por tudo considerado, decide-se: a) Absolver o Arguido AA, da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada previsto e punido pelos artigos 5.º, n.º2, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias. b) Absolver o Arguido DD, da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada previsto e punido pelos artigos 5.º, n.º2, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias. c) Condenar a Arguida EMP01..., LDA pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.e p. pelos artigos 5.º, n.º2, 7.º, nºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4 e 5, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, numa pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,00 (cinco euros), num total de Eur.3.000,00 (três mil euros); d) Condenar a Arguida GG pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, p.e p. pelos artigos 5.º, n.º2, 7.º, nºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2 e 105.º, n.ºs 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, numa pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um montante global de Eur.715,00 (setecentos e quinze euros). e) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido, e, em consequência: a. condenar a Demandada EMP01..., LDA a pagar ao Demandante, Instituto de Segurança Social I.P, a quantia de Eur.48.985,45 (quarenta e oito mil novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros que, à data da apresentação do pedido de indemnização civil não podem exceder Eur.8.664,03 b. condenar a Demandada GG a pagar ao Demandante, Instituto de Segurança Social I.P, a quantia de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), do valor de Eur.49.985,45 acima referido, sendo solidariamente responsável por esse pagamento com a EMP01..., Lda., acrescida de juros que, à data da apresentação do pedido de indemnização civil não podem exceder Eur.608,09. f) Absolver os Arguidos/Demandados do demais peticionado. g) Condenar as Arguidas EMP01..., LDA. e GG no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, nos termos do artigo 513.º, do Código de Processo Penal e artigos 8.º n. º 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo. h) Condenar a Demandante e as Demandadas EMP01... e GG nas custas processuais devidas pela dedução do pedido de indemnização civil, na proporção do respetivo decaimento.» (…)”
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A. APRECIAÇÃO DO RECURSO:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No caso presente, as questões colocadas no recurso interposto pela arguida são as seguintes:
De Facto
- Erro de julgamento, com violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
De Direito
- Qualificação jurídica.
- Medida da pena
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1ª Questão -Impugnação da matéria de facto, erro de julgamento, violação dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova.
Como é sabido a matéria de facto pode ser sindicada de dois modos. Um mais restrito, a chamada «revista alargada», que abrange os vícios previstos no artigo 410º, nº2, do CPP. Outro, a chamada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
Quanto ao primeiro modo de sindicância da matéria de facto, de acordo com o artigo 410º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão.
Atentemos então em cada dos vícios do artigo 410º, n.º 2 do CPP.
- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. O tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada.
Este vício não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, em que se afirma que teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Existirá contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando, por exemplo, um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
- Erro notório na apreciação da prova.
Este vício, previsto no artigo. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, dando como provado o que não pode ter acontecido e aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum. O erro notório na apreciação da prova terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.
A recorrente não invoca que o texto da decisão sob escrutínio padeça de qualquer destes vícios. Porém, sendo os vícios da decisão previstos no nº 2 do art. 410º, do CPP de conhecimento oficioso, no exercício dessa tarefa percorremos o que ficou exarado na sentença recorrida, mas não logramos concluir que naquele texto, que aqui damos por reproduzido, a matéria de facto provada não seja suficiente para a decisão; que se verifique contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e que ocorra um erro, ainda mais notório, na apreciação da prova.
Assim, no caso dos autos, do texto da decisão recorrida não resulta qualquer dos vícios da previstos no art. 410.º, 2, do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
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Passemos, então, ao campo da impugnação alargada da matéria de facto.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (Ac. STJ de 16.06.2005).
Assim, deve concluir-se que o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente – Ac. do STJ de 10.01.2007.
Por outro lado, o nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
Este princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Postas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Analisemos.
Das motivações e conclusões do recurso apresentado constata-se que a recorrente acaba por se limitar a questionar a ponderação da prova feita no tribunal recorrido, sem que se nos afigure existir uma verdadeira concretização do suposto erro que tenha sido cometido nessa apreciação.
A este propósito afirma a recorrente na sua motivação: «Foi precisamente nessas condições que a sociedade viveu nos meses que se seguiram ao decesso do pai da recorrente. A recorrente - e os irmãos, todos na qualidade de herdeiros -, movidos pela prévia administração de facto por banda do seu pai, foram tentando cumprir com as obrigações, sem nunca se assumir como verdadeira gerente. Esta, como se disse, por fazer o que pai mandava em vida deste e, por isso mesmo, por ter mais proximidade com a sociedade EMP01..., tinha maior proximidade com trabalhadores e fornecedores e, por isso, foi a mesma quem mais se assumiu perante os mesmos. Mas daí não se pode extrair a gerência de facto. A recorrente tudo fez “a pedido” dos herdeiros, considerando a referida proximidade, sem qualquer animus de representação da sociedade devedora. Todos foram gerindo. Não pode, pois, falar-se de um verdadeiro exercício da gerência pela recorrente, necessário à condenação, muito menos, de um proveito próprio da recorrente. Ademais, não se percebem, verdadeiramente, as razões pelas quais o Tribunal deu credibilidade a determinados depoimentos, apenas em parte, não o credibilizando no seu todo. Concretamente, entendeu que, os depoimentos de JJ, contabilista e da testemunha KK, irmão da Arguida e, ainda, as declarações da Arguida GG e do Arguido AA permitiram dar por provada a administração da sociedade por banda da recorrente – considerando-os credíveis, mas já não foram suficientes a dar por provado que, após o decesso do pai da recorrente, a sociedade não era gerida, em concreto, por ninguém, vigorando uma gestão conjunta e de desresponsabilização de uma pessoa concreta (trechos da própria sentença) A verdade é que o depoimento dessas testemunhas se revelou coerente entre si e com o depoimento da arguida, no sentido de que, não ocorreu, por banda desta, um verdadeiro exercício da gerência, não havendo motivo algum – nem consta da sentença – que mereça que o depoimento seja, nesta parte, descredibilizado. Acresce que, o depoimento da referida testemunha KK serviu para sustentar o facto provado 13: O facto 13 resulta das regras da experiência comum, por ser comum que as empresas em situações de dificuldade deixem de pagar as quotizações para poder pagar aos funcionários, situação de dificuldade que foi inequivocamente trazida pelo depoimento da testemunha JJ e por KK, que contaram que, após a morte de HH, as coisas na empresa se complicaram, resultando na insolvência da empresa, já declarada (conforme certidão permanente junta aos autos). Além disso, não se olvide que KK referiu mesmo ter sido em virtude de se olhar “mais para o lado humano”, que se decidiu não pagar à Segurança Social. Pelo que, uma vez mais, não se percebem as razões pelas quais o depoimento desta testemunha não serviu para não responsabilizar a recorrente pelo exercício da gerência, mas serviu para sustentar o facto 13… Como supra se disse, o depoimento desta testemunha, porque credível, impunha que os factos que imputam a gerência à recorrente fossem dados por não provados. Neste contexto, entende a recorrente que, lida a sentença e neste particular, no limite o Tribunal deveria ter-se decidido pro reo, absolvendo-a.» (…)
Ora, face a esta alegação da recorrente não se percebem, verdadeiramente, as razões pelas quais se insurge contra o facto do tribunal recorrido ter dado credibilidade a determinados depoimentos, apenas em parte, não os credibilizando no seu todo.
