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EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
EXPROPRIAÇÃO TOTAL
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - Na apreciação dos requisitos da expropriação total, prevista no art. 3.º/2 do Código das Expropriações, não basta uma qualquer diminuição dos cómodos, sendo necessário que eles sejam afectados com gravidade. II - No confronto entre a expropriação total e a indemnização prevista no art. 29.º do Código das Expropriações, impõe-se ao julgador a verificação prévia sobre a suficiência da indemnização, como meio idóneo para garantir o ressarcimento do proprietário, e a exigência de que o recurso à expropriação total somente ocorra se, face às circunstâncias do caso concreto, constatar que a primeira opção é insuficiente para o efeito. III - Em caso de expropriação de que resultem partes sobrantes, se o relatório pericial, devidamente interpretado, observar de forma fundamentada as exigências previstas no art. 29.º do Código das Expropriações, deve ser concedida a indemnização que nele foi proposta, mesmo que, em lugar dela, os expropriados tenham requerido a expropriação total. IV - Não podem ser atendidos no recurso factos não alegados nem debatidos em primeira instância e quanto aos quais não tenha sido observado pela recorrente o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC. V - No valor da justa indemnização deve ser sempre considerada a actualização prevista no 24.º/1 do Código das Expropriações e de acordo com as especificações decididas no Acórdão para Fixação de Jurisprudência do STJ nº 7 de 12 de Julho de 2001.
Texto Integral
Acção Comum: 2304/22.2T8STS.P1
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
RELATÓRIO.
Nos presentes autos de processo especial de expropriação judicial por utilidade pública, em que é expropriante a entidade IP – Infraestruturas de Portugal, S.A., com sede na Praça ..., ... Almada, titular do cartão de pessoa coletiva n.º ..., e expropriados, AA e mulher, BB, versa-se a adjudicação da parcela de terreno designada pelo n.º ..., destinada à realização da obra “EN 14-Maia (Via Diagonal) / Interface Rodoferroviário da Trofa”, com a área de 7.264 m2, a destacar do prédio rústico sito na União de Freguesias ... e ..., concelho da Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º ....
Realizada a arbitragem, quer a expropriante, quer os expropriados interpuseram recurso da decisão proferida pelo coletivo arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 52.º e ss. do Código das Expropriações, para o tribunal de primeira instância.
Após tramitação legal, que incluiu a elaboração de relatório pericial e a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos, foi proferida sentença que, entre o mais, julgou procedente o pedido de expropriação total formulado pela entidade expropriada e decidiu fixar em € 34.403,00 a indemnização devida, a pagar pela entidade expropriante à entidade expropriada, pela referida expropriação total do prédio.
Inconformada, a entidade expropriante, IP – Infraestruturas de Portugal, S.A., veio interpor recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, da referida sentença, na parte em que julgou procedente o pedido de expropriação total.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:
I. Não podemos concordar com a sentença proferida pelo douto tribunal a quo, na parte em que decreta a expropriação total.
II. Apenas podem justificar a expropriação total a diminuição não proporcional dos cómodos oferecidos pela parte sobrante ou a perda objetiva para os expropriados do interesse económico nos cómodos assegurados pela parte restante.
III. A parte sobrante nascente mantém as condições de acesso de que dispunha antes da expropriação.
IV. Não obstante a sua configuração, após a expropriação, ser a de uma faixa estreita e alongada, tal não limita ou impossibilita o uso e exploração que vinha sendo dado ao prédio à data da publicação da DUP.
V. Apesar de não concordarmos com a atribuição de uma indemnização, dado se manter o seu aproveitamento económico possível, aceita-se a desvalorização proposta pelos Srs. Peritos para esta parte de 50%, a qual conduz a uma indemnização de 1.732,80 € (50% x 2,40€/m2 x 1.444m2).
VI. Quanto à parte sobrante poente, com a área de 5.232m2, discorda-se em absoluto da sua expropriação, bem como da atribuição de qualquer indemnização por alegada, mas não verificada, desvalorização.
VII. Na realidade, esta parte sobrante não vê alterada a sua topografia que era caraterizada por um forte declive.
VIII. Por outro lado, a sua área e dimensões, permitem manter inalterada a sua exploração como florestal.
IX. Não se vislumbrando, mesmo, qualquer redução de produção ou aumento de encargos.
X. A falta de acesso direto não é motivo bastante para a expropriação desta parte sobrante, uma vez que conforme solução apontada pelos peritos, pode sempre recorrer-se à constituição de uma servidão de acesso através de prédios vizinhos.
XI. Na zona envolvente existem inúmeros terrenos similares às ora áreas sobrantes, igualmente acessíveis através de caminhos de servidão, o que denota que não se verificará qualquer desvalorização sensível, continuando a ter a mesma utilização e potencialidades.
