DEPOIMENTO DE PARTE
VALOR
CONFISSÃO
Sumário

1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.
3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.
4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo a proibição de prova testemunhal.
5. - Havendo dúvidas quanto ao preciso sentido e alcance do conteúdo da declaração confessória, não podem as dúvidas ser superadas, na sentença, por via de presunções judiciais ou por atividade interpretativa do tribunal.
6. - Essa superação só pode ocorrer pela via de esclarecimentos do próprio confitente, e não por outrem em seu lugar.
7. - Mostrando-se equívoca a declaração confessória exarada em ata de audiência final, por a parte não ter deposto com a necessária precisão e clareza, quanto a factualidade essencial, resta à Relação, mesmo oficiosamente – para clarificação probatória –, anular a sentença, nos termos do disposto na al.ª c) do n.º 2 do art.º 662.º do NCPCiv., com repetição parcial do julgamento, quanto à prova por depoimento de parte, para esclarecimento (pelo confitente) das dúvidas/incertezas subsistentes.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

AA e mulher, BB, com os sinais dos autos,

intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra

1.ºs - CC e mulher, DD,

2.ª - “A..., Lda.” (de que é sócio gerente o 1.º R. marido),

3.º - EE,

4.ª - FF e

5.º - GG,

todos estes também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a:

a) Reconhecer a propriedade das frações “A” e “B” – que identificam – a favor dos AA.; e

b) Pagar-lhes indemnização no montante global de € 96.800,00 – sendo, nesse âmbito, a título de danos patrimoniais a quantia de € 86.800,00 e a título de danos não patrimoniais a quantia de € 10.000,00 –, a que acrescem juros legais de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese:

- a sociedade “B... - Unipessoal, Lda”, atualmente com a matrícula cancelada e da qual o 3.º R. foi sócio gerente/liquidatário, celebrou dois contratos de empreitada, em 19/09/2011, um com os AA. e outro com HH e mulher, II (anteriores proprietários da fração B e que os AA. adquiram em 18/10/2013), para edificação, por aquela (empreiteira), de duas moradias/edifícios geminados para habitação, em propriedade horizontal (frações autónomas “A” e “B”), a implantar em identificada parcela de terreno destinado a construção;

- tendo ocorrido subempreitada à 2.ª R., de que o 1.º Réu marido é socio gerente, as obras foram executadas com diversos defeitos (descritos sob o art.º 9.º da petição inicial), por incumprimento das boas regras da arte de bem construir;

- a 4.ª R., por sua vez, foi a projetista, cabendo-lhe assegurar que o projeto previsse todas as soluções de conceção funcional e exequibilidade;

- cabendo ao 5.º R. a direção técnica da obra, pelo que lhe cabia o dever de fiscalização da obra e assegurar a respetiva execução conforme o projeto;

- deveres esses que foram incumpridos por ambos, assacando-lhes, por isso, os AA. responsabilidade nos defeitos sobrevindos;

- interpelados os RR. para eliminar os defeitos e corrigir as deficiências descritas, o 1.º R. marido, por si e na sua qualidade de sócio gerente da 2.ª R., reconheceu/assumiu, em 11/11/2016, a obrigação de eliminar os vícios verificados, o que veio a incumprir, tendo executado apenas pequenos trabalhos, apesar das sucessivas interpelações para o efeito, responsabilidade essa que se estende à 1.ª R. mulher, por ter beneficiado do rendimento obtido pelo marido na sua atividade comercial;

- tendo deixado de ser exigível que os AA. continuassem com as suas habitações com todos os descritos defeitos por eliminar, aqueles comunicaram aos RR. que consideravam o seu incumprimento como definitivo e que os acionariam judicialmente, exigindo-lhes indemnização pelos valores necessários à reparação definitiva e eliminação dos defeitos da obra (€ 54.250,00 para a fração “A” e € 32.550,00 para a fração “B”);

- para além de indemnização por danos morais sofridos, na quantia peticionada.

Os 1.ºs e 2.ª RR. contestaram, com defesa por exceção e impugnação, invocando, designadamente:

- a ilegitimidade passiva da sociedade, por ter construído as moradias na qualidade de subempreiteira, sustentando que a responsabilidade pela realização defeituosa da obra será do empreiteiro;

- a caducidade do direito dos AA. relativamente à sociedade 2.ª R., por a declaração emitida pelo 1.º R. ter ocorrido a título pessoal, tendo decorrido o prazo de um ano, após o conhecimento dos defeitos, para os denunciar;

- a responsabilidade do 1.º R., assumida como uma obrigação pessoal, não teve o consentimento da sua mulher, sendo inaplicável a presunção de comunicabilidade da dívida prevista no art.º 1619.º, n.º 1, al.ª d), do CCiv.;

- os trabalhos cuja reparação foi assumida foram realizados, não sendo indemnizáveis, no caso, os alegados danos não patrimoniais.

Concluíram, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

O 3.º R., contestando, suscitou a sua ilegitimidade, alicerçada em não ter tido qualquer intervenção a título pessoal nas invocadas empreitadas, defendendo não poder ser responsabilizado pelas dívidas da extinta sociedade “B...” (por não ter sido alegada pelos AA. factualidade bastante para tanto), tendo ainda excecionado a caducidade do direito de ação dos AA., por ter decorrido o prazo de um ano a contar do conhecimento dos alegados defeitos.

Apresentaram ainda contestação, respetivamente, a 4.ª e o 5.º RR., pugnando pela sua ilegitimidade para a ação, para além de impugnarem a factualidade alegada como integradora da violação dos seus deveres profissionais ([1]).

Os AA., no exercício do contraditório, pugnaram pela improcedência da matéria de exceção.

Saneado o processo, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova – foi julgada, em derradeira análise, improcedente a matéria de exceção de ilegitimidade passiva –, procedeu-se à audiência final, com produção de provas.

Após o que foi proferida sentença (datada de 18/01/2024), com o seguinte dispositivo:

«(…) julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condena-se o 1.º Réu marido a pagar aos AA:

- a quantia de € 77.200,00 (setenta e sete mil e duzentos euros) a título de danos patrimoniais e a quantia de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; absolvendo-o do demais peticionado.

Mais se decide absolver a 1.ª ré mulher, a 2.ª, 3.º, 4.ª e 5.º Réus do pedido contra si formulado.».

De tal sentença veio, desde logo, o 1.º R. interpor o recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

«1- Vem o presente recurso interposto da sentença condenou o ora Recorrente a pagar aos A. a quantia de € 77.200,00 (setenta e sete mil e duzentos euros) a título de danos patrimoniais e a quantia de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

2- O recorrente discorda da sentença ora recorrida pois, mui respeitosamente, considera que aquela decisão proferida está inquinada por uma deficiente, e até errónea, valoração do material probatório sujeito à apreciação do tribunal a quo e que resultou da audiência de discussão e julgamento no que concerne à decisão em crise, revelando-se, ainda, a douta sentença, deficientemente fundamentada.

3- A sentença recorrida considerou como provados os factos descritos de A a LL.

4- A convicção do Tribunal assentou, essencialmente, na prova documental, para condenar o Réu, que “à realidade reproduzida em N a sua prova assenta integralmente no teor do documento autenticado denominado de «Reconhecimento de Obrigação», dele resultando as declarações que são atribuídas ao 1.º Réu e que nessa alínea se deixaram transcritas, sendo certo que o mesmo não lhe assaca qualquer falsidade”. – o que não se pode aceitar de forma alguma!...

5- Nada mais errado, e questionamos nós, onde se infere que o Réu possa ter declarado assumir de forma plena e sem reservas a assunção de uma obrigação muito além da sua eventual responsabilidade?

6- Conforme depoimento do então 1.º Réu, CC, gravado no sistema em uso no tribunal, aos minutos 26:51 e seguintes, 28:24, em reporte ao “documento autêntico” afirma em instâncias da Sra. Juiz que a mandatária dos AA. aquando dessa assinatura lhe transmite o seguinte: “…a Sra. Dra… disse – assine tudo, mas só faz aquilo que é da sua responsabilidade… para me despachar assinei…”

7- O recorrido não era o empreiteiro geral, mas sim um subempreiteiro que teve a seu cargo a elevação e construção da estrutura das moradias sub judice e não da empreitada - realização das suas especialidades.

8- Numa outra perspetiva mal andou o tribunal ao considerar o incumprimento definitivo da obrigação por parte do Réu. Do seu depoimento ressalta com evidência aos minutos 3:20 e ss – 5:34 e ss – 8:42 e ss – 13:50 e ss – 30:18 e ss. Do qual se destacam as seguintes declarações: “a impermeabilização foi feita…aplicamos mosaicos.” – “ sobre a perícia há muita coisa que não é da minha responsabilidade” – “além do mais carpintaria não foi comigo” – “foi-me adjudicada a estrutura da casa” – “o empreiteiro geral é que cumpria as especialidades” - “ tudo foi reparado depois desse documento, impermeabilização, mosaicos, pedras exteriores…”

9- O A. em sede das suas declarações de parte assume ao minuto 00:37 e ss que: “em 2017 começou a fazer (o Réu) intervenções nas diversas superfícies, terraços, varandas, sombreiro, marquise, colocação de dreno…escavação à volta e paredes…”

10- Assim, analisada a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo relativamente aos factos dados como provados ou não provados, concluímos que a sentença peca por uma argumentação escassa e mesmo omissa quanto a vários aspetos respetivos aos depoimentos de parte, à prova testemunhal e à prova documental que, a ter sido considerada, certamente levaria a uma decisão de mérito diferente, como acima se sublinhou, pois não se esqueça que uma coisa é uma empreitada geral e outra uma subempreitada que só assegura questões estruturais excluindo determinadas especialidades da construção civil cfr. se apreende dos autos.

11- Refira-se e S.M.O., que não foi produzida prova cabal no sentido de se dar como provada a matéria da sentença N, O, P, V, W, Y, Z, AA até CC. Uma correta fundamentação destes factos exigiria que, pelo menos, a supra concretização fosse feita. Especialmente porque a sentença conclui como matéria assente e que é para além de tudo controvertida.