Concretamente, entendeu que, os depoimentos de JJ, contabilista e da testemunha KK, irmão da Arguida e, ainda, as declarações da Arguida GG e do Arguido AA permitiram dar por provada a administração da sociedade por banda da recorrente – considerando-os credíveis,
Deste modo, o recurso não descreve em que consiste especificadamente o erro de julgamento, não se constatando uma discriminação, com referência à motivação de facto, da violação pelo tribunal a quo de concretas regras da experiência comum ou a infração de critérios legalmente impostos na apreciação da prova, ou ainda a formulação de juízo ilógico, que sejam patentes na decisão recorrida e tenham sido determinantes da decisão sobre a matéria de facto.
Não é minimamente suficiente para atingir tal desiderato alegar que os depoimentos daquelas testemunhas e declarações dos arguidos deveriam ter conduzido a uma decisão diferente relativamente à matéria de facto constante do ponto 13º e dada como provada.
Contrariamente ao entendimento da recorrente, o tribunal recorrido considerou que desses depoimentos e declarações não resulta uma prova minimamente concludente sobre a não participação efetiva da arguida GG na gestão da empresa, antes pelo contrário, entendeu-se, não só quanto à matéria do ponto 13º mas também quanto ao ponto 3º, aquela que verdadeiramente é questionada: “(…) «Esclarecidas as questões relativas ao período que antecedeu a morte de HH e perante a convicção do Tribunal de que era este o gerente de facto, embora o Tribunal não tenha ficado convencido de que a Arguida GG exercesse a gerência de facto da sociedade conjuntamente com o seu pai enquanto este era vivo, ficou demonstrado que, após essa data, foi a Arguida quem tomou as rédeas da sociedade e passou a agir como gerente de facto (facto provado 3). Para a formação da convicção do Tribunal quanto a este aspeto destacam-se os depoimentos das testemunhas LL, MM, PP, NN e QQ (funcionários da EMP01...) e RR (que fez negócios com a EMP01...) que permitiram concluir que, após morte de HH, os atos típicos de uma gerência de facto eram praticados pela Arguida. Com efeito, a testemunha LL afirmou que quando HH “faltou”, era com a Arguida GG que falava. MM e NN referiram expressamente que quando HH faleceu quem começou a dar as ordens foi a Arguida, tendo este último reforçado que quando surgia alguma questão que era preciso resolver era com a Arguida que falavam. RR, cuja empresa em que trabalhava fazia alguns transportes para a EMP01... contou que depois de HH falecer tratou dos transportes com a Arguida. Esta imputação destas condutas à Arguida é ainda reafirmada pela testemunha PP, cujo depoimento foi altamente credível, pelo descomprometimento que demonstrou (ao contrário de alguns funcionários ouvidos, que transpareceram algum comprometimento com a salvaguarda da Arguida GG, como é exemplo SS, com um depoimento muito inseguros e na tentativa de dizer o menos possível sobre a situação). A referida testemunha, PP, contribui fortemente para robustecer a convicção do Tribunal quanto a estes factos, pois, além de comungar das afirmações das restantes testemunhas, quanto a ser a Arguida a dar as ordens após a morte de HH, identificou a Arguida como sendo “quem mandava ultimamente, a patroa”. Ora, esta testemunha não teria identificado assim a Arguida se esta não atuasse como tal, não tomasse as decisões da empresa e não tomasse as rédeas do giro empresarial. Além destes depoimentos, os depoimentos de JJ, contabilista e da testemunha KK, irmão da Arguida e, ainda, as declarações da Arguida GG e do Arguido AA, permitem, ainda, sustentar esta convicção. Senão veja-se. Estes depoimentos e estas declarações dos Arguidos procuraram transmitir a ideia de que a sociedade não era gerida, em concreto, por ninguém, sendo oferecida uma ideia de gestão conjunta e de desresponsabilização de uma pessoa concreta, como se a empresa fosse um barco que navegasse sem ninguém ao leme e por si só, apenas com intervenções pontuais e de pessoas indiferenciadas. No entanto, esta ideia não colhe qualquer credibilidade por não ser verosímil para o Tribunal, que a sociedade ficasse a ser gerida por ninguém, até porque a empresa continuou a laborar (como a própria Arguida reconheceu e como resulta do depoimento de JJ), tendo sido pagos salários e realizados negócios pelo que tinha, necessariamente, de haver alguém a tomar as decisões, a pagar os salários, a realizar as transações comerciais, falar com fornecedores e clientes e, forçosamente, a decidir sobre a afetação dos recursos financeiros à satisfação das necessidades da empresa. E, olhando aos depoimentos já acima elencados (das testemunhas LL, MM, PP, NN e QQ e RR) e, agora, aos depoimentos de JJ e de KK conjugados com as declarações dos Arguidos GG e AA, não se pode fugir à conclusão de que, esse “alguém” que, após a morte de HH, tomava as decisões sobre a empresa e exercia as demais funções típicas de uma gerência de facto, era a Arguida GG. Com efeito, a própria Arguida GG, quando perguntada sobre quem geria a empresa após a morte do pai, refere que “íamos gerindo”, contando que pedia ajuda ao irmão (testemunha KK), declarações que são corroboradas pela testemunha KK, irmão da Arguida que acaba por referir que as decisões da empresa eram tomadas pela sua irmã GG e por si, sendo que despendia tempo para “ajudar” a irmã. Por sua vez, o Arguido AA afirma que, após a morte, “quem assumiu foram as duas irmãs” e JJ, contabilista conta que “eram os 3”, referindo-se à Arguida GG, ao Arguido AA e à irmã da Arguida, TT. Ora, destas versões algo incongruentes (pelo menos quanto a estas duas últimas e às duas primeiras), há um elemento comum, que é a presença da Arguida GG em todas elas. Na verdade, embora a Arguida tente desresponsabilizar-se, referindo que “iam gerindo” e que se apoiava muito na ajuda do irmão (o que este confirmou), esta afirmação acaba por traduzir uma assunção deste circunstancialismo, pois não é pelo facto de pedir ajuda ao irmão que a Arguida deixa de tomar as decisões relacionadas com o giro empresarial. Deste modo, apesar da tentativa das referidas testemunhas e também dos dois Arguidos de fazer o Tribunal crer que não era a Arguida GG que exercia as funções de gerente de facto, por as mesmas serem exercidas em conjunto com outras pessoas, a verdade é que, ainda que assim fosse (o que não se considera em virtude dos depoimentos das testemunhas supra explanados, que identificaram a Arguida como a pessoa que dava as ordens e que mandava na empresa após a morte de HH - relembre-se que PP apelidou-a mesmo de “a patroa” nos últimos tempos) isso não afastaria a consideração de que a Arguida exercia aquelas funções. Assim, considerando que a empresa tinha de ser gerida por alguém após a morte de HH (não sendo credível que ninguém estivesse encarregue disso, como se disse), ponderando os depoimentos das testemunhas que imputaram essas funções à Arguida, a própria assunção pela Arguida e pelo seu irmão de que o fazia o Tribunal formou a sua convicção acerca da realidade destes factos.»
