DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário

I - Atribuída ao tribunal de recurso a função de reapreciar a decisão de facto é através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do tribunal de 1ª instância e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.
II - Os meros incómodos, desgostos e transtornos não merecem a tutela do direito, como danos não patrimoniais.
III - Nos termos do art.º 542º/2 b) CPC litiga com má-fé quem, para sustentar a sua pretensão, alega factos pessoais e que não pode ignorar, alterando a verdade dos factos.

Texto Integral

Mandato-RMF-Lit-Má-Fé-8384/20.8T8PRT.P1


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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa, que segue a forma de processo comum em que figuram como:

- AUTORA: AA, viúva, NIF ......, titular do cartão de cidadão n.º ..., válido até 25/02/2021, residente na Rua ..., n.º .., R/C Esq.º – Bairro ..., ... Porto; e

- RÉUS: BB, solteiro, NIF ......, residente na rua ..., ... ..., Vila Nova de Gaia, e CC, solteira, NIF ......, residente na rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia,

veio a autora formular os seguintes pedidos:

- que seja declarada proprietária exclusiva do estabelecimento comercial, exploração da peixaria, banca n.º ..., situada no Mercado ... desde o ano de 1996 até à presente data; e ainda,

- declarada proprietária exclusiva de todas as quantias que se encontravam depositadas (e que foram subtraídas pelos RR.) na conta bancária n.º ..., integrada com a respetiva conta à ordem e contas poupança, valores mobiliários e um PPR, desde que a conta foi aberta no agora insolvente Banco 1... (Banco 1...);

- declarada proprietária exclusiva das quantias que foram depositadas (e que foram subtraídas pelos RR.) na conta bancária n.º ..., integrada com a respetiva conta à ordem e contas poupança, valores mobiliários e um PPR, no agora insolvente Banco 1... (Banco 1...), pagas pela Segurança Social, relativas a subsídios e pensões de reforma e pagas pela A..., relativas ao fundo de pensão B...;

- declarada proprietária exclusiva de todas as quantias dessa conta bancária n.º ..., integrada com a respetiva conta à ordem e contas poupança, valores mobiliários e um PPR, no agora insolvente Banco 1... (Banco 1...), que foram objeto de apropriação por parte dos RR., em proveito próprio e pessoal, em valor a liquidar em execução de sentença;

- condenar-se os RR. a pagar ou a restituir à A. a quantia de 298.630,56€ e o valor de 7.000,00€ relativo ao valor da viatura marca Mitsubishi ... de matrícula ..-..-PP, ou outras que vierem a ser apuradas nestes autos, a título de indemnização quer pela via da responsabilidade por factos ilícitos, quer pela via subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa;

- seja reconhecido que o R. BB agiu como mandatário da A. e em consequência condenando a reconhecer e ser declarado que a A. é a verdadeira proprietária exclusiva da fração autónoma designada pela letra “U”, com entrada pelo n.º ... da Rua ... e sobre a fração que é um lugar de estacionamento designado pela letra “P”, ambas as frações pertencentes ao prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ns.º ..., ..., ..., ... e ... e Praça ..., n.º ..., na freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...;

E nesta sequência,

- que seja ordenado o cancelamento da inscrição Ap. ... de 2017/03/13, na Conservatória do Registo Predial do Porto, que se encontra a favor do R. BB, bem como quaisquer inscrições feitas posteriormente a ela e com ela correspondente;

E consequentemente,

- que seja ordenado à competente Conservatória do Registo Predial do Porto que se digne proceder oficiosamente à inscrição do direito de propriedade exclusivo do mencionado imóvel descrito na alínea f) do pedido a favor da A.;

Subsidiariamente, veio peticionar:

- a condenação do R. BB a transferir para a A., livre de quaisquer ónus ou encargos, os direitos adquiridos em execução do mandato do mencionado imóvel descrito na alínea f) a favor da A., requerendo-se que seja imposta ao R. BB uma sanção pecuniária compulsória de € 100.00€, por cada dia de atraso na execução do ordenado;

Subsidiariamente, ainda,

- condenar-se os RR. a pagar à A. a quantia de 70.000,00€ (setenta mil euros), no caso de se vir a decidir não haver direito de transmissão do direito de propriedade do mencionado imóvel descrito na alínea f) a favor da A. por via subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa;

- condenar-se os RR. a pagar à A. indemnização na quantia de 30.000,00€, atualizada à data da sentença, a título de danos não patrimoniais;

- condenar-se os RR. a pagar juros legais vencidos e vincendos contados às taxas civis legais sucessivamente em vigor, a acrescer às quantias mencionadas, desde a data da apropriação indevida das quantias e valores mencionados ou pelo menos desde a data da citação;

- seja declarada a perda em benefício da A. do direito dos RR. sobre as mesmas quantias, condenando-se os RR. a entregar à A. a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, com juros desde a citação;

- condenar-se os RR. a pagar custas e encargos com o processo, incluindo custas de parte.


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Citados os réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção suscitaram a ilegitimidade da ré.

Concluíram por pedir a condenação da autora como litigante de má-fé.


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Na réplica a autora manteve a posição inicial.

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Realizou-se audiência prévia.

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Elaborou-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade. Proferiu-se despacho que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.

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Realizou-se o julgamento, em duas sessões – 31 de maio de 2023 e 19 de junho de 2023 -, com observância do legal formalismo.

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente:

a) declara-se a autora proprietária exclusiva do estabelecimento comercial, exploração da peixaria, banca n.º ..., situada no Mercado ... desde o ano de 1996 até à presente data.

b) Condena-se o Réu a restituir à A. a quantia de 42. 494,97€, acrescida de juros legais vencidos e vincendos contados às taxas civis legais sucessivamente em vigor, a acrescer à quantia mencionada, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

Mais se absolve a Ré dos pedidos contra ela formulados e o Réu dos demais pedidos.

Condena-se a autora no pagamento de 2UC’s de multa como litigante de má-fé.

Custas a cargo da autora e réu na proporção do respetivo decaimento”.


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A Autora AA veio interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:

(…)

Termina por pedir a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.


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Os réus apresentaram resposta ao recurso, na qual formularam as seguintes conclusões:

(…)

Termina por pedir a improcedência da apelação e que a resposta seja considerada procedente por provada, revogando e alterando, a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” nos precisos termos aqui peticionados.


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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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A Autora veio insurgir-se contra a pretensão dos réus de ver alterada a decisão, formulada na resposta ao recurso, por não constituir o meio próprio de impugnar a decisão, quanto à matéria de facto e decisão de direito.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- do âmbito da resposta ao recurso;

- reapreciação da decisão de facto;

- mérito da causa;

- litigância de má-fé.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1. Em 1996, a Autora estabeleceu-se por conta própria, enquanto empresária em nome individual, na exploração de uma peixaria situada no Mercado ..., na cidade do Porto, denominada “C...;

2. A A. contratou como seus funcionários os Réus (de ora em diante RR.) - o seu filho BB, e a companheira deste, CC.

3. Foi aberta uma conta bancária destinada ao exercício da atividade comercial, com o n.º ..., na Agência ..., posteriormente transferida para a agência 1..., do agora insolvente Banco 1... (Banco 1...), onde eram depositadas quantias resultantes do apuro do negócio da peixaria da A.

4. Tratava-se de uma conta bancária integrada com a respetiva conta à ordem e contas poupança (ns.º... e ... e ... - Aplicações a Prazo), mais valores mobiliários e ainda com um PPR (Produtos de Capitalização).

5. A conta bancária com o número ... relativa ao IBAN ..., foi aberta no balcão de ..., tendo como originária a conta bancária com o IBAN  ... e número de conta ..., uma conta bancária coletiva solidária no balcão ... do, à data, Banco 2..., SA. em que figuravam como titulares Autora e Réu.

6. A. não sabe trabalhar com cartões multibanco.

7. Com a abertura da referida conta bancária foi emitido um cartão multibanco referente a essa conta, que ficou na posse do R. BB, tendo ainda o mesmo acesso à conta bancária pela internet banking para liquidar despesas.

8. Parte das quantias do apuro diário e mensal da exploração da peixaria eram pela A. entregues em numerário e em mão ao seu filho BB, normalmente no final de cada dia de trabalho para o R. BB as ir depositar ao banco na conta bancária de que eram cotitulares.

9. O R. BB pagava por vezes a água, luz e renda de 92,00€ mensais da A. com o dinheiro da A. da referida conta bancária.

10. A A. tinha a conta bancária para que o seu filho R. BB pudesse pagar despesas relacionadas com a exploração da peixaria e pagar despesas pessoais da A. que fosse necessária ser paga por transferência bancária ou por cartão de multibanco e ainda para guardar as suas poupanças e reforma.

11. Na referida conta bancária a partir de junho de 2009 passou ser depositada a pensão velhice da A. e a partir de novembro de 2011 a pensão sobrevivência e o fundo de pensão B..., estas duas últimas pensões atribuídas à A. por consequência do falecimento do seu cônjuge.

12. Era o R. BB com o dinheiro do apuro da atividade da peixaria que procedia ao pagamento das despesas, nomeadamente os pagamentos da aquisição do peixe aos fornecedores, das licenças camarárias, dos serviços de água, luz, impostos, taxa social única (TSU) e de todas as demais despesas no âmbito do exercício da atividade da peixaria.

13. O R. BB efetuava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ....

14. Em outubro de 2010, a Autora entregou ao Réu, carta de despedimento por extinção de posto de trabalho.

15. No início de 2010 o lucro da peixaria já não era o mesmo.

16. O R. BB tratou da documentação para requerer e receber o subsídio de desemprego, não obstante ter continuado a trabalhar para a sua Mãe até ao dia 03 de agosto de 2017.

16. Em 09.09.2009, a Autora procedeu à transferência interbancária da quantia de €7.799,05 (sete mil setecentos e noventa e nove euros e cinco cêntimos).

b) Em 23.12.2010, a Autora assinou presencialmente, no balcão do Banco, o pedido de resgate de um PPR;

c) Em 11.10.2011, a Autora assinou presencialmente, no balcão do Banco, o pedido de resgate de PPR;

d) Em 31.05.2017 fez a Autora prova de vida no balcão do Banco;

17. A Autora não tinha apenas esta conta bancária.

18. A A. veio a saber no mês de agosto de 2017 que conta bancária que era cotitular com o seu Filho R. BB apenas restava a quantia de 1.494,97€;

19. A A. a saber que a 03 de agosto de 2017 o R. BB procedeu a um levantamento de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) da conta;

18. A conta foi aberta em 1996 e já em outubro de 1999 possuía um saldo superior a 15 milhões de escudos, porquanto, montante na ordem dos 76.000,00€ (setenta e seis mil euros);

19. Em 01 de agosto de 2001 a conta bancária apresentava um saldo superior a 18 milhões de escudos, porquanto, montante na ordem dos 90.000,00€ (noventa mil euros);

20. Em janeiro de 2004 a conta bancária possuía um saldo de 113.117,12€ (cento e treze mil cento e dezassete euros e doze cêntimos), nomeadamente na conta à ordem 1.078,61€, aplicações a prazo (conta poupança) 92.038,51€, e Valores Mobiliários de 20.000,00€;

21. Em 12/08/2004 o saldo da conta bancária baixou para 99.073,07€ (noventa e nove mil e setenta e quatro euros e sete cêntimos);

22. Em 13/08/2004 os RR. retiraram da conta bancária da A. a quantia de 81.431,93€ (oitenta e um mil quatrocentos e trinta e um euros e noventa e três cêntimos);

23. Em 02/02/2005 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 800,00€ (oitocentos euros);

24. Em 25/02/2005 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

25. Em 28 de fevereiro de 2005 a conta bancária já só demonstrava um saldo global de 29.602,00€ (vinte e nove mil e seiscentos euros);

26. Em 17/01/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 600,00€ (seiscentos euros);

27. Em 22/01/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros);

28. Em 07/03/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros);

29. Em 26/03/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 680,00€ (seiscentos e oitenta euros);

30. Em 01/11/2008 a conta bancária voltou a demonstrar um salvo superior a 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros).

31. Em 02/06/2010 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 274,86€ +39,01€, no total de trezentos e treze euros e oitenta e sete cêntimos, montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.

32. Em 04/06/2010 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 141,11€ (cento e quarenta euros e onze cêntimos), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.

33. Em 03/08/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 100,00€ (cem euros);

34. Em 28/08/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 100,00€ (cem euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A. - cf. Doc. 11 (fl. 29);

35. Em 01/09/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 380,00€ (trezentos e oitenta euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A. - cf. Doc. 11 (fl. 29);

36. Em 01/09/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 1.606,71€ (mil e seiscentos e seis euros e setenta e um cêntimo), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.;

37. Em 01/09/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.;

38. Em 02/10/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 510,00€ (quinhentos e dez euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.;

39. Em 10/10/2011 verifica-se a entrada de 40.000,00€ (quarenta mil euros) provenientes da conta poupança (conta rendimento CR) para a conta à ordem da A;

40. Em 12/10/2011 verifica-se a entrada de 5.280,00€ (cinco mil euros) + 1.650,00€ (mil e seiscentos e cinquenta euros) + 2.960,00€ (dois mil novecentos e seiscentos euros) conta bancária à ordem da A. provenientes de contas tituladas pela R. CC e pelas suas filhas;

41. Em 12/10/2011 verifica-se a entrada de 8.497,33€ (oito mil quatrocentos e noventa e sete euros e trinta e três cêntimos) provenientes da conta poupança (conta rendimento CR) para a conta à ordem da A;

43. Foram ainda, feitos os seguintes movimentos:

a) Transferências interbancárias, em 16.05.2002, no valor de €368,70 (trezentos e sessenta e oito euros e setenta cêntimos) e de €28,78 (vinte e oito euros e setenta e oito cêntimos) ambas, da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1...) para a conta solidária do Réu e da Autora, conforme se constata pela leitura e análise de extrato bancário da conta bancária dos Réus;

b) Transferências interbancárias, em 01.06.2002, no valor de €28,21 (vinte e oito euros e vinte e um cêntimos) da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1...) e em 27.06.2002, no valor de €576,42 (quinhentos e setenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos) da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1...) ambas para a conta solidária do Réu e da Autora;

c) Transferência interbancária, em 06.03.2007, no valor de 2.000,00 (dois mil euros) da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1...) para a conta solidária do Réu e da Autora, da conta bancária dos Réus;

d) Transferência interbancária, em 14.11.2008, no valor de €1.225,00 (mil duzentos e vinte e cinco euros) provenientes de uma outra conta solidária em que eram titulares não só Réu e Autora como também o pai do Réu (marido da Autora) para a conta solidária de Réu e Autora;

e) Transferência interbancária, em 11.12.2008, no valor de €700,00 (setecentos euros) provenientes de uma outra conta solidária em que eram titulares não só Réu e Autora como também o saudoso pai do Ré (marido da Autora) para a conta solidária de Réu e Autora;

f) Transferência interbancária, em 08.07.2011, no valor de €1.115,00 (mil cento e quinze euros) provenientes de uma outra conta solidária (com o número de conta ...);

g) Transferência interbancária da conta dos Réus em 12.10.2011 no valor de €5.280,00 (cinco mil duzentos e oitenta euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

h) Transferência interbancária da filha dos Réus (neta da Autora) DD a 12.10.2011 no valor de €1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

i) Transferências interbancária da filha dos Réus (neta da Autora) EE a 12.10.2011, no valor de €2.960,00 (dois mil novecentos e sessenta euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

j) Depósito bancário em 10.09.2014 no valor de €1.260 (mil duzentos e sessenta euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

k) Depósito bancário em 10.10.2014 no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

l) Depósito bancário em 12.11.2014 no valor de €640,00 (seiscentos e quarenta euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

m) Depósito bancário em 11.12.2014 no valor de €700,00 (setecentos euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

n) Depósito bancário em 14.01.2014 no valor de €310,00 (trezentos e dez euros);

o) Depósito bancário em 12.03.2014 no valor de €530,00 (quinhentos e trinta euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

p) Transferência interbancária da filha dos Réus (neta da Autora) EE a 25.02.2015 no valor de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) para a conta solidária do Réu e da Autora;

q) Depósito bancário em 11.09.2015 no valor de €950,00 (novecentos e cinquenta euros);

r) Depósito bancário em 20.11.2015 no valor de €820,00 (oitocentos e vinte euros) sendo que €500,00 (quinhentos euros);

s) Depósito bancário em 20.05.2016 no valor de €710,00 (setecentos e dez euros) sendo que €300,00 (trezentos euros);

t) Depósito bancário em 30.06.2016 no valor de €660,00 (seiscentos e sessenta euros) sendo que €250,00 (duzentos e cinquenta euros);

u) Depósito bancário em 27.07.2016 no valor de €210,00 (duzentos e dez euros);

v) Depósito bancário em 31.08.2016 no valor de €400,00 (quatrocentos euros) sendo que €250,00 (duzentos e cinquenta euros);

w) Depósito bancário em 30.09.2016 no valor de €200,00 (duzentos euros);

x) Depósito bancário em 29.11.2016 no valor de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros);

y) Transferência interbancária da conta dos Réus, a 22.12.2016 no valor de €88.500,00 (oitenta e oito mil e quinhentos euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

z) Depósito bancário em 10.03.2017 no valor de €1.000,00 (mil euros) sendo que €500,00 (quinhentos euros);

44. Em 01/11/2011 acabou por se verificar uma diminuição drástica no saldo da conta bancária do A., ficando à ordem 4,34€ e somente 2.418,32€ no PPR.