12- Considerando-se a sentença recorrida deficientemente fundamentada, pugnamos pela nulidade da mesma, nos termos dos arts. 607.º, nºs 3, 4 e 5 e 615º, nº 1, als. b), c) e d) do Código de Processo Civil.

13- Relativamente à fundamentação destes factos não considerados, a Meritíssima Juiz a quo, com o devido respeito, não valorou corretamente as declarações/ depoimento de parte do recorrente e das testemunhas no geral. No sentido certo, tais elementos probatórios, só poderiam corroborar que não houve incumprimento por parte do Réu.

14- O que deve ser considerado provado e deve integrar, sendo adicionados, o elenco de factos provados é a matéria de 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 88, 89 e 122 da contestação do 1.º Réu avaliada que seja e reponderada sobre as declarações e depoimentos supra transcritos, do A. e R.

15- Ressalta de forma evidente, sem prejuízo da impugnação que já mereceu, por todos os meios probatórios mesmo até pela peritagem que a responsabilidade do réu, CC, estava restringida aos defeitos e trabalhos de reparação efetivamente contratados.

16- A demonstrarem-se outros defeitos e trabalhos não constantes no documento “reconhecimento de obrigação” estes não podem ser assacados ao réu, CC.

17- Nos termos do referido documento não podemos concluir, em face daquela factualidade, que com tal acordo o réu, CC, se tivesse vinculado também à obrigação de reparação de eventuais defeitos não discriminados no documento.

18- Os próprios autores confessam que o réu apenas se obrigou a realizar os trabalhos constantes do documento 10 junto com a P.I., no artigo 39.º, confissão que se aceita para não mais ser retirada.

19- Acresce que, quanto aos defeitos e trabalhos de reparação identificados naquele documento, os autores reconhecem terem sido executadas reparações que permitiram debelar esses defeitos.

20- Nomeadamente, e na linha do que ressalta das gravações supra aludidas, trabalhos de isolamento e impermeabilização de pedra, varandas, terraços, feitos pela sociedade comercial C..., Lda, cfr docs n.º s 8, 9 e 10.

21- Sendo falso o alegado em 37º, 38 e 39º da P.I. e mal avaliado pelo tribunal a quo, pois que, na verdade, o réu JJ na sequência da obrigação assumida – deslocou-se à obra procedendo à eliminação dos defeitos elencados naquele documento e da sua responsabilidade.

22- Em suma, nem expressa nem implicitamente se extrai do referido acordo qualquer sinal de que fosse estabelecido um vínculo mais forte entre o réu, CC, e os autores que abarcasse a futura reparação de eventuais defeitos que não os constantes naquele documento. Trabalhos e reparações que foram efetivamente realizados e, assim, cumprida a obrigação a que o réu, JJ, se vinculou.

23- Não deveriam ter sido considerados como provados os factos N, O, P, V, W, Y, Z, AA até CC, mas por outra via dados COMO NÃO PROVADOS.

Pelo que, em relação à apontada impugnação da matéria de facto, deverá a mesma ser alterada no sentido do que ficou supra apontado nesta alegações.

24- S.M.O., e sempre com o merecido respeito na parte que ora se impugna (em relação ao recorrente) surgem razões de facto e de direito supra expostas, que levariam a sentença recorrida a ser declarada nula por vício de fundamentação, nos termos dos artigos 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 615.º nº 1 als. b) do CPC

25- Sem prescindir, caso assim não se entenda, atenta a impugnação de facto ora realizada, deverá a sentença ser revogada e alterada em conformidade com o explanado e ser concedida a pretensão do Réu conforme alegado.

26- A matéria de facto provada e não impugnada permite concluir que estamos no âmbito da subempreitada. Nenhum vínculo direto se deteta entre o dono da obra e o subempreiteiro. Do disposto no art.º 800 do CC resulta que o empreiteiro é responsável objetivamente pelas pessoas por ele utilizadas no cumprimento da sua obrigação, designadamente subempreiteiros.

27- Tudo conjugado e sem prejuízo do já elencado não existe, claramente, uma falta culposa do 1.º Réu no cumprimento da obrigação que o torna responsável pelo prejuízo que causou ao credor, nos termos expressos nos artigos 798.º e 799.º do CC.

28- O tribunal recorrido ao determinar de forma fundamental que houve um contrato onde o recorrente se obriga mais do que lhe era exigível viola os limites do artigo 405.º do CC, ofendendo os princípios da boa-fé negocial e a equidade.

29- Quanto aos danos não patrimoniais arbitrados em sede de sentença há-que dizer que inexistem os necessários pressupostos à sua concessão. Os danos invocados pelos autores são emergentes da relação contratual (alegadamente) defeituosamente cumprida por parte da ré empreiteira.

30- Tendo por certo que a matéria de facto forçosamente venha a ser alterada conclui-se que não ficou provada a matéria constante da sentença sob N, O, P, V, W, Y, Z, AA até CC.

31- Tudo isto conjugado verifica-se que o tribunal a quo violou entre o mais as normas dos artigos 607.º n.º 3, 4 e 5, 615.º n.º 1 e 4 do CPC; 236.º n.º 1, 405.º n.º 1, 762.º n.º 1 e 2, 798.º, 799.º 800.ºe 1213.º .do CC.

32- Uma vez feito tal julgamento deverá a sentença ser revogada e alterada em conformidade com o explanado e ser concedida a reivindicação do ora apelante em sede e em conformidade com a alegação do presente recurso, absolvendo-o.

Assim se fará inteira JUSTIÇA!».

Os AA., contra-alegando, concluíram pela total improcedência de tal recurso.