XII. Deste modo, não se vislumbram motivos para a expropriação total, dado o uso, destino, condições topográficas e demais caraterísticas destas partes sobrantes.
XIII. Pelo que, deverá ser anulada a decisão de expropriação total de ambas as partes sobrantes contidas na sentença.
XIV. Quanto à parte sobrante nascente, a perícia forneceu elementos que
permitem determinar a indemnização pela sua desvalorização, no valor de 1.732,80€.
XV. Quanto à parte sobrante poente, uma vez que a perícia é insuficiente quanto à determinação do custo necessário para constituição de servidão de passagem através de prédios vizinhos, deve ser ordenado aos peritos que complementem o seu lado, quantificando em termos de custos, a solução que preconizaram.
Concluiu pedindo que, pela procedência da apelação, seja revogada a sentença em crise, com as respectivas consequências legais.
Não foi apresentada resposta ao recurso pela contraparte.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido pela forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635º/4 e 639º/1 do CPC).
Assim sendo, importa em especial apreciar:
a) se os factos apurados são suficientes e idóneos para a procedência do pedido de expropriação total (conclusões I a IV e VII a XIII);
b) na negativa, determinar se deve fixar-se a indemnização no valor de € 1.732,80 pela desvalorização da parte sobrante nascente (conclusões V e XIV);
c) e, bem assim, quanto à parte sobrante poente, se deve ser recusada a atribuição de qualquer indemnização por desvalorização (conclusão VI) ou, não sendo esse o caso, se deve ser ordenada a realização de diligências probatórias para a fixação dessa indemnização, designadamente, a determinação aos Srs. peritos tendo em vista o complemento do seu relatório, de modo a que sejam quantificados tais custos (conclusão XV).
Deve ainda tomar-se em consideração que, embora restringido à parte da sentença que julgou procedente o pedido de expropriação total, o recurso interposto pela expropriada, em caso de procedência, total ou parcial, levará à alteração do valor da indemnização global decidido em primeira instância, pois que fixado por referência também à expropriação das partes sobrantes.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Em sede de factualidade relevante considerada pela primeira instância, nenhum ponto foi colocado em crise no recurso, embora a recorrente tenha alegado a existência de outros factos, cujo conhecimento por este Tribunal da Relação será averiguado mais adiante.
Assim, sem prejuízo da eventual consideração dessa alegação, está apurada nos autos a seguinte matéria factual, extraída da decisão recorrida e que não foi impugnada pelas partes: 1. Por despacho proferido pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa, identificado com o n.º 4482/2021 e publicada no D.R., II série, nº 85, de 3 de maio de 2021, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, à execução da obra ..., em ..., concelho da Trofa, da parcela de terreno designada pelo n.º ..., destinada à realização da obra “EN 14-Maia (Via Diagonal) / Interface Rodoferroviário da Trofa”, com a área de 7.264 m2, a destacar do prédio rústico sito na União de Freguesias ... e ..., concelho da Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º ..., a confrontar do norte com CC, do sul com DD, do nascente e do poente com a parte restante do prédio. 2. Foi conferida posse administrativa à referida parcela em 18.08.2021. 3. A entidade IP – Infraestruturas de Portugal, S.A. procedeu ao depósito global de € 20 620,78 (vinte mil seiscentos e vinte euros e setenta e oito cêntimos. 4. Por despacho exarado nos autos em 08.08.2022, a parcela descrita no facto provado 1 foi adjudicada à entidade expropriante. 5. A referida parcela resultou desanexada de prédio situado no lugar ..., da UF ..., do concelho da Trofa, e encontra--se enquadrada pela EN ... e EN..., que atravessam o centro da cidade de Trofa, do qual dista cerca de 1,4km. 6. O solo é de origem xistosa, com camada com muito saibro e pedaços de xisto alterado, e o terreno integra uma vasta área de vocação florestal, predominantemente de eucaliptos, limitada a poente por área integrada em aglomerado urbano. 7. A sua pendente é acentuada no sentido poente / nascente, e é apenas acessível por um estreito caminho, em saibro, que liga à Rua ..., a cerca de 50m a nascente. 8. De acordo com a Planta de Ordenamento do PDM em vigor, o solo do prédio de onde é desanexada a parcela expropriada tem a classificação e qualificação seguintes: - Solo Rural: -- Categoria funcional / - Espaço Florestal -- Sub - categoria (uso dominante) - Área Florestal de Proteção. 9. De acordo com a Planta de Condicionantes do PDM, constitui-se como Património Natural – Recursos Ecológicos – Reserva Ecológica Nacional. 10. A parcela é delimitada a sul por muro meeiro em pedra de xisto sobreposta sem aglomerante, assumido como sendo uma benfeitoria. 11. Da divisão do prédio, por efeito da expropriação parcial, a área não expropriada ficou distribuída por duas parcelas separadas:
- Uma parcela, a nascente da futura via, com a área de 1.444m2, correspondente a uma estreita faixa com largura média aproximada de 10m, confinante a nascente com uma linha de água, a qual mantém exatamente as mesmas condições de acesso direto ao caminho.