45. O consumidor final na compra do peixe pagava à A. sempre em numerário, e nem o estabelecimento da peixaria tinha sistema de pagamento em cartão de multibanco nem a A. aceitava pagamento em cheque bancário.

46. Foi pela Segurança Social transferido para a mesma conta bancária o subsídio por morte atribuído no montante de 3.777,27€ (três mil setecentos e setenta e sete euros e vinte e sete cêntimos.

47. Foi também transferido pela A... para a mesma conta bancária, até agosto de 2017, um fundo de pensão B..., na quantia global de 4.800,00€.

48. O R. BB foi trabalhador da sua Mãe, aqui A., durante 22 anos.

49. Em julho de 2007 a R. CC deixou de ser trabalhadora da A..

50. Desde que ingressou como trabalhador da A., o R. BB nunca foi sócio, nunca contribuiu com qualquer capital próprio para financiar a montagem do estabelecimento comercial, para a compra de peixe ou para o pagamento das despesas da atividade da peixaria.

51. Nunca a A. dividiu lucros com os RR. nem consentiu que estes fizessem suas quaisquer quantias resultantes da exploração da peixaria, à exceção dos seus ordenados, ou autorizou os RR. a utilizar as suas poupanças e o seu dinheiro para a aquisição de imóveis, móveis ou consumíveis.


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- Factos não Provados:

Não se provaram mais factos alegados com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente que:

1. A A. nunca soube trabalhar com bancos, aplicações financeiras, nem investimentos, depositando confiança no réu.

2. Os documentos bancários que necessitassem da assinatura da A., era o próprio R. BB que os colocava à frente da sua Mãe, aqui A. para esta os assinar, ali mesmo, no seu local de trabalho no Mercado ....

3. E a A. assinava os documentos, que tivessem de ser assinados, sem perder tempo a lê-los, pois depositava confiança nos conhecimentos do seu Filho BB, aqui R.

4. Entregando, assim, depois o R. BB os documentos assinados no balcão da agência do referido Banco, além de que o R. BB assinava também documentos bancários em nome da própria Mãe, aqui A.

5. As despesas regulares, essenciais e necessárias da A., nomeadamente as de alimentação, água potável, produtos de higiene e de limpeza, vestuário e calçado, despesas em saúde, luz, renda, entre as demais despesas eram pela A. predominantemente pagas em numerário, retirando as quantias estritamente necessária para o pagamento destas despesas em proveito próprio e pessoal, que resultavam do apuro diário e mensal da exploração da peixaria.

6. Todos os movimentos da respeitante conta bancária sempre foram efetuados pelos RR..

7. Era o R. BB que escolhia os profissionais para assessorar a atividade da peixaria, nomeadamente contabilistas, mediadores de seguros, fornecedores de peixe, serviços técnicos, entre outros.

8. Em outubro de 2004, a A., por indicação do R. BB, montou uma nova peixaria de peixe congelado em ... em Vila Nova de Gaia para a companheira deste.

9. A mesma foi custeada com o dinheiro proveniente da exploração da peixaria no Mercado ... pertencente em exclusivo à A., sendo que ao fim de cerca de um ano os RR. acabaram por trespassar a referida peixaria de peixe congelado de Vila Nova de Gaia, cessando assim a atividade da mesma em agosto de 2005.

10. O R. BB comprometeu-se a apresentar contas e a devolver à sua Mãe, aqui A., as quantias utilizadas e arrecadadas com tal negócio, mas o certo é que até à presente data ainda não o fez, permanecendo em sua posse tais quantias.

11. Comprometeu-se ainda o R. BB a devolver à sua Mãe 100.000,00€ (cem mil euros) que retirou da conta bancária da A. e de que era cotitular. O R. BB controlava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ....

12. No início de 2010 a A. solicitou ao R. BB para procurar trabalho noutro local.

13. O R. BB não se prontificou a procurar trabalho, mantendo-se por sua imposição e sua iniciativa a trabalhar para a sua Mãe até ao final do mês de julho de 2017, tendo abandonado o trabalho somente no dia 03 de agosto de 2017 em virtude de uma discussão.

14. Ficou a A. também a saber no mês de agosto de 2017 que o R. BB não depositava na referida conta bancária todas as quantias que lhe entregava em mão, resultantes do apuro diário e mensal do negócio da peixaria do Mercado ....

15. Durante vários anos os extratos de conta bancária não foram remetidos para a residência da A., mas antes para a residência dos RR., por ordem do R. BB, cotitular da conta e os que eram anteriormente remetidos à A. em envelope, era o próprio R. BB que abria os envelopes e guardava os extratos bancários em sua casa.

16. A peixaria tinha uma fonte de rendimento muito elevada.

17. O consumidor final na compra do peixe pagava à A. sempre em numerário, e nem o estabelecimento da peixaria tinha sistema de pagamento em cartão de multibanco nem a A. aceitava pagamento em cheque bancário.

18. Em julho de 2007 a R. CC deixou de ser trabalhadora da A., tendo ficado desempregada durante vários anos e sem auferir qualquer rendimento.

19. O R. BB ludibriou a sua Mãe, levando-a a assinar o requerimento de registo automóvel para a venda da viatura marca Mitsubishi ... de matrícula ..-..-PP, com o fundamento de que seria necessário adquirir uma viatura mais recente para o transporte do peixe.

20. A viatura que à data tinha um valor de mercado superior a 7.000,00€.

21. Quando o BB se encontrava a trabalhar na peixaria, aconselhou a sua Mãe, aqui A., a comprar um apartamento, uma vez que a mesma tinha dinheiro amealhado da exploração da peixaria e das reformas para o adquirir e assim evitaria os problemas que vinha a ter com a sua senhoria.

22. A A. aceitou o conselho do seu filho BB, aqui R., e, confiando no mesmo, mandatou-o para tomar todas as diligências que entendesse necessárias com vista ao fim pretendido - adquirir um imóvel a favor da sua mãe, aqui A., e de modo a esta o habitar.

23. O R. BB aceitou com prontidão tal incumbência, ficando assim mandatado pela sua mãe nesse sentido.

24. O R. BB detinha e tinha acesso ao dinheiro da A. para a aquisição do imóvel.

25. O R. BB adquiriu o imóvel, sito em …, no Porto, com o dinheiro da A.

26. Desde que o seu filho BB cortou relações consigo, em agosto de 2017, que a A. tem vivido angustiada, psicologicamente frágil, desmotivada, sempre com enorme receio de o seu filho BB a despejar do respetivo imóvel que habita em ….

27. A. A. receia que o seu filho R. proceda ao corte do fornecimento dos serviços essenciais do respetivo apartamento onde reside sozinha em …, nomeadamente da água, luz e demais serviços.

28. A Autora pediu a reforma antecipada em 2009 para evitar a liquidação da retribuição da segurança social.

29. O despedimento do Réu teve também como objetivo dar resposta à contenção de custos que a época exigia, evitando-se, desta forma, o pagamento da contribuição para a segurança social.

30. Quanto aos €38.000,00 (trinta e oito mil euros) remanescentes dos €78.000.00 (setenta e oito mil euros) sacados por cheque em 14.10.2011, foram os mesmos investidos, quase na sua totalidade, nas obras de restauro da casa de ... propriedade a Autora, com o artigo matricial nº ... e melhor descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob nº ... da freguesia ....

31. Aquando da altercação em julho de 2017 entre a Autora e o Réu, depois do Réu dizer “Vou-me embora e não contes mais comigo!”

32. A Autora ripostou e disse “Vais e aproveita e leva a carrinha que não preciso dela nem de ti para nada” e atirou-lhe o requerimento que estava guardado na banca.

33. A Autora não quis a chave do veículo e ainda lhe deu o requerimento para alteração do registo de propriedade.

34. Em 12/01/2010 os réus retiraram da conta bancária da A. a quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros).

35. Em 13/10/2011 os RR. de uma só vez retiraram do PPR da A. a quantia de 19.651,37€ (dezanove mil seiscentos e cinquenta e um euros e trinta e sete cêntimos) e transferem para a conta à ordem da A.

36. Em 14/10/2011 verifica-se que os RR. retiraram da conta bancária da A. a quantia de 78.000,00€ (setenta e oito mil euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.

37. Entre os gastos efetuados pelos RR., em proveito próprio e exclusivo, com os fundos integralmente propriedade da A. incluem-se:

1) uma fração autónoma, designadamente um apartamento, sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

2) duas frações autónomas, designadamente um apartamento e um lugar de garagem, sitos na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

3) uma fração autónoma, designadamente um apartamento, sito na Rua ... e na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

4) uma moradia independente, comprada nova, com rés do chão, andar e logradouro, sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

5) duas frações, designadamente um apartamento e um lugar de garagem, sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho do Porto;

6) o recheio de uma loja situada em ... onde a R. CC explora um pequeno atelier de costura ;

7) A peixaria de peixe congelado em ..., Vila Nova de Gaia;

8) Um veículo automóvel, marca Opel, de matrícula ..-..-HA;

9) Um veículo automóvel, marca Opel, de matrícula ..-..-TZ;

10) Um veículo automóvel, marca Ford, de matrícula ..-..-SJ;


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3. O direito

- Do âmbito da resposta ao recurso -

A apelante veio opor-se à admissão da resposta ao recurso, por considerar que os apelados vêm interpor recurso da decisão, sendo a pretensão formulada extemporânea, por estar esgotado o prazo de interposição do recurso.

Na introdução da resposta ao recurso, os apelados referem, como se passa a transcrever:

“CC e BB, Réus nos presentes Autos – com pedido de apoio judiciário deferido na modalidade de dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo – ora Recorridos, cuja Autora e agora Recorrente é AA, tendo sido notificados da interposição de Recurso de Apelação, vem à luz do estipulado nos artigos 637º e 638º ambos do Código do Processo Civil, doravante CPC, apresentar a sua

RESPOSTA ÀS ALEGAÇÕES

o que faz com os Fundamentos que se seguem:[…]”

Analisada a resposta ao recurso constata-se que nos pontos 33, 37, 79 a 93 das conclusões de recurso, os apelados se insurgem contra a decisão de facto, pretendendo a sua alteração.

No ponto 141 das conclusões de recurso insurgem-se contra o segmento da decisão que condenou os réus a restituir à autora a quantia de € 42. 494,97€, acrescida de juros legais vencidos e vincendos contados às taxas civis legais sucessivamente em vigor, a acrescer à quantia mencionada, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Terminam a resposta ao recurso por pedir a revogação da sentença e a sua alteração nos termos que constam das conclusões de recurso.

Os apelados apresentaram resposta ao recurso, com fundamento no art.º 637º e 638º CPC.

Com efeito, a lei concede ao recorrido a possibilidade de em prazo idêntico ao da interposição, responder à alegação do recorrente, podendo impugnar a admissibilidade ou a tempestividade do recurso, bem como, a legitimidade do recorrente, dispondo do prazo suplementar de 10 dias, quando o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada (art.º 638º/5/6/7 CPC).

A resposta fica circunscrita ao objeto do recurso tal como definido nas alegações do recorrente.

No caso concreto, os apelados não só respondem ao recurso, como resulta dos fundamentos da resposta e conclusões, vêm impugnar a decisão de facto e de direito, insurgindo-se contra a decisão.

Neste segmento a resposta não pode ser admitida, porque ultrapassa o seu objeto, nem a peça processual pode valer como requerimento de interposição do recurso, porque estava esgotado o prazo para recurso da sentença (a sentença foi notificada em 28 de setembro de 2023 e a resposta apresentada em janeiro de 2024).

Resta referir que a resposta não pode ser considera uma ampliação do objeto do recurso, por não ter sido requerida pelos recorridos, como determina o art.º 636º/1 CPC. De igual forma, não se considera um recurso subordinado (art.º 633ºCPC), por não ter sido esse o enquadramento jurídico e a finalidade com que os apelados vieram apresentar o articulado, sendo certo que o tribunal de recurso está vinculado à concreta pretensão formulada.

Refira-se, ainda, que mesmo que se considerasse que os apelados vieram ampliar o objeto do recurso, sempre não seria de admitir, porque, por um lado, a apelante não veio requerer a reapreciação do ponto 30 dos factos julgados não provados, tendo presente as conclusões de recurso e por outro lado, em relação ao ponto 27 dos factos provados, os apelados não ficaram vencidos, porque não se julgou provado que o movimento foi efetuado pelos réus e importou uma retirada de valores da conta em seu proveito.

Em conclusão, o articulado será considerado apenas como resposta ao recurso.


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- Reapreciação da decisão de facto -

Nas conclusões de recurso, sob as alíneas g) a mm), a apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto quanto aos pontos 1, 6, 11, 14, 16, 17, 19, 20 e 21 a 26 dos factos julgados não provados.

Contudo, impõe-se um prévio saneamento, face às questões de facto e de direito suscitadas na apelação.

Nas alíneas a) a e) das conclusões de recurso a apelante faz uma breve introdução sobre as questões objeto de impugnação.

Nas alíneas f) a i) das conclusões de recurso suscita a contradição na decisão de facto.

Nos termos do art.º 662º/2 c) CPC a decisão da matéria de facto de conteúdo deficiente, obscuro ou contraditório justifica a anulação do julgamento, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto.

A contradição pode derivar da oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os factos considerados assentes na fase da condensação.

A superação da contradição, sem necessidade de anulação do julgamento, pode derivar da prevalência que deva ser dada a certo elemento constante do processo com força probatória plena ou por via da conjugação com outras respostas ou com matéria já assente. Mas pode decorrer ainda da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal “a quo “se tenha baseado, como determina o art.º 662º/2 c) CPC[2].

Nas alíneas g) a k) a apelante sustenta:

“g) Atenta à matéria de facto dada como provada, ficou desde logo demonstrado que o Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da matéria de facto dada como não provada, face à prova testemunhal produzida e, assim, no nosso modesto entendimento, cometeu erro de julgamento, tanto na admissão e valoração da prova como na interpretação de matéria jurídica, além de que dá como não provados factos que são contraditórios e incongruentes com os factos dados como provados.

h) O Tribunal a quo considerou como não provado:

“1. A A. nunca soube trabalhar com bancos, aplicações financeiras, nem investimentos, depositando confiança no réu.

6. Todos os movimentos da respeitante conta bancária sempre foram efetuados pelos RR..

11. O R. BB controlava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ....

i) Ora, atento a tais factos dados como provados na sentença, resulta uma outra realidade ontológica, pois é por demais verossímil que a Recorrente não sabia trabalhar com bancos, aplicações financeiras, nem investimentos, que os movimentos da respeitante conta bancária eram efetuados pelo Réu BB. Resulta dos factos dados como provados, recorrendo ao método indiciário numa conjugação global de todas as circunstâncias que caracterizam a operação, que era o Réu BB que controlava todas as operações da peixaria e da respetiva conta bancária da Recorrente da qual era também cotitular.

j) Aliás, tal ficou também demonstrado pelas declarações da testemunha FF, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 31.05.2023, com início às 16h27 e fim às 16h35, entre o minuto 2.07 e 2.40, pela testemunha GG prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 10h02 e fim às 10h41, entre o minuto 6.18 e 7.01, cujas passagens se encontram transcritas supra nas alegações.

k) Pelo que os factos 1, 6 e 11 dos factos dados como não provados, devem ser retirados da matéria dos factos dados como não provados e acrescentados à matéria de facto provada da sentença, com as mesmas redações que neles constam, supra al. h)”.

Desde logo cumpre ter presente que nem o ponto 11 dos factos julgados “provados”, nem o ponto 11 dos factos julgados “não provados” tem a redação que a apelante lhe atribui.

Com efeito, julgou-se provado:

11. Na referida conta bancária a partir de junho de 2009 passou ser depositada a pensão velhice da A. e a partir de novembro de 2011 a pensão sobrevivência e o fundo de pensão B..., estas duas últimas pensões atribuídas à A. por consequência do falecimento do seu cônjuge.

Considerou-se não provado:

11. Comprometeu-se ainda o R. BB a devolver à sua Mãe 100.000,00€ (cem mil euros) que retirou da conta bancária da A. e de que era cotitular. O R. BB controlava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ....

A matéria que a apelante indica como “ponto 11”, corresponde ao ponto 13 dos factos provados, com a seguinte redação:

“13. O R. BB efetuava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ...”.

Considerada provada a matéria de facto que consta do ponto 13, fica ultrapassada a questão quanto a considerar como provada tal matéria de facto.

