CRIME DE HOMICÍDIO NEGLIGENTE
NEGLIGÊNCIA INCONSCIENTE
POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO FACTO
EMBATES SUCESSIVOS
Sumário


I) O artº 15º do Código Penal permite enquadrar no tipo legal negligente situações em que o agente não conseguiu sequer prever todas as consequências da sua actuação derivada da sua falta de cuidado.
II) Ainda que o arguido, ou alguém colocado no seu lugar, não conseguisse antever que ao conduzir com falta de cuidado, mormente, a uma velocidade que não lhe permitisse travar com segurança no espaço livre e visível à sua frente, pudesse, com o embate que tal condução descuidada provocou no veículo imediatamente à sua frente, vir a atingir um terceiro no passeio, a verdade é que tal resultado é-lhe imputável a título de negligência inconsciente.
III) Mesmo que não fosse previsível que o embate na moto fosse de tal ordem que a mesma fosse concretamente projectada para cima de um peão que transitava no passeio, a verdade é que a morte desse peão se deveu ao facto de o motociclo, assim projectado, o ter colhido no passeio e a projecção do motociclo em si mesma era previsível.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, que corre termos pelo Juiz ... do Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o nº 20/19...., após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 01-02-2024, com a refª ...82 relativamente ao arguido AA, através da qual o mesmo foi condenado nos seguintes termos (transcrição):
           
III. Decisão. 
Pelo exposto:
1. Condeno o arguido, AA, como autor da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137º, n.º 1 e 15º, e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
2. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, suspendo a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, em 1., pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses;
3. Determino que a suspensão da execução da pena única de prisão aplicada ao arguido, em 2., seja acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as actividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRSP e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e regras estradais e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crimes ou de outros crimes estradais), e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social - e, ainda, ficando o arguido sujeito durante o aludido período de suspensão da execução da pena de prisão aos seguintes deveres/obrigações/regras de conduta: a) ao cumprimento, por parte do mesmo, do dever de pagar aos Bombeiros Voluntários ..., e dentro do prazo de um ano, a quantia de 1.000,00 euros - cfr. art. 50º, n.º 2 e art. 51º, n.º 1, al. c), do Código Penal; b) ao cumprimento, por parte do arguido, da frequência de um programa de responsabilidade e segurança estradal e designadamente as seguintes acções que integram o mesmo - frequência de um curso sobre condução segura dinamizado por entidade, em data e local a indicar ao arguido pela DGRSP; - frequência de um curso sobre comportamento criminal e estratégias de prevenção da reincidência dinamizado pela DGRSP, em data e local a indicar ao arguido por tal entidade; c) a realização de entrevistas com Técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida; d) e estar empregado ou caso venha a ficar desempregado se inscrever no centro de emprego e demonstrar tal factualidade de três em três meses na DGRSP; - E em conformidade, serão remetidos a este processo relatórios pela DGRSP de 4 em 4 meses, decidindo este Tribunal, oportunamente, e com fundamento nas informações assim carreadas aos autos, da revogação ou não das obrigações supra referidas e da revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão.
4. Condeno o arguido, AA, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo prazo de 8 (oito) meses, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal;
5. Condeno o arguido no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça devida em 3 U´sC e nos demais acréscimos legais que fixo no mínimo;

*
Notifique, sendo o arguido expressamente de que deverá fazer a entrega, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, da sua carta de condução no prazo de 10 (dez) dias contados após o transito em julgado desta decisão (art. 69º, n.º 3, do CP e 500º, n.º 2, do CPP), sob pena de, não o fazendo, ser ordenada a apreensão da mesma (art. 500º, n.º 3, do CPP) e incorrer na prática de um crime de desobediência.
*
Deposite.
Após trânsito:
- Remeta boletim à DSIC.
- Comunique – cfr. art. 69º, n.º 4, do Código Penal;
- Solicite à DGRSP a elaboração de Plano de Reinserção Social, ouvido o condenado, com o âmbito supra referido, para tal remetendo cópia desta sentença e demais pertinentes elementos constantes no processo (cfr. artigos 53º e 54º do Código Penal e artigo 494º do Código de Processo Penal);
- Após junção pela DGRSP do peticionado relatório, com cópia do mesmo, dê conhecimento ao Ministério Público e ao arguido para, querendo, sobre o mesmo se pronunciarem, no prazo de 5 (cinco) dias, sendo certo que ao silêncio se dará o valor de aceitação – cfr. artigo 54º, n.º 2 do Código Penal;
- Comunique à DGRSP que deverá acompanhar e fiscalizar o cumprimento pelo arguido do aludido regime de prova e das obrigações impostas, e nos termos acima aludidos, informando de imediato o Tribunal sobre eventuais vicissitudes que eventualmente ocorram no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado – cfr. artigos 51º, n.º 4, 52º, n.º 4 e 53º, n.º 2, todos do Código Penal, e solicite relatórios sobre o cumprimento de tal regime e deveres imposto ao arguido, com a frequência acima determinada (salvo se houver aquela necessidade de comunicação imediata ao Tribunal devido a incumprimento por banda do arguido de tal regime de prova e/ou deveres).”

II. Inconformado com a sua condenação, veio o arguido interpor recurso em 04-03-2024 com a refª ...49, através do qual oferece as seguintes conclusões:

I. Pelos motivos anteriormente elencados, não poderá o Arguido ser condenado pela prática do crime de homicídio negligente, tendo em conta os factos que resumidamente se elencará.
II. Uma vez que a distância de paragem calculada para veículos que circulem à velocidade de 50 km/h se fixa em 27,5 metros e que a visibilidade da via onde ocorreu o acidente era reduzida – por se situar numa curva –, não se pode considerar como provado que o Arguido circulava a uma velocidade superior a 50 km/h e por esse motivo embateu no motociclo.
III. Algo que é reafirmado pelas testemunhas que seguiam no veículo, que afirmam nunca se terem sentido inseguras com a condução do Arguido – até porque se sentissem inseguras, não iriam ao telemóvel descontraídos – e que não conseguem precisar a que velocidade circulava o veículo.
IV. Não estando, por isso, provada a violação do dever de cuidado, uma vez que o Arguido agiu em conformidade com as regras de trânsito que vigoram no local.
V. Ademais, mesmo que ficasse provado que o Arguido circulava com velocidade superior a 50 km/h e que ocorreu violação do dever de cuidado, tal não bastará para que a conduta do Arguido se insira no tipo legal do crime de forma negligente de que vem acusado.
VI. Como referido por Jorge de Figueiredo Dias e por Eduardo Correia, para que a conduta seja considerada negligente, não bastará a violação do dever objetivo de cuidado, será necessário que o Arguido devesse prever que aquele seria o resultado da sua conduta.
VII. Pois bem, não seria razoável exigir do Arguido que devesse ter previsto, tendo em conta as suas capacidades, que em consequência da sua conduta se reproduziria aquele resultado atípico.
VIII. Ora, por não se conseguir precisar que o Arguido seguiria a uma velocidade superior à permitida no local e, por isso, não se poder dizer que o arguido atuou em violação do dever de cuidado e uma vez que não seria razoável exigir a previsibilidade e o resultado típico daquela conduta no caso em apreço ao Arguido, não estão preenchidos os pressupostos para a existência de conduta negligente.
IX. Ademais, mesmo que ficasse provado que o Arguido circulava a uma velocidade superior a 50 km/h e que atuou em violação do dever de cuidado, não poderá exigir-se do Arguido que tivesse previsto aquele resultado.
X. Ora, poderia o “homem médio” ou “condutor médio” ter previsto que em consequência daquela conduta resultaria concomitantemente que:

a. O embate numa mota que parou para virar à esquerda de forma repentina, e
b. Que ao parar, a mota não virou porque tinha um carro a obstaculizar a via, e
c. Que essa mota seria projetada, e
d. Que ao ser projetada embateria numa senhora (idosa e com diabetes).

XI. Pelos motivos elencados, deve ser o Arguido absolvido dos crimes de que vem acusado.

Pelo exposto, deverão V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso, e, consequentemente, alterar a decisão sobre a matéria de facto (dando como não provado o facto elencado no artigo 14.º) nos termos supra alegados, bem como revogar a Sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, substituindo-a por outra que julgue a Ação improcedente e consequentemente absolvendo o Arguido do crime.
Caso assim não entenda, deverá a pena e a sanção acessória de inibição de condução aplicada ao Arguido ser atenuada, tendo em conta as circunstancia, grau de culpa, a sua profissão necessitar de conduzir, ausência de antecedentes criminais e a sua situação financeira.”

III. O recurso foi admitido por despacho de 15-03-2024, com a refª ...78, tendo sido fixado efeito suspensivo.

IV. Respondeu o MºPº em 29-04-2024, com a refª ...63, através de contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso, não tendo oferecido conclusões.

V.  Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido douto parecer em 30-05-2024 com a refª ...97, no qual pugna pela improcedência do recurso interposto, subscrevendo a posição assumida pelo MºPº na 1ª instância nas suas contra-alegações.

VI. Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP respondeu o arguido através de requerimento oferecido em 18-06-2024 com a refª ...11, mantendo a sua posição recursal.
Respondeu ainda o assistente BB através de requerimento oferecido em 06-06-2024 com a refª ...69 no qual subscreve a posição do MºPº.

VII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

VIII. Analisando e decidindo.

O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP bem como das nulidades previstas no artº 379º do mesmo CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]

Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:

1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º do CPP e os vícios previstos no artº 410º nº 2 do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.

O arguido/recorrente entende que:
- houve erro de julgamento na fixação da matéria de facto;
- a qualificação jurídica mostra-se incorrecta pelo que deve ser consequentemente absolvido;
- caso assim não se entenda pede a redução das penas.