Na verdade, neste recurso estamos essencialmente limitados a saber quem efetivamente exercia a gerência da empresa “EMP01...” e, em consequência, tomava as decisões de gestão, incluindo relativos à retenção de valores devidos à SS, após a morte do HH, pai da arguida GG, como se questiona nos autos.
O tribunal recorrido fundamentou de forma proficiente a sua decisão de facto, como resulta do excerto supra.
O tribunal entendeu haver prova bastante ser a arguida GG a única gerente efetiva daquela sociedade, sendo esta apontado por todos como a pessoa que assumia essa posição, designadamente na prática dos factos que lhe foram imputados. Porém, no que concerne aos factos relativos à comparticipação dos irmãos desta no exercício desse cargo após a morte do pai, nomeadamente que o fizessem juntamente com ela, e até que essa gestão não havia ficado confiada a nenhum dos filhos ou dos restantes coarguidos, nenhum dos depoimentos testemunhais apresentados confere dados concretos, específicos, dos quais se possa concluir, com alguma dose de certeza, que tal se verificava, nem encontramos prova indireta que o permita inferir.
A responsabilidade é atribuída em função do exercício efetivo do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efetiva, constitui requisito da responsabilidade dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.
«A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros» - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, “Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, cit. no acórdão deste TCAN, de 18/11/2010, proferido no proc.º00286/07.0BEBRG.
Não constituindo a mera nomeação (ou inscrição no registo) como gerente base factual bastante para se concluir pelo exercício da gerência, importa verificar que atos de gerência se retiram da matéria factual assente como praticados pela coarguida dentro do período de tempo em que, embora inscrita como gerente da sociedade, terá praticado atos de gestão que tiveram lugar em período concomitante com aquele a que se reporta a matéria delituosa.
É, pois, com base na matéria factual vertida que importaria entrar na apreciação do alegado erro de julgamento, pois é disso que se trata, imputado à sentença recorrida.
Como vimos, resultou provado que, no período reportado aos factos em causa nos autos respeitantes à atuação da recorrente, resultou provado que a GG exerceu a dita gerência de facto da sociedade coarguida após o decesso do seu pai, pessoa com quem já vinha trabalhando na empresa, nomeadamente na parte contabilística e administrativa, praticando atos que são inerentes a essas funções, nomeadamente, através de relações com os trabalhadores, contactando fornecedores, enfim, praticando atos efetivos de gestão em nome, no interesse e em representação da sociedade coarguida. E não restam dúvidas que da prova apurada se extrai circunstancialismo factual que conduz a uma resposta positiva de que as coisas assim se passavam.
Em suma, neste e nos demais aspetos versados no recurso, o que está verdadeira e unicamente em causa é que a recorrente, não se conforma com a circunstância de o tribunal de 1ª instância ter acolhido uma versão dos factos com a qual discorda sobre a matéria de facto, aí fazendo radicar o aludido erro de julgamento que aponta à decisão recorrida.
Na verdade, e como já acima se foi referindo, o inconformismo da recorrente quanto à decisão da matéria de facto deve ser apreciado em sede de impugnação ampla, sujeita à disciplina do artigo 412.º, n.ºs 2 e 3, do Código Processo Penal.
Ora, analisada a alegação recursiva verifica-se que esta apenas exprime a divergência do recorrente relativamente à avaliação da prova efetivada pelo tribunal a quo.
Assim, a motivação do recurso, embora identificando especificamente os factos que pretende impugnar, que considera erradamente julgados, os constantes dos pontos 3º, 6º a 9º e 11º a 14º, mas não especifica quanto a esses factos a prova concreta que impõe decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo.
Na realidade, a recorrente limita-se a valorar os depoimentos das testemunhas inquiridas, cujo registo nem sequer indica. E, com base em considerandos que resultam da sua visão pessoal sobre essa prova, sustenta que os factos provados relativos à sua participação na gestão da empresa não têm sustento na prova testemunhal sobre esta matéria de facto, entendendo que esses meios probatórios conduzem à conclusão contrária.
Refere que os depoimentos das testemunhas supra indicadas e as suas próprias declarações, permitem perceber qual era o seu papel na sociedade coarguida, extraindo dessa prova as conclusões que formula sobre o modo como esta desempenhava, ou antes, não desempenhava funções nessa empresa.
Para sustentar a sua posição a recorrente invoca, pois, essencialmente, os depoimentos dessas testemunhas.
Sucede, como acima já referimos, que a impugnação da decisão da matéria de facto, pela via mais ampla prevista no artigo 412º, do CPP, tendo havido documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, impõe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos dos seus nºs 3, 4 e 6.
Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Para além disso, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
O recorrente deverá referir o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP).
Ainda quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Saliente-se que a remissão para os suportes técnicos não é a simples remissão para a totalidade das declarações prestadas, mas para os concretos e precisos locais da gravação, que suportam a tese do recorrente, só assim se dando cumprimento à especificação das “concretas provas” que é dizer do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida.
Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc., o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares e precisas passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem ao facto impugnado.
Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente”, de acordo com o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência de 8/3/2012 (AFJ nº3/2012), publicado no DR - I - Série, nº77, 18/4/2012.
Assim, quanto ao cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal), com o AFJ (STJ) nº 3/2012, foi fixada a seguinte jurisprudência:
- Se a ata contiver a referência ao início e termo das declarações, basta a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal); – Ou, alternativamente, se a ata não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).
Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
a) a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
b) a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
c) a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
d) a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.°3 do citado artigo 412.°.
Tendo em conta que o que se exige é que o recorrente, sustentando que um determinado ponto de facto foi incorretamente julgado, o indique expressamente, mencionando a prova que confirma a sua posição; e tratando-se de depoimento gravado, que indique também, por referência ao correspondente suporte técnico, os segmentos relevantes da gravação.” Interpretação esta que está em conformidade com o Ac. T.C. 488/04.
Tenhamos presente ainda, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).
Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respetivos suportes”.
Mais, como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respetivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção -artigo 127.º, do Código de Processo Penal-, aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.
E também não é ao tribunal que cabe individualizar os factos incorretamente julgados tendo em conta o pretendido pelo recorrente.
Regressando ao caso vertente.
Não obstante a recorrente indicar expressamente os factos que impugna, por considerar erradamente julgados, já acima aludidos, cumpre salientar que pretendendo impugnar a matéria de facto provada, a recorrente não cumpre minimamente o ónus que sobre si impendia, face ao disposto no art. 412.º, nº 3, do CPP
Revisitando as conclusões do recurso em apreço, que são aquelas que delimitam o seu objeto perante o Tribunal da Relação, tem de se afirmar que a recorrente deu cumprimento à exigência prevista na al. a) do preceito supra, não cumprindo porém as demais exigências legais, tendo-se limitado a manifestar a sua inconformidade com o facto do tribunal a quo ter considerado provada aquela factualidade, ou seja questionando a valoração da prova feita pelo tribunal e a convicção formada sobre a mesma.
Contrariando, assim, a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, n.º 3/2012, de 08-03-2012, no processo n.º 147/06.0GASJP.P1-A. S1 — 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18 de Abril de 2012.