Resta, assim, os pontos 1 e 6 dos factos julgados não provados.

Quanto a tais factos, a apelante não indica os restantes factos em relação aos quais se verifica a contradição, sendo certo que a contradição pela sua natureza não pode ocorrer entre factos não provados e factos provados.

A resposta negativa equivale à não alegação do facto julgado não provado, fazendo jogar as regras da distribuição do ónus da prova e por isso, não significa a prova do facto contrário[3].

O facto não provado inexiste para efeito de subsunção ao direito, pois o tribunal aprecia os factos provados. Tal circunstância apenas releva para efeito de distribuição do ónus da prova, que se traduz numa mera operação de direito.

Não resulta demonstrada a alegada contradição.

Considera, ainda a apelante, que os pontos 1 e 6 dos factos não provados, se deviam julgar como factos provados, pretendendo tal alteração com base no depoimento das testemunhas FF e GG.

A reapreciação da prova tem em vista uma possível alteração da decisão da matéria de facto em pontos relevantes para a boa decisão da causa e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito e não uma determinação da realidade dos factos, independentemente do relevo que possam ter nas questões de direito a reapreciar, sendo proibida a prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do CPC)[4].

Nos pontos 1 e 6 dos factos não provados está em causa apurar a forma como a autora e o réu aceitaram gerir o dinheiro resultante da exploração da peixaria e como ambos efetuavam movimentos na conta bancária.

A resposta a tais questões de facto consta dos pontos 7 a 17 dos factos provados. Constata-se que a decisão não foi objeto de impugnação. Perante tal situação mostra-se irrelevante a reapreciação dos pontos 1 e 6 dos factos julgados não provados, atendendo aos factos julgados provados e não impugnados.

Acresce que a apelante não extrai da impugnação dos pontos 1 e 6 dos factos julgados não provados qualquer efeito útil sob o ponto de vista jurídico, tendo presente os fundamentos em que sustenta a impugnação da decisão em confronto com os fundamentos da ação.

Revela-se inútil a reapreciação destes factos, porque independentemente da decisão face à posição que a apelante assume perante a questão essencial em discussão nos autos, não se extrai dos mesmos qualquer efeito útil para a decisão e por esse motivo improcede a reapreciação da decisão, quanto aos pontos 1 e 6 dos factos julgados não provados.


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Nas alíneas m) a o) das conclusões de recurso, a apelante veio requerer a reapreciação do ponto 16 dos factos julgados não provados, o qual contém a seguinte redação:

“16. A peixaria tinha uma fonte de rendimento muito elevada”.

A este respeito cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos art.º 607º a 612º CPC (art.º 663º/2 CPC).

O art.º 607º/4 CPC dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art.º 646º/4 CPC, previa, ainda, que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”.

Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.

A eliminação da base instrutória e a integração numa única peça processual da decisão da matéria de facto e da respetiva integração jurídica determinou uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada e como refere ABRANTES GERALDES: “não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso”[5].

Contudo, ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.

Compete ao juiz determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (art.º 607º/3 CPC) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (art.º 607º/4 CPC).

As conclusões de direito não são factos, nem o são os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência.

Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos (art.º 5º CPC e art.º 607º CPC).

Estando em causa na presente ação, entre outras questões, apurar o efetivo rendimento económico gerado pela exploração do estabelecimento de peixaria, no período compreendido entre 1996 e agosto de 2017, não é através de um juízo conclusivo que se poderá apurar esse rendimento, sendo certo que não cumpre ao tribunal suprir a insuficiência de alegação de factos essenciais, numa eventual resposta concretizadora de tal matéria, por recair sobre a parte o ónus de alegação de tais factos (art.º 5º/1 CPC).

Atento o exposto, elimina-se o ponto 16 dos factos não provados, por não constituir um facto, mas uma mera conclusão.


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Nas alíneas jj) a mm) das conclusões de recurso, pretende a apelante que se proceda à ampliação da decisão de facto, passando a constar dos factos provados: “Era da exclusiva propriedade da recorrente as quantias que foram depositadas na conta bancária n.º ...”.

Nos termos do art.º 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão.

A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[6].

Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.

Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.

Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[7].

Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 682º/3 CPC.

Na situação concreta e acolhendo uma interpretação mais abrangente do que possa ser considerado matéria de facto, verifica-se que a matéria que a apelante pretende ver incluída nos factos provados não consta dos factos alegados na petição ou na réplica. Constituindo um facto essencial e não se mostrando oportunamente alegado, não pode, como tal, ser objeto de ampliação da decisão de facto.

Com efeito, discutindo-se a propriedade de determinada soma de dinheiro, mostra-se um facto essencial apurar se os valores em depósito são, como alega a apelante, propriedade exclusiva da apelante.

Acresce que a considerar-se um facto complementar o mesmo apenas poderia ser aproveitado, desde que sobre o mesmo as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, nos termos do art.º 5º/2/b) CPC, o que também não aconteceu, pois em 1ª instância não foi suscitada a ampliação da matéria de facto, com vista a incluir na matéria a apreciar o concreto facto que agora se alega.

Como se observa no Ac. STJ 07 de dezembro de 2023, Proc. 2017/11.0TVLSB.L1.S1 (acessível em www.dgsi.pt):

“O disposto no artigo 5.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil de 2013, corresponde essencialmente ao que constava do n.º 3, do artigo 264.º, do Código de Processo Civil de 1961, o qual havia sido introduzido pelo Decreto-lei n.º 180/96, de 25 de setembro, tendo a redação do código atual deixado de exigir a manifestação da parte interessada, para que integrem a factualidade relevante, os factos complementares ou concretizadores dos factos já alegados que apenas resultem da instrução da causa, podendo, por isso, a sua inclusão na factualidade integrante do objeto do processo ser da iniciativa do tribunal.

De modo a garantir o imprescindível exercício do contraditório, continua, no entanto, a exigir-se que ambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles. Essa possibilidade só pode ser proporcionada se o tribunal, antes de proferir a sentença, sinalizar às partes os factos que, apesar de não terem sido por elas alegados, se evidenciaram na instrução da causa e sejam relevante para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobre eles, concedendo-lhes prazo para indicarem os meios de prova que pretendam produzir, relativamente aos factos aditados ao objeto do litígio.

Como bem se explicou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.02.2017:”Admitir-se que o juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado.

Crê-se que a disciplina prevista no art.º 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos referidos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido).

Só assim é conferida à parte "a possibilidade de se pronunciar" sobre o facto que o tribunal se propõe aditar. E só assim se assegurará um processo equitativo (art.º 547º do CPC), facultando-se às partes o exercício pleno do contraditório, requerendo – como é admitido por qualquer das teses –, se for caso disso, novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam”.

Prosseguindo, no douto aresto, refere-se: “[a] sua invocação nas alegações do recurso de apelação, com a consequente possibilidade da parte contrária, na resposta, se pronunciar sobre a pretensão de aditamento de facto não alegado mas que sobressaiu na instrução da causa, não é suficiente para que encontre garantido o contraditório exigido na parte final da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, do Código de Processo Civil, não sendo, pois, permitido ao tribunal da Relação, nos casos em que o contraditório não foi assegurado na 1.ª instância, valorar a prova aí produzida, e decidir que o mesmo se encontra provado, aditando-o à lista dos factos provados.

Nessas situações[…], deve a Relação, caso entenda que o facto é complementar dos factos já alegados, se evidenciou na instrução da causa e é relevante para o seu desfecho, utilizar o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, para ampliação da matéria de facto”.

No caso presente tal como a apelante/autora descreve a situação de facto, estamos perante factos essenciais, que constituíam causa de pedir da ação.

Os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes nos seus articulados, como determina o art.º 5º/1 CPC e como já se referiu, a autora não alegou tais factos na petição. Na decisão não se podem considerar factos principais diversos dos alegados pelas partes.

Desta forma, entendemos que não se justifica anular a decisão para em 1ª instância se proceder à ampliação da matéria de facto, ponderando os factos que resultaram da discussão da causa, ao abrigo do disposto no art.º 662º/1 c) CPC, por não se tratar de um facto complementar.

Não se justifica a requerida ampliação da decisão de facto.


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Passando à reapreciação da decisão de facto, com fundamento erro na apreciação da prova, cumpre proceder à verificação dos pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.

O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – prova testemunhal e documental - e decisão que sugere.

Em relação aos factos a reapreciar, considera-se que a reapreciação da decisão de facto tem por objeto os pontos 17, 14 e 26, 19 e 20 e 21 a 25 dos factos julgados não provados, pois quanto aos demais, pelos motivos já expostos, não se justifica a reapreciação da decisão.

A apelante faz ainda referência, nas alíneas bb) a ee) das conclusões de recurso, aos pontos 22 e 27 dos factos provados, mas não impugna a decisão, por aceitar que os mesmos se julguem provados, tecendo apenas considerações de direito sobre a matéria de facto em causa, motivo pelo qual não se justifica a sua reapreciação.

Quanto à prova a reapreciar, para além da indicação que consta das conclusões de recurso, na motivação do recurso a apelante transcreve excertos dos respetivos depoimentos para sustentar a alteração da decisão e tece considerações sobre os depoimentos prestados, motivo pelo qual se considera que fundamenta a impugnação nos depoimentos consignados na gravação, pelo que, se mostra preenchido o pressuposto de ordem formal quanto à indicação da prova gravada.

Por fim, refira-se que a apelante deixou expressa a decisão que sugere, pretendendo que os factos impugnados se julguem provados.

Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, em relação aos pontos 17, 14 e 26, 19 e 20 e 21 a 25 dos factos julgados não provados.


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Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[8].

Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[9].

Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[10].

Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[11] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.

Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[12].

Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.

O apelante impugna a decisão dos seguintes factos julgados “não provados”:

14. Ficou a A. também a saber no mês de agosto de 2017 que o R. BB não depositava na referida conta bancária todas as quantias que lhe entregava em mão, resultantes do apuro diário e mensal do negócio da peixaria do Mercado ....

17. O consumidor final na compra do peixe pagava à A. sempre em numerário, e nem o estabelecimento da peixaria tinha sistema de pagamento em cartão de multibanco nem a A. aceitava pagamento em cheque bancário.

19. O R. BB ludibriou a sua Mãe, levando-a a assinar o requerimento de registo automóvel para a venda da viatura marca Mitsubishi ... de matrícula ..-..-PP, com o fundamento de que seria necessário adquirir uma viatura mais recente para o transporte do peixe.

20. A viatura que à data tinha um valor de mercado superior a 7.000,00€.

21. Quando o BB se encontrava a trabalhar na peixaria, aconselhou a sua Mãe, aqui A., a comprar um apartamento, uma vez que a mesma tinha dinheiro amealhado da exploração da peixaria e das reformas para o adquirir e assim evitaria os problemas que vinha a ter com a sua senhoria.

22. A A. aceitou o conselho do seu Filho BB, aqui R., e, confiando no mesmo, mandatou-o para tomar todas as diligências que entendesse necessárias com vista ao fim pretendido - adquirir um imóvel a favor da sua Mãe, aqui A., e de modo a esta o habitar.

23. O R. BB aceitou com prontidão tal incumbência, ficando assim mandatado pela sua Mãe nesse sentido.

24. O R. BB detinha e tinha acesso ao dinheiro da A. para a aquisição do imóvel.

25. O R. BB adquiriu o imóvel, sito em …, no Porto, com o dinheiro da A.

26. Desde que o seu Filho BB cortou relações consigo, em agosto de 2017, que a A. tem vivido angustiada, psicologicamente frágil, desmotivada, sempre com enorme receio de o seu Filho BB a despejar do respetivo imóvel que habita em ….

Na fundamentação da decisão ponderou-se a prova produzida, nos termos que se passam a transcrever:

“Os factos relativos ao estabelecimento comercial (propriedade da autora), à existência da conta bancária em apreciação, bem como a recebimento de pensões por parte da autora não foi objeto de impugnação.

A convicção do tribunal relativamente aos factos provados e não provados assentou na análise crítica e conjugada da globalidade da prova produzida, designadamente na análise dos documentos juntos aos autos, em conjugação com os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência, devidamente articulados entre si, nomeadamente:

Do vasto acervo documental que constitui este processo (milhares de folhas) salientam-se os extratos de conta juntos como doc. 10 e doc. 11 da p.i. que permitem aferir o saldo da conta e os seus fluxos, quer a crédito quer a débito.

Analisando com mais detalhe estes extratos verifica-se, por exemplo, que a quantia de €1.300,00 (mil e trezentos euros) saiu da Conta Banco 1... em 18.08.2004, entra na conta do Banco 1... na mesma data, saindo desta última em 24.08.2004 para creditar novamente a conta Banco 1... nesta data de 24.08.2004.O que significa que o dinheiro não foi retirado da conta.

Verifica-se também ter existido uma saída de €1.600,00 (mil e seiscentos euros) da Conta Banco 1... em 20.01.2005 que entra na conta do Banco 1... na mesma data. Isto significa que não fica demonstrado que as saídas da conta elencadas pela autora tenha tido como destinatários os réus, mas pode ter sido, pura e simplesmente movimentos entre a conta poupança e a conta de depósitos à ordem titulada pela autora. Também, os €1.300,00 (mil e trezentos euros) que saíram da Conta Banco 1... em 25.02.2005 entraram na conta do Banco 1... na mesma data e aí ficaram. A transferência interbancária da quantia de €7.799,05, resulta do DOC 5.

A assinatura do pedido de resgate de um PPR pela autora em 23.12.2010, está plasmada no DOC 10 pp 184 junto com a PI.

Em 11.10.2011 a Autora assinou presencialmente, no balcão do Banco, o pedido de resgate de PPR, conforme consta no DOC 10 pp 231 junto com a PI.

Em 31.05.2017 fez a Autora prova de Vida no balcão do Banco, conforme se extrai da leitura e análise do DOC 6.

Encontram-se igual juntos pelo Réu BB comprovativos de inúmeras despesas, como por exemplo:

a) Faturas de eletricidade da banca do Mercado ... (DOC 13 pp7 e 8 e pp10 e 11, pp23 e 24, pp33 e 34, pp36 e 37, pp41 e 42, pp44 e 45 e pp47 e 48) com os respetivos comprovativos de liquidação realizados por homebanking (DOC 13 pp9, 12, 25, 35, 38, 43, 46 e 49);

b) Faturas de eletricidade da casa de morada da Autora (DOC 10 pp175 e 176,) com o respetivo comprovativo de liquidação (DOC 10 pp 177);

c) Portagens do veículo melhor identificado em 6º da PI (DOC 13 pp13 a 16 e pp26 a 29), com o respetivo comprovativo de liquidação realizado por homebanking (DOC 13 pp17 e 30),

d) Taxa devida pela utilização da banca do Mercado ... (DOC 13 pp18, 31 e 39), com o respetivo comprovativo de liquidação realizado por homebanking (DOC 13 pp19, 32 e 40),

e) Rendas da casa de morada de família da Autora:

f) Liquidações no valor de €73,25 em 08.09.2011 (DOC 10 pp229) e 10.10.2011 (DOC 11 pp33);

g) Liquidações no valor de €76,00 (setenta e seis euros) em 09.01.2012 e 08.02.2012(DOC 10 pp236 e DOC 11 pp39, que vêm a ser o mesmo extrato), 06.08.2012 (DOC 11 pp43), 08.11.2012 (DOC 10 pp240);

h) Uma liquidação no valor de €79,00 (setenta e nove euros) em 10.12.2012 (DOC 10 pp240);

i) Liquidações ininterruptas, no valor de €80,00 (oitenta euros): 08.03.2013 (DOC 11 pp5) 9.12.2013 e 08.01.2014 (DOC 10 pp14 e DOC 11 pp46 o), 01.02.2014 (DOC 10 pp17), 10.03.2014 e 08.04.2014 (DOC 10 pp20), 06.05.2014 (DOC 10 pp21) e 06.06.2014 (DOC 10 pp23 e DOC 11 pp49;

j) Liquidações ininterruptas, no valor de €92,00 (noventa e dois euros): 07.07.2014 (DOC 10 pp26), 06.08.2014 (DOC 10 pp 29 e DOC 11 pp52,), 08.09.2014 e 06.10.2014 (DOC 10 pp32), 06.11.2014 (DOC 10 pp35) e 09.12.2014 (DOC 10 pp41), 06.01.2015 (DOC 10 pp38), 06.02.2015 (DOC 10 pp 44), 06.03.2015 (DOC 11 pp58), 06.04.2015 e 06.05.2015 (DOC10 pp47 e DOC 10 pp 50, que são o mesmo) 08.06.2015 e 06.07.2015 (DOC 10 pp 56), 06.08.2015 (DOC 10 pp59), 07.09.2015 (DOC 10 pp52), 6.10.2015 (DOC 10 pp65), 06.11.2015 (DOC 10 pp68) e 07.12.2015 (DOC 10 pp71), 06.01.2016 (DOC 10 pp 74), 08.02.2016 e 07.03.2016 (DOC 10 pp81), 06.04.2016 (DOC 10 pp84), 06.05.2016 (DOC 10 pp 88), 06.06.2016 (DOC 10 pp 92), 06.07.2016 (DOC 10 pp95), 08.08.2016 e 06.09.2016 (DOC 10 pp102),06.10.2016 (DOC 10 pp106), 07.11.2016 (DOC 10 pp109), 06.12.2016 (DOC 10 pp112), 05.01.2017 (DOC 10 pp115), 06.02.2017 (DOC 10 pp119);