Da sentença vieram ainda os AA. interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões aperfeiçoadas ([3]):
1.ª O presente recurso impugna a douta Sentença de 18 de Janeiro de 2024, referência 94412585, na parte em que decidiu absolver do pedido a 1ª ré mulher; 2ª Ré (subempreiteiro) e o 3º Réu KK, (como liquidatário), sendo desta parte que se recorre, e versa sob matéria de facto, e sobre matéria de direito.
2.ª Pois contrariamente, ao entendimento perfilhado na Sentença que se recorre, que entendeu que o 1º Réu, assinou a obrigação de eliminar os defeitos de construção civil -Doc. nº 10 junto à pi - sem ser na qualidade de comerciante e, por isso não reconheceu a dívida como comercial e, comunicável à cônjuge mulher, absolvendo a mesma do pedido.
3.ª Temos como certo que, o 1º Réu assinou tal obrigação - Doc. nº 10 da PI - na qualidade de comerciante, e por isso trata-se de dívida comercial, sendo comunicável à Ré mulher.
4.ª E mesmo a ser mantida a qualidade pessoal e individual do 1º Réu na assinatura do Doc. nº 10 da pi, sempre a dívida se comunicou à Ré mulher por força do artigo 1691.º, n.º 1, alínea c) do C.C e, por isso sempre a mesma deve ser condenada no pedido.
5.ª A douta Sentença recorrida ao decidir como decidiu, enferma do vicio de violação de lei, por errada interpretação e aplicação da mesma, mormente dos artigos 2.º primeira parte, 13º nº 1, artigo 15.º do Código Comercial e artigo 1691º nº 1, d) e c) do Código Civil.
6.ª Impõe-se que o ponto g.) da matéria dada como não provada “O 1.º Réu contraiu e assumiu o pagamento da dívida aos AA no exercício da actividade que desenvolvia como comerciante (construtor civil) (126.º e 131.º PI); ser dada como PROVADA.
7.ª Por força da matéria de facto dada como provada em N, O, P., Q., R., S., T.., U, do ponto xi de L) da matéria dada como provada.
8.ª Porquanto o 1º Réu se obriga no doc. nº 10 por si, pessoalmente a eliminar os defeitos, esta qualidade “pessoal” mais não pode ser que na qualidade de comerciante e, ato objetivamente comercial/ ato de comércio, artigo 2º do Código Comercial, dispositivo legal que é igualmente violado pela douta Sentença recorrida
9.ª Pois que, o 1º Réu, ao assumir a obrigação refletida no doc. nº 10 junto à pi, pratica um ato objetivamente comercial, enquanto construtor civil.
10.ª Por força, do ponto N dos factos dados como provados, onde constam elencados uma série de trabalhos de construção civil que o 1º Réu se obrigou a executar perante os Autores, por ser construtor civil.
11.ª Resulta claro que a obrigação que o 1º Réu assume de executar trabalhos de construção civil, tem a natureza de ato de comércio - artigo 2º do Código Comercial, e, não há a moratória do artigo do 1696.º, n.º 1 do Código Civil, ou seja, é comunicável ao cônjuge do 1º Réu, por força do artigo 10.º do Código Comercial.
12.ª Pelo que, a douta sentença recorrida ao decidir e considerar que o 1º Réu, assume pessoalmente a obrigação no Doc. Nº 10 “pessoalmente” em termos meramente civis e, como tal uma obrigação não comunicável à Ré mulher faz uma errada interpretação dos artigos 10.º, 13ºnº1, 15º, 2º do Código Comercial e, 1696.º nº 1, 1691.º nº1d) e c), do Código Civil, violando-os.
13.ª Também por força da matéria dada como provada na douta sentença recorrida em pontos O; P; Q; R; S; T; U; DD; EE; FF; GG;
14.ª A douta sentença recorrida devia ter dado como provado que o 1º Réu agiu como cônjuge administrador, por força da assentada da Ré mulher DD, Ré nos presentes autos, prestou juramento legal – depoimento prestado a 20.09.2023, e encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius, com início pelas 11:57:41 e termo às 12:17:22, com duração 00:19:40.
15.ª E, mesmo que no entendimento douto Tribunal, o 1º Réu apenas assumiu a obrigação de reparar os defeitos de construção civil de forma individual e pessoal e não como comerciante
16.ª Sempre a dívida terá que ser comunicável à Ré mulher por força do artigo 1691.º, n.º 1 alínea c) do Código Civil, pois que o mesmo agiu como cônjuge administrador em proveito comum do casal.
17.ª Impõe-se que o ponto b.) da matéria dada como não provada seja dado como Provado, com a seguinte redação: “Na declaração aludida em N. o 1.º Réu outorgou também, na qualidade de sócio gerente da 2.ª Ré Sociedade “A..., Lda.”
18.ª Da condenação da 2ª Ré (subempreiteiro), por força, do douto no Acórdão Decisão Singular do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, 2ª Secção, de 11-05-2020, Senhor Dr. Juiz Desembargador LL, notificada a 11-05-2020, referência 9102905, e Acórdão da Conferência do Tribunal da Relação de Coimbra, 2ª Secção de 13-07-2020, Senhor Dr. Juiz Desembargador LL, notificado a 14-07-2020, referência 9186169, ambos transitados em julgado, formando caso julgado, mormente quanto à legitimidade da 2º Ré subempreiteira por se ter obrigado perante os Autores, e nos termos constantes do Doc. Nº 10 da PI, formando assim, caso julgado formal, artigo 620º do CPC;
19.ª Do depoimento e declarações de parte do Autor AA - declarações de parte prestadas a 20.09.2023, que se encontram- integralmente gravadas no sistema áudio Citius, com início às 15:04:27 e termo às 15:56:07, com duração de 00:51:39 – cfr. minutos 0028:20 a 00:28:35; depoimento e declarações de parte da Autora BB - declarações de parte prestadas a 20.09.2023, que se encontram- integralmente gravadas no sistema áudio Citius, com início às 15:57:16 e termo às 16:25:59, com duração de 00:28:42 – cfr. 00:14:10 a 00:15:04: testemunha HH - depoimento prestado a 02.10.2023, e encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius, com início pelas 09:46 e termo às 10:44, com duração 00:58:34  - cfr. minutos 00:03:20 a 00:04:17; testemunha II- depoimento prestado a 02.10.2023, e encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius, com início pelas 10:46 e termo às 11:08, com duração 00:21:52 – cfr. minutos 00:04:12 a 00:05:063;
20.ª Das assentadas constantes da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 20 de Setembro de 2023, de CC;
21.ª Do relatório pericial realizado pelo Colégio de Peritos assinado em 21-03-2022, Presidente Engenheiro MM, Engenheiro NN, Engenheira OO, notificado a 22-03-2022, referencia 90255002 que, cfr. resposta ao quesito 1.6; 1, 2, 3 e 4 da Fracção A; resposta aos quesito 1, 2, 3, 4 e 5 da Fracção B
22.ª Os Autores a 20-02-2024, verificaram que, o último depósito de contas da sociedade, 2º Ré foi em 2014, sendo que a mesma foi dissolvida e encerrada administrativamente em 06 de Abril de 2022, pelo que, se verifica que a empresa estava inativa desde 2014, sendo como tal  a intervenção do 1.º Réu na assinatura do documento n.º 10 da PI tinha de ser como comerciante.
23.ª A douta Sentença recorrida tinha que dar como provada a matéria alegada em 13º da pi, ficando como facto provado: “Em 2016 as moradias dos Autores apresentaram uma série de deficiências por culpa do 1.º Réu marido, e por culpa da empresa B...- Unipessoal, Lda. Empreiteira, uma vez que não cumpriram aquando da execução dos trabalhos de construção civil as boas regras que impendem sobre a arte de bem construir”.
24.ª E, consequentemente, dar como provado o proveito comum da Ré mulher, e a comunicabilidade da dívida do 1º Réu à Ré mulher, devendo ser a mesma solidariamente condenada com o 1º Réu no pagamento na quantia fixada no dispositivo da douta sentença recorrida.
25.ª Ao não fazê-lo, viola a douta sentença recorrida o artigo 1691.º, n.º 1 d) e c) e 1696.º, n.º 1 do Código Civil, artigo 13.º e 15.º do Código Comercial, por errada interpretação.
26.ª Também, não se pode aceitar a absolvição do pedido do 3º Réu, enquanto liquidatário da empreiteiro geral B...- Unipessoal Lda., por si liquidada 17 de Dezembro de 2013;
27.ª O y. dos factos dados como não provados “O capital próprio da Sociedade B... era à data de Julho de 2013 -, data em que são entregues os elementos contabilísticos na Autoridade Tributária - de 69.762,54€ (Articulado de 14.10.2019).” deve ser dado como PROVADO.
28.ª Por força, dos factos provados em C., D., HH., JJ., KK.,
29.ª E dos doc. n.ºs 6 e 7 juntos à pi., o preço recebido pelo empreiteiro geral B..., Lda., até junho de 2012, foi de 170.000,00 euros, por cada moradia, o que corresponde ao total de 340.000,00€.
30.ª E por força do documento junto na audiência de julgamento na sessão de 20-09-2023, referência Citius 93765150, do qual resulta que em 12 de Julho de 2013, a sociedade B... Lda entregou a 1ª prestação individual de contas referente ao ano de 2012, em que declarou e resulta da demostração dos resultados da contabilidade o seguinte :  capital próprio 69.762,54€; Total do ativo: 322.619,61€; Caixa e depósitos151.032,50€; Outros ativos correntes 3.250,00€”, documento tem força probatória plena, pois que é documento oficial.
31.ª No ano de 2013, a IES, não apresenta qualquer valor relativamente a capital próprio, Vendas, e serviços prestados, - cfr. Ofício da Autoridade Tributária junto aos autos a 06 de Março de 2020, referência 4052418;
32.ª E a 12 de julho de 2013, o 3º Réu, como único sócio e gerente,  apresenta relativamente a dezembro de 2012, Julho de 2013, no verão em que entrega as moradias e, em que, ao apresentar as demonstrações de resultados relativos a 2012, um ativo de 322.619,61€ e Caixa e depósitos 151.032,50€, com capital positivo / próprio de 69.762,54€; quando a sua quota social era 50mil euros, - doc. nº 17 junto à pi -, apenas se podia concluir que o dinheiro do caixa e depósito bancário no montante de 151.032,50€, foi recebido sócio único e liquidatário, 3.º Réu.
33.ª Tendo 3.º Réu como liquidatário e o sócio gerente, o dever de deliberar e apresentar a demonstração de resultados, a apresentação das contas das sociedades de final de ano,
34.ª E como é do conhecimento oficioso do douto Tribunal a quo, para qualquer Sociedade para ser declarada dissolvida e encerrada, sendo o seu sócio e gerente o liquidatário, tem que antecipadamente lavrar uma acta, a deliberar a liquidação e encerramento da sociedade e levar o ativo e passivo a zero – cfr. depoimento PP, TOC da sociedade, - depoimento prestado a 18.12.2023, e encontra-se integralmente gravado no sistema áudio Citius, com início pelas 10:41 e termo às 11:04, com duração 00:22:59 – aos minutos 00:05:00 a 00:07:55 e 00:13:50 a 00:14:15
35.ª Face à violação do 3º Réu, do dever de lealdade, pois que incumpriu o dever de prestar contas, cfr. Ofício da Autoridade Tributária junto aos autos a 06 de Março de 2020, referência 4052418 , verifica-se uma inversão do ónus da prova, cabendo ao 3º Réu, demonstrar que não recebeu dinheiro da partilha,
36.ª E, não o contrário, ou seja, de que o ónus de que de que o liquidatário recebeu dinheiro com a liquidação cabia aos Autores Recorrentes, pelo que, o douto Tribunal fez uma errada interpretação do artigo 163.º, n.º1, do CSC, de que ónus da prova de que o liquidatário recebeu dinheiro com a liquidação cabia aos Autores Recorrentes.
37.ª Ora, se o liquidatário, 3º Réu, no ano em que entregou as moradias, verão de 2013, já tinha em 2012, recebido dos Autores 340.000,00€, e, registava um passivo de: ix. de passivo €252.857,07  , com capital vi. o capital realizado à data de 2012 era de 50.000,00€ e próprio de vii. o capital próprio da Sociedade era a 31 de Dezembro de 2012 de 69.762,54€; é evidente que na falta de prestação de contas e depósito de contas que era sua obrigação legal de lealdade como sócio e gerente, por força do artigo 64.º, nº.1 a), b), n.º 2, artigo 65.º n.º 1, n.º 2, n.º 3, n.º 4, n.º 5, artigo 66.º, 66.º A, artigo 67.º, artigo 70.º, 163.º n.º 1 todos do CSC, e não o fazendo, viola estes normativos legais.
38.ª Pelo que, não podia a douta Sentença recorrida ao entender absolver o 3.º Réu liquidatário do pedido, por considerar que o mesmo não recebeu bens da liquidação, por de tal facto os Autores não terem feito prova.
39.ª Também por força destes factos e elementos probatórios deve ser dado como PROVADO a matéria alegada no requerimento de 14.10.2019, referencia citius 3796166, ou seja, que : “A B... – Unipessoal Lda. em julho de 2013, apresentava lucros, tinha em caixa e depósitos bancários 151.032,50€; total do ativo 322.619,61€; O capital próprio da Sociedade B... era à data de Julho de 2013 -, data em que são entregues os elementos contabilísticos na Autoridade Tributária - de 69.762,54€ e, como tal tinha valor suficiente para pagar os valores em causa nos presentes autos”
40.ª Pois que, o Tema de prova consistia em: “9- Benefício colhido pelo Réu EE derivado da dissolução da “B...””

41.ª Ou pelo menos, ser dado como PROVADO que: “O 3º Réu, teve um benefício derivado da dissolução da “B...”, em montante não inferior ao valor do caixa Depósitos bancários 151.032,50€.”
42.ª E em consequência ser o 3º Réu, condenado solidariamente com o 1º Réu marido e 1ª Ré mulher no pagamento no pagamento das quantias fixadas na douta condenação, nos termos fixados no dispositivo da sentença, com as legais consequências.
43.ª Ante exposto deve o presente ser julgado provado por procedente por provado e se dado provimento ao mesmo, e consequentemente ser revogada da douta Sentença recorrida nos ternos supra exposto, e ser julgada procedente por provada a comunicabilidade da dívida do 1º Réu à 1.ª Ré mulher e ser esta solidariamente condenada com o 1º Réu no pagamento na quantia fixada no dispositivo da douta sentença recorrida, e bem assim, ser também o 3º Réu, liquidatário, solidariamente com o 1º Réu marido e 1ª Ré mulher no pagamento no pagamento das quantias da condenação, nos termos fixados no dispositivo da sentença, com as legais consequências.