Para além disso, há que ter em conta que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria já julgada, mas uma apreciação com base na audição de gravações. O Tribunal da Relação faz uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Isto porque não se trata de um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar o que pretende de acordo com o disposto no artigo 412°, n.°3, do C.P.P.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
A questão que a recorrente convoca resume-se a uma só, e prende-se com o entendimento manifestado de que o tribunal não poderia valorar da forma como o fez as declarações e depoimentos apontados.
O erro de julgamento da matéria de facto, tal como resulta desse artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, por regra reporta-se a situações em que o Tribunal a quo dá como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada declarou sobre o facto; em que não há qualquer prova sobre o facto dado por provado; a prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo; prova de um facto com base em provas insuficientes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova; e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.
Nenhuma destas situações encontramos na sentença sob escrutínio.
Para além disso, o recorrente não cumpriu cabalmente aquelas exigências, concretamente nas conclusões da motivação, ou seja, embora tenha especificado os «concretos pontos de facto» (indicação dos factos individualizados que se consideram incorretamente julgados), falhou na especificação das «concretas provas» (indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova) e, essencialmente, na explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Também das suas conclusões de recurso não consta a indicação concreta das passagens da gravação da audiência de discussão e julgamento que pretende ver reapreciadas, indicando as passagens concretas da gravação para sustentar a versão que apresentou sobre os factos. Para além de das mesmas motivação e conclusões não constarem quaisquer transcrições de declarações ou depoimentos prestados de que este tribunal se pudesse socorrer face à ausência da indicação das passagens das gravações.
Consequentemente, ficam bastante aquém das exigências de especificação legalmente impostas para o recurso amplo sobre a matéria de facto, decorrentes do art. 412º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
No caso dos autos, por incumprimento da obrigação de especificação dos nºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, principalmente nas conclusões, justifica-se e impõe-se o não conhecimento da impugnação ampla.
Importa não esquecer que a jurisprudência constante dos nossos tribunais aponta no sentido de que a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência – a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação – não pode ter sucesso se estiver alicerçada apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
E a falta daqueles elementos impede este Tribunal da Relação de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de fazer uso do critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, que não foram apresentadas, ou que, ao menos, melhor se conjugassem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos.
Foi este exercício que nos vimos impedidos de fazer. O que leva ao soçobrar da impugnação efetuada.
Os limites traçados pelo objeto do recurso, a falta de meios, ou dados, que permitissem uma reapreciação da matéria de facto impugnada, coartou a possibilidade deste Tribunal ir mais além na sua tarefa.
Ficamos confinados à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, sendo de relembrar que, em sede de avaliação da credibilidade dos depoimentos, o tribunal de 1ª instância tem a seu favor, como já se disse, a relação de imediação que se traduz no contacto pessoal e direto entre o julgador e os diversos meios de prova.
Em síntese, tendo-se verificado que o tribunal a quo – que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova – recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objetiva e motivada, que no acórdão seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, não se mostrando a decisão recorrida nem ilógica, nem arbitrária, nem notoriamente violadora das regras da experiência comum, não existe fundamento para alterar a matéria de facto impugnada, tendo o tribunal a quo apreciado, ponderado e atribuído a valoração que entendeu adequada
Por outro lado, como se extrai de tudo o acima referido, para onde remetemos, não se vislumbra, como alvitrado pela recorrente, que a decisão recorrida viole o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal, sendo a decisão sobre a matéria de facto, por isso, inatacável.
Do in dubio pro reo
A recorrente sugere também ter havido violação do princípio do in dubio pro reo, postulado do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
No processo penal não tem aplicação o ónus da prova formal, segundo o qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porquanto, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento. Em consequência, se uma vez produzida toda a prova, persistir uma dúvida razoável sobre determinados factos no espírito do julgador, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido. Sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena”. (Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 519.)
Conforme ensina Figueiredo Dias (- In Direito Processual Penal, I, pág. 215.), “relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação, e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa. Contudo, para tanto não basta dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade revelada nos autos. Da mesma forma que também não é suficiente a circunstância de terem sido apresentadas em audiência versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes.
Acresce que não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio. (Cfr. o acórdão do STJ de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.)
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente. Em suma, o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
No âmbito dos seus poderes de cognição sobre a matéria de facto, compete ao tribunal da relação sindicar a concreta utilização do princípio in dubio pro reo por parte da primeira instância. Com efeito, a violação desse princípio pode resultar da análise do texto da própria decisão recorrida e do processo decisório nela evidenciado, ocorrendo quando se concluir que o tribunal recorrido ficou em dúvida quanto a elementos que permitem estabelecer o grau de culpabilidade do arguido e, nesse estado de dúvida, decidiu contra ele.
Para além dessa situação, de verificação pouco frequente, a imputação da violação do princípio in dubio pro reo torna necessário demonstrar a existência de erro na apreciação dos meios probatórios produzidos, através do reexame dos mesmos, com vista a evidenciar que, em face da carência ou insuficiência da prova, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida quanto a factos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido.
No caso dos autos, como ressalta da motivação da decisão de facto, designadamente do extrato da fundamentação transcrito supra, o tribunal a quo considerou provados os factos impugnados para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem ter dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos, não decorrendo da sentença a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável, motivo pelo qual não houve que a valorar a favor da arguida.
Com efeito, o tribunal recorrido, como se disse supra, dando a conhecer o processo de formação da sua convicção, procedeu a uma explicitação das declarações dos arguidos e dos depoimentos das testemunhas que acolheu, e das partes que não acolheu, bem como das razões porque lhes foi atribuída, ou não, credibilidade, não havendo outros elementos probatórios a ponderar quanto aos factos ora impugnados, por não terem sido produzidos, já que a própria arguida, embora negando a sua intervenção como gerente de facto da empresa coarguida após a morte do pai, acabou por admitir a sua participação nessa empresa, nomeadamente na parte administrativa e contabilística, o que já vinha acontecendo quando era aquele HH que assumia os destinos da “EMP01...”, e admitiu, embora procurando mitigar essa função conjuntamente com os irmãos, que tiveram de continuar a administrar esta empresa. Baseou-se, pois, o tribunal de 1ª instância num juízo de certeza e não em qualquer juízo dubitativo.
Por seu lado, pelas razões expostas supra, a propósito dos depoimentos em que a recorrente estriba a sua impugnação, e da convicção que dos mesmos retira, da análise desses depoimentos e das declarações apontadas, concluímos pela inexistência de razões que devessem ter levado o tribunal a ficar com qualquer réstia de dúvida sobre os factos impugnados. Em suma, a prova produzida em audiência permite claramente concluir pela verificação desses factos, sem qualquer afrontamento das regras da experiência comum ou apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, pelo que nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido em primeira instância, subtraído a qualquer dúvida, nada havendo a alterar.
Pelo que, não se verifica a violação desse princípio basilar do direito probatório, emanação do princípio da presunção da inocência estabelecido no art. 32º, nº 2, da CRP, como alvitrado pela recorrente.
Pelo que, também por aqui improcede a impugnação.
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Aqui chegados, cumpre fazer uma pequena alusão a uma questão colocada pela recorrente, e que se prende com a responsabilidade pela apresentação das declarações de respeitantes às remunerações relativas ao mês de ../../2020.