l) Rendas da peixaria no valor de €45,84 (quarenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos) (DOC 11 pp39), no valor de €47,28 (quarenta e sete euros e vinte e oito cêntimos) (DOC 10 pp240), o valor de €28,37 (vinte e oito euros e trinta e sete cêntimos) (DOC 10 pp20), 30.06.2014 (DOC 10 pp26), 20.09.2014 (DOC 10 pp32), 30.11.2014 (DOC 10 pp38), 09.02.2015 (DOC11 pp58), 30.05.2015 (DOC 10 pp53), 31.07.2015 (DOC10 pp59), 30.10.2015 (DOC 10 pp68), 30.11.2015 (DOC 10 pp71), 30.12.2015 (DOC 10 pp74), 19.03.2016 (DOC 10 pp84), 29.04.2016 DOC10 pp88), 31.07.2016 (DOC 10 pp99), 30.09-2016 (DOC 10 pp106), 30.11.2016 (DOC 10 pp112), 31.12.2016 (DOC 10 pp115) e 31.05.2017 (DOC 10 pp136);

m) Relativamente a despesas de comunicações (referência 20442) eram também suportadas pela conta solidária e veja-se: 03.02.2015 (DOC 10 pp44) 30.03.2015 (DOC 10 pp47), 08.06.2015 e 07.07.2015 (DOC 10 pp56), 31.07.2015 (DOC 10 pp59), 31.08.2015 (DOC 10 pp62), 03.10.2015 (DOC 10 pp65), 0.12.2015 (DOC 10 pp71), 01.01.2016 (DOC 10 pp74), 31.01.2016 (DOC 10 pp77), 04.03.2016 (DOC 10 pp81), 28.03.2016 (DOC 10 pp84), 29.04.2016 (DOC 10 pp88), 31.05.2016 (DOC 10 pp92), 01.07.2016 (DOC 10 pp95), 02.09.2016 (DOC 10 pp102), 04.10.2016 (DOC 10 pp106), 04.11.2016 (DOC 10 pp109), 02.12.2016 (DOC 10 pp112), 02.01.2017 (DOC 10 pp115), 04.03.2017 (DOC 10 pp122), 01.04.2017 (DOC 10 pp125), 05.05.2017 (DOC 10 pp129), 03.07.2017 (DOC 10 pp132) e 03.06.2017 (DOC 10 pp136);

n) No que concerne a despesas de eletricidade, analisando apenas os extratos carreados para os Autos dos anos de 2015 a 2017 verificam-se pagamentos efetuados:

1. Relativamente à Peixaria (referências 20174 e 11283) no valor de €31,20 (trinta e um euros e vinte cêntimos) em 08.04.2015 (DOC 10 pp47), €30,15 (trinta euros e quinze cêntimos) em 30.06.2015 (DOC 10 pp56) €27.93 (vinte sete euros e noventa e três cêntimos) em 05.09.2015 (DOC 10 pp62), €25,25 (vinte e cinco euros e vinte e cinco cêntimos) em 30.11.2015 (DOC 10 pp71), €20,80 (vinte euros e oitenta cêntimos) em 07.01.2016 (DOC 10 pp74), €35,98 (trinta e cinco euros e noventa e oito cêntimos) em 08.02.2016 (DOC 10 pp81), €31,04 (trinta e um euros e quatro cêntimos) em 05.04.2016 (DOC 10 pp84) €30,39 (trinta euros e trinta e nove cêntimos) em 07.07.2016 (DOC 10 pp95), €35,37 (trinta e cinco euros e trinta e sete cêntimos) em 07.09.2016 (DOC 10 pp102), €35,78 (trinta e cinco euros e setenta e oito cêntimos) em 08.12.2016 (DOC 10 pp115), €33,97 (trinta e três euros e noventa e sete cêntimos) em 03.02.2017 (DOC 10 pp119), €4,85 (quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) em 06.04.2017 (DOC 10 pp125), €26,60 (vinte e seis euros e sessenta cêntimos) em 13.06.2017 (DOC 10 pp221 e DOC 10 pp132 que vêm a plasmar as operações bancárias realizadas no mesmo hiato temporal9, €39,12 (trinta e nove euros e doze cêntimos) em 13.07.2017 (DOC10 pp3, DOC 10 pp220 e DOC 10 pp224.

o) Quanto à casa de morada de família – consoante os anos à D... (referência 20812) e à D... (referência 20174 e 11283) – no valor de €26,78 (vinte e seis euros e setenta e oito cêntimos) em 08.01.2015, €28.30 (vinte e oito euros e trinta cêntimos) e €29,86 (vinte e nove euros e oitenta e seis cêntimos) em 04.02.2015 (DOC 10 pp44), €24,57 (vinte e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos) em 30.05.2015 (DOC 10 pp53), €26,49 (vinte e seis euros e quarenta e nove cêntimos) em 08.06.2015 e €25,39 (vinte e cinco euros e trinta e nove cêntimos) 06.07.2015 (DOC10 pp56), €21,69 (vinte e um euros e sessenta e nove cêntimos) em 30.07.2015 (DOC 10 pp59), €27,38 (vinte e sete euros e trinta e oito cêntimos) em 31.08.2015 (DOC10 pp62), €25,10 (vinte e cinco euros e dez cêntimos) em 09.11.2015 (DOC 10 pp71), €23,40 (vinte e três euros e quarenta cêntimos) em 30.12.2015 (DOC 10 pp74), €26,30 (vinte e seis euros e trinta cêntimos) em 23.02.2016 (DOC 10 pp81), €22,62 (vinte e dois euros e sessenta e dois cêntimos) em 19.03.2016 (DOC 10 pp84), €28,10 (vinte e oito euros e dez cêntimos) em 07.05.2016 (DOC 10 pp88), €22,25 (vinte e dois euros e vinte e cinco cêntimos) em 08.06.2016 (DOC 10 pp95), €26,47 (vinte e seis euros e quarenta e sete cêntimos) em 08.07.2016 (DOC 10 pp99), €25,92 (vinte e cinco euros e noventa dois cêntimos) em 07.09.2016 (DOC 10 pp102), €27,09 (vinte sete euros e nove cêntimos) em 06.10.2016 (DOC 10 pp106), €27,69 (vinte sete euros e sessenta e nove cêntimos) em 07.11.2016 (DOC 10 pp109), €30,22 (trinta euros e vinte e dois cêntimos) em 02.01.2017 (DOC 10 pp115), €23,41 (vinte e três euros e quarenta e um cêntimos em 09.02.2017 (DOC 10 pp122), €26,21 (vinte e seis euros e vinte e um cêntimos) em 08.04.2017 (DOC 10 pp129), €31,06 (trinta e um euros e seis cêntimos) em 10.07.2017 (DOC 10 pp221 e DOC10 pp224).

p) Quanto a pagamentos ao Estado, não só advindos da peixaria como provenientes da vida pessoal da Autora, tais como:

1. Pagamentos por contas, nomeadamente, a 03.08.2014 (DOC 10 pp29), a 22.12.2014 (DOC 10 pp41), a 20.07.2015 (DOC 10 pp59), a 21.09.2015 (DOC 10 pp65), a 21.12.2015 (DOC 10 pp74);

2. Liquidações de IRS, como por exemplo a referente ao ano de 2013 liquidado durante o ano subsequente de 2014: 29.09.2014 (DOC 10 pp32) no valor de €192,64 (cento e noventa e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), 31.10.2014 (DOC 10 pp35) no valor de €193,54 (cento e noventa e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos) e em 30.11.2014 (DOC 10 pp38) no valor de €195,97 (cento e noventa e cinco euros e noventa e sete cêntimos),

3. IUC, podendo-se verificar a sua liquidação no ano de 2015 a 31.05.2015 (DOC 10 pp53) e no ano de 2016 a 31.05.2016, entre outros;

4. IMI do imóvel de que a Autora é proprietária em 28.4.2014 (DOC 10 pp20), em 30.04.2015 (DOC 10 pp47), a 29.04.2016 (DOC 10 pp88) ou a 30.04.2017 (DOC 10 pp129);

5. Taxas de justiça, tais como €780,53 (setecentos e cinquenta e três euros e cinquenta e três cêntimos) em 31.08.2015 (DOC 10 pp62), €612,00 (seiscentos e doze euros) em 09.09.2015 (DOC 10 pp65), €306,00 (trezentos e seis euros) em 07.12.2015 (DOC 10 pp71), €52,00 (cinquenta e dois euros) em 31.05.2016 (DOC 10 pp92), €35,59 (trinta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos) em 01.08.2016 (DOC 10 pp99), €106,65 (cento e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) em 05.09.2016 (DOC 10 pp102), €138,59 (cento e trinta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos) em 30.09.2016 (DOC 10 pp106) €139,78 (cento e trinta e nove euros e setenta e oito cêntimos) em 30.11.2016 (DOC 10 pp112) e €141,66 (cento e quarenta e um euros e sessenta e seis cêntimos) em 31.12.2016 (DOC 10 pp115);

q) No que toca a seguros, tais como:

1. Da viatura melhor identificada em 6º da PI: em 17.07.2014 (DOC 10 pp29), em 02.07.2015 (DOC 10 pp56), em 03.07.2016 (DOC 10 pp 95) e 03.07.2017 (DOC 10 pp132);

2. Seguro de saúde que a Autora teve do ano de 2005 a ano de 2009 (que deixou de liquidar atentas as dificuldades económicas que se faziam sentir) senão veja-se no movimento bancário no valor de €669,73 (seiscentos e sessenta e nove euros e noventa e três cêntimos) datado de 27.03.2007 (DOC 11 pp15), totalizando, ao longo dos 5 (cinco) anos a quantia global sacada à conta solidária, de €3.348,65 (três mil trezentos e quarenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos).

De forma, curiosa e consistente não existe qualquer tipo de documentação (faturação, declarações para efeitos fiscais) que sustentem as alegações da autora quanto ao elevado rendimento do estabelecimento. Exceto a fls. 179 do processo crime encontra-se junto um balancete com valores de Agosto/2017 a Dezembro/2017 que refere compras de apenas € 2.833,54 em cinco meses. Percorrendo o enorme acervo documental desta ação não se encontra outro documento contabilístico que faça luz sobre os fluxos financeiros do estabelecimento da autora. Até para intentar a presente ação a autora indicou como rendimento exclusivo.

Na falta de qualquer suporte documental e considerando que mesmos os extratos da conta bancário até 2011 (cujo saldo não mereceu qualquer reparo por parte da autora quando levantou a totalidade do saldo), entende-se que não existe prova fiável sobre os rendimentos da peixaria.

A carta de despedimento do réu encontra-se junta como doc. 2 da contestação.

No seu depoimento de parte BB aceitou que o estabelecimento de peixaria é da sua mãe aqui Autora e confirma que apenas ele tinha acesso, por homebanking, à conta do Banco 1... identificada nos autos e que habitualmente era ele que se deslocava ao Banco e só excecionalmente - levantamento de PPR ou aplicações que implicassem a assinatura da Autora - é que a mãe o acompanhava. Reconheceu igualmente que era ele que procedia ao depósito do dinheiro relativo ao apuro da peixaria que lhe era entregue pela mãe e que em 2017 levantou da conta identificada na P.I. € 1.500,00 bem com as quantias referidas em DD e EE do art.º50º, em numerário. Reconheceu ainda que não declarava às autoridades tributárias a totalidade do rendimento da peixaria.

A autora AA, admitiu que foi titular de uma conta bancária na Banco 3... e outra no Banco 4.... E que os extratos bancários do Banco 1... relativos à conta identificada na P.I. foram durante anos para a sua morada. Mais admitiu também que as suas contas pessoais, sobretudo após a morte do marido em 2011, eram pagas com dinheiro da peixaria.

Reconheceu que após ter recebido ordem de despejo e durante o prazo de 40 dias que tinha para recorrer, o filho comprou o apartamento na ... e que só o viu no dia em que se mudou para lá.

Mais reconheceu que procedeu ao empréstimo da quantia de € 40.000,00, provenientes de um levantamento em numerário, à sua filha.

A autora mostrou-se sagaz e assumiu a falta de confiança que depositava no filho e ainda uma maior desconfiança em relação a terceiros.

Resta apreciar a prova testemunhal produzida:

HH (comerciante de peixe e fornecedora da peixaria da autora) referiu que a Autora e o filho lhe compravam peixe, e que a partir de dada altura a autora telefonava a encomendar o peixe que o BB recolhia.

A mãe e o filho trabalharam juntos alguns anos juntos até 2017. A autora manifestou vontade de comprar um apartamento para acabar conflitos com a senhoria, mas a testemunha não demonstrou conhecimento direto e concreto sobre as circunstâncias que envolveram a aquisição do imóvel em discussão nos autos.

A testemunha II, (foi funcionário do Banco 1...) conhece a autora do Banco 1.../Banco 5..., referiu que ela acompanhava o filho em deslocações ao banco. Esclareceu que certas operações bancárias tinham de ser feitas e assinadas presencialmente no balcão, como por exemplo o resgaste de um PPR.

Aliás, a autora no seu depoimento revelou que conhecia a testemunha e tinha à vontade suficiente para o instar acerca da ausência de extratos bancários em papel. A explicação apresentada pela autora sobre este conhecimento (ida ao cinema) foi desmentida com veemência pela testemunha.

FF (empregada de uma loja próxima da peixaria da autora e empregada da peixaria aos sábados) descreveu o réu como uma pessoa rude para com a mãe.

Confirmou que a autora não sabe utilizar um cartão de crédito. Mais afirmou que o apuro da peixaria (retirado o dinheiro necessário para pagar aos fornecedores) era entregue ao Réu BB para depositar. Para dar uma ideia do apuro diários falou em bacias cheias de dinheiro.

Não se duvida que a testemunha ajudasse a autora, mas também não se olvida que esta referiu que embora há muito tempo não tivesse confiança no filho, mas não queria empregadas.

GG (filha da autora e incompatibilizada com o irmão) referiu que a mãe após o BB ter ido embora continuou a trabalhar sozinha, e a poupar cerca de € 1.000, 00/1.500 mensais, que entregava à filha em numerário para esta guardar para que não chegasse ao conhecimento do filho. A depoente esclareceu que pagou integralmente à mãe um empréstimo de €40.000,00 que esta lhe fez e que é detentora de uma quantia de cerca de € 60.000,00 que pertencem única e exclusivamente à mãe.

No que diz respeito, à aquisição da peixaria e negócios apenas sabe o que a mãe lhe contou. Mas reconheceu que todos viviam muito bem e que a peixaria podia faturar até €600 – € 900 diários. Infelizmente não esclarece quando porquanto a fls. 179 do processo crime encontra-se junto um balancete com valores de Agosto/2017 a Dezembro/2017 que refere compras de apenas € 2.833,54 em cinco meses. Curiosamente, a filha da autora e as amigas/colaboradora não fazem eco das afirmações vertidas na p.i. segundo as quais no início de 2010 a A. ter solicitado ao R. BB para procurar trabalho noutro local, pois o lucro da peixaria já não era o mesmo e pode extrapolar-se que não precisava de duas pessoas a trabalhar para o volume de vendas que tinha e que os rendimentos não comportavam o pagamento de dois salários, sendo que autora já tinha requerido a sua aposentação. Até para intentar a presente ação a autora indicou como rendimento exclusivo a sua reforma enquanto a sua filha indica os valores suprarreferidos.

JJ (amiga e vizinha da autora) reconheceu que foi poucas vezes à peixaria e descreveu o BB como malcriado. Berrava e tratava mal a mãe. O BB punha e dispunha e tinha a gaveta do dinheiro à disposição, facto que terá sido contado pela autora atendendo às escassas vezes que frequentou o estabelecimento.

KK (genro), referiu que não acompanhava os negócios da peixaria que se desenrolavam entre a sogra e o cunhado, mas achava que tinha muita clientela. Apesar do convívio familiar existente nunca se apercebeu que a sogra tivesse medo do filho. A sogra ficou muito triste por causa do dinheiro e agora é a mulher que guarda as poupanças da mãe, em numerário, para que irmão não receba nada quando a mãe falecer.

Afirmou ainda que o BB pôs em nome dele a casa que mãe lhe disse para comprar com o dinheiro dela.

Relativamente, ao facto de a autora ter incumbido de lhe comprar uma casa, é a própria demandante que refuta esta afirmação. O filho comprou uma casa que foi despejada, mas não agiu por determinação da mãe que nada lhe pediu ou solicitou.

Valorizou-se a afirmação espontânea deste membro da família, agente da GNR e como tal conhecedor, por razões profissionais, dos contornos de relações familiares abusivas quanto ao relacionamento entre mãe e filho.