Está, assim, em causa decidir nos presentes autos pela ordem supra indicada:
I) se houve erro de julgamento na fixação da matéria de facto;
II) se a qualificação jurídica do crime imputado se mostra correcta;
II) se a medida da pena deve ser alterada.

Antes de entrarmos na análise do recurso vejamos, primeiro, os factos que foram dados por provados e não provados e a respectiva fundamentação levada a cabo pelo Tribunal a quo (transcrição):

“II. Fundamentação.
1. De facto.
1.1. Factos provados.
Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 15 de Julho de 2019, pelas 17h35m, na Avenida ..., ..., ..., o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-QM-..;
2. Por sua vez, CC, amigo do arguido, conduzia na mesma artéria, à frente do veículo conduzido pelo arguido, o motociclo de matrícula ..-QX-..;
3. Seguiam no sentido .../..., e dirigiam-se ao estabelecimento de Café denominado “EMP01...”, regressando do Centro Comercial ...”, em ..., onde tinham estado;
4. À data o arguido seguia a uma velocidade não apurada mas superior a 50 Km/hora;
5. O arguido AA circulava atrás do CC, até ao entroncamento que dá acesso para o interior da localidade de ..., local onde o perdeu de vista;
6. O pavimento da artéria é asfáltico betuminoso, e encontrava-se em bom estado de conservação;
7. A via pública é provida de passeio do lado esquerdo, com 1,6 mede valeta à direita com 0,8 metros, considerando o sentido de marcha do veículo;
8. Com inclinação ascendente de 4,7%, considerando o mesmo sentido;
9. É ladeada por habitações;
10. A faixa de rodagem com uma largura total de 6 metros, é composta por duas vias de trânsito, cada uma afeta ao sentido de circulação;
11. O local onde circulavam fica no interior de uma localidade;
12. O limite máximo de velocidade para o local é de 50km hora;
13. No local existia sinalização horizontal –Marca M1 Linha Contínua e Marca M19 Guias;
14. Ao descrever uma curva à direita, o arguido AA (que já tinha perdido de vista o motociclo conduzido pelo CC) que seguia a uma velocidade superior a 50km hora, foi surpreendido, na sua faixa de rodagem por tal motociclo;
15. O arguido AA apesar de ter travado, não conseguiu evitar o embate no motociclo conduzido pelo CC;
16. O CC pretendia entrar para um estabelecimento de café, denominado “EMP01...”, pela entrada que aquele estabelecimento tem para a rua;
17. Como tal antes de aí chegar, abrandou a sua marcha;
18. E porque em frente, a tal saída, se encontrava uma viatura estacionada, impediu-lhe o acesso a tal estabelecimento;
19. Decidindo assim, seguir em frente, para que na rotunda mais à frente, tomasse a artéria que lhe dava acesso ao referido estabelecimento comercial, pela parte de trás;
20. Foi então colidido na traseira do motociclo, pela metade direita, da frente do veículo ligeiro de passageiros conduzido pelo arguido AA;
21. A colisão ocorreu cerca de 0,75 metros do eixo da via, considerando o sentido da circulação dos veículos;
22. Como consequência do embate, o CC bateu no para-brisas do veículo conduzido pelo arguido AA, sendo de seguida projetado para a frente, acabando prostrado à frente do veículo;
23. A ofendida DD, caminhava no passeio, do lado esquerdo, atento o seu sentido de circulação, que era de ... a ...;
24. Com o embate o motociclo conduzido pelo CC foi projetado para a frente, invadindo o passeio onde circulava DD, vindo a embater na mesma;
25. Como consequência do embate, a ofendida sofreu ferimentos que a levaram a ser assistida no Hospital ..., onde esteve internada até ao dia ../../2019, onde acabou por falecer, cerca das 13h45;
26. Em consequência desse embate, a ofendida sofreu as lesões traumáticas crâneo-meningo-encefálicas e torácicas, as quais foram causa direta e necessária da sua morte;
27. O arguido AA agiu de forma voluntária, livre e consciente e bem sabendo que devia regular a velocidade do veículo automóvel em que seguia, de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores da via, em particular os vulneráveis, às caraterísticas e estado da via e do veículo, de modo a que pudesse parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente;
28. Sabia o arguido AA que a sua conduta era proibida por lei e penalmente punida e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim agiu da forma referida, omitindo o dever de cuidado com que devia e podia ter actuado;
29. Agiu com consciência da censurabilidade penal da sua conduta;
30. Conhecia o arguido as características da via e do local em causa nos autos, e já tinha, o mesmo, percorrido tal via e local conduzindo o veículo em causa nos autos e por várias vezes antes dos factos em apreço nos autos.
31. O arguido possui carta de condução desde ../../2019;
32. O automóvel em causa nos autos é propriedade do pai do arguido, mas era o arguido quem o conduzia habitualmente.
33. O não tem antecedentes criminais;
34. O arguido cresceu na freguesia ..., em ..., junto dos progenitores e das irmãs, sendo as relações familiares de união e proximidade afetiva;
35. O arguido regista três retenções até concluir o 9º ano; e apesar da sua reduzida motivação para a vida académica, a relação do arguido com os pares e os professores sempre foi pautada pela facilidade na interação interpessoal e entendimento;
36. Ao atingir a maioridade, o arguido não retomou o ensino e integrou o mercado de trabalho, tendo-se iniciado numa empresa metalomecânica, experiência, esta, que contou pouco tempo, resultado da sua transferência para uma empresa têxtil, a qual se mantém até aos dias de hoje;
37. Desempenha, actualmente, funções como operador de armazém e assume uma atitude responsável e de comprometimento com o serviço;
38. À data dos factos, o arguido convivia com amigos, entre os quais, alguns de longa data;
39. E os enquadramentos familiares e profissional, mantêm-se inalterados e estáveis;
40. Mediante a autonomização das irmãs, o arguido torna-se proprietário da habitação de família, através do acesso a um crédito bancário, e realizou as obras de reabilitação necessárias;
41. O arguido aufere o salário mínimo nacional e paga € 414 de prestação do crédito à habitação, sendo as restantes despesas mensais fixas partilhadas com o pai reformado e a mãe (que se encontra a receber o subsídio de desemprego);
42. Em contexto de entrevista com os técnicos da DGRSP o arguido manteve uma conduta adequada e colaborante.
*
1.2. Factos não provados.

Com interesse para a causa resultaram “não provados” os seguintes factos:
1. Que o arguido, à data e local dos factos em causa nos autos, estivesse sob a influência de substâncias canabinóides no sangue e que tinha ingerido antes de iniciar a circulação do referido veículo automóvel;
2. Que o arguido, à data e local dos factos em causa nos autos, estivesse sob a influência de álcool no sangue e que tinha ingerido álcool antes de iniciar a circulação do referido veículo automóvel.
*
1.3. Motivação.