- A outra parcela, a poente da futura via, com a área de 5.232m2, que, por força da divisão do prédio, deixou de ter acesso. 12. A parcela expropriada foi classificada em solo para outros fins. 13. Relativamente à referida parcela, considera-se o rendimento do seu aproveitamento florestal em € 720,00/ha x ano, fixando-se:
a) Produção de madeira em 20t/há x ano;
b) Despesas de exploração – 10%;
c) Valor da madeira – € 40,00/tonelada;
d) Taxa de risco associado à exploração – 3%. 14. Decorre do teor do relatório de avaliação pericial: “(…) Não obstante, na procura do consenso, foi considerado que, para efeitos desta avaliação, se deveria tomar como referência um aproveitamento económico possível, tendo por base o reordenamento de um eucaliptal como o existente à data DUP. Para a quantificação dos rendimentos adotou-se o método analítico, que permite estimar o valor do imóvel através da atualização do rendimento líquido do fluxo de bens e serviços gerados ao longo da vida útil do património em análise. O rendimento é determinado com base nos elementos de produção, considerados de acordo com a natureza do terreno (solo potenciado para exploração florestal), a sua situação (relativa proximidade de mercados consumidores), a sua configuração (regular, acesso por caminho público), a exposição solar e o clima (influência atlântica, elevada pluviosidade nos períodos de Outono e Inverno). Neste caso, o valor obtido por este método será necessariamente próximo do valor de mercado, uma vez que o interesse do mercado (procura), em face das condicionantes decorrentes do uso fixado no PDM, só é justificável no âmbito da ponderação do rendimento expectável decorrente da sua exploração florestal. (…). ” 15. Decorre, ainda, do teor do relatório de avaliação pericial:
“Correspondendo a parte não expropriada a cerca de metade da área total do prédio, seria de supor que o terreno continua a manter interesse económico. No entanto, quer pela redução de escala da exploração, quer pelos constrangimentos associados ao facto de - à data da avaliação e por maioria de razão à data da DUP – a parcela sobrante nascente ficar reduzida a uma faixa muito estreita e a parcela sobrante poente não dispor de acesso, os peritos entendem que, nessas circunstâncias, a fixação da justa indemnização deveria ter em conta a possibilidade de a aquisição pela Expropriante ser extensiva à totalidade do prédio – tudo como se tratasse de expropriação total. Não se revelando possível tal situação - aquisição total do prédio -, mas sendo também certo que o Direito tem respostas para as situações de “encrave absoluto”, o que importa é que, seja qual for a melhor solução encontrada para a servidão de passagem – necessariamente por um dos prédios vizinhos -, a parcela sobrante poente tem garantia de acesso, independentemente de quem venha a ser a iniciativa de o promover - neste caso a Expropriante. Nesta conformidade, os peritos fazem o enquadramento da depreciação das partes sobrantes nos termos seguintes: a) a ser admitida, no âmbito da expropriação, a aquisição da totalidade da área do prédio, atribui-se as parcelas sobrantes o valor unitário do terreno expropriado. b) Caso esteja garantida pela entidade Expropriante a servidão de passagem para a parcela sobrante poente, atribui-se às parcelas sobrantes uma desvalorização de 50%.” 16. Em consequência do descrito no facto provado 13, resultou fixado o valor unitário da parcela expropriada em € 2,40/m2. 17. Mais resultou fixada a desvalorização a atender quanto às partes sobrantes, descritas no facto provado n.º 11, e considerando que será reposto o acesso a parcela sobrante poente, pela entidade expropriante, em 50%. 18. E, em respeito à benfeitoria existente, nos termos descritos no facto provado n.º 10, considerando a existência de muro meeiro em pedra sobreposta de xisto, sem aglomerante, com a extensão de 94,7 metros, altura média de 1 metro e espessura de 0,5 metros, resultou fixado o seu valor por m2 em € 20,00, e o valor global em € 947,00. 19. Consta de escritura pública de compra e venda, realizada em 21.08.2019, tendo EE, por si e na qualidade de procuradora de FF, como vendedoras, e GG e HH, nas qualidades de sócios e gerentes da sociedade “A..., Lda”, ambos na qualidade representantes legais da sociedade comercial “B..., Lda”, compradora, a compra do prédio rústico denominado “...”, sito no lugar ..., União de Freguesias ... (... e ...), concelho da Trofa, descrito na Conservatória sob o número ..., e inscrito na matriz predial urbana, da referida freguesia, sob o artigo ..., pelo preço de € 60.000,00. 20. Consta de escritura pública de compra e venda, realizada em 20.08.2021, tendo II e JJ, como vendedores, e KK e LL, nas qualidades de compradores, a compra do prédio rústico denominado “...”, sito no lugar ..., União de Freguesias ... (... e ...), concelho da Trofa, descrito na Conservatória sob o número mil setecentos e um, e inscrito na matriz predial urbana, da referida freguesia, sob o artigo ..., pelo preço de € 75.000,00. 21. Não se encontra, à data, realizada qualquer obra que garanta o acesso da parte sobrante poente à via pública.