Pugnam, assim, pela procedência do seu recurso e decorrente revogação parcial da sentença impugnada, com as legais consequências.

Apresentaram contra-alegação a este recurso os RR. DD (1.ª R.) e EE (3.º R.), pugnando, invariavelmente, pela improcedência da respetiva apelação.


***

O Tribunal a quo admitiu os recursos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Tendo os AA./Recorrentes, na sua peça recursória, vindo juntar um documento (“Certidão Permanente”), foi proferido despacho pelo relator (datado de 12/07/2024), decidindo (no ora relevante) que: «a) Não se admite a requerida junção de documento pelos AA./Apelantes (o de fls. 789 v.º a 792 do processo físico); // b) Ordenando-se, por isso, o seu desentranhamento (ficando cópia no seu lugar)».

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito dos respetivos recursos ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.) –, incidindo a impugnação recursiva sobre a decisão da matéria de facto e de direito, cabe saber ([5]):

a) Se ocorre nulidade da sentença;

b) Se foi devidamente impugnada a decisão de facto e, caso o tenha sido, se merece procedência, ou se deve, em apreciação oficiosa, anular-se a sentença, com repetição parcial do julgamento, para clarificação probatória;

c) Se existiu erro de julgamento em matéria de direito e suas consequências.


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III – Fundamentação

A) Nulidade da sentença

Sob os n.ºs 10 a 13 e 24 do seu acervo conclusivo, o R./Recorrente invoca nulidade da sentença por falta/deficiência de fundamentação, com enfoque numa “correta fundamentação destes factos” (factos objeto de impugnação recursiva), afirmando, assim, estar a “sentença recorrida deficientemente fundamentada”, sendo que o Tribunal a quo “não valorou corretamente as declarações/ depoimento de parte do recorrente e das testemunhas no geral”. Em decorrência, invoca tal R. a nulidade da decisão em crise, «nos termos dos arts. 607.º, nºs 3, 4 e 5 e 615º, nº 1, als. b), c) e d) do Código de Processo Civil».

Cumpre conhecer, desde logo, desta matéria.

A respeito, liminarmente, cabe enunciar três notas essenciais.

A primeira, para delimitar o objeto da arguição: apenas está corporizada, em termos alegatórios, a nulidade da sentença por via da dita falta/deficiência de fundamentação (única substância suscitada, com argumentação a respeito).

O que significa, na economia do art.º 615.º aplicável do NCPCiv., que importa verificar quanto ao preenchimento normativo da respetiva al.ª b) do n.º 1, ou seja, se ocorre situação de não especificação dos fundamentos de facto da decisão.

Excluída fica, pois, à partida, a indagação quanto aos vícios das al.ªs c) e d), respetivamente, por contradição – ou ininteligibilidade (decorrente esta de ambiguidade ou obscuridade) – entre os fundamentos e a decisão e/ou omissão ou excesso de pronúncia.

Com efeito, não basta invocar, neste âmbito, os preceitos da lei, como o Recorrente fez, antes se impondo, a mais disso, que alegasse/consubstanciasse onde encontra(ria) qualquer relevante contradição, ininteligibilidade, omissão ou excesso de pronúncia, o que não foi feito no dito acervo conclusivo, o delimitativo do objeto/perímetro recursivo.

A segunda nota, para expressar que, em matéria de (não especificação dos) fundamentos de facto da decisão, somente ocorreria a nulidade invocada da sentença se a situação se traduzisse numa total – completa, absoluta – ausência de fundamentos, o que no caso não ocorre, como o próprio R./Recorrente admite/pressupõe na sua argumentação recursiva.

É que, ao abrigo da al.ª b) do n.º 1 do art.º 615.º aludido, somente há nulidade da sentença, como é sabido, em caso – reitera-se – de completa ausência/falta de fundamentação, e não quando essa fundamentação seja apenas deficiente/insuficiente.

Sendo consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. [tal como já o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007], e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([6]), cabia naturalmente ao Recorrente clarificar ([7]) onde pudesse ter faltado a decisão, de modo total, à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos, o que in casu não ocorreu.

A terceira nota, para mencionar que a invocada falta/insuficiência de fundamentação – justificação da convicção – da decisão de facto ou deficit na análise concreta das provas produzidas, com repercussão na bondade da decisão da matéria de facto – e eventual erro de julgamento (de facto) –, já se reporta a um outro contexto normativo de sindicância recursiva da sentença, o da modificabilidade da decisão de facto, a que alude o art.º 662.º do NCPCiv., mormente quanto a possível deficiência (ou caráter obscuro ou contraditório) da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, lacuna de fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial ou erro de julgamento, por as provas imporem decisão diversa [cfr. n.ºs 1 e 2, al.ªs c) e d), a resolver nos termos do n.º 3, todos do dito art.º 662.º].

Ora, o R./Recorrente empreendeu impugnação recursiva da decisão de facto, a que ulteriormente se dedicará atenção focalizada, quadro em que serão ponderados os seus argumentos a respeito, se admissível, in concreto, tal impugnação da decisão de facto.

Quanto ao mais, resta dizer, ex abundanti cautela, que resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([8]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([9]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([10]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([11]) esclarece,
em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de omissão (ou excesso) de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos (alegados ou provados), nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal, o que sempre afastaria a nulidade da sentença em crise por omissão (ou excesso) de pronúncia.

Já quanto à oposição entre fundamentos e decisão ou à existência de ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade, trata-se aqui de contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([12]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv. ([13]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Cabia, pois, a tal Apelante sinalizar/sintetizar, nas suas conclusões, onde se encontra, concretamente, a oposição/contradição, por forma a evidenciar o vício invocado, o que não fez e, com isso, logo decai na sua invocação normativa.

Em suma, improcede a arguição de nulidade empreendida pelo R./Recorrente.

B) Factualidade a considerar

1. - É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância:

«A. A 2.ª Ré “A... Lda”. uma sociedade comercial que se dedica à construção civil e obras públicas, compra, venda e revenda de imóveis, compra, venda e revenda de materiais de construção (1.º PI).

B. O 1.º Réu marido é sócio gerente da 2.ª Ré Sociedade “A... Lda., sendo detentor de 50% do capital social, a qual fica obrigada com a assinatura de um gerente (2.º da PI e 31.º Réplica à contestação dos 1.ºs e 2.ª Ré).

C. O 3º Réu EE foi sócio-gerente/liquidatário da empresa B...-Unipessoal, Lda., D...: ...50, a qual se dedicava à construção civil e obras Públicas e outras actividades, até ao cancelamento da sua matrícula até 17/12/2013 (3.º e 4.º PI)

D. No exercício da actividade comercial dessa empresa, a Sociedade “B... - Unipessoal, Lda”, celebrou dois acordos escritos denominados de “contrato promessa de empreitada”, datados de 19 de Setembro de 2011, um com os Autores e outro com HH e mulher II (anteriores proprietários da fracção B, que os Autores adquiram a 18/10/2013), para edificar duas moradias/ edifícios geminados para habitação, a ser constituída em propriedade horizontal, com duas fracções autónomas designadas de letra A e B, a implantar na parcela de terreno destinada a construção, sito à ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana com o artigo ...19 (anterior artigo matricial ...11) e descrito na Conservatória do Registo Predial com a descrição ...91, tudo em conformidade com os documentos 6 e 7 juntos com a petição inicial e cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos (5.º PI).

E. Os Autores são donos e legítimos possuidores e proprietários das duas fracções A e B, estando a sua aquisição registada pelas Ap....15 de 2013/02/22 e Ap....78 de 2013/10/18, respectivamente (7.º PI e informações prediais juntas a fls. 23 e 24).

F. A sociedade de que o 1º Réu marido é sócio gerente executou as duas moradias através de subempreitada acordada com a B...-Unipessoal, Lda.. conforme documento 2 junto com a contestação do 3.º Réu, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (9.º PI e 34.º Cont. 3.º Réu)

G. A 4ª Ré, FF foi a projectista, cabendo-lhe assegurar que o projecto previsse todas as soluções de concepção funcional e exequibilidade do projecto em obra (10.º PI e 56.º Cont. 4.ª Ré).

H. A 4.ª Ré FF elaborou o projeto de arquitetura, o projeto de estabilidade, o projeto de águas e esgotos e projeto de gás, os quais foram aprovados pela Câmara Municipal ... (27.º, 28.º e 52.º Cont. 4.ª Ré).

I. O tipo de materiais a aplicar em obra, onde se inclui o tipo de tela, são definidos em sede de projecto de execução, projeto esse de elaboração facultativa, cabendo aos donos de obra optar ou não pela respetiva elaboração (36.º Cont. 4.ª Ré).

J. Os Autores, em relação à fracção A e os anteriores proprietários da fracção B, não optaram pela elaboração de projeto de execução (37.º Cont. 4.ª Ré),

K. Ao 5º Réu, GG cabia-lhe a direcção técnica da obra, pelo que lhe impendia o dever de fiscalização da obra e assegurar que a mesma fosse executada conforme projecto (12.º PI e 27.º Cont. 5.º Réu)

L. Em 2016 as moradias dos Autores apresentavam uma série de deficiências:

i) infiltrações de águas, em todo o perímetro das casas, nas paredes da fase de edificação das paredes (sala principal), pedras-soleira, originando o levantamento do pavimento, danos nos rodapés, danos no estuque, danos nas pinturas, danos nos tetos e paredes em todas as divisões;

ii) infiltrações e bolores nos parapeitos, ombreiras e rodapés;

iii) fissuras na pintura/estuque e mosaicos, localizadas por toda a casa, murete do terraço, nas paredes de toda a edificação;

vi) desprendimento das borrachas vedantes dos caixilhos de portas e janelas;

v) inexistência de puxador na caixilharia da porta da cozinha;

vi) terraço com deck em madeira com numerosas tábuas com fratura/fisura da fracção A;

vii) capoto mal executado (densidade inadequada), acabamento das margens do capoto mal executado,

viii) fendas no terraço,

xix) pedras soleiras inadequadas (muito absorventes e sem qualquer isolamento);

x) ausência de isolamento nas paredes do terraço;

xi) paredes da fundação da moradia e isolamento insuficiente nas paredes da platibanda e da claraboia (9.º e 13.º PI)

M. Os Autores interpelaram a 2.ª, 3.º, 4.ª e 5.º Réus para eliminarem os defeitos e corrigir as deficiências supra descritas, através de notificação judicial avulsa realizada por Agente de Execução, respectivamente, em 07.11.2016, em 21.10.2016, em 07.11.2016 e em 25.10.2016, tudo em conformidade com o teor dos documentos juntos

a fls. 68 a 104 verso dos autos (17.º PI).

