CONTRIBUIÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário

I - O artº 49º nº3 da LGT - aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17.12 - que estatui que a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, não se aplica subsidiariamente, às dívidas das contribuições para a segurança social - Lei n.º 4/2007, de 16.01. - pois que inexiste lacuna neste diploma, devendo entender-se que a não consagração nele de preceito igual ao da LGT foi desejado pelo legislador; ou, mesmo que assim não fosse, porque a integração da lacuna por analogia não seria possível, pois que, vg., existe diferença substancial nos prazos de prescrição: 5 anos na LSS e 8 anos na LGT e o início da sua contagem é mais rápido naquela Lei, não estando assim presente o requisito do artº 10º nº2 do CC para o recurso à analogia: que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
II - Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – artº 327º nº1 do CC.
III - A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido – artº 325º do CC.

Texto Integral


Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Vítor Amaral
Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Por apenso à execução que corre termos sob o n.º 1315/18.... e em que é executada  AA, foi apresentada reclamação de créditos pelo INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL IP –referente a contribuições vencidas e não pagas e juros de mora.

A executada, ora reclamada, AA, impugnou a reclamação de créditos.

 Sustentando, em síntese, que a reclamação é legalmente inadmissível e, em todo o caso, as contribuições anteriores a 19 de setembro de 2018 encontram-se prescritas.

O credor reclamante respondeu à matéria de exceção invocada defendendo a sua inexistência.

2.

Seguiram os autos os seus termos, tendo sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Com os fundamentos de facto e de direito expostos:

a. Julgar improcedente a exceção de prescrição;

b. Julgar reconhecido o crédito reclamado, nos termos que constam da fundamentação de facto;

c. Graduação

i. Pelo produto da fração autónoma designada pela letra E composta de segundo andar direito, tipo T-Três e arrecadação no sótão, a segunda a contar do vão da escada para a direita do prédio urbano sito em Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...97.º e descrito na competente Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha 2125/19...:

1º lugar: o crédito do Exequente, no que tange a capital e juros desde o incumprimento até três anos, incluindo sobretaxa e despesas;

2.º lugar: havendo remanescente do pagamento referido em 1º lugar, o crédito do credor Reclamante;

3.º lugar: havendo remanescente do pagamento referido em 2º lugar, o remanescente do crédito do exequente;»

3.

Inconformada recorreu a reclamada.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. A Sentença recorrida julgou improcedente a exceção de prescrição da dívida reclamada pelo Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de ..., não reconhecendo a inexigibilidade dos períodos contributivos anteriores a setembro de 2018 em dívida.

II. A relação contributiva tem uma natureza tributária, pois estabelece-se entre, de um lado, pessoas singulares e coletivas (os contribuintes) e, do outro, a administração tributária, pois o Instituto da Segurança Social, I.P. é uma entidade pública.

III. A Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que definiu as bases gerais em que assenta o sistema da Segurança Social, estabelece no seu artigo 60.º o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos.

IV. O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, manteve quer o prazo quer as causas interruptivas da prescrição no seu artigo 187.º.

V. Como estabelecem os n.os 3 e 4 do artigo 60.° da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que aquela contribuição devia ter sido cumprida, e interrompe-se pela realização de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida.

VI. Para este efeito, “diligências administrativas” serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor.

VII. No que não está especialmente regulado quanto ao prazo de prescrição serão de aplicar as regras dos artigos 48.º e 49.º da LGT.

VIII. O prazo de prescrição conta-se, in casu, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, ou seja, a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, que no caso de contribuições para a Segurança Social é o dia 15 do mês seguinte a que respeita (artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de junho).

IX. A interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar (artigo 49.º, n.º 3, da LGT).

X. Os efeitos de uma causa interruptiva são instantâneos e determinam a abertura de um novo prazo de prescrição, sendo esta a solução constitucionalmente adequada e a única que acautela as razões de certeza, segurança e paz jurídicas em que radica a prescrição das obrigações tributárias.

XI. Quando o Instituto da Segurança Social, I.P., notificou a reclamante em 29.12.2011 da existência da dívida, de 9.835,49 €uros, referente às contribuições de novembro de 2006 a novembro de 2011, (já) estava prescrita a contribuição de novembro de 2006, cuja obrigação deveria ter sido cumprida no dia 15 do mês seguinte.