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O DIREITO.
Dispõe o art. 3.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº168/99, de 18 de Setembro, e sucessivamente alterado até 2008, que: 1 - A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de execução faseada e devidamente calendarizada, o qual não pode ultrapassar o limite máximo de seis anos. 2 - Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total: a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente. 3 - O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique qualquer dos requisitos fixados no número anterior.
Na interpretação deste preceito legal, o primeiro aspecto que merece indagação reside em saber se os requisitos previstos no nº2, als. a) e b), são de aplicação cumulativa ou alternativa, questão para a qual a resposta acertada é, segundo pensamos, a segunda.
Na verdade, é isso que, desde logo, resulta das expressões gramaticais usadas nas duas alíneas e, em especial, do emprego do pronome “se” no início de ambas, o que é claramente sugestivo no sentido de que qualquer uma delas constitui previsão susceptível de espoletar a aplicação da estatuição comum, i. é, a faculdade de o proprietário requerer a expropriação total.
No mesmo sentido, tem decidido este Tribunal da Relação do Porto, há longo tempo, desde pelo menos o Acórdão de 8/1/1996 (citado na obra Código das Expropriações Anotado, de Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, ed. 2003, p. 38, por referência ao BMJ, nº453, pág. 562) até, bem mais recentemente, ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/5/2014, tirado no processo nº6614/05.5TBMTS.P1, disponível na base de dados da Dgsi, onde a questão foi detalhadamente estudada, e que, aliás, foi citado na decisão recorrida.
Tal como vem sendo ainda preconizando pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, no seu Acórdão de 24/04/2013, disponível na mesma base de dados, e que, assertivamente, sentenciou que a norma do n.º 2 alarga a possibilidade de requerer a expropriação total, prevendo-se, agora, que o proprietário, além de a poder requerer quando a parte restante não assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, também a pode requerer quando os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente (cfr. processo 160/1999.L1.S1, sendo nosso, porém, o destacado).
Em segundo lugar, e com a maior importância para a decisão destes autos, a devida interpretação do preceito legal, agora no plano sistemático, convoca a apreciação, como é salientado nas alegações de recurso, do regime previsto no art. 29.º/2 do Código das Expropriações e que, em rigor, configura lugar paralelo ou figura afim da expropriação total.
De comum com esta, a circunstância de a previsão do referido art. 29.º/2 estar pensada para parcelas de um prédio não abrangidas pela declaração de utilidade pública, ou seja, para as denominadas expropriações parciais, cuja constituição determina a existência de fracionamento ou de partes sobrantes do imóvel que foi objecto de expropriação.
Todavia, em lugar de conceder a possibilidade de requerer o alargamento da área do prédio abrangida pela expropriação, o legislador contempla agora, em alternativa, a atribuição de uma indemnização autónoma ao proprietário, quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos.
O que, a nosso ver, denuncia de modo evidente a necessidade de definir qual o critério distintivo para a aplicação de um ou outro instituto.
Ora, se bem pensamos, esse critério não pode ser outro que não o da gravidade das consequências da expropriação parcial, que será assim decisivo na questão de recorrer à indemnização prevista no art. 29.º do CE ou, ao invés, à concessão da expropriação total, segundo a disciplina a que alude o art. 3.º do mesmo diploma.
Para além de, naturalmente, tal decisão depender também da iniciativa do expropriado, a qual, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3.º e 55.º do Código das Expropriações, é indispensável para que o tribunal lance mão da figura da expropriação total.
Ao passo que a indemnização por depreciação é configurada pelo legislador, simplesmente, como mais uma das componentes a considerar na fixação da justa indemnização devida pela expropriação, assim se compreendendo a determinação legal de que, nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública (art. 29.º/1 do Código das Expropriações).
Ora, no confronto entre as duas opções, que no mais dependem do mesmo circunstancialismo, parece evidente concluir, desde logo segundo critérios de razoabilidade na interpretação, que a exigência da gravidade das consequências tem de ser maior, comparativamente, para que se constitua o direito a requerer a expropriação total, daquela que será necessária para a atribuição da indemnização por depreciação.
Em primeiro lugar, tal asserção decorre do facto de, na expropriação total, o valor do ressarcimento ao proprietário ser tendencialmente bem mais significativo, visto que é calculado de forma uniforme sobre toda a extensão do prédio que foi objecto da declaração de utilidade pública.