N. O 1.º Réu reconheceu, pessoalmente, perante os AA, a obrigação de eliminar os defeitos de construção, não desonerando a responsabilidade da subempreiteira, mediante documento escrito celebrado em 11.11.2016, denominado «Reconhecimento de obrigação», sujeito a termo de autenticação, comprometendo-se a realizar os seguintes trabalhos e com a descritas condições (que se transcrevem):

“1.1 – Na Fracção A:

1.1.1. Terraço situado no 1.º andar afeto ao quarto de casal:

- Remoção do deck em madeira, isolar o terraço em toda a sua extensão – chão, parede, muretes e peitoris - tratamento e tapagem das fissuras e impermeabilização com Poliureia do chão, parede, muretes e peitoris – e caso necessário substituição das pedras.

1.1.2. Interior do edifício:

- Tratar todas as fissuras existentes no interior da habitação, mormente paredes através da abertura franca das fissuras, seno picadas e removidas as partículas soltas, aplicar a massa elástica própria ou argamassa de reparação até ao acabamento final por forma a preencher as fissuras, e após pintar as paredes na totalidade;

- Tratamento de fungos e bolores de todas as paredes e tetos através de lavagem com água lixíviada, raspagem das partículas soltas, aplicação nova massa de acabamento e pintura de todas as paredes e tetos;

- Reparar o teto da sala de jantar, mormente eliminação da depressão, causada pela humidade do terraço, e subsequente pintura;

- Reparação das ombreiras dos vãos danificados;

- Substituição dos rodapés fissurados quer no rés-do-chão quer no primeira andar; - Substituição dos remates do soalho danificado;

- Substituição dos azulejos rachados nas casas de banho situados no rés-do-chão e no 1.º andar;

1.1.3. Impermeabilizar com Poliureia:

- Terraço, e todas as varandas sitas no primeiro andar da fracção;

- Todos os peitoris exteriores;

- A marquise com banheira de hidromassagem do quarto de banho do quarto de casal;

1.1.4. Telhado:

- Limpar telhado

1.1.5. Colocar a pingadeira em local em indicar.

1.1.6. Caso se verifique o reaparecimento de humidades e estas sejam atribuíveis à ausência do sistema de drenagem, obriga-se, desde já, o Senhor CC a executar um sistema de drenagem eficaz para a eliminação das mesmas.

1.2 - O Primeiro Outorgante obriga-se a iniciar os trabalhos supra identificados em 1.1.1. a 1.1.5 a 21 de Novembro de 2016, e a executa-los/conclui-los no prazo máximo de 30 dias.

1.3 - Em caso de intempérie ou pluviosidade que impeça a boa execução dos trabalhos, e desde que tenha anuência do Senhor Eng. NN, a data do início dos trabalhos pode ser alterada ou pode verificar-se a sua suspensão parcial dos trabalhos.

1.4 - A execução dos trabalhos supra identificados vai ser fiscalizada pelo Engenheiro Civil Senhor Eng. NN, que será o fiscal de obra.

1.5 No final dos trabalhos e eliminação dos defeitos, será elaborado entre Primeiro e Segundos Outorgantes, auto de vistoria e receção dos trabalhos, com libertação das responsabilidades do Senhor CC.

2.1 – Na Fracção B:

2.1.1 Terraço situado no 1.º andar afeto ao quarto de casal:

- isolar o terraço em toda a sua extensão – chão, parede, muretes e peitoris - tratamento e tapagem das fissuras e impermeabilização com Poliureia do chão, parede, muretes e peitoris – e caso necessário substituição das pedras.

2.1.2. Interior do edifício:

- Tratar todas as fissuras existentes no interior da habitação, mormente paredes através da abertura franca das fissuras, sendo picadas e removidas as partículas soltas, aplicar a massa elástica própria ou argamassa de reparação até ao acabamento final por forma a preencher as fissuras, e após pintar as paredes na totalidade;

- Tratamento de fungos e bolores de todas as paredes e tetos através de lavagem com água lixíviada, raspagem das partículas soltas, aplicação nova massa de acabamento e pintura de todas as paredes e tetos;

- Reparação das ombreiras dos vãos danificados;

- Substituição dos rodapés fissurados quer no rés-do-chão quer no primeira andar;

- Substituição dos remates do soalho danificado;

2.1.3. Impermeabilizar com Poliureia:

- Terraço, e todas as varandas sitas no primeiro andar da fracção;

- Todos os peitoris exteriores;

2.1.4. Telhado: limpar telhado

2.1.5. Colocar a pingadeira em local a indicar.

2.1.6 Perímetro da Casa:

- A excepção da zona da cave, é executado um sistema de drenagem através de abertura de vala, impermeabilização da parede e prolongamento do capoto até à tela pitonada;

2.2 O Primeiro Outorgante obriga-se a iniciar os trabalhos supra identificados em 1.1.1. a 1.1.5 a 21 de Novembro de 2016, e a executa-los/conclui-los no prazo máximo de 30 dias.

2.3 Em caso de intempérie ou pluviosidade que impeça a boa execução dos trabalhos, e desde que tenha anuência do Senhor Eng. NN, a data do início dos trabalhos pode ser alterada ou pode verificar-se a sua suspensão parcial dos trabalhos.

2.4 A execução dos trabalhos supra identificados vai ser fiscalizada pelo Engenheiro Civil Senhor Eng. NN, que será o fiscal de obra.

2.5. No final dos trabalhos e eliminação dos defeitos será elaborado entre Primeiro e Segundo Outorgantes, auto de vistoria e receção dos trabalhos, com libertação das responsabilidades do Senhor CC ” (18.º PI)

O. O 1.º Réu marido só após várias insistências dos Autores iniciou os trabalhos de reparação, em Abril de 2017 (27.º PI)

P. Após ter andado alguns dias a retificar trabalhos deixou de aparecer em obra por período superior a dois meses (28.ºPI).

Q. Entretanto, o 1.º Réu aparecia para compor mais algum trabalho, andava em obra dois ou três dias e ausentava-se por mais dois ou três meses (29.º e 30.º PI);

R. Sendo que este comportamento se verificou até ao ano de 2018, o que levou ao envio de inúmeras cartas de interpelação pela advogada dos Autores, a 12/09/2017, 15/09/2017, 01/02/2018 e 01/02/2018, uma recepcionada pelo 1.º Réu, as outras devolvidas, bem como a inúmeras chamadas telefónicas para o 1.º Réu (31.º a 32.º e 66.º da PI).

S. O 1.º Réu marido, volvidos estes anos todos, não eliminou a maior parte das patologias a que se obrigou corrigir em 11 de Novembro de 2016 (37.º PI).

T. O 1.º Réu apenas fez pequenos trabalhos, de forma parcial, mormente:

i. impermeabilização da parede exterior da fundação da fracção A;

ii. colocação de dreno em parte do perímetro da fracção A;

iii. aplicação de impermeabilização sobre a forma de poliureia nos terraços, varandas, paredes, muretes e peitoris de ambas as fracções e plataforma por cima da marquise na fração B e sombreira por cima das varandas da frente (38.º PI e 82.º a 85.º Cont. 1.ºs e 2.ª Réus).

U. Os Autores notificaram o 1.º Réu marido e a 2.ª Ré, por carta registada com aviso de receção, de 06 de Fevereiro de 2019, rececionada em 08 de Fevereiro de 2019, do seguinte:

(…)Assunto: Obra realizada na parcela de terreno para construção sita à ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o nº ...11 – dois edifícios/moradias geminadas para habitação Reconhecimento de obrigações de 11 de Novembro de 2016 celebrado entre V. Ex.ª e os Senhores Doutores AA e QQ

Exmo Senhor,

Venho na qualidade de mandatária dos Senhores Doutores AA e QQ, notificar V. Ex.ª por si e na qualidade de sócio gerente da sociedade “A..., Lda.”, do seguinte:

Como é do seu conhecimento na sequência dos defeitos apresentados da obra realizada na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o nº ...11 – dois edifícios/moradias geminadas para habitação, na qual V. Ex.ª foi subempreiteiro, reconheceu a existência dos defeitos apresentados em obra e obrigou-se a sua eliminação até 21 de Dezembro de 2016.

Após várias insistências, V. Ex.ª iniciou os trabalhos, todavia comunicou-me, o meu Cliente que os trabalhos foram deixados a meio.

Esta situação é insustentável.

Pelo que, fica assim V. Ex.ª notificado de que tendo reconhecido e existência dos defeitos a que se obrigou eliminar, e não o tendo feito, não tendo resolvido este assunto, não me resta outra alternativa se não acionar judicialmente para se exigir a indeminização dos valores para a reparação definitiva e eliminação dos defeitos que V. Exa. se obrigou reparar.

Pois que, é inexigível aos proprietários, M/s Constituintes continuarem com as habitações no estado e que estão há tanto tempo.

Assim, dar-se-á de imediato entrada da competente ação judicial, onde será peticionado, entre outros uma indemnização pelos prejuízos causados pela conduta de V. Ex.ª, a responsabilização pessoal de V. Ex.ª.