XII. E quando foi citada em: 26.11.2015, para pagamento das contribuições dos meses de novembro de 2014 a fevereiro de 2015; 16.01.2017, para pagamento das contribuições dos meses de março de 2015 a julho de 2017; e 29.11.2018, para pagamento das contribuições dos meses de agosto de 2017 a junho de 2018 - não estavam (ainda) prescritas tais dívidas.

XIII. Considerando, no entanto, que nos termos previstos no art. 49.º, n.º 3, da LGT, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e que os factos interruptivos da prescrição (neste caso, a notificação da dívida e a citação) já ocorreram, as citações realizadas não são suscetíveis de desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição.

XIV. Desta forma, tendo-se iniciado um novo prazo de prescrição, em 19.09.2023 (já) estavam prescritas as dívidas exequendas referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; e de dezembro de 2016 a agosto de 2018.

XV. A Sentença recorrida fez uma errada interpretação da lei, violando, entre mais, o artigo 49.º, n.º 3, da LGT.

Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve a sentença recorrida que determinou a exigibilidade do crédito reclamado ser revogada e substituída por outra que reconheça a prescrição das contribuições em dívida anteriores a setembro de 2018

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é  a seguinte:

Prescrição das contribuições em dívida anteriores a setembro de 2018.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que importa considerar:

i. Nos autos de execução foi penhorado a fração autónoma designada pela letra E composta de segundo andar direito, tipo T-Três e arrecadação no sótão, a segunda a contar do vão da escada para a direita do prédio urbano sito em Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...97.º e descrito na competente Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha 2125/19..., sobre a qual incide:

1. Hipoteca voluntária registada pela AP ...7 de 2000/12/06 a favor do Exequente (Averb. Ap ...65 de 2022/05/04), a garantir o montante máximo de 5.062.120$00, contravalor de 25.249,75 euros, sendo o capital de 3.500.000$00, contravalor 17.457,93 euros, juros, acrescidos da sobretaxa em caso de mora e despesas até 140.000$00, contra-valor 698,32 euros;

2. Penhora registada pela AP ...89 de 2013/07/11 a favor do credor Reclamante;

3. Penhora registada pela AP ...78 de 2018/04/17 do Exequente.

ii. A reclamada AA encontra-se inscrita na Segurança Social com o n.º ...15.

iii. Na qualidade de trabalhadora independente está obrigada ao pagamento das suas próprias contribuições.

iv. Nessa qualidade, a reclamada não procedeu ao pagamento das contribuições referentes aos meses de outubro de 2007 a outubro de 2012; de janeiro de 2013 a junho de 2015; de setembro de 2015 a julho de 2016; de dezembro de 2016 a dezembro de 2018 e de novembro de 2019 a fevereiro de 2020, que no total perfazem a quantia de 22.414,41 €uros.

v. Ao montante referido acrescem juros, encontrando-se vencidos, até setembro de 2023, no montante de 11.747,90 €uros.

vi. Em 29 de dezembro de 2011 o Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social notificou a Reclamada do extrato de conta corrente em divida desde novembro de 2006 até novembro de 2011, no valor global de 9.835,49 €uros, concedendo o prazo de 10 dias para o seu pagamento.

vii. No dia 18 de junho de 2012, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social para ver reconhecida a prescrição das contribuições então em divida, o que foi indeferido.

viii. Pelo credor Reclamante foi instaurado processo executivo para cobrança coerciva das contribuições em divida, que corre com o n.º ...09, no âmbito do qual foi concretizada a penhora referida em a), ii).

ix. Posteriormente, foram instaurados por apenso ao mencionado processo (principal), os seguintes processos:

1. Processo n.º ...21, para o qual foi citada em 15 de outubro de 2013;

2. Processo n.º ...35, para o qual foi citada em 27 de junho de 2014;

3. Processo n.º ...91, para o qual foi citada em 26 de novembro de 2015;

4. Processo n.º ...04, para o qual foi citada em 16 de janeiro de 2017;

5. Processo n.º ...91, para o qual foi citada em 29 de novembro de 2018;

6. Processo n.º ...61, para o qual foi citada em 30 de setembro de 2019.

x. No dia 08 de novembro de 2013, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, com vista ao pagamento da quantia exequenda em 120 prestações.