Determina o art. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados que, como resulta do art. 368º, n.º 2, do mesmo Diploma, serão apenas os que sendo relevantes para a decisão estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa.
Com efeito, atenta a uniformidade do entendimento que desde há muito o STJ tem vindo a adoptar sobre este ponto  aquela enumeração visa a exaustiva cognição do “thema probandum”, i. é, a demonstração de que o Tribunal analisou especificamente toda a matéria de prova que foi submetida à sua apreciação e que revista de interesse para a decisão da causa, pelo que a obrigação legal, de na sentença, se fazer a descrição dos factos provados e não provados, se refere tão somente “(...) aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação” .
Aqui chegados, cumpre, ainda, referir que, como é consabido, em matéria de apreciação da prova, vigora o princípio de acordo com o qual o julgador formará livremente a sua convicção, objectivando-a racionalmente nos elementos produzidos ou analisados em audiência de julgamento e, com apoio, as mais das vezes, num raciocínio dedutivo ou indutivo, confrontando-a com as chamadas regras da experiência comum, entendidas como juízos hipotéticos assentes nas máximas da experimentação ordinária, independentes dos casos individuais em que se alicerçam e para lá dos quais mantêm validade - cfr. art.127º do Código de Processo Penal.
Orientados, assim, pelo que dito fica, analisemos criticamente a prova - as declarações do arguido e os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas, a prova documental e pericial juntas aos autos.
O arguido admitiu a data, hora e local dos factos, as características da via em apreço (morfologia, dimensões, sinalização), as condições atmosféricas que então se faziam sentir, o sentido de trânsito em que conduzia o veículo em consideração nos autos e o seguido pelo veículo conduzido pela testemunha CC, o embate do veículo por si conduzido no veículo conduzido pelo CC e o consequente embate deste último veículo na ofendida e, ainda, que seguia (o arguido) à data a uma velocidade superior a 50Km/h e sendo sabedor que a velocidade ali permitida era e é de 50Km/h.
Negou que à data estivesse sob a influência de substâncias psicotrópicas ou sob a influência do álcool – e, com efeito, nenhuma prova foi feita que infirmasse tais declarações.
No mais, e num primeiro momento, referiu que só após ter feito a curva à direita, e mencionada nos autos, e apenas a uma distância de cerca de 4 ou 5 metros – tendo referido, porém, mais tarde nas suas declarações, que tal distância era de 2 ou 3 metros - é que avistou o CC na mota que conduzia; e mais disse que o CC na ocasião estava com a frente da dita mota virada para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha por ambos seguido, porque a intenção dele era ir para o café (situado no lado esquerdo da via por onde transitavam, e como, referiu, muitos condutores de mota faziam quando iam a tal café), e que devido à conduta do CC embateu (o arguido) com o carro por si conduzido e mais com a parte esquerda da frente do mesmo na parte lateral esquerda da mota conduzida pelo CC.
Mais disse que logo que avistou o CC travou o carro por si conduzido, mas que tal não foi suficiente para evitar o embate em apreço nos autos.
Reportou que o aludido embate se deu na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito por si seguido.
Todavia - se referiu que apesar de se ter apercebido apenas do CC a cerca de 2 ou 3 metros após ter (o arguido) feito a aludida curva e que quando do mesmo se apercebeu travou - já quando confrontado com o Relatório fotográfico de fls. 112 a 129, admitiu ter visibilidade, aquando da descrição da referida curva, e para o local onde se deu o embate, de 34 metros – razão pela qual (e atentas as demais características da via em causa) temos de concluir que se apenas se apercebeu do CC quando do mesmo estava a cerca de 2 ou 3 ou 4 ou 5 metros é porque seguia, o arguido, à data e local dos factos, de forma desatenta, negligente, ou seja, sem o cuidado com que devia e podia ter actuado no exercício da condução que empreendida!
E quando instado a propósito, também acabou por admitir que a circunstância de não ter visto o CC a uma distância superior aos tais 2,3,4 ou 5 metros se pode ter ficado a dever à velocidade com que à data e local conduzia o carro em apreço nos autos, dizendo que até mal o viu travou logo e, ainda, que se viesse mais devagar provavelmente conseguia evitar o embate.
Igualmente, quando confrontado com as fotos de fls. 120 e 121 acabou por admitir que embateu na mota do CC com a metade da parte direita da frente do veículo por si conduzido, referindo, ainda, que antes do embate apenas travou e não fez qualquer manobra de desvio.
Relatou, ainda, que à data dos factos não previu que da condução por si empreendida pudesse resultar o embate, e consequências do mesmo, e em causa nos autos.
Mais referiu ter carta de condução desde ../../2019 e que já conhecia, antes dos factos, a via e local dos factos e que já a tinha percorrido, conduzindo o veículo em apreço, por várias vezes.
A testemunha CC, amigo do arguido, reportou, em bom rigor, e de forma que se mostrou espontânea, sincera, genuína, isenta, objectiva e, por isso, credível, os factos como se deram por provados nos números 1 a 3, 16 a 20 e 22, e o embate do veículo conduzido pelo arguido no pela testemunha conduzido.
A testemunha EE, militar da GNR, relatou, de forma que se mostrou espontânea, sincera, isenta e, por isso, crível, ter-se deslocado, no exercício das suas funções, ao local dos factos, devido à ocorrência do acidente em causa e em que foram intervenientes os veículos referidos nos autos e que ali chegado a ofendida já estava no interior da ambulância a ser assistida, e mais referiu como os veículos intervenientes no referido acidente se encontram quando (a testemunha) acedeu ao local dos factos.
Mais deu conta das diligências por si realizadas – tomou conta da ocorrência e elaborou a participação de acidente juntos aos autos e o croquis e registo fotográfico anexos (e juntos a fls. 89 a 83, 84 e 85), assim como os aditamentos à participação de acidente (e juntos a fls. 85 v.º, 86 e 93), sendo que corroborou o teor dos mesmos -.
As testemunhas FF, GG, e HH, amigos do arguido, relataram que à data dos factos seguiam transportados no veículo conduzido pelo arguido, a primeira no banco da frente ao lado do condutor e as duas últimas no banco de trás da aludida viatura; mais deram conta que o CC, amigo deles, seguia conduzindo a mota em apreço nos autos, no mesmo sentido de trânsito do seguido pelo arguido.
Reportaram, ainda, que o veículo do arguido, com a parte da frente, embateu na traseira da mota conduzida pelo CC e na faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha por eles seguido.
Mais disseram as referidas testemunhas que à data não sentiram que o arguido estivesse a conduzir o veículo em apreço nos autos de forma negligente; porém, cumpre dizer, tais testemunhas admitiram que à data podiam estar a utilizar os respectivos telemóveis – por isso, dizemos nós, não estariam a verificar o modo como o arguido conduzia.
E as testemunhas GG e HH mais disseram que o arguido à data e local dos factos seguia a uma velocidade superior a 50Km/h.
Por fim, II referiu que a ofendida era sua mãe; mais disse que a mesma não tinha problemas de audição; e deu conta da data da morte da mesma.
Quanto à caracterização das lesões sofridas pela ofendida teve o Tribunal em consideração o Relatório de autópsia de fls. 12 a 15.
O Tribunal atendeu, ainda, ao teor do Auto de Exame directo ao local e junto a fls. 109 a 111 e Relatório fotográfico de fls. 112 a 131
Ora, sendo esta a prova produzida e analisada conjugada e criticamente a mesma, e ainda de acordo com s regras da experiência comum, chegou o Tribunal à conclusão, sem margens de dúvidas, da realidade e dinâmica do acidente e das lesões/resultado mercê daquele sofridas pela ofendida, e da conduta então protagonizada pelo arguido, e como deu por assente nos factos provados.
Com efeito, o arguido, e como acima consignado, admitiu a data, hora e local dos factos, as características da via em apreço, as condições atmosféricas que então se faziam sentir, o sentido de trânsito em que conduzia o veículo em consideração nos autos e o seguido pelo veículo conduzido pela testemunha CC, o embate do veículo por si conduzido no veículo conduzido pelo CC e o consequente embate deste último veículo na ofendida e, ainda, que seguia (o arguido) à data a uma velocidade superior a 50Km/h, acabando, após ter sido confrontado com a prova documental junta ao autos, por dar dos acontecimentos uma versão coincidente com a tida por demonstrada.
E aqui chegados, cumpre referir, que o arguido disse que à data dos factos não previu que da condução por si empreendida (e que em bom rigor acabou por admitir ter sido por si empreendida sem o cuidado com que devia e podia ter actuado) pudesse resultar o embate, e consequências do mesmo, e em causa nos autos; todavia, face às declarações do mesmo acima exaradas e já analisadas, ao que acresce que tinha carta de condução desde ../../2019 e que já conhecia, e antes dos factos, a via e local dos factos e que já a tinha percorrido, conduzindo o veículo em apreço, por várias vezes, e que à data e local do embate seguia a uma velocidade superior a 50Km/h e sendo sabedor que a velocidade ali permitida é de 50Km/h, estava o arguido munido de todas as condições para prever a realização do evento em apreço nos autos.
As condições pessoais e económicas do arguido alicerçaram-se nas declarações complementarmente prestadas pelo mesmo e ainda no teor do Relatório Social junto aos autos; tendo revelado, quanto à ausência de antecedentes criminais o CRC junto aos autos a fls. 334.
Relativamente aos factos não provados, cumpre referir que não se produziu em julgamento qualquer prova que permitisse dar como demonstrados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram.
*
2. De direito.
2.1. Enquadramento jurídico-penal.
Apurados os factos importa, agora, proceder ao seu enquadramento jurídico.
O arguido vem acusado da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1 e 15º do Código Penal.
Preceitua o art. 137º, n.º 1, do Código Penal: - “Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”.
O preenchimento deste tipo legal de crime pressupõe, respectivamente, que o agente, mediante uma acção ou uma omissão, não descrita no tipo, lese o bem jurídico vida de outra.
Mais se exige que o resultado morte tenha como causa adequada a conduta do agente (imputação objectiva do resultado à conduta – cfr. o disposto no art. 10º, n.º 1, do Código Penal), e que o facto possa ser imputado ao agente a título de negligência (isto é, que se verifique “in casu” a imputação subjectiva do facto ao agente – nos termos do disposto nos arts. 13º e 15º, em conjugação com o transcrito art. 137º, do Código Penal).”
Ora, resulta dos factos provados que na data e local referidos nos factos assentes ocorreu um embate no qual foram intervenientes o veículo conduzido pelo arguido e o conduzido pela testemunha CC e a ofendida DD.
Como consequência desse embate a ofendida sofreu as lesões melhor descritas no respectivo relatório de autópsia constante dos autos, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
Posto isto, cumpre aferir da imputação objectiva e subjectiva ao arguido do crime ora em apreço.
É desde logo necessário que esteja preenchido o elemento específico da violação do dever objectivo de cuidado. Isto é, é necessário que o agente não tenha procedido com o cuidado a que está obrigado naquelas circunstâncias – cfr. art. 15º do Código Penal -.
De facto “o substracto da ilicitude do crime por negligência não reside no facto de se ter causado o resultado, mas na conduta incorrecta” .
Ora, a melhor forma de aferir se houve ou não violação do dever de cuidado, é comparando a forma como o agente actuou com a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação daquele dever. E se a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido, haverá violação do dito dever de cuidado .
Acresce, ainda, que para determinar a medida do cuidado deve atender-se ao padrão do homem consciente e sensato da esfera de tráfico a que pertence o agente. É, afinal, o critério civilista do art. 487º, n.º 2, do Código Civil.
Sendo certo que, no caso concreto, e porque operamos também no âmbito da circulação rodoviária, não só se deve partir como ponto de referência do condutor medianamente cauteloso, como também se deve ter em conta o tipo de transporte em causa, bem como os particulares conhecimentos do agente (arguido).
Ora, é consabido que a circulação rodoviária traduz-se numa actividade que pela sua natureza intrínseca é potenciadora de situações de perigo de lesão de bens jurídicos; no entanto, face à sua utilidade (e necessidade) social é admitida por lei.
Por isso, “o direito positivo impõe regras de cuidado de modo a que a actividade perigosa que o trânsito rodoviário representa possa desenrolar-se em termos socialmente aceitáveis”.
Tais regras têm por escopo fixar uma zona de risco permitido, sendo certo que as infracções das mesmas implicam, em regra, a criação de uma zona de risco proibida e, consequentemente, são objecto de uma sanção.
Contudo, não se impõe que as condutas violadoras da tais normas criem uma situação de perigo de lesão dos bens jurídicos que aquelas pretendem tutelar, na medida em que se trata de proibições de perigo abstracto .
Entre essas normas, e no que ora nos importa, integram-se as dos arts. 24º, n.º 1, 25º, n.º 1, al. c) e 27º, do Código da Estrada (CE).
Preceitua o referido art. 24º, n.º 1: “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”.
Dispões o art. 25º, n.º 1, do CE: “Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:
c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações”.
E preceitua o art. 27º, n.º 1 que: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 24º e 25º e de limites inferiores que lhes sejam impostos, os condutores não podem exceder as seguintes velocidades instantâneas (em quilómetros/hora): automóveis ligeiros de mercadorias sem reboque, dentro das localidades, 50 Km/h.”.
E de acordo do o disposto no art. 145º, do CE: “1 - No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contraordenações:  (…) e) O trânsito com velocidade excessiva para as características do veículo ou da via, para as condições atmosféricas ou de circulação, ou nos casos em que a velocidade deva ser especialmente moderada; (…).
Ora, tendo em consideração o que vimos de exarar quanto ao tipo legal do crime em apreço nos autos e face aos factos dados como assentes nos números 1 a 29 (dos “factos provados), dúvidas não restam que o arguido praticou o crime pelo qual se mostra pronunciado, ou seja, o arguido, à data e local dos factos conduzia a viatura automóvel em apreço sem o cuidado com que o devia e podia fazer e imprimia ao seu veículo uma velocidade não concretamente apurada, mas  superior À permitida legalmente, não moderando especialmente a mesma - face ao circunstancialismo de transitar numa localidade, da presença de outros utentes da via, para em condições de segurança executar as manobras cuja necessidade era de prever e, especialmente, fazer parar o referido veículo no espaço livre e visível à sua frente.
Acresce que nenhum comportamento imprevidente é de reconhecer às vítimas (CC e DD) do acidente provocado pelo arguido.
Acresce, ainda, que na sequência da conduta do arguido, como consequência directa e necessária do embate pelo mesmo produzido, DD sofreu lesões descritas no relatório de autópsia constante dos autos, e que foram a causa directa e necessária da sua morte.
Tendo, pois, resultado provado que o embate do qual resultaram as referidas lesões e morte da ofendida se ficou a dever ao facto de o arguido conduzir, à data e local dos factos, sem a atenção e os cuidados necessários a que se encontrava obrigado, não tendo acatado as normas de circulação rodoviária, em especial do limite de velocidade e a que impõe aos condutores que moderem a velocidade adequada às características do local e condições de tráfego, que lhes permita executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente; ao que acresce que o arguido tinha carta de condução e conhecia as características da via e do local e sabia que, no exercício da condução, devia manter-se atento ao trânsito e bem assim à circulação de outros utentes da via e peões, a reduzir a velocidade e se necessário parar para evitar o embate em outros utentes da via; e atentas as referidas características da via e do local, devia o arguido ter previsto que, ao actuar sem a atenção e os cuidados a que se encontrava obrigado, para evitar acidentes em geral e, em particular, o embate na moto conduzida pela testemunha CC e o consequente atropelamento da ofendida pudesse embater em veículos que circulassem na aludida via, ou seja no local próprio, e que, com a sua conduta, poderia causar a morte de outrem, como veio a suceder, o que era previsível para qualquer condutor medianamente cauteloso e para o arguido e, não obstante, agiu o arguido sem todos os cuidados e a atenção necessária que lhe eram exigíveis e de que era capaz, agindo o arguido de forma livre, sendo que o embate e as suas consequências se ficaram a dever à circunstância de o mesmo, na ocasião conduzir com manifesta falta de cuidado e atenção, em desrespeito das regras elementares de circulação rodoviária, nomeadamente a velocidade que empregava, sem atentar à presença dos outros utentes da via; regras e cuidados, esses, que podia e devia ter adoptado, de modo a evitar um resultado que não previu mas devia prever, dando assim causa às lesões supra descritas, que determinaram a morte de DD, e mais sabia, o arguido, que a sua conduta proibida e punida por lei.
Assim, e desde logo, tendo em consideração os normativos do Código da Estrada e acima referidos forçoso é concluir que o arguido praticou as contraordenações em apreço.
E assim sendo, conclui-se, “in casu”, que a violação das citadas normas indicia a violação de um dever objectivo de cuidado, e podemos concluir, assim, que a conduta do arguido criou um perigo, juridicamente censurado, que se realizou no resultado típico, de forma a podermos afirmar que ao desvalor da acção tenha acrescido o desvalor do resultado.
É igualmente certo que para se afirmar que o resultado teve como causa a acção, tem que se afirmar, em primeiro lugar, a causalidade natural (o resultado tem como causa natural a acção - o nexo causal) e, em seguida, a causalidade jurídica (o nexo de imputação objectiva) – cfr. art.10º, n.º 1, do Código Penal.
Isto, é, era necessário que tivesse sido precisamente a acção (a violação do dever de cuidado), aquela causa específica que produzisse o resultado - nisto consiste o nexo de imputação objectiva.
E para que se possa estabelecer essa imputação é, ainda, necessário que o resultado pudesse ter sido evitado com uma conduta conforme ao dever de cuidado - requisito da evitabilidade do resultado.
Daí que o nexo de imputação objectiva se deva negar quando se possa afirmar que o resultado produzido pela conduta descuidada do agente se teria igualmente produzido caso o agente tivesse o comportamento conforme ao dever de cuidado.
“In casu”, e atentos os factos provados podemos afirmar que se o arguido tivesse actuado conforme o dever de cuidado que lhe era exigido e com o que devia e podia ter actuado, no local e à data dos factos em causa nos autos, que o resultado não teria ocorrido.
Também a este propósito lembra Eduardo Correia, que “a omissão do dever objectivo de cuidado, adequado a evitar a realização do tipo legal de crime, não justifica só por si, efectivamente, a censura a título de negligência. É ainda necessário que o agente seja capaz, segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais, de prever ou de prever correctamente a realização do tipo legal de crime”.
Ora, é absolutamente normal encontrar-se na aludida via um veículo a circular, bem como encontrar-se a circular no passeio ou na parte destinada aos peões da aludida via, um ou mais peões, nas circunstâncias temporais e de espaço à data dos factos, – como aliás era o caso.
Assim, e estando o arguido habituado e habilitado (legalmente) a conduzir o referido veículo automóvel no local em causa, que por isso bem conhecia e como o mesmo referiu em juízo, será de concluir que tinha tal capacidade de previsão acrescendo a esta consideração o facto de o mesmo ter consciência que, ao efectuar tal condução, naquele local e naquele circunstancialismo de tempo e de lugar não adoptava os cuidados necessários a evitar a colisão com um qualquer utente daquela via.
Assim, o arguido é passível de um juízo de censura.
Destarte, a conduta negligente do arguido foi, como se mencionou, a causa directa e necessária da produção do resultado - a morte da ofendida.
Decorre, também, do exposto, que o arguido não representou que com o seu comportamento pudesse provocar a morte de outrem (ou seja, o resultado típico) pelo que é de concluir estarmos perante uma situação de negligência inconsciente.
Posto isto, cumpre concluir que o arguido praticou, um crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137º, n.º 1, do Código Penal (contra a ofendida).”