Com os melhores cumprimentos, (…), (47.º PI)

V. Os problemas de infiltrações nas moradias dos Autores, bolores, levantamento das madeiras, e demais problemas identificados em L. devem-se a falta de isolamento, falta de impermeabilização, má execução e aplicação de materiais. (49.º PI)

W. A realização dos trabalhos supra descritos em L e N custará, na fracção A, a quantia de €50.180,00 (cinquenta mil cento e oitenta euros) e na fracção B em €27.020,00 (vinte e sete mil e vinte euros) (100.º PI).

X. Os Autores depositaram muita expectativa naquela construção que planearam como habitação da sua família (101.º PI).

Y. Os Autores sofrem quando veem as paredes e tectos cheios de humidades o chão estragado e por isso feias (102.º a 105.º da PI).

Z. Os Autores andam tristes e angustiados por verem a sua casa de habitação naquele estado, na qual acordam diariamente e onde chegam ao fim dos dias de trabalho para descansar (106.º a 108.º PI).

AA. Os Autores têm duas filhas, ainda menores, cujos quartos estão com as paredes cheias de humidades e bolor, o que pode desencadear problemas respiratórios (110.º e 111.º PI).

BB. Os Autores no inverno vêm-se obrigados a dormir com as filhas no seu quarto (quarto principal), por ser o quarto menos afectado pelas humidades (112.º PI).

CC. Os Autores deixaram de receber amigos em casa porque têm vergonha do estado degradado em que a mesma se encontra (113.º PI).

DD. O 1.º Réu marido e a 2.ª Ré mulher contraíram casamento católico, celebrado a ../../1989 na Igreja ..., concelho ... sem convenção antenupcial conforme assento de casamento n.º ...33 do ano de 2014, da Conservatória do Registo Civil ... (123º PI).

EE. Para além de ser sócio e gerente da sociedade 2.ª Ré o 1.º Réu marido é sócio de outras sociedades comerciais, das quais vem auferindo rendimentos, designadamente correspondentes ao exercício das funções de gerente (126.º da PI e 101.º a 102.º Cont. 1.ºs e 2.ª Réus).

FF. Os rendimentos do casal, ora 1.ºs Réus, são constituídos pelos rendimentos aludidos em EE (104.º Cont. 1.ºs e 2.ª Réus).

GG. Era desses rendimentos auferidos pelo 1.º Réu marido que se obtinha rendimento para fazer face às despesas e subsistência do seu agregado familiar, mormente, para pagar alimentação, água, luz, telefone, médicos, carros, gasolina, IMI, habitação, entre outras (127.º PI).

HH. Conforme procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais instaurado em 17.12.2013, foi declarada dissolvida e encerrada a liquidação da sociedade B... Unipessoal, Lda. tendo o 3.º Réu, na qualidade de único sócio declarado, além do mais, que a sociedade não tem activo nem passivo a liquidar e as contas foram aprovadas naquela data (9.º Cont. 3.º Réu)

II. A Sociedade B...- Unipessoal, Lda. no ano de 2012 - 01 de Janeiro de 2012 a 31 de Janeiro de 2012:

i. vendeu e prestou serviços no montante de 211.382,12€;

ii. com gastos com o pessoal suportou a quantia de €25.744,20;

iii. em equipamentos - activos fixos tangíveis –registava o valor de 12.836,51€;

iv. dispunha em caixa e depósitos bancários a quantia de 309.783,10€

v. registava como total do activo de 322.619,61€;

vi. o capital realizado à data de 2012 era de 50.000,00€

vii. o capital próprio da Sociedade era a 31 de Dezembro de 2012 de 69.762,54€;

viii. a fornecedores a Sociedade tinha dívidas de 5.050,37€ e ao Estado tinha dívidas de 7.413,29€;

ix. de passivo total registava €252.857,07 (Articulado 14.10.2019);

JJ. A sociedade B... recebeu o preço integral das empreitadas aludidas em D. até Junho de 2012 (135.º PI e 23.º do Articulado de 14.10.2019).

KK. As moradias em questão foram dadas por concluídas em Março de 2013, conforme alvará que concedeu a utilização das mesmas, emitido pela Câmara Municipal ..., datado de 13.03.2013 com o n.º 93 e a obra foi entregue aos respetivos proprietários no Verão desse ano de 2013 (16.º da Cont. 3.º Réu).

LL. A presente acção judicial deu entrada em juízo em 22.03.2019.».

2. - E resulta julgado como não provado na sentença:

«a. Em 2016 as moradias dos AA apresentavam as seguintes deficiências: fratura de vidro na caixilharia pertencente ao quarto principal da fracção A e mau funcionamento dos estores (9.º e 13.º da PI);

b. Na declaração aludida em N. o 1.º Réu outorgou na sua qualidade de sócio gerente da 2.ª Ré Sociedade “A..., Lda. (18.º PI)

c. As missivas descritas em R. foram todas remetidas para o domicilio fiscal do 1.º Réu e que as que foram devolvidas foram todas por não reclamadas (32.º a 35.º da PI).

d. Os AA endividaram-se para adquirir a sua habitação através da celebração de contrato de financiamento bancário e do qual pagam uma prestação mensal (117.º e 118.º PI).

e. Os AA estão impossibilitados de adquirir nova habitação (119.º PI),

f. A possibilidade de vender a habitação para liquidar o empréstimo e adquirir uma nova habitação não é viável, dado que ninguém quer adquirir uma habitação com as patologias/defeitos que a mesma apresenta. (120.º PI);

g. O 1.º Réu contraiu e assumiu o pagamento da dívida aos AA no exercício da actividade que desenvolvia como comerciante (construtor civil) (126.º e 131.º PI);

h. Cabia aos 4ª e 5º Réus, respectivamente, como projetista e diretor técnico da obra, elaborar um projecto de pormenor da parede exterior e de pormenor da cobertura que tivesse previsto que, no caso das paredes exteriores, houvesse tela asfáltica ou outro elemento similar impermeabilizante que não a tela plástica prevista no projecto entregue na Câmara Municipal ... (138ºPI).

i. O projecto de pormenor da cobertura devia ter previsto o isolamento térmico que impedisse as infiltrações para o rés do chão, o que não se verificou (139.º PI).

j. O fenómeno de ascensão capilar a partir do lintel de fundação acontece porque não se encontra previsto no projecto o sistema de drenagem do terreno envolvente às habitações (141.º PI)

k. O projecto não tem os cálculos correctos quanto às inclinações para o escoamento das águas pluviais, de modo a evitar infiltrações (142º PI).

l. Os 4ª e 5º Réus não acompanharam a execução das obras, nem deram as ordens ao empreiteiro e subempreiteiro quanto ao modo como os mesmos deviam executar os trabalhos (161.º e 162.º PI).

m. Os 4ª e 5º Réus não fizeram constar nos livros de obra as desconformidades que vieram a constatar em obra (167.º PI).

n. Os 4ª e 5º Réus não anotaram no livro de obras os aspectos essenciais do decurso dos trabalhos (172.º e 176.º PI)

o. A 4.ª Ré não fez observar pelo empreiteiro e subempreiteiro o projecto da sua responsabilidade (177.º PI).

p. Os defeitos alegados na presente acção são do conhecimento dos AA desde a data em que receberam as moradias (Agosto de 2013) (29.º Contestação dos 1.ºs e 2.ª Réus).

q. Na data referida 11 de Novembro de 2016 ou previamente não foi realizada qualquer vistoria aos imóveis (46.º Cont. 1.ºs e 2.ª Réus).

r. O réu, JJ, após ter outorgado o documento aludido em N. deslocou-se às moradias e realizou todos os trabalhos cuja reparação assumiu, nomeadamente:

- trabalhos de isolamento e contratou dois calceteiros para eliminar as anomalias da calçada em pedra, tendo estes efetuado tal trabalho nas “moradias” dos autores.

- trabalhadores da sociedade comercial 2.ª Ré, bem como trabalhadores de outra sociedade comercial da qual é sócio e gerente o 1.º Réu realizaram e procederam à eliminação de todas as anomalias e defeitos discriminados no doc. 10 junto com a P.I. (82.º a 85.º Cont. 1.ºs e 2.ª Réus).

s. Os Autores e os anteriores proprietários da fracção B, começaram a habitar as moradias no início do ano de 2013 e tomaram conhecimento dos defeitos de construção nesse momento (4.º e 5.º Cont. 4.ª Ré e 5.º Réu).

t. Os Autores sempre terão tido conhecimento dos alegados defeitos em data anterior a 18 de Outubro de 2013, data em que requereram o registo a seu favor do referido imóvel (8.º Cont. 4.ª Ré e 5.º Réu).

u. O tipo de cobertura das habitações como são as das frações A e B, implica e obriga a que, pelo menos duas vezes por ano, seja efetuada limpeza das caleiras para que as mesmas não entupam (48.º Cont. 4.ª Ré).

v. As infiltrações ocorrem por falta de limpeza das caleiras com a regularidade devida por parte dos Autores (49.º Cont. 4.ª Ré).

w. As humidades, bolores e fungos existentes nas moradias decorram da falta de ventilação e temperaturas demasiado elevadas no interior das mesmas (70.º Cont. 4.ª Ré e 63.º Cont. 5.º Réu).

x. A 4.ª Ré acumulava as funções de fiscal em obra e nessa medida auferiu rendimentos (23.º Rép.).

y. O capital próprio da Sociedade B... era à data de Julho de 2013 -, data em que são entregues os elementos contabilísticos na Autoridade Tributária - de 69.762,54€ (Articulado de 14.10.2019).».

C) Da impugnação da decisão da matéria de facto e necessidade de anulação da sentença, com repetição parcial do julgamento

Tendo sido intentada impugnação da decisão da matéria de facto, quer pelos AA./Recorrentes, quer pelo 1.º R./Apelante, de acordo com o exposto nas respetivas conclusões de apelação, vejamos, desde logo, se tal impugnação é legalmente admissível e, caso o seja, se deve proceder, perante o acervo probatório implicado, ou se, antes de mais, terá de ser anulada, oficiosamente, a sentença recorrida, com repetição parcial do julgamento.

Quanto ao recurso dos AA.