xi. No dia 08 de novembro de 2013, foi deferido pela secção de processo executivo de ..., do Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, o pagamento da quantia exequenda – 11.882,92 €uros – em 120 prestações.

xii. No dia 24 de julho de 2014, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, com vista ao pagamento da quantia exequenda em 60 prestações.

xiii. No dia 28 de julho de 2014, foi deferido pela secção de processo executivo de ..., do Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, o pagamento da quantia exequenda – 1.489,08 €uros – em 60 prestações.

xiv. No dia 08 de julho de 2016, a Reclamada apresentou um requerimento no Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, dirigido a todos os processos, com vista ao pagamento da quantia exequenda em 150 prestações.

xv. No dia 08 de julho de 2016, foi deferido pela secção de processo executivo de ..., do Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, o pagamento da quantia exequenda – 15.433,83 €uros – em 150 prestações.

xvi. No dia 21 de setembro de 2016, a Reclamada apresentou um requerimento junto do Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social, dirigido ao processo ...09 e apensos, no qual solicitou a substituição do bem penhorado.

6.

Apreciando.

6.1.

A julgadora decidiu nos seguintes termos:

«Sobre o prazo geral de prescrição reza o artigo 309.º do Código Civil. Porém, a matéria da prescrição das prestações à segurança social goza de regime específico que, no que ao caso releva, se consubstancia no Decreto-Lei n.º 103/80 de 9 de maio, posteriormente, na Lei n.º 17/2000 de 8 de agosto e agora na Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro que aprovou as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social (entretanto alterado pela Lei n.º 83-A/2013 de 30 de dezembro).

Consequentemente, a existência de um prazo especial de prescrição, afasta a aplicação, às dívidas exequendas, do prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.

Temos então que considerar os prazos estabelecidos nas mencionadas leis.

De acordo com o disposto no artigo 60.º n.º 3 da mencionada Lei 4/2007 a obrigação de pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.

Acrescenta o n.º 4 do mesmo preceito: a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.

Com estes pressupostos temos que as diligências administrativas consideradas provadas e que são do conhecimento da Reclamada que interveio, ativamente, nos processos de execução fiscal onde as mesmas (diligências administrativas) tiveram lugar – tudo, cfr. pontos h) a r) da fundamentação de facto –, interromperam-se a prescrição.

Pelo que, os créditos reclamados não estão prescritos.

O mesmo se diga quanto aos juros de mora peticionados referentes ao mesmo período.

Em face do exposto, julgo improcedente a invocada exceção de prescrição.»

 Já a recorrente pugna pela sua tese nos termos sintéticos exarados nas conclusões.

Perscrutemos.

6.2.

Versus o entendido pela recorrente, o artigo 49º da Lei Geral Tributária não é aqui aplicável subsidiariamente, nos termos do artº 3º  do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009 de 16.09.

Efetivamente…

Estabelece tal preceito:

Artº3º

Direito subsidiário

São subsidiariamente aplicáveis:

a) Quanto à relação jurídica contributiva, a Lei Geral Tributária;

b) Quanto à responsabilidade civil, o Código Civil;

c) Quanto à matéria procedimental, o Código do Procedimento Administrativo;

d) Quanto à matéria substantiva contra-ordenacional, o Regime Geral das Infracções Tributárias.

Por seu turno o artigo 60.º  nºs 3 e 4  da Lei n.º 4/2007, que fixou as BASES GERAIS DO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL estatui:

3 - A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.

4 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.

Já os artºs 48º e 49º da LGT têm o seguinte teor:

 Artigo 48.º

Prescrição

1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu

Artigo 49.º

Interrupção e suspensão da prescrição

1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 - (Revogado.)

3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

Ora…

A aplicação subsidiária de normas de um diploma legal ao regime jurídico de outro diploma implica que neste inexista norma que regule um concreta situação/relação jurídica, ou seja, que nele exista uma lacuna.