Alegou para o efeito: «Sem prescindir e no limite, o Tribunal ignorou que, relativamente ao mês de ../../2020, o falecido HH assumiu o exercício da gerência até ../../2020 e que, só após essa data poderá ser responsabilizada a recorrente (no que não se concede). Ou seja, à recorrente apenas pode ser imputada a gerência por um período de 3 dias, nesse mês. Não tendo a recorrente sido responsável pela entrega das declarações do mês de Agosto, não pode, s.m.o., ser responsabilizada pelo pagamento desse mês.»
Vejamos.
Esta questão foi suficientemente dilucidada na sentença recorrida, bem como na resposta apresentada pelo Ministério Público.
Na decisão sob escrutínio ficou exarado:
«Sem prejuízo, importa esclarecer a delimitação temporal dos factos em causa, por se ter apurado que a Arguida GG apenas não entregou os valores devidos relativos aos meses posteriores ao falecimento do seu pai. Como se disse, a Arguida apenas assumiu a gestão da sociedade após a morte do seu pai, pelo que apenas é responsável pela ausência de entrega das quotizações a partir dessa data. Como tal, considerando que os pagamentos têm de ser feitos até ao dia 10 e 20 do mês seguinte ao que respeitam, tem de se concluir que a Arguida não entregou as quotizações relativas às remunerações do mês de Agosto, pois o mês seguinte é setembro, altura em que HH já tinha falecido e em que já era a Arguida a tomar as decisões relativas à afetação dos recursos financeiros da sociedade, e era nesse mês (por ser seguinte ao que respeitam as quotizações de Agosto), que estas deveriam ser pagas. Através do mapa de fls.281v, somando os valores não pagos relativos aos meses de Agosto a Outubro de 2020, obtém-se o valor de Eur.5.333,34 (cinco mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos).
Concordamos inteiramente com o entendimento manifestado pela julgadora, apenas acrescentado o seguinte.
O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, Lei nº 110/2009, de 16/09/2009 prevê: “Artigo 42.º Responsabilidade pelo cumprimento da obrigação contributiva 1 - As entidades contribuintes são responsáveis pelo pagamento das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço. 2 - As entidades contribuintes descontam nas remunerações dos trabalhadores ao seu serviço o valor das quotizações por estes devidas e remetem-no, juntamente com o da sua própria contribuição, à instituição de segurança social competente. 3 - Sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infracções Tributárias, a violação do disposto nos n.os 1 e 2 constitui contra-ordenação leve quando seja cumprida nos 30 dias subsequentes ao termo do prazo e constitui contra-ordenação grave nas demais situações.
Por sua vez o artigo 43º do mesmo diploma consagra: “Artigo 43.º Pagamento das contribuições e das quotizações O pagamento das contribuições e das quotizações é mensal e é efectuado do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições e as quotizações dizem respeito.”
Não restam dúvidas que o prazo de pagamento das contribuições/quotizações devidas pelas entidades empregadoras à segurança social é do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que dizem respeito as remunerações.
Como resultou provado, a arguida assumiu a administração e gestão da empresa coarguida “EMP01...” a partir da morte do anterior gestor e administrador da mesma, o seu pai HH, que faleceu no dia ../../2020. Assim sendo, reportando-se as contribuições/quotizações em falta, respeitantes às remunerações dos trabalhadores e sócios gerentes daquela empresa, aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020, a entrega à Segurança Social das quotizações liquidadas teria de ser efetuada entre os dias 10 e 20 de cada um dos meses subsequentes.
Ora, estando a recorrente a gerir a empresa já no mês de Setembro de 2020, sobre ela recaia a obrigação de entregar os valores autoliquidados das quotizações devidas à Segurança Social respeitantes às remunerações pagas durante o mês de agosto. O que não fez.
Sendo, pois, manifesto o lapso de entendimento que revela relativamente a esta questão.
Assim, é improcedente o recurso interposto quanto à matéria de facto.
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2ª Questão
Qualificação Jurídica
A recorrente foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias, que prevê:
“Abuso de confiança contra a segurança social 1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105.º 2 - É aplicável o disposto nos n.os 4 e 7 do artigo 105.º”
Este crime é punido pelo n.º1, do artigo 105.º, conjugado com o artigo 105.º, n.º 4 e 7, do mesmo Regime: “Artigo 105.º Abuso de confiança 1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja. 3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente. 4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. 5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de240 a 1200 dias para as pessoas colectivas. 6 - (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro). 7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária..”
A recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, manifestando o entendimento que: «O facto provado 10) deve ser dado por não provado quanto à recorrente, porque a mesma não foi notificada, em nome próprio, nos termos do art. 105º, nº 4, al. b) do RGIT. 7.A notificação de fls. 348 foi exclusivamente dirigida à sociedade EMP01.... 8.O Tribunal errou na interpretação e aplicação que fez do art. 107º nº 2 e 105º nº 4 do RGIT, impondo-se a absolvição da arguida, por falta de verificação de condição objetiva de punibilidade [notificação] aplicável ao crime de abuso de confiança à segurança social.»
Embora o faça pela via impugnatória da matéria de facto, posição que não obteve procedência, a questão que na verdade suscita contende com a qualificação jurídica da sua conduta, mais concretamente com a denominada condição objetiva de punibilidade, ou seja, se esse seu comportamento omissivo perante a SS é, ou não, punível.
Vejamos.
Como resulta da norma supra transcrita, prevê o n.º4, do artigo 105.º, do RGIT, que as condutas assumidas pelas entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, previstas no nº 1 do art. 107º do mesmo diploma legal, só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito”.
No caso vertente questiona-se o (in)cumprimento da notificação exigida na al. b) do nº 4, do art. 105º, do RGIT.
Na visão da recorrente essa notificação não se verificou, porquanto a missiva que lhe foi entregue para esse efeito, que consta de fls. 348 dos autos, foi “exclusivamente dirigida à sociedade EMP01...”.
Ora, como se constata do documento junto aos autos, a notificação em questão foi dirigida à recorrente GG, notificando-a “para, no prazo de 30 dias, pagar ou apresentar prova de ter pago o valor das quotizações em dívida à Segurança Social”. Na parte final dessa notificação consta “Se não for recebida prova do pagamento nos próximos 30 dias, o procedimento criminal irá prosseguir contra o contribuinte EMP01..., Lda. com o NISS ...83”.
Como se fez referência o art. 105º, nº 4, alíneas a) e b), do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributária aprovado pela Lei 15/2001, de 5/6, relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, aplicável por remissão aos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social (nos termos do art. 107º, nº 2), consagra que os factos descritos no número 1 deste último dispositivo legal só são puníveis se: a) tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Com a citada norma da alínea b), introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, pretendeu o legislador «evitar a proliferação de procedimentos criminais, a melhoria da eficiência do sistema, bem como distinguir em lei expressa o comportamento do arguido cumpridor das suas obrigações declarativas perante a administração fiscal e a segurança social daqueles outros que ocultam tal informação, por não serem actuações com a mesma valoração criminal» (Tiago Milheiro, “Da Punibilidade nos Crimes de abuso de Confiança Fiscal e de Abuso de Confiança Contra a Segurança Social”, Revista Julgar - nº 11 – 2010, p. 63).