Pretendem estes Recorrentes – insurgindo-se apenas, como os mesmos referem, contra a decisão absolutória quanto à 1.ª R. mulher, à 2.ª R. (subempreiteiro) e ao 3.º R. (como liquidatário) – que se julgue agora como provado [cfr. conclusão 6.ª] o que consta da al.ª g) da matéria dada como não provada “O 1.º Réu contraiu e assumiu o pagamento da dívida aos AA no exercício da actividade que desenvolvia como comerciante (construtor civil)”.

Para tanto, convocam, desde logo, a factualidade das al.ªs «N, O, P., Q., R., S., T., U, do ponto xi de L) da matéria dada como provada», com o teor já supra reproduzido.

Complementam os impugnantes – apenas importam agora fundamentos probatórios (e não normas de direito civil/matéria de direito) – que o 1.º R. marido se obrigou «no doc. nº 10 por si, pessoalmente a eliminar os defeitos, esta qualidade “pessoal” mais não pode ser que na qualidade de comerciante e, ato objetivamente comercial/ ato de comércio, artigo 2º do Código Comercial, dispositivo legal que é igualmente violado pela douta Sentença recorrida», já que praticou «um ato objetivamente comercial, enquanto construtor civil» (conclusões 8.ª e 9.ª).

E concluem que é imbuída de erro a – também impugnada – resposta (negativa) ao facto da al.ª b) do quadro dado como não provado, pretendendo, ao invés, que seja julgado provado que na declaração aludida em N. aquele R. outorgou na sua qualidade de sócio gerente da 2.ª Ré Sociedade “A..., Lda.”.

Da justificação/motivação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância pode retirar-se, com pertinência para a questão de facto em apreço:

“Já quanto à realidade reproduzida em N a sua prova assenta integralmente no teor do documento autenticado denominado de «Reconhecimento de Obrigação», dele resultando as declarações que são atribuídas ao 1.º Réu e que nessa alínea se deixaram transcritas, sendo certo que o mesmo não lhe assaca qualquer falsidade.

Ao invés, justifica-se que tenha resultado como facto não provado em b. – de que na declaração aludida em N. o 1.º Réu outorgou na sua qualidade de sócio gerente da 2.ª Ré Sociedade “A..., Lda. – com a circunstância de não se poder extrair do conteúdo dessa declaração, avaliando também o respectivo termo de autenticação do documento, que o 1.º Réu se tenha vinculado também na qualidade de legal representante da 2.ª Ré, tratando-se ao invés de uma declaração pessoal, que acresceria à eventual responsabilidade contratual ou legal da sociedade subempreiteira, conclusão essa que é a consentânea com a expressão contida nesse documento «de que ao assumir pessoalmente as obrigações infra discriminadas, não desonerava a responsabilidade da subempreiteira».

(…)”.

Apreciando, dir-se-á que é, assim, de ter por incontroverso que o 1.º R. marido reconheceu, pessoalmente, perante os AA., a (sua) obrigação de eliminar os defeitos de construção, não desonerando a responsabilidade da subempreiteira, mediante o dito documento escrito denominado «Reconhecimento de obrigação», comprometendo-se a realizar os respetivos trabalhos (al.ª N da matéria provada).

Perscrutado o convocado documento n.º 10 junto com a petição inicial – cfr. fls. 105 e segs. do processo físico –, retira-se, claramente, que o 1.º R. marido afirmou que «é sócio gerente da sociedade “A..., Lda.”, a qual foi subempreiteira da Obra», declarando (ele, por este meio) que «assume pelo presente documento, pessoalmente as obrigações infra discriminadas, não desonerando contudo a responsabilidade da subempreiteira» (destaques aditados).

Ou seja – esta é também a nossa interpretação acerca do teor do documento, vista a univocidade do seu texto –, o que resulta manifesto é a contraposição entre as duas vestes do declarante: a de sócio gerente da sociedade, por um lado, e a pessoal, por outro.

Ora, assim sendo, o mesmo R./declarante o que disse foi que, embora também seja “sócio gerente da sociedade” (tenha essa qualidade), intervém a título pessoal, assumindo, pessoalmente, as obrigações em causa (não contendendo, pois, com a responsabilidade da subempreiteira, que não fica desonerada).

Por isso, tem de entender-se que aquele R./declarante interveio a título estritamente pessoal, e não em representação da sociedade, a qual não ficou, de modo algum, vinculada pelo ali declarado.

Donde que sempre houvesse, nitidamente, de manter-se a resposta negativa ao ponto da impugnada al.ª b): “não provado” que “na declaração aludida em N. aquele R. outorgou na sua qualidade de sócio gerente da 2.ª Ré Sociedade “A..., Lda.”.

Argumentação esta a apontar também, prima facie, para a manutenção da resposta negativa ao ponto da questionada al.ª g), por parecer não se provar que o mesmo R. assumiu o pagamento da dívida no exercício da atividade que desenvolvesse como comerciante (construtor civil).

Afastada, como visto, a sua intervenção na veste de sócio gerente – representante – da dita R. sociedade (por se ter vinculado a título estritamente pessoal), teremos de nos abstrair da sua atividade no âmbito societário, restando a aludida esfera estritamente pessoal.

Por isso, seria necessário, salvo sempre o devido respeito, provar – ónus a cargo dos AA. (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.) – que o mesmo R./declarante exercia pessoalmente (fora do quadro da sociedade) a atividade de construtor civil, a ela se dedicando, como invocado no recurso dos demandantes, não bastando que o mesmo, no caso, se tenha obrigado, sem mais, à realização de uma série de trabalhos de construção civil, o que poderia levar a cabo através de outrem (terceiro), e não necessariamente por ser (pessoalmente) um construtor civil.

Ora, os impugnantes não são totalmente claros em tal desiderato probatório, antes se afastando, até certo ponto, para o âmbito de considerações de direito material/substantivo, que aqui não colhem utilidade (como ter a obrigação “a natureza de ato de comércio - artigo 2º do Código Comercial” e não haver “a moratória do artigo do 1696.º, n.º 1 do Código Civil”, em conjugação com o “artigo 10.º do Código Comercial”).

No mais, cabe dizer (cfr. conclusão 14.ª) que a sentença não poderia ter «dado como provado que o 1º Réu agiu como cônjuge administrador», por se tratar de matéria de pendor conclusivo/valorativo, transitando já para o domínio das questões de direito – trata-se de um conceito normativo (por isso, a ter de ser integrado por factos adequados de suporte) retirado do art.º 1691.º, n.º 1, al.ª c), do CCiv. –, que apenas podem ser dilucidadas na fundamentação jurídica da decisão, mediante aplicação do direito aos factos provados.

Assim, a atuação, ou não, “como cônjuge administrador” assume um caráter manifestamente conclusivo e não fáctico, pois implica uma ponderação de factos, para extração de uma conclusão, num raciocínio de feição lógico-normativa, com vista ao preenchimento de um conceito legalmente previsto.

Com efeito, é sabido que à parte fáctica da sentença devem ser levados factos concretos e não enunciados vagos, conclusivos ou valorativos (cfr. art.ºs 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.), que não são (estes últimos) suscetíveis de prova pessoal, designadamente testemunhal (muito menos por via de avaliação de testemunhas, cujos depoimentos se devem cingir à narração de factos do seu conhecimento direito e pessoal e não à extração de conclusões a partir dos factos, pois se trata já aqui de uma tarefa de apreciação, fundada em raciocínios conclusivos/valorativos).

Todavia, os AA./Recorrentes invocam ainda os depoimentos de parte dos 1.ºs RR., mormente a “assentada da Ré mulher DD” (cfr. conclusão 14.ª), mas também as “assentadas constantes da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 20 de Setembro de 2023, de CC” (conclusão 20.ª).

E, nessa senda, é certo que a 1.ª R. mulher, em sede de depoimento de parte (cfr. ata de sessão de audiência final de 20/09/2023, a fls. 691 e segs. do processo físico), declarou que «há mais de 20 anos que o seu marido se dedica à atividade da construção civil e que durante esse período têm vivido do dinheiro que o mesmo gera nessa atividade e traz para casa» (cfr. declarações confessórias exaradas em ata a fls. 692 v.º, com sublinhado aditado).

Todavia, ponderando a impugnada resposta negativa do Tribunal a quo, ficou por esclarecer se aquela R. se referia – enquanto declarante/depoente/confitente – a uma atividade que o seu marido (co-R.) desenvolvesse pessoalmente ou, diversamente, (apenas) no âmbito da sociedade de que era sócio gerente, não se encontrando, por outro lado, semelhante confissão, nem qualquer esclarecimento a respeito, na assentada quanto ao depoimento de parte do 1.º R. marido (cfr. fls. 691 v.º a 692 v.º), pelo que sempre permanece, salvo o devido respeito, alguma margem de dúvida sobre a matéria (sentido e alcance do assim declarado/confessado, sabido que o simples leigo em matérias jurídico-societárias nem sempre terá facilidade em distinguir a intervenção de um sócio gerente no âmbito societário e fora dele).

Ou seja, a 1.ª R. mulher, reconhecendo/confessando que o seu marido, desde há mais de 20 anos, se vem dedicando à atividade lucrativa da construção civil e que, durante esse período, ambos têm vivido do dinheiro obtido pelo mesmo nessa atividade, confissão essa a atender nos termos do disposto nos art.ºs 352.º, 353.º, 355.º, 356.º, 357.º, n.º 1, e 358.º, n.º 1, todos do CCiv., bem como art.ºs 452.º e 463.º, estes do NCPCiv., pelo que deve, desde logo, a declaração confessória, por si, ser inequívoca, não deixou, todavia, esclarecida a dúvida aludida – com inerente redução a escrito, pela forma confessória legal –, que tem de ser colocada, esclarecimento que também não logra obter-se perante o teor do depoimento de parte do 1.º R., tal como, outrossim, reduzido a escrito, como importa para efeitos confessórios (aqueles que colhem força probatória plena).