Estabelece o artº Artigo 10.º  do CC:

Integração das lacunas da lei

1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

 O fundamento do recurso à analogia é o de que, se uma norma dispõe de certa maneira para um caso, será natural que um caso idêntico não regulado por qualquer norma seja resolvido da mesma forma que o primeiro, desde que procedam os fundamentos materiais, ou razões justificativas da regulação do caso que uma dada norma em vigor prevê.

Sendo a analogia uma forma de “lógica parcial”, o método que envolve a sua utilização na integração de lacunas traduz-se numa operação de comparação de um caso concreto com outro, de forma a identificar as suas diferenças e semelhanças e verificar se estas últimas são suficientemente relevantes e, portanto, mais fortes que as diferenças que as separam, de modo a que se possa enquadrar ou subsumir o referido caso omisso na estatuição da norma que regula o caso análogo.

Assim sendo, conclui-se que, In casu, a lacuna inexiste e, decorrentemente, não sendo possível recorrer à analogia.

Isto porque as situações são diferentes, ou, pelo menos, as suas  dissemelhanças relevantes ultrapassam as semelhanças que nelas possam existir.

Em primeiro lugar porque as contribuições para a segurança social a que a lei   de BASES GERAIS DO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL -  Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro – são realidade diversa dos tributos e impostos da relação tributária que a LEI GERAL TRIBUTÁRIA -  aprovada  pelo DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro - prevê.

Os impostos  são uma realidade consubstanciada na exigência do Estado de uma prestação unilateral sem contrapartidas; enquanto que  as prestações para a segurança social não são impostos, mas quando muito, são taxas que trazem uma contrapartida  de proteção social, ao menos quando se atingir a reforma.

No dizer da lei – artº 55º Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro - «São condições gerais de acesso à protecção social garantida pelos regimes do sistema previdencial…».

Destarte, a inexistência no âmbito desta Lei 4/2007 de preceito igual ou idêntico ao do artº 49º da LGT, não significa que estejamos perante uma lacuna, cujo preenchimento clame a aplicação subsidiária, por analogia, deste preceito da LGT.

Sendo que temos por melhor a exegese de que a não consagração na Lei 4/2007 de preceito igual ou idêntico ao da LGT foi assumidamente desejada pelo legislador.

Isto porque, como se viu, os aludidos diplomas reportam-se a, e estatuem sobre, realidades diferentes.

Depois porque certos aspetos nela regulados se assumem como  autónomos e até díspares, merecendo, assim, tratamento diferenciado.

É o que acontece, vg.,  com o instituto da prescrição e as suas causas interruptivas ou suspensivas.

Desde logo, verifica-se que enquanto na LGT o prazo de prescrição é de oito anos – artº 48º -, na Lei da Segurança Social a exigibilidade das prestações prescreve no prazo de apenas cinco anos.

Acresce que o inicio do prazo da prescrição, nos impostos periódicos, apenas se verifica a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário; pelo que, vg. o prazo do tributo devido em janeiro apenas começa a correr no início de janeiro do ano seguinte.

Já no domínio das contribuições para a Segurança Social o prazo de prescrição  começa a contar-se, como bem alega a recorrente,  logo a partir da data em que o facto tributário ocorreu, ou seja, a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, que, no caso, é o dia 15 do mês seguinte a que respeita - artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de junho.

Ora sendo o prazo da LGT muito mais amplo, e começando a correr, nos impostos periódicos, apenas após o fim do ano a que respeitam, faz sentido que - em benefício da certeza, segurança, e  com a pretensão de evitar o acumular de dívida que pode levar a uma situação de penosidade para o contribuinte para o pagamento, ou até, no limite, a sua insolvência -, se determine que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

Mas tais perigos de incerteza, insegurança e penosidade ou insolvência, já estão muito mais mitigados perante um prazo de prescrição de apenas cinco anos, substancialmente mais curto do que o da LGT, como, também, perante  um decurso mais célere do mesmo, pois que começa a correr mais cedo do que acontece em sede de LGT.