O AUJ do STJ nº 6/2008, de 9-04-2008 (I, nº 94, de 15-05-2008 (proferido no P. 07P4080 e relatado pelo Conselheiro Santos Cabral), pôs termo à controvérsia entretanto gerada quanto à interpretação de tal preceito, fixando jurisprudência nos seguintes termos: «A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT)».
Esse segmento uniformizador da jurisprudência foi fundamentado em tal acórdão, nomeadamente, com os seguintes trechos:
«Suportados na letra da lei, mas fazendo apelo a um critério teleológico na sua interpretação e com plena consciência de que o direito criminal se dirige à protecção de valores, ou bens jurídicos, não vislumbramos uma outra intenção do legislador que não a de evitar a criminalização de condutas que podiam ter um mero tratamento de natureza administrativa. Então, a denominada proliferação de inquéritos será evitada dando àquele que assumiu a sua obrigação declarativa perante a Administração Fiscal a possibilidade de regularizar a sua situação tributária.
Os elementos teleológico e histórico convergem, assim, em abono de uma interpretação segundo a qual o legislador terá pretendido descriminalizar o facto nos casos em que, tendo havido declaração da prestação não acompanhada do pagamento, este vem a ser efectuado após intimação da Administração para que o "indivíduo" regularize a sua situação tributária.
Pretendeu-se alcançar tal objectivo fazendo surgir para Administração Fiscal a obrigação de notificar o contribuinte em mora (e não em falta de declaração) e para este a condição de pagamento do montante em falta como condição de não accionamento do procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança fiscal.
(…) A alteração legal produzida, repercutindo-se na punibilidade da omissão e ligada, de forma inextricável, ao tipo de ilícito é, todavia, algo que é exógeno ao mesmo tipo.
(…) As condições objectivas da punibilidade são aqueles elementos da norma, situados fora do tipo de ilícito e tipo de culpa, cuja presença constitui um pressuposto para que a acção anti-jurídica tenha consequências penais.
(…) As condições objectivas de punibilidade são, assim, circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o actuar anti jurídico importe consequências penais. São condições em que uma ponderação das finalidades extrapenais tem prioridade em face da necessidade da pena.
(…) As condições objectivas de punibilidade participam de todas as garantias do Estado de Direito estabelecidas para os elementos do tipo. Jeschek exemplifica com a aplicabilidade da função de garantia da lei penal ou as exigências de prova sobre as mesmas condições.».
Constata-se, assim, que só após o decurso de mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação tributária e, ainda, do não pagamento, no prazo de 30 dias, após notificação para o efeito, da prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, é que «estão verificados no crime todos os pressupostos indispensáveis para que a punição possa desencadear-se» (V. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Tomo I, Coimbra Editora, p. 626.13). (Cfr. Ac. desta RG, de 05/06/2017, relatado por Ausenda Gonçalves, in www.dgsi.pt)
Vejamos, então, se no caso em apreço, se mostra verificada a condição objetiva prevista na al. b) do nº 4, do art. 105º, do RGIT, que permite a punibilidade da conduta da arguida.
Compulsados os autos, verificamos que a notificação aludida foi efetuada em 27/07/2022, dirigida diretamente à arguida, em razão de assumir a posição de gerente de facto da “EMP01...”, e alerta-a para a possibilidade de regularizar a situação tributária desta empresa para com a SS, e advertindo da possibilidade de ser instaurado procedimento criminal contra o contribuinte em falta, no caso aquela sociedade/pessoa coletiva.
Ora, contrariamente ao entendido pela recorrente, salvo melhor opinião, a notificação prevista naquela al. b) do n.º 4, do art. 105º, mostra-se válida e legalmente efetuada, pois a norma legal apenas prevê que essa comunicação seja feita à pessoa responsável, após ter sido comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, para que proceda ao pagamento da prestação em dívida, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após essa notificação.
Foi precisamente o que aconteceu no caso vertente.
Já vimos que a pessoa sobre quem recaía essa responsabilidade, na qualidade de gerente e administradora de facto daquela empresa relapsa, era a ora recorrente. E o facto de na mesma notificação se ter feito um alerta para, no caso de não se proceder à regularização da situação tributária, ser instaurado procedimento criminal contra o contribuinte em falta, nada se dizendo relativamente à situação da arguida na qualidade de representante legal e gerente desse contribuinte/pessoa coletiva, não assume aqui qualquer relevância. Ou seja, não retira à pessoa com a responsabilidade de, em nome dessa pessoa coletiva, proceder ao pagamento das quotizações em dívida de ser conjuntamente com esta criminalmente censurada pela sua conduta omissiva.
Essa responsabilidade criminal resulta diretamente da lei, mais precisamente do disposto nos artigos 6º, nº 1 al. b) (atuação em nome de outrem), 7º, nº 3 /responsabilidade das pessoas coletivas e equiparadas) e 107º, nº 1, do RGIT. E o seu desconhecimento não aproveita à arguida.
Resulta das disposições conjugadas dos aludidos arts. 6º e 7º do RGIT que no âmbito dos crimes tributários vigora uma regra de responsabilidade cumulativa do ente coletivo e das pessoas singulares que, enquanto suporte de órgão ou representante, actuaram em seu nome e no seu [do ente colectivo] interesse, no cometimento da infracção (cfr. Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, FDL, nº 5, 2006, Almedina, pág. 60).
Trata-se, portanto, de uma responsabilidade penal atribuída a distintos sujeitos – o ente coletivo e a pessoa ou as pessoas singulares que o representam e atuam a sua vontade – fundada, embora, no mesmo facto, plenamente justificada pela circunstância de a vontade do ente coletivo, v.g., da sociedade, não se confundir com a vontade dos titulares dos seu órgãos, dos seus gerentes ou administradores.
Deste modo, a notificação prevista na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT deve ser feita ao ente coletivo, à sociedade, na pessoa dos seus gerentes ou administradores, nesta mesma qualidade, e também, aos gerentes e administradores, agora na qualidade de pessoas singulares e portanto, fora daquela veste estatutária ou seja, a notificação referida deve ser feita a todos os sujeitos processuais que tenham a qualidade de arguido.
Quando deva ocorrer na pendência do processo criminal, a notificação está sujeita às regras previstas no C. de Processo Penal, devendo ser feita ao próprio arguido, ao gerente ou ao administrador enquanto tal, e como representante da pessoa coletiva.
Essa notificação surge no âmbito de um processo criminal já instaurado ou a, eventualmente, instaurar, caso não seja feito o pagamento da dívida no prazo legal, como vimos, na qualidade de pessoa singular ou seja, na qualidade de autor do crime, e para que a própria sociedade, enquanto arguida, proceda ao pagamento da quantia em dívida, assim impedindo a verificação da condição objetiva de punibilidade.
Posto isto.
Afigura-se-nos inquestionável que a recorrente e a sociedade coarguida foram corretamente notificados para os efeitos previstos na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT. A primeira, porque o foi presencial e pessoalmente isto é, na qualidade de pessoa singular. A segunda, porque o foi através do seu legal representante, a mesma arguida/recorrente, agora na qualidade de gerente.