Vejamos, agora, as concretas questões submetidas a recurso.

I)  Do Erro de Julgamento na Fixação da Matéria de Facto:

Entende o arguido que os factos vertidos em 4 e 14 foram fixados sem prova bastante, pois não resulta dos autos que o mesmo seguia a uma velocidade superior a 50 kms/hr.

Vejamos.

A impugnação da matéria de facto segue o disposto no artº 412º nº3 do Código de Processo Penal que dispõe o seguinte:

“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”

Tendo a prova sido gravada diz o nº 5 do citado artº 412º do CPP que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Sendo que, nos termos do nº 6 do artº 412º do CPP “no caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

No que se refere às declarações dos arguidos, aos depoimentos das testemunhas e à sua articulação com os documentos, vigora o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artº 127º do CPP, que assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no artº 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
 
Assim, “O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida” (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).

“Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.
Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”[2]

Conforme se esclarece ainda no Acórdão da Relação de Lisboa (9ª secção) de 08-10-2015, proferida no procº nº 220/15.3PBAMD.L1-9, in dgsi.pt:
“III- O recurso em matéria de facto, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, relativamente à decisão sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgado, fazendo referência expressa às concretas passagens/excertos das declarações, que, no seu entendimento, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer;
IV- Não basta ao recorrente enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal superior, oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à sua pretensão final e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra, uma vez que o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal “ad quem”, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros relevantes (evidentes e óbvios) na apreciação e ou aquisição da prova produzida em sede de primeira instância.”

Por isso é que é absolutamente fundamental que no recurso interposto da matéria de facto, nos termos do artº 412º nº 3 do CPP, o recorrente identifique os concretos factos cuja alteração pretende e as concretas provas que impunham a requerida alteração, não cabendo a este Tribunal de recurso refazer o julgamento, ouvir toda a prova e voltar a decidir.
É que a alteração da matéria de facto em sede de recurso só deve ocorrer se, após cumprimento do disposto no artº 412º do CPP, o Tribunal de recurso constatar que o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido como decidiu face à concreta prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, da lógica, etc.
Se apenas se constatar que o Tribunal a quo seguiu uma possível solução de entre várias possíveis interpretações válidas resultantes da prova produzida, então, deve ser dada prevalência à convicção do Tribunal a quo por ser o tribunal mais bem colocado para avaliar toda a prova atendendo ao princípio da imediação da prova.