Ao passo que, na indemnização específica prevista no art. 29.º/2 do Código, apenas é contemplado, em singelo, o montante da depreciação.
Em segundo lugar, e ainda mais importante, a aplicação do referido critério da gravidade, quanto às consequências no aproveitamento das partes sobrantes, para a opção entre um e outro instituto, resulta claramente dos efeitos que estão associados à expropriação total.
Na verdade, nesse caso, ao sacrifício imposto ao proprietário, resultante da expropriação, embora ressarcido com a justa indemnização, acresce ainda a oneração da entidade expropriante, mas agora sem ressarcimento, mercê dos encargos que lhe advirão quanto a uma parte do imóvel excluída da declaração de utilidade pública e de que ela não necessita.
Como lucidamente foi ponderado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/5/2014, acima citado, é necessário não esquecer, com efeito, que se para a realização da obra que determinou a necessidade da expropriação não foi indispensável a expropriação da totalidade do terreno, o mais provável é que a parte remanescente do terreno não abrangida pela declaração de utilidade pública não tenha qualquer interesse para a entidade requerente da expropriação e que, portanto, se ela tiver de ficar com essa parte remanescente do terreno, esta não lhe trará qualquer vantagem ou proveito, passando a constituir, na maior parte das situações, um terreno abandonado, sem interesse público e que só onerará a expropriante com mais despesas.
Neste quadro, afigura-se que as citadas considerações, sendo relevantes na interpretação da lei, determinam que, para a opção da expropriação total, a gravidade das consequências quanto ao aproveitamento das partes sobrantes deva ser claramente maior, em comparação com aquela que é requerida para a atribuição da indemnização por depreciação.
No mesmo sentido, cumpre salientar que a jurisprudência e a doutrina têm sido concordantes no reconhecimento da exigência de uma gravidade significativa, em termos de prejuízo na utilização dos cómodos sobrantes, para a aplicação da faculdade prevista no art. 3.º/2 do CE.
Assim, a título meramente exemplificativo, é possível citar, desde logo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/04/2013, acima citado, segundo o qual, aos pressupostos de que a lei faz depender a expropriação total do prédio – previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 3.º do CExp – subjaz, não a circunstância de os mesmos se verificarem na parte restante do prédio, ou mesmo dos prédios adjacentes, mas a perda de benefícios do expropriado em virtude da expropriação parcial se tornar mais gravosa (destacado nosso).
Tal como, agora em segunda instância, o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 21/03/2013, relativo ao processo nº3431/07.1TBMTS.P1, disponível na referida base de dados e que, sem hesitações, determinou que, na apreciação dos requisitos da expropriação total, não basta uma qualquer diminuição dos cómodos, sendo necessário que eles sejam afectados com gravidade (igualmente destacado nosso).
Paralelamente, a doutrina vem sublinhando a necessidade de uma perda grave dos cómodos ou utilidades (…) em consequência do fracionamento, em cuja determinação objetiva não poderá atender-se à mera eventualidade de um novo destino económico do bem nem a circunstâncias particulares atinentes apenas ao respetivo titular (cfr. Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações Anotado, 2.ª ed., págs. 33-34).
Destacando-se ainda, como manifestação evidente da maior exigência requerida para a procedência do pedido de expropriação total, em sede de consequências nefastas resultantes da constituição de uma expropriação parcial, a indicação doutrinal de que constitui condição essencial e decisiva do deferimento do mesmo, por exemplo, a perda da aptidão para a construção das parcelas sobrantes (cfr. Pedro Cansado Pais, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Ob. cit., p. 253).
Em face destas considerações, deve concluir-se, pois, pela existência de uma graduação crescente na gravidade nas consequências do fraciomanento, quanto ao uso das parcelas sobrantes, na questão de decidir entre a indemnização por depreciação e a expropriação total, sendo a segunda apenas justificada para o patamar mais grave dessas consequências.
O que impõe ao julgador, como consequência lógica, a verificação prévia sobre a suficiência da indemnização prevista no art. 29.º do CE, como meio idóneo para garantir o ressarcimento do proprietário, e a exigência de que o recurso à expropriação total somente ocorra se, face às circunstâncias do caso concreto, constatar que a primeira opção é insuficiente para o efeito.
Ora, esta diversa graduação da gravidade das consequências do fracionamento, para a aplicação da indemnização ou da expropriação total, reservando a segundo para os casos mais graves, se bem pensamos, não foi devidamente ponderada na decisão recorrida.
Com efeito, analisados os autos, constata-se que apenas dois factos serviram na decisão recorrida e, na verdade, atenta a factualidade provada, podem servir, para justificar a procedência do pedido de expropriação total:
a) quanto à parcela sobrante nascente, a circunstância de ficar reduzida a uma faixa muito estreita, correspondente à largura média de 10 metros; e
b) relativamente à parcela sobrante poente, a perda do acesso, mercê da expropriação, ao caminho que servia anteriormente a parcela expropriada.