Urgirá, pois, saber, para boa apreciação da impugnação recursiva da decisão de facto, nesta vertente, se aquela R. (confitente) se referia a uma atividade que o seu marido desenvolvesse pessoalmente [por si e para si, fora de qualquer quadro societário, tendo em conta também o teor das al.ªs EE a GG dos factos julgados provados ([14]) e, por outro lado, o disposto no art.º 1691.º, n.º 1, al.ª d), do CCiv.] ou, diversamente, no âmbito, apenas, da aludida sociedade de que era sócio gerente – ou de outras a que estivesse ligado –, bem como, perante essa clarificação confessória, apurar se o 1.º R. marido também apresenta (adere a) tal confissão – uma vez que seja com ela confrontado (mesmo que oficiosamente, como permite o art.º 452.º, n.º 1, do NCPCiv.), tudo pela necessária forma legal (redução a escrito a que alude o art.º 463.º, n.ºs 1 a 3, da lei adjetiva).

Tudo isto, assim, com vista a apurar, em sede de produção de prova por confissão de parte, vista a sua força probatória legal, se (i) o 1.º R. marido se vem dedicando, ou não, pessoalmente (por si e para si, fora do âmbito societário), à atividade da construção civil – já que nesse âmbito se vinculou “a efetuar a reparação dos defeitos de construção” (cfr. doc. de fls. 105 e 106 do processo físico), embora podendo socorrer-se de terceiro para o fazer – e (ii) nesse âmbito pessoal (de construtor civil) assumiu o pagamento aos AA..

Apuramento esse – em moldes inequívocos – que se nos afigura imprescindível para cabal resposta quanto ao controverso ponto da dita al.ª g) do quadro dado como não provado e adequada sindicância recursiva dessa esfera da impugnação da decisão de facto, com relevância, já em matéria de direito, perante o normativo invocado da al.ª d) do n.º 1 do art.º 1691.º do CCiv. ([15]).

Em contrário, dir-se-ia – como o fez a 1.ª instância, na sua, aliás, exaustiva justificação da convicção – que:

«O facto exposto em DD está provado por documento autêntico junto a fls. 197 dos autos, assentando a materialidade constante do ponto EE nas informações comerciais das sociedades E..., Lda. e F..., Unipessoal, Lda., juntas a fls. 345 verso a 347, conjugadas com as declarações de rendimentos apresentadas pelos 1.ºs RR, constantes de fls. 198 verso a 208 e 327 a 334, sendo certo que a análise dessa documentação permite concluir que os rendimentos declarados do casal são provenientes de trabalho dependente, correspondentes aos rendimentos que lhe são pagos pelas sociedades comerciais de que é sócio e/ou sócio gerente; tendo essa documentação sido explicada pelo contabilista RR, o qual prestou um depoimento totalmente isento, assim se justificando porque razão demos como provados os factos descritos em FF e GG, tendo ainda presente que de acordo com o documento junto a fls. 198, o 1.º Réu deixou de exercer actividade empresarial em 30.09.1996 (conspecto probatório que contrariou a factualidade alegada pelos AA e que justifica que se tenha dado como não provado o que consta em g.), dado que, pese embora a própria 1.ª Ré mulher, tenha afirmado que há mais de 20 anos que o seu marido se dedica à atividade da construção civil e que durante esse período têm vivido do dinheiro que o mesmo gera nessa atividade e que traz para casa, uma vez que trabalha nas lides domésticas, declarando ainda que que embora tenha havido um processo para separação judicial de pessoas e bens, limitaram-se à separação dos bens patrimoniais, os quais foram vendidos, mantendo-se a viver com o Réu CC, por não ter havido de facto separação de pessoas, o seu relato terá, naturalmente, de ser interpretado e conformado com o facto inequívoco de que essa actividade de construção civil é exercida através de uma ou várias sociedades, com personalidade jurídica distinta dos seus sócios.».

Porém, desde logo, deve notar-se que, em teoria/hipótese, é possível exercer atividade comercial não declarada, com rendimentos também não declarados, termos em que não será de afastar liminarmente esta hipótese (a considerar apenas no âmbito probatório), razão pela qual os documentos aludidos pelo Tribunal recorrido, na sua conjugação com a prova testemunhal (de que a 1.ª instância também se socorreu), não afastam totalmente a possibilidade de exercício não declarado dessa atividade, ainda que de âmbito/natureza comercial.

Depois, deve referir-se que, a haver dúvidas quanto ao sentido e alcance de determinada prova por confissão judicial escrita (resultante, pois, de depoimento de parte, tal como prestado perante o Tribunal, com decorrente força probatória taxada), a incerteza sobre a interpretação das declarações confessórias assim prestadas não deve ser resolvida pela imediata via interpretativa, se ainda é possível obter os necessários esclarecimentos do próprio declarante/depoente, mormente tratando-se de conteúdo confessório essencial para a sorte dos autos (como na hipótese de poder influir na condenação ou absolvição de um dos demandados, no caso, a 1.ª R. mulher).

Nesse caso, as dúvidas terão de ser esclarecidas, logicamente, pelo próprio confitente – é este que terá de esclarecer o alcance da sua confissão (dissipando a esfera de incerteza/imprecisão), por ser reportada, como tem de ocorrer, a factos pessoais ou de que o declarante tenha, ou deva ter, um conhecimento pessoal (art.º 454.º, n.º 1, do NCPCiv.) –, para o que terá de ser ouvido como depoente de parte (com juramento e decorrente dever de verdade, com precisão e clareza, nos termos dos art.ºs 459.º a 461.º do NCPCiv.), segundo, assim, as formalidades legais previstas para a produção do respetivo meio de prova (art.ºs 452.º e segs. do mesmo Cód.), não sendo por acaso que, na ordem de produção das provas em audiência final, se começa, logo a seguir à tentativa de conciliação das partes (se permitida), pela prestação dos depoimentos de parte [cfr. art.º 604.º, n.º 3, al.ª a), do NCPCiv., e ata de fls. 691 e segs. do processo físico], só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.

E compreende-se que assim seja, já que, como visto, a confissão de parte – no caso de confissão judicial escrita ([16]), como aqui sucede – assume força probatória plena contra o confitente (art.º 358.º, n.º 1, do CCiv.), não havendo lugar para superação de dúvidas quanto ao sentido e alcance do conteúdo confessório por presunção ou interpretação do Tribunal ([17]).

Tal superação, assim sendo, só pode ocorrer pela via de esclarecimentos (depoimento complementar) do próprio confitente, e não por outrem em seu lugar.

E, obtida essa prova qualificada – com força probatória cabal –, o facto fica, obviamente, provado em plenitude, não havendo lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal (como referido no art.º 393.º, n.º 2, do CCiv., não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado, seja por documento, seja por outro meio com força probatória plena).

Em suma, quanto à dita al.ª g) dos factos dados como não provados, não está esta Relação em condições de decidir a impugnação.

Ou seja, o Tribunal ad quem não se encontra, in casu, na posse de todos os elementos que permitam – com  a necessária segurança – a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, visto o âmbito e contornos da impugnação dos AA./Recorrentes, tornando necessário, em apreciação oficiosa, anular a decisão proferida pela 1.ª instância, ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., com repetição parcial do julgamento, quanto à prova por depoimento de parte dos 1.ºs RR., a começar pela 1.ª R. mulher, no que concerne à matéria da al.ª g) mencionada, de molde a serem esclarecidas as dúvidas/incertezas aludidas, sem prejuízo da possibilidade de apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.

Quanto aos restantes segmentos da impugnação da decisão de facto empreendida pelos AA., tal como relativamente à impugnação do outro recorrente (o 1.º R. marido), não se perspetiva, à partida, que ocorra motivo para anulação.

Em tudo o mais, resulta prejudicado o conhecimento das remanescentes questões recursivas.

                                               ***

(…)

***

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, julgando parcialmente procedente a apelação, em, ao abrigo do estabelecido na al.ª c) do n.º 2 do art.º 662.º do NCPCiv.:

a) Anular, oficiosamente, a decisão recorrida, com repetição parcial do julgamento, quanto à prova por depoimento de parte dos 1.ºs RR., a começar pela 1.ª R. mulher, no que concerne à matéria da al.ª g) dos factos julgados como não provados, de molde a serem esclarecidas as dúvidas/incertezas aludidas supra em III-, C), sem prejuízo da possibilidade de apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

b) Julgar no mais prejudicadas as questões suscitadas em sede de apelação.

Custas da apelação pela parte vencida a final.

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 24/09/2024

Vítor Amaral (relator)

Fonte Ramos

Carlos Moreira


([1]) Posteriormente, por vicissitudes ocorridas nos autos – com interposição de recurso do despacha saneador, que mereceu procedência (por este TRC) –, excecionaram ainda, tempestivamente, a prescrição do direito indemnizatório dos AA., o que estes contraditaram.
([2]) Que se deixam reproduzidas (com destaques retirados).
([3]) Após convite do relator ao aperfeiçoamento conclusivo, acervo que se deixa reproduzido.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Segue-se uma ordem lógica de enunciação das questões a decidir, caso nenhuma delas resulte prejudicada pela decisão das precedentes.

([6]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (atual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, p. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([7]) Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., impende sobre o recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
([8]) Cfr. “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª ed., p. 57.
([9]) Vide “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. V, p. 143.
([10]) In “Dos Recursos”, Quid Júris, p. 117.

([11]) Cfr. “Manual de Processo Civil”, p. 686.
([12]) Assim o Ac. STJ, de 14/01/2010, Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos), com sumário disponível em www.dgsi.pt.
([13]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 23/05/2006, Proc. 06A1090 (Cons. Sebastião Póvoas), em www.dgsi.pt.
([14]) Estas com especial enfoque, em termos de projeção na matéria de direito, no âmbito do disposto no art.º 1691.º, n.º 1, al.ª c), do CCiv..
([15]) Referente, no âmbito das dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, àquelas que são “contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio”.
([16]) Como resulta do disposto no art.º 352.º do CCiv., a confissão traduz-se no reconhecimento, pela parte, da realidade de um facto que a desfavorece e beneficia a contraparte.
([17]) Fica afastado o recurso a presunções judiciais (art.ºs 351.º e 393.º, n.º 2, do NCPCiv.) ou, do mesmo modo, ao suprimento mediante atividade interpretativa do tribunal.