Conforme se esclarece de forma clara no Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2015:[3]
“I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente.
II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida.
III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.” – sublinhado nosso

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque na sua anotação ao artº 412º do Código de Processo Penal[4]:
“A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de «voltas» do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento. (…)

Por fim, e como explicado de forma muito clara e compreensiva no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 3/2012 de 08-03-2012 (in DR 1ª Série, nº 77 de 18-04-2012):

“Pede -se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
Esta limitação da capacidade cognitiva da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação sempre esteve presente, como desde logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.
Com efeito, como foi afirmado no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, «o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».
O Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros. (…)
Como se refere no acórdão de 27 de Janeiro de 2009, processo n.º 3978/08 -3.ª «O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar».
Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão em matéria de facto, a exemplo do que ocorria com o artigo 690.º -A, e actualmente do artigo 685.º -A do CPC e artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, decorrem dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com vista a assegurar a seriedade do recurso e obviar que os poderes da Relação sejam utilizados para fins dilatórios.”

 Ora, e adiantando desde já a nossa convicção, afigura-se-nos que o arguido não logrou impugnar a matéria de facto que elenca com sucesso.

Vejamos porquê.

Em primeiro lugar, o arguido não deu cabal cumprimento ao disposto no artº 412º nº 2 al. a) do CPP uma vez que não indicou as normas violadas pelo Tribunal a quo, não havendo lugar ao convite previsto no artº 417º nº 3º do CPP uma vez que a falha também se verifica na motivação do recurso.

Tal como recentemente afirmado em Acórdão desta mesma Relação de 23-04-2024, procº nº 83/21.0T9EPS.G1[5], em que a aqui Relatora interveio como 2ª adjunta:
“Na verdade, não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Em suma, o artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, impõe o dever de convite ao aperfeiçoamento tão só quando «a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º». Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.
Este entendimento é também sufragado pelo Tribunal Constitucional (designadamente, nos acórdãos nos 259/2002, 140/2004, 322/04, 357/2006, 529/03 e 685/2020), que distingue a deficiência resultante da omissão na motivação das especificações previstas na lei – caso em que o vício será insanável –, da omissão de levar as especificações constantes da motivação às conclusões – caso em que se impõe o convite à correção.” – negrito nosso

Também em Decisão Sumária prolatada na Relação de Lisboa em 08-03-2023, ao abrigo do disposto no artº 417º nº 6 al. b) do CPP se esclarece:
“I- Quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art.º 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção;
II- No entanto o mesmo já não sucede, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações legais, pelo que o convite à correcção já não se justifica, porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade da dedução de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo assim a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso. Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso dos autos, já não poderá haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento.”

Não tendo o reclamante incluído na sua motivação as indicações exigidas pelos nºs 3 e ss do artº 412º do CPP, a falta destes elementos também nas conclusões não é susceptível de sanação através de convite a formular por este Tribunal.

Mas, ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese académica se contempla, a verdade é que o arguido não logrou demonstrar, com a impugnação que realiza dos dois pontos da matéria de facto, que a decisão teria de ser diversa, mormente, que não se poderia considerar provado que circulasse a uma velocidade superior a 50 kms/hr.

Vejamos.

Recapitulemos os factos concretamente impugnados:

4. À data o arguido seguia a uma velocidade não apurada mas superior a 50 Km/hora;
14. Ao descrever uma curva à direita, o arguido AA (que já tinha perdido de vista o motociclo conduzido pelo CC) que seguia a uma velocidade superior a 50km hora, foi surpreendido, na sua faixa de rodagem por tal motociclo;

Ora, o arguido não demonstra como a prova alternativa que oferece “impunha” decisão diversa que é isso que é exigido pelo artº 412º nº 3 al. b) do CPP.

Veja-se, que nos trechos oferecidos pelo arguido, consta precisamente o contrário que defende, pois a testemunha GG, segundo o arguido, disse:
“Ao minuto 4:06
Advogado - Disse que o AA ia a mais de 50? Certo?
Testemunha – Sim.
Advogado – Muito mais?
Testemunha – Não, muito mais.
Advogado – O senhor alguma vez se sentiu em perigo com a condução dele? Achou que estava a conduzir com negligencia?
Testemunha – Não.
Advogado – Ia o senhor no carro o AA e quem mais?
Testemunha – O FF e o JJ.
Advogado – Destes três, excetuando o Sr. AA. Algum disse “oh AA, abranda”, “Vai mais devagar”, “tem calma”, “estas a conduzir muito rápido”, alguém disse isso?
Testemunha – Não.”

Claro se torna ver que da própria prova indicada pelo arguido não se pode concluir que o mesmo não seguia a uma velocidade superior a 50 kms/hr pois é a testemunha por si indicada que diz precisamente o contrário daquilo que o arguido pretende provar.

Quanto ao argumento de que, esta testemunha e outra que terá seguido no carro conduzido pelo arguido, não se terem sentido inseguros é absolutamente irrelevante e incapaz de alterar o sentido dos factos em apreço uma vez que um passageiro, por razões várias e até por confiar na capacidade de condução do arguido, pode sentir-se seguro mesmo circulando a mais de 50 kms/hr sem que isso alguma vez pudesse determinar a concreta velocidade a que o veículo em causa seguia.

Por outro lado, tivesse o arguido estado mais atento à sentença recorrida ter-se-ia apercebido que o Tribunal a quo disse, entre outras coisas, na sua motivação da matéria de facto o seguinte:
O arguido admitiu a data, hora e local dos factos, as características da via em apreço (morfologia, dimensões, sinalização), as condições atmosféricas que então se faziam sentir, o sentido de trânsito em que conduzia o veículo em consideração nos autos e o seguido pelo veículo conduzido pela testemunha CC, o embate do veículo por si conduzido no veículo conduzido pelo CC e o consequente embate deste último veículo na ofendida e, ainda, que seguia (o arguido) à data a uma velocidade superior a 50Km/h e sendo sabedor que a velocidade ali permitida era e é de 50Km/h.”
- sublinhado e negrito nossos

Ora, o arguido não impugnou esta parte da sentença, mormente, contrapondo com o argumento de que o mesmo não corresponde ao que efectivamente disse.

Pelo que temos por assente que foi o próprio arguido que admitiu ter estado a circular a uma velocidade superior a 50 kms/hr.

Por fim, no que tange ao argumento utilizado pelo arguido para demonstrar que uma travagem de um carro a 50 kms/hr implicaria uma distância de 27,5 metros para parar, trata-se de uma defesa que não toma em consideração inúmeros factores.

Vejamos.

Afirma o arguido n sua motivação o seguinte:
“4º. A distância de paragem é a soma da distância de reação e da distância de travagem, ou seja, é a distância percorrida entre o momento em que o condutor vê o obstáculo e aquele em que o veículo para.
 5º. As regras de trânsito indicam que, circulando à velocidade de 50 km/h, a distância de paragem é de 27,5 metros – tendo em conta que o tempo de reação comum é de 1 segundo.”

Antes de mais, não existe no Código da Estrada, sede legal das regras de trânsito, a afirmação acabada de citar.

Nem se compreende onde e como é que o arguido chegou àquela conclusão.

Na verdade, a distância de paragem vai depender de uma série de factores, a saber:
- velocidade;
- atrito dos pneus com o piso, o que implica saber o estado do piso e o estado dos pneus;
- massa do veículo;
- declive da via;
- eficiência do sistema de travagem.
Ora, o arguido conduzia um VOLVO C30 (cfr. ofício de 29-06-2020 com a refª ...35), pelo que conduzia um veículo de gama média que seguramente tem um sistema de travagem mais eficiente do que um simples carro utilitário.

Por outro lado, o veículo em causa tinha a inspecção periódica em dia, pelo que o carro estaria apto a circular, sendo de notar que um dos factores avaliados no IPO é precisamente a eficiência do sistema de travagem.

Do facto vertido em 6 (não impugnado pelo arguido) sabemos que:
“O pavimento da artéria é asfáltico betuminoso, e encontrava-se em bom estado de conservação;”

E do auto de notícia (ofício de 29-06-2020 com a refª ...35) sabemos que o piso estava “seco e limpo” e que não havia obstáculos nem obras na via.

Aliás, o arguido não alega que no dia em causa se fazia chover ou que o piso estivesse escorregadio com chuva ou mesmo gasóleo.

E, do facto vertido em 8 (não impugnado pelo arguido), sabemos que a via onde seguia o arguido tinha uma:
“inclinação ascendente de 4,7%, considerando o mesmo sentido”.
Ou seja, a via onde seguia o arguido não só estava seca e limpa, permitindo uma travagem eficaz, mas até tinha uma inclinação ascendente o que até serviria de um “travão” natural.

Pelo que se pergunta como é que se afirma que a distância de travagem teria de ser 27,5 metros com um carro de gama média, em piso seco e limpo e em bom estado de conservação e com uma inclinação ascendente?

Por outro lado, conforme se retira da motivação oferecida na sentença recorrida ficou claro que o arguido:
“quando confrontado com o Relatório fotográfico de fls. 112 a 129, admitiu ter visibilidade, aquando da descrição da referida curva, e para o local onde se deu o embate, de 34 metros…”

Assim, ainda que por qualquer motivo estranho se pudesse considerar que o arguido teria de dispor de 27,5 metros para travar, a verdade é que dispunha de 34 metros dentros dos quais poderia ter reagido. 

Claro se torna ver que a matéria de facto, tal como se encontra fixada, e especialmente os factos vertidos em 4 e 14, não devem ser alterados, motivo pelo qual esta parte do recurso do arguido tem de improceder.

II) Da Qualificação Jurídica:

Entende o arguido que não é possível imputar-lhe a prática de um crime, ainda que título negligente, uma vez que não era possível para um homem médio ter previsto o desenrolar de eventos que levou à morte da vítima pedestre.