Por conseguinte, não faz sentido, ou não faz tanto sentido, que se limite a interrupção da prescrição a uma vez, nos termos previstos na LGT.

Aliás, o atual n.º 3 do artigo 49.º da LGT - que limita a interrupção da prescrição a uma vez -, apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, sendo quase contemporâneo da lei 4/2007 e, assim, sendo certamente do conhecimento do legislador desta.

Também por isto, se demonstra ou fortemente  indicia que a não consagração em tal lei de preceito igual ou idêntico ao artº 49º nº3 da LGT  não  se assume como lacunar, antes foi desejado e pretendido pelo seu legislador, o qual, assim, não quis a aplicação deste segmento normativo no âmbito deste diploma.

Ou, mesmo que assim não se entenda, não seria  possível integrar tal lacuna por recurso à analogia, já que, como se viu, o artº 49º nº3 da LGT rege para uma realidade diversa da que ora nos ocupa e em termos tais que não permite admitir a interpretação que existam semelhanças suficientes entre os quids comparados que permitam justificar para as contribuições para a segurança social a aplicação do regime  da prescrição que tal preceito prevê para os impostos.

6.3.

Acresce que se a recorrente  aceita a aplicação do artº 49º nº3 da LGT também teria de aceitar que o STA entende,  quase unanimemente, que o facto de a matéria da prescrição, prevista nos artigos 48.º e 49.º da LGT, ser taxativamente fixada, tal não obsta a que não se possa recorrer à lei civil quando a lei tributária é insuficiente.

 E, assim, tem defendido que o ato de citação interrompe e suspende o prazo de prescrição, por aplicação dos artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC.

Estatui este último preceito, sob a epígrafe

Duração da interrupção,

«1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.»

 Pelo que, defende o STA:

«- A citação, enquanto causa interruptiva do instituto da prescrição, transversal a todo o tipo de dívidas (civis, tributárias – art. 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - e equiparadas…), detém e opera com um duplo efeito; instantâneo (interrompe, no sentido de que faz parar a contagem e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente) e, por outro lado, duradouro (não deixa começar a correr novo prazo de prescrição até ao termo do processo, v.g., em que decorra a cobrança coerciva da dívida)» - Ac  do STA de 07.02.2024, p. 0699/23.0BELRA, in dgsi.pt., entre muitos outros.

(sublinhado nosso)

In casu provou-se que, a partir de 2011, foram instaurados contra a recorrente vários processos executivos.

Pelo que, no seguimento da aludida jurisprudência, o novo prazo de prescrição apenas começava a correr após o seu termo.

A recorrente não provou, como lhe competia – artº 342º nº 2 do CC – que todos ou alguns de  tais processos já findaram e que o  prazo de prescrição que começou a correr após tal terminus implicou a prescrição relativamente às prestações que se venceram até 2018.

E, ainda, teria a recorrente de aceitar que, nos termos do artº 325.º nº1  do CC:

«1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.»

Ora provou-se – factos x e sgs. – que  a recorrente, entre os anos de 2013 e 2016, peticionou o pagamento da dívida em prestações, o que até lhe foi concedido e, bem assim, a substituição do bem penhorado.

Factos que demonstram inequivocamente que aceitou a existência da dívida e a sua responsabilização pela mesma.

Isto, note-se, já depois de: No dia 18 de junho de 2012, a Reclamada  ter apresentado um requerimento no Instituto de Gestao Financeira da Segurança Social para ver reconhecida a prescrição das contribuições então em divida, o que foi indeferido.

Ou seja, depois deste indeferimento acabou por aceitar a dívida, o que demonstra outrossim, que se conformou com a decisão do IGFSS  de indeferimento da caducidade.

Pelo que a sua reiteração, aqui plasmada, de repristinar tal pretensão, alcança-se até como algo abusiva, na modalidade do venire contra factum proprium.

Nesta conformidade se alcançando a final conclusão de que prescrita se encontra apenas a prestação referente a novembro de 2006, a qual aqui se declara para os devidos efeitos.

 

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente apenas no atinente à prestação de novembro de 2006,  declarando-se  que em relação à mesma já decorreu o prazo de caducidade, com a legal consequência; no mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2024.09.24.