LL (vizinho do Réu) descreveu uma relação mãe –filho como sendo normal, com visitas familiares ao fim de semana. Não sabe o faz a FF e BB trabalhava com a mãe e faz biscates.

MM (irmã da autora) declarou que se encontravam zangadas por causa da partilha de uns terrenos. Descreveu a irmã como uma pessoa que sempre entendeu tudo muito bem. E que a Tia NN, nos anos 90 lhe emprestou 1.500 contos para comprar a parte da peixaria ao seu sócio.

Esta tia tinha uma conta aberta na Banco 3... com a sobrinha.

OO (dona de uma de hortaliças no ...) descreveu a relação entre a mãe e o filho como normal. E salientou que nos últimos dez anos a procura e o volume de vendas caiu muito, aliás como a autora aceita na p.i..

PP (sogra do Réu) descreveu as relações entre o casal Réu e a autora como sendo normais, mesmo nas reuniões familiares. Mais referiu que o BB sempre fez biscates e que depois de deixar de trabalhar com a mãe dedicou-se à construção civil. A filha é costureira e abriu o atelier com o dinheiro que recebeu de uma indemnização. Não se lembra sequer do valor aproximado.

A testemunha mostrou-se muito inconsistente quanto ao recebimento da indemnização que recebeu e quanto ao montante, ainda que aproximado, da mesma.

Quanto aos demais factos não provados não se produziu prova adicional em julgamento”.

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Na alínea l) das conclusões de recurso insurge-se a apelante contra a decisão do ponto 17 dos factos julgados não provados.

Argumenta para o efeito que o “Tribunal a quo considerou dado como não provado o facto 17, mas ao mesmo tempo deu também como provado o facto 45 dos factos dados como provados, exatamente com a mesma redação, pelo que de acordo com as declarações da testemunha FF, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 31.05.2023, com início às 16h27 e fim às 16h35, entre o minuto 2.17 a 2.18, deve o facto 17 ser eliminado da matéria de facto dada como não provada da sentença, pelo motivo desse facto ter sido considerado como provado, e a testemunha FF ter dito que consumidor final pagava sempre em numerário na peixaria, cujas passagens se encontram transcritas supra nas alegações”.

No ponto 17, julgou-se não provado:

17. O consumidor final na compra do peixe pagava à A. sempre em numerário, e nem o estabelecimento da peixaria tinha sistema de pagamento em cartão de multibanco nem a A. aceitava pagamento em cheque bancário.

Efetivamente, no ponto 45, julgou-se o mesmo facto provado.

Trata-se de uma decisão obscura, porque não se percebe o significado da decisão, com clareza e segurança. Acresce que da fundamentação apenas se pode extrair que o facto se julgou não provado por carência de prova, pois apreciando a súmula dos depoimentos constata-se que nenhuma testemunha se pronunciou sobre os concretos factos.

Considera a apelante que perante o depoimento prestado pela testemunha FF deve alterar-se a decisão no sentido de passar a constar apenas o facto provado.

Sobre os factos em causa a testemunha referiu que passava na peixaria para conversar e trabalhava ao sábado. Diariamente, estava na peixaria das 08.00 às 09.00horas. Ao sábado, das 07 ás 15.30 h. Não se pagava com cartão MB. A autora não sabe usar o MB. No final do dia de trabalho era o réu que recolhia o dinheiro do apuro. Havia duas carteiras: uma para pagar ao fornecedor e outra do apuro.

Nenhuma outra testemunha foi confrontada com esta questão e o depoimento da testemunha FF revela-se muito vago, porque não era uma funcionária do estabelecimento, colaborando esporadicamente. Desconhece-se, assim, como se processavam os pagamentos pelo cliente final.

Conclui-se por manter o facto não provado, eliminando-se o ponto 45 dos factos provados.

Nas alíneas p) a u) das conclusões de recurso a apelante insurge-se contra a decisão dos pontos 14 e 26 dos factos não provados, pretendendo que os mesmos se julguem provados. Sustenta a alteração nos depoimentos das testemunhas JJ, GG e KK.

Argumenta para o efeito:

“q) Deveria o Tribunal a quo ter feito uma outra interpretação da matéria destes factos 14 e 26, ao abrigo das regras da experiência comum para tomar outra decisão.

r) Aliás, sobre esta matéria dos danos não patrimoniais, a testemunha GG, filha da Recorrente, nas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 10h02 e fim às 10h41, entre o minuto 22:51 a 27:29, declarou que em agosto de 2017 acompanhou a sua mãe ao Banco e a mesma ficou em estado de choque, quando aí lhe transmitiram que a sua conta bancária tinha um saldo total de apenas 1.494,97€, e que após isso a mesma passava imenso tempo a chorar, entrou em depressão, ficou fragilizada física e psicologicamente, com um desgosto enorme em ter perdido as poupanças de um vida.

s)A testemunha JJ, na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 11h09 e fim às 11h20, entre o minuto 5:32 a 6:30 e a testemunha KK, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 11h20 e fim às 11h49, entre o minuto 11:41 a 11:51 declararam também que a Recorrente ficou muito abatida, triste, desiludida, após saber que o seu filho lhe tivera subtraído as suas poupanças e reformas.

t) Entende-se ser totalmente verossímil, que por tal consequência, a Recorrente tenha sofrido, como ainda sofre, danos não patrimoniais, uma vez que não se tratou de meros incómodos, indisposições, preocupações ou arrelias, nem nada que se pareça, conforme muito se admira da convicção do Tribunal a quo (pág. 42 da sentença). A Recorrente sofreu danos não patrimoniais e graves, ficou fragilizada mentalmente e fisicamente, entrou em depressão, ao ponto de ponderar se suicidar, conforme pode testemunhar a sua filha GG, cujas declarações das testemunhas GG e JJ, encontram transcritas supra nas alegações.

Nos pontos 14 e 26 consignaram-se os seguintes factos:

14. Ficou a A. também a saber no mês de agosto de 2017 que o R. BB não depositava na referida conta bancária todas as quantias que lhe entregava em mão, resultantes do apuro diário e mensal do negócio da peixaria do Mercado ....

26. Desde que o seu Filho BB cortou relações consigo, em agosto de 2017, que a A. tem vivido angustiada, psicologicamente frágil, desmotivada, sempre com enorme receio de o seu Filho BB a despejar do respetivo imóvel que habita em ….

Nos depoimentos transcritos nas conclusões e motivação do recurso as testemunhas indicadas pela apelante não se reportam à matéria do ponto 14, motivo pelo qual tais depoimentos não justificam a alteração pretendida.

Acresce, como resulta da assentada, (ata inserida no sistema Citius a página 1367) que a autora “admite […]que as suas contas pessoais, sobretudo após a morte do marido em 2011, eram pagas com dinheiro da peixaria”.

Portanto, nem todos os valores que provinham da atividade da peixaria eram depositados na conta titulada pela autora e seu filho. Aliás, também resulta do ponto 12 dos factos provados, matéria que não foi objeto de impugnação, que o apuro da peixaria era aplicado na liquidação de despesas várias.

As testemunhas não revelaram ter conhecimento destes factos.

Conclui-se que a decisão não merece censura, nem a prova indicada pela apelante justifica a sua alteração.

Em relação ao ponto 26 dos factos julgados não provados, verifica-se que do depoimento das testemunhas, tal como se mostra transcrito e que se confirmou com a audição dos mesmos, que o estado de alteração psicológico não se ficou a dever ao corte de relações com o filho e receio de ser despejada.

As testemunhas atribuem tais emoções ao facto da autora tomar conhecimento que o filho se apropriou de dinheiro que era seu, mas tal matéria não consta do ponto 26 dos factos julgados não provados.

Conclui-se que a prova produzida e indicada pela apelante não justifica a pretendida alteração.

Nas alíneas v) a aa) das conclusões de recurso, a apelante insurge-se contra a decisão dos pontos 19 e 20, pretendendo a sua alteração com base nos documentos 12 e 34 junto com a petição.

Considerou-se não provado:

19. O R. BB ludibriou a sua Mãe, levando-a a assinar o requerimento de registo automóvel para a venda da viatura marca Mitsubishi ... de matrícula ..-..-PP, com o fundamento de que seria necessário adquirir uma viatura mais recente para o transporte do peixe.

20. A viatura que à data tinha um valor de mercado superior a 7.000,00€.

Considera a apelante:

“w) O Tribunal a quo considerou, erroneamente, que pelo facto de ter sido a Recorrente a assinar o requerimento de registo automóvel para a venda da referida viatura, não ficou demonstrado quanto à possibilidade do Réu BB a ter ludibriado para vender a viatura e se apoderar do valor da venda da mesma.

x)O Tribunal a quo não analisou devidamente a prova documental junto aos autos quanto a estes factos. A Recorrente apenas assinou tal requerimento pelo facto do seu filho Réu BB lhe ter dito que seria necessário vender a viatura para adquirir uma mais recente, e assinou o requerimento ainda sem estar identificado o comprador. Após a Recorrente ter assinado o requerimento, o Réu BB em vez de efetuar o que tivera prometido, i.e., vender a viatura para adquirir uma mais recente para a atividade da peixaria, acabou por a vender a si próprio a 04/08/2017, em data em que já sabia que deixaria a peixaria, como a deixou no mês de agosto de 2017, para posteriormente a vender a um terceiro a 15/01/2019 e se apoderar do dinheiro da venda da viatura.

y) Que sentido fazia transmitir a propriedade da viatura ao seu filho e a peixaria ficar sem viatura para a sua atividade? É, pois, totalmente crível que o Réu BB ludibriou a sua mãe, ora Recorrente, para que esta assinasse o requerimento automóvel para a venda da referida viatura e nessa sequência se apoderar o valor da venda, conforme assim fez e está documentalmente provado.

z) Deveria o Tribunal a quo, ao abrigo das regras da experiência comum e da prova documental (Docs. 12 e 34 juntos à p.i.), ter chegado a uma outra convicção e assim decidido pela condenação dos Réus a restituírem à Recorrente os 7.000,00€, sendo este o valor mínimo de mercado, à data, da viatura ou de outra com características semelhantes”.

O documento nº12 (composto por cinco folhas) – declaração de venda, título de registo de propriedade e anúncio de venda – não permite alterar a decisão, quando está em causa a prova do propósito de enganar.

Em relação ao documento nº 34 – cópia de página de site na internet com o valor dos veículos – não se justifica a alteração da decisão, pois nenhuma testemunha foi confrontada com a questão do valor de mercado do veículo. O documento constitui uma referência, mas não dispensa a avaliação do estado do veículo e nenhuma prova foi produzida sobre o estado de conservação do veículo e sobre o seu valor efetivo de mercado.

Não se questionou o valor probatório do documento autêntico, que faz prova plena dos factos que atestam, no caso, o registo de aquisição do veículo.

Desta forma, a prova indicada pela apelante não sustenta a alteração pretendida, mantendo-se os factos não provados.

Por fim, nas alíneas ff) a ii) das conclusões de recurso, insurge-se a apelante contra a decisão dos pontos 21 a 25 dos factos julgados não provados.

Pretende a apelante que se julguem tais factos provados e sustenta a alteração nos depoimentos das testemunhas GG, KK e HH.

Argumenta para o efeito:

“ff) Quanto aos factos interligados com a existência da titularidade da referida fração autónoma, sita na freguesia ..., Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., e da existência de um contrato de mandato, o Tribunal a quo considerou como não provados os factos enunciados sob os pontos 21, 22, 23, 24 e 25:

21. Quando o BB se encontrava a trabalhar na peixaria, aconselhou a sua Mãe, aqui A., a comprar um apartamento, uma vez que a mesma tinha dinheiro amealhado da exploração da peixaria e das reformas para o adquirir e assim evitaria os problemas que vinha a ter com a sua senhoria.

22. A A. aceitou o conselho do seu Filho BB, aqui R., e, confiando no mesmo, mandatou-o para tomar todas as diligências que entendesse necessárias com vista ao fim pretendido - adquirir um imóvel a favor da sua Mãe, aqui A., e de modo a esta o habitar.

23. O R. BB aceitou com prontidão tal incumbência, ficando assim mandatado pela sua Mãe nesse sentido.

24. O R. BB detinha e tinha acesso ao dinheiro da A. para a aquisição do imóvel.

25. O R. BB adquiriu o imóvel, sito em …, no Porto, com o dinheiro da A.

gg) Ao contrário da convicção que o Tribunal a quo criou, em momento algum a Recorrente refutou que não tivesse mandatado/pedido ao seu filho Réu BB para lhe comprar casa, ou que a mesma não tenha sido comprada com o seu dinheiro, uma vez que se encontrava com problemas com a sua Senhoria (vivia em arrendamento).

hh) Efetivamente ficou demonstrado pelas declarações da testemunha GG, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 10h02 e fim às 10h41, entre o minuto 2:59 a 31:48, pelas declarações da testemunha KK prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 11h20 e fim às 11h49, entre o minuto 16:19 a 18:05 e pelas declarações da testemunha HH, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 31.05.2023, com início às 16h09 e fim às 16h18, entre o minuto 0:39 a 5:41 e entre 7:19 a 8:49, que a Recorrente pediu (na verdade o Réu BB já bem sabia que teria de comprar uma casa para a sua mãe, com o dinheiro desta) ao Réu BB, para adquirir uma casa própria para si e sendo ele quem controlava o saldo e as poupanças da conta da Recorrente, teria mais capacidade para tal operação, tratar, analisar a documentação, encontrar o imóvel ideal, marcar escritura e adquirir tal propriedade a favor da Recorrente e pagar com o dinheiro desta”.

A interpretação da prova produzida, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova não merece censura e os depoimentos das testemunhas, indicadas pela apelante, não justificam a alteração pretendia.

A autora/apelante, em síntese, referiu que tinha “problemas com a senhoria, porque a senhoria não fazia as obras, porque chovia como na rua. Deram-lhe 40 dias para recorrer. Nesse período o filho comprou o apartamento e foi viver para essa casa. Comprou o apartamento não me deu consentimento. Queria ficar na casa com obras. Só soube [da compra do apartamento] no dia em que mudou. Vamos recorrer a tribunal e ele disse que não, mas não lhe disse para comprar. Foi viver para o apartamento sozinha. Só soube da compra no dia em que fizeram a mudança”. Voltou a reafirmar que: “disse que devia recorrer e tinha o prazo de 40 dias. O filho disse que não”.

A autora não admitiu que incumbiu o filho de procurar uma casa e comprar essa casa para a sua habitação, usando dinheiro seu, apesar de devidamente inquirida sobre a questão.

A testemunha HH referiu que em “ano [que] não sabe, talvez 2017, a autora tinha um conflito com a senhoria. O réu comentou com a testemunha vou comprar uma casa. A minha mãe tem dinheiro e compra-se uma casa para a mãe ali residir. Não tinha necessidade de ter conflitos com a senhoria”.

Questionada a testemunha sobre se a autora concordava, disse: “eu acho que sim, porque tinha muito conflitos com a senhoria”.

Referiu, ainda, que “mais tarde o réu deixou de ir buscar o peixe. O réu não foi buscar o peixe e mandou o peixe pelo QQ. Não sabia o que se tinha passado. Afinal ele comprou a casa e a casa está no nome dele. Como eu soube outras pessoas na lota souberam. No ... todos sabiam. Afinal o BB fez isto à mãe”.

A testemunha nada revelou saber sobre um eventual acordo entre a autora e o réu com vista à compra da casa pela autora. Transmite, com conhecimento direto, uma conversa que manteve com o réu, mas não revelou ter qualquer conhecimento da real vontade da autora. Acresce que o depoimento por ouvir dizer, não merece qualquer relevo, porque não assenta no conhecimento direto dos factos.

Trata-se, assim, de depoimentos indiretos e tal aspeto é determinante para avaliar do seu valor probatório.

A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção.

Os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos, como acontece no caso concreto.

Extrai-se do depoimento da testemunha, com um mínimo de segurança e certeza, que a autora carecia de uma casa para habitar e que o filho se revelou preocupado em resolver tal situação.

A testemunha GG (filha da autora e irmã do réu) começou por afirmar que falava com a mãe todos os dias e o que sabe resulta do que a mãe lhe contou.

Referiu que: “a senhoria foi para tribunal e a mãe perdeu a ação. Tinha 40 dias para deixar a casa. A mãe disse que deu indicação ao irmão para comprar a casa. Disponibilizou a sua casa que estava à venda para a mãe. O irmão disse não vamos recorrer então tens que comprar uma casa”.

Referiu que “o irmão sugeriu a venda do apartamento à mãe. O irmão disse que ficaria no nome dele, por causa do trabalho dele. Não aceitei. A mãe só ia pagar água, luz e gás”. Disse, ainda, que o “réu comprou o apartamento em nome dele”.

Referiu, também que “contou à mãe o que se tinha passado”.