Vejamos.

A negligência, com relevância penal, vem prevista no artº 15º do Código Penal que diz o seguinte:

“Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.”

O arguido afirma no seu recurso, na 10ª conclusão, que:
“Ora, poderia o “homem médio” ou “condutor médio” ter previsto que em consequência daquela conduta resultaria concomitantemente que:

a. O embate numa mota que parou para virar à esquerda de forma repentina, e
b. Que ao parar, a mota não virou porque tinha um carro a obstaculizar a via, e
c. Que essa mota seria projetada, e
d. Que ao ser projetada embateria numa senhora (idosa e com diabetes).”

Contudo, afigura-se-nos que o arguido labora em erro por dois motivos:

O primeiro prende-se com o facto de que o artº 15º do Código Penal prevê a negligência inconsciente ao determinar que age com negligência (também) quem não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
Esta previsão jurídica já permite enquadrar no tipo legal negligente situações em que o agente não conseguiu sequer prever todas as consequências da sua actuação derivada da sua falta de cuidado.
 
Assim e, ainda que o arguido, ou alguém colocado no seu lugar, não conseguisse antever que ao conduzir com falta de cuidado, mormente, a uma velocidade que não lhe permitiu travar com segurança no espaço livre e visível à sua frente, pudesse, com o embate que tal condução descuidada provocou no veículo imediatamente à sua frente, vir a atingir um terceiro no passeio, a verdade é que a al. b) do artº 15º do Código Penal permite imputar-lhe, à mesma, o tipo legal em apreço, neste caso, o homicídio negligente.

É que, ainda que não fosse previsível que o embate na moto fosse de tal ordem que a mesma fosse projectada para cima de um peão que transitava no passeio, a verdade é que a morte desse peão, mais concretamente a morte da vítima DD, se deveu ao facto do motociclo a ter acolhido no passeio.

Sendo que, não estando o motociclo a circular indevidamente no passeio, mas parado no eixo da via, foi o embate que sofreu que o impulsionou para zona fora da sua circulação normal, embate esse directamente causado pela condução, descuidada, do arguido.

E, a sentença recorrida acaba por enquadrar o comportamento do arguido precisamente na figura de negligência inconsciente, pelo que não se compreende a posição do recorrente.

Veja-se que, na sentença ora sob escrutínio, na parte do enquadramento jurídico, após longa exposição explicativa diz o Tribunal a quo:
“Decorre, também, do exposto, que o arguido não representou que com o seu comportamento pudesse provocar a morte de outrem (ou seja, o resultado típico) pelo que é de concluir estarmos perante uma situação de negligência inconsciente.”

O segundo ponto tem a ver com o facto de que, no caso concreto, nem sequer estamos perante uma negligência inconsciente uma vez que o resultado da condução descuidada do arguido até era previsível, ou pelo menos, deveria ter sido por si apreensível.

Vejamos.

Ao contrário do alegado pelo arguido o motociclo não parou para virar à esquerda de forma repentina.

Ficou provada a seguinte factualidade no que à dinâmica do acidente diz respeito:

16. O CC pretendia entrar para um estabelecimento de café, denominado “EMP01...”, pela entrada que aquele estabelecimento tem para a rua;
17. Como tal antes de aí chegar, abrandou a sua marcha;
18. E porque em frente, a tal saída, se encontrava uma viatura estacionada, impediu-lhe o acesso a tal estabelecimento;
19. Decidindo assim, seguir em frente, para que na rotunda mais à frente, tomasse a artéria que lhe dava acesso ao referido estabelecimento comercial, pela parte de trás;
20. Foi então colidido na traseira do motociclo, pela metade direita, da frente do veículo ligeiro de passageiros conduzido pelo arguido AA;

Daqui se retira que, não só o condutor do motociclo não virou de repente para a esquerda como, até estaria já em movimento para frente, isto é, no mesmo sentido do carro conduzido pelo agrido, quando é por este acolhido.

Por outro lado, não faz sentido o afirmado pelo arguido “que ao parar, a mota não virou porque tinha um carro a obstaculizar a via” uma vez que, estando a moto parada, na óptica do arguido, este teria sempre de travar atempadamente para que o motociclista efectuasse a sua manobra.

Vamos supor que não havia um carro a impedir o motociclista de virar para onde queria, este teria sempre de efectuar a sua manobra em segurança o que poderia implicar que tivesse, mesmo assim, que esperar que o caminho estivesse livre de outros carros em circulação para poder virar.

Isto é a situação normal de qualquer carro que querendo virar, ou para a direita ou para a esquerda, numa via em que circulam outros carros fazê-lo somente quando o caminho está livre.

Pelo que, tivesse o arguido conduzido com a devida cautela que lhe era exigida, mesmo que o motociclo estivesse imobilizado no eixo da via à espera para poder virar, o arguido teria sempre de esperar que o mesmo efectuasse a sua manobra.

O que significa que teria sempre de travar a tempo.

Ora, o que resulta da motivação oferecida pelo Tribunal a quo é que o arguido só se terá apercebido da presença da moto já muito em cima da mesma, isto é, a uns escassos 2 a 4 metros de distância do mesmo, pelo que, mesmo travando, como fez, tal não impediu o embate no motociclo e consequente projecção do mesmo para cima do peão que naquele momento circulava pelo passeio.

Por outro lado, da matéria de facto vertida em 7 a 11 sabemos que o local do embate ocorreu dentro de uma localidade e que a via tinha, do seu lado esquerdo, um passeio para a circulação de peões.

A via também estava ladeada por habitações.

E, olhando o croquis junto com o auto de notícia (junto em 29-06-2020 com a refª ...35, pagina 17) se verifica que, a três metros do local provável de embate, existe uma passadeira de peões, sinalizada com o correspondente sinal vertical que é tido como “ponto fixo inalterável 2”.

Ou seja, no local onde o acidente ocorreu até havia uma passadeira para peões a uns escassos 3 metros, pelo que até por esse motivo o arguido deveria ter abrandado a sua marcha e circulado com precaução em face da possível travessia por parte dos peões.

Pelo que, afirmar que não seria previsível o acidente dos autos não é aceitável porquanto, ainda que a dinâmica em si não fosse, na sua totalidade, previsível, por não se saber ao certo que no preciso momento em que a moto é projectada para o passeio iria  passar a vítima e cruzar-se com a trajectória daquela projecção, a verdade é que estando dentro de uma localidade, ladeada por habitações e passeio e existindo uma passadeira a uns escassos metros, teria de ser considerada a possibilidade de que, qualquer acidente rodoviário, poderia atingir quem nas redondezas por ali circulasse.

Por fim, não colhe o argumento que a vítima poderia ter falecido porque tinha diabetes, ou que esta condição pudesse ter contribuído para a morte, como parece fazer crer o arguido quando diz que é importante saber que a vitima era diabética, uma vez que o relatório da autópsia (junto em 09-...19 com a refª ...65) é claríssimo ao determinar como causa da morte “as lesões traumáticas craneo-meningo-encefálicas e torácicas” descritas após observação do cadáver.

Aquelas lesões nada têm a ver com diabetes tendo sido causadas pelo acidente.

Assim, dúvidas não podem restar que foi a condução descuidada do arguido que provocou, de forma directa, a trágica morte da vítima DD.

Que essa morte não foi por si desejada estamos certos, mas que foi o resultado da sua actuação, mormente, da sua condução descuidada em desrespeito das regras de trânsito e do elementar cuidado que a condução, de uma forma geral, exige não pode haver qualquer dúvida.

Pelo que a imputação ao arguido da prática de um crime de homicídio negligente mostra-se correctamente efectuada pelo Tribunal a quo, nenhuma censura havendo quanto à condenação do arguido.

Assim, também esta parte do seu recurso terá de improceder.

III) Da Medida das Penas (principal e acessória):

Por fim, e apenas em sede de pedido final formulado após as conclusões (não consta do texto da sua motivação) entende o arguido que, na eventualidade de se manter a sua condenação, devem as penas, principal e acessória, ser reduzidas.

Vejamos, olhando, primeiro, o que o Tribunal a quo disse quando determinou a pena.