Ressalvada a referência conclusiva, extraída do relatório pericial, sobre a redução de escala da exploração, nenhuma outra circunstância foi levada em consideração, porque realmente não existe nos autos, para justificar o provimento concedido ao pedido de expropriação total.
Como se pode perceber, com clareza, do seguinte excerto da decisão impugnada: Com efeito, todos os Srs. Peritos concluíram que, quer pela redução de escala da exploração, quer pelos constrangimentos associados ao facto de – à data da avaliação e por maioria de razão à data da DUP – a parcela sobrante nascente ficar reduzida a uma faixa muito estreita e a parcela sobrante poente não dispor de acesso, a fixação da justa indemnização deveria ter em conta a possibilidade de a aquisição pela entidade expropriante ser extensiva à totalidade do prédio, como se tratasse de expropriação total.
Pensamos, todavia, que aqueles dois factos são manifestamente insuficientes para ilustrar a especial gravidade que, como acima concluímos, é indispensável para a aplicação do disposto no art. 3.º/2 do CE.
Por um lado, porque eles não constituem arrimo bastante para o preenchimento da previsão de qualquer uma das alíneas daquela norma legal.
Pois nem a redução da largura de uma parcela para 10 metros, nem a perda de acesso da outra ao caminho de serventia, podem sustentar, desacompanhadas de outras circunstâncias relevantes, seja a conclusão de que a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, prevista na al. a), seja a asserção de que os cómodos assegurados pela parte restante não têm interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente, a que alude a al. b).
Devendo salientar-se a este propósito, desde logo no plano literal, que a primeira das referidas alíneas convoca um juízo de comparação entre as vantagens proporcionadas pelo imóvel antes e depois do fracionamento, enquanto a segunda pressupõe a eliminação total do interesse económico que o expropriado poderia obter dessas vantagens.
Sendo certo, porém, que quer a redução da largura da parcela sobrante, quer a perda de acesso ao caminho de serventia, por si só e sem outros elementos, não são bastantes nem para o sucesso do referido juízo de comparação, nem para concluir pela inutilização total do interesse económico que o expropriado poderia retirar do imóvel.
Por outro lado, e decisivamente, porque as demais circunstâncias relevantes do caso concorrem, de forma unívoca, no sentido de atenuar a gravidade das consequências nocivas do fracionamento do imóvel.
Com efeito, em primeiro lugar, tratando-se da expropriação de terrenos classificados para exploração florestal, cujo valor foi determinado, na avaliação pericial, com base no rendimento potencial dado pela produção de madeira, tem de concluir-se que a redução da largura de um deles, ainda que drástica, perde grande parte da sua relevância no âmbito de tal finalidade, tanto mais que a parcela em causa, apesar disso, mantém uma área de 1.444 m2.
Da mesma forma, a circunstância de, antes da expropriação, o imóvel dispor de uma área de cerca de 14.000 m2 (somando a área expropriada e as parcelas sobrantes), sendo servido apenas por um caminho estreito, em saibro, que liga à Rua ..., a cerca de 50m a nascente, conduz a uma clara diminuição da importância da perda do acesso, para um dos terrenos sobrantes, ao referido caminho.
Relevando ainda no mesmo sentido a questão da aptidão ou potencialidade do prédio, antes e depois do fracionamento, cuja eventual alteração constitui um dos factores decisivos, como têm defendido doutrina e jurisprudência, na apreciação do pedido de expropriação total (cfr. Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Ob. cit., p. 253, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/12/2007, acessível na já citada base de dados e segundo o qual, na decisão sobre o pedido de expropriação total, deve determinar-se objectivamente se ocorre perda grave das utilidades do prédio, atendendo-se à natureza e aptidão deste, antes e depois do seu desmembramento pela expropriação).
No caso dos autos, a referida aptidão não sofreu qualquer modificação por força da expropriação parcial, como resulta dos factos provados, pois os terrenos em questão mantêm a sua potencialidade para a exploração florestal, precisamente como sucedia antes da expropriação.
Acresce, finalmente, com o efeito de mitigar claramente os efeitos nefastos do fracionamento em apreciação, que o imóvel expropriado sempre se caracterizou por uma pendente acentuada, no sentido poente/nascente, algo que, de acordo com máximas de experiência comum, é susceptível de dificultar a capacidade de exploração florestal atribuída aos terrenos e que, naturalmente, existe desde muito antes da expropriação.
Daqui decorrendo que o destino efetivo ou possível do imóvel, numa utilização económica normal, a que o art. 23.º/1 do Código das Expropriações atribui especial relevância, não resulta afectado com o fracionamento.