Como bem é salientado na sentença recorrida, “A este propósito importaria referir - porque a questão foi levantada pela defesa-, que a circunstância de a notificação da Arguida não fazer referência a que a falta de pagamento no prazo de 30 dias implicará a instauração de procedimento criminal contra a própria, referindo, somente, a instauração daquele procedimento contra a sociedade, não significa que a Arguida não foi validamente notificada. Na verdade, a condição de punibilidade prevista no artigo 105.º, n.º4, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, apenas exige que se verifique a falta de pagamento da prestação devida à Segurança Social nos 30 dias após a notificação para pagamento, não fazendo depender a validade dessa notificação de que seja feita a advertência das consequências do não pagamento.”
Deste modo, estando verificada a condição objetiva de punibilidade prevista na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT relativamente à arguida/recorrente, e preenchendo as suas apuradas condutas, o tipo objetivo e subjetivo do crime de crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1, 105º, nºs 1, 4 e 7 e 107º, nºs 1 e 2, todos do RGIT e art. 30º, nº 2 do C. Penal, como, aliás, é afirmado na sentença recorrida, impõe-se a sua condenação pela prática deste ilícito típico, como acabou por acontecer
Improcede assim também esta parte do recurso.
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3ª Questão
Medida da pena
O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é punido, para as pessoas singulares, com pena de prisão ou com pena de multa, conforme se retira da conjugação dos artigos 105.º, n.º1, 107.º, n.º1, do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Na sentença recorrida a arguida/recorrente foi condenada numa pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um montante global de Eur.715,00 (setecentos e quinze euros).
Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Porém, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo). De forma concordante, estabelece o art. 71º, nº 1 do mesmo código que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Prevenção e culpa são, pois, os factores fundamentais a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). Por isso que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
Muito frequentemente, a determinação da pena, entendida em sentido amplo, passa pela operação da respetiva escolha. Assim acontece, desde logo, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade, como acontece no crime em análise.
Neste caso, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ou seja, as finalidades de prevenção, geral e especial.
Sucede que a recorrente, perante o eventual insucesso das demais questões colocadas no seu recurso, e acabadas de decidir, por via subsidiária insurge-se contra a pena concretamente aplicada em primeira instância, que considera desproporcional, porque exagerada”. Mas essa sua invocação limita-se à medida da pena de multa aplicada, e ao montante diário fixado para cada um desses dias.
No seu entendimento: “O Tribunal não ponderou, devidamente, as condições económicas da recorrente, dadas por provadas sob os nº 22 a 24, nem a ausência de antecedentes criminais. Vivendo a recorrente com pouco mais que metade que o salário mínimo nacional e pagando renda, é exagerado fixar o quantitativo diário em 5,50€ - quando os limites se situam entre 1€ e 500€. S.m.o., o Tribunal devia ter fixado o quantitativo diário da multa e o número de dias no mínimo legal, tendo errado na interpretação e aplicação dos art. 12º, 15º, 105º, nº 1 ex vi 107º do RGIT e art. 40º, 47º e 71º do C.P.»
Estamos, assim, limitados à apreciação dessas duas vertentes da pena aplicada, e não à escolha entre a prisão e a multa aplicáveis em alternativa.
Efetivamente, ao crime praticado pela arguida/recorrente é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade [prisão até três anos ou multa até 360 dias].
Essa pena de multa varia numa moldura abstrata entre 10 e 360 dias.
Foi aplicada a pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um montante global de € 715,00 (setecentos e quinze euros).
Na determinação desta pena concreta no tribunal recorrido foi ponderado o seguinte: «Para a determinação da medida concreta da pena de multa, o legislador português, inspirado no modelo escandinavo, acolheu o sistema dos dias de multa. Este sistema, assenta na realização de duas operações sucessivas às quais presidirão critérios distintos. Num primeiro momento, o julgador será chamado a determinar o número de dias de multa, convocando os mesmos critérios que utiliza na determinação da pena de prisão pressupostos pelo artigo 71.º, do Código Penal. Num segundo momento, terá que ser fixada, dentro dos limites legais, o quantitativo de cada dia de multa, atendendo já não a critérios de prevenção e de culpa do agente mas sim à sua situação económico-financeira e aos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º, n.º1 e n.º2, do Código Penal. No âmbito da primeira operação a realizar, a determinação da medida concreta da pena de multa deve ser feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, conforme dispõe o artigo 71.º n.º1 para o qual o artigo 47.º do Código Penal expressamente remete. A referência à culpa terá de ser conjugada com a imposição de que a pena não ultrapasse, em caso algo, a medida da culpa – cf. artigo 40.º n.º2, do Código Penal-, enquanto que a referência a que se atendam às exigências de prevenção traduz a necessidade de reafirmação contrafáctica da norma violada junto da comunidade. A culpa e a prevenção funcionarão assim, como os dois vetores que oferecem os limites dentro dos quais deve ser achado o quantum da condenação, e que sempre terá de ser determinado com vista à realização das finalidades da punição, correspondendo o ponto dado pela culpa o limite máximo inultrapassável e sendo o limite mínimo desta operação dado pelo quantum da pena, imprescindível para a tutela dos bens jurídicos e para a estabilização da crença comunitária na norma violada, isto é, pelo limite abaixo do qual já não é suportável a fixação de uma pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função. Dentro destes limites atuam os pontos de vista de prevenção especial positiva, virados para a ressocialização do agente e para a sua necessidade de intervenção, que serão os que determinarão, em último termo a medida da pena. No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são elevadas, atendendo à frequência com que estes crimes são cometidos e a uma certa leviandade enraizada na comunidade quanto à sua prática, resultante de uma certa “facilidade” na perpetração destes factos, justificada, não raras vezes, com momentos difíceis pelos quais muitas empresas passam, em que os gerentes se veem obrigados a fazer escolhas quanto aos pagamentos que realizam e onde, invariavelmente, o Estado é o prejudicado por se tentar, em primeiro lugar, conservar as relações comerciais e os trabalhadores. Sem prejuízo, não podem estas práticas ser toleradas pela comunidade, impondo-se uma consistente reafirmação da norma violada, devendo o limite mínimo dado pelas exigências de prevenção geral fixar-se acima do limite mínimo estabelecido pelo legislador. Quanto à culpa, determinante do limite máximo inultrapassável, está assente que a Arguida agiu com dolo direto, a forma mais grave da culpa, tendo atuado livre e conscientemente e sendo, por isso, legítimo exigir-lhe que tivesse agido de outra forma. No que concerne às exigências de prevenção especial, são as mesmas diminutas no caso dos autos, não apresentando a Arguida necessidades de ressocialização nem de intervenção na prática de novos crimes, conquanto não tem quaisquer antecedentes criminais. Devem, agora, apurar-se, no caso concreto, as circunstâncias do complexo integral do facto que possam contribuir para a concretização das mencionadas culpa e prevenção. Para esta operação, devem ser consideradas as circunstâncias concretas que possam militar contra ou a favor do arguido e que não integrem já o tipo de ilícito (de forma a respeitar o princípio da proibição da dupla valoração), tendo o legislador auxiliado o julgador através de uma concretização exemplificativa de alguns elementos que podem ser tidos em consideração – cf. artigo 71.