“2.2. Da pena.
Enquadrado da forma descrita o comportamento do arguido importa, agora, escolher e graduar, dentro da moldura penal abstracta que ao crime cabe, a pena concreta a aplicar.
2.2.1. Moldura penal abstracta.
O crime de homicídio por negligência cometido pelo arguido é punível pelo art. 137º, n.º 1, do Código Penal, em conjugação com o disposto nos arts. 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 até 360 dias.
2.2.2. Escolha da natureza da pena.
Admitindo a punição prevista a aplicação em alternativa de duas penas principais cumpre proceder, antes do mais, à determinação da espécie da pena que concretamente irá ser aplicada atendendo, para o efeito, ao sentido e ao alcance do princípio geral que resulta da combinação dos arts. 40º e 70º do Código Penal.
Pese embora se siga o entendimento segundo o qual o facto de se haver cominado no n.º 1 do art. 137º do Código Penal pena de multa alternativa apesar de se tratar de crime contra as pessoas - (um crime contra a vida) - se ficar a dever ao facto de se estar perante crime sem dolo e sem negligência grosseira e que, por conseguinte, podem assumir, segundo o seu conteúdo de culpa, uma gravidade relativamente pequena que afaste a verificação, quanto a ele, das exigências preventivas conducentes à aplicação da pena de prisão, cremos que, no caso em apreço, a opção pela pena não detentiva seria entendida como uma injustificada indulgência contra o crime, comprometendo as exigências de exteriorização física da reprovação.
Relevando de forma preponderante as exigências da prevenção geral no domínio dos chamados homicídios negligentes estradais, a gravidade que pode reconhecer-se no comportamento empreendido pelo arguido impede que, perante a crescente inquietação comunitária provocada por temerários desempenhos rodoviários e a cada vez maior perplexidade com que tendem a ser encaradas as perturbadoras estatísticas dos acidentes mortais e/ou com ofensas físicas, a confiança comunitária pudesse ser restabelecida através da aplicação de uma pena de multa.
Opta-se, assim, pela pena de prisão.
*
2.2.3. O regime penal especial para jovens.
À data da prática do crime em causa nos autos o arguido tinha 19 anos de idade, por isso urge considerar a aplicação ou não, in casu, do regime penal especial para jovens.
Na verdade, a apreciação desta matéria – aplicação do regime especial para jovens - não é uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado, que deve ser sempre apreciado, oficiosamente, recolhendo-se para o efeito os elementos que forem necessários.
Todavia, o poder-dever de apreciação não corresponde à obrigatoriedade de aplicação desse mesmo regime.
A idade do delinquente - compreendida entre os 16 e os 21 anos - funciona efectivamente como o pressuposto legal necessário para a obrigatoriedade de apreciação; porém, já não vincula na sua aplicação efectiva.
A aplicação do aludido regime dependerá, como estipula o artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, de “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
E esta avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade.
Sendo vasta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta temática, seguimos o Acórdão desse Tribunal de 31.1.2008, processo n.º 07P4573, publicado em www.dgsi.pt.jstj, que sintetiza o essencial a ponderar na eventual aplicação da atenuação especial para jovens: “(…) antes de proceder a uma atenuação especial, não pode o tribunal deixar de ter presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal: “as medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, (…)”.
O tribunal, deve, assim, ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável. E, depois, o Tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no citado art. 4º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, quando é grave a sua culpa (na forma de dolo directo) e não seja legítimo concluir então que há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a sua reinserção social.
O referido prognóstico favorável à ressocialização radica, como se exarou supra, na valoração, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
E compreende-se este rigorismo: a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos art.ºs 72º e 73º do Código Penal, preceitos, estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime.
Não se pode, porém, deixar igualmente de ter em conta que a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4.º do DL 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Destarte, há que avaliar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução dos crimes e os seus motivos determinantes, aí radicando (ou não) o juízo de prognose favorável à sua reinserção.
Ora, é certo que o arguido à data da prática do crime em causa nos autos tinha 19 anos de idade e também é factual que o mesmo tinha antecedentes criminais.[6]
Todavia, e como acima expendido, relevando de forma preponderante as exigências da prevenção geral no domínio dos chamados homicídios negligentes estradais, a gravidade que pode reconhecer-se no comportamento empreendido pelo arguido (atento, desde logo, o grande grau de ilicitude dos factos) impede, também aqui, que, perante a crescente inquietação comunitária provocada por temerários desempenhos rodoviários e a cada vez maior perplexidade com que tendem a ser encaradas as perturbadoras estatísticas dos acidentes mortais e/ou com ofensas físicas, a confiança comunitária pudesse ser restabelecida se ao arguido fosse aplicado o mencionado regime.
Destarte, entendemos, in casu, que não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido.
*
2.2.5. Medida concreta da pena.
Para a determinação da medida concreta da pena o art. 71º, do Código Penal fornece um critério fundamental: dentro dos limites definidos na lei, far-se-á ela em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.
Através do princípio regulativo assim formulado, transpôs o legislador para o momento da determinação concreta da pena a posição que, em matéria das finalidades da punição, viria no texto revisto expressamente a consagrar. Com efeito, porque só razões directamente ligadas à necessidade de tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma violada e ao propósito de ao agente desinserido proporcionar a reintegração e o auxílio próprios de qualquer Estado de Direito Material, podem justificar a aplicação das reacções mais gravosas que o Direito Penal tem por função dispensar, serão precisamente as exigências da prevenção geral e especial aquelas que, em concreto, vão determinar o quantum de pena em a aplicar.
A culpa do agente funcionará como uma incondicionável proibição de excesso que, comprimindo de forma inultrapassável quaisquer considerações preventivas, fornecerá o limite máximo que, em nome da preservação da dignidade da pessoa do arguido, pode a punição, concretamente, alcançar (neste sentido, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime pg.224 e ss.).
Justamente porque será dentro de um moldura cujo limite máximo coincide com a medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo corresponde às irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico que se encontra o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente, alguma jurisprudência não hesita em reconhecer na finalidade de protecção dos bens jurídicos a função primordial da pena (neste sentido, Ac. do STJ de 26.05.95, CJSTJ, ano VII, T.II, pg. 214, que mantém actualidade).
E na determinação concreta da pena o Tribunal atende, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – cfr. art. 71º, n.º 2, do Código Penal.
Tendo em consideração o que vimos de exarar há a considerar que são, desde logo, muito elevadas as exigências de prevenção geral.
Com efeito, importa, desde logo, ter presente os frequentes acidentes ocorridos nas nossas estradas e a prática frequente, no nosso País, deste tipo de crime o que, do ponto de vista da prevenção geral, reivindica penas particularmente elevadas.
No que concerne à culpa, no caso “sub judice” devemos ter presente que o arguido à data dos factos circulava a uma velocidade excessiva para as circunstâncias de do local (local, este, que bem conhecia), o que tendo em conta, ainda, os riscos subjacentes à circulação rodoviária, potencializa o grau de ilicitude do facto.
Todavia, e ainda no que se refere à culpa convém lembrar que o arguido não previu, porém, como possível, que da sua actuação, podia resultar o embate em quem utilizasse a via – pelo que actuou com negligência inconsciente – cfr. art. 15º, al. b), na medida em que não representou a possibilidade de produzir o resultado de morte – o que consubstancia um factor que lhe diminui a culpa.
O grau de ilicitude dos factos, no segmento do desvalor da acção, mostra-se elevado tendo em conta, mormente, a grave violação das regras da circulação rodoviária e a manifesta falta de cuidado do arguido na realização da sua condução e que foi causal do embate em apreço.
E devemos, ainda, ter presente que o arguido à data dos factos circulava com uma viatura automóvel, o que tendo em conta os riscos subjacentes àquela circulação rodoviária, potencializa o grau de ilicitude do facto atentos os menores riscos quando tal circulação se opera com um motociclo, por exemplo.
Milita a favor do arguido, e no que se refere às exigências de prevenção especial, não ter antecedentes criminais; e estar inserido familiar e profissionalmente.
Assim, e ponderando os circunstancialismos acima referidos, entende o Tribunal ser adequada, necessária, proporcional e suficiente aplicar ao arguido uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
*
2.2.4. Da suspensão da execução da pena de prisão.
Atendendo que a opção pela pena de prisão é, no caso “sub judice”, reclamada pelas necessidades de prevenção geral cremos que, no entanto, se justifica no caso, ainda, e como derradeira oportunidade ao arguido, a suspensão da execução da pena imposta nos termos previstos no art. 50º, do Código Penal, porquanto esta (e só esta pena substitutiva) ainda realizada de forma adequada as finalidades que presidem à aplicação das penas.
Com efeito, importa ter presente que, nos termos do art. 50º, n.º 1, do Código Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E o Tribunal, se julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, - cfr. arts. 51º, 52º e 53º, “ex vi” do art. 50º, n.º 2, todos do Código Penal.
Assim, e nos termos do art. 50º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 1 anos e 9 meses.
Todavia, e porque é conveniente e adequado à realização das finalidades de punição, acima aludidas, o Tribunal determina que a aludida suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido seja acompanhada de regime de prova - assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as actividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRSP e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e regras estradais e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros crimes estradais), e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social - e, ainda, ficando o arguido sujeito durante o aludido período de suspensão da execução da pena de prisão aos seguintes deveres/obrigações/regras de conduta:
- a) ao cumprimento, por parte do mesmo, do dever de pagar aos Bombeiros Voluntários ..., e dentro do prazo de 1 ano, a quantia de 1.000,00 euros - cfr. art. 50º, n.º 2 e art. 51º, n.º 1, al. c), do Código Penal;
- b) ao cumprimento, por parte do arguido, da frequência de um programa de responsabilidade e segurança estradal e designadamente as seguintes acções que integram o mesmo - frequência de um curso sobre condução segura dinamizado por entidade, em data e local a indicar ao arguido pela DGRSP; - frequência de um curso sobre comportamento criminal e estratégias de prevenção da reincidência dinamizado pela DGRSP, em data e local a indicar ao arguido por tal entidade;
- c) a realização de entrevistas com Técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida;
- d) estar empregado ou caso venha a ficar desempregado se inscrever no centro de emprego e demonstrar tal factualidade de três em três meses na DGRSP; - E em conformidade, serão remetidos a este processo relatórios pela DGRSP – de 4 em 4 meses -, decidindo este Tribunal, oportunamente, e com fundamento nas informações assim carreadas aos autos, da revogação ou não das obrigações supra referidas e da revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão.
*
2.3.1. Da determinação da medida concreta da pena acessória.
Dispõe o art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal: “1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º.”.
 Tal como acontece em relação à pena principal, à aplicação de uma pena acessória subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, pelo que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do Código Penal.
Assim, na graduação da pena acessória deve o Tribunal atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido.
A prevenção geral, a acautelar, com a aplicação da pena acessória em causa, terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação.
Com efeito, e como refere o Prof. Figueiredo Dias a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor visa prevenir a perigosidade do agente. Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. Acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal).
Tal pena, corresponde, assim, e desde logo, a uma necessidade de política criminal que se prende com a elevada taxa de sinistralidade rodoviária que se regista em Portugal.
Ora, revertendo ao caso dos autos, na determinação da medida concreta da pena acessória importa considerar os factores que foram ponderados na determinação da pena principal aplicadas pela prática do crime de homicídio praticado com negligência: - O grau de ilicitude dos factos, tendo em conta, mormente, a grave violação das regras da circulação rodoviária e a manifesta falta de cuidado do arguido na realização da sua condução e que foi causal do embate em apreço; - a negligência com que o arguido actuou, e que reveste a modalidade de negligência inconsciente; - as exigências de prevenção geral que no caso se evidenciam, sendo as mesmas muito elevadas, atentos os elevados índices de sinistralidade que se registam nas estradas portuguesas, com as consequências desoladoras daí decorrentes, em termos de perda de vidas humanas e de sequelas com que ficam muitos dos sinistrados sobreviventes, com os elevados custos sociais e económicos que acarretam; e mostrando-se as de prevenção especial, à partida, diminutas, atenta a ausência de antecedentes criminais.
Assim, entendemos ser adequada, necessária, proporcional e suficiente a aplicação ao arguido de uma pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir veículos com motor pela prática do crime de homicídio negligente.