E, por todo o exposto, a conclusão de que as vantagens ou os cómodos proporcionados pelo imóvel não são atingidos com a gravidade indispensável para justificar a expropriação total.
Vale por dizer, pois, que na operação de verificar previamente sobre a eventual suficiência da indemnização prevista no art. 29.º do CE, que acima defendemos como essencial, na sua conjugação com o art. 3.º do mesmo diploma, é justificada, a nosso ver, no caso dos autos, considerando todas as circunstâncias relevantes, a resposta afirmativa.
Procede, por isso, a pretensão recursiva de revogação da decisão que concedeu a expropriação total prevista no segundo daqueles preceitos legais.
Em consequência, as parcelas sobrantes mantêm-se na propriedade dos expropriados.
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No que tange às consequências resultantes do indeferimento do pedido de expropriação total, a entidade expropriante, nas suas alegações de recurso, procede a uma distinção:
a) quanto à parcela sobrante nascente, aceita a desvalorização proposta pelos Srs. peritos para esta parte de 50%;
b) quanto à parcela sobrante poente, discorda em absoluto da sua expropriação, bem como da atribuição de qualquer indemnização por alegada, mas não verificada, desvalorização, preconizando a sua recusa ou a realização de diligências para o seu ulterior apuramento.
Não reconhecemos, todavia, fundamento bastante em tal distinção.
Segundo pensamos, é irrecusável a existência de depreciação em ambas as parcelas, em consequência do seu desmembramento, a qual, embora insuficiente para o recurso à expropriação total, constitui sólido respaldo para a aplicação do disposto no art. 29.º do Código das Expropriações.
Recorde-se que, de acordo com tal norma legal, nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública (nº1).
Acrescentando que, quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada (nº2).
Ora, os peritos cumpriram a referida determinação legal, como resulta dos factos considerados provados, expondo que, nesta conformidade, fazem o enquadramento da depreciação das partes sobrantes nos termos seguintes: a) a ser admitida, no âmbito da expropriação, a aquisição da totalidade da área do prédio, atribui-se as parcelas sobrantes o valor unitário do terreno expropriado. b) Caso esteja garantida pela entidade Expropriante a servidão de passagem para a parcela sobrante poente, atribui-se às parcelas sobrantes uma desvalorização de 50%.
Crê-se que esta conclusão pericial está devidamente fundamentada, observa cabalmente aquela disposição legal e torna inteiramente justificada a atribuição da indemnização proposta.
Com efeito, a perda de acesso ao caminho de serventia, obrigando à realização de diligências, previsivelmente morosas, para a constituição de uma servidão de passagem, a fim de garantir e manter o acesso do prédio com o exterior, determina inegavelmente, por isso mesmo, a depreciação da parcela em causa, o mesmo resultando dos potenciais conflitos que tais diligências sempre podem provocar com os proprietários dos prédios vizinhos.
De modo que, em coerência com a solução preconizada, inclusivamente nas alegações de recurso, quanto à parcela sobrante nascente, identicamente a constituição da parcela poente, mercê da expropriação, deve determinar a atribuição de indemnização prevista no art. 29.º do CE.
E que, segundo resulta do relatório pericial, deve ser fixada por referência a uma desvalorização de 50%.
Sem que a consideração desse valor, apesar de os expropriados não o terem requerido expressamente, possa causa qualquer embargo, a nosso ver, ao princípio do dispositivo, uma vez que, como acima se disse, a compensação por depreciação constitui um minus face à requerida expropriação total, por um lado, e por outro, por integrar apenas uma das componentes que a fixação da justa indemnização sempre deve considerar.
Para além disso, não obsta à atribuição daquela desvalorização, segundo se crê, o facto de os peritos terem fixado a percentagem indicada de forma aparentemente condicional e na dependência de ser garantida pela entidade expropriante a servidão de passagem para a parcela sobrante poente.
Entendemos, na verdade, que essa referência constante no relatório pericial deve ser hábil e devidamente interpretada, no sentido de pretender convocar a situação ideal para a exploração futura das parcelas sobrantes, e não com o significado de que a garantia de acesso pela expropriante deva contender com o quantum atribuído à desvalorização.
Visto que, de outro modo, não se poderia compreender que a existência da servidão para a parcela sobrante poente tivesse o condão de alterar o montante da desvalorização da parcela nascente, pois esta mantém o acesso ao caminho de serventia de que sempre dispôs.
Tal como, a ser de outra forma, não seria compreensível o motivo para o reconhecimento da depreciação da parcela poente, certo que o único facto capaz de fundamentar semelhante juízo, constante nos autos e no relatório pericial, como se viu, é precisamente a perda de comunicabilidade ao caminho de serventia, razão pela qual, garantida a servidão, nada existiria com o efeito de diminuir o valor proporcional da parcela.