º, n.º2, do Código Penal. O grau de ilicitude da conduta é, diminuído, face ao valor global das quotizações não entregues pela Arguida, tendo o crime sido executado na sequência daquilo que já vinha sendo feito pelo seu pai. Quanto à intensidade do dolo milita contra a Arguida o facto de ter praticado os factos com dolo na sua modalidade mais intensa, ou seja, dolo direto (artigo 14.º, do Código Penal), uma vez que de forma deliberada, livre e consciente, quis agir e agiu da forma já descrita. Olhando para os fatores atinentes à personalidade da Arguida, realce-se a sua inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais, o que demonstra uma estabilidade desejável e que milita a favor da Arguida, bem como a expectável sensibilidade à pena que terá uma vez que este é o seu primeiro contacto com o sistema formal de justiça, sendo por isso, de esperar uma maior suscetibilidade de ser influenciada pela mesma. Assim, considera-se adequado aos critérios elencados, e às finalidades da punição – mormente, por um lado, as exigências de prevenção geral elevadas e, por outro lado, as atenuadas exigências de prevenção especial - aplicar à arguida a pena de multa de 130 (cento e trinta) dias. Segue-se, agora, a segunda operação integrante do processo de determinação da medida concreta da pena de multa e que se traduz na fixação do montante a que corresponderá o quantitativo diário da pena. Esta exigência legal justifica-se uma vez que o legislador procurou que a pena de multa fosse compreendida pelo arguido como uma verdadeira sanção pela conduta ilícita, o que só acontecerá se a multa for proporcional e adequada aos seus rendimentos, correndo-se o risco de uma mesma pena encerrar em si um quantum de sacrifício mais elevado para um arguido do que para outro que tivesse uma condição económica mais elevada. O quantitativo diário fixado deve situar-se entre os limites legalmente impostos de Eur.1,00 e Eur.500,00 - cf. artigo 15.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e para a sua determinação deve atender-se à situação económica do arguido e aos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º, n.º2, do Código Penal. Ante a factualidade provada, resulta que a Arguida se encontra desempregada, auferindo Eur.480,00 (quatrocentos e oitenta euros) de subsídio de desemprego, suportando, de renda, a quantia de Eur.200,00. Assim, afigura-se adequado, fixar o quantitativo diário em Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta).
O critério legal da determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto nos seus nºs 1 e 2, tal determinação, tendo em conta a moldura penal abstrata aplicável, é feita ponderando as exigências de prevenção geral e especial, a medida da culpa da arguida e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor.
O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.” (Ibidem Ac. do STJ de 03/06/2020)
Vejamos.
Não é elevado o grau de ilicitude do facto e as suas consequências, face ao prejuízo causado, tendo em conta o montante global das prestações não entregues, que não foram particularmente relevantes.
A intensidade do dolo é elevada uma vez que a arguida atuou com dolo direto.
A motivação da conduta, como ressalta da panóplia factual apurada, e das circunstâncias que rodearam toda essa realidade, teve origem nas dificuldades financeiras por que passava a sociedade coarguida, e da preocupação em garantir os salários dos trabalhadores. Sendo certo que essa sociedade acabou por ser declarada insolvente, por sentença proferida a 7/11/2023, transitada em julgado em 28/11/2023.
Não obstante não ter assumido os factos, a verdade é que tudo denota ter interiorizado o desvalor da conduta praticada, está social e familiarmente inserida.
Para além disso, a arguida GG está desempregada e aufere subsídio de desemprego no valor de cerca de € 480,00. Vive sozinha, em casa arrendada, ascendendo a valor da renda a € 200,00. Apresenta como despesas com os fornecimentos básicos da habitação (água, luz, gás), um valor de à volta de Eur.60,00. Tem 2 filhos de 39 e 35 anos. Tem como habilitações literárias o 12.º ano.
Finalmente, são elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que, por toda a parte, vem sendo praticado este crime [muito frequentemente, reflexo das dificuldades da conjuntura económica, como foi o caso] mas não são significativas as exigências de prevenção especial.
Não esqueçamos, como enunciou o acórdão do Supremo Tribunal, de 28-04-2016, proferido no processo n.º 37/15.5GAELV.S1, que:
“A eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.
Assim, tudo ponderado, atenta a moldura penal aplicável à arguida, considera-se adequada e plenamente suportada pela medida da culpa, a pena de 130 dias de multa que lhe foi fixada, que se situa um pouco abaixo do limite médio da moldura aplicável.
Quanto à taxa diária a pagar por cada dia de multa.
O artigo 15.º, n.º 1, do RGIT determina que a cada dia de multa corresponde uma quantia situada entre € 1,00 e € 500,00 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.
Na fixação do montante da multa ter-se-á em consideração, para além do mais, que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas.
Como refere Nieves Sanz Mulas, in “Manual de Politica Criminal” pg 339, “A determinação do quantitativo a pagar em cada caso… é um aspeto essencial, já que da sua correta determinação depende ser a multa, ou não, uma boa alternativa às penas curtas privativas da liberdade. É por isso que não deve converter-se num processo mecânico, sem que a pena seja avaliada em proporção …com as circunstâncias económicas reais do agente. A este propósito e para que não perca a sua eficácia preventiva-geral, tem que assemelhar-se em gravidade à pena privativa de liberdade, embora sem chegar a quantitativo tão elevado que … apenas conduziria a um processo de dessocialização tanto do condenado como da sua família.(…)”
Ponderando os critérios estabelecidos no artº 15º do RGIT, em tudo idêntico ao que é utilizado para o regime da pena de multa previsto no art. 47º, nº 2, do CP, o montante de € 1,00 euro apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele.
Assim sendo, tendo em conta a apurada condição económica da recorrente, que se encontra laboralmente inativa, aufere de subsídio de desemprego o montante de € 480,00, vive em casa arrendada pagando € 200,00 por mês, de renda, e suportando como despesas correntes (água, luz e gás) cerca de € 60,00 mensais, não lhe sendo conhecidos quaisquer outros encargos, afigura-se-nos que a taxa diária fixada para pagamento de cada dia de multa, de € 5,50 (numa moldura que vai de € 1,00 a € 500,00, ou seja, muito próxima do limite mínimo) não se revela excessiva, desajustada ou não proporcionada à situação económica da recorrente. Sendo certo que, embora estejamos na presença de uma pessoa que vive uma situação financeira apertada, os factos não nos revelam que seja um indigente, uma pessoa a viver no limiar da pobreza.
Revelando-se-nos, pois, ajustada a taxa diária de multa fixada, mostrando-se salvaguardadas a proteção dos bens jurídicos violados e a reintegração da arguida na sociedade.
Improcede, pois, a pretensão da recorrente no que a esta questão relativa à taxa diária a pagar por cada dia de multa fixado na pena aplicada. Sendo certo que não foram violados quaisquer princípios ou normas jurídicas atinentes à operação de determinação da medida da pena.
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III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
Julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente GG, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso a suportar pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s, [arts. 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma].
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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
Notifique
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Guimarães, 11 de julho de 2024
Os Juízes Desembargadores
Relator - José Júlio Pinto
1ª Adjunta – Isabel Castro
2ª Adjunta – Madalena Caldeira