A testemunha não revelou ter qualquer conhecimento do alegado acordo entre a autora e o réu, com vista à compra de um apartamento. Revelou ter conhecimento da proposta que o réu, seu irmão, lhe apresentou e que recusou e nada referiu quento ao envolvimento da autora nessa proposta de negócio. Tudo leva a crer que contou posteriormente à mãe, mas também se desconhece qual foi a reação da autora.

Perante o desconhecimento dos factos em causa, o depoimento não merece qualquer relevância.

A testemunha KK, genro da autora e marido da anterior testemunha, referiu que a autora recebeu do “senhorio ordem de despejo. Tinha 40 dias para abandonar a casa e ficou atormentada e pediu ao BB para comprar uma casa. O réu apresentou uma proposta para comprar a casa da irmã, para a mãe ficar com o apartamento para viver, mas seria registado em nome do réu. Não aceitaram”.

Referiu, ainda, que “depois o réu comprou um apartamento na zona de …, onde mora a mãe. Registou em nome do réu”. Referiu, ainda, que “a autora teria aplicações na ordem dos € 100000,00, quando pretendia comprar o apartamento”.

A testemunha não revelou ter qualquer conhecimento do alegado acordo entre a autora e o réu sobre a aquisição de um apartamento. Apenas a testemunha referiu que a autora estava interessada em comprar um apartamento, sendo certo que a própria não o afirmou.

Desta forma, o desconhecimento dos factos impede que se possa atribuir qualquer relevo ao depoimento da testemunha.

Em conclusão, não resulta do depoimento das testemunhas, nem da restante prova produzida, que a autora pretendia comprar um apartamento, nem ainda, a existência de um acordo entre autora e réu para efeitos de concretizar tal negócio, motivo pelo qual não se justifica a pretendida alteração da decisão de facto.

Pelo exposto, procedem em parte as conclusões de recurso sob as alíneas f) a mm) e nessa conformidade elimina-se o ponto 45 dos factos provados e o ponto 16 dos factos julgados não provados.


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- Mérito da causa -

Na apreciação das restantes questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados, com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão:

1. Em 1996, a Autora estabeleceu-se por conta própria, enquanto empresária em nome individual, na exploração de uma peixaria situada no Mercado ..., na cidade do Porto, denominada “C...;

2. A A. contratou como seus funcionários os Réus (de ora em diante RR.) - o seu filho BB, e a companheira deste, CC.

3. Foi aberta uma conta bancária destinada ao exercício da atividade comercial, com o n.º ..., na Agência ..., posteriormente transferida para a agência 1..., do agora insolvente Banco 1... (Banco 1...), onde eram depositadas quantias resultantes do apuro do negócio da peixaria da A.

4. Tratava-se de uma conta bancária integrada com a respetiva conta à ordem e contas poupança (ns.º... e ... e ... - Aplicações a Prazo), mais valores mobiliários e ainda com um PPR (Produtos de Capitalização).

5. A conta bancária com o número ... relativa ao IBAN  ..., foi aberta no balcão de ..., tendo como originária a conta bancária com o IBAN  ... e número de conta ..., uma conta bancária coletiva solidária no balcão ... do, à data, Banco 2..., SA. em que figuravam como titulares Autora e Réu.

6. A. não sabe trabalhar com cartões multibanco.

7. Com a abertura da referida conta bancária foi emitido um cartão multibanco referente a essa conta, que ficou na posse do R. BB, tendo ainda o mesmo acesso à conta bancária pela internet banking para liquidar despesas.

8. Parte das quantias do apuro diário e mensal da exploração da peixaria eram pela A. entregues em numerário e em mão ao seu filho BB, normalmente no final de cada dia de trabalho para o R. BB as ir depositar ao banco na conta bancária de que eram cotitulares.

9. O R. BB pagava por vezes a água, luz e renda de 92,00€ mensais da A. com o dinheiro da A. da referida conta bancária.

10. A A. tinha a conta bancária para que o seu filho R. BB pudesse pagar despesas relacionadas com a exploração da peixaria e pagar despesas pessoais da A. que fosse necessária ser paga por transferência bancária ou por cartão de multibanco e ainda para guardar as suas poupanças e reforma.

11. Na referida conta bancária a partir de junho de 2009 passou ser depositada a pensão velhice da A. e a partir de novembro de 2011 a pensão sobrevivência e o fundo de pensão B..., estas duas últimas pensões atribuídas à A. por consequência do falecimento do seu cônjuge.

12. Era o R. BB com o dinheiro do apuro da atividade da peixaria que procedia ao pagamento das despesas, nomeadamente os pagamentos da aquisição do peixe aos fornecedores, das licenças camarárias, dos serviços de água, luz, impostos, taxa social única (TSU) e de todas as demais despesas no âmbito do exercício da atividade da peixaria.

13. O R. BB efetuava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ....

14. Em outubro de 2010, a Autora entregou ao Réu, carta de despedimento por extinção de posto de trabalho.

15. No início de 2010 o lucro da peixaria já não era o mesmo.

16. O R. BB tratou da documentação para requerer e receber o subsídio de desemprego, não obstante ter continuado a trabalhar para a sua Mãe até ao dia 03 de agosto de 2017.

16. Em 09.09.2009, a Autora procedeu à transferência interbancária da quantia de €7.799,05 (sete mil setecentos e noventa e nove euros e cinco cêntimos).

b) Em 23.12.2010, a Autora assinou presencialmente, no balcão do Banco, o pedido de resgate de um PPR;

c) Em 11.10.2011, a Autora assinou presencialmente, no balcão do Banco, o pedido de resgate de PPR;

d) Em 31.05.2017 fez a Autora prova de Vida no balcão do Banco;

17. A Autora não tinha apenas esta conta bancária.

18. A A. veio a saber no mês de agosto de 2017 que conta bancária que era cotitular com o seu Filho R. BB apenas restava a quantia de 1.494,97€;

19. A A. a saber que a 03 de agosto de 2017 o R. BB procedeu a um levantamento de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) da conta;

18. A conta foi aberta em 1996 e já em outubro de 1999 possuía um saldo superior a 15 milhões de escudos, porquanto, montante na ordem dos 76.000,00€ (setenta e seis mil euros);

19. Em 01 de agosto de 2001 a conta bancária apresentava um saldo superior a 18 milhões de escudos, porquanto, montante na ordem dos 90.000,00€ (noventa mil euros);

20. Em janeiro de 2004 a conta bancária possuía um saldo de 113.117,12€ (cento e treze mil cento e dezassete euros e doze cêntimos), nomeadamente na conta à ordem 1.078,61€, aplicações a prazo (conta poupança) 92.038,51€, e Valores Mobiliários de 20.000,00€;

21. Em 12/08/2004 o saldo da conta bancária baixou para 99.073,07€ (noventa e nove mil e setenta e quatro euros e sete cêntimos);

22. Em 13/08/2004 os RR. retiraram da conta bancária da A. a quantia de 81.431,93€ (oitenta e um mil quatrocentos e trinta e um euros e noventa e três cêntimos);

23. Em 02/02/2005 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 800,00€ (oitocentos euros);

24. Em 25/02/2005 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 1.300,00€ (mil e trezentos euros);

25. Em 28 de fevereiro de 2005 a conta bancária já só demonstrava um saldo global de 29.602,00€ (vinte e nove mil e seiscentos euros);

26. Em 17/01/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 600,00€ (seiscentos euros);

27. Em 22/01/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros);

28. Em 07/03/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros);

29. Em 26/03/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 680,00€ (seiscentos e oitenta euros);

30. Em 01/11/2008 a conta bancária voltou a demonstrar um salvo superior a 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros).

31. Em 02/06/2010 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 274,86€ +39,01€, no total de trezentos e treze euros e oitenta e sete cêntimos, montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.

32. Em 04/06/2010 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 141,11€ (cento e quarenta euros e onze cêntimos), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.

33. Em 03/08/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 100,00€ (cem euros);

34. Em 28/08/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 100,00€ (cem euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A. - cf. Doc. 11 (fl. 29);

35. Em 01/09/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 380,00€ (trezentos e oitenta euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A. - cf. Doc. 11 (fl. 29);

36. Em 01/09/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 1.606,71€ (mil e seiscentos e seis euros e setenta e um cêntimo), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.;

37. Em 01/09/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.;

38. Em 02/10/2011 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 510,00€ (quinhentos e dez euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.;

39. Em 10/10/2011 verifica-se a entrada de 40.000,00€ (quarenta mil euros) provenientes da conta poupança (conta rendimento CR) para a conta à ordem da A;

40. Em 12/10/2011 verifica-se a entrada de 5.280,00€ (cinco mil euros) + 1.650,00€ (mil e seiscentos e cinquenta euros) + 2.960,00€ (dois mil novecentos e seiscentos euros) conta bancária à ordem da A. provenientes de contas tituladas pela R. CC e pelas suas filhas;

41. Em 12/10/2011 verifica-se a entrada de 8.497,33€ (oito mil quatrocentos e noventa e sete euros e trinta e três cêntimos) provenientes da conta poupança (conta rendimento CR) para a conta à ordem da A;

43. Foram ainda, feitos os seguintes movimentos:

a) Transferências interbancárias, em 16.05.2002, no valor de €368,70 (trezentos e sessenta e oito euros e setenta cêntimos) e de €28,78 (vinte e oito euros e setenta e oito cêntimos) ambas, da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1... 100%) para a conta solidária do Réu e da Autora, conforme se constata pela leitura e análise de extrato bancário da conta bancária dos Réus;

b) Transferências interbancárias, em 01.06.2002, no valor de €28,21 (vinte e oito euros e vinte e um cêntimos) da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1... 100%) e em 27.06.2002, no valor de €576,42 (quinhentos e setenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos) da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1... 100% POUPANÇA) ambas para a conta solidária do Réu e da Autora;

c) Transferência interbancária, em 06.03.2007, no valor de 2.000,00 (dois mil euros) da conta bancária dos Réus (CONTA Banco 1... 360º POUPANÇA) para a conta solidária do Réu e da Autora, da conta bancária dos Réus;

d) Transferência interbancária, em 14.11.2008, no valor de €1.225,00 (mil duzentos e vinte e cinco euros) provenientes de uma outra conta solidária em que eram titulares não só Réu e Autora como também o pai do Réu (marido da Autora) para a conta solidária de Réu e Autora;

e) Transferência interbancária, em 11.12.2008, no valor de €700,00 (setecentos euros) provenientes de uma outra conta solidária em que eram titulares não só Réu e Autora como também o saudoso pai do Ré (marido da Autora) para a conta solidária de Réu e Autora;

f) Transferência interbancária, em 08.07.2011, no valor de €1.115,00 (mil cento e quinze euros) provenientes de uma outra conta solidária (com o número de conta ...);

g) Transferência interbancária da conta dos Réus em 12.10.2011 no valor de €5.280,00 (cinco mil duzentos e oitenta euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

h) Transferência interbancária da filha dos Réus (neta da Autora) DD a 12.10.2011 no valor de €1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

i) Transferências interbancária da filha dos Réus (neta da Autora) EE a 12.10.2011, no valor de €2.960,00 (dois mil novecentos e sessenta euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

j) Depósito bancário em 10.09.2014 no valor de €1.260 (mil duzentos e sessenta euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

k) Depósito bancário em 10.10.2014 no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

l) Depósito bancário em 12.11.2014 no valor de €640,00 (seiscentos e quarenta euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

m) Depósito bancário em 11.12.2014 no valor de €700,00 (setecentos euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

n) Depósito bancário em 14.01.2014 no valor de €310,00 (trezentos e dez euros);

o) Depósito bancário em 12.03.2014 no valor de €530,00 (quinhentos e trinta euros) sendo que €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

p) Transferência interbancária da filha dos Réus (neta da Autora) EE a 25.02.2015 no valor de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) para a conta solidária do Réu e da Autora;

q) Depósito bancário em 11.09.2015 no valor de €950,00 (novecentos e cinquenta euros);

r) Depósito bancário em 20.11.2015 no valor de €820,00 (oitocentos e vinte euros) sendo que €500,00 (quinhentos euros);

s) Depósito bancário em 20.05.2016 no valor de €710,00 (setecentos e dez euros) sendo que €300,00 (trezentos euros);

t) Depósito bancário em 30.06.2016 no valor de €660,00 (seiscentos e sessenta euros) sendo que €250,00 (duzentos e cinquenta euros);

u) Depósito bancário em 27.07.2016 no valor de €210,00 (duzentos e dez euros);

v) Depósito bancário em 31.08.2016 no valor de €400,00 (quatrocentos euros) sendo que €250,00 (duzentos e cinquenta euros);

w) Depósito bancário em 30.09.2016 no valor de €200,00 (duzentos euros);

x) Depósito bancário em 29.11.2016 no valor de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros);

y) Transferência interbancária da conta dos Réus, a 22.12.2016 no valor de €88.500,00 (oitenta e oito mil e quinhentos euros) para conta solidária do Réu e da Autora;

z) Depósito bancário em 10.03.2017 no valor de €1.000,00 (mil euros) sendo que €500,00 (quinhentos euros);

44. Em 01/11/2011 acabou por se verificar uma diminuição drástica no saldo da conta bancária do A., ficando à ordem 4,34€ e somente 2.418,32€ no PPR.

45. Eliminado.

46. Foi pela Segurança Social transferido para a mesma conta bancária o subsídio por morte atribuído no montante de 3.777,27€ (três mil setecentos e setenta e sete euros e vinte e sete cêntimos.

47. Foi também transferido pela A... para a mesma conta bancária, até agosto de 2017, um fundo de pensão B..., na quantia global de 4.800,00€.

48. O R. BB foi trabalhador da sua Mãe, aqui A., durante 22 anos.

49. Em julho de 2007 a R. CC deixou de ser trabalhadora da A..

50. Desde que ingressou como trabalhador da A., o R. BB nunca foi sócio, nunca contribuiu com qualquer capital próprio para financiar a montagem do estabelecimento comercial, para a compra de peixe ou para o pagamento das despesas da atividade da peixaria.

51. Nunca a A. dividiu lucros com os RR. nem consentiu que estes fizessem suas quaisquer quantias resultantes da exploração da peixaria, à exceção dos seus ordenados, ou autorizou os RR. a utilizar as suas poupanças e o seu dinheiro para a aquisição de imóveis, móveis ou consumíveis.


*

- Factos não Provados:

Não se provaram mais factos alegados com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente que:

1. A A. nunca soube trabalhar com bancos, aplicações financeiras, nem investimentos, depositando confiança no réu.

2. Os documentos bancários que necessitassem da assinatura da A., era o próprio R. BB que os colocava à frente da sua Mãe, aqui A. para esta os assinar, ali mesmo, no seu local de trabalho no Mercado ....

3. E a A. assinava os documentos, que tivessem de ser assinados, sem perder tempo a lê-los, pois depositava confiança nos conhecimentos do seu filho BB, aqui R.

4. Entregando, assim, depois o R. BB os documentos assinados no balcão da agência do referido Banco, além de que o R. BB assinava também documentos bancários em nome da própria mãe, aqui A.

5. As despesas regulares, essenciais e necessárias da A., nomeadamente as de alimentação, água potável, produtos de higiene e de limpeza, vestuário e calçado, despesas em saúde, luz, renda, entre as demais despesas eram pela A. predominantemente pagas em numerário, retirando as quantias estritamente necessária para o pagamento destas despesas em proveito próprio e pessoal, que resultavam do apuro diário e mensal da exploração da peixaria.

6. Todos os movimentos da respeitante conta bancária sempre foram efetuados pelos RR..

7. Era o R. BB que escolhia os profissionais para assessorar a atividade da peixaria, nomeadamente contabilistas, mediadores de seguros, fornecedores de peixe, serviços técnicos, entre outros.

8. Em outubro de 2004, a A., por indicação do R. BB, montou uma nova peixaria de peixe congelado em ... em Vila Nova de Gaia para a companheira deste.

9. A mesma foi custeada com o dinheiro proveniente da exploração da peixaria no Mercado ... pertencente em exclusivo à A., sendo que ao fim de cerca de um ano os RR. acabaram por trespassar a referida peixaria de peixe congelado de Vila Nova de Gaia, cessando assim a atividade da mesma em agosto de 2005.

10. O R. BB comprometeu-se a apresentar contas e a devolver à sua mãe, aqui A., as quantias utilizadas e arrecadadas com tal negócio, mas o certo é que até à presente data ainda não o fez, permanecendo em sua posse tais quantias.

11. Comprometeu-se ainda o R. BB a devolver à sua mãe 100.000,00€ (cem mil euros) que retirou da conta bancária da A. e de que era cotitular. O R. BB controlava todas as transações referentes a despesas e lucros da exploração da referida peixaria no Mercado ....

12. No início de 2010 a A. solicitou ao R. BB para procurar trabalho noutro local.

13. O R. BB não se prontificou a procurar trabalho, mantendo-se por sua imposição e sua iniciativa a trabalhar para a sua mãe até ao final do mês de julho de 2017, tendo abandonado o trabalho somente no dia 03 de agosto de 2017 em virtude de uma discussão.

14. Ficou a A. também a saber no mês de agosto de 2017 que o R. BB não depositava na referida conta bancária todas as quantias que lhe entregava em mão, resultantes do apuro diário e mensal do negócio da peixaria do Mercado ....

15. Durante vários anos os extratos de conta bancária não foram remetidos para a residência da A., mas antes para a residência dos RR., por ordem do R. BB, cotitular da conta e os que eram anteriormente remetidos à A. em envelope, era o próprio R. BB que abria os envelopes e guardava os extratos bancários em sua casa.

16. Eliminado.

17. O consumidor final na compra do peixe pagava à A. sempre em numerário, e nem o estabelecimento da peixaria tinha sistema de pagamento em cartão de multibanco nem a A. aceitava pagamento em cheque bancário.

18. Em julho de 2007 a R. CC deixou de ser trabalhadora da A., tendo ficado desempregada durante vários anos e sem auferir qualquer rendimento.

19. O R. BB ludibriou a sua mãe, levando-a a assinar o requerimento de registo automóvel para a venda da viatura marca Mitsubishi ... de matrícula ..-..-PP, com o fundamento de que seria necessário adquirir uma viatura mais recente para o transporte do peixe.

20. A viatura que à data tinha um valor de mercado superior a 7.000,00€.

21. Quando o BB se encontrava a trabalhar na peixaria, aconselhou a sua mãe, aqui A., a comprar um apartamento, uma vez que a mesma tinha dinheiro amealhado da exploração da peixaria e das reformas para o adquirir e assim evitaria os problemas que vinha a ter com a sua senhoria.

22. A A. aceitou o conselho do seu filho BB, aqui R., e, confiando no mesmo, mandatou-o para tomar todas as diligências que entendesse necessárias com vista ao fim pretendido - adquirir um imóvel a favor da sua mãe, aqui A., e de modo a esta o habitar.

23. O R. BB aceitou com prontidão tal incumbência, ficando assim mandatado pela sua mãe nesse sentido.

24. O R. BB detinha e tinha acesso ao dinheiro da A. para a aquisição do imóvel.

25. O R. BB adquiriu o imóvel, sito em …, no Porto, com o dinheiro da A.

26. Desde que o seu filho BB cortou relações consigo, em agosto de 2017, que a A. tem vivido angustiada, psicologicamente frágil, desmotivada, sempre com enorme receio de o seu Filho BB a despejar do respetivo imóvel que habita em ….

27. A. A. receia que o seu Filho R. proceda ao corte do fornecimento dos serviços essenciais do respetivo apartamento onde reside sozinha em …, nomeadamente da água, luz e demais serviços.

28. A Autora, pediu a reforma antecipada em 2009 para evitar a liquidação da retribuição da segurança social.

29. O despedimento do Réu teve também como objetivo dar resposta à contenção de custos que a época exigia, evitando-se, desta forma, o pagamento da contribuição para a segurança social.

30. Quanto aos €38.000,00 (trinta e oito mil euros) remanescentes dos €78.000.00 (setenta e oito mil euros) sacados por cheque em 14.10.2011, foram os mesmos investidos, quase na sua totalidade, nas obras de restauro da casa de ... propriedade a Autora, com o artigo matricial nº ... e melhor descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob nº ... da freguesia ....

31. Aquando da altercação em julho de 2017 entre a Autora e o Réu, depois do Réu dizer “Vou-me embora e não contes mais comigo!”

32. A Autora ripostou e disse “Vais e aproveita e leva a carrinha que não preciso dela nem de ti para nada” e atirou-lhe o requerimento que estava guardado na banca.

33. A Autora não quis a chave do veículo e ainda lhe deu o requerimento para alteração do registo de propriedade.

34. Em 12/01/2010 os réus retiraram da conta bancária da A. a quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros).

35. Em 13/10/2011 os RR. de uma só vez retiraram do PPR da A. a quantia de 19.651,37€ (dezanove mil seiscentos e cinquenta e um euros e trinta e sete cêntimos) e transferem para a conta à ordem da A.

36. Em 14/10/2011 verifica-se que os RR. retiraram da conta bancária da A. a quantia de 78.000,00€ (setenta e oito mil euros), montante este que nunca mais foi reposto na conta da A.

37. Entre os gastos efetuados pelos RR., em proveito próprio e exclusivo, com os fundos integralmente propriedade da A. incluem-se:

1) uma fração autónoma, designadamente um apartamento, sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

2) duas frações autónomas, designadamente um apartamento e um lugar de garagem, sitos na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

3) uma fração autónoma, designadamente um apartamento, sito na Rua ... e na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

4) uma Moradia independente, comprada nova, com rés do chão, andar e logradouro, sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Gaia;

5) duas frações, designadamente um apartamento e um lugar de garagem, sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho do Porto;

6) o recheio de uma loja situada em ... onde a R. CC explora um pequeno atelier de costura ;

7) A peixaria de peixe congelado em ..., Vila Nova de Gaia;

8) Um veículo automóvel, marca Opel, de matrícula ..-..-HA;

9) Um veículo automóvel, marca Opel, de matrícula ..-..-TZ;

10) Um veículo automóvel, marca Ford, de matrícula ..-..-SJ;


-

- Da restituição das quantias em depósito bancário -

Nas conclusões de recurso, sob as alíneas nn) a ww) e iii) a jjj), mmm), ooo) a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que fixou o montante que os réus devem restituir à autora, por entender que também devem restituir o valor das reformas, subsídios e fundos, no montante global de € 84 630,56.

Na sentença os réus foram condenados a restituir à autora a quantia de € 41 000,00, fundamentando-se a decisão, como se passa a transcrever:

Importa então, apreciar a titularidade dos valores que se encontravam depositadas na conta bancária n.º ..., integrada com a respetiva conta à ordem e contas poupança, valores mobiliários, nomeadamente pagos pela Segurança Social, relativas a subsídios e pensões de reforma e pagas pela A..., relativas ao fundo de pensão B... e um PPR, desde que a conta foi aberta no agora insolvente Banco 1... (Banco 1...).

A conta bancária em apreço nestes autos - conta bancária e os produtos financeiros existentes - podia ser movimentada com a assinatura de qualquer dos titulares, tratando-se, por conseguinte, de uma conta plural solidária.

Subjacente a tal conta bancária está um contrato de depósito bancário – depósito de fundos ou de disponibilidades monetárias, sendo uma operação passiva de crédito. Algumas são as teorias doutrinais sobre a natureza e qualificação jurídica deste contrato. Entende-se que estamos perante um contrato específico (sui generis) cuja regulamentação é integrada pelas suas regras próprias, e subsidiariamente pelas normas aplicadas ao contrato de depósito e de mútuo. Aquele depósito bancário, no fundo, para além da função da guarda e possível remuneração das somas monetárias confiadas ao banco, tem fundamental interesse socioeconómico, pois através da mobilização de poupanças, permite o financiamento de atividades e de investimentos destinados ao desenvolvimento da sociedade. As contas bancárias na sua tríplice vertente de quadro contabilístico, de instrumento jurídico de regularização de créditos recíprocos e de expressão dos diversos tipos de operações sucessivamente realizadas, podem ser qualificadas segundo vários critérios, mormente o número de titulares. E sob este critério podem apresentar-se como contas singulares ou individuais ou coletivas, conjuntas ou solidárias. Concretamente, e no que respeita a contas coletivas - de titularidades de mais de um sujeito – temos que a conta bancária conjunta é aquela para cuja movimentação a débito se exige a atuação unitárias de todos os seus titulares (contas indivisas já que a prestação do banco, embora divisível (dinheiro) não pode ser fracionada, por vontade do mesmo banco). Ao lado deste tipo de conta bancária temos a conta bancária solidária, onde os seus titulares, indistinta e isoladamente, a podem movimentar livremente a débito, v.g. exigindo ao banco a prestação integral, ou seja, o reembolso de a quantia que lhe foi entregue.

Com efeito as contas solidárias obedecem ao regime jurídico das obrigações solidárias previsto no n. º1 do art.º 512.º do Código Civil, ou seja, “A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles”. E é a segunda parte deste preceito que “in casu” nos interessa - solidariedade ativa - já que nestas contas cada um dos titulares goza da faculdade de poder exigir ao banco todo o saldo disponível.

Por fim, cumpre ainda salientar que o regime da solidariedade só existe se for convencionado entre o banco e as partes plurais, cf. art.º 513.º do Código Civil, todavia não se exige que a declaração de vontade assuma a forma de uma declaração expressa, basta que a vontade de solidariedade se manifeste sob a forma de declaração tácita, cf. art.º 217.º do Código Civil.“Revertendo ao caso em apreço, a conta bancária é uma conta bancária coletiva solidária tendo como titulares a autora e o réu. Mas como é sabido, uma realidade é a titularidade da conta bancária, e outra, distinta, é a propriedade dos fundos nela, depositados, podendo estes ser, no limite, todos propriedade de apenas um dos titulares, ou de ambos, e mesmo assim, em variadíssimas proporções.

Ora, o que se pretende apurar é da efetiva propriedade dos fundos depositados na conta bancária em apreço nos autos, já que é omisso a esse respeito o acordo ou a relação jurídica de que resultou a abertura da respetiva conta. Nascendo assim o presente litígio do facto de a autora defender que os mesmos era sua propriedade exclusiva. Esta é uma questão atinente às relações internas nas obrigações solidárias.

E quanto a ela preceitua o art.º 516.º do C. Civil que “nas relações entre si se presume que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.

E assim sendo, aquele que pretender afirmar a propriedade exclusiva dos valores monetários depositados em conta bancária coletiva solidária, tem de ilidir a presunção constante do art.º 516.º do C.Civil, (presunção juris tantum, a ilidir mediante prova em contrário, cf. art.º 350.º, n.º 2 do C.Civil – de que esses valores pertencem em partes iguais aos cotitulares) ou seja, tem de alegar e provar que os valores pecuniários não pertencem em partes iguais aos ditos cotitulares, que pertencem tão só a um deles, na totalidade ou a ambos mas em proporções diversas. Todavia, “in casu” encontra-se demonstrado que pelos menos as quantias relativas ao pagamento de pensões, subsídios pagos pela segurança social eram propriedade exclusiva da autora. Também, é crível que a maioria dos depósitos em numerários resultem do exercício da atividade comercial da autora. Pode, pois, afirmar-se que que autora era proprietária da quase totalidade das quantias depositadas, embora, não fosse possível determinar a exata proporção.

Da análise cuidada da documentação, verificou-se a existência de movimentos a crédito feitos pelos réus (que se encontram elencadas nos art.º 154º, da contestação) seguidos de movimentos a crédito. Todavia, essa movimentação não invalida a conclusão chegada quanto a titularidade dos fundos existentes na conta bancária n.º ... (Banco 1.../Banco 5...) em Agosto de 2017.

O mandato civil corresponde a uma das mais antigas formas de cooperação e resolve-se no contrato pelo qual uma das partes se obriga, gratuitamente ou mediante retribuição, a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra, que, por qualquer motivo, não quer ou não pode praticá-los pessoalmente (art.º 1178.º nº 1 do Código Civil).

Se entendermos aplicar a esta relação jurídica a regra do mandato, impõe-se assinalar que na sua configuração mais típica, o assunto ou negócio que é objeto da gestão pertence ao mandante, sendo este o titular da necessidade a cuja satisfação se dirige a atividade do mandatário.

Nos seus traços descritivos gerais, o mandato é um contrato consensual, sinalagmático imperfeito e supletivamente gratuito: a lei não sujeita o mandato a nenhuma forma solene; no caso de ser gratuito, as prestações a que o mandante se encontre vinculado não equivalem às adstrições do mandatário; o mandato presume-se oneroso quando é exercido no âmbito da profissão do mandatário (art.º 1157.º e 1158.º, nº 1, do Código Civil).

O mandato implica, para o mandatário, uma prestação de facere: a prática de um ou mais atos jurídicos - por conta da outra (art.º 1157.º do Código Civil). É elemento essencial do contrato de mandato que o mandatário esteja obrigado, por força do contrato, a praticar um ou mais atos jurídicos (art.º 1157.º do Código Civil). A natureza do seu objeto - prática de atos jurídicos é, de resto, o que o mandato tem de específico em relação aos demais contratos de prestação de serviço. Esse ato jurídico é um ato alheio, o que faz com que o mandato surja nitidamente como um contrato de cooperação jurídica entre sujeitos e, além disso, um contrato gestório (art.º 1161.º, b), do Código Civil).

É igualmente elemento essencial do mandato que o mandatário atue por conta do mandante. Um negócio jurídico é praticado por conta de outrem, sempre que os seus efeitos ou parte deles se devam projetar ou repercutir na esfera jurídica de pessoa que nele não interveio. Por conta de outra, significa que os atos a praticar pelo mandatário se destinam à esfera do mandante.

Note-se, porém, que por conta de não significa no interesse de: o mandato pode ser exercido contra os interesses do mandante, mas nem por isso deixará de haver mandato

É certo que o mandatário está adstrito a obrigações de informação, relativa à gestão que empreendeu, e de comunicação (art.º 1161.º, b) e c) do Código Civil). A obrigação de prestação de contas que vincula o mandatário se verifica, quer o mandato seja representativo quer não.

Se o mandatário não cumprir voluntariamente qualquer destas obrigações, pode ser-lhe exigido judicialmente que as cumpra, mas através de ação de processo comum, nunca através do processo especial de prestação de contas: este processo destina-se, unicamente, a resolver o conflito sobre o saldo da conta, o que pressupõe que a execução do mandato se repercutiu na esfera patrimonial do mandatário e do mandante, através da constituição de créditos e de dívidas recíprocas que, por força do atuação do mecanismo da compensação, dá lugar a um saldo final exigível. Aquele que reclamar a prestação de contas ha de, pois, alegar, de modo concludente e concretizado, que a execução do mandato teve repercussões ou reflexos patrimoniais na esfera do mandante e do mandatário, nos termos indicados.

Perante este quadro sempre se poderá dizer que a autora ficou ciente do saldo da conta bancária quando juntamente com o seu filho, 14 de Outubro de 2011, de uma só vez procederam ao levantamento de uma quantia que rondava os 78.000,00€ (oitenta mil euros). Deste valor, o réu reconhece que detêm 40,000,00 euros que não lhe pertencem.

Acresce que a autora, que se deslocava ao banco quando a sua presença física se justificava e recebia extratos bancários, apenas reclamou quanto ao saldo e aos movimentos da conta bancária depois de cortar relações com o filho em 2017, nomeadamente quando apresentou a queixa crime que deu origem ao inquérito – processo crime: 2374/18.8T9PRT (autuação: 14/02/2018) que correu termos no Ministério Público - DIAP - 6.ª Secção do Porto, e que mereceu um despacho de arquivamento contra o qual não reagiu (como resulta da cópia do processo apensa a estes autos).

Pode, pois, considerar-se que pelo menos até Outubro de 2011 a autora entendeu que o seu filho estava a cumprir corretamente o mandato que lhe conferiu. Aliás, nem o réu prestou contas nem a autora lhas exigiu. Esta relação mandante-mandatário confunde-se com uma relação familiar muito próxima, no âmbito exercício de uma atividade comercial, em que não estavam fixados os salários da autora e do réu, e cujo lucro era destinado ao sustento da casa da autora e do reu, sem prejuízo das poupanças que poderiam constituir.

Resulta dos autos que a conta em questão era alimentada pelas pensões da autora e pelos rendimentos da peixaria e que servia para pagar as despesas da autora (tais como a renda, água, luz, etc.), encargos da peixaria e a retribuição do BB. Salienta-se que na data em que o Réu deixou de trabalhar com a mãe não ficou nenhum pagamento por realizar ou divida por saldar.

No que concerne ao cumprimento das obrigações para com as Autoridades Tributárias o padrão de conduta manteve-se inalterado antes e depois da saída do BB do estabelecimento de peixaria, ou seja, transações em numerário e rendimentos não declarados para efeitos fiscais.

Analisadas os extratos bancários não vislumbra qualquer situação anómala. Tratam de movimentos bancários conformes ao pagamento de despesas correntes do agregado familiar da autora, da retribuição do trabalho prestado pelo réu, ainda que seja através do pagamento de despesas do seu agregado familiar, e das despesas da atividade comercial desenvolvida. Enfatiza-se que é perfeitamente natural e justo que o réu visse o seu trabalho remunerado.

Mesmo a transferência de a crédito de CC (ré e nora da autora) no montante de € 88.500,00, seguida de movimento a débito de igual montante, é uma operação normal, tendo em consideração que a conta em causa era titulado pelo réu, e já foram identificadas outras situações semelhantes. Em síntese, só se consegue apurar com rigor que o réu tem em seu poder a quantia de e 41.000 euros que pertencem à sua mãe e que, como tal, lhe deve restituir”.

Confrontando os factos provados com o direito aplicado conclui-se que a sentença fez uma correta análise dos factos à luz do direito, sendo por nós acolhida tal via de interpretação e análise.

Pretende a autora/apelante que os réus/apelados devem restituir o valor das reformas, subsídios e fundos que a autora auferiu, no montante global de € 84 630,56.

Como decorre da fundamentação da decisão constituía um ónus da autora alegar e provar, por constituir fundamento do direito que se arroga (art.º 342º/1 CC) que os valores depositados a título de reformas, subsídios e fundos se mantiveram intocados ao logo destes anos, o que não resulta dos factos provados.

Acresce que resulta dos factos provados - pontos 9 e 10 - que os valores em depósito na referida conta bancária também eram utilizados para suportar os gastos e despesas pessoais da autora.

Refira-se, ainda, que a apelante apesar de se insurgir contra a decisão não imputa à mesma qualquer erro na aplicação do direito.

Nas alíneas iii) e jjj) das conclusões de recurso, a apelante sustenta que perante os factos apurados sob os pontos 22 e 27 assistia à autora o direito à restituição da soma de € 106 431,93.

Cumpre ter presente os factos apurados:

22. Em 13/08/2004 os RR. retiraram da conta bancária da A. a quantia de 81.431,93€ (oitenta e um mil quatrocentos e trinta e um euros e noventa e três cêntimos);

27. Em 22/01/2007 foi retirada da conta bancária da A. a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros);

Como se pode constatar dos factos em causa, apenas se provou que os réus retiraram a quantia de € 81 431,93. Não resulta provado que foram os réus quem retirou o valor de € 25 000,00.

Contudo, na sentença considerou-se regular o exercício do mandato por parte do réu até ao ano de 2011, decisão contra a qual a apelante não se insurgiu. O movimento em causa e indicado no ponto 22 ocorreu em data anterior a 2011, portanto no período em que o réu exerceu de forma regular o mandato que lhe foi conferido pela autora, não sendo por isso, de imputar qualquer responsabilidade.

Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão que fixou o montante a restituir na quantia de € 41 000,00.

Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.


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- Restituição do valor do veículo -

Nas conclusões de recurso, sob as alíneas ggg) a hhh), a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que julgou improcedente a pretensão de restituição do montante de € 7000,00.

Contudo, a apelante insurge-se contra a decisão no pressuposto da alteração da decisão de facto. Mantendo-se a decisão de facto inalterada e não se insurgindo contra a solução de direito, não cumpre reapreciar a decisão.

Improcedem nesta parte as conclusões de recurso.


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- Da propriedade do imóvel -

Nas alíneas kkk) a lll) das conclusões de recurso, a apelante considera que a sentença cometeu um erro de julgamento na determinação da matéria de facto e de condenação e subsunção das normas jurídicas, quanto aos pedidos formulados na petição, sob as alíneas f), g), h), i), j).

Na sentença os pedidos em causa foram julgados improcedentes, com os fundamentos que se transcrevem:

“Também em relação à aquisição do imóvel sito na Rua ..., ..., R/C Esq. – Bairro ..., ..., Porto, com valor de mercado na ordem dos 70.000,00€ (setenta mil euros), o réu BB agiu na veste de mandatário da aqui Autora.

Invoca ainda, subsidiariamente a figura do enriquecimento do enriquecimento sem causa.

[…]

Apreciando o pedido da autora relativo ao reconhecimento do facto de o R. BB ter agido como mandatário da A. e em consequência ser declarado que a A. é a verdadeira proprietária exclusiva da fração autónoma designada pela letra “U”, com entrada pelo n.º ... da Rua ... e sobre a fração que é um lugar de estacionamento designado pela letra “P”, ambas as frações pertencentes ao prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ns.º ..., ..., ..., ... e ... e Praça ..., n.º ..., na freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., refere-se singelamente que autora refutou que alguma vez tivesse confiado ao filho a tarefa de lhe encontrar uma nova casa, ou seja, que o tivesse incumbido de praticar os atos materiais e jurídicos necessários à aquisição de uma habitação própria para a autora habitar.

[…]

O enriquecimento sem causa não será apreciado atenta a sua natureza subsidiaria”.

A apelante requereu a reapreciação da decisão de facto, em relação aos factos que sustentam os pedidos indicados sob as alíneas f), g), h), i), j).

A reapreciação foi julgada improcedente, mantendo-se como não provada a matéria em causa (pontos 21 a 25 dos factos julgados não provados).

Desta forma, não logrando a autora provar o contrato de mandato, como era seu ónus (art.º 342º/1 CC) não pode ser imputado aos réus, ou apenas ao réu, o seu incumprimento e responsabilidade pelo não cumprimento, o que determina a improcedência dos pedidos, tal como se fez constar nos fundamentos da decisão.

Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.


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- Dos danos morais -

Nas alíneas ee) a ff) das conclusões de recurso, a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de indemnização com fundamento em danos morais, pretendendo que lhe seja arbitrada uma indemnização no montante de € 30000,00.

Na sentença julgou-se improcedente a pretensão da autora, por se entender que: “[o]s danos de natureza não patrimonial cuja compensação é reclamada pela autora também não pode ter acolhimento: não só porque esses danos não se provaram, e os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações não são indemnizáveis”.

Confrontando os factos provados e tendo presente a natureza da indemnização não merece censura a decisão.

Tendo presente o art.º 496º/1CC são indemnizáveis, a título de danos morais, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e a indemnização, neste âmbito, visa compensar o dano sofrido, pois pela sua natureza o dano não é suscetível de restituição natural.

A avaliação desta gravidade tem que ser feita segundo um padrão objetivo e em função da tutela do direito[13]. É orientação já consolidada na jurisprudência, aquela segundo a qual os meros transtornos, incómodos, desgostos, preocupações ou contrariedades, não justificam, por falta da necessária e suficiente gravidade objetiva, a atribuição de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais[14].

Contudo, como também tem sido entendido na jurisprudência, dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Trata-se de um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação[15].

Em conformidade com o nº4 do art.º 496º CC o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º do CC.

Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica[16].

Por outro lado, tem a jurisprudência defendido que na quantificação do dano, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado[17].

No recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, “o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”[18].

Deve atender-se, assim, nos termos do art.º 496º/4 CC, conjugado com o art.º 494º CC, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, do lesado e do titular de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas, podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência[19].

No caso concreto, a autora não logrou provar os factos que configuram um dano que pela sua gravidade mereça a tutela do direito em sede de danos não patrimoniais.

Desta forma, não merece censura a sentença quando julgou improcedente o pedido.

Improcedem as conclusões de recurso sob as alíneas eee) a fff).


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- Litigância de má-fé -

Nas conclusões de recurso, sob as alíneas xx) a ddd) e ppp), a apelante insurge-se contra o segmento da decisão que condenou a apelante como litigante de má-fé.

Com relevo para a apreciação do incidente e por referência à data da propositura da ação, consideraram-se provados os seguintes factos:

- que a autora se deslocava presencialmente ao banco e recebia os extratos de conta;

- que em outubro de 2011 tinha conhecimento do saldo exato da conta, cujo levantamento promoveu;

- que não encarregou o seu filho de lhe comprar uma habitação, mais concretamente, a fração autónoma designada pela letra “U”, com entrada pelo n.º ... da Rua ... e sobre a fração que é um lugar de estacionamento designado pela letra “P”, ambas as frações pertencentes ao prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ns.º ..., ..., ..., ... e ... e Praça ..., n.º ..., na freguesia ....

A apelante insurge-se contra os factos que sustentam a decisão, pretendendo que se considere que não resultam dos autos e da prova produzida.

Argumenta para o efeito:

yy)A Recorrente, na sua conduta processual não referiu que “nunca tinha ido ao Banco”, o que alegou foi que “raramente se deslocou ao Banco”, o que é diferente! Está mais que demonstrado, através da matéria dada como provada na sentença, que era o Réu BB que se deslocava ao Banco, e só muito raramente, numa ou noutra vez, a Recorrente o acompanhou.

zz) Por outro, no artigo 44 da sua petição inicial, a Recorrente alegou que: “durante vários anos os extratos de conta bancária não foram remetidos para a residência da A., mas antes para remetidos à A. em envelope, era o próprio R. BB que abria os envelopes e guardava os extratos bancários em sua casa”. Ou seja, não alegou que: “nunca tinham sido remetidos para sua casa”, o que alegou foi que: “durante vários anos os extratos de conta bancária não foram remetidos para a residência da A.” É diferente.

aaa) Salvo o devido respeito, não faz sentido a condenação da Recorrente por litigância de má-fé, referindo-se a MMª Juiz do Tribunal a quo ao levantamento efetuado a 14/10/2011, no valor de 78 mil euros. Foi o próprio Réu que declarou que foi sozinho ao banco levantar o dinheiro e guardou-o em sua casa, - audiência de discussão e julgamento no dia 31.05.2023, com início às 10h33 e fim às 12h18, entre o minuto 30:57 a 32.

bbb) Não tendo o Réu BB devolvido o dinheiro à Recorrente, nem a Recorrente o acompanhou ao Banco nesse dia, para levantar os supostos 78 mil euros, o certo é que a Recorrente nunca soube ao certo o saldo exato da conta, nunca soube.

ccc)Por fim, a Recorrente já referiu nas alegações do presente Recurso de Apelação, que através das declarações da testemunha GG, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 10h02 e fim às 10h41, entre o minuto 28:59 e 31:48, pelas declarações da testemunha KK, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 19.06.2023, com início às 11h20 e fim às 11h49, entre o minuto 16:19 a 18:05 e pelas declarações da testemunha HH, prestadas na audiência de discussão e julgamento no dia 31.05.2023, com início às 16h09 e fim às 16h18, entre o minuto 3h31 a 5h44, que a Recorrente pediu (na verdade o Réu BB já bem sabia que teria de comprar uma casa para a sua mãe, com o dinheiro desta) ao Réu BB, para adquirir uma casa própria para si e sendo ele quem controlava o saldo e as poupanças da conta da Recorrente, teria mais capacidade para tal operação, tratar, analisar a documentação, encontrar o imóvel ideal, marcar escritura e adquirir tal propriedade a favor da Recorrente e pagar com o dinheiro desta.

A apelante não indica prova que sustente a alteração dos factos e a prova que indica, quanto à questão de saber em que circunstâncias foi adquirida pelo réu a casa onde atualmente reside, não releva para alterar a decisão, como se demonstrou na apreciação da impugnação da decisão de facto, com argumentos que aqui se reproduzem.

Acresce que resulta da assentada face ao depoimento da autora apelante e relativa à matéria indicada na contestação do Réu BB:

“A Autora admite que foi titular de uma conta bancária na Banco 3... e outra no Banco 4.... ---

Admite que os extratos bancários do Banco 1... relativos à conta identificada na P.I. foram durante anos para a sua morada.---

Admite também que as suas contas pessoais, sobretudo após a morte do marido em 2011, eram pagas com dinheiro da peixaria. ---

Admite que após ter recebido ordem de despejo e durante o prazo de 40 dias que tinha para recorrer, o filho comprou o apartamento na ... e que só o viu no dia em que se mudou para lá.---

Mais reconhece que procedeu ao empréstimo da quantia de € 40.000,00 provenientes de um levantamento em numerário à sua filha”.

A apelante não questiona as declarações contidas na assentada, valendo as mesmas como prova plena dos factos ali consignados, já que se trata de declarações confessórias.

Conclui-se que os factos apurados resultam da prova produzida.

Considera, porém, que “não poderia ter sido condenada em litigância de má-fé, porque não agiu ou teve uma conduta dolosa ou gravemente negligente, litigou, pois, com a devida correção, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material, na prossecução e conduta processual ou substantiva”.

Na análise da questão não podemos deixar de ter presente o enquadramento e inserção no sistema do instituto em causa – “litigância de má-fé” -, no sentido de conseguir conciliar a faculdade de usar dos meios judiciais para fazer valer os “supostos” direitos, com a responsabilidade por lide temerária.

O Professor ALBERTO DOS REIS referia a este respeito:

“Dizemos “supostos”, porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exercício do direito de ação ou de defesa que o autor ou o réu sejam realmente titulares do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “quem tem razão”; ou, por outras palavras, só é lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objetivamente fundadas.

Só na altura em que o tribunal emite a sentença, é que vem a saber-se se a pretensão do autor é fundada, se a defesa do réu é conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da ação ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm razão e aos que a têm.

O Estado tem, pois, de abrir o pretório a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão à verdade e à justiça”[20].

E na análise do instituto, nas considerações gerais, referia ainda, com mais propriedade: “[…] uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão”[21].

PEDRO DE ALBUQUERQUE no seu estudo sobre litigância de má fé, salienta que:“[a] proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de atuar de boa fé. A virtualidade específica da má fé processual é outra diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial”[22].

A lei enuncia no art.º 542º CPC as situações que qualifica como litigância de má-fé, considerando para esse efeito que litiga de má fé, quem com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

A lei especifica, assim, os comportamentos processuais suscetíveis de infringir os deveres de boa fé processual e de cooperação. Integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.

Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo[23].

Os comportamentos processuais são sancionados quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário, podendo por isso fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave[24].

Repetidamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta”[25], porque a lei impõe que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

No caso presente considerou-se na sentença que a conduta da apelante/autora se integrava na previsão do art.º 542º/2/b) CPC: alteração da verdade dos factos (pessoais e do conhecimento da autora).

Como se referiu integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.

No caso concreto os factos considerados revelam que a autora alterou a verdade dos factos em manifesta violação do princípio da boa-fé processual, agindo com conhecimento da falta de fundamento dos factos que alegou, assumindo a sua conduta a forma de negligência grave e por esse motivo é de concluir que litiga de má-fé.

A apelante não se insurge contra o montante arbitrado a título de multa e demais efeitos da condenação, pelo que nesta parte não cumpre reapreciar a decisão.

Pelo exposto improcedem as conclusões de recurso sob as alíneas xx) a ddd) e ppp).


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Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pela apelante, pois a parcial alteração da decisão de facto não resulta da reapreciação da prova e ocorre por facto imputável à própria autora/apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.


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Custas a cargo da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.

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Porto, 23 de setembro de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Teresa Fonseca
Anabela Morais
______________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2008, pág. 295.
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 662.
[4] Neste sentido se pronunciaram, entre outros, Ac. Rel. Porto de 5 de novembro de 2018, Proc.3737/13.0TBSTS.P1, Ac. Rel. Coimbra de 24 de abril de 2012, Proc. 219/10.6T2VGS.C1, Ac. Rel. Coimbra 27 de maio de 2014, Proc. 1024/12.0T2AVR.C1, Ac. Rel. Porto 05 de fevereiro de 2024, Proc. 2499/21.2T8PNF.P1, todos estes disponíveis em www.dgsi.pt e ainda, o Ac. STJ de 23 de janeiro de 2020, Proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1, CJ, Acórdãos do STJ, ano XXVII, tomo I/2020, págs. 13/16, Ac. STJ 22 de junho de 2022, Proc. 2239/20.3T8LRA.C1.S1, Ac. STJ 03 de novembro de 2023, Proc. 835/15.0T8LRA.C4.S1, acessível em www.dgsi.pt .
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil- Recursos nos Processo Especiais e Recurso no Processo de Trabalho, 7ª edição atualizada, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 354-355
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 240.
[7] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pág.77.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pág. 78.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pág. 467-468.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[10] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.
[11] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[12] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.
[13] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 500-501.
[14] Cf., entre outros. Ac. STJ, de 12/10/73, In B.M.J., n.º 230, p. 107 e de 18/11/75, In B.M.J., n.º 251, p. 148 e da Rel. Lisboa, de 02/02/2006, Proc. nº 10931/2005-6, de 12/09/2006, Proc. nº 239/2006-7, de 12/12/2006, Proc. nº 6315/2006-7 e de 20/10/2005, Proc. nº 1082/2005-8, da Rel. Porto, de 16/11/2006, Proc. nº 0635990 e de 17/11/2005, Proc. nº 0534807 e da Rel. Coimbra de 13/03/2007, Proc. nº 667/05.3TBGRD.C1, de 10/10/2006, Proc. nº 667/06.6YRCBR, e de 26/04/2005, Proc. nº 27/05, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[15] Ac. do S.T.J., de 24 de maio de 2007, processo n.º 07A1187, acessível em www.dgsi.pt.
[16] Ac. STJ 10 de setembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Ac. STJ 10 de setembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Ac. STJ 23.09.2008 e Ac.22.10.2009 disponíveis em www.dgsi.pt.
[19] Ac. Rel. Porto de 07 de julho de 2005 - JTRP00038287 - www.dgsi.pt.
[20] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil- Anotado, vol. II, pág. 258-259.
[21] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil- Anotado, vol. II, pág. 261.
[22] PEDRO DE ALBUQUERQUE Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, ed. Almedina, Coimbra, 2006, pág. 56.
[23] PEDRO DE ALBUQUERQUE Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, ob. cit., pág. 52.
[24] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 308.
[25] Ac. STJ 18 de fevereiro de 2015, Proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1, www.dgsi.pt; Ac. STJ 11Fev 2015, Proc. 1392/05.0TBMCN.P1.S1, www.dgsi.pt.