Assim sendo, a referência à desvalorização de 50% quanto a ambas as parcelas sobrantes, manifestada no relatório pericial, apenas pode ser entendida como resultado da diminuição drástica da largura de uma delas, e da perda de acesso ao caminho de serventia da outra, e sem que tal resultado fique na dependência da idealizada constituição servidão de passagem.
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É certo, no entanto, que a entidade expropriante, nas alegações de recurso, afirmou a verificação de um conjunto de factos tendente à possível exclusão da indicada depreciação da parcela sobrante poente.
Assim, referiu que na zona envolvente existem inúmeros terrenos similares às ora áreas sobrantes, igualmente acessíveis através de caminhos de servidão (conclusão XI), assim como, que através dos prédios sobrantes das parcelas ..., ... e ... é possível a servidão de acesso à parcela sobrante poente em causa nos autos (art. 36 das alegações) e igualmente que, não obstante os prédios das parcelas ... e ... serem autónomos, são propriedade dos mesmos interessados (art. 37 das alegações).
A verdade, porém, é que tais factos não podem ser atendidos por este Tribunal da Relação no âmbito do recurso, uma vez que não foram alegados nem debatidos em primeira instância, nem tão pouco a recorrente impugnou a matéria de facto provada nos termos do art. 640.º do CPC.
Com efeito, está há muito consolidado o entendimento de que, visando a reapreciação da decisão de primeira instância, quer de direito quer de facto, os recursos não se destinam a suscitar e decidir questões novas, que não tenham sido colocadas e apreciadas no tribunal recorrido.
Como refere a doutrina, a fase dos recursos não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação daqueles que tenham sido anteriormente apresentados e não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição dos meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados pela livre iniciativa da parte (cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 337 e 344).
E daí que a inviabilidade de conhecimento de questões novas também tenha aplicação a respeito da matéria de facto, em linha, aliás, do que foi já preconizado por este Tribunal da Relação do Porto, designadamente, no Acórdão de 10/1/2022, tirado no processo nº725/17.1T8VNG.P1, disponível em dgsi.pt, segundo o qual, na medida em que os recursos visam por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está vedado ao tribunal de recurso apreciar as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, salvo se de conhecimento oficioso. Consequentemente, não pode este tribunal de recurso reapreciar a prova produzida com vista a aquilatar se os factos novos alegados pela recorrente só agora no recurso e não no momento processual adequado foram cabalmente demonstrados (destacado nosso).
O mesmo é dizer, pois, em conclusão, que na parte relativa às consequências da inviabilidade do pedido de expropriação total, as alegações da recorrente não procedem, com a ressalva da questão da depreciação da parte sobrante nascente, que ela declarou aceitar.
Tal decaimento parcial, por outro lado, deve também ser considerado em sede da responsabilidade por custas da expropriante, sem embargo do seu vencimento na questão mais importante debatida no recurso, respeitante à expropriação total, ficando assim justificada a respectiva tributação e que se mostra adequado fixar em metade da proporção devida pelos expropriados.
Salientando-se, por fim, como inicialmente advertimos e resulta das alegações, que a improcedência da expropriação total impõe a reformulação do valor da indemnização devida aos proprietários, operação para a qual importa atender à soma do valor indemnizatório da parcela expropriada, fixado em € 17.433,60, com 50% do valor inicialmente atribuído às sobrantes, ou seja, de € 1.732,80 e de € 6.278,40, o que perfaz € 25.444,80.
Nesta revisão em baixa do cálculo da indemnização, todavia, é mister tomar em consideração, com o sentido de atenuar tal diminuição, por um lado, a actualização do valor daquela resultante do disposto no art. 24.º/1 do Código das Expropriações, que se crê de aplicação forçosa e independente de pedido, tanto mais que é essencial na fixação da justa indemnização, como foi realçado no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 19/09/2011 (disponível em jurisprudência.pt).
E, por outro lado, Acórdão para Fixação de Jurisprudência do STJ nº 7 de 12 de Julho de 2001, in DR 248 de 25.10.2001, no sentido de que, “havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.”
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DECISÃO Com os fundamentos expostos, pela parcial procedência do recurso, revoga-se a sentença, na parte relativa ao pedido de expropriação total, que vai julgado improcedente, e em consequência fixa-se a indemnização devida aos expropriados, pela expropriação da parcela indicada no nº1 dos factos provados, em € 25.444,80 (vinte e cinco mil e quatrocentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos), sem prejuízo da sua actualização, nos termos previstos no art. 24.º/1 do Código das Expropriações e no Acórdão para Fixação de Jurisprudência do STJ nº7 de 12 de Julho de 2001. Na parte restante, nega-se provimento ao recurso. Custas do recurso pela recorrente, na proporção de 1/3, e pelos recorridos, no restante.
Notifique.
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)
Porto, 23/09/2024
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Fernanda Almeida
Eugénia Cunha