Vejamos, agora, o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial aplicáveis.

O artº 40º do Código Penal (CP), cuja epígrafe é "finalidades das penas e das medidas de segurança" dispõe o seguinte:
"1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente."
           
O artº 70º do CP, cuja epígrafe é "critério de escolha da pena" dispõe o seguinte:
"Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."

E o artº 71º CP, subordinado à epígrafe "determinação da medida da pena" diz o seguinte:
"1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de criem, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena."

Em termos doutrinais, ensina-se nos Figueiredo Dias[7] que "as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução da medida da pena."

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 24-05-1995, procº nº 47386/3[8]:
"Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo. A pena concreta deve ser fixada entre um limite mínimo, já adequado à culpa, e um limite máximo, ainda adequado à culpa, intervindo os outros fins das penas dentro desses limites. A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo."

Ora, o arguido não indica, nem na sua motivação, nem nas suas conclusões as normas que, no seu entender, o Tribunal a quo violou quando fixou as penas que determinou na sentença recorrida.

Pelo que, só por isso, esta parte do seu recurso está votado ao insucesso.

Em todo o caso, o arguido, apenas em jeito de pedido final inserido após as conclusões, e sem qualquer desenvolvimento na sua motivação, pede a atenuação das penas “tendo em conta as circunstancia, grau de culpa, a sua profissão necessitar de conduzir, ausência de antecedentes criminais e a sua situação financeira.”
           
Contudo, o Tribunal a quo sopesou todas aquelas circunstancias – à excepção de necessitar de conduzir viatura para exercício da sua profissão que não se mostra fixada na matéria de facto – como se pode aferir da seguinte parte da sentença recorrida que aqui recapitulamos:

“E na determinação concreta da pena o Tribunal atende, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – cfr. art. 71º, n.º 2, do Código Penal.
Tendo em consideração o que vimos de exarar há a considerar que são, desde logo, muito elevadas as exigências de prevenção geral.
Com efeito, importa, desde logo, ter presente os frequentes acidentes ocorridos nas nossas estradas e a prática frequente, no nosso País, deste tipo de crime o que, do ponto de vista da prevenção geral, reivindica penas particularmente elevadas.
No que concerne à culpa, no caso “sub judice” devemos ter presente que o arguido à data dos factos circulava a uma velocidade excessiva para as circunstâncias de do local (local, este, que bem conhecia), o que tendo em conta, ainda, os riscos subjacentes à circulação rodoviária, potencializa o grau de ilicitude do facto.
Todavia, e ainda no que se refere à culpa convém lembrar que o arguido não previu, porém, como possível, que da sua actuação, podia resultar o embate em quem utilizasse a via – pelo que actuou com negligência inconsciente – cfr. art. 15º, al. b), na medida em que não representou a possibilidade de produzir o resultado de morte – o que consubstancia um factor que lhe diminui a culpa.
O grau de ilicitude dos factos, no segmento do desvalor da acção, mostra-se elevado tendo em conta, mormente, a grave violação das regras da circulação rodoviária e a manifesta falta de cuidado do arguido na realização da sua condução e que foi causal do embate em apreço.
E devemos, ainda, ter presente que o arguido à data dos factos circulava com uma viatura automóvel, o que tendo em conta os riscos subjacentes àquela circulação rodoviária, potencializa o grau de ilicitude do facto atentos os menores riscos quando tal circulação se opera com um motociclo, por exemplo.
Milita a favor do arguido, e no que se refere às exigências de prevenção especial, não ter antecedentes criminais; e estar inserido familiar e profissionalmente.”

Não oferecendo o arguido qualquer fundamento para considerar que essa avaliação se mostra ilegal ou desadequada.

Quanto à necessidade de conduzir para exercer a sua profissão, que, aliás nem sequer se mostra alegada pelo arguido e apenas consta do seu pedido final, a mesma não é fundamento de per se a considerar.

Veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 13-07-2016[9]:
“VIII — O exercício da condução automóvel não constitui um direito fundamental, com foros de garantia constitucional.
IX — Trata-se de uma atividade permitida apenas aos cidadãos que revelem ter as condições necessárias para o seu exercício, legalmente habilitados para o efeito e, à semelhança de muitas outras atividades de acesso condicionado, sujeita ao cumprimento de regras, postulando estas a fiscalização do seu cumprimento pelo Estado.”

Ora, a sanção acessória foi fixada em 8 meses quando a respectiva moldura penal é de 3 meses a 3 anos, pelo que a sanção acessória foi fixada próxima do seu limite mínimo.

E a pena principal foi fixada em 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão suspensa na sua execução quando a moldura penal abstractamente aplicável é de um mês até 3 (três) anos de prisão ou com pena de multa.

Tendo o Tribunal a quo explicado o motivo pelo qual optou – e bem – por uma pena de prisão, embora suspensa na sua execução, e não tendo o arguido despendido uma única linha no seu recurso a justificar porque motivo deveria ter sido condenado numa simples pena de multa, dúvidas não temos que a pena fixada, ademais pouco acima do meio da moldura penal, se mostra perfeitamente adequada à culpa do arguido que, pese embora não tivesse previsto o resultado – mas, como vimos, podia – violou de forma grave as mais básicas regras da condução, circulando em excesso, não só para o limite legalmente estabelecido na via mas, acima de tudo, circulando em excesso para as concretas condições de trânsito que se faziam sentir no momento, mormente tendo em atenção a localização onde circulava que estava ladeada de habitações, tinha passeio, portanto tinha de se prever a possível circulação de peões, e com uma passadeira a uns escassos metros do provável local do embate.

Não se vislumbra, assim, qualquer desajuste por parte do Tribunal a quo, quer na determinação da pena principal, quer na determinação da pena acessória.
           
Ora, a jurisprudência tem sido clara e constante quando afirma que o Tribunal de recurso, no que tange à medida da pena, só deve corrigir verdadeiros erros na determinação da pena, deixando o quantum da mesma incólume, excepto se for visível a falta de proporcionalidade ou violação das regras da experiência comum.

Veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 15-11-2006[10]:

“VIII. Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
IX - Se, sindicada a decisão recorrida, se verifica que:
- a mesma equaciona devidamente a determinação do fim das penas, no caso e na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa; de contribuição para a reinserção social do arguido em sede de prevenção especial, e meio de neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede de prevenção;
- estão elencados os elementos fácticos relevantes para individualização penal;
- está patente, de forma razoável, consciente e suficiente, a conexão intelectual entre aqueles elementos de facto e os fins das penas; é manifesto que se encontram correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena, pelo que não se vislumbra qualquer razão para colocar em causa a decisão recorrida no que concerne às penas parcelares e à pena conjunta.”
- sublinhado nosso

No caso em apreço, não se vislumbra qualquer erro por parte do Tribunal a quo, quer na determinação do conteúdo das penas (principal e acessória), quer no processo levada a cabo para se alcançar aquelas penas, revelando o Tribunal a quo equilíbrio na avaliação dos factores legalmente exigidos, bem como na ponderação dos motivos de prevenção geral e especial.
           
Por outro ado, o arguido não demonstra em que medida o Tribunal a quo fixou penas ilegais ou desadequadas.

Pelo que, nada havendo a apontar à medida concreta das penas, tem o recurso do arguido de improceder também no que a esta parte diz respeito e, em consequência, improcede o recurso na sua totalidade.

Decisão:

Em face do acima exposto decidem os Juízes Desembargadores da Secção Penal da Relação de Guimarães em julgar IMPROCEDENTE o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC's (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
Guimarães, 10 de Setembro de 2024.
                                              
Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Bráulio Martins (1º Adjunto)
Pedro Cunha Lopes (2º Adjunto)


[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Ac. Rel. Évora de 28-05-2013 no procº nº 166/11.4IDFAR.E1 in dgsi.pt.
[3] In www.dgsi.pt.
[4] In “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, reimpressa na Universidade Católica em 2018, página 1144.
[5] A Relatora do processo é a Exmª Srª Desembargadora Isilda Maria Correia de Pinho.
[6] Como facilmente se percebe da matéria de facto provada, o arguido não tem antecedentes criminais e, portanto, está em causa um lapso de escrita, como facilmente se apreende pois, mais adiante na fundamentação da medida da pena, o Tribunal a quo toma em consideração a falta de antecedentes criminais do arguido.
[7] In Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, p. 227 e ss.
[8] In anotação ao artº 71º do Código Penal anotado por Maia Gonçalves, p. 277.
[9] Consultável em:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3c9ed319cd6473ba80257ff1003600bf?OpenDocument
[10] Consultável em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9b61edbdfa035287802572db00449149?